SOUTHALL, Roger (Ed.). South Africa’s Role in Conflict Resolution and
Peacemaking in Africa. Cape Town: Nelson Mandela Fundation, 2006.
Resenhado por Letícia Marranghello*
O livro South Africa’s Role in Conflict Resolution and Peacemaking in Africa é
produto de um workshop promovido em dezembro de 2004 por Nelson Mandela
Foundation, Democracy & Governance Research Programme of Human Sciences
Research Concil e Africa Institute of South África, o qual teve por objetivo examinar o
modelo de negociação sul-africano e a possibilidade de ele ser exportado para outros
países africanos, contribuindo assim para o desenvolvimento do continente a partir de
sua pacificação. Dessa maneira, o livro, através de seus diversos artigos, analisa a
mudança da orientação da política externa sul-africana nos anos 1990.
Assim, mostra-se como o país rompeu com o regime anterior a 1994 adotando,
durante o governo de Mandela, um posicionamento externo unilateral voltado para os
direitos humanos. Com isso, apesar da história recente do Apartheid, a África do Sul
passou a intervir para garantir a paz em outros Estados africanos. Contudo, essa
orientação ia contra grande número de líderes do continente. Analisa-se então a
diferença dessa época com o governo seguinte, de Mbeki, quando uma política externa
multilateral foi adotada. Na visão de Mbeki, era necessário que a paz fosse garantida no
continente para assim poder haver atração de investimentos e conseqüentemente
desenvolvimento econômico. Desse modo, tentou-se reverter o unilateralismo da Era
Mandela e passou-se a utilizar a diplomacia para a solução de conflitos, evitando o uso
da força. Além disso, a União Africana passou a servir como veículo multilateral
empregado pelo país para lidar com questões de segurança e promoção da paz.
Dentro do aspecto de diferenciação entre os dois presidentes, o livro trás estudos
de caso de intervenções sul-africanas em outros países do continente. O primeiro, e
único a ocorrer totalmente dentro do governo Mandela, é a intervenção no Lesoto em
1998 para garantir a posse de um grupo eleito ameaçado por militares de oposição.
Apesar de ter tido o fim de garantir a governabilidade do país vizinho, a África do Sul
foi acusada de voltar à forma de agir do Apartheid. Contudo, o autor coloca que esse
caso seria especial, já que o Lesoto se constituiria em um protetorado sul-africano.
Os outros estudos de caso, já durante a gestão de Mbeki, são as intervenções no
Zimbábue, Burundi, República Democrática do Congo e Costa do Marfim. No
*
Bolsista de IC do NERINT e estudante do Curso de Relações Internacionais/UFRGS. Resenha
finalizada em julho de 2007.
Zimbábue, havia a intenção de evitar o colapso do Estado e da economia para poder-se
assegurar os interesses da burguesia negra sul-africana no país. Assim, o apoio a
Mugabe contribuiria para possibilitar mais investimentos e expansão econômica da
África do Sul. Segue-se a participação nas negociações de paz da guerra civil do
Burundi, as quais Mandela mediou em 1999 e 2000, o que possibilitou o Disarmament,
Demobilisation and Reintegration (DDR) Programme, que teve a adesão das diversas
facções e grupos armados e reintegrou grupos rebeldes e paramilitares à sociedade, além
de formar um exército nacional.
A África do Sul também mediou as negociações de paz na DRC, quando do
conflito pelo fim do Estado Mabuto Sese Seko’s Zairean, contribuindo para a assinatura
do Acordo de Pretoria em 2002. No entanto, tal atuação é criticada por centrar-se no
interesse de uma minoria rica e envolver interesses de empresas sul-africanas. Apesar
disso, o autor reconhece que o apoio da África do Sul é fundamental para a
consolidação da democracia e o desenvolvimento daquele país, mesmo não sendo
desinteressado. O último caso analisado é o da Costa do Marfim, onde também foi
necessária a mediação sul-africana por ocasião de uma guerra civil. Assim, após falhar o
pedido de auxílio francês do presidente Gbagbo e de haver uma resistência à
intervenção nigeriana - já que a Costa do Marfim não queria propiciar aumento de poder
ao seu maior rival - o presidente Mbeki, como chair do Conselho para Paz e Segurança
da União Africana, foi chamado para mediar as negociações, as quais resultaram no
Acordo de Pretoria de 2005. Contudo, quando o livro foi escrito, havia um afastamento
da África do Sul da questão e o desarmamento não havia começado, já que a oposição
acreditava que Gbagbo voltaria a utilizar a força armada.
A segunda parte do livro trata das lições e desafios da experiência sul-africana.
O primeiro artigo explora o exemplo da Truth and Reconciliation Commision, a qual
representou um grande avanço para áreas de democracia, constitucionalismo e direitos
humanos, tornando-se um modelo para transições democráticas. Os autores ainda
comparam a comissão sul-africana com as tentativas não tão bem sucedidas de:
Marrocos, Etiópia, Nigéria, Gana, Ruanda e DRC. O próximo artigo foca-se no
processo de estabelecimento da paz, enfatizando que este deve ser acompanhado por
esforços de reconstrução, reabilitação e reconciliação. Ele analisa ainda os motivos
porque os países envolvem-se em conflitos de outros e ressalta que a psicologia dos
líderes também deve ser considerada para que se possa entender essas questões.
Focando nas negociações de paz, o livro expõe como deve haver o envolvimento de
mulheres nas comissões desse tipo para promover maior sensibilidade para lidar-se com
as maneiras diferentes como os dois gêneros são afetados pelos conflitos. Coloca-se
que, apesar de a África do Sul ser o melhor caso nesse aspecto no continente, ainda há
muito que ser trabalhado. Explora-se também o fato de o país ser um grande fabricante e
exportador de armas. Nesse sentido, há esforços para que essas exportações não
contribuam para conflitos na região, como o exemplo do National Conventional
Armaments Control Commitee (NCACC), de 1995. Contudo, essas iniciativas muitas
vezes falham, o que faz com que o regime atual, assim como o Apartheid, certas vezes
funcione como desestabilizador, mesmo que as armas possam igualmente ser usadas
para missões de paz.
O livro conclui examinando a grande mudança de um Estado orientado para o
Ocidente e tentando impor a sua vontade na região, antes de 1994, para um novo regime
centrado na África e buscando cooperação com os vizinhos. Compare-se as gestões de
Mandela e Mbeki, sendo a segunda descrita como mais pragmática e programática,
balançando as questões humanitárias com as realidades políticas e combinando o
interesse nacional com o desenvolvimento africano. Assim, o governo Mbeki aposta na
paz e na governança para atrair investimento para o continente, beneficiando as
corporações sul-africanas que atuam na região. Por último, pergunta-se se a África do
Sul é ou deve virar um hegemon, concluindo-se que ela tem poder, mas tem
dificuldades para transformá-lo em uma política externa concreta, inclusive devido à
resistência dos demais Estados do continente a uma hegemonia sul-africana. Sendo
assim, a África do Sul seria um poder regional; porém, limitado pela realidade em que
se insere.
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SOUTHALL, Roger (Ed.). South Africa`s Role in Conflict