MO DE LO ADVOCACIA DE INTERESSE PÚBLICO NO BRASIL: A ATUAÇÃO DAS ENTIDADES DE DEFESA DE DIREITOS DA SOCIEDADE CIVIL E SUA INTERAÇÃO COM OS ÓRGÃOS DE LITÍGIO DO ESTADO Cebrap-Advocacia Popular_resumido-Modelo.indd 1 18/12/2013 19:37:56 MO DE LO Cebrap-Advocacia Popular_resumido-Modelo.indd 2 18/12/2013 19:37:56 MO DE LO EXPEDIENTE: PRESIDENTA DA REPÚBLICA Dilma Rousseff MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA José Eduardo Cardozo SECRETÁRIA EXECUTIVA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA Márcia Pelegrini SECRETÁRIO DE REFORMA DO JUDICIÁRIO Flávio Crocce Caetano DIRETORA DE POLÍTICA JUDICIÁRIA Kelly Oliveira de Araújo FICHA CATALOGRÁFICA: Brasil. Secretaria de Reforma do Judiciário (SRJ). Advocacia de interesse público no Brasil: a atuação das entidades de defesa de direitos da sociedade civil e sua interação com os órgãos de litígio do Estado / Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) : Ministério da Justiça, 2013. 122p., il. (Coleção Diálogos sobre Justiça) Instituição executora: Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP). palavras-chave: advocacia de interesse público; ministério público; defensoria pública; sociedade civil; mobilização jurídica CDD Cebrap-Advocacia Popular_resumido-Modelo.indd 3 18/12/2013 19:37:56 MO DE LO Cebrap-Advocacia Popular_resumido-Modelo.indd 4 18/12/2013 19:37:56 MO DE LO IDENTIFICAÇÃO: PROJETO: PESQUISA SOBRE A ATUAÇÃO DA ADVOCACIA POPULAR PROJETO BRA/05/036 CARTA ACORDO N. 2012 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA - PNUD Instituição proponente e executora: Centro Brasileiro de Análise e Planejamento - CEBRAP Rua Morgado de Mateus, 615 – São Paulo – SP CEP 04015-051 – Telefone (11) 5574-0399 – Fax: (11) 5574-5928 CNPJ 62.589.164/0001-72 Representante legal: Paula Montero Presidente do CEBRAP Cebrap-Advocacia Popular_resumido-Modelo.indd 5 18/12/2013 19:37:56 MO DE LO Equipe de pesquisa: José Rodrigo Rodriguez (coordenador) Evorah Cardoso (coordenadora executiva) Fabiola Fanti (pesquisadora de pós-graduação) Iagê Zendron Miola (pesquisador de pós-graduação) Colaboradoras: Denise Dora Flávia Xavier Annenberg Agradecimentos: Aos comentadores dos resultados parciais da pesquisa, Marcelo Pedroso Goulart, promotor de justiça e coordenador estadual do Núcleo de Políticas Públicas da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, pelas contribuições no workshop realizado em 7 de dezembro de 2012, na Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV-SP), e Celso Campilongo, professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no workshop realizado em 13 de maio de 2013, no CEBRAP, assim como a todos os participantes dos workshops. A Roberto Dias, pelo apoio e acompanhamento da pesquisa como consultor do Ministério da Justiça no projeto “Fortalecimento da Justiça Brasileira”. Às demais equipes de pesquisa do projeto “Fortalecimento da Justiça Brasileira”. Às entidades de defesa de direitos e seus integrantes que gentilmente cederam seu tempo e experiência para participar desta pesquisa. A Rogério Barbosa, pesquisador do CEM/CEBRAP, pelo auxílio no uso do software empregado na análise das entrevistas da pesquisa. A Adrian Gurza Lavalle, Cecília MacDowell Santos, José Roberto Xavier e Richard Abel, pelos comentários feitos ao projeto de pesquisa e durante a sua execução, assim como a todos os integrantes do Núcleo Direito e Democracia, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, com os quais esta pesquisa foi discutida em seminários internos. A Gabriel Alarcon Madureira, pelo competente trabalho como transcritor da maior parte das entrevistas realizadas nesta pesquisa, e aos demais transcritores contratados. Cebrap-Advocacia Popular_resumido-Modelo.indd 6 18/12/2013 19:37:56 MO DE LO GOVERNO FEDERAL MINISTÉRIO DA JUSTIÇA SECRETARIA DE REFORMA DO JUDICIÁRIO PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO - PNUD PROJETO BRA/05/036 FORTALECIMENTO DA JUSTIÇA BRASILEIRA “PESQUISA SOBRE A ATUAÇÃO DA ADVOCACIA POPULAR” PROJETO DE PESQUISA: “ADVOCACIA DE INTERESSE PÚBLICO NO BRASIL: A ATUAÇÃO DAS ENTIDADES DE DEFESA DE DIREITOS DA SOCIEDADE CIVIL E SUA INTERAÇÃO COM OS ÓRGÃOS DE LITÍGIO DO ESTADO” INSTITUIÇÃO PROPONENTE: CENTRO BRASILEIRO DE ANÁLISE E PLANEJAMENTO - CEBRAP BRASÍLIA 2013 Cebrap-Advocacia Popular_resumido-Modelo.indd 7 18/12/2013 19:37:56 MO DE LO Cebrap-Advocacia Popular_resumido-Modelo.indd 8 18/12/2013 19:37:57 MO DE LO SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 11 1.1MOBILIZAÇÃO JURÍDICA E SOCIEDADE CIVIL: PLURALIDADE DE EXPERIÊNCIAS E CONCEITOS12 1.2ADVOCACIA DE INTERESSE PÚBLICO NO ESTADO: MINISTÉRIO PÚBLICO E DEFENSORIA PÚBLICA 14 1.3 DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA 15 1.4METODOLOGIA 17 1.4.1 AMOSTRA DA PESQUISA 17 1.4.2 COLETA DE DADOS: O INSTRUMENTO DA ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA 19 1.4.3 ANÁLISE DOS DADOS: CODIFICAÇÃO E SISTEMATIZAÇÃO 20 2 PERFIL DOS ENTREVISTADOS 23 2.1 EXPERIÊNCIAS UNIVERSITÁRIAS 24 2.1.1 PESQUISA E ENSINO 24 2.1.2 EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA 24 2.1.3 MOVIMENTO ESTUDANTIL 25 2.2 EXPERIÊNCIAS PROFISSIONAIS 25 2.3 EXPERIÊNCIAS PESSOAIS, SOCIAIS E POLÍTICAS 25 2.3.1FAMÍLIA 25 2.3.2 GRUPO REPRESENTADO 26 2.3.3RELIGIÃO 26 2.3.4 CONTEXTO POLÍTICO, MOVIMENTOS SOCIAIS E COMUNITÁRIOS 26 3 PERFIL DAS ENTIDADES 29 3.1 TEMAS DE ATUAÇÃO 29 3.2ATIVIDADES 30 3.2.1 ATIVIDADE JURÍDICA 30 3.2.2 ATIVIDADE DE PESQUISA E PUBLICAÇÃO 31 3.2.3 ATIVIDADE COMUNITÁRIA 31 3.2.4 ATIVIDADE DE COMUNICAÇÃO 31 3.2.5 ATENDIMENTO PSICOSSOCIAL 32 3.3 ÂMBITOS DE ATUAÇÃO 32 3.4HISTÓRICO 32 3.5 ESTRUTURA INTERNA 33 3.6FINANCIAMENTO 34 4 ATUAÇÃO JUDICIAL 37 4.1 ATIVIDADES JURÍDICO-JUDICIAIS 37 4.1.1 ORIENTAÇÃO JURÍDICA 37 4.1.2 MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO 38 4.1.3 ACOMPANHAMENTO PROCESSUAL 38 4.1.4 AÇÃO JUDICIAL INDIVIDUAL 38 4.1.5 AÇÃO JUDICIAL COLETIVA 39 4.2 SELEÇÃO DE CASOS 4.2.1 CRITÉRIOS DE SELEÇÃO DE CASOS Cebrap-Advocacia Popular_resumido-Modelo.indd 9 40 40 18/12/2013 19:37:57 40 4.2.3TEMÁTICA 40 4.2.4 CASOS EXEMPLARES 40 MO DE LO 4.2.2DEMANDA 4.2.5 MOBILIZAÇÃO SOCIAL 41 4.3 MÉTODO DE ATUAÇÃO JUDICIAL 41 4.3.1 COMBINAÇÃO DA ESTRATÉGIA JUDICIAL COM OUTRAS ESTRATÉGIAS 41 4.3.2 ARTICULAÇÃO SOCIAL 41 4.3.3FORMAÇÃO 41 4.3.4PESQUISA 42 4.3.5 ADVOCACY42 4.3.6MÍDIA 42 4.3.7 LOBBY JUDICIAL 42 5 INTERAÇÃO COM O MINISTÉRIO PÚBLICO 43 5.1 FORMAS DE INTERAÇÃO 43 5.2 PERCEPÇÕES SOBRE O MINISTÉRIO PÚBLICO 46 5.3 DESENHO INSTITUCIONAL 47 6 INTERAÇÃO COM A DEFENSORIA PÚBLICA 49 6.1 FORMAS DE INTERAÇÃO 49 6.2 PERCEPÇÕES SOBRE A DEFENSORIA PÚBLICA 50 6.3 DESENHO INSTITUCIONAL 51 7 CONCLUSÕES 53 7.1 A FORMAÇÃO DE DEFENSORES DE DIREITOS 53 7.2 TIPOS DE ADVOCACIA DE INTERESSE PÚBLICO 54 7.3 MP E DP: O FATOR DESENHO INSTITUCIONAL 55 8 DESDOBRAMENTOS 59 8.1EIXO INDIVIDUAL: INCENTIVOS À FORMAÇÃO E MULTIPLICAÇÃO DE DEFENSORES DE DIREITOS 59 8.2EIXO SOCIEDADE CIVIL: FORTALECIMENTO E AMPLIAÇÃO DA DEFESA DE DIREITOS60 8.3 EIXO ESTADO: DESENHO INSTITUCIONAL PARA PROMOVER INTERAÇÃO 60 ANEXO Lista de entidades entrevistadas 63 Referências bibliográficas 67 10 Cebrap-Advocacia Popular_resumido-Modelo.indd 10 18/12/2013 19:37:57 MO DE LO 1.INTRODUÇÃO A presente pesquisa insere-se em um campo de estudos que busca analisar a relação entre a sociedade civil, o direito e as instituições jurídicas. Tal literatura vem apontando para a crescente centralidade do Poder Judiciário enquanto espaço de debate político para os atores da sociedade civil e para como os movimentos sociais vêm atribuindo importância estratégica à disputa em torno da criação e do sentido dos direitos1. A relação da sociedade civil com o direito e o Poder Judiciário é frequentemente descrita como multifacetada. O direito pode ser tanto um elemento de manutenção da ordem vigente, criminalizando movimentos sociais ou bloqueando as suas demandas, como um importante instrumento no processo de mudanças sociais buscadas pelos atores da sociedade civil. Dessa forma, as instituições jurídicas têm uma relação ambivalente com os diversos setores da sociedade civil, ora obstruindo a sua atuação, ora facilitando -a. Isso pode ser observado, por exemplo, quando o Poder Judiciário decreta a reintegração de posse de um terreno, prédio ou terra, despejando o Movimento de Moradia ou o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) que antes os ocupava. Ao contrário, quando o Supremo Tribunal Federal autoriza a união estável entre pessoas do mesmo sexo, contribui para a realização de uma demanda dos movimentos Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT), que esti- veram historicamente travados no âmbito Legislativo. Esta pesquisa pretende contribuir com o debate sobre a relação entre sociedade civil e o direito a partir do estudo das dinâmicas de interação entre os atores que realizam mobilização jurídica no Brasil e os agentes do Estado que desempenham seus papéis institucionais em um mesmo campo de prática: a advocacia de interesse público. As instituições estatais que, de maneira mais evidente, compartilham este espaço de mobilização jurídica ocupado por certos atores da sociedade civil são o Ministério Público (MP) e a Defensoria Pública (DP), nos distintos níveis federativos. Tomando as entidades de defesa de direitos, o MP e a DP como agentes atuantes em um mesmo nicho de prática, a pesquisa busca identificar as dinâmicas de interação instituídas entre a sociedade civil e os órgãos do Estado. Levando-se em consideração a interação entre entidades da sociedade civil e estas instituições jurídicas como enfoque de investigação, esta pesquisa se desdobra em dois objetivos principais. De um lado, pretende aferir como a mobilização jurídica desempenhada por entidades da sociedade civil impacta a advocacia pública promovida pelo MP e pela DP. De outro, busca identificar como a prática dos órgãos de litígio do Estado influencia a atuação das entidades de defesa de direitos, com especial atenção aos elementos de desenho institucional que afetam a interação com a sociedade civil. Pode-se citar como exemplos dessa literatura os trabalhos de MCCANN (1994, 2006 e 2010); EPP (1998); HILSON (2002); ANDERSEN (2004); VANHALA (2006 e 2011); WILSON E CORDERO (2006); CASE E GIVENS (2010); MACIEL (2011). 1 Cebrap-Advocacia Popular_resumido-Modelo.indd 11 11 18/12/2013 19:37:57 MO DE LO Gráfico 1. Objeto da pesquisa: a interação entre sociedade civil e Estado na advocacia de interesse público como o desenho institucional dos órgãos de litígio do Estado favorece ou não a mobilização social jurídica SOCIEDADE CIVIL ESTADO Entidades de defesa de direitos Órgãos de litígio: Ministério Público e Defensoria Pública como a mobilização jurídica da sociedade civil repercute nos órgãos de litígio do Estado Nas duas subseções seguintes, o marco teórico-conceitual que embasa a construção do objeto de pesquisa e informa o recorte de investigação adotado é detalhado. Apresenta-se, em primeiro lugar (1.1), a perspectiva desenvolvida para o estudo da defesa de direitos na sociedade civil. A partir dela, será possível visualizar a multiplicidade de experiências e conceitos existentes neste âmbito e justificar a delimitação do objeto de pesquisa. Para tanto, o conceito de advocacia de interesse público é apresentado como instrumento analítico adequado à conceptualização da variedade de formas de mobilização jurídica. Em segundo lugar (1.2), descreve-se o papel de instituições estatais na advocacia de interesse público, em especial do MP e da DP, como particularidade do contexto brasileiro. Tomadas em conjunto, essas duas premissas possibilitam a visualização de um nicho de atuação compartilhado por uma variedade de entidades de defesa de direitos, pelo MP e pela DP, cujas dinâmicas de interação constituem (1.3) o objeto central de estudo da pesquisa. Mais adiante (1.4), são apresentadas as estratégias metodológicas formuladas para o desenvolvimento da pesquisa: a construção da amostra que serviu de base à investigação empírica, a definição do instrumento de coleta de dados e, finalmente, os procedimentos de sistematização e análise das informações obtidas. 1.1 MOBILIZAÇÃO JURÍDICA E SOCIEDADE CIVIL: PLURALIDADE DE EXPERIÊNCIAS E CONCEITOS A mobilização jurídica pela sociedade civil abarca experiências e formas de organização bastante diversas. Os usos do direito por parte de entidades não governamentais e movimentos sociais englobam desde atividades de extensão universitária das faculdades de direito, advogados populares, promotoras legais, advocacia pro bono, até organizações não governamentais (ONGs) de litígio estratégico. A cada tipo de experiência correspondem diferentes matizes de influência teórica, estratégias de prática e concepções políticas. Há distintas trajetórias e, consequentemente, formas de mobilização do direito por parte da sociedade civil. Neste cenário, o conceito de “advocacia popular” inicialmente proposto como tema do edital que deu ensejo à pesquisa permitiria a visualização de apenas uma parcela – ainda que relevante – do fenômeno da mobilização jurídica pela sociedade civil. Neste trabalho, portanto, o conceito de “advocacia popular” é tomado como parte de uma gama mais ampla de experiências de mobilização jurídica, e não como definidor da totalidade de manifes- 12 Cebrap-Advocacia Popular_resumido-Modelo.indd 12 18/12/2013 19:37:57 variedade de formas de defesa de direitos pela sociedade civil. A “advocacia de interesse público” está historicamente relacionada ao acesso à justiça por pessoas marginalizadas política ou economicamente e, com o tempo, passou a abranger outras atividades4. O formato tradicional das entidades de interesse público são escritórios de advocacia que prestam assistência judiciária gratuita. Não há, nesses escritórios, seleção de casos paradigmáticos ou mesmo uma seleção temática, mas sim atendimento à demanda nos limites orçamentários da entidade. Aproximam-se, dessa forma, do trabalho da advocacia tradicional client-oriented 5 (forma de advocacia pautada pela solução do caso concreto e obtenção de justiça individual), ainda que o objetivo não se restrinja à satisfação do interesse do indivíduo e busque a transformação social trazida pelo acesso ao direito por parte de grupos marginalizados. MO DE LO tações da defesa de direitos pela sociedade civil. Uma advocacia tão variada requer, dessa forma, certo grau de sistematização funcional e conceitual para que se possa compreender melhor o objeto desta pesquisa. A dificuldade em conceituar a mobilização jurídica, em seus diversos tipos, não é observável exclusivamente no Brasil, e está relacionada ao fato de as formas assumidas pela sociedade civil na defesa de direitos serem “influenciadas diretamente pelo regime político, pelo sistema jurídico, pela tradição jurídica, pela relação com a ordem profissional e com o projeto de transformação social” presentes em cada país2. Apesar da variedade de experiências e formas de organização da sociedade civil na mobilização do direito, há elementos em comum que permitem que sejam consideradas como parte de um mesmo fenômeno. As experiências de “advocacia de interesse público”, com frequência, convergem com respeito ao público-alvo (população de baixa renda, grupos sociais minoritários ou discriminados, e interesses difusos, por exemplo), à agenda temática (defesa de determinados direitos), ao objetivo final (promover transformação social) e ao método de trabalho (client ou issue-oriented, de litígio estratégico3 etc.). Frente a essas semelhanças, o conceito de “advocacia de interesse público” e a distinção entre as formas de advocacia client e issue-oriented revelam-se úteis. Estes dois conceitos permitem superar a particularidade das experiências de mobilização jurídica e, dessa forma, abarcar a Outra frente desse tipo de mobilização jurídica é a chamada advocacia issue ou policy-oriented 6, uma advocacia temática, voltada a mudanças sociais em determinadas áreas: discriminação racial, meio ambiente, mulheres, entre outras. Com esse fim, as entidades policy-oriented costumam ter um trabalho preliminar de escolha do caso paradigmático, conforme o seu potencial impacto social no tema ou na política tidos como prioritários na agenda temática. Diante da escassez de recursos, grupos organizados fazem um raciocínio de custo-benefício para a seleção dos casos paradigmáticos, que gerem o máximo de impacto dentro dos objetivos traçados SARAT e SCHEINGOLD (1998), JUNQUEIRA (2002, p. 194). Algumas entidades de advocacia em direitos humanos apostam no litígio estratégico como uma via hábil para provocar transformações sociais. “Litígio estratégico”, “litígio de impacto”, “litígio paradigmático” ou “litígio de caso-teste” são expressões correlatas que surgiram de uma prática diferenciada de litígio não necessariamente relacionada ao histórico da advocacia em direitos humanos. O litígio estratégico busca, por meio do uso do Judiciário e de casos paradigmáticos, alcançar mudanças sociais. Os casos são escolhidos como ferramentas para transformação da jurisprudência dos tribunais e formação de precedentes, para provocar mudanças legislativas ou de políticas públicas. Trata-se de um método ou uma técnica que pode ser utilizada para diferentes fins/temas (CARDOSO, 2012, p. 41; IHRLG, 2001, p. 82; ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 37-38). 4 REKOSH, BUCHKO, TERZIEVA, 2001, p. 1. 5 ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 40-41. 6 ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 41. 2 3 Cebrap-Advocacia Popular_resumido-Modelo.indd 13 13 18/12/2013 19:37:57 mencionados. As chamadas “promotoras legais populares”, iniciativas em que líderes comunitárias são capacitadas para reconhecer violações de direitos que podem ser depois encaminhadas ao Poder Judiciário por ONGs ou por órgãos de litígio do Estado. Extensões universitárias em direito que priorizam como trabalho de advocacia a assessoria jurídica comunitária e tem por objetivo fomentar uma pedagogia de direitos, sem necessariamente prestar assistência judiciária ou desenvolver assessoria jurídica em questões coletivas, comunitárias e a movimentos sociais. As experiências de advocacia popular propriamente dita, em que advogados próximos a movimentos sociais se dedicam às causas judiciais desses grupos. ONGs de direitos humanos ou especializadas em certas temáticas que promovem uma advocacia estratégica em âmbito nacional e internacional, ou que prestam atendimento direto a indivíduos, grupos ou mesmo a outras ONGs. MO DE LO pela entidade e beneficiem uma coletividade ampla7. Ambas as frentes de advocacia são reconhecidas como parte do movimento de “direito de interesse público”8, embora tenha sido a partir da segunda que se desenvolveu a prática de litígio estratégico9. Neste tipo de mobilização jurídica, geralmente, o litígio é apenas uma das ferramentas utilizadas pelos centros de “direito de interesse público”. Há múltiplas possibilidades de ação relacionadas à mobilização jurídica na sociedade civil, tais como: campanhas de mobilização e educacionais em torno de direitos humanos, lobby legislativo, pesquisas e documentação em direitos humanos, solução alternativa de disputas10, agenda de reforma institucional, entre outros. Em contraste, as entidades client -oriented não costumam ter este trabalho, pois atendem a um determinado público, conforme a demanda ou os limites orçamentários da entidade. Entidades de advocacia client-oriented, no entanto, também podem exercer litígio estratégico, mas geralmente de maneira ad hoc, quando são levadas pelo caso a planejar estratégias de impacto social11. Em ambas as formas, no entanto, a mobilização do direito visa a um objetivo de transformação social e atende a públicos marginalizados, discriminados e/ou vulneráveis. A partir desse marco conceitual, é possível visualizar uma série de experiências de mobilização jurídica pela sociedade civil no Brasil nas quais é possível identificar, em maior ou menor grau, os elementos apontados como definidores da advocacia de interesse público. Diversos exemplos dessa variedade de experiências podem ser A noção de advocacia de interesse público permite, ainda, a consideração simultânea de outro tipo de atores que, particularmente no contexto brasileiro, é essencial para o estudo da defesa de direitos pela sociedade civil e de uma advocacia temática: o Ministério Público e a Defensoria Pública. 1.2 ADVOCACIA DE INTERESSE PÚBLICO NO ESTADO: MINISTÉRIO PÚBLICO E DEFENSORIA PÚBLICA Diferentemente de outros países, onde a advocacia de interesse público é exercida primordialmente por atores da sociedade civil, no Brasil, órgãos de litígio do Estado, como o Ministério Público (estaduais e federal) e as Defensorias Públicas (estaduais e federal) ocupam, em parte, o WEISSBRODT, 1984, p. 31. JOHNSON, 1991, p. 171. 9 ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 35; IHRLG, 2001, p. 82. 10 IHRLG, 2001, p. 2. 11 ERRC, INTERIGHTS, MPG, 2004, p. 40-41. 7 8 14 Cebrap-Advocacia Popular_resumido-Modelo.indd 14 18/12/2013 19:37:57 A identificação de que o campo da advocacia de interesse público é compartilhado entre atores da sociedade civil e do Estado revela, dessa forma, uma arena de interação. Situa-se, assim, o objeto da pesquisa: identificar quais as dinâmicas de interação instituídas entre Estado e sociedade civil neste espaço. As questões enfrentadas pela pesquisa podem, dessa forma, ser apresentadas: havendo posições, em boa medida, sobrepostas na advocacia de interesse público, como a mobilização jurídica da sociedade civil interage com o trabalho de litígio dos órgãos estatais? Os órgãos estatais conflitam ou cooperam com as entidades da sociedade civil? Como repercute o trabalho desses órgãos das entidades da sociedade civil de advocacia de interesse público e vice-versa? Que elementos institucionais dos órgãos oficiais dificultam ou facilitam a relação com as entidades da sociedade civil? Em um plano propositivo, que transformações institucionais podem ser adotadas para otimizar essa interação? MO DE LO espaço da mobilização jurídica e de uma atuação judicial temática. Esses órgãos de litígio do Estado são dotados de uma grande capacidade institucional de defesa de direitos, sem comparação em outros países. Possuem profissionais qualificados, bem remunerados, com relativa independência de atuação, abrangente capacidade de atuação (local, estadual e nacional). Adicionalmente, as áreas de competência dessas instituições jurídicas se sobrepõem, em grande medida, ao nicho de atuação de entidades de defesa de direito da sociedade civil. Isso porque a sua atuação se assemelha aos elementos anteriormente mencionados como definidores da advocacia de interesse público, sobretudo o público-alvo (grupos sociais marginalizados, minoritários ou discriminados e interesses difusos, por exemplo) e a agenda temática (defesa de determinados direitos). Também os métodos de atuação da sociedade civil podem ser encontrados no Ministério Público e na Defensoria Pública. As Defensorias Públicas, por exemplo, por estarem em contato com um grande volume de demandas individuais, podem funcionar como um termômetro das necessidades de medidas coletivas. Pela abrangência de sua atuação, podem pensar em estratégias de longo prazo de caráter de reforma institucional, seja a partir de seu trabalho de litígio individual ou coletivo, seja por estratégias de negociação com órgãos públicos e privados, prévias ao litígio. O Ministério Público também possui uma série de instrumentos que possibilitam atacar problemas de reforma institucional, graças ao tratamento da dimensão coletiva dos conflitos, como nas ações civis públicas, ou nas negociações prévias ao litígio com órgãos públicos e privados, os Termos de Ajustamento de Conduta (TACs). Além disso, pode também realizar propostas de lei. Cebrap-Advocacia Popular_resumido-Modelo.indd 15 1.3 DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA Em razão da amplitude do campo da advocacia de interesse público e dos diversos enfoques possíveis, o estudo da interação entre as entidades de defesa de direitos e os órgãos de litígio do Estado (MP e DP) exige delimitação. Logo de início, o recorte da pesquisa foi feito sobre a perspectiva das entidades de defesa de direitos acerca dessa interação com MP e DP. Privilegiamos o estudo desses atores da sociedade civil não apenas por conta dos contornos apresentados pelo edital desta pesquisa ou em razão das limitações temporal e orçamentária da pesquisa, mas também por carecermos de informações sistematizadas acerca deste universo de entidades de 15 18/12/2013 19:37:57 a assessoria jurídica comunitária, sem necessariamente prestar assistência judiciária a essas comunidades. Isso não por se entender que este trabalho não seja de “interesse público” ou não se caracterize como “advocacia popular”, mas por tentar destacar nesta pesquisa a interação dessas entidades de defesa de direitos com o Poder Judiciário e os demais órgãos de litígio do Estado. Ou seja, a pesquisa procura destacar justamente as entidades de “advocacia de interesse público” que usam o direito no espaço institucional do Judiciário, seja diretamente, seja por intermédio dos órgãos de litígio do Estado. Igualmente, são excluídos os escritórios das faculdades de direito e outras entidades que trabalham apenas com a lógica do litígio de cada caso, realizando o atendimento individual de público sem condições de pagar um advogado, que não fazem qualquer seleção ou agrupamento temático de casos, nem possuem agenda de litígio de direitos de longo prazo. Por mais que essa prática atenda à finalidade social de acesso à justiça individual, não necessariamente forma um corpus de litígios individuais orientado para a transformação para além do caso concreto, como, por exemplo, de uma determinada política pública ou de uma determinada interpretação dogmática do direito. Além disso, estes seriam atores que se relacionam de modo eventual com o sistema de justiça14. Não necessariamente sua atuação reiterada em casos individuais geraria um acúmulo de experiência sobre como se dá a interação com os órgãos de litígio do Estado. MO DE LO defesa de direitos no Brasil12 – quem são, com que temas trabalham, quais atividades realizam – e, em especial, sobre sua relação com MP e DP – tanto mais levando em consideração as alterações institucionais que estes órgãos estatais sofreram recentemente. Este recorte implica ganhos de profundidade, uma vez que possibilita a coleta de um grande número de narrativas, representativa nacionalmente, de um dos polos – na estratégia adotada pela pesquisa, a sociedade civil. Seria importante, em outro estudo de âmbito nacional, observar essa interação também sob a perspectiva de defensores, promotores e procuradores. As conclusões apresentadas aqui devem, portanto, levar em conta a delimitação de objeto adotada pela pesquisa. Outros dois recortes foram adotados para a circunscrição do objeto de pesquisa. Primeiro, com respeito aos tipos de experiências de mobilização jurídica da sociedade civil que serão estudados. O foco da pesquisa é sobre as interações protagonizadas por distintos tipos de entidades de defesa de direitos que atendam aos seguintes critérios, alternativamente: que possuam advogado(s) em sua estrutura; e/ou que tenham atividade judicial; e/ou que tenham relação com o MP; e/ ou com a DP; e/ou que estejam voltadas a discutir e alterar o funcionamento dessas instituições estatais de litígio. Com este recorte, buscamos selecionar entidades da sociedade civil que são atores habituais do sistema de justiça13 e que, portanto, estariam expostos à interação com o Poder Judiciário e os órgãos de litígio do Estado e teriam potencialmente um maior acúmulo de experiências sobre essas formas de interação. São excluídas, por exemplo, algumas experiências de extensão universitária que priorizam como trabalho de advocacia Segundo, com respeito aos perfis das entidades da sociedade civil estudadas, excluímos entidades representativas de classes profissionais como, por exemplo, sindicatos de trabalhadores ou Ordem dos Advogados do Brasil. Embora essas Destacamos neste esforço o trabalho de Terra de Direitos e Dignitatis Assessoria Técnica Popular, 2013. GALANTER, 1974. 14 GALANTER, 1974. 12 13 16 Cebrap-Advocacia Popular_resumido-Modelo.indd 16 18/12/2013 19:37:57 mobilização jurídica, foi preciso construir Afora os recortes mencionados, a pesquisa não adotou delimitação geográfica, abarcando entidades de defesa de direitos de todo o País. Pretendeu-se, dessa forma, elaborar um diagnóstico de âmbito nacional sobre as formas de interação da mobilização jurídica da sociedade civil com os órgãos de litígio do Estado no Brasil. A abrangência nacional do estudo possibilitou a identificação de variações nacionais na relação entre sociedade civil e Estado no nicho da advocacia de interesse público, o que, por sua vez, contribui para a elaboração de respostas substantivas às perguntas que guiam a pesquisa. crever as formas preponderantes de inte- MO DE LO entidades por vezes possam representar interesses difusos ou coletivos, de grupos marginalizados ou discriminados, também possuem uma clara agenda temática que envolve os interesses de suas categorias profissionais em suas atuações jurídico-judiciais. Na próxima seção, são descritas as estratégias metodológicas adotadas para o estudo do objeto até aqui descrito. Serão apresentados os critérios para a construção da amostra da pesquisa, o instrumento de coleta de dados desenvolvido e a forma de análise das informações obtidas. 1.4 METODOLOGIA O objetivo geral de avaliar como as entidades de defesa de direitos da sociedade civil interagem com o Ministério Público e a Defensoria Pública se desdobra em dois objetivos específicos. Primeiro, identificar quem são as entidades da sociedade civil que mobilizam o direito, conforme a delimitação estabelecida, para, então, avaliar como se relacionam com os órgãos de litígio do Estado. Esses objetivos se traduzem, por sua vez, em duas tarefas metodológicas. De um lado, frente à já mencionada multiplicidade de experiências de Cebrap-Advocacia Popular_resumido-Modelo.indd 17 uma amostra representativa da variedade de formas de advocacia de interesse público na sociedade civil e descrever os distintos perfis das entidades que se inserem na delimitação da pesquisa. De outro, a partir dessa amostra, buscou-se identificar e desração dessas entidades com os órgãos de litígio do Estado. Em termos gerais, a pesquisa adotou a seguinte estrutura metodológica: foram realizadas entrevistas semiestruturadas com uma amostra nacional de entidades de defesa de direitos para que, a partir das narrativas fornecidas pelos atores que promovem a mobilização jurídica, fossem identificadas experiências de interação com e percepções da sociedade civil sobre o Ministério Público e a Defensoria Pública. Nesta seção, são apresentadas as es- tratégias metodológicas adotadas para realizar as tarefas que decorrem dos objetivos da pesquisa. Na próxima subseção, é descrito (1.4.1) o processo de construção da amostra de entidades da sociedade civil estudada pela pesquisa. Nas subseções que se seguem, são detalhados (1.4.2) o instrumento elaborado para a coleta de dados e (1.4.3) os procedimentos de análise das informações obtidas. 1.4.1 AMOSTRA DA PESQUISA A construção da amostra analisada pela pesquisa enfrentou a dificuldade decorrente da multiplicidade de experiências de entidades que trabalham com a defesa de direitos e da concomitante ausência de referenciais ou bancos de dados que, ao mesmo tempo, atentem para essa variedade e atendam aos critérios de delimitação do objeto da pesquisa. Para contornar este obstáculo, adotou-se como estratégia de 17 18/12/2013 19:37:57 forma, a amostra do estudo foi composta de 103 entidades (listadas no Anexo I). A amostra analisada na pesquisa integra entidades atuantes em diversas temáticas, conforme será detalhado na seção 3 – Perfil das entidades. MO DE LO identificação de entidades de defesa de direitos a consulta a distintos mapeamentos parciais realizados por outras pesquisas. Em razão do seu foco em experiências específicas de advocacia de interesse público, estes mapeamentos permitem, se tomados em conjunto, a construção de uma listagem de entidades de perfis bastante variados. Importa destacar que a pesquisa não teve pretensões censitárias, ou seja, não se pretende oferecer um mapeamento completo de todas as experiências de advocacia de interesse público existentes no Brasil ou mesmo uma amostra que permita generalizações sobre a mobilização jurídica no país. Buscou-se, com a amostra construída com base em fontes secundárias, garantir representatividade mínima à variedade de experiências de advocacia de interesse público em pelo menos três dimensões: a) regional, com entidades de todas as regiões do país e do maior número de estados possível; b) temática, incluindo experiências em diversos campos de atuação; e c) de perfil, inserindo na amostra entidades de diferentes tipos (advocacia popular, extensões universitárias, advocacia pro bono, ONGs etc.), com distintos graus de profissionalização e organicidade, que adotam formas variadas de estratégias jurídicas e que desempenham diferentes atividades e em diversos âmbitos (local, regional, nacional e internacional). A partir dessas fontes e excluindo-se eventuais repetições, foram identificadas 136 entidades de defesa de direitos em todo o País. Dentre estas, 16 foram excluídas por não se enquadrarem nos critérios de delimitação do objeto da pesquisa (conforme item 1.3). No caso de outras 17 entidades, não foi obtida resposta ao convite para participação da pesquisa. Dessa As cinco regiões do país estão representadas na amostra. Ainda quanto à distribuição geográfica, as entidades têm origem em quase 30 cidades localizadas em 23 estados da federação. A região Sudeste congrega mais da metade das entidades. Aproximadamente dois quintos da amostra são de organizações com sede no estado de São Paulo. Essa concentração está relacionada, em certa medida, aos perfis das entidades mapeadas por parte das fontes de dados utilizadas para a construção da amostra. Há mapeamentos que congregam entidades com atuação delimitada em termos institucionais (por exemplo, entidades que atuaram no Supremo Tribunal Federal) e que fazem parte de articulações nacionais de ONGs (como, por exemplo, as entidades afiliadas à ABONG). Delimitações com essas características tendem a selecionar entidades bastante especializadas e com boa capacidade de articulação nacional, o que exige certo grau de profissionalização e financiamento. Assim, por razões socioeconômicas, entidades localizadas na região Sudeste tendem a atender a esses critérios. Outra possível explicação à relativa concentração regional da amostra é o caráter nacional ou mesmo internacional de muitas das entidades com sede, em especial, no estado de São Paulo e no Distrito Federal. A título de exemplo, sete entidades localizadas em São Paulo e uma em Brasília atuam nacionalmente e/ou contam com integrantes São elas: Artigo 19, Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Conectas Direitos Humanos, Instituto Pro Bono, Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares, Movimento de Atingidos por Barragens e o Conselho Indigenista Missionário. 19 18 Cebrap-Advocacia Popular_resumido-Modelo.indd 18 18/12/2013 19:37:57 quisa – identificar quem são as entidades da sociedade civil que mobilizam o direito e como se relacionam com os órgãos de litígio do Estado –, os dados buscados têm natureza qualitativa. Dessa forma, e em razão de o recorte adotado pelo estudo (foco nas entidades da sociedade civil) e o objeto de investigação serem ainda pouco explorados empiricamente, optou-se pela realização de entrevistas semiestruturadas22 com as entidades de advocacia de interesse público selecionadas na amostra. Por não serem questionários fechados, as entrevistas permitem a obtenção de narrativas, avaliações e exemplos sobre os tópicos demandados do entrevistado – precisamente o tipo de dado que interessa a uma pesquisa focada na compreensão de fenômenos de relação entre atores. Ao mesmo tempo, por oferecerem um balizamento mínimo, as entrevistas semiestruturadas permitem a sistematização e a comparação de informações fornecidas por diferentes fontes. MO DE LO em diversos estados da federação19. Outras três entidades sediadas em São Paulo são representações nacionais de organizações de caráter internacional20, e uma em Brasília opera como uma rede de entidades distribuídas por todas as regiões do país21. A concentração regional da amostra pode ser um indício, ainda, de como estão distribuídas as entidades de defesa de direitos no país. Esta hipótese, no entanto, só pode ser confirmada por um estudo dedicado especificamente à tarefa de mapear as experiências da advocacia de interesse público no país. Ainda que uma relativa concentração da amostra constitua um problema para estudos que tenham como objetivo central construir um mapa da defesa de direitos no país, ela não compromete os propósitos desta pesquisa. Conforme já referido, não se pretende, com a amostra construída, realizar um mapeamento censitário das experiências de advocacia de interesse público no Brasil, ou elaborar generalizações estatísticas sobre o campo. Objetivou-se, ao contrário, compor uma amostra com relativa representatividade regional para identificar tendências na interação com o Ministério Público e a Defensoria Pública. Levando-se em conta que todas as regiões do país foram contempladas pela amostra e que foi coberto um amplo espectro de estados e cidades, a amostra se revela útil aos propósitos da pesquisa. 1.4.2 COLETA DE DADOS: O INSTRUMENTO DA ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA Frente aos dois objetivos específicos que decorrem do propósito geral da pes- As entrevistas foram guiadas por um roteiro formulado previamente que incluía questões sobre (i) o perfil do respondente; (ii) o perfil da entidade; e (iii) a sua relação com o MP e a DP. O roteiro tinha por objetivo operacionalizar, em perguntas empíricas, as questões gerais enfrentadas pelo estudo: quem são as entidades de defesa de direitos e como interagem com o MP e a DP? No item (i), foram buscadas informações sobre a trajetória pessoal, acadêmica e profissional do respondente, suas motivações para atuar na defesa de direitos e o papel que ele desempenha na entidade. No item (ii), foram coletados dados sobre os temas, formas e âmbitos de atuação da Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM/Brasil, Instituto Latinoamericano de las Naciones Unidas para la Prevención del Delito y el Tratamiento del Delincuente – ILANUD e Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura – ACAT – Brasil. A Artigo 19 também se enquadra neste perfil. 21 É o caso da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente – ANCED. 22 “É uma característica dessas entrevistas [semiestruturadas] que questões mais ou menos abertas sejam levadas à situação de entrevista na forma de um guia da entrevista. Espera-se que essas questões sejam livremente respondidas pelo entrevistado. O ponto de partida do método é a suposição de que os inputs que caracterizam entrevistas ou questionários padronizados, e que restringem o momento, a sequência ou o modo de lidar com os tópicos, obscurecem, ao invés de esclarecer, o ponto de vista do sujeito.” (FLICK, 2002, p. 106). 20 Cebrap-Advocacia Popular_resumido-Modelo.indd 19 19 18/12/2013 19:37:57 também foram entrevistados (em geral, Foram realizadas 110 entrevistas, envolvendo 130 integrantes das 103 entidades que compõem a amostra (conforme Anexo I). Em alguns casos, foi realizada mais de uma entrevista por entidade e, em determinadas entrevistas, houve mais de um respondente em uma mesma entrevista. As entrevistas foram realizadas pessoalmente, por telefone e, em sua maioria, por videoconferência23. às transcrições (“codificação”) era reunir, MO DE LO entidade, sua estrutura e organização internas, meios de financiamento, os tipos de casos em que a entidade atua judicialmente, como esses casos chegam à entidade, e as estratégias de atuação jurídica da entidade. No item (iii), buscou-se coletar informações e experiências do entrevistado e da entidade sobre as formas e a qualidade da interação com o MP e a DP. Buscou-se, sempre que viável, entrevistar os advogados atuantes nas organizações que integram a amostra. Quando não foi possível, ou em casos em que informações sobre a entidade não foram fornecidas de maneira satisfatória pelos advogados da entidade, integrantes com outras funções coordenadores). 1.4.3 ANÁLISE DOS DADOS: CODIFICAÇÃO E SISTEMATIZAÇÃO Foram elaborados “códigos” para categorizar as diferentes informações disponibilizadas nas transcrições das entrevistas. O objetivo da aplicação de códigos sob uma mesma categoria de análise, informações identificadas no conjunto das entrevistas. Os códigos tomaram por base a estrutura do roteiro de entrevista e incluíram outros elementos que emergiram do trabalho de campo. Cada grupo de códigos, conforme Tabela 1 abaixo, serviu a um objetivo específico: em (1), reunir elementos sobre o perfil dos respondentes da entrevista; em (2) e (3), identificar as características das entidades entrevistadas e o perfil da sua atuação judicial; e em (4), mapear experiências, percepções e formas de interação da entidade com o MP e a DP. Tabela 1. Livro de códigos Grupo de códigos 23 20 Objetivo Exemplos de códigos (1) Respondente Identificar informações sobre a trajetória pessoal do entrevistado, sobre o que ele faz na entidade e o que o motiva a atuar na mobilização jurídica. Respondente: Respondente: Respondente: Respondente: Movimento Estudantil Extensão Universitária Movimento Social Estágio (2) Entidade Compor o perfil da entidade entrevistada: histórico, estrutura, financiamento, atividades e temas de atuação etc. Entidade: Entidade: Entidade: Entidade: Entidade: (3) Atuação judicial Compor o perfil da atuação judicial/ jurídica da entidade: tipo de estratégia jurídica, forma de seleção de casos, instrumentos adotados e instâncias de atuação etc. Atuação judicial: Instâncias: Tribunais Superiores Atuação judicial: Seleção de casos: Casos emblemáticos Atuação judicial: Instrumentos jurídicos: Ação Civil Pública (4) Defensoria Pública e Ministério Público Identificar exemplos de interação da entidade com o MP ou a DP e coletar informações sobre como o entrevistado avalia os papeis do MP/DP, a relação desses órgãos com a entidade, e questões de desenho institucional do MP/DP. DP: Formas de interação: Encaminhamento de casos MP: Formas de interação: Representação DP: Desenho institucional: Núcleo temático Histórico: Fundada antes de 1988 Estrutura: Número de profissionais Financiamento: Internacional Atividades: Educação popular Temas: Meio Ambiente Utilizou-se o software Skype na maioria das entrevistas realizadas remotamente. Cebrap-Advocacia Popular_resumido-Modelo.indd 20 18/12/2013 19:37:57 Pública e o Ministério Público. Finalmente, na seção 4, são apresentadas, de forma sistemática, as experiências de interação das entidades entrevistadas com os órgãos de litígio do Estado. Dessa forma, os elementos de perfil das entidades serão cruzados com os tipos de interação detectados a fim de discutir o objeto central da pesquisa: como a mobilização jurídica da sociedade civil repercute nos órgãos de litígio do Estado e, paralelamente, como o desenho institucional dos órgãos de litígio do Estado favorece ou não a mobilização social jurídica? MO DE LO A aplicação dos códigos às transcrições das entrevistas foi realizada por meio do software de análise de dados Atlas.ti. Com base no procedimento de codificação das transcrições descrito acima, o material coletado por meio das entrevistas foi sistematizado em quatro grandes blocos de informação. As seções que seguem apresentam a informação organizada pelos grupos de códigos aplicados e desenvolvem a análise deste material. Na seção 2, são descritos os perfis dos respondentes das entrevistas realizadas. Neste âmbito, são analisados os elementos acadêmicos, políticos e profissionais identificáveis nas trajetórias de indivíduos que decidem atuar na mobilização do direito. Avaliam-se, ainda, as suas motivações para atuar na defesa de direitos pela sociedade civil vis-à-vis as carreiras de advocacia de interesse público nas instituições estatais. Nas seções 3 e 4, as características, as formas de organização e estratégias, áreas e os temas de atuação das entidades que compõem a amostra são detalhados e discutidos. Primeiro, por meio da apresentação dos dados sobre o histórico, estrutura, financiamento e atividades das entidades, pretende-se discutir a multiplicidade de experiências de mobilização jurídica detectada pela pesquisa. Na sequência, é traçado o perfil da atuação propriamente jurídica das entidades estudadas. Juntas, as seções 2, 3 e 4 respondem à questão de “quem são as entidades de defesa de direitos” e, assim, lançam as bases para a discussão das potenciais interações entre a sociedade civil, a Defensoria Cebrap-Advocacia Popular_resumido-Modelo.indd 21 As citações aos trechos das entrevistas realizadas não são identificadas ao longo do relatório, e quaisquer informações que possibilitem a identificação do entrevistado ou da entidade foram eliminadas. Optou-se por esta forma de tratamento dos dados em razão de pedidos de confidencialidade direcionados a determinados trechos de algumas entrevistas, em especial questões sensíveis, como financiamento e percepções sobre entidades governamentais. Como o universo de entidades e respondentes é identificado nas listagens anexas ao relatório, se apenas algumas identidades fossem protegidas, por exclusão, seria possível identificar o restante da amostra. Igualmente, a lista de indivíduos entrevistados não é disponibilizada nos anexos do relatório, tendo em vista que alguns respondentes solicitaram anonimato. Da mesma forma, optou-se por conferir anonimato a todos os respondentes, a fim de evitar qualquer possibilidade de identificação por exclusão. 21 18/12/2013 19:37:57