As pessoas vão se comportar mal se isso não der muito trabalho ... e se ninguém estiver olhando Alexandre Erler Tradução: Clara Rende1 Um interessante artigo publicado recentemente na revista científica Social Psychological and Personality Science2 que as pessoas estão mais propensas a transgredir as normas morais, se isso não requer uma ação explícita de sua parte. Pesquisadores da Universidade de Toronto conduziram dois estudos: em um deles, foi perguntado aos participantes se eles voluntariamente ajudariam um aluno com dificuldades de aprendizagem a completar uma tarefa de resolução de problema. Um grupo de participantes tinha apenas a opção de escolher 'sim' ou 'não' numa janela que aparecia na tela. O segundo grupo de pessoas poderia seguir um link na parte inferior da página para a sua ajuda voluntária ou simplesmente pressionar "continuar" para avançar para a próxima página do seu questionário. Os participantes foram cinco vezes mais propensos a se voluntariar quando expressamente deveriam escolher entre sim e não. De acordo com um dos autores do estudo, "parece ser mais difícil para as pessoas negar explicitamente sua ajuda, clicando em 'não', do que simplesmente clicar em „continuar‟ e assim escapar de fazer a coisa certa. Nós suspeitamos que a emoção desempenhe um papel importante na condução desse efeito". Uma das conclusões práticas tiradas pelos pesquisadores é a de que a simples manipulação do enquadramento ativo-passivo de uma tarefa pode influenciar os níveis de comportamento pró-social das pessoas. Como um exemplo concreto disso, sugerem que as organizações de caridade poderiam aumentar o número de doações por meio de de uma abordagem mais ativa para solicitação on-line, por exemplo, ao manter um saliente botão de “doe agora” em seu site, ou um pop-up que fizesse os visitantes escolherem entre as opções “sim” e “não” para doação, em vez da abordagem mais discreta atualmente predominante. 1 Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e bolsista do projeto Ética e realidade atual: o que podemos saber, o que devemos fazer (www.era.org.br). 2 http://www.sciencedaily.com/releases/2010/11/101123121111.htm Sem necessariamente desejar desafiar as conclusões dos pesquisadores, que obviamente são interessantes por mérito próprio, imagino se o seu estudo não fornece também evidências para um fenômeno distinto, qual seja, o fato de que o grau de altruísmo das pessoas é parcialmente influenciado pelo interesse dessas pessoas com sua reputação. Para determinar isso, seria preciso saber se as duas situações apresentadas aos participantes os levaram a fazer diferentes assunções sobre as consequencias sociais de sua escolha. Aqueles que tiveram a escolha entre sim e não para a oportunidade de voluntariado podem então ter assumido que a sua resposta seria contada com as outras como parte de um questionário on-line e que seria visível para os pesquisadores, o que significa que estes saberiam se o participante teria decidido ser egoísta nessa ocasião. Por outro lado, aqueles que tinham as opções de seguir um link para candidatar-se ao voluntariado ou de continuar o questionário poderiam ter assumido que a oportunidade de voluntariado estivesse à parte do estudo, e que os pesquisadores não saberiam se esta pessoa decidiu ser voluntária ou não – ou pelo menos que esta informação seria muito menos importante para eles, caso tivessem acesso a ela. Dado que as pessoas podem ficar preocupadas com o que figuras "importantes" como aquelas que estão no comando deste estudo possam pensar sobre elas, faria sentido que aqueles que enfrentaram a primeira destas duas situações (o grupo da “transgressão ativa”) estivessem mais motivados a voluntariar-se. Minha conjectura sobre a influência de tal fator neste caso particular pode não estar correta, mas se estiver, não seria muito surpreendente: já há boas evidências de que o comportamento das pessoas é mais altruísta quando elas acreditam que seu comportamento está sendo publicamente examinado. Lembro-me de Peter Singer dizendo, em uma de suas Uehiro Lectures proferidas em Oxford, em 2007, que a determinação de Jesus de se fazer boas obras em segredo não é necessariamente uma norma social de promoção desejável. Muito pelo contrário, ao colocar as pessoas em situações em que a escolha de ajudar ou não ajudar está sob o olhar do público, pode-se esperar o aumento do comportamento altruísta. Assim, acadêmicos norte-americanos propuseram que o Internal Revenue Service (responsável pela arrecadação e aplicação da lei fiscal nos EUA) deveria criar um "registro de doação", que publicaria a relação das contribuições de uma pessoa para a renda anual (assumindo que a pessoa consentisse). Eles sugerem que a caridade aplique pressões sociais a figuras públicas, para que elas concordem em ajudar (como aconteceu com sucesso no caso de Al Gore), e que essa influência possa então se espalhar para outros contribuintes (Cooter e Broughman 2005). Tal proposta está no caminho certo e merece muito mais consideração do público do que parece ter recebido até agora. Na Inglaterra de hoje, duas em cada cinco pessoas não fazem doações regularmente3; as coisas parecem ainda mais decepcionantes nos Estados Unidos (Cooter e Broughman 2005). Mas as pessoas tendem a se comportar de forma mais generosa quando sabem que estão sob escrutínio público. Portanto, temos boas razões para reconsiderar a prioridade que atualmente é dada à privacidade dos indivíduos em tais assuntos, dado o potencial de benefícios significativos em jogo. Referências Bibliográficas: Cooter, R. and B. Broughman (2005). Charity, Publicity, and the Donation Registry. The Economists’ Voice 2 (3), 4. Teper, R. and Inzlicht, M. (2010). Active Transgressions and Moral Elusions: Action Framing Influences Moral Behavior.Social Psychological and Personality Science, published online 4 November 2010, DOI: 10.1177/1948550610389338. University of Toronto (2010, November 24). Why do people behave badly? Maybe it's just too easy. ScienceDaily. Retrieved December 6, http://www.sciencedaily.com/releases/2010/11/101123121111.htm. 3 http://www.samaritans.org/about_samaritans/facts_and_figures/giving_trends.aspx 2010, from