UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS
CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
PRESSUPOSTOS JURIDICOS DO ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO
POLICIAL
Acadêmico: Ademar de Jesus dos Santos Prestes
São José (SC), novembro de 2007.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS
CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
PRESSUPOSTOS JURIDICOS DO ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO
POLICIAL
Monografia apresentada como requisito
para obtenção do grau em Direito na
Universidade do Vale do Itajaí.
Acadêmico: Ademar de Jesus dos Santos Prestes
Orientador: Professor e PhD Gilberto Callado de Oliveira
São José (SC), novembro de 2007.
4
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, por iluminar meu caminho.
À minha mãe e à memória do meu pai, pelos ensinamentos transmitidos
indicando o caminho a seguir.
À minha linda filha Bruna, de 10 anos de idade, por entender a minha
ausência durante esta pesquisa.
À memória do meu irmão, 33 anos, Juvenil dos Santos Prestes, que, no
dia 04/08/2003, na Cidade de Balneário Camboriú – SC, por volta das 8h, foi
encontrado no interior de seu veículo, atingido na cabeça por projétil de arma de
fogo, sendo o mesmo socorrido e encaminhado ao Hospital, aonde veio a óbito.
Apesar do exame de constatação de resíduos de pólvora na mão da vítima ter sido
negativo, concluiu o Ministério Público daquela comarca que se tratou de atentado
contra a própria vida. O inquérito foi arquivado por inexistir justa causa para
deflagração de ação penal e por falta de existência do crime e indício insuficiente de
autoria.
Aos meus 10 (dez) irmãos, pelo apoio e incentivo para conclusão do
curso.
Em especial ao meu orientador, Professor e PhD Gilberto Callado de
Oliveira, que, com seus conhecimentos, nunca mediu esforços para me orientar
nesta trajetória acadêmica, sem o qual este trabalho não teria acontecido.
A todos os meus professores, que durante estes longos anos de estudos
compartilharam seus conhecimentos comigo, em especial à Professora Lorena
Consolata Pelin de Souza e à Professora Erica Lourenço de Lima Ferreira, os meus
profundos agradecimentos.
À minha grande companheira e amiga Isabel, pois sem ela nada disto
teria acontecido; paciente, generosa sempre me incentivando a nunca desistir do
meu sonho – O conhecimento.
Enfim, a todos àqueles/as que, de alguma forma, contribuíram na
elaboração deste trabalho.
5
DEDICATÓRIA
É com muito carinho, depois de muito estudo, horas a fio, ausência,
paciência, compreensão e apoio recebido na trajetória da construção desta
pesquisa, que a dedico, à minha companheira e amiga de caminhada.
E a todos que de alguma forma contribuíram para a conclusão do curso.
6
“Se, na defesa do direito, o argumento é a alma, a linguagem é
o corpo. Sem esta síntese não se equilibra a justiça”.
(LUCIANO CORREIA DA SILVA, in Português Forense,
Saraiva)
7
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do
Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de
toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
São José (SC), novembro de 2007.
Ademar de Jesus dos Santos Prestes
Graduando
8
RESUMO
O tema deste estudo monográfico compreende o arquivamento do inquérito policial e
sua relação com o fumus boni iuris, expressão que se refere à aparência ou
probabilidade de bom direito. Isso significa que, para que se possa dar início a um
processo penal, não se permitindo o arquivamento do inquérito, é necessário que a
investigação realizada durante o inquérito policial tenha resultado na indicação do
provável autor e da materialidade do crime. O objetivo geral do estudo consiste em
analisar as implicações da impossibilidade de se evidenciar a presença do fumus
boni iuris no inquérito policial, ou seja, quando não há qualquer prova ou indício de
autoria e materialidade do crime. A justificativa desta pesquisa está ligada à
necessidade de se esclarecer quando deve o Ministério Público realizar o
arquivamento do inquérito policial. A partir da realização da pesquisa, infere-se que,
quando se configura uma situação em que todo o processo não consegue apurar a
infração penal, delimitando a autoria e comprovando a materialidade do crime,
procede-se ao arquivamento do inquérito policial. O próprio art. 312, do Código de
Processo Penal, determina que, para se decretar a prisão preventiva, é necessária a
“existência do crime e indício suficiente de autoria”. Também a propositura da ação
penal pressupõe que tais condições se façam presentes. Nesse sentido, pode-se
afirmar que, se inexiste a aparência de bom direito - fumus boni iuris -, o
arquivamento do inquérito policial é um dever do Ministério Público.
Palavras-chave: inquérito policial; prova; arquivamento; fumus boni iuris; crime,
materialidade.
9
ROL DE ABREVIATURAS OU SIGLAS
Art. – Artigos.
CPP – Código Processo Penal.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Nº - número
STF – Supremo Tribunal Federal.
STJ – Superior Tribunal de Justiça.
10
SUMÁRIO
RESUMO.......................................................................................................................08
INTRODUÇÃO ..............................................................................................................11
1 INQUÉRITO POLICIAL NO BRASIL .........................................................................14
1.1 CONCEITO .............................................................................................................14
1.2 NATUREZA DO INQUÉRITO ..................................................................................16
1.3 FINALIDADE ...........................................................................................................20
1.4 INÍCIO E PROVIDÊNCIAS DO INQUÉRITO...........................................................22
1.5 INQUÉRITO E PROPOSITURA DA AÇÃO PENAL ................................................27
1.6 PRINCÍPIOS DO INQUÉRITO POLICIAL ...............................................................30
2 ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL .........................................................32
2.1 OS PRESSUPOSTOS DO ARQUIVAMENTO NA DOUTRINA...............................32
2.2 OS PRESSUPOSTOS DO ARQUIVAMENTO NA JURISPRUDÊNCIA ..................38
2.3 NOVAS PESQUISAS APÓS ARQUIVAMENTO .....................................................41
3 FUMUS BONI IURIS NO INQUÉRITO POLICIAL .....................................................45
3.1 CONCEITO DE FUMUS BONI IURIS......................................................................45
3.2 A PROVA DA INFRAÇÃO PENAL ..........................................................................47
3.2.1 Prova testemunhal .............................................................................................49
3.2.2 Prova documental ..............................................................................................51
3.2.3 Prova pericial......................................................................................................52
3.2.4 Confissão ............................................................................................................54
3.2.5 A prisão em flagrante.........................................................................................56
3.3 PROVA DE INDÍCIO DA AUTORIA.........................................................................57
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................62
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................64
11
INTRODUÇÃO
O tema deste estudo monográfico compreende o arquivamento do
inquérito policial e sua relação com o fumus boni iuris, expressão que se refere à
aparência ou probabilidade de bom direito. Isso significa que, para que se possa dar
início a um processo penal, não se permitindo o arquivamento do inquérito, é
necessário que a investigação realizada durante o inquérito policial tenha resultado
na indicação do provável autor e da materialidade do crime.
A realização da presente pesquisa partiu da consideração da hipótese de
que é significativamente amplo o direito de se inquirir, de maneira minuciosa, à
investigação de um fato dotado de tipicidade, ou seja, de investigar a existência de
um crime. O arquivamento do inquérito policial não pode ocorrer sem que se façam
presentes os pressupostos do arquivamento e as condições doutrinárias para tal ou
existam evidências de que a investigação conduzirá ao nada. Portanto, antes de
proceder ao arquivamento do inquérito policial, é necessário assegurar-se de que
não se pode chegar ao fumus boni iuris, ou seja, que a autoria e a materialidade do
inquérito policial não podem ser determinada de forma transparente.
Dessa forma, o objetivo geral do estudo consiste em analisar as
implicações da impossibilidade de se evidenciar a presença do fumus boni iuris no
inquérito policial, isto é, de que não há qualquer base razoável para indicar uma
provável autoria e materialidade do crime, resultando no arquivamento do inquérito
policial.
A justificativa desta pesquisa está ligada à necessidade de se esclarecer
quando deve o Ministério Público realizar o arquivamento do inquérito policial, ou
seja, quais as diligências que se constituem como a base para o arquivamento do
inquérito. Em outras palavras, é fundamental indicar em que situações se pode
interromper o andamento jurídico do inquérito no intento de evitar que as
investigações sejam arquivadas de forma precipitada, ou que siga adiante um
inquérito no qual há evidência de inexistência de base razoável para a autoria e
materialidade do crime, tornando vazia a eventual possibilidade de propositura da
ação penal.
12
Um dos princípios basilares da ação penal pública compreende o da
obrigatoriedade, de acordo com o qual deve o Ministério Público, em se identificando
a existência de justa causa, oferecer denúncia imputando um fato delituoso a
alguém. Nesse sentido, dispõe o art. 24 do Código de Processo Penal que: “nos
crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público,
mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de
representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo”.
O princípio da obrigatoriedade está relacionado ao fato de que os delitos
não podem ficar impunes. Uma vez que ocorra a infração penal, é preciso que o
Estado promova o jus puniendi, sem conceder aos órgãos encarregados da
persecução penal poderes discricionários para apreciar a conveniência e
oportunidade de apresentar a pretensão punitiva ao Estado-juiz. Também por meio
desse princípio, a autoridade policial é obrigada a instaurar o inquérito policial.
A identificação da existência de justa causa, para que o Ministério Público
promova a ação penal, depende diretamente da realização do inquérito policial. A
Constituição Federal de 1988, em seu art. 129, inciso VIII, dispõe que é função
institucional do Ministério Público “requisitar diligências investigatórias e a
instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas
manifestações processuais”.
Dessa forma, tem-se que o inquérito policial se apresenta como um
relevante instrumento informativo, de caráter administrativo, para que o Ministério
Público possa oferecer denúncia de fato delituoso. Além disso, em virtude do
acentuado aumento do índice de criminalidade1, é também um instrumento valioso
para o promotor de justiça, uma vez que oferece a denúncia nos crimes de ação
penal pública. Assim, por sua relevância, torna-se fundamental que o inquérito
policial seja desenvolvido de forma eficiente e coerente, o que evita que o mesmo
seja arquivado de modo inadequado.
1
De acordo com os dados do IBGE, em 1994, o Brasil possuía 130 mil presos e, em 2005, esse
número passou para 370 mil pessoas, podendo chegar a meio milhão em 2007. A população
carcerária dobrou entre os anos de 1995 e 2003, e o Brasil tem o maior número de presos da
América, com 187,7 para cada 100 mil habitantes; só perde para os Estados Unidos da América.
Grande parte desses presos encontram-se envolvidos com o tráfico de entorpecentes: em 1991, no
Rio de Janeiro, foram registradas 394 ocorrências por tráfico e, em 1999, foram 2.906 registros. Em
São Paulo, em 1996, foram 7.367 ocorrências e 13.935 em 2003, o que representa um acréscimo de
89% (NEVES, 2006, p. 6).
13
O arquivamento do inquérito policial, relacionado ao crime de ação penal
pública, não pode ser efetuado pelo juiz, nem pelo tribunal, sem a anterior
manifestação
do Ministério
Público.
O
Ministério
Público,
por
disposição
constitucional, detém o monopólio do poder de ação. É exclusivamente sua a tarefa
de promover a ação penal. Tal instituição examina e delibera se é caso ou não de
oferecer denúncia, ampliar ou arquivar as investigações. Dessa maneira, na hipótese
de o juiz determinar o arquivamento sem manifestação ministerial prévia, ocorrerá
intromissão desautorizada na seara alheia.
A sistemática processual do ordenamento jurídico pátrio, sobretudo em
virtude da regra do art. 28 do Código de Processo Penal, indica que o Ministério
Público tem o poder de requerer o arquivamento do inquérito. O arquivamento
somente se dá depois que o órgão do Ministério Público, após a realização de todas
as diligências cabíveis, convencer-se da inexistência de base razoável para o
oferecimento
de
denúncia.
Dessa
forma,
poderá
ser
promovido,
fundamentadamente, o arquivamento dos autos da investigação ou das peças de
informação.
Tendo por base essa problemática existente em torno da probabilidade do
bom direito – fumus boni iuris –, enquanto fundamento razoável da autoria e
materialidade do crime, a metodologia adotada no estudo é o método dedutivo, que
parte de pressupostos gerais para se aplicar a casos particulares de modo a
sustentar uma formulação geral anteriormente estabelecida. A pesquisa é ainda
constituída de duas etapas, a saber: a documental, baseada no levantamento e
análise da legislação relacionada ao inquérito policial, e a bibliográfica, pautada na
leitura e estudo dos doutrinadores e juristas que tratam da temática em questão.
A
estrutura
da
monografia
é
formada
de
três
capítulos
de
desenvolvimento. No primeiro, aborda-se o inquérito policial e sua caracterização no
direito pátrio; no segundo, trata-se da questão do arquivamento do inquérito policial,
seus pressupostos e eventuais investigações posteriores; no terceiro, aborda-se o
fumus boni iuris no inquérito policial e sua relação com a prova de autoria e da
materialidade do crime.
14
1 INQUÉRITO POLICIAL NO BRASIL
Este capítulo cuida de diversos aspectos referentes ao inquérito policial,
fundamentais para a compreensão desse instituto jurídico. Inicialmente, trata-se de
conceituar a expressão inquérito policial, apontando, no item seguinte, a natureza
jurídica do inquérito. Depois delimitam-se, em itens específicos, a finalidade do
inquérito, o objeto e os princípios sobre os quais é desenvolvido e a forma como
deve ser iniciado. Ao final, trata-se do inquérito e sua relação com a propositura da
ação penal e de alguns princípios relacionados ao inquérito.
1.1 CONCEITO
O inquérito policial é conceituado por Dotti (2002, p. 646) como a
“apuração sumária do fato que configure infração penal e de sua autoria”. Possui o
caráter de instrução provisória e inquisitorial com a finalidade de oferecer elementos
fundamentais para a propositura da ação penal.
De acordo com Tourinho Filho (2004, p. 68), “o inquérito policial é peça
meramente informativa”. Por meio dele, são apuradas as infrações penais com todas
as suas circunstâncias e a respectiva autoria. O Ministério Público, dotado das
informações levantadas no inquérito, exerce o jus persequendi in judicio, ou seja, dá
início à “perseguição judicial” por meio da ação penal.
Nogueira (1995, p. 36) conceitua o inquérito como “o conjunto de
diligências realizadas pela polícia judiciária visando à apuração de uma infração
penal e sua autoria, para que o titular da ação penal possa ingressar em juízo,
pedindo a aplicação da lei ao caso concreto”.
Nesse mesmo sentido, é o conceito oferecido por Noronha (2002, p.
21/22), afirmando que, por meio do inquérito judicial, a polícia judiciária, exercendo
15
sua função repressiva, colhe os elementos que elucidam a prática do crime, evitando
que tais elementos desapareçam, para que, em momento posterior, possa ter lugar a
ação penal.
No entender de Rangel (2006, p. 66), embora o Código de Processo
Penal brasileiro não defina de forma clara o que vem a ser o inquérito policial, este
pode ser assim conceituado:
[...] um conjunto de atos praticados pela função executiva do estado
com o escopo de apurar a autoria e materialidade (nos crimes que
deixam vestígios – delicta facti permanentis) de uma infração penal,
dando ao Ministério Público elementos necessários que viabilizem o
exercício da ação penal.
A exposição de motivos do Código de Processo Penal evidencia que o
inquérito policial foi mantido como processo preliminar ou preparatório da ação
penal. Dessa forma, este conjunto de atos administrativos, tendo em vista a
elucidação de um fato que configura infração penal, precede a instauração da
competente ação penal.
Em realidade, o inquérito policial possui uma função garantidora. Isso
significa que a investigação tem o caráter nítido de evitar a instauração de uma
persecução penal infundada por parte do Ministério Público diante do fundamento do
processo penal, que é a instrumentalidade e o garantismo penal. Esse garantismo
procura evitar o custo para o sujeito passivo, bem como para o Estado, de um juízo
desnecessário (RANGEL, 2006, p. 67).
Na concepção de Rodrigues (2006), o inquérito policial representa o
conjunto de diligências efetuadas pela polícia judiciária, visando à apuração da
prática de uma infração penal e de sua autoria. É por meio do inquérito policial que
são apurados os crimes de ação pública. Ademais, o inquérito configura-se como um
procedimento administrativo (policial), preparativo e informativo, instaurado no intuito
de fornecer os subsídios à propositura da ação penal aos seus titulares, quais sejam,
o Ministério Público – ação penal pública, e o ofendido – ação penal privada
(destinatários imediatos) (RODRIGUES, 2006).
Assim, para que o Estado exerça seu dever de punir, indispensável se faz
recolher o mínimo de elementos probatórios que possam indicar a ocorrência do fato
e de sua autoria. Embora não exclusivo, o meio mais comum para captação desses
16
elementos é o inquérito policial, segundo se extrai do parágrafo único do art. 4º do
Código de Processo Penal, visto que as autoridades administrativas também
poderão, nos casos especificados em lei, desempenhar função idêntica à da
autoridade policial (AZEVEDO, 2006).
Em relação à apuração de fatos, dispõe o art. 4º do Código de Processo
Penal, em redação dada pela Lei nº 9.043, de 9 de maio de 1995, que “a polícia
judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas
circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria”. O
parágrafo único do mesmo dispositivo determina que essa competência da polícia
judiciária não excluirá a de autoridades administrativas, a quem, por lei, seja
designada a mesma função. Portanto, cabe à polícia, dentro da abrangência de sua
atuação, abrir inquérito para investigar todos os crimes que ali acontecem.
1.2 NATUREZA DO INQUÉRITO
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso LVII, dispõe que
ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória. Isso significa que ninguém pode ser punido sem que haja um
processo, observando-se a ampla defesa, o regular contraditório, o duplo grau de
jurisdição e a igualdade das partes.
Com isso, tem-se que o Estado soberano, afirma Tourinho Filho (2004, p.
62), como titular do direito de punir, autolimitou tal direito e, quando alguém
transgride a norma penal incriminadora, a punição somente será efetivada através
do processo. E, para que isso ocorra, é necessário que o Estado-Administração leve
a notícia daquele fato ao conhecimento do Estado-Juiz, indicando-lhe o respectivo
autor, com a finalidade de declarar se procede ou improcede, se é fundada ou
infundada a pretensão estatal. Dessa forma, a natureza do inquérito policial é
administrativa.
17
Conforme explica Nogueira (1995, p. 38), o inquérito policial compreende
uma peça meramente investigatória, escrita, sigilosa, destinada a obter elementos
do fato delituoso e da respectiva autoria com o fim de fundamentar a ação penal. É
por meio dele que são colhidos os indícios essenciais para o oferecimento da
denúncia ou da queixa-crime, que, por sua vez, compreendem as peças iniciadoras
da ação penal pública ou privada, respectivamente. Trata-se de procedimento
administrativo destinado a apurar a infração penal e sua autoria, que servirá de base
à ação penal.
Nesse mesmo sentido, Rangel (2006, p. 69) sustenta que, uma vez
entendido que o inquérito policial integra a realização de um dos atos praticados
pelo Estado soberano (ato administrativo), torna-se evidente sua correta colocação
dentro da sistemática jurídica vigente. Portanto, sua natureza jurídica é de um
procedimento
de índole meramente administrativa,
de caráter
informativo,
preparatório da ação penal.
Rangel acrescenta que (2006, p. 69):
O inquérito é um instituto que deve ser estudado à luz do direito
administrativo, porém dentro do direito processual penal, já que são
tomadas medidas de coerção pessoal e real contra o indiciado,
necessitando, neste caso, de intervenção do Estado-juiz.
Durante o procedimento do inquérito policial, o Estado desenvolve uma
atividade denominada persecutio criminis, no primeiro momento, por meio da Polícia
Judiciária ou Polícia Civil2 e, no segundo momento, através do Ministério Público.
Essas instituições foram criadas pelo Estado como forma de personificação do
interesse da sociedade na repressão a infrações penais. Dessa forma, é o órgão do
Ministério Público quem leva ao conhecimento do juiz, através da denúncia, o fato
que se reveste da aparência delituosa, indicando seu autor, no intento de que o juiz
possa verificar se deve, ou não, puni-lo. Por sua vez, é a Polícia Civil quem leva ao
2
Polícia Judiciária é o nome atribuído à Polícia Civil no Código de Processo Penal. Entretanto, a
Constituição Federal de 1988, no art. 144, § 4º, dispõe que: “Às polícias civis, dirigidas por delegados
de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária
e a apuração de infrações penais, exceto as militares”. Por conseguinte, é à Polícia Civil que incumbe
a elaboração do inquérito, enquanto a Polícia Judiciária destina-se ao cumprimento das requisições
dos Juízes e membros do Ministério Público, como se extrai do art. 13 do Código Processual Penal.
Ademais, o uso já consagrou a denominação de Polícia Judiciária não somente para a que elabora os
inquéritos, mas também à que realiza requisições de Juízes e Promotores (TOURINHO FILHO, 2004,
p. 63).
18
conhecimento do Ministério Público a notícia desse fato delituoso (TOURINHO
FILHO, 2004, p. 62).
Tendo por base a natureza administrativa do inquérito policial, tem-se que
suas características compreendem: ser escrito, conforme determinação do art. 9º do
Código de Processo Penal, ser sigiloso, segundo determinação do art. 20 do mesmo
diploma legal, e ser inquisitivo, uma vez que nele não há contraditório (TOURINHO
FILHO, 2004, p. 68).
Nogueira (1995, p. 38) ainda acrescenta que se trata de uma peça
investigatória, visto que se destina a fazer investigações acerca do fato criminoso e
sobre seu autor. Não possui qualquer rito preestabelecido para sua elaboração,
porém necessita obedecer a certa ordem, com o interrogatório do indiciado depois
de colhidas determinadas provas, tais como declarações das vítimas, perícias,
testemunhas. Em virtude da discricionariedade da autoridade que comanda as
investigações, o inquérito policial pode também ser denominado de inquisitivo. É um
procedimento escrito, uma vez que todas as suas peças são reduzidas a escrito e
geralmente digitalizadas. Além disso, é também sigiloso, em virtude do interesse das
investigações, do acusado e da própria sociedade.
Segundo Tourinho Filho (2004, p. 68), embora o inciso LV do art. 5º da
Constituição Federal de 1988 disponha que os “litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla
defesa, com os recursos a ela inerentes”, isso não significa que o inquérito seja
contraditório. A expressão “processo administrativo” possui, neste caso, outro
sentido, mesmo porque no inquérito não há litigante, e a Constituição faz referência
aos litigantes em processo judicial ou administrativo.
Em relação ao assunto, Tourinho Filho (2004, p. 69) ainda acrescenta:
O inquérito é medida preparatória para o exercício da ação penal, e,
por sinal, dispensável, desde que o titular da ação penal disponha de
elementos que o autorizem a ingressar em juízo. A garantia está
destinada aos “processos administrativos” e inclusive às sindicâncias.
Com o objetivo de impor sanções) que tramitam pelos diversos
órgãos da Administração Pública [...]. Ora, se o inquérito não tem
finalidade punitiva, por óbvio não admite o contraditório.
Cabe pontuar ainda que a Constituição faz referência aos “acusados em
geral”, assegurando-lhes “o contraditório e ampla defesa, com os meios e os
19
recursos a ela inerentes”. Nesse caso, a expressão “acusados em geral” engloba,
também, a figura do “indiciado”, do “investigado”, do “suspeito”, sendo que o
contraditório implica diversos poderes que não são e não podem ser encontrados no
inquérito policial, tais como: formular perguntas às testemunhas, ter o direito de
requerer diligências que lhe interessam, não podendo sua realização se constituir
como simples faculdade da autoridade policial.
Além disso, na técnica do processo penal, o contraditório consiste,
conforme sustenta Tourinho Filho (2004, p. 69), em última instância, em se poder
contrariar a acusação. Se no inquérito inexiste acusação, mas investigação, não se
pode admitir contraditório naquela fase preambular da ação penal. Se o indiciado
sofrer constrangimento ilegal na sua liberdade de locomoção, como prisão ilegal,
inquérito sem fundamento, por exemplo, terá direito ao habeas corpus.
Não é outro o entendimento expresso por Rangel (2006, p. 69), ao
sustentar que não há como se aplicar o princípio do contraditório ao inquérito
policial, visto que se trata, nitidamente, de um procedimento e não de processo
administrativo, com o escopo de apurar a prática de um fato, em tese, dito como
infração penal. Ademais, o indiciado não está sendo acusado de coisa alguma, mas
apenas sendo objeto de investigação com todos os direitos previstos na
Constituição.
Portanto,
separando
o
inquérito
policial
da
ação
penal,
que,
eventualmente, pode ser instaurada, observa-se que o contraditório somente poderia
ser aplicado durante o exercício da função jurisdicional e não da função executiva. A
utilização do contraditório no procedimento policial de investigação significaria uma
regressão para a atuação policial, uma vez que inutilizaria todo o esforço
investigatório que a polícia deve realizar para a preparação da ação penal
(RANGEL, 2006, p. 69).
Em suma, o inquérito policial possui natureza de procedimento
administrativo, cuja principal finalidade consiste em levantar as informações
necessárias para a instauração ou não da ação penal, não cabendo a aplicação do
princípio do contraditório a esse procedimento.
20
1.3 FINALIDADE
O inquérito policial, a partir dos dispositivos do Código de Processo Penal,
sobretudo os arts. 4º e 12, tem como finalidade a apuração da existência de infração
penal e a identificação do seu respectivo autor, a fim de que o titular da ação penal
disponha de elementos que o autorizem a promovê-la. Apurar a infração penal
significa colher informações acerca do fato criminoso (TOURINHO FILHO, 2004, p.
64).
Para tanto, afirma Tourinho Filho (2004, p. 64/65), a Polícia Civil
desenvolve diversas atividades, tais como: ouvir testemunhas, tomar declarações
das vítimas, proceder a exames periciais e de instrumentos do crime, determinar
buscas e apreensões, efetuar acareações, realizar reconhecimentos, bem como
colher informações relacionadas ao fato delituoso, entre outras medidas que possam
auxiliar no esclarecimento do fato. Apurar a autoria significa que a autoridade policial
precisa desenvolver a necessária atividade tendo em vista a identificação e o
conhecimento do verdadeiro autor do fato infringente da norma. Uma vez apurada a
autoria, o inquérito policial possibilita que o titular da ação penal, seja ele o Ministério
Público ou o ofendido, possa executá-la.
Rangel (2006, p. 67) pontua que o inquérito policial não tem a finalidade
de apurar a culpa, mas sim buscar a verdade de um fato da vida que possui
aparente tipificação penal. Dessa forma, tem-se que o Ministério Público possui o
dever de exigir que a investigação seja efetuada pela polícia, a qual exerce a
atividade de polícia judiciária e, portanto, atua com respeito aos direitos e garantias
individuais, colhendo as informações necessárias e verdadeiras, sejam a favor ou
não do indiciado.
O inquérito policial não é considerado indispensável à propositura da
ação, uma vez que o Ministério Público pode intentar a competente ação penal sem
esse procedimento administrativo. Em tais casos, é suficiente ter elementos
necessários que viabilizem o exercício da ação, elementos estes que podem ser
obtidos com a notitia criminis ou com peças de informação (RANGEL, 2006, p.
67/68).
21
A notitia criminis é conceituada por Mirabete (1998, p. 81) como “o
conhecimento, espontâneo ou provocado, pela autoridade policial de um fato
aparentemente criminoso”. É espontâneo quando o conhecimento da infração penal
pelo destinatário da notitia criminis ocorre direta e imediatamente, quando se
encontra a autoridade pública no exercício de sua atividade funcional. É provocada
quando a notícia do crime é transmitida à autoridade policial pelas diversas formas
previstas na legislação processual penal, consubstanciando-se, portanto, num ato
jurídico.
A hipótese de notícia espontânea pode ocorrer por meio do conhecimento
direto ou comunicação não formal, como nos casos de encontro de corpo de delito,
comunicação
de
um
funcionário
subalterno,
informação
pelos
meios
de
comunicação, entre outras formas. Já a notícia provocada, engloba as situações de
comunicação formal da vítima ou de qualquer pessoa, por representação, por meio
de requisição judicial ou do Ministério Público, entre outros casos. Pode ainda a
notícia do crime estar revestida de forma coercitiva, hipótese de prisão em flagrante
por funcionário público no exercício de suas funções ou por particular (MIRABETE,
1998, p. 81).
Em muitas situações, o promotor de justiça recebe das mãos de qualquer
pessoa do povo uma notitia criminis, de modo que enseje ação penal pública, ou
procedimento administrativo de outro órgão da administração, por exemplo,
Secretaria de Fazenda, apurando ilícito penal de sonegação de impostos praticado
por contribuinte, e, nesse caso, já se fazem presentes os elementos necessários
para imputar ao autor do fato um ilícito penal. Conforme Rangel (2006, p. 68), nesse
caso, a instauração de inquérito policial para propositura da ação é dispensável.
Ressalte-se que o valor do inquérito situa-se essencialmente em seu
conteúdo informativo. O presidente do inquérito não pode pretender emitir qualquer
juízo de valor sobre a conduta do autor do fato, que, apontado como tal, passa a ser
tratado como indiciado. Dessa forma, segundo Rangel (2006, p. 68), sua finalidade
consiste em preparar os elementos necessários que possibilitem ao titular da ação
penal, seja ela pública ou privada, a descrição correta, na peça exordial (denúncia
ou queixa), dos elementos objetivos, subjetivos e normativos que fazem parte da
figura típica.
22
Importa salientar ainda que a finalidade do inquérito policial, segundo
pontua Capez (2007, p. 75), “é a apuração de fato que configure infração penal e a
respectiva autoria para servir de base à ação penal ou às providencias cautelares”.
Tendo por
base essas
finalidades, o inquérito policial deve
apresentar,
necessariamente, a característica de ser escrito, contendo todas as peças do
inquérito. Não se concebe a existência de uma investigação verbal.
Nesse sentido, merece destaque o art. 9º do Código de Processo Penal,
segundo o qual “todas as peças do inquérito policial serão, num só processo,
reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade”.
Como se observa, fica evidente a necessidade de unificação das peças a serem
apresentadas todas por escrito.
A adoção da forma escrita constitui também uma garantia do investigado,
sustenta Bonfim (2007, p. 104). Conquanto o inquérito policial seja peça informativa,
no seu decorrer é possível que seja atingido o patrimônio jurídico do investigado,
seja devido à necessidade de acesso a informações ordinariamente cobertas pelo
sigilo, seja pela possibilidade de decretação de sua prisão ainda durante o inquérito.
Assim, por estrita determinação legal, o inquérito policial deve ser escrito, para que a
atividade policial de investigação possa ser submetida ao controle de legalidade.
1.4 INÍCIO E PROVIDÊNCIAS DO INQUÉRITO
O início do inquérito policial ocorre por meio do recebimento da notitia
criminis por parte da autoridade policial. De acordo com Tourinho Filho (2004, p. 72),
essa notícia do crime pode ser de cognição imediata ou de cognição mediata e, até
mesmo, de cognição coercitiva. No primeiro caso, a autoridade policial toma
conhecimento do fato infringente da norma através do exercício de suas atividades
rotineiras. Tem-se a notitia criminis de cognição mediata quando a autoridade policial
toma conhecimento do fato por intermédio de requerimento da vítima ou de quem
possa representá-la, requisição da autoridade judiciária ou do órgão do Ministério
23
Público. A cognição coercitiva se fará presente caso a prisão seja em flagrante, uma
vez que, nesse caso, ao tempo em que a autoridade policial toma conhecimento do
fato criminoso, o seu autor lhe é apresentado, conduzido sob coerção.
Assim, o início do inquérito policial ocorre a partir do momento em que a
autoridade policial seja informada de um fato dotado de tipicidade criminal. A partir
desse momento, tem a autoridade policial o direito-dever de determinar a abertura
de inquérito policial. Trata-se de ato vinculado e obrigatório, ou seja, inexiste poder
discricionário, exceto na ação penal privada, dependendo da vontade do ofendido.
Uma vez presente o pressuposto de suspeita de ocorrência de fato dotado de
tipicidade, emerge o dever administrativo de iniciar o inquérito policial (MEDEIROS,
1994, p. 36/37).
Capez (2007, p. 84) sustenta que, no crime de ação penal pública
incondicionada (art. 5º, I e II, §§ 1º e 2º e 3º), a autoridade possui a obrigação de
instaurar o inquérito policial, independentemente de provocação, sempre que tomar
conhecimento imediato e direto do fato, através de delação verbal ou por escrito,
realizado por qualquer um do povo, notícia anônima, por meio de sua atividade
rotineira, ou no caso de prisão em flagrante. Mas, é necessário que haja a justa
causa para que se configure a obrigatoriedade da instauração do inquérito, isto é, é
preciso que haja sinais da existência do fato ilícito.
O ato vinculado, segundo Medauar (2002, p. 180), é aquele que precisa
ser editado sem margem de escolha, visto que a legislação já predetermina o seu
teor, devendo ser atendidas as especificações aí fixadas. O ato vinculado é
realizado pela administração pública em rigorosa observância aos preceitos
jurídicos. Portanto, o inquérito policial deve ser desenvolvido de forma vinculada.
Não há espaço para discricionariedade, ou seja, não cabe à autoridade policial
efetuar escolhas livres de acordo com a conveniência, a oportunidade, os meios e o
conteúdo do inquérito policial.
O poder discricionário, segundo Sidou (2001, p. 649), compreende o
poder de que dispõe a administração pública e, conseqüentemente, seus
funcionários, para a prática de atos com discrição, isto é, com determinada
liberdade, no âmbito e em virtude de determinado fim. Todavia esse poder não se
aplica à autoridade policial quando da realização do inquérito policial que tem caráter
vinculado.
24
Fiorini (apud MEIRELLES, 2004, p. 116) conceitua a discricionariedade
como sendo “a faculdade que adquire a administração pública para assegurar em
forma eficaz os meios realizadores do fim a que se propõe o Poder Público”. Mas, no
caso do inquérito policial, a eficácia do procedimento reside justamente no fato de
que é necessário seguir rigorosamente os procedimentos legais, inexistindo espaço
de liberdade.
No que concerne ao início do inquérito policial, dispõe o art. 5º do CPP:
Art. 5o Nos crimes de ação pública, o inquérito policial será iniciado:
I - de ofício;
II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério
Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade
para representá-lo.
§ 1o O requerimento a que se refere o no II conterá sempre que
possível:
a) a narração do fato, com todas as circunstâncias;
b) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as
razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da infração,
ou os motivos de impossibilidade de o fazer;
c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e
residência.
§ 2o Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de
inquérito caberá recurso para o chefe de Polícia.
§ 3o Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência
de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou
por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a
procedência das informações, mandará instaurar inquérito.
§ 4o O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de
representação, não poderá sem ela ser iniciado.
§ 5o Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente
poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade
para intentá-la.
Não se faz necessária a certeza, basta a existência da suspeita da
ocorrência do fato. Dessa forma, não cabe trancamento de inquérito iniciado com a
finalidade de esclarecer situação dúbia ou ambígua. Todavia, é preciso que a
suspeita esteja relacionada a um fato que seja típico. Assim, quando existir um fato
típico em relação ao qual as duas alternativas estejam presentes, é necessário
conduzir o inquérito até que se consiga desfazer a ambigüidade.
O ato de abertura de inquérito policial no Direito Administrativo
assemelha-se ao ato de lançamento no Direito Tributário: ambos são vinculados e
obrigatórios. É suficiente a evidência da tipicidade do fato e desnecessária a
suspeita ou certeza quanto à autoria, uma vez que uma das metas do inquérito
25
consiste justamente na investigação e determinação da autoria (MEDEIROS, 1994,
p. 37).
Também não é necessária a suspeita da prática de um crime (fato típico e
antijurídico); basta à tipicidade um dos elementos do fato típico3, argumenta
Medeiros (1994, p. 37):
Mesmo que inexista dolo ou culpa na conduta do agente, mesmo que
haja a possibilidade de inexistir a relação de causalidade entre a
ação e o resultado, mesmo que a conduta tenha sido efetuada em
legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento de
dever legal ou no exercício regular de direito ou mesmo, ainda que
presentes as causas que excluem a culpabilidade, a autoridade
policial, diante da tipicidade do fato, tem a obrigação de abrir o
inquérito policial.
No entender de Medeiros (1994, p. 37), é amplo o direito de perquirir
sobre a eventual existência de crime, cujo único óbice encontra-se no abuso e na
inutilidade. Se for evidente que a investigação conduzirá a nada, porque restou clara
a falta de prova sobre a materialidade do delito, o inquérito policial haverá de ser
trancado. Esse procedimento deve ser desenvolvido sem deixar de levar em conta o
fato de que o inquérito policial se configura como um ato vinculado.
De acordo com Tourinho Filho (2004, p. 72), a primeira peça do inquérito
policial varia em conformidade com a natureza do crime. Em se tratando de crime de
ação pública incondicionada, ou seja, aquele cuja propositura da ação penal pelo
Ministério Público independe de qualquer condição, a autoridade policial, dele
tomando conhecimento, instaura o inquérito, o que pode ser feito de três formas,
quais sejam: a) por meio de ofício, isto é, iniciativa própria, quando o fato chegar ao
seu conhecimento; b) mediante requisição da autoridade judiciária; c) através de
requisição do órgão do Ministério Público, ou, enfim, mediante requerimento do
ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo, nos termos do art. 5º do
Código de Processo Penal.
3
Fato típico: é aquele que corresponde à descrição do crime pela lei. Denomina-se tipo a descrição
do fato criminoso efetuado pelo Código Penal e pela legislação penal complementar. O tipo
corresponde à forma que serve para avaliar se determinada conduta humana é criminosa ou não.
Quanto à tipicidade, tem-se que é o ajuste do fato com o tipo, isto é, a correspondência do fato
praticado com a descrição legal existente. Onde inexiste tipicidade não há crime (SANTOS e
BACCIOTI, 2006).
26
Nogueira (1995, p.42) acrescenta que, no caso de crime de ação penal
pública incondicionada, a autoridade policial deve iniciá-lo de ofício, mediante a
simples notícia do crime. Essa informação pode ser dada por qualquer pessoa do
povo, tendo a autoridade a obrigação de agir, prendendo o acusado em flagrante ou
baixando portaria. O ofendido ou seu representante poderá também requerer a
abertura de inquérito, e, se o requerimento for indeferido, caberá recurso ao chefe
de polícia, que é o Secretário de Segurança. Em se tratando de crime de alçada
pública incondicionada ou condicionada à representação, sobretudo nesse caso, em
vez de recorrer ao chefe de polícia, melhor representar ao Ministério Público ou juiz
local, o que surtirá melhor efeito. Por sua vez, nos crimes de ação privada, o
inquérito somente será instaurado mediante requerimento escrito do ofendido ou seu
representante. O inquérito pode ter início também mediante requisição do Ministério
Público ou da autoridade judiciária, ou, ainda, do Ministro da Justiça, hipóteses nas
quais a autoridade policial não pode deixar de atender ao requerimento.
O conteúdo do inquérito policial, segundo informa Tourinho Filho (2004, p.
73), é o seguinte:
Deverá a pessoa que o fizer narrar o fato com todas as suas
circunstâncias; individuar o pretenso culpado ou dar-lhe os sinais
característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele
o autor da infração ou ainda os motivos da impossibilidade de o
fazer; e, finalmente nomear testemunhas, com indicação de sua
profissão e residência, sempre que possível. Assim também deverá
ser a requisição ministerial ou judicial. Se houver prisão em flagrante,
a peça inauguração do inquérito será o auto de prisão em flagrante,
consoante dispõe o art. 8º do CPP. Tratando-se de infração de
menor potencial ofensivo (contravenções e crimes cuja pena máxima
cominada in abstracto não ultrapasse 2 anos, sujeitos ou não a
procedimento especial), não haverá necessidade de inquérito. Nesse
caso, a Autoridade Policial limitar-se-á a elaborar um Termo
Circunstanciado.
Além dessas formas de dar início ao inquérito policial, há ainda mais duas
que merecem ser abordadas. A primeira delas compreende o caso da delação
criminal. Nesse caso, o § 3º do CPP assegurou ao cidadão a faculdade de levar ao
conhecimento da autoridade policial a notitia criminis. Assim, quem desejar poderá
fazer a delação, porém é necessário assumir a responsabilidade, identificando-se.
Contudo, nada impede que a autoridade policial dê início às investigações ainda que
27
a denúncia recebida tenha sido anônima, o que se tornou prática comum em nossa
sociedade (TOURINHO FILHO, 2004, p. 76).
A outra forma de dar início ao inquérito policial é por meio da prisão em
flagrante. Nesse caso, o procedimento inaugural do inquérito será o respectivo auto.
Isso significa que, no caso do flagrante, pouco importa a modalidade de ação penal
– ação penal pública, ação pública condicionada ou ação penal privada -, pois a
peça inaugural do inquérito será sempre o auto de prisão em flagrante. Essa peça é
digitada na presença da autoridade policial e contém o registro do dia, local, hora e
comparecimento do condutor, de testemunhas e do conduzido.
Como se observa, dependendo do tipo de crime e da forma como sua
notícia chega até a autoridade policial, diferente será o modo pelo qual se dará início
ao inquérito policial e quais os procedimentos adotados por essa mesma autoridade.
1.5 INQUÉRITO E PROPOSITURA DA AÇÃO PENAL
A propositura da ação penal dar-se-á após o encerramento do inquérito
policial. Para as diferentes modalidades de crimes, existem prazos diversos de
conclusão do inquérito. O art. 10 do CPP determina que o inquérito deverá ser
concluído dentro do prazo de 30 dias quando o indiciado não estiver preso. Na
hipótese de estar preso, o mesmo dispositivo legal efetua uma distinção: a) se a
prisão foi resultante de haver sido o indiciado surpreendido em flagrante, o inquérito
deverá estar concluído dentro do prazo de 10 dias, a partir da data de prisão; b) se o
indiciado estiver preso devido à ação “preventiva”, o inquérito deverá, também, ser
concluído no prazo de 10 dias a partir do dia em que se efetivou a prisão
(TOURINHO FILHO, 2004, p. 100).
Nogueira (1995, p. 46) pontua que, apesar de a regra determinar certos
prazos para conclusão de inquéritos policiais, como no caso dos 30 dias quando o
acusado estiver solto, dificilmente esse prazo é cumprido. O pedido de dilação de
prazo tornou-se algo rotineiro em meio à realidade brasileira, sendo que esses
pedidos costumam ser concedidos sem qualquer fiscalização, levando meses para a
28
conclusão do inquérito, o que, no entender do autor, não deixa de ser algo
lamentável.
Convém observar, segundo Tourinho Filho (2004, p. 100), que, apesar da
redação do art. 100 do Código de Processo Penal, se o Juiz decretar a prisão
preventiva, não haverá necessidade de os autos retornarem à Polícia para a
conclusão do inquérito. Como a lei é mais exigente para a decretação de prisão
preventiva do que para o oferecimento de denúncia, se houver elementos para a
decretação da medida extrema, com mais razão há motivos para a oferta da
denúncia.
Existem ainda diversos outros prazos para conclusão de inquéritos. Na
Justiça Federal o prazo para a conclusão do inquérito, estando o indiciado preso, é
de 15 dias, podendo ser prorrogado por mais 15 dias por meio de pedido
devidamente fundamentado pela autoridade policial. No caso de crime contra a
economia popular, o prazo para a conclusão do inquérito, esteja preso ou solto o
indiciado, é de 10 dias, conforme o disposto no § 1º do art. 10 da Lei nº 1.521, de 26
de dezembro de 1951. Por sua vez, em se tratando de entorpecente e estando o
indiciado preso, o inquérito deve ser concluído em 15 dias, nos termos do art. 29 da
Lei nº 10.409, de 11 de janeiro de 20024. Se o indiciado estiver solto, o prazo é de
30 dias (TOURINHO FILHO, 2004, p. 101/102).
A propositura da ação penal é efetuada a partir do relatório do inquérito
policial. Dessa forma, tem-se que, fundadas todas as diligências e terminado o
inquérito policial, cabe à autoridade policial a realização de um relatório, nos próprios
autos, de tudo quanto houver apurado nas investigações. Esse relatório não encerra
e, segundo Tourinho Filho (2004, p. 102), sequer pode encerrar qualquer juízo de
valor: “não deve, pois, a Autoridade Policial, no relatório, fazer apreciações sobre a
culpabilidade ou antijuricidade”. O trabalho da polícia se limita a registrar o que foi
identificado durante as investigações. Todavia, se, em virtude de quaisquer
circunstâncias, alguma testemunha deixou de ser ouvida, poderá a autoridade
policial, no relatório, indicá-las, mencionando o lugar onde poderão ser encontradas,
segundo determinação contida no art. 10 § 2º do CPP.
4
A Lei 10.409/2004 foi revogada pela lei 11.343/06 que entrou em vigor em 8 de outubro de 2006.
29
Também Mirabete (1998, p. 94) salienta que não cabe à autoridade, na
sua exposição, emitir qualquer juízo de valor, expender opiniões ou efetuar
julgamentos, mas somente prestar todas as informações colhidas durante as
investigações e as diligências realizadas. A autoridade policial pode, porém, exprimir
impressões deixadas pelas pessoas que intervieram no inquérito, tais como: o
indiciado, a vítima e as testemunhas.
Após a conclusão e a elaboração do relatório, a autoridade policial
determinará a remessa, juntamente com os instrumentos do crime e outros objetos
por acaso apreendidos e que interessarem à prova, ao juiz competente (art. 11,
CPP).
Ao efetuar a remessa dos autos do inquérito ao juiz competente, a
autoridade policial deve oficiar ao Instituto de Identificação e Estatística, ou
repartição congênere, informando o juízo a que tiverem sido distribuídos, e os dados
relacionados à infração penal e ao indivíduo do indiciado (art. 23, CPP) (MIRABETE,
1998, p. 94).
Importa destacar que a autoridade policial não pode arquivar inquérito.
Segundo dispõe o art. 17 do Código de Processo Penal, essa atribuição pertence
exclusivamente ao juiz e é efetuada a pedido do Ministério Público. Todavia, mesmo
arquivado, a autoridade policial poderá prosseguir nas investigações, uma vez que o
arquivamento não faz coisa julgada material, não impedindo a realização de novas
diligências no intento de instruir o inquérito, que servirá de base à denúncia
(NOGUEIRA, 1995, p. 46).
O promotor, ao receber o inquérito, segundo Nogueira (1995, p. 46), tem à
sua disposição as seguintes alternativas, a saber: oferecer a denúncia, pedir
arquivamento ou requerer a volta à polícia para novas diligências. Por sua vez, ao
juiz cabe cingir-se ao pedido do promotor de justiça, recebendo ou não a denúncia,
concordando ou não com o pedido de arquivamento, sob pena de tumulto
processual passível de correição. Da mesma forma, quando o promotor requer a
volta à polícia para novas diligências, como titular da ação penal, deve o juiz
concordar com o pedido e não indeferi-lo, como tem ocorrido em certos casos, uma
vez que cabe justamente ao promotor verificar a existência de indícios da
materialidade e da autoria do crime.
30
1.6 PRINCÍPIOS DO INQUÉRITO POLICIAL
Os princípios do inquérito policial que merecem destaque aqui
compreendem os seguintes: o princípio do sigilo do inquérito policial, da
incomunicabilidade do indiciado, e da obrigatoriedade.
O princípio do sigilo do inquérito policial diz respeito ao fato de que a
autoridade policial deve garantir o sigilo indispensável ao esclarecimento do fato, ou
se assim exigir o interesse da sociedade, conforme dispõe o art. 20 do Código de
Processo Penal (GARCIA, 1993, p. 8/9).
Conforme explicita Rangel (2006, p. 86),
O sigilo que deve ser adotado no inquérito policial é aquele
necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da
sociedade. Muitas vezes, a divulgação, via imprensa, das diligências
que serão realizadas no curso de uma investigação, frustra seu
objetivo primordial, que é a descoberta da autoria e comprovação da
materialidade.
Importa salientar que o princípio do sigilo não entra em conflito com o
princípio da publicidade, inerente ao Direito Penal. Embora a publicidade absoluta e
geral encontre-se consagrada como regra no art. 792 do Código de Processo Penal,
tal regra não atinge, grosso modo, os atos que se realizam durante a realização do
inquérito policial. De acordo com Tourinho Filho (2004, p. 20), isso se deve não
apenas à natureza inquisitiva da peça informativa, como também pelo fato de o
próprio art. 20 do Código de Processo Penal dispor que “a autoridade assegurará no
inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da
sociedade”.
O princípio da incomunicabilidade do indiciado tem seu fundamento inicial
situado no art. 21 do Código de Processo Penal, segundo o qual seria possível a
incomunicabilidade do indiciado, decretada pelo juiz, pelo prazo de até três dias,
exceto para o defensor (GARCIA, 1993, p. 12).
Entretanto, com o advento da Constituição Federal de 1988, reconheceuse a incomunicabilidade como medida severa, e o art. 136, parágrafo 3º, inciso IV,
31
passou a vedar a incomunicabilidade do preso. De acordo com Tourinho Filho (2004,
p. 71), se durante o estado de defesa, quando cabe ao Governo tomar medidas
enérgicas para preservar a ordem pública ou a paz social, ameaçadas por iminente
instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções,
podendo determinar medidas coercitivas, com razão significativamente maior não há
de se falar em incomunicabilidade na fase do inquérito policial.
Nesse sentido, Nogueira (2000, p. 45) também defende que, se a
incomunicabilidade é vedada na vigência do estado de defesa, no qual há restrições
a diversos direitos, deve ser vedada também no Estado de Direito, em que vigoram
os direitos humanos em toda a sua plenitude. Assim, após a Constituição de 1988,
deu-se a revogação da incomunicabilidade, tanto do preso comum como do político,
já que não há propriamente diferença no tratamento a ser dispensado. E se a
proibição existe no estado de exceção ou defesa, com muito mais razão deve
prevalecer no Estado democrático ou de Direito, em que deve haver maior proteção.
A proibição vale não só para a fase do inquérito como também para a fase
processual, sob pena de restrição de direitos conquistados pela Constituição Federal
de 1988.
Por fim, o princípio da obrigatoriedade, aplicado à autoridade policial, de
acordo com Bonfim (2007, p. 66), obriga-a a instaurar inquérito policial sempre que
souber da ocorrência de crime apurável mediante ação penal pública.
Conforme explica Capez (2007, p. 29), os órgãos incumbidos da
persecução penal não podem possuir poderes discricionários para apreciar a
conveniência ou oportunidade da instauração do processo ou do inquérito. Dessa
forma, a autoridade policial, nos crimes de ação pública, é obrigada a proceder às
investigações preliminares. Exceções ao princípio são os crimes de ação penal
pública condicionada e de ação penal privada, vigorando, quanto aos últimos, o
princípio da oportunidade, segundo o qual o estado confere ao titular da ação penal
certa parcela de discricionariedade para instaurar ou não o processo penal, segundo
suas conveniências e oportunidades.
32
2 ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL
O assunto abordado neste segundo capítulo compreende o arquivamento
do inquérito policial. Trata-se especificamente das situações nas quais se justifica o
arquivamento de inquérito policial, conforme apontam a doutrina e a jurisprudência.
Além disso, também se abordam os procedimentos a serem seguidos caso surjam
novas
provas
após
o
arquivamento
de
inquérito
policial,
ensejando
o
desarquivamento do inquérito.
2.1 OS PRESSUPOSTOS DO ARQUIVAMENTO NA DOUTRINA
O arquivamento de inquérito policial é conceituado por Rangel (2006, p.
166) como sendo o “encerramento das investigações policiais”. Em outras palavras,
compreende “o término da atividade administrativa do estado de persecução penal”.
Em diversas situações, o inquérito policial não consegue alcançar seu
escopo de apuração da infração penal, incluindo-se a delimitação da autoria, assim
como a comprovação da materialidade do crime. Além disso, há casos nos quais se
verifica, não obstante ter sido instaurado o inquérito policial, que o fato
evidentemente não constitui crime, ou está extinta a punibilidade, ou se faz ausente
uma condição exigida por lei para o regular exercício do direito de agir, nos termos
do art. 43 do Código de Processo Penal (RANGEL, 2006, p. 166).
O pedido de arquivamento do inquérito policial, nos casos de crimes de
ação pública, somente pode ser realizado pelo órgão do Ministério Público. Em
outros termos, somente este órgão é que poderá requerer ao juiz que seja arquivado
o inquérito, e, caso o Magistrado acolha as razões invocadas por ele, determinar
esse arquivamento (TOURINHO FILHO, 2004, p. 103). Portanto, entre os
pressupostos do arquivamento, tem-se o pedido ao juiz por parte do Ministério
Público e a apresentação de razões que justifiquem tal arquivamento.
Não é função da autoridade policial influenciar na possibilidade de
arquivamento. Conforme observado no primeiro capítulo, a principal finalidade do
33
inquérito consiste em apurar a infração penal e sua autoria, no intento de que o
titular da ação penal, seja o Ministério Público ou o particular, possa exercer o jus
accusationis. Além disso, conforme já salientado, não deve a autoridade policial
apreciar os autos do inquérito policial e sobre eles emitir um juízo de valor. A opinião
cabe ao titular da ação penal e não àquele que se limita a investigar o fato
infringente da norma e quem tenha sido seu autor. E, por isso, não pode a
autoridade policial, em qualquer circunstância, determinar o arquivamento dos autos
do inquérito.
Essa é também a compreensão manifesta por Rangel (2006, p. 166) ao
sustentar que:
Não obstante ser o inquérito conduzido pela autoridade policial, não
pode esta arquivar os autos do inquérito, pois lhe é vedado pelo art.
17, do CPP, onde há o princípio da indisponibilidade do conteúdo das
informações contidas no inquérito. Como o dominus littis é o
Ministério Público, as informações contidas no inquérito a ele são
dirigidas e, portanto, cabe-lhe determinar o arquivamento,
submetendo-o ao juiz. A característica de ser o inquérito policial
unidirecional deixa claro que a opinio delecti é do promotor de justiça
e não da autoridade policial, não podendo esta dispor de uma coisa
que não lhe pertence.
Reafirmando tal entendimento, Garcia (1993, p. 17) sustenta que o
Código de Processo Penal é taxativo ao proibir a autoridade policial de arquivar o
inquérito, restringindo sua função à investigação. Assim, se, num caso prático, o
inquérito for instaurado e as investigações esclarecerem tratar-se de um caso
atípico, permanecendo dúvida sobre uma determinada ocorrência, ou mesmo que se
comprove a atipicidade do caso por meio da conclusão da investigação, os autos
deverão ser remetidos ao Judiciário.
No entender de Garcia (1993, p. 17), quando muito, o delegado, no
relatório final, pode opinar sobre a possibilidade de arquivamento. Essa opinião
poderá ou não ser levada em consideração pelo representante do Ministério Público.
De qualquer forma, também a opinião do promotor não é a última palavra em relação
ao arquivamento. Caberá ao juiz decidir ser ou não caso de arquivamento.
O art. 10 parágrafo 1º do Código de Processo Penal, determina que a
autoridade policial deve efetuar minucioso relatório do que tiver sido apurado e
enviar os autos ao juiz competente”, não lhe concedendo a lei qualquer capacidade
34
para a realização do arquivamento. Isso é corroborado no art. 17 do mesmo diploma
legal, o qual dispõe claramente que “a autoridade policial não poderá mandar
arquivar autos de inquérito”.
Dentre as razões que justificam o arquivamento do inquérito policial,
merece destaque a falta de base para a denúncia, conforme dispõe o art. 18 do
Código de Processo Penal. A inexistência dessa base, no entanto, não impede a
autoridade policial de proceder a novas pesquisas inquisitórias caso tenha notícia de
novas provas.
Na compreensão de Garcia (1993, p. 17), o art. 18 não deve ter aplicação
caso esteja comprovada a materialidade, mas não esclarecida a autoria:
Essa posição é contrária ao entendimento dominante no sentido de
que, não sendo possível esclarecer a autoria, devem os autos ser
remetidos para arquivamento em juízo. Discordamos totalmente
dessa orientação por razões várias. É sabido que é impossível à
polícia esclarecer a autoria de todos os crimes em 30 dias. Ainda,
haveria a possibilidade de obscurecer as investigações por
conveniência, deixando de apontar a autoria para propiciar o
arquivamento. E, não valem, aqui, os argumentos de que o inquérito
arquivado em Juízo, por desconhecimento de autoria, poderia ser
desarquivado se surgirem fatos novos. Os que bem conhecem o
funcionamento das delegacias de polícia, e do Judiciário, hão de
concordar que as possibilidades de reiniciar investigações relativas à
infração penal, cujo inquérito já foi arquivado, são remotíssimas.
Como se observa, Garcia (1993, p. 18) defende o não arquivamento do
inquérito policial com base no pressuposto do desconhecimento da autoria, tendo
por base a ineficiência do sistema judiciário no Brasil. O autor defende a
permanência em aberto da investigação, com inquérito formalizado, mas sem
indiciado, até que ocorra a extinção da punibilidade, pela prescrição. Porém, antes
de decorrido esse prazo, novas investigações, poderiam reativar o caso, devendo
tais investigações ser realizadas por outros agentes policiais sob a direção de outra
autoridade policial. O mesmo autor ainda afirma que a hipótese de arquivamento em
juízo, por desconhecimento da autoria, intensifica a impunidade.
O art. 28 do Código de Processo Penal determina que, se o juiz
considerar
improcedentes
as
razões
invocadas
para
o
requerimento
de
arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação por parte do
35
Ministério Público, deverá tomar a seguinte medida: efetuar remessa do inquérito ou
peças de informação ao procurador-geral, o qual oferecerá a denúncia, designando
outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de
arquivamento, ao qual somente então estará o juiz obrigado a atender.
Nesse sentido, Alfradique (2007) preceitua, com base no art. 24 do
Código de Processo Penal, que a ação penal será promovida por denúncia do
Ministério Público. Isso significa que o Ministério, nos crimes de ação pública
incondicionada ou condicionada, fazendo-se presente a condição, precisa oferecer a
denúncia, se satisfeitos os seguintes pressupostos gerais, a saber: autoria
conhecida, fato típico e provas mais ou menos idôneas acerca da relação de
causalidade. Em outras palavras, se os autos do inquérito policial ou peças de
informação não possuírem elementos de convicção sérios, torna-se evidente que o
Ministério Público não poderá oferecer denúncia. Nesses casos, resta requerer ao
juiz o arquivamento do inquérito, das peças de informação ou da representação.
Não obstante a redação do art. 28 do Código de Processo Penal, Rangel
(2006, p. 166) argumenta que a legitimidade para determinar o arquivamento dos
autos do inquérito é do Ministério Público e não do juiz. Isso se deve ao fato de que,
diante da nova ordem constitucional, por meio da adoção do sistema acusatório, o
dominus littis é o Ministério Público. E o domínio do Ministério Público nessa área
recebe a fiscalização do órgão judiciário na formulação de sua pretensão de
arquivamento.
Assim, o arquivamento é determinado pelo titular da ação penal pública,
porém submetendo-se ao juiz para que exerça a fiscalização sobre o princípio da
obrigatoriedade da ação penal. Em outras palavras, o sujeito ativo do arquivamento
é o Ministério Público, mas o ato fica sujeito a uma condição suspensiva, qual seja, a
homologação ou não pelo juiz (RANGEL, 2006, p. 167).
Moreira (2007) sustenta que um dos princípios fundamentais da ação
penal pública compreende o da obrigatoriedade ou legalidade, de acordo com o qual
deve o Ministério Público, havendo justa causa, oferecer a denúncia imputando um
fato delituoso a alguém. Tal aspecto encontra-se previsto no art. 24 do Código de
Processo Penal, o qual dispõe que, nos crimes de ação pública, a ação penal será
promovida por meio de denúncia do Ministério Público.
36
Todavia, Moreira (2007) admite que este dogma processual penal sofreu
uma certa mitigação por meio do advento da Lei nº. 9.099/95, pelo fato de esta ter
consagrado, no seu art. 76, a transação penal, instituto que possibilita ao Ministério
Público, mesmo que exigindo uma comprovação mínima para iniciar a persecução
criminal, abdicar da denúncia e propor ao autor do fato a aplicação de uma pena não
privativa de liberdade.
Tal é a relevância do princípio da obrigatoriedade no sistema processual
penal pátrio que o Código de Processo Penal concedeu ao juiz a possibilidade de
fiscalizá-lo, segundo disciplina o art. 28. Dessa forma, requerendo o promotor de
justiça o arquivamento do inquérito policial ou de qualquer outra peça informativa,
cabe ao juiz, se discordar do parecer ministerial, encaminhar os autos ao
Procurador-Geral de Justiça, que é responsável por dar a última palavra, insistindo
no arquivamento ou não.
No caso de crime de alçada privada, não há que se cogitar o
arquivamento, o qual somente ocorrerá se a pessoa com o direito de queixa deixar
de intentar a ação penal. Nada obsta, portanto, que a pessoa que possa exercer o
direito de queixa requeira ao juiz o arquivamento dos autos do inquérito. Porém, tal
pedido de arquivamento corresponde à renúncia, e, nesse caso, é função do juiz
decretar a extinção da punibilidade, nos termos do art. 107, inciso V, do Código
Penal (TOURINHO FILHO, 2004, p. 103).
O arquivamento de um inquérito policial pode ocorrer com base na
justificativa da atipicidade dos fatos relatados no inquérito. De acordo com Ribeiro
(1992, p. 38/39), um fato denunciado deve ser típico, ou seja, precisa estar inserto
na norma penal, caso contrário o pedido não tem possibilidade jurídica de ser
atendido. Não se pode exigir a instauração da ação penal se não há interesse na
punição, caso no qual o Ministério Público requererá o arquivamento do inquérito,
pois, se propuser a ação, cabe ao juiz rejeitar a denúncia, por faltar ao postulante
legítimo interesse de agir.
Ribeiro (1992, p. 39) ainda acrescenta que uma ação pode apresentar
possibilidade jurídica de pedido enquadrando-se o fato ao tipo penal. No entanto,
pode não estar adequada à situação concreta, a qual é deduzida na postulação,
faltando, no caso específico, um interesse legítimo para a propositura da ação penal.
Se a pretensão do autor não for adequada, ou seja, se o pedido for impróprio para
37
provocar a atuação jurisdicional, então inexiste interesse de agir e, onde não há
interesse, não há ação.
O princípio da insignificância, de acordo com Aguiar (2007), dispõe que,
para que uma conduta seja considerada criminosa, pelo menos em um momento
inicial, é necessário que se faça, além do juízo de tipicidade formal, também o juízo
de tipicidade material. Isso significa que é preciso verificar a ocorrência do
pressuposto básico da incidência da lei penal, qual seja, a lesão relevante a bens
jurídicos da sociedade. No caso em que a conduta, embora formalmente típica, lese
de maneira desprezível o bem jurídico protegido, não há que se falar em tipicidade
material, o que torna o comportamento atípico. Em outros termos, o comportamento
torna-se indiferente ao Direito Penal e inviável de gerar condenação ou mesmo de
iniciar a persecução penal.
Mañas (2007, p. 24) sustenta que o Direito Penal moderno exige um
exame aprofundado dos casos em que convém admitir a criminalização, bem como
dos que evidenciam a necessidade de exclusão da sanção penal, ou seja, aplicar a
descriminalização, modificação ou atenuação da reprimenda existente. A tipificação
não pode se esgotar no juízo lógico-formal de subsunção do acontecimento ao tipo
legal de crime. A ação descrita tipicamente precisa revelar-se também ofensiva ou
perigosa para o bem jurídico protegido pela lei penal.
Quando o legislador realiza o trabalho de redação do tipo penal, somente
tem em mente os prejuízos considerados relevantes que o comportamento
incriminado possa causar à ordem jurídica e social. Entretanto, não dispõe de meios
para evitar que também sejam alcançados os casos de pouca extensão. Assim, o
princípio da insignificância emerge no intento de evitar que situações superficiais
sejam criminalizadas, atuando como instrumento de interpretação restritiva do tipo
penal e revelando a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal (MAÑAS,
2007, p. 26/27).
O princípio da insignificância, ainda conforme Mañas (2007, p. 58),
constitui-se um instrumento de interpretação restritiva, fundamentado na concepção
material do tipo penal, por meio do qual é possível alcançar, pela via judicial e sem
comprometer a segurança jurídica do pensamento sistemático, “a proposição
político-criminal da necessidade de descriminalização de condutas que, embora
38
formalmente típicas, não atingem de forma relevante os bens jurídicos protegidos
pelo direito penal".
A aplicação do princípio da insignificância implica, dessa forma, o
arquivamento de inquéritos policiais resultantes de ações que não atingem de forma
comprometedora os bens jurídicos protegidos.
2.2 OS PRESSUPOSTOS DO ARQUIVAMENTO NA JURISPRUDÊNCIA
O arquivamento do inquérito policial é um dever do Ministério Público,
dando por encerradas as possibilidades de investigação, quando a investigação se
mostrou infrutífera. É essencial, porém, que o Ministério Público ofereça razões
suficientes para sustentar o seu pedido de arquivamento (NUCCI, 2007, p. 160).
Os motivos relacionados ao arquivamento de inquérito policial, na
jurisprudência, geralmente estão relacionados à falta de provas suficientes que
justifiquem a propositura da ação penal por parte do Ministério Público. Assim, a
inexistência de provas suficientes compreende o pressuposto fundamental do
arquivamento.
A decisão monocrática apresentada a seguir exemplifica como a
inexistência de provas suficiente constitui pressuposto para o arquivamento do
inquérito policial:
EMENTA: INQUÉRITO POLICIAL. Parlamentar. Deputado Federal.
Crime eleitoral. Corrupção eleitoral. Art. 299 do Código Eleitoral. Não
ocorrência de abordagem direta a eleitores, com o objetivo de lhes
obter promessa de voto a candidato do indiciado. Falta de prova de
dolo específico. Atipicidade reconhecida pelo Procurador-Geral da
República. Arquivamento determinado. Determina-se arquivamento
de inquérito policial para apuração do delito de corrupção eleitoral,
quando não há prova de abordagem direta de eleitores, com o
objetivo de lhes obter promessa de voto a candidato do indiciado,
cujo dolo específico tampouco se provou. O Tribunal, por
unanimidade, determinou o arquivamento do inquérito em relação ao
Deputado Federal Jaime Martins Filho, nos termos do voto do
Relator. (Rel. Ministra Ellen Gracie, 16.08.2006)
Na decisão monocrática que segue, o pressuposto que conduziu ao
arquivamento do inquérito não foi o da inexistência de provas, mas, sim, a
39
atipicidade do fato. A lei penal se atém à tipicidade de uma determinada conduta,
desde que a descrição de tal conduta seja realizada objetivamente e seja adequada
à narração contida no dispositivo legal incriminador.
EMENTA: INQUÉRITO POLICIAL. Arquivamento. Requerimento do
Procurador-Geral da República. Pedido fundado na alegação de
atipicidade dos fatos. Formação de coisa julgada material. Não
atendimento compulsório. Necessidade de apreciação e decisão pelo
órgão jurisdicional competente. Inquérito arquivado. Precedentes. O
pedido de arquivamento de inquérito policial, quando não se baseie
em falta de elementos suficientes para oferecimento de denúncia,
mas na alegação de atipicidade do fato, ou de extinção da
punibilidade, não é de atendimento compulsório, senão que deve ser
objeto de decisão do órgão judicial competente, dada a possibilidade
de formação de coisa julgada material.
O Tribunal, por unanimidade, determinou o arquivamento do
feito, tendo em vista a atipicidade do delito, nos termos do voto do
relator (Rel. Ministro Nelson Jobim. Plenário, 19.12.2005).
Nesse mesmo sentido, merece destaque a aplicação do princípio da
insignificância ou da bagatela na jurisprudência, como pressuposto para o
arquivamento do inquérito policial, conforme se pode observar:
Apelação Criminal. Furto. Pequeno valor. Procedência. Réu que furta
líquido de uma garrafa de refrigerante, reconhecimento em seu favor
do princípio da insignificância. Absolvição decreta (Ap. Crim. nº
13958-9, de Uruana. Rel. Des. João Batista de Faria Filho. Ac. de
01.12.94).
Acidente de Trânsito. Lesão corporal. Inexpressividade da lesão.
Princípio da insignificância. Crime não configurado. Se a lesão
corporal (pequena equimose) decorrente de acidente de trânsito é de
absoluta insignificância, como resulta dos elementos dos autos - e
outra prova não seria possível fazer-se tempos depois - há de
impedir-se que se instaure ação penal que a nada chegaria,
inutilmente sobrecarregando-se as varas criminais, geralmente tão
oneradas (STJ - RHC 66869, do Paraná. Rel. Min. Aldir Passarinho 2ª T. 06.12.88. D.J.U. 28.04.89).
TACrim SP - CRIME DE BAGATELA – Agente que furta bicicleta em
péssimo estado de conservação, inclusive sem os pedais –
Reconhecimento – Necessidade – Atipicidade da conduta –
Ocorrência: – É atípica a conduta do agente que subtrai bicicleta em
péssimo estado de conservação, inclusive sem os pedais, pois, tal
conduta, por sua insignificância, não obstante formalmente típica,
não merece, em razão do desvalor do resultado, a atenção do Poder
Público, que só deve ir até onde seja necessário para a proteção do
bem jurídico, não se ocupando de bagatelas (Apelação nº
1.278.997/5, 10ª Câmara, Rel. Vico Mañas - 21/11/2001).
40
Furto - Bagatela - Irrelevância do bem jurídico, a afetar a própria
tipicidade da conduta proibida. Em caso de subtração de coisa
insignificante, como singela melancia, o dano é tão párvulo que o tipo
não se integra, impondo-se o desacolhimento da ação penal
(TACRIM - SP - Rel. Gonçalves Sobrinho).
Furto - Agente surpreendido ao tentar subtrair uma caixinha de ovos
de um açougue - Escassa lesividade - Absolvição. - O crime não
tem apenas um modo de ser objetivo que o caracteriza, mas
também, por assim dizer, um peso, de sorte que há um limite de
suficiência, por qualidade e quantidade, da empresa criminosa.
Aquém desse limite qualitativo-quantitativo, não há racional
consciência de crime, nem justificação da pena (TACRIM - SP - ReI.
Silva Franco) (Grifos nossos).
Como se nota em tais decisões, o pressuposto que motiva o
arquivamento do inquérito policial consiste no fato de a conduta criminal sob
investigação apresentar-se insignificante. As razões empregadas para justificar a
insignificância do fato compreendem, por exemplo, os elevados custos decorrentes
de um processo judicial, que seriam significativamente mais elevados do que os
motivos presentes nas ações penais.
Ressalte-se que os crimes cometidos referem-se ao furto de objetos
insignificantes para a ordem das respectivas comunidades e ao acidente de trânsito
que resultou em lesão corporal inexpressiva. Essa visão não pretende olvidar o autor
do crime da retribuição adequada à suposta vítima, mas pretende evitar o gasto com
matérias irrelevantes e já solucionadas no próprio contexto da comunidade.
Além disso, recorre-se ao argumento da falta de tipicidade da conduta. A
tipicidade é entendida como a descrição de uma conduta que esteja adequada
perfeitamente à narração contida em um determinado dispositivo legal incriminador.
Se a conduta efetuada por alguém não possui relevância no mundo penal, tem-se a
configuração de uma atipicidade.
Em suma, em se demonstrando a inexistência de provas, a atipicidade de
determinada conduta ou a insignificância do ato cometido, deve o Ministério Público
requerer o arquivamento do inquérito policial.
41
2.3 NOVAS PESQUISAS APÓS ARQUIVAMENTO
A realização de novas pesquisas após o arquivamento do inquérito
policial, por parte da autoridade policial, é viável. De acordo com Tourinho Filho
(2004, p. 103), caso o juiz determine o arquivamento de inquérito, devido à
inexistência de elementos suficientes para a propositura da ação penal, “nada
obstará possa a autoridade policial, tendo ciência de outras provas, empreender
novas investigações”, nos termos do art. 18 do Código de Processo Penal. O autor
acrescenta que o despacho que determina o arquivamento não faz coisa julgada e
nem poderia fazê-lo, uma vez que não se trata de decisão definitiva, de mérito.
O referido art. 18 do Código de Processo Penal assim determina: “depois
de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base
para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de
outras provas tiver notícia”. Como se nota, a lei estabelece claramente a
possibilidade de realização de novas investigações por parte da autoridade policial.
A realização de novas investigações empreendidas pela autoridade
policial serão encaminhadas a juízo e apensadas aos autos arquivados, tendo,
então, o órgão do Ministério Público, nova oportunidade de se manifestar acerca do
assunto. Se as novas investigações e as novas provas resultarem em elemento que
possibilite a propositura da ação penal, esta será promovida. Caso contrário,
continuará o processo arquivado, uma vez que não se pode desarquivar inquérito
sem novas provas que modifiquem o panorama probatório (TOURINHO FILHO,
2004, p. 104).
Cabe aqui destacar o conteúdo da Súmula 524 do STF, que trata
justamente do assunto em questão: “Arquivado o inquérito policial, por despacho do
juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada,
sem novas provas”. Portanto, sem a identificação de novas provas, inviável se torna
a propositura da ação penal de inquérito policial arquivado. Nesse contexto, Rangel
(2006, p. 178) conceitua a expressão novas provas como sendo “as que já existiam
e não foram produzidas no momento oportuno, ou provas que surgiram após o
encerramento do inquérito policial”.
42
Nesse sentido, Alfradique (2007) afirma que, uma vez arquivado o
inquérito, há hoje o assentimento dos Tribunais de que não será possível o
oferecimento de denúncia com base nele, a não ser que venham a ser descobertas
novas provas. O legislador remeteu ao Ministério Público como dominus littis o
conhecimento de todos os casos não tranqüilos de arquivamento de inquéritos
policiais, garantindo-lhe o direito de continuar com o pedido formulado pelo
promotor.
O Ministério Público é o dominus littis e, portanto, somente ele poderá
propor a competente ação penal, salvo nas hipóteses em que o legislador legitima,
de modo extraordinário, o particular (art. 100, Código Penal, e art. 30, Código de
Processo Penal). Dessa forma, requerido o arquivamento dos autos do inquérito pelo
Ministério Público, nos termos do art. 28 do Código de Processo Penal, e deferido
pelo juiz, exige a lei o denominado recurso de ofício ao tribunal competente, que
assegura o provimento ao mesmo (RANGEL, 2006, p. 148).
Em se tratando de crime de alçada privada, sustenta Tourinho Filho
(2004, p. 104), os autos do inquérito serão remetidos a juízo. Lá aguardarão, em
cartório, a iniciativa de quem de direito, ou seja, do titular do direito de queixa.
Esse
entendimento
presente
na
doutrina
é
corroborado
pela
jurisprudência. A decisão a seguir destaca a necessidade de existência de novas
provas para que se dê a reabertura de um inquérito policial que já tenha sido
arquivado:
ARQUIVAMENTO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PELO
PROCURADOR-GERAL
DA
REPÚBLICA.
DECISÃO
ADMINISTRATIVA. ABERTURA DE NOVAS INVESTIGAÇÕES E
OFERECIMENTO DE DENÚNCIA POR NOVO PROCURADORGERAL. IRRETRATABILIDADE DO ATO DE ARQUIVAMENTO,
SEM PROVAS NOVAS. 1. Se o procedimento administrativo
encaminhado à Procuradoria vem a ser arquivado, essa decisão
administrativa não pode ser substituída por nova denúncia,
apresentada pelo novo Procurador-Geral, sem a existência de provas
novas. Precedente (Inq 2.028 - Informativo 645, Plenário). 2.
Denúncia rejeitada. (Rel. Ministro Celso de Mello. Plenário,
29.03.2006).
43
Como se observa, a reabertura do inquérito policial fica condicionada à
descoberta ou ao surgimento de novas provas que indiquem a possibilidade de o
inquérito policial ser solucionado.
Rangel (2006, p. 177) critica o fato de o Código de Processo Penal ter se
limitado a apontar a possibilidade do desarquivamento de um inquérito diante da
insurgência de novas provas, uma vez que a decisão de arquivamento não faz coisa
julgada, sem, no entanto, disciplinar claramente essa hipótese. O referido diploma
legal, no seu art. 18, limita-se a referir a possibilidade de reabertura, de forma
indireta, mas não aponta de quem é a legitimidade para fazê-lo. Dessa forma, o
intérprete necessita dirigir-se às normas que regulam a organização do Ministério
Público nos Estados para perquirir de quem é a atribuição, se do Procurador-Geral
de Justiça ou do promotor.
Para Rangel (2006, p. 177), tendo por base o fato de o art. 18 apontar que
a autoridade policial pode proceder a novas pesquisas se de outras provas tiver
notícia, a reabertura do inquérito não é função do juiz. Em outras palavras, enquanto
a determinação do arquivamento é do juiz, o desarquivamento não está no âmbito
de sua função, mesmo que anômala. Cabe, portanto, ao Ministério Público, por
intermédio do Procurador-Geral de Justiça, desarquivar autos de inquérito.
Na concepção de Rangel (2006, p. 177):
[...] seria uma afronta ao sistema acusatório dar ao juiz a legitimidade
para desarquivar um procedimento preparatório da ação penal. Pois
o desarquivamento do inquérito se dá por força do princípio da
obrigatoriedade da ação penal pública para que os delitos não fiquem
impunes, e esta obrigatoriedade é da ação penal, não podendo o juiz
ser obrigado a fazer algo que não pode (propor ação).
Entendemos, de lege ferenda, que a atribuição para desarquivar o
inquérito deveria ser do promotor de justiça que funcionasse junto ao
órgão de execução onde o inquérito foi arquivado.
Rangel (2006, p. 177) ainda acrescenta que a expressão “se de outras
provas tiver notícia”, contida no art. 18, evidencia que o inquérito será desarquivado
para que estas provas sejam procuradas, uma vez que há somente a notícia de que
elas existem, mas a autoridade policial ainda não as têm nas mãos, razão pela qual
representa ao promotor de justiça, solicitando o envio dos autos arquivados com as
notícias ao Procurador-Geral, para que analise a possibilidade do desarquivamento.
44
Em suma, tem-se que a lei permite o desarquivamento de um inquérito
policial para a realização de novas investigações com base na notícia de novas
provas, uma vez que o ato de arquivar um inquérito policial, efetuado pelo juiz, não
possui status de coisa julgada.
Todavia, Sumariva (2007) entende que, se o motivo do arquivamento
estiver relacionado à atipicidade de conduta, extinção da punibilidade ou
reconhecimento de causa justificadora, ter-se-á a coisa julgada material, pois, em
tais casos, o mérito da ação foi analisado. Nesse sentido, tem-se que a eficácia da
decisão de arquivamento do inquérito depende do motivo jurídico, que,
fundamentando tal decisão, não admita reabertura nem pesquisa de novos
elementos de informação, o que ocorre quando se reconheceu a atipicidade da
conduta ou foi pronunciada a extinção da punibilidade. Em casos assim, o ato de
arquivamento se reveste da autoridade de coisa julgada material. Disso infere o
autor que o arquivamento de inquérito policial, regra geral, é uma decisão judicial
que produz coisa julgada formal, acarretando coisa julgada material somente nos
casos elencados.
45
3 FUMUS BONI IURIS NO INQUÉRITO POLICIAL
3.1 CONCEITO DE FUMUS BONI IURIS
Ao se decompor a expressão fumus boni iuris para a realização da análise
da mesma, tem-se que fumus tem o significado de ‘aparência’, boni se refere ao que
é ‘bom’ ou ‘honesto’ e iuris significa ‘direito’. Ao se unir os significados dos três
termos, tem-se, então, que a expressão significa a aparência honesta ou boa do
direito (CARLETTI e PEDROTTI, 1995, p. 184). No inquérito policial, a expressão
refere-se, dessa forma, à presença de indícios de autoria, de prova e da
materialidade do crime suficientes para motivar a propositura da ação penal, ou seja,
que tenham aparência de bom direito.
De acordo com Carletti e Pedrotti (1995, p. 184), a expressão, em
verdade, não possui filiação no Direito Romano, mas alcançou espaço na linguagem
forense pelo impacto descritivo do termo fumus. Ao se atribuir a esse termo o
significado abstrato, a expressão toma corpo no sentido de ‘aparência de bom
direito’. Do mesmo modo, no caso de se dar ao termo fumus sentido de indecisão,
pode a frase significar ‘probabilidade de bom direito’.
No Direito Brasileiro, a expressão é empregada com freqüência no campo
jurídico, sobretudo nos processos cautelares, quando a urgência a impõe à parte
que luta pela concessão de uma medida liminar, “indicando a autoridade judiciária a
que é dirigida, o nome, estado civil, profissão e residência do requerente e do
requerido, a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito ameaçado e o
receio da lesão, e as provas que serão produzidas” (CARLETTI e PEDROTTI, 1995,
p. 184).
Nesse sentido, cabe salientar o art. 312 do Código de Processo Penal, o
qual coloca como condição para se decretar a prisão preventiva, com o fim de
assegurar a ordem pública ou para assegurar a aplicação da lei penal, a “existência
do crime e indício suficiente de autoria”. Portanto, somente a prova de existência do
46
crime e indício da autoria, corroborando a aparência de bom direito, permite que seja
decretada a prisão preventiva.
O fumus boni iuris diz respeito à necessidade de presença de indícios de
autoria e da materialidade do crime para que se possa proceder ao processo judicial.
Na ausência do fumus boni iuris, isto é, na inexistência da indicação de prováveis
autores e da materialidade do crime, aplica-se o dever de arquivamento do inquérito.
O desconhecimento da autoria e inexistência de prova da materialidade
do crime implicam o dever de arquivamento, uma vez que, em tais casos, nada há
que possa se constituir como objeto de uma ação penal. A ação penal somente tem
lugar, de acordo com Bonfim (2007, p. 137), quando o Ministério Público ou o
particular - para aqueles crimes aos quais o Código Penal reserva a ação de
iniciativa privada – reúna elementos de prova que lhe convençam na prática de uma
conduta criminosa. Se inexiste o fumus boni iuris, também não há direito de ação.
O art. 43 do Código de Processo Penal trata das condições que motivam
a rejeição da denúncia ao Ministério Público:
Art. 43. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
I - o fato narrado evidentemente não constituir crime;
II - já estiver extinta a punibilidade, pela prescrição ou outra causa;
III - for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar condição exigida
pela lei para o exercício da ação penal.
Com base nesse dispositivo, Nucci (2007, p. 170) sustenta que, para que
ocorra o recebimento da denúncia ou da queixa de forma legítima, é essencial a
verificação das condições da ação, ou seja, se estão presentes os requisitos
mínimos indispensáveis para a formação da relação processual que irá, depois de
colheita a prova, redundar na sentença, aplicando-se a lei penal ao caso concreto.
Isso inclui a constituição de crime no fato narrado e a possibilidade de punibilidade
De fato, a pretensão punitiva e o direito de invocar garantia jurisdicional,
necessariamente, provêm de fato típico. Em sendo o fato praticado atípico, não há
infração e, por conseguinte, não pode haver pretensão punitiva, resultando na
impossibilidade de ser exercida a ação penal (TOURINHO FILHO, 2007, p. 163).
Ao comentar o inciso I do art. 43 do Código de Processo Penal, Capez
(2007, p. 156/157) afirma que, se o fato narrado evidentemente não constitui crime,
ou seja, à primeira vista já se observa que se trata de um fato atípico ou acobertado
47
por excludente de ilicitude, sendo desnecessário aguardar-se a dilação probatória, a
denúncia não poderá ser recebida, uma vez que haverá autêntica impossibilidade
jurídica do pedido.
Além disso, se o direito já pereceu, segundo indicado no inciso II do art.
43, não há qualquer razão para recorrer à tutela jurisdicional. Além disso, nas
hipóteses em que for evidente a existência de circunstância autorizadora do perdão
judicial, como, por exemplo, em um homicídio culposo provocado por imprudência,
no qual a vítima era filho do denunciado, o juiz deve rejeitar a denúncia com base no
disposto no art. 43, II, do CPP. Isso se deve à Súmula 18, que manifesta o
entendimento pacífico do STJ de conceder o perdão como declaratório da extinção
da punibilidade (CAPEZ, 2007, p. 157).
3.2 A PROVA DA INFRAÇÃO PENAL
No que tange especificamente à prova do inquérito policial, tem-se que a
polícia judiciária objetiva apurar as infrações penais e sua autoria (art. 4º, Código de
Processo Penal), por meio da investigação, tendo em vista a obtenção de provas
para tal. A apuração da infração penal e de sua autoria é fundamental para que não
haja coação ilegal, pois, conforme, dispõe o art. 648, inciso I, do Código de Processo
Penal, a coação é considerada ilegal “quando não houver justa causa”, isto é,
quando não estiver presente o fumus boni iuris.
A prova material do crime, no inquérito policial, inclui a apreensão dos
objetos que tiverem relação com o fato. De acordo com Bonfim (2007, p. 114),
incluem-se não somente os instrumentos do crime, mas todos os demais objetos que
interessarem, ainda que indiretamente, à busca da verdade. Esses objetos devem
acompanhar os autos do inquérito.
Nucci (2007, p. 149) assim conceitua os instrumentos do crime: “são
todos os objetos ou aparelhos usados pelo agente para cometer a infração penal
[...]”. Além disso, há também os objetos de interesse da prova, que compreendem
todas as coisas que possuam utilidade para demonstrar a realidade do ocorrido.
48
A autoridade policial, ao tomar conhecimento do fato delituoso, pode,
inclusive, determinar a busca e apreensão dos objetos e provas com ele
relacionados antes mesmo da instauração do inquérito correspondente. Isso é
indicado nas situações em que a expedição de um mandado de busca poderia
comprometer a efetividade dos objetos e das provas, uma vez que a retenção
desses objetos relacionados ao crime contribui para a realização de atos posteriores
para esclarecer o fato investigado (BONFIM, 2007, p. 114).
Durante o inquérito policial, a autoridade policial deve colher todas as
provas que servirem para indicar a materialidade do crime, esclarecendo o fato e
suas circunstâncias. Segundo Bonfim (2007, p. 115), cabe à autoridade policial
envidar esforços para obter os elementos probatórios, tanto no local do crime quanto
em outros que se revelarem importantes para o deslinde das investigações.
Em casos específicos, pode ser necessária a reconstituição do crime,
que, segundo Nucci (2007, p. 145), é uma importante fonte de prova para aclarar
como se deu a prática da infração penal. A simulação é realizada utilizando-se o réu,
a vítima e outras pessoas convidadas a participar, apresentando-se, em fotos e
esquemas, a versão oferecida pelo acusado, o ofendido e outras testemunhas.
Assim, ao visualizar a forma como o crime ocorreu, torna-se mais fácil a formação de
convicções.
A autoridade policial necessita, portanto, determinar diversas diligências
quando toma conhecimento da notícia de uma infração penal, com base no disposto
no art. 6º do Código de Processo Penal. Inicialmente, deve se dirigir ao local do
crime, tomando as devidas providências para que o estado e a conservação das
coisas não sejam alteradas até a chegada dos peritos criminais (art. 6º, inciso I).
Após liberados pelos peritos criminais, a autoridade policial deve apreender os
objetos que tiverem relação com o fato (art. 6º, inciso II), bem como colher todas as
provas para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias (art. 6º, inciso III).
As demais diligências compreendem: ouvir o ofendido e o indiciado (art.
6º, incisos IV e V); proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações
(art. 6º, inciso VI); se for o caso, determinar a realização do exame de corpo de
delito e quaisquer outras perícias (art. 6º, inciso VII); ordenar a identificação do
indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha
49
de antecedentes (art. 6º, inciso VIII); e averiguar a vida pregressa do indiciado (art.
6º, inciso IX).
Ao comentar as diligências contidas no referido art. 6º, Tourinho Filho
(2007, p. 5) comenta que podem ou devem ser realizadas em conformidade com a
natureza do crime. A autoridade policial, via de regra, procura ouvir a vítima e as
testemunhas que assistiram ao fato ou que dele tiverem ciência; determina, quando
necessário, a realização de exame de corpo de delito ou outro exame qualquer;
avalia o produto do crime, o que é fundamental para a eventual e futura aplicação da
pena, entre outras medidas. Importa salientar que a autoridade policial deve ter em
conta que o inquérito policial não tem por fim arregimentar provas contra o indiciado,
mas apurar o fato infringente da norma e quem tenha sido seu autor.
3.2.1 Prova testemunhal
A prova testemunhal, conforme explica Capez (2007, p. 310), é aquela
“resultante do depoimento prestado por sujeito estranho ao processo sobre fatos de
seu conhecimento pertinentes ao litígio”. Embora, em sentido lato, toda prova seja
uma testemunha, visto que atesta a existência do fato, em sentido estrito, a
testemunha é alguém eqüidistante das partes, chamada ao processo para falar
sobre fatos perceptíveis a seus sentidos e relativos ao objeto do litígio.
Nucci (2007, p. 423) conceitua a testemunha como sendo “a pessoa que
declara ter tomado conhecimento de algo, podendo, pois, confirmar a veracidade do
ocorrido, agindo sob o compromisso de estar denso imparcial e dizendo a verdade”.
A prova testemunhal constitui-se meio de prova tanto quanto a confissão, os
documentos e a perícia.
A prova testemunhal é a mais comumente empregada no processo penal.
De acordo com Oliveira (2007, p. 352), somente essa informação basta para que os
cuidados em relação a essa modalidade de prova sejam redobrados.
Todo depoimento compreende uma manifestação do conhecimento, maior
ou menor, em relação a um determinado fato, afirma Oliveira (2007, p. 352). E no
50
curso de um processo penal, a reprodução desse conhecimento certamente
resultará em confrontos em relação a diversas situações da realidade que,
consciente ou
inconscientemente,
afetarão
a sua
fidelidade, ou seja,
a
correspondência entre o que se julga ter presenciado e o que se afirma ter
presenciado.
Isso se deve ao fato de o ser humano, que carrega consigo o
conhecimento dos fatos, ser titular de vulnerabilidades, podendo interpretar uma
determinada situação de acordo com fatores subjetivos. O resultado dessa
interpretação dependerá das situações concretas em que estiver e que o ser
humano tiver diante de si. Em virtude disso, a noção de verdade, que vem a ser o
objeto a ser buscado na prova testemunhal, via de regra, poderá não ser unívoca.
Para evitar a transmissão de informações irreais e equívocas, a pessoa
que irá testemunhar em um crime faz uma promessa de dizer a verdade, sob palavra
de honra, ou seja, se compromete a narrar, de modo sincero, o que sabe sobre os
fatos, que é relevante. Trata-se do compromisso de dizer a verdade ou do juramento
(NUCCI, 2007, p. 427).
Ressalte-se que só se constitui como prova testemunhal aquela que é
colhida por intermédio de narrativa verbal. O depoimento será oral segundo
determinação contida no art. 204 do Código de Processo Penal, salvo o caso do
mudo, do surdo e do surdo-mudo. Dessa forma, a lei veda que a testemunha traga o
depoimento por escrito porque falta a este a espontaneidade necessária revelada
em depoimento oral. Além disso, o depoimento por escrito não permitira a realização
de novas perguntas. Outra característica do depoimento é o fato de que a
testemunha deve depor sem emitir juízo valorativo, com exceção dos casos em que
a reprodução exige um juízo de valor (CAPEZ, 2007, p. 339).
51
3.2.2 Prova documental
Os documentos compreendem “quaisquer escritos, instrumentos ou
papéis, públicos ou particulares” (art. 232, Código de Processo Penal). Capez (2007,
p. 352) acrescenta que “documento é a coisa que representa um fato, destinada a
fixá-lo de modo permanente e idôneo, reproduzindo-o em juízo”.
Nucci (2007, p. 459) assim conceitua o documento:
É toda base materialmente disposta a concentrar e expressar um
pensamento, uma idéia ou qualquer manifestação de vontade do ser
humano, que sirva para demonstrar e provar um fato ou
acontecimento juridicamente relevante. São documentos, portanto:
escritos, fotos, fitas de vídeo e som, desenhos, esquemas, gravuras,
disquetes, CDs, entre outros.
De acordo com Nucci (2007, p. 459), trata-se de uma visão amplificada do
tradicional conceito de documento, que considerava como tal somente o simples
escrito em papel. Essa visão amplificada tem por base a evolução da tecnologia e,
aos poucos, a substituição da estrutura material tradicional por outras inovadoras e
que permitem também a fixação de uma base de conhecimento.
Entre esses documentos, tem-se, por exemplo, os instrumentos escritos,
os quais são confeccionados com o objetivo de provar determinados fatos, e os
papéis, que, embora não sejam produzidos tendo em vista a prova de um fato,
podem, eventualmente, servir de prova (CAPEZ, 2007, p. 352).
Capez (2007, p. 353) descreve ainda uma tríplice função inerente ao
documento, a saber:
a) dispositivo: quando necessário e indispensável para a existência
do ato jurídico;
b) constitutivo: quando elemento essencial para a formação e
validade do ato, considerado como integrante deste;
c) probatório: quando a sua função é de natureza processual.
Tendo por base a visão amplificada do documento, Oliveira (2007, p. 367)
acrescenta que a noção de documento precisa ser a mais flexível possível,
52
dependendo somente do conteúdo que se quer demonstrar com ele. O que
realmente é relevante, para fins de relevância probatória, é a sua originalidade.
3.2.3 Prova pericial
A prova material de um crime pode ser obtida de diversos modos: por
meio químico, físico ou biológico, englobando, portanto, as diversas formas de
exames e vistorias (CAPEZ, 2007, p. 310). Cabe destacar aqui o art. 6º, inciso VII,
do Código de Processo Penal, segundo o qual uma das diligências da autoridade
policial é proceder ao exame de corpo de delito e quaisquer outras perícias.
Conforme esclarece Capez (2007, p. 319), a perícia é um meio de prova
que se traduz por intermédio de um exame elaborado por pessoa, via de regra
profissional, dotado de formação e conhecimentos técnicos específicos, em relação
a fatos necessários ao deslinde da causa. Trata-se de um juízo de valoração
científico, artístico, contábil, avaliatório ou técnico, exercido por especialista, cuja
finalidade consiste em prestar auxílio ao magistrado em questões fora de sua área
de conhecimento profissional. O perito é um auxiliar da justiça, devidamente
compromissado, estranho às partes, portador de um conhecimento técnico
altamente especializado e sem impedimentos ou incompatibilidades para atuar no
processo.
A perícia está colocada na legislação como um meio de prova, à qual se
atribui um valor especial, situando-se entre uma posição intermediária entre a prova
e a sentença. Somente pode recair sobre circunstâncias ou situações que tenham
relevância para o processo, já que a prova não tem como objeto fatos inúteis
(CAPEZ, 2007, p. 319).
O exame de corpo de delito compreende outra forma de prova material e
representa a materialidade do crime. É um conjunto de vestígios materiais, isto é,
elementos sensíveis, deixados pela infração penal. Por elementos sensíveis,
entendem-se os vestígios corpóreos perceptíveis por qualquer dos sentidos
humanos (CAPEZ, 2007, p. 322).
53
Importa salientar que há uma distinção entre corpo de delito e o exame de
corpo de delito, uma vez que existem infrações que não deixam vestígios, como
ocorre no caso dos crimes contra a honra praticados oralmente, no desacato, entre
outros. Por outro lado, existem infrações que deixam vestígios materiais, como o
homicídio, o estupro, a falsificação, etc. No caso destas últimas, é essencial a
realização de um exame de corpo de delito, comprovando-se os vestígios materiais
deixados. “O exame de corpo de delito é um auto em que os peritos descrevem suas
observações e se destina a comprovar a existência do delito” (CAPEZ, 2007, p. 322).
Essa distinção também é destacada por Nucci (2007, p. 366), o qual
sustenta que, enquanto o corpo de delito é a prova da existência do crime, isto é, a
materialidade do delito, o exame de corpo de delito corresponde à verificação da
prova da existência do crime, efetuada por peritos, diretamente, ou por intermédio de
outras evidências, quando os vestígios, ainda que materiais, desaparecem.
Nucci (2007, p. 367) ainda acrescenta que, nos crimes que deixam
vestígios materiais, ou seja, uma pista ou indício, deve sempre haver exame de
corpo de delito. De preferência, os peritos devem analisar o rastro deixado
pessoalmente. Entretanto, em caráter excepcional, admite-se que o façam por outros
meios de prova aceitos em direito, tais como exame da ficha clínica do hospital que
atendeu a vítima, fotografias, filmes, atestados de outros médicos, entre outros.
Além do exame de corpo de delito, há diversos outros tipos de exames a
serem aplicados, de acordo com a modalidade do crime, que são formalizados em
um laudo pericial. A título de exemplificação, tem-se os seguintes: autópsia ou
necropsia, exumação e inumação, exame do local do crime, exame laboratorial,
exame de reconhecimento de escritos, exame dos instrumentos do crime, dentre
outros (NUCCI, 2007, p. 375-388).
Jorge (2005, p. 73) afirma que o exame de corpo de delito e as outras
perícias serão realizados por dois peritos oficiais ou, na inexistência destes, por duas
pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior, escolhidas, de
preferência, entre as que tiverem habilitação técnica ligada à natureza do exame. Os
peritos não oficiais devem prestar compromisso para o desenvolvimento de seu
trabalho, cuja finalidade consiste em suprir a falta dos peritos oficiais.
54
3.2.4 Confissão
A confissão compreende “a aceitação pelo réu da acusação que lhe é
dirigida em um processo penal”, afirma Capez (2007, p. 336). Consiste em uma
declaração voluntária, efetuada por um imputável, acerca de fato pessoal e próprio,
desfavorável e suscetível de renúncia.
De acordo com Nucci (2007, p. 406), confessar, no âmbito do processo
penal, é admitir contra si a prática de algum fato criminoso, “por quem seja suspeito
ou acusado de um crime, tendo pleno discernimento, voluntária, expressa e
pessoalmente, diante da autoridade competente”. O ato da confissão deve ser
público e solene. Deve-se considerar confissão somente o ato voluntário, expresso e
pessoal. Considera-se ainda, como requisito fundamental para caracterizar a
confissão, o discernimento, que é a faculdade de julgar as coisas com clareza e
equilíbrio, pois uma pessoa insana não pode admitir sua culpa de modo válido.
Jorge (2005, p. 77) classifica a confissão nas seguintes espécies:
 Simples – quando o autor reconhece a prática de fato criminoso;
 Qualificada – quando o autor reconhece a prática de ato
delituoso, mas alega, em seu favor, uma causa excludente de
ilicitude;
 Complexa – quando o autor reconhece a prática de vários crimes.
E ainda:
 Judicial – quando o reconhecimento de fato criminoso se dá em
juízo, no transcorrer da ação penal.
 Extrajudicial – quando o reconhecimento de fato criminoso se dá
fora do juízo.
A confissão do réu, que pode ser feita no interrogatório, quando é tomada
por termo nos autos, constitui uma das modalidades de prova, com efeito, mais
significativo em termos de convencimento judicial. No entanto, não pode essa prova
ser recebida como possuindo um valor absoluto. Por isso, antes de proceder ao
interrogatório, deve-se informar ao réu seu direito de permanecer calado, direito este
que não implicará qualquer prejuízo para a defesa (OLIVEIRA, 2007, p. 351).
Nesse sentido, Capez (2007, p. 337) afirma que a confissão do acusado
não constitui, obrigatoriamente, uma prova plena de sua culpabilidade. O magistrado
55
necessita apreciar a confissão realizada livremente, em consonância com as demais
provas produzidas, tendo em vista a busca de informação de um juízo de certeza.
Em outras palavras, a previsão legal que indica a necessidade de se
confrontar o conteúdo da confissão com os demais elementos da prova, segundo
dispõe o art. 197 do Código de Processo Penal, é um emblema referente à situação
do acusado perante o sistema do Código de Processo Penal de 1941. Na ordem
precedente, anteriormente ao sistema processual implementado por meio da
Constituição Federal de 1988, as provas produzidas na fase policial sempre serviram
de fundamento, às vezes único, para a condenação (OLIVEIRA, 2007, p. 351).
Hodiernamente, com a exigência do contraditório e da ampla defesa, as
provas produzidas na fase pré-processual se destinam ao convencimento do
Ministério Público e não do juiz. Por isso, precisam ser repetidas na fase introdutória
da ação penal.
Oliveira (2007, p. 351) destaca que:
A confissão, sobretudo, não terá valor algum quando prestada
unicamente na fase do inquérito (ou administrativa), se não
confirmada perante o juiz. E, mesmo quando prestada em juízo,
deverá ser também contextualizada junto aos demais elementos
probatórios, quando houver, diante do risco, sempre presente,
sobretudo nos crimes societários, de auto-acusação falsa, para
proteger o verdadeiro autor. As razões são várias, da motivação
afetiva ou afetuosa, àquela movida por interesses econômicos.
Importa salientar ainda que a confissão é também retratável e divisível, o
que significa que o acusado poderá arrepender-se dela, se ainda em tempo, e que o
juiz, dentro de seu livre convencimento, poderá valer-se apenas de parte da
confissão.
Também Capez (2007, p. 337) salienta que o acusado pode se retratar da
confissão, isto é, desdizer a mesma. A confissão não produzirá efeitos caso a
vontade do agente, ao confessar, esteja viciada a ponto de não poder produzir
efeitos como ato jurídico. Além disso, a confissão tem a característica da
divisibilidade, o que significa que a mesma pode se dar no todo ou em parte, com
relação ao crime atribuído ao confidente.
56
3.2.5 A prisão em flagrante
No caso da prisão em flagrante delito, tem-se a prova da materialidade do
crime, que deixa de ser apenas um indício ou uma probabilidade de autoria. O auto
da prisão em flagrante pode se constituir como peça inicial do inquérito.
De acordo com Tourinho Filho (2007, p. 42), a expressão “flagrante delito”
significa o delito que é flagrado no instante da sua perpetração, o delito que está
sendo cometido. O delito que se vê praticar suscita, no próprio instante, a
necessidade de conservar ou restabelecer a ordem jurídica, ameaçada pela violação
ou violada pelo acontecimento.
A prisão em flagrante “justifica-se como salutar providência acautelatória
da prova da materialidade do fato e da respectiva autoria”, afirma Tourinho Filho
(2007, p. 42). É uma das formas mais claras de evidência probatória no processo
penal.
De acordo com Oliveira (2007, p. 431), a prisão em flagrante se revela
como extremamente útil e proveitosa no que tange à qualidade e à idoneidade da
prova colhida de imediato depois da prática do delito. De fato, quando a prova é
colhida por ocasião do flagrante, a visibilidade dos fatos é significativamente maior,
mormente no que concerne à produção de prova testemunhal. Essa prova, apesar
de decisiva na maior parte dos casos, precisa sempre ser analisada com cautela,
não devido à eventual veracidade da testemunha, mas pelo fato de todo testemunho
corresponder a uma visão pessoal da realidade, que pode variar de pessoa para
pessoa. A verdade do testemunho é a representação que faz o sujeito da realidade
por ele analisada e, por isso, pode não coincidir com a verdade do outro
testemunho. Por isso, cada indivíduo reage de forma diferente diante de situações
incomuns, principalmente no caso de ações violentas ou de grave ameaça.
57
3.3 PROVA DE INDÍCIO DA AUTORIA
A prova de indício de autoria é aquela que, segundo Capez (2007, p.
309), traz consigo um juízo de probabilidade. Os indícios de autoria têm por base
razões fundadas, que realmente que corroboram a probabilidade sustentada.
Em outros termos, no caso da autoria, o indício implica a não exigência de
prova plena, sendo suficiente o juízo de probabilidade (fumus boni iuris), sob o
influxo do princípio in dubio pro societate (CAPEZ, 2007, p. 299).
O indício é também delimitado no Código de Processo Penal, em seu art.
239: “considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação
com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras
circunstâncias”.
Capez (2007, p. 363) destaca a diferença existente entre o indício a
presunção, como se observa:
a) Indício: é toda circunstância conhecida e provada, a partir da qual,
mediante raciocínio lógico, pelo método indutivo, obtém-se a
conclusão sobre um outro fato. A indução parte do particular e chega
ao geral.
Assim, nos indícios, a partir de um fato de conhecimento, deflui-se a
existência do que se pretende provar.
Indício é o sinal demonstrativo do crime [...].
b) presunção: é um conhecimento fundado sobre a ordem normal
das coisas, e que dura até prova em contrário (presunções relativas).
As presunções legais ou absolutas não admitem prova em contrário.
Ao tratar da presunção, Nucci (2007, p. 465) afirma que a mesma não é
um meio de prova válido, visto que “constitui uma mera opinião baseada numa
posição ou numa suspeita”. É, portanto, um simples processo dedutivo, que pode ser
empregado para fundamentar uma condenação unicamente quando a lei autorizar,
como ocorre com a presunção de violência de quem mantém relação sexual com
menor de quatorze anos. Já os indícios, diferentemente das presunções, permitem
atingir o estado de certeza no espírito do julgador.
Na concepção de Oliveira (2007, p. 368), o indício não chega a ser
propriamente um meio de prova. Antes disso, trata-se do uso de um raciocínio
58
dedutivo, para, a partir da valoração da prova de um fato ou de uma circunstância,
concluir-se a existência de um outro ou de uma outra. Com efeito, por intermédio do
indício, afirma-se a existência do conhecimento de uma circunstância do fato
delituoso, através de um processo dedutivo, cujo objeto é a prova da existência de
outro fato. A prova indiciária terá a sua eficiência probatória condicionada à natureza
do fato ou da circunstância que, por meio dela, se pretender comprovar.
Efetivamente, não há como demonstrar, como prova material, o que não pode ser
materializado.
Capez (2007, p. 363), por sua vez, sustenta que tanto os indícios quanto
as presunções se constituem em provas, uma vez que o legislador assim as
classificou. Trata-se de provas indiretas, pois são obtidas por intermédio de
raciocínio lógico. A prova indiciária tem tanto valor como as provas diretas. Uma
sucessão de pequenos indícios ou a ausência de um álibi consistente do acusado
pode, em casos excepcionais, autorizar um decreto condenatório, tendo por base a
livre apreciação das provas, consagrada pelo art. 157 do Código de Processo Penal.
O inquérito policial tem a função de apurar a autoria de um crime para
servir de base à ação penal ou às providências cautelares. Para tanto, realiza o
processo de investigação, tendo em vista a junção das provas que indiquem, ainda
que de forma indiciária e não plena, o culpado ou culpados pela realização do delito
(CAPEZ, 2007, p. 75-77).
Durante o inquérito policial, pode ocorrer a realização do indiciamento,
que compreende, segundo Capez (2007, p. 93), a imputação a alguém “da prática
do ilícito penal, sempre que houver razoáveis indícios de sua autoria”. O
indiciamento contém uma proposição, no sentido de guardar função declarativa de
autoria provável. Tal proposição é suscetível de ser avaliada por meio da ação
penal, podendo ser declarada como verdadeira ou logicamente falsa.
Dessa forma, tem-se que o indiciamento não compreende um ato
discricionário da autoridade policial, devendo estar pautado em provas suficientes
para isso. Somente assim o indiciamento será um ato legítimo. Não pode o
indiciamento ter como base um ato arbitrário, nem sequer estar fundado no uso do
poder discricionário, uma vez que inexiste a possibilidade legal de escolher entre
indiciar ou não.
59
Nucci (2007, p. 140) argumenta que “o suspeito, sobre o qual se reuniu
prova de autoria da infração, tem que ser indiciado. Já aquele que, contra si, possui
frágeis indícios, ou outro meio de prova esgarçado, não pode ser indiciado”. Neste
último caso, o suspeito é mantido como ele é, na condição de suspeito. Em outros
termos, a pessoa suspeita da prática de um crime somente passa a figurar como
indiciada a partir do momento em que, no inquérito policial, se lhe verificou a
probabilidade de ser o agente.
Capez (2007, p. 94) ainda acrescenta que o indiciamento diz respeito à
mera indicação do suspeito como sendo o provável autor do fato infringente da
norma penal. Esse indiciamento deve resultar da concreta convergência de sinais
que atribuem a autoria provável do crime a determinado ou a determinados
suspeitos. Com o indiciamento, todas as investigações passam a se concentrar
sobre a pessoa do indiciado.
A lei não exige que a autoridade policial, providenciando o indiciamento
do suspeito, esclareça, nos autos do inquérito, os motivos que o conduziram àquela
eleição. No entanto, tendo em vista o fato de o indiciamento constituir-se em ato
constrangedor, poderia haver, realmente, exigência legal para a motivação do ato
(NUCCI, 2007, p. 142).
Nesse sentido, Nucci (2007, p. 142) sustenta que, em seguimento ao
princípio constitucional da presunção da inocência, deve-se observar que o
indiciamento não pode ser um ato isolado e desprendido de fundamento, nem
tampouco fruto da discricionariedade da autoridade policial. Se o estado de
inocência é a regra, qualquer exceção que se abra (prisão cautelar, quebra de sigilo
bancário, fiscal ou telefônico, entre outras), como ocorrer com o indiciamento, exige
lastro em provas mínimas de autoria, bem como de materialidade da infração penal.
O indiciado deve ser interrogado pela autoridade policial, que poderá,
para isso, conduzi-lo à sua presença por meio da coerção, no caso de
descumprimento injustificado de intimação, conforme disposição do art. 260 do
Código de Processo Penal (CAPEZ, 2007, p. 94).
Também Tourinho filho (2007, p. 10-11) salienta que o inquérito é
inquisitivo. Dessa maneira, caso o indiciado se recuse a atender ao chamado da
autoridade policial, para que compareça à Delegacia para ser qualificado,
60
interrogado e identificado, pode a autoridade determinar-lhe a condução coercitiva,
nos termos do art. 260, aplicável também à fase pré-processual.
No
interrogatório
policial,
observar-se-ão
os
mesmos
preceitos
norteadores do interrogatório a ser realizado em juízo (arts. 185 a 196 do Código de
Processo Penal), sendo que o indiciado não estará obrigado a responder às
perguntas que lhe forem realizadas, uma vez que possui o direito constitucional de
permanecer calado, sem que dessa opção possa ser extraído qualquer presunção
que o desfavoreça (CAPEZ, 2007, p. 94).
É por meio do interrogatório policial, realizado durante o inquérito, que a
autoridade policial ouve o indiciado, acerca da imputação indiciária. No interrogatório
judicial, o acusado tem a oportunidade de se dirigir diretamente ao juiz,
apresentando a sua versão defensiva aos fatos que lhe foram imputados pela
acusação, podendo inclusive indicar meios de prova, assim como confessar ou
permanecer em silêncio.
O inquérito policial indica uma probabilidade de autoria do crime, por meio
do indiciamento. De acordo com Fontoura (2007), no devido processo legal, iniciado
com a propositura da ação penal, tem-se uma probabilidade acerca da autoria do
crime no inquérito policial, chegando-se a uma certeza no processo penal. A certeza
processual virá por meio da instrução criminal, que será norteada pelos princípios do
contraditório e da ampla defesa, assegurando-se ao acusado a oportunidade de se
manifestar acerca das provas colhidas e outras questões duvidosas, por intermédio
dos seus advogados. Nesse sentido, determina o art. 5º, inciso LV, da Constituição
Federal de 1988, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes”.
Dessa forma, na fase de investigação preliminar ao processo penal, o
indiciado não tem a possibilidade de se manifestar, inexistindo, nessa fase, o direito
ao contraditório. A finalidade do inquérito policial é chegar ao juízo de probabilidade
em relação aos elementos que justificam a propositura da ação penal, a saber, a
autoria e a materialidade do crime, formando a opinio delicti do acusador. O juízo de
certeza destes elementos é alcançado apenas no bojo do processo penal
(FONTOURA, 2007).
61
Os atos do inquérito são atos de investigação e, no processo penal,
consistem em atos de prova. Faz-se necessário, então, repetir os atos da
investigação para que o juiz possa proferir a sentença. Portanto, o valor probatório
dos atos do inquérito ou de prova diferem dos atos do processo ou de investigação.
O princípio do devido processo penal requer, para uma condenação penal, o curso
regular do processo penal, um juiz imparcial, partes com pretensões jurídicas
diversas, combinadas com o exercício do contraditório, da ampla defesa e da
publicidade, características estas impossíveis de serem encontradas no sistema de
investigação preliminar (FONTOURA, 2007).
No entanto, algumas provas produzidas na fase preliminar podem ser
empregadas como fundamento para a sentença, como, por exemplo, as provas
periciais que têm que ser in loco, denominadas de provas não-repetíveis. A
produção antecipada de prova precisa ser considerada uma medida excepcional,
justificada por sua importância e impossibilidade de repetição em juízo.
De acordo com Fontoura (2007), a condenação de uma pessoa com base
somente em informações colhidas no inquérito policial viola o princípio da verdade
real, visto que esse princípio precisa estar atrelado ao contraditório, permitindo que
sejam todas as partes envolvidas.
Capez (2007, p. 28) sustenta que o princípio da verdade real dispõe que,
no processo, o juiz possui o dever de investigar como os fatos se passaram na
realidade, não se satisfazendo com a verdade formal constante dos autos. Esse
princípio é próprio do processo penal, pois no cível o juiz deve se conformar com a
verdade trazida pelas partes, embora não seja um mero espectador inerte da
produção de provas.
Tanto no caso das provas repetíveis no processo, quanto das nãorepetíveis, o que importa salientar que as provas colhidas durante o inquérito policial
somente podem auxiliar na determinação da real autoria do crime durante o
processo judicial.
62
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O inquérito policial diz respeito à atividade policial de apurar o fato que
configura uma infração penal e sua autoria, sendo, portanto, uma peça informativa.
Seu objetivo consiste em fornecer os elementos fundamentais que motivem a
propositura da ação penal por parte do Ministério Público, como a tipicidade do
crime, a evidência de sua materialidade e da autoria.
O inquérito caracteriza-se por ter função investigativa, devendo ser
apresentado na forma escrita, mantido em sigilo e ter caráter inquisitivo. Quanto à
natureza, o inquérito se apresenta como ato administrativo. É por intermédio do
inquérito policial que são colhidos os indícios essenciais para o oferecimento da
denúncia ou da queixa-crime, que, por sua vez, compreendem as peças iniciadoras
da ação penal pública ou privada, respectivamente. O início do inquérito policial se
dá por intermédio do recebimento da notitia criminis por parte da autoridade policial,
ou seja, a partir do momento em que a autoridade policial é informada de um fato
dotado de tipicidade criminal. A partir desse momento, a autoridade policial possui o
direito-dever de abrir o inquérito policial, sendo que seu ato passa a ter caráter
vinculado e obrigatório.
Quando se configura uma situação na qual todo o processo não consegue
alcançar seu escopo de apuração da infração penal, incluindo-se a delimitação da
autoria e a comprovação da materialidade do crime, procede-se ao arquivamento do
inquérito policial. Esse arquivamento significa encerrar as atividades de investigação,
isto é, coloca-se fim à atividade administrativa do Estado de persecução penal.
Na
jurisprudência,
podem-se
encontrar
diversos
exemplos
de
arquivamento de processos, com base, por exemplo, na inexistência suficiente de
provas, na atipicidade do fato e na insignificância da conduta. Além disso, o art. 43
do Código de Processo Penal dispõe que a denúncia ou queixa também pode ser
rejeitada quando o fato narrado não constituir crime e quando a punibilidade estiver
extinta em virtude da prescrição ou outra causa legalmente determinada. Dessa
forma, o arquivamento do inquérito também se dá quando se verifica, não obstante
63
ter sido instaurado o inquérito policial, que o fato evidentemente não constitui crime,
ou está extinta a punibilidade.
O pedido de arquivamento do inquérito policial, nos casos de crimes de
ação pública, somente pode ser realizado pelo órgão do Ministério Público, que
requererá ao juiz o arquivamento com base em razões justificadas. Nesse sentido,
pode-se afirmar que o arquivamento do inquérito policial é um dever do Ministério
Público, dando por encerradas as possibilidades de investigação quando esta se
mostrou infrutífera.
Portanto, para que a denúncia ou queixa sejam aceitas pelo Ministério
Público, é necessário que da investigação do inquérito policial tenha resultado o
fumus boni iuris, ou seja, “aparência de bom direito”. Isso significa que deve haver
provas ou indícios de autoria suficientes para motivar a propositura da ação penal.
Para corroborar esse entendimento, recorre-se ao art. 312 do Código de Processo
Penal, que coloca como condição para se decretar a prisão preventiva, com o fim de
assegurar a ordem pública, ou para assegurar a aplicação da lei penal, a “existência
do crime e indício suficiente de autoria”. Logo, somente a prova de existência do
crime e indício da autoria, isto é, a aparência de bom direito, permite que seja
decretada a prisão preventiva. Da mesma forma, também a propositura da ação
penal pressupõe que tais condições se façam presentes.
A prova da materialidade do crime obtida ao longo da investigação, por
meio do inquérito policial, envolve os diferentes meios de prova existentes, desde os
instrumentos do crime, incluindo provas periciais, testemunhais, documentais e até a
própria confissão do acusado. Já o indício de autoria, que também tem por base a
prova, diz respeito a uma probabilidade sustentada de quem é o autor do crime.
Embora não indique certeza plena, uma vez que esta somente pode ser obtida
durante o andamento da ação penal, o indício de autoria trata de circunstância
conhecida e provada, que auxiliará de forma significativa a identificação do
verdadeiro autor do fato ilícito.
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pressupostos juridicos do arquivamento do inquérito policial