Suspeita de tráfico de crianças em São Tomé já regressou a Portugal Acusada. Mafalda Velez ficou dois dias na cadeia. Libertada, pôde voltar por motivos de saúde. Garante que só participou em adoções legais LUÍS FONTES Mafalda Velez Horta, de 28 anos, viveu há meses um pesadelo em São Tomé, onde foi acusada, em dezembro, de tráfico internacional de crianças. "Fiquei chocada. Como consultora jurídica, auxiliei famílias portuguesas a adotar quatro crianças [entre os três meses e os dois anos] de São Tomé, mas de acordo com as leis de Portugal e de São Tomé", explica ao DN. Forma- da em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa, trabalhou naquele país na organização Leigos para o Desenvolvimento, como tradutora para a ONU e como professora na Universidade Lusíada. Mafalda está em Portugal há pouco mais de uma semana. Conseguiu deixar aquele pais, onde se encontrava com termo de identidade e residência, devido a problemas de saúde que teriam de ser monitorizados em Portugal. A sua vida em São Tomé começou a resvalar quando uma advogada, Celisa Deus Lima, da Ordem dos Advogados são-tomense, a denunciou na televisão como traficante de crianças. A seguir, a sua casa foi revistada. "Dois agentes da Polícia de Investigação Criminal e três agentes do Ministério Público estiveram em minha casa. Curiosamente, ou talvez não, um dos polícias era irmão da advogada Celisa Deus Lima", conta Mafalda. "Não me deixaram entrar em contacto com a embaixada portuguesa nem com um advogado", lamenta. Preocupada com a filha, com menos de dois anos, viu os polícias recolherem provas: "Levaram desenhos da minha filha, uma máquina fotográfica, uma agenda pessoal e um telemóvel". Passou dois dias detida nas instalações da Polícia na cidade de São Tomé. "Não tinha um lençol, nem uma rede mosquiteira. As condições eram péssimas", afirma. A 22 de dezembro, foi presente ao Ministério Público. "Uma das magistradas é irmã do procurador- geral da República, grande amigo de Celisa", diz com suspeita Mafalda Velez. "Acusavam-me de ter participado em 17 adoções ilegais. Uma mentira enorme." Qual a razão para a representante da Ordem dos Advogados a ter acusado? "Não sei se por também ela fazer consultoria em pro" cessos de adoção... "Nas quatro adoções que ajudei a fazer como consultora tive o máximo cuidado. Além de tratar da parte burocrática, também pedia aos candidatos apais adotivos para estarem pelo menos 15diasem contacto com as crianças para avaliar a relação", conta Mafalda. Quem dava as crianças para adoção, segundo afirma, não receberia dinheiro: "Normalmente são pessoas que querem um futuro melhor para os seus filhos. Recordo o caso de um bebé com cinco meses que pesava 2990 gramas." A fragilidade de provas levou o juiz de instrução criminal a deixar Mafalda Velez sair sob termo de identidade e residência sem poder abandonar o País. Uma medida que, como a acusação, acabou por ser reformulada. O mesmo juiz ordenou que a investigação fosse refeita de modo a possibilitar uma acusação: Esta acabou por ser de falsificação de documentos, falsas declarações, exercício ilegal de profissão e "um crime de subtração fraudulenta de menor de sete anos". Face a problemas de saúde, Mafalda Velez foi autorizada a viajar para Portugal com a filha. "Quero voltar a São Tomé, onde deixei grande parte da minha vida para limpar o meu nome." Só um problema: "Não me sinto segura. Quando regressar quero ter proteção policial", diz Mafalda Velez. CRONOLOGIA 16/12/2011 Celisa Deus Lima acusa Mafalda Velez na televisão sãotomense de envolvimento numa rede de tráfico de menores. > 20/12/2011 > Mafalda é detida em casa vada para instalações e le- da Polícia. 22/12/2011 > A portuguesa de instrução refazer Público. a é ouvida pelo juiz criminal que manda acusação do Ministério MafaLda Velez é liberta- da mas proibida de sair do país. 26/3/2011 O juiz de Instrução Criminal levanta a interdição de sair do País. > 27/3/2011 Mafalda e a filha de dois anos saem de São Tomé para Portugal. > Mafalda Velez, agora em Portugal, tem medo de voltar a São Tomé DESPACHO CRITICO "Como é prática nesse MP, nada fizeram" criminal autorizou Mafalda Velez a que sair do País africano por moti- nhada de defensor oficioso. Sabendo da formação jurídica de Mafalda, o juiz comenta: vos de saúde, no seu despacho, é particularmente corrosivo "Ausência de defesa, estranho." Quanto ao requerimento para sair do país, o juiz despachou-o para o MP. "Como é prática nesse MP nada fizeram", acusa. "E qual é o meu > O juiz de instrução para com o Ministério Público. "É estranho haver três procuradoras a fazer uma espécie de denuncia... ao MP." O juiz Hilário Garrido também coloca em causa a credibilidade do MP, já que Mafalda Velez no "auto de interrogatório de arguido" não estava acompa- espanto, enquanto esperava o processo para decidir, devido à sua urgência, recebo com absurdeza um pedido de 'mandado de captura'", escreve o juiz.