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Manifestações da complexidade nas empresas
(Gestão e Exemplos)
Humberto Mariotti *
A complexidade sempre existiu e com ela as suas manifestações. O que mudou foi a percepção de três
de seus principais aspectos interligados e interativos: (1) a diversidade, (2) a multiplicidade e (3) a
amplitude. Eles podem ser representados como um triângulo, que por sua vez está ligado a mais três:
(a) o triângulo economia-política-sociedade, (b) o triângulo curto prazo-médio prazo-longo prazo e (c)
o triângulo contexto local-contexto regional-contexto global.
O reconhecimento de que todos esses fatores estão sempre presentes e são interligados (e portanto
interativos), fez com que as manifestações da complexidade na sociedade e nas organizações se
tornassem mais claras. É claro que essa percepção aumentada se deve aos progressos da ciência e da
tecnologia, em especial dos meios de comunicação.
Ainda assim, no plano individual a capacidade de perceber e entender essas manifestações com
suficiente profundidade não tem aumentado na mesma proporção. Essa constatação tem sido feita por
vários autores e em várias áreas. No âmbito dos negócios, por exemplo, David Snowden e Mary
Boone1 observam que a complexidade é muito mais comum do que a maioria dos líderes imaginam.
Muitas pessoas não se dão conta de que, contrariando os seus desejos, o mundo é muitas vezes
irracional e imprevisível. Por isso, Snowden e Boone afirmam que já é tempo de superarmos as visões
convencionais e simplificadoras e adotarmos novas atitudes e praticas baseadas nas ciências da
complexidade.
Essa nossa dificuldade ou incapacidade de percepção da complexidade se deve em especial à
prevalência, em nossa cultura, de um modo de pensar que privilegia as partes separadas em prejuízo
do todo. Ela nos levou a ver o mundo como um imenso conjunto de fragmentos pouco relacionados ou
não relacionados entre si. Por essa razão, preocupamo-nos mais com as partes isoladas (os focos), e
temos dificuldade de perceber e compreender avtotalidade (a periferia) da qual essas partes são
integrantes.
Vejamos alguns exemplos de como a complexidade se manifesta nas organizações:
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A complexidade torna cada vez menos eficaz a utilização do pensamento binário como
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modo único de pensar e agir. O modelo “ou uma coisa ou outra” como abordagem exclusiva não
funciona bem diante da multiplicidade, da amplitude e da diversidade dos fenômenos. Em especial, ele
não é eficaz para lidar com a rapidez com que as mudanças acontecem.
•
A complexidade torna cada vez mais difíceis as comunicações e a difusão do conhecimento entre as
diversas áreas das empresas (os chamados “silos” organizacionais”).
•
A complexidade torna cada vez mais difícil continuar a pensar quase exclusivamente
em termos operacionais e de curto prazo, em prejuízo de pensar também em termos estratégicos e de
médio/longo prazo.
•
A complexidade torna cada vez mais necessário perceber e compreender as conexões entre fenômenos
distantes de nosso “foco central”, que aparentemente não têm nada a ver uns com os outros. (Os chamados
fenômenos periféricos ou “sinais fracos”).
•
A complexidade torna cada vez mais evidente a necessidade de não mais considerarmos o modelo
comando-e-controle como o estilo de liderança predominante.
Em suma: as manifestações da complexidade nas empresas sempre geram muita incerteza
e evidenciam nossa necessidade de percebê-las e aprender a gerenciá-las. Para tanto, porém,
nosso modo habitual de pensamento – que, como sabemos, é simplificador e fragmentador – é
insuficiente.
A gestão da complexidade comporta três momentos principais:
a) reconhecer sua existência, o que é mais fácil se conseguirmos diminuir nossa resistência à mudança.
Essa diminuição requer que suspendamos ao menos temporariamente nossos pressupostos habituais;
b) aprender a reconhecer suas manifestações: as centrais, mais próximas em termos de espaço e tempo, e
as periféricas, mais remotas em termos espaciais e temporais.
As atitudes (a) e (b) requerem que melhoremos a clareza e a amplitude de nosso horizonte mental que,
como já vimos, é em geral estreito e obscurecido, isto é, muito focado e pouco capaz de perceber o que
ocorre em contextos mais amplos. Os requisitos para que façamos o reconhecimento e a detecção e, a
seguir, a gestão da complexidade são: (a) mudança de modelos mentais, (b) melhoria da capacidade de
visão de conjunto e (c) utilização das ferramentas conceituais e operacionais de gestão dos fenômenos
complexos.
Em relação a este último item, há estudos recentes que merecem menção, em especial na área da liderança
e do desenvolvimento organizacional. Entre outros, lembremos o artigo acima citado de Snowden e
Boone.2 Nesse texto, os dois autores falam sobre a matriz Cynefin de gestão da complexidade. Explicam
que Cynefin é uma palavra galesa que exprime a multiplicidade de fatores que nos influenciam, muitas
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vezes de maneiras que não conseguimos entender por meio da lógica linear. Existem várias outras matrizes
de gestão da complexidade. Todas se baseiam nos mesmos princípios e, por isso, são mutuamente
complementares.
Hoje é consenso que em termos de empresas a gestão da complexidade deve incidir sobre três âmbitos
principais: (a) governança, (b) tomada de decisões e (c) o âmbito organizacional em si.
O primeiro passo consiste em conhecer o fenômeno da auto-organização, suas possibilidades e limites.
Sabe-se que todo sistema complexo (os seres humanos e suas organizações, por exemplo) é capaz de se
auto-organizar. Sabe-se também que essa capacidade não é ilimitada. Há situações em que a complexidade
ultrapassa um limite, e a partir daí o sistema pode chegar à dissociação: entra em situação crítica e, por
fim, deixa de existir.
Por isso é importante entender que as possibilidades da gestão da complexidade não são ilimitadas. Há
sempre o risco de que o aumento da complexidade de um sistema o torne impossível de administrar. Por
isso, é necessário que o monitoramento dos processos de gestão seja feito com a periodicidade necessária e
faça parte das estratégias da empresa.
Nas organizações, a gestão da complexidade requer a utilização de algumas medidas que prolonguem sua
eficácia. No entender de algumas consultorias especializadas (a A.T. Kearney, por exemplo) essas
medidas incluem: (a) o alinhamento dos processos de gestão da complexidade com os objetivos
estratégicos da empresa, (b) métodos eficazes de tomada de decisões e (c) o acompanhamento dos
resultados das decisões tomadas. Examinemos brevemente cada uma.
Alinhamento com a estratégia. É preciso alinhar o que a empresa pretende fazer em termos de estratégia
com os métodos e técnicas que ela usa para gerenciar a complexidade.
Por isso, o foco na estratégia não pode deixar em segundo plano as iniciativas dessa gestão. Como vimos
há pouco, não se deve perder de vista que o sucesso das iniciativas de gestão da complexidade implica
monitoramento constante.
Tomada de decisões. Na tomada de decisões, seja por métodos quantitativos ou qualitativos (os quais,
longe de se excluir mutuamente, são complementares), é importante levar sempre em conta a
complexidade das situações e se ela está sendo gerenciada. As decisões devem ser compatíveis com as
metodologias de gestão. Assim, quem decide precisa estar familiarizado com os conceitos, métodos e
técnicas de gestão da complexidade porventura em uso na organização.
Acompanhamento dos resultados das decisões tomadas. Não se deve esquecer que as decisões tomadas em
relação a questões complexas influenciarão os orçamentos, os balanços, as lideranças e, por fim, o sucesso
pessoal de quem toma as decisões. Por isso, é fundamental alinhar as iniciativas de gestão da
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complexidade com as condições reais da empresa, e não com as condições imaginadas. O wishful thinking
é freqüentemente reducionista e simplificador, e por isso mesmo avesso à própria essência dos sistemas
complexos.
Vejamos agora dois exemplos de manifestações da complexidade em empresas e suas relações com
processos de gestão.
Exemplo 1. A importância de levar em conta o triângulo política- sociedadeeconomia. O exemplo da
Royal Dutch/Shell.
Este exemplo, aqui apresentado com algumas modificações, faz parte do livro Peripheral vision3, de
George Day e Paul Schoemaker. Meus comentários estão entre colchetes.
A empresa petrolífera Royal Dutch/Shell é sempre elogiada por ter sido pioneira na elaboração de cenários
estratégicos. Assim, ela percebeu grandes oscilações no preço do petróleo na década de 1970; detectou a
supercapacidade dos navios petroleiros na década de 1980; e, além disso, várias recessões no Extremo
Oriente.
Por outro lado, a companhia não se deu conta de alguns eventos politicamente explosivos, que a levaram a
sofrer alguns impactos desgastantes. Segundo Day e Schoemaker, isso pode indicar a existência de um
“ponto cego” em sua percepção do público e da mídia.
A primeira dificuldade ocorreu em 1985. Nessa época a Shell, contando com a aprovação do governo do
Reino Unido, resolveu afundar a Brent Spar, uma plataforma já obsoleta de exploração de petróleo no Mar
do Norte, localizada muito longe da costa de qualquer país. Foi o suficiente para que o Greenpeace fizesse
disso um cavalo de batalha, o que resultou em boicotes de postos da Shell em toda a Europa e uma onerosa
alteração de planos. Mais tarde, também em 1985, a empresa foi acusada de apoiar uma junta militar na
Nigéria, que costumava executar adversários políticos.
Esses dois episódios mostram que A Shell, apesar de sua habilidade estratégica, não foi capaz de
antecipar reações da sociedade a algumas de suas posturas. Apesar disso, ela não deixou de buscar as
causas mais profundas [ou seja, as causas não lineares] dos acontecimentos no Mar do Norte e na Nigéria.
[A experiência mostra que o maior problema que o condicionamento de nossa cultura pelo modelo mental
linear pode causar é nossa grande dificuldade para estabelecer relações, seja em que âmbito for. Esse
condicionamento nos levou à tendência a pensar em termos de “isso não tem nada a ver com aquilo”.
De modo inconsciente ou não, essa inclinação serve a um propósito defensivo. Ele se manifesta pela
atitude de separação sujeito-objeto, isto é, de achar que o observador não faz parte do que observa.
Imaginamos que nossos problemas estão sempre “lá fora” e quase nunca dentro de nós. Achamos que
temos problemas, mas quase nunca imaginamos que muitas vezes somos problemas para nós mesmos e
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para os outros. Por isso, com frequência atribuímos nossas dificuldades a fatores externos dos quais nos
julgamos desligados. O resultado é a falta de comprometimento (“não sou responsável”, “isso não é da
minha área”, “não tenho nada a ver com isso”) e, portanto, tendência a fugir das responsabilidades e
projetá-las nos outros.]
A partir dos acontecimentos mencionados, a Shell passou a fazer pesquisas de opinião com seus
stakeholders. Lançou-se num amplo projeto de benchmarking em sua área e passou a publicar relatórios
anuais de suas iniciativas de responsabilidade social. [Em outros termos, empenhou-se em atividades que
buscavam sua libertação do condicionamento pelo modelo mental linear-binário]. Ao identificar seus
“pontos cegos”, as empresas podem se tornar mais atentas a ocorrências externas a seus focos principais.
[Como já vimos, o excesso de atenção a um foco tido como único é uma das muitas manifestações de
nosso condicionamento pelo pensamento linear-binário. Ele nos leva a agir em termos de “ou o foco ou o
contexto”, quando o mais adequado seria “o foco e o contexto”].
Exemplo 2. A importância das comunicações entre os “silos organizacionais” na mudança da estrutura
das organizações. O exemplo da British Petroleum. Este exemplo, aqui apresentado com algumas
modificações, faz parte de um caderno especial sobre mudança organizacional publicado na revista The
Economist. Meus comentários estão entre colchetes.
Cedo ou tarde, as grandes companhias acabam descobrindo que para elas é bem mais difícil reestruturar-se
do que para as empresas menores. Em geral, nessas grandes corporações é forte a idéia de que continuar a
fazer as coisas como elas sempre foram feitas é sempre uma conduta acertada. No limite, porém, essa
convicção acaba fazendo com que elas deixem de perceber situações em que mudanças em profundidade
são fundamentais.
O exemplo da British Petroleum (BP) é especialmente instrutivo. Em 1992, essa empresa estava muito
próxima da falência. Àquela altura, Lorde (John) Browne, que era chefe da divisão de exploração de
petróleo (a chamada BPX), iniciou a reestruturação de sua área. A escolha era binária: ou mudança radical
ou dissolução.
Em seu livro The modern firm (A empresa moderna), o economista de Stanford John Roberts5, fala da
reorganização da BPX . Para ele, os processos de reestruturação das empresas, incluem: a) redesenhar as
fronteiras horizontais e verticais para assim aumentar o foco estratégico; b) criar subunidades
relativamente pequenas dentro da organização, nas quais serão tomarão as decisões importantes; c)
diminuir o número de níveis gerenciais e o tamanho do staff central.
Em outras palavras, é preciso achatar a hierarquia e ao menos diminuir as deficiências de comunicação
entre os “silos” organizacionais. Na BPX, o trabalho incluiu uma desconstrução seguida de reconstituição
em várias das sub-áreas. Os primeiros resultados foram animadores (aumentou a produção e diminuíram
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os custos), e isso levou à extensão das mudanças à BPX inteira. Por fim, quando Lord Browne se tornou
CEO da BP, em 1995, essas iniciativas se estenderam à totalidade da companhia.
A antiga administração, centralizada e hierárquica, foi descentralizada ao máximo. A tomada de decisões
foi redistribuída pelas 90 unidades de negócio que haviam sido criadas. Os gerentes individuais tiveram
suprimidos muitos dos suportes que antes recebiam do escritório central. Em outras palavras, o topo de
seus “silos” foi amputado.
Com o objetivo de diminuir ainda mais os inconvenientes dos “silos”, foram instituídas ligações
horizontais entre as unidades. Ou seja, a verticalidade dos “silos” passou a ser atravessada por linhas
horizontais. [Criou-se assim um tecido complexo na estrutura da organização (não esquecer que
“complexo” vem do latim complexus, que significa “o que está tecido junto”)]. Os membros de cada área
passaram a lidar com questões técnicas e comerciais semelhantes e foram estimulados a apoiar-se
mutuamente. E os grupos maiores foram também encorajados ajudar-se uns aos outros na resolução de
problemas.
O resultado final foi uma profunda mudança da cultura organizacional da BP. Surgiu um senso de
comprometimento compartilhado e ajuda mútua até então incomum na organização. Mas é claro que tudo
isso não foi conseguido sem altos custos: ao longo do processo, foi necessário vender bens da companhia
e, além disso, o staff total da BP passou de 97.000 pessoas em 1992 para um pouco mais de 50.000 em
1995.
Como observa Roberts, mudanças organizacionais inovadoras melhoram os desempenhos econômicos das
corporações. Esse fato leva ao bem-estar material das pessoas e, por extensão, no caso das grandes
empresas, do mundo. A estrutura, portanto, é um componente fundamental d
a vantagem competitiva.
NOTAS
1 SNOWDEN, David; BOONE, Mary S. “A leader’s framework for decision making: wise
executives tailor their approach to fit the complexity of the circumstances they face”. Harvard
Business Review 85 (11): 68-76, 2007.
2 SNOWDEN, David; BOONE, Mary S. Id., ibid.
3 DAY, George S.; SCHOEMAKER, Paul .J.H. Peripheral vision: detecting the weak signals
that will make or break your company. Boston, Massachusetts: Harvard Business School Press,
2006, p. 33-34.
4 The Economist. “The new organization: a survey of the company”. January 21st, 2006.
5 ROBERTS, John. The modern firm. Oxford, New York: University Press, 2007.
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© Humberto Mariotti, 2008
HUMBERTO MARIOTTI. Médico e psicoterapeuta. Professor, pesquisador e autor em ciências da complexidade e
suas aplicações.
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