24 Terça-feira 22 de abril de 2014 Jornal do Comércio - Porto Alegre Política Torturada, Dilma foi alvo da Lei de Segurança Nacional Fernanda Bastos [email protected] O regime militar instaurado no Brasil há 50 anos marcou a trajetória política da mais poderosa chefe de Poder Executivo do País: a presidente da República, Dilma Rousseff (PT). Empenhada na resistência ao governo autoritário, a então estudante Dilma Vana Rousseff Linhares se engajou na luta contra o regime e sofreu os reveses da violência institucionalizada em departamentos organizados pelas Forças Armadas, chegando a ser torturada e condenada à prisão. Um prontuário – digitalizado e disponibilizado pelo Arquivo Público de São Paulo, que reúne fichas de diversas lideranças políticas que atuaram contra a ditadura – relata a detenção da jovem Dilma Vana Rousseff Linhares, com apenas 22 anos. A prisão integrou a Operação Bandeirantes, criada pelo regime militar para acabar com as organizações de esquerda. A militante foi enquadrada na Lei de Segurança Nacional, a norma que dava segurança jurídica ao regime para combater, por meio da violência, os chamados grupos subversivos. O registro do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) registra a prisão de Dilma no dia 18 de janeiro de 1970. Detida na capital paulista, ela é submetida a sessões de tortura. É libertada somente quase três anos depois, em 1972. No auge das atividades clandestinas – o Ato Institucional nº 5, que dava plenos poderes para a repressão do regime, havia sido instituído pouco mais de um ano antes, em 13 de dezembro de 1968 -, Dilma chegou a adotar os nomes de Maria e Luiza para despistar investigações sobre sua atuação. O prontuário ressalta essa tática dos militantes clandestinos como forma de escapar da perseguição do Estado. Ao detalhar as características do carro apreendido com a hoje presidente, o tenente responsável pelo registro da prisão mencionou a “subversiva-terrorista Dilma Vana Rousseff Linhares, que usa diversos outros nomes, falsos, entre os quais o de Maria Lúcia Santos”. Presa em janeiro de 1970, Dilma foi identificada como uma integrante do comando-geral do grupo Colina e chefe do comando regional do Var-Palmares em São Paulo, duas organizações da esquerda. Na ficha policial, Dilma é vinculada a seu primeiro marido, Claudio Galeano de Magalhães Linhares. O documento detalha ainda que Dilma, “antiga militante da esquerda subversivo-terrorista”, pertenceu ao comando-geral da Colina e foi coordenadora dos setores operário, estudantil e de operações da VAR-Palmares de São Paulo”. Dilma ainda foi acusada por manipular “grandes quantias para a VAR-Palmares”. O documento destaca que, “através de seu interrogatório, verifica-se ser uma das molas-mestras e um dos cérebros dos esquemas revolucionários postos em prática pela esquerda radical”. “Trata-se de pessoa de dotação intelectual apreciável”, ressalta o documento. Trecho da ficha que indica que, Dilma, no momento da pri- ARQUIVO PÚBLICO DE SÃO PAULO/REPRODUÇÃO/JC Passado de militante acabou sendo explorado na campanha de 2010 Quando estudante, Dilma Rousseff foi fichada pelo Dops em São Paulo são, disse não ter religião, o que causaria muita polêmica nas eleições de 2010, em que suas escolhas religiosas e suas possíveis ligações com a luta armada – Dilma negou – seriam usadas por outros candidatos como razão para a população ter desconfiança sobre a afilhada política e ex-ministra da Casa Civil do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lei da Anistia é tratada com cautela pela presidente Apesar das agruras da violência e da repressão da ditadura, a presidente Dilma Rousseff (PT) tem tido cautela ao emitir opinião quanto à necessidade de alteração da Lei da Anistia, ao contrário de de outros ex-presos políticos, que pedem a revisão da legislação para punir militares que participaram de atos de violência. “Hoje, podemos olhar para esse período e aprender com ele, porque o ultrapassamos. O esforço de cada um de nós, de todas as lideranças do passado, daqueles que viveram e daqueles que morreram fizeram com que nós ultrapassássemos essa época”, disse no dia 31 de março, que marcou os 50 anos do golpe militar que instalou a ditadura no País. Em 2008, ministra da Casa Civil do governo Lula, Dilma se emocionaria ao falar da tortura sofrida no período na prisão: “Mentir sob tortura não é fácil, porque aguentar a tortura não é fácil”, declarou. Ela fez essa afirmação após o senador José Agripino (DEM-RN) lembrar que a ministra disse em uma entrevista que “mentia adoidado” nos interrogatórios realizados durante a ditadura militar. A intenção do senador foi comparar as mentiras sob tortura ao suposto dossiê elaborado pelo PT sobre os gastos do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). “Qualquer comparação entre a ditadura e a democracia brasileira só pode partir de quem não dá valor à democracia brasileira. Eu tinha 19 anos. Fiquei três anos na cadeia. E fui barbaramente torturada. Qualquer pessoa que ouse dizer a verdade para os seus interrogadores compromete a vida dos seus iguais. Entrega pessoas para serem mortas”, respondeu Dilma, emocionada. Na instalação da Comissão Nacional da Verdade, em 2012, Dilma aludiu as críticas de setores da sociedade e das Forças Armadas que acusavam o órgão de ter o intuito de promover uma perseguição àqueles militares que já haviam sido anistiados. “Ao instalar a Comissão da Verdade não nos move o revanchismo, o ódio ou o desejo de reescrever a história de uma forma diferente do que aconteceu, mas nos move a necessidade imperiosa de conhecê-la em sua plenitude, sem ocultamentos, sem camuflagens, sem vetos e sem proibições”, enfatizou Dilma. Neste ano, em que se completou o cinquentenário do início da ditadura, a presidente voltou a falar sobre as vítimas da ditadura. “Aprendemos o valor de eleger por voto direto e secreto, de todos os brasileiros, governadores, prefeitos; de eleger, por exemplo, um ex-exilado, um líder sindical que foi preso várias vezes e uma mulher que também foi prisioneira”, discursou a petista, no dia 31 de março, em ato no Palácio do Planalto. Na cerimônia, a petista defendeu novamente a manutenção da interpretação da Lei da Anistia: “Nós reconquistamos a democracia à nossa maneira, por meio de lutas e de sacrifícios humanos irreparáveis, mas também por meio de pactos e acordos nacionais, muitos deles traduzidos na Constituição de 1988”.