número 33 | jul./dez. 2009 planejamento e políticas públicas ppp Brasília, 2009 © Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – ipea 2009 Planejamento e Políticas Públicas v. 1−, n. 1−, jun. 1989 – Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. semestral. Editor anterior: de 1989 a março de 1990, Instituto de Planejamento Econômico e Social. ISSN 0103-4138 1. Economia. 2. Políticas Públicas. 3. Brasil. 4. Periódicos. I. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. CDD 330.05 As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e de inteira responsabilidade dos autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ou da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. É permitida a reprodução deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reproduções para fins comerciais são proibidas. Nota dos EDITORES O número 33 da revista Planejamento e Políticas Públicas (PPP) oferece sequência à discussão de sua temática central: o planejamento e as políticas públicas. No presente número, trazemos para nossos leitores 11 artigos, completando, assim, a publicação de 20 artigos em 2009. Em sua composição, podem-se identificar temáticas que concentram um maior número de artigos, como meio ambiente e mercado de trabalho. Em relação ao tema meio ambiente, a revista contém três artigos. O primeiro destes avalia uma política pública de desenvolvimento rural na região do Alentejo, em Portugal; mais especificamente, avalia a execução da Medida Agroambiental Proteção Integrada (MAA/PI), aplicada ao setor vitivinícola. O segundo artigo aborda o padrão de desenvolvimento das sociedades urbanas e sua relação com o meio ambiente, por meio do caso de uma cidade da macrorregião Centro-Oeste, a Barra do Bugres. No terceiro artigo, os autores discutem as resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) referentes à responsabilidade pós-consumo, especificamente para pilhas e baterias, na perspectiva de indicar a necessidade de adequar a legislação à capacidade ambiental brasileira. Por sua vez, quanto ao tema mercado de trabalho, há também três artigos. Um dos artigos aborda as características do absenteísmo por morbidade na área da saúde, em Mato Grosso, no período 2005-2006; o segundo artigo estima a incidência e a evolução recente da discriminação racial e por gênero nos mercados de trabalho formal e informal no Brasil entre 2002 e 2006; já o terceiro artigo analisa as características regionais do mercado de trabalho, segundo as diferenças entre gêneros. Os demais artigos abordam questões igualmente importantes. Um destes avalia a política pública brasileira de incentivo a polos e parques tecnológicos, utilizando o enfoque da análise de políticas para o exemplo do parque da cidade de Campinas, no estado de São Paulo. Outro artigo aborda o papel dos programas de alimentação escolar na execução de políticas públicas de segurança alimentar para a América Latina. No âmbito da análise regional, um estudo mensura o tamanho das transferências de renda realizadas pelo governo federal para o semiárido nordestino, no período 1997-2005. Nesta temática, os autores analisam a relação entre desigualdades regionais e bem-estar no período 1991-2000. Finalmente, um artigo apresenta as experiências concretas dos orçamentos participativos (OP) na internet como possíveis projetos de governança eletrônica, avaliando em que medida tais práticas podem promover valores democráticos na sociedade. Nesta edição, tal como na anterior, todos os artigos publicados estão automaticamente inscritos no prêmio João Paulo dos Reis Velloso. Também publicizamos nossos agradecimentos aos pareceristas que contribuíram decisiva e generosamente com a qualidade final de todos os artigos divulgados em 2009 e cujos nomes estão referidos no fim desta publicação. Finalmente, agradecemos a todos os autores que, com suas análises, oferecem subsídios teóricos e empíricos para a reflexão, o aperfeiçoamento e a tomada de decisão no âmbito do planejamento e das políticas públicas. Liana Maria da Frota Carleial Bruno de Oliveira Cruz Editores Sumário Território e Políticas Públicas: O CASO DA AVALIAÇÃO ECONÔMICA INTERCALAR DA EXECUÇÃO DA MEDIDA AGROAMBIENTAL PROTEÇÃO INTEGRADA, APLICADA AO SETOR VITIVINÍCOLA NA REGIÃO DO ALENTEJO, EM PORTUGAL.......................................... 9 Fábio José Nunes Bazilio Paulo Alexandre Neves Martinho Neto TRANSFERÊNCIAS DE RENDA E EMPREGOS PÚBLICOS NA ECONOMIA SEM PRODUÇÃO DO SEMIÁRIDO NORDESTINO....................................................................... 45 Leonardo Alves de Araújo João Policarpo R. Lima PROBLEMAS AMBIENTAIS DE UMA CIDADE MÉDIA DE MATO GROSSO: O CASO DE BARRA DO BUGRES................................................................................................ 79 Loiva Zanon de Magalhães Hugo Scheuer Werle ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE OS PROGRAMAS DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NA AMÉRICA LATINA.............................................................................................. 103 Walter Belik Luciana Rosa de Souza GOVERNANÇA ELETRÔNICA NO BRASIL: LIMITES E POSSIBILIDADES INTRODUZIDOS PELO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO NA INTERNET......................................... 123 Rafael Cardoso Sampaio Polos e Parques de Alta Tecnologia: uma alternativa?............................................. 145 Rogério Bezerra da Silva Renato Dagnino CARACTERÍSTICAS DE ABSENTEÍSMO ENTRE TRABALHADORES DA SAÚDE: NÍVEL CENTRAL DA SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE/MT DE 2005 A 2006....................... 173 Maritza Muzzi Cardozo Pawlina Antonieta Fernandez de Campos Larissa Slhessarenko Ribeiro ESTREITAMENTO DOS DIFERENCIAIS DE SALÁRIOS E AUMENTO DO GRAU DE DISCRIMINAÇÃO: LIMITAÇÕES DA MENSURAÇÃO PADRÃO?............................................ 195 Maria Cristina Cacciamali Fábio Tatei Jackson William Rosalino Brazilian Labor Market REGIONAL patterns: an Approach to Gender Divergences............................................................................. 223 Anita Kon CAPACIDADE AMBIENTAL E EMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: O CASO DA RESPONSABILIDADE PÓS-CONSUMO PARA RESÍDUOS DE PILHAS E BATERIAS NO BRASIL........257 Bruno Milanez Ton Bührs DESIGUALDADES REGIONAIS E BEM-ESTAR NO BRASIL: QUÃO EFICIENTE TEM SIDO A ATIVIDADE TRIBUTÁRIA DOS ESTADOS PARA A SOCIEDADE?............................. 291 Vladimir Fernandes Maciel Caio Cícero de Toledo Piza Roberto Nicolai Penoff Summary TERRITORY AND PUBLIC POLICIES: THE CASE OF THE INTERCALARY ECONOMIC EVALUATION STUDY OF THE INTEGRATED AGRO – ENVIRONMENTAL PROTECTION MEASURE ACCOMPLISHMENT APPLIED TO THE VITICULTURE AND VINICULTURE SECTORS IN THE AREA OF ALENTEJO IN PORTUGAL............................................. 9 Fábio José Nunes Bazilio Paulo Alexandre Neves Martinho Neto Income transfers and public employment in the economy without production of Brazil´s Northeast semi-arid................................................. 45 Leonardo Alves de Araújo João Policarpo R. Lima PROBLEMS OF A MEDIUM SIZE CITY: THE CASE OF BARRA DO BUGRES................................... 79 Loiva Zanon de Magalhães Hugo Scheuer Werle SOME REFLECTIONS ON THE SCHOOL FEEDING PROGRAMS IN LATIN AMERICA................... 103 Walter Belik Luciana Rosa de Souza Eletronic Governance in Brazil: limits and possibilities with the introduction of Internet in the Participatory Budget............................. 123 Rafael Cardoso Sampaio Science Parks: an alternative?........................................................................................ 145 Rogério Bezerra da Silva Renato Dagnino CHARACTERISTICS OF ABSENTEEISM AMONG WORKERS FROM THE HEALTH: CENTRAL LEVEL OF THE SECRETARY OF HEALTH FROM THE STATE OF MATO GROSSO, IN THE PERIOD FROM 2005 TO 2006............................................................. 173 Maritza Muzzi Cardozo Pawlina Antonieta Fernandez de Campos Larissa Slhessarenko Ribeiro WAGES GAP DECREASED AND HIGHER DISCRIMINATION DEGREE: RESTRAINT OF THE STANDARD MEASURES?........................................................................... 195 Maria Cristina Cacciamali Fábio Tatei Jackson William Rosalino Brazilian Labor Market REGIONAL patterns: an Approach to Gender Divergences............................................................................. 223 Anita Kon ENVIRONMENTAL CAPACITY AND PUBLIC POLICY EMULATION: THE CASE OF EXTENDED PRODUCER RESPONSIBILITY FOR BATTERY WASTE IN BRAZIL........................ 257 Bruno Milanez Ton Bührs Regional Inequalities and Welfare in Brazil: How Efficient Has Been the States Taxation Activity for Society?.................................................... 291 Vladimir Fernandes Maciel Caio Cícero de Toledo Piza Roberto Nicolai Penoff sumario TERRITORIO Y POLÍTICAS PÚBLICAS: EL CASO DE LA MEDICIÓN ECONÓMICA INTERCALAR DE LA APLICACIÓN DE LA MEDIDA AGROAMBIENTAL PROTECCIÓN INTEGRADA APLICADA AL SECTOR VITIVINÍCOLA EN LA REGIÓN DEL ALENTEJO EN PORTUGAL................. 10 Fábio José Nunes Bazilio Paulo Alexandre Neves Martinho Neto Las transferencias de ingresos y el empleo público en la economía sin producción de la región árida del Nordeste brasileño...................................... 46 Leonardo Alves de Araújo João Policarpo R. Lima PROBLEMAS AMBIENTALES DE UNA CIUDAD DE TAMAÑO MEDIANO EN MATO GROSSO, BRASIL: EL CASO DE BARRA DO BUGRES................................................... 79 Loiva Zanon de Magalhães Hugo Scheuer Werle ALGUNAS REFLEXIONES SOBRE LOS PROGRAMAS DE ALIMENTACIÓN ESCOLAR EN AMÉRICA LATINA............................................................................................... 103 Walter Belik Luciana Rosa de Souza GOVERNACIÓN ELECTRÓNICA EN BRASIL: LIMITES Y POSIBILIDADES INTRODUCIDAS POR EL PRESUPUESTO PARTICIPATIVO EN INTERNET.................................... 123 Rafael Cardoso Sampaio Polos y Parques de Alta Tecnologia: una alternativa?............................................. 145 Rogério Bezerra da Silva Renato Dagnino CARACTERÍSTICAS DE ABSENTISMO ENTRE TRABAJADORES DE SALUD: NIVEL CENTRAL DE LA SECRETARÍA DE ESTADO DE SALUD DE MATO GROSSO, EN EL PERÍODO 2005-2006.......... 174 Maritza Muzzi Cardozo Pawlina Antonieta Fernandez de Campos Larissa Slhessarenko Ribeiro DISMINUCIÓN DE LOS DIFERENCIALES SALARIALES E AUMENTO DEL GRADO DE DISCRIMINACIÓN: LIMITACIONES DEL MÉTODO?.......................................... 196 Maria Cristina Cacciamali Fábio Tatei Jackson William Rosalino LOS PATRONES REGIONALES del MERCADO DE TRABAJO DE BRASIL: UNA APROXIMACIÓN DE LAS DIFERENCIAS ENTRE GÉNEROS................................................ 223 Anita Kon CAPACIDAD AMBIENTAL Y LA EMULACIÓN DE POLÍTICAS PÚBLICAS: EL CASO DE LA RESPONSABILIDAD EXTENDIDA DEL PRODUCTOR PARA RESIDUOS DE PILAS Y BATERÍAS EN EL BRASIL............................................................. 257 Bruno Milanez Ton Bührs ¿Las desigualdades regionales y el bienestar en Brasil: cómo eficaz ha sido la actividad fiscal de los estados para la sociedad?................................ 291 Vladimir Fernandes Maciel Caio Cícero de Toledo Piza Roberto Nicolai Penoff Sommaire Territoire et Politique Públique: LE CAS DE L‘ÉVALUATION ÉCONOMIQUE INTERCALAIRE DE L’EXECUTION DE LA MESURE AGROENVIRONNEMENTALE PROTECTION INTEGRE APPLIQUEE AU SECTEUR VINICOLE DANS LA REGION DE L’ALENTEJO AU PORTUGAL.............. 10 Fábio José Nunes Bazilio Paulo Alexandre Neves Martinho Neto Transfers de revenus et emplois publiques dans l´économie sans production au semi-aride du nord-est du Brésil................................................ 46 Leonardo Alves de Araújo João Policarpo R. Lima Les Problèmes Environnementales d’une Ville Moyenne de l’etat de Mato Grosso, Brésil: Le Cas de la Ville de Barra do Bugres.................................. 79 Loiva Zanon de Magalhães Hugo Scheuer Werle QUELQUES RÉFLEXIONS SUR LES PROGRAMMES D’ALIMENTATION SCOLAIRE EN AMÉRIQUE LATINE............................................................................................ 103 Walter Belik Luciana Rosa de Souza GOUVERNANCE ÉLECTRONIQUE AU BRÉSIL: LIMITES ET POSSIBILITÉS INTRODUITES PAR LE BUDGET PARTICIPATIF DANS INTERNET............................................... 124 Rafael Cardoso Sampaio Pôles et Parcs de Haute Technologie: une alternative?............................................ 146 Rogério Bezerra da Silva Renato Dagnino CARACTÉRISTIQUES D’ABSENTÉISME ENTRE TRAVAILLEURS DE SANTÉ: “NIVEAU CENTRAL DU BUREAU DE SANTÉ DE MATO GROSSO”, DANS LA PÉRIODE DE 2005-2006..................... 174 Maritza Muzzi Cardozo Pawlina Antonieta Fernandez de Campos Larissa Slhessarenko Ribeiro REDUCTION DES DIFFERENTIELS DE SALAIRE ET AUGMENTE DE LA DISCRIMINATION: LIMITES DE LA METHODE?...................................................................................................... 196 Maria Cristina Cacciamali Fábio Tatei Jackson William Rosalino LES VARIATIONS RÉGIONALES DU MARCHÉ DU TRAVAIL BRÉSILIEN: UNE APPROCHE DES DIFFÉRENCES ENTRE LES SEXES............................................................ 224 Anita Kon CAPACITE ENVIRONNEMENTALE ET EMULATION DE POLITIQUES PUBLIQUES: LE CAS DE LA RESPONSABILITE ELARGIE DES PRODUCTEURS POUR RESIDUS DE PILES ET DE BATTERIES AU BRESIL.................................................................................... 258 Bruno Milanez Ton Bührs Inégalités régionales et le bien-être au Brésil: comment efficace a été l’activité fiscale des états pour la société?...................................................... 292 Vladimir Fernandes Maciel Caio Cícero de Toledo Piza Roberto Nicolai Penoff Território e Políticas Públicas: O CASO DA AVALIAÇÃO ECONÔMICA INTERCALAR DA EXECUÇÃO DA MEDIDA AGROAMBIENTAL PROTEÇÃO INTEGRADA, APLICADA AO SETOR VITIVINÍCOLA NA REGIÃO DO ALENTEJO, EM PORTUGAL Fábio José Nunes Bazilio* Paulo Alexandre Neves Martinho Neto** Este artigo tem como objetivo, na ótica do território e das políticas públicas, avaliar economicamente a execução da Medida Agroambiental Proteção Integrada (MAA/PI), aplicada ao setor vitivinícola, na região do Alentejo, em Portugal. O estudo encontra-se dividido em quatro seções principais. Na primeira, é abordada a relevância e os objetivos deste estudo, procurando também sua contextualização. A segunda é dedicada a expor toda a “arquitetura” utilizada para a avaliação da MAA/PI nos seus vários domínios, contemplando também a avaliação de dados e indicadores territoriais. A terceira seção é dedicada a georreferenciar e avaliar os resultados de execução, sendo, portanto, também um suporte para a avaliação global. Finalmente, na quarta seção, serão agrupadas as conclusões e sugestões. Palavras-chave: Avaliação Econômica; Avaliação de Políticas Públicas; Indicadores Territoriais; Medida; Políticas Públicas; Setor Vitivinícola; Território; Territorialização. TERRITORY AND PUBLIC POLICIES: THE CASE OF THE INTERCALARY ECONOMIC EVALUATION STUDY OF THE INTEGRATED AGRO – ENVIRONMENTAL PROTECTION MEASURE ACCOMPLISHMENT APPLIED TO THE VITICULTURE AND VINICULTURE SECTORS IN THE AREA OF ALENTEJO IN PORTUGAL The present dissertation, in what concerns the territory and public policies, to evaluate economically the accomplishment of the Integrated Agro – Environmental Protection Measure accomplishment applied to the Viticulture and Viniculture sectors in the area of Alentejo. This study is divided in four main points. In the first point it is referred the relevance and the study objectives, trying to achieve also the contextualization of it. The second point is used to present the whole “arquitecture” of the Integrated Agro – Environmental Protection Measure in its several domains making also the data evaluation and territorial indicators. The third point is dedicated to “cartograph” and evaluate the accomplishment results, being therefore, also a support for the global evaluation. Finally, in the fourth point the conclusions and suggestions will be grouped. Key words: Economic Evaluation; Public Politics Evaluation; Rural Development; Territorial Indicators; Measures; Public Politics; Viticulture and Viniculture Sectors; Territory; Territorialization. * Mestre em Economia e coordenador comercial no banco Caja de Badajoz, Sucursal de Portugal – Évora, Portugal. E-mail: [email protected] ** Professor auxiliar com agregação e diretor do Departamento de Economia da Universidade de Évora, Portugal, e investigador do Centro de Estudos e Formação Avançada em Gestão e Economia (Cefage), da Universidade de Évora. E-mail: [email protected] planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 10 TERRITORIO Y POLÍTICAS PÚBLICAS: EL CASO DE LA MEDICIÓN ECONÓMICA INTERCALAR DE LA APLICACIÓN DE LA MEDIDA AGROAMBIENTAL PROTECCIÓN INTEGRADA APLICADA AL SECTOR VITIVINÍCOLA EN LA REGIÓN DEL ALENTEJO EN PORTUGAL El presente artículo tiene como objetivo, desde la óptica del Territorio e Políticas Publicas, medir económicamente la aplicación de la medida agroambiental denominada “Protecção Integrada” aplicada al sector vitivinícola en la Región del Alentejo en Portugal. Este artículo se encuentra dividido en cuatro puntos. En el primer punto se aborda la validez y objetivos de este estudio buscando una puesta en contexto del mismo. El segundo punto se dedica a exponer toda la “arquitectura” utilizada para la medición de la medida agroambiental denominada “Protecção Integrada” en sus diversos dominios contemplando también la medición de datos e indicadores territoriales. El tercer punto es dedicado a referenciar geográficamente e medir los resultados de la aplicación, siendo por tanto, también un soporte para la medición total. Finalmente en el cuarto punto son agrupadas las conclusiones e sugerencias. Palabras-clave: Medición Económica; Evaluación de Políticas Públicas; Indicadores Territoriales; Medida; Políticas Públicas; Sector Vitivinícola; Territorio; Territorialización. Territoire et Politique Públique: LE CAS DE L‘ÉVALUATION ÉCONOMIQUE INTERCALAIRE DE L’EXECUTION DE LA MESURE AGROENVIRONNEMENTALE PROTECTION INTEGRE APPLIQUEE AU SECTEUR VINICOLE DANS LA REGION DE L’ALENTEJO AU PORTUGAL Le présent article a pour objet, dans l’optique du Territoire et des Politiques Publiques, évaluer économiquement l’exécution de la Mesure Agroenvironnementale Protection Intégrée appliquée au Secteur Vinicole dans la Région de l’Alentejo au le Portugal. Cet article se trouve divisé en quatre points principaux. Au premier point est abordée l’importance et objectifs de cette étude en cherchant aussi un report au contexte du même. Le second point est dévoué à exposer toute l’“architecture” utilisée pour l’évaluation de la Mesure Agroenvironnementale Protection Intégrée dans leurs plusieurs domaines en envisageant aussi l’évaluation de données et les indicateurs territoriaux. Le troisième point est dévoué à géo référencer et évaluer les résultats d’exécution, en étant donc, aussi un a supporté pour l’évaluation globale. Finalement, au quatrième point seront regroupées les conclusions et les suggestions. Mots-clés: Évaluation Économique; Évaluation des Politiques Publiques; Indicateurs Territoriaux; Mesure; Politiques Publiques; Secteur Vinicole; Territoire; Territorialisation. 1 Introdução É no âmbito do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (Feoga), em implementação até 2006, e das medidas da Política Agrícola Comum (PAC), da União Europeia (UE), que surgem as medidas agroambientais (MAAs). A questão agroambiental é essencialmente econômica e tem efeitos sobre terceiros. Mas não podemos esquecer que também é uma questão ecológica, tecnológica, política e, até mesmo, cultural com implicações territoriais. Um problema agroambiental é, sobretudo, um conflito provocado por mudanças no ambiente rural, que resultam das mudanças tecnológicas, que, por sua vez, provêm das alterações na atividade econômica e das políticas aplicadas em determinado país e região. Território e Políticas Públicas... 11 A aprovação das MAAs ocorreu no Regulamento da Comunidade Econômica Europeia (CEE) no 2.078/1992. Este regulamento (...) relativo a métodos de produção agrícola compatíveis com as exigências da protecção do ambiente e da preservação do espaço rural representou um importante passo na caminhada para a (re)conciliação da agricultura comunitária com a conservação e valorização do ambiente e do espaço rural e para a (re)legitimação da PAC perante a opinião pública Europeia e perante os parceiros internacionais da UE (DGDR, 1997a). Dessa forma, as MAAs não mais eram um “aspecto menor” e de aplicação facultativa da política agrícola de estruturas,1 ou um aspecto subordinado da política comunitária de conservação da natureza,2 e tornaram-se instrumento de aplicação pelos estados membros3 “na totalidade dos seus territórios e em função das suas necessidades específicas” (DGDR, 1997a). As MAAs apresentam um extraordinário interesse para Portugal, na dupla vertente da sustentabilidade e valorização da agricultura e do ambiente, não tanto para resolver problemas já existentes, mas, sobretudo, prevenir seu futuro surgimento. Procura-se, desse modo, reforçar uma aliança sólida entre os interesses da agricultura, a sustentabilidade e qualidade ecoambiental e o desenvolvimento regional e rural, contribuindo simultaneamente para a manutenção da biodiversidade e da paisagem rural. Este interesse ainda é reforçado pelo impacto positivo apresentado na defesa do ambiente, conservação do espaço rural, melhoria da qualidade das produções agrícolas e manutenção do rendimento dos agricultores. Essas medidas pretendem, dessa forma, motivar os agricultores a utilizar práticas agrícolas mais adequadas à proteção do meio ambiente, nomeadamente no que relaciona-se à correta utilização de adubos e produtos fitofarmacêuticos,4 bem como à promoção de agricultura biológica.5 1. Cf. Regulamentos CEE nos 797/1985, 1.760/1987 e 2.328/1991. 2. Cf. Regulamentos CEE nos 1.973/1992 e 1.404/1996. 3. A aplicação das MAAs na UE efetuou-se por meio do Programa de Desenvolvimento Rural (Ruris), no âmbito do Quadro Comunitário de Apoio III (QCA-III) 2000-2006, que incluía todas as medidas e abrangia todo o território nacional. Estas medidas eram cofinanciadas pelo Feoga, seção Garantia, que foi decisivo para garantir a suficiência dos meios necessários à sua implementação, tendo sido também comparticipadas financeiramente por cada estado membro. No atual período 2007-2013, as MAAs estão contempladas no Programa de Desenvolvimento Rural (Proder) – Cf. a Portaria no 964-A/2008 e o Diário da República (DR) no 166, 1a série. 4. Para maiores desenvolvimentos sobre fitofarmacologia, ver Amaro (2003a). 5. As MAAs, no âmbito do QCA III 2000-2006, procuravam também apoiar as explorações e os sistemas produtivos nos territórios em que estes aparentam ser indispensáveis para a manutenção das características paisagísticas e ambientais. Foi também atribuída relevância à manutenção do patrimônio florestal, bem como pretendeu-se apoiar agricultores que desempenhavam funções importantes na proteção do ambiente e conservação da paisagem rural. Por fim, procurou-se também direcionar esforços para aumentar a informação e a formação dos agricultores no que se refere à introdução de métodos de produção agrícola e florestal compatíveis com as exigências da proteção do ambiente e dos recursos naturais e preservação do espaço natural e da paisagem. 12 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 Da aplicação das MAAs a Portugal, este artigo vai incidir sobre a Medida Agroambiental Proteção Integrada (MAA/PI) e sua aplicação ao setor vitivinícola na região do Alentejo. Esta medida contribui para a racionalização do uso de produtos fitofarmacêuticos,6 em clara sintonia com o objetivo de compatibilizar padrões de produção com a proteção do ambiente e dos recursos naturais. Dessa forma, a medida pretende ser uma estratégia de proteção a privilegiar em agricultura sustentável e, atendendo à sua relevância7 para o setor vitivinícola na região do Alentejo, será desenvolvido o estudo sempre na ótica do território e das políticas públicas. Este estudo está enquadrado na região do Alentejo, em Portugal, área geográfica equivalente à delimitada institucionalmente pelo Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas – Direção Regional de Agricultura do Alentejo (MADRP – Draal). Para a área delimitada, foi considerado o período intercalar entre 1996 e 2003.8 Nesse contexto, o presente artigo tem como objetivo, na ótica do território e das políticas públicas, avaliar economicamente a execução da MAA/PI aplicada ao setor vitivinícola na região do Alentejo, em Portugal. Para atingir este objetivo e proporcionar a melhor informação, procurou-se utilizar uma solução criativa que consistiu na utilização de um mix de métodos (entrevistas, cartografia conceitual de impactos, “micro-SIG” e revisão de documentos). Paralelamente, para avaliar as diferentes categorias de indicadores, bem como os indicadores por níveis de intervenção da política, foi utilizada uma análise multicritério. Dessa forma, esta avaliação do desempenho da MAA/PI pretende ser um instrumento estratégico, fornecendo elementos que possam potencializar melhorias de resultados, contribuindo para atingir níveis de desempenho mais elevados, sendo também uma fonte de informação útil para desencadear novas visões de desenvolvimento no nível da aplicação da medida ao setor vitivinícola. A avaliação pretende também ser uma ferramenta que possa colaborar com uma nova cultura de gestão no nível da MAA/PI, direcionando os resultados para o território, podendo, até mesmo, suas conclusões e sugestões contribuírem modestamente para uma base com vista a rever novos objetivos ou estratégias a aplicar às novas candidaturas. 6. Para maiores desenvolvimentos sobre fitofarmacologia na proteção integrada, ver Amaro (2003a). 7. Uma vez que se trata de uma das medidas agroambientais que movimenta um elevado volume de apoios comunitários, sendo o setor vitivinícola um dos que mais se beneficia destes apoios. 8. Esse período situa-se entre dois períodos de programação distintos: o Regulamento (CEE) no 2.078/1992 comporta um período de programação das medidas agroambientais entre 1994 e 1999, enquanto o período de programação referente a 2000 a 2006 é considerado pelo Ruris. Território e Políticas Públicas... 13 2 desenho de avaliação da política Pública 2.1 Metodologia Dada a complexa exigência de especificidade dos dados referentes à MAA/PI em estudo, aplicada ao setor vitivinícola e delimitada à região do Alentejo, em Portugal, foi necessário definir e localizar as fontes de dados. Para a realização dessa investigação, era crucial criar uma base de dados que possibilitasse, quando finalizada, contribuir para oferecer resposta à avaliação pretendida. Para tal, em fase inicial, foi fundamental apurar quais os indicadores necessários a este tipo de avaliação e quais os existentes ou os que pudéssemos, de alguma forma, aplicar ou adaptar, aferindo seguidamente sobre sua qualidade e disponibilidade. A identificação e avaliação da qualidade dos indicadores para este estudo teve em conta os critérios que constam na Coleção Means (COMISSÃO EUROPEIA, 1999a, v.2, p. 210-213), fornecidos pela Comissão Europeia (1999a), que, juntamente com todo o enquadramento teórico relacionado com a avaliação de políticas públicas, possibilitaram, assim, o desenvolver desta avaliação. O apoio bibliográfico analisado, alicerçado na experiência dos técnicos do MADRP – Draal e da Associação Técnica de Vitivinicultores do Alentejo (Ateva), que generosamente auxiliaram nesta tarefa, foi um passo fundamental para iniciar a construção da base de dados desta avaliação, e, desde o início, apurou-se que seriam necessários dados agregados de várias fontes. Se fossem dados com um grau de agregação relevante, poder-se-ia encontrá-los em escassa informação publicada ou, até mesmo, acedendo às bases de dados das instituições que os comportam; para o nível de desagregação desejado nesta avaliação,9 o resultado já não era tão direto. Os dados encontrados que satisfizeram as nossas necessidades de investigação tinham apenas em vista o controle e a fiscalização da medida, e não foram recolhidos ou tratados com outro objetivo, menos ainda o de serem direcionados para responder ao tipo de indicadores territoriais pretendidos.10 Dessa forma, após solicitação às hierarquias das várias instituições que comportam os dados, ficamos autorizados à constituição de uma base de dados para solucionar nosso problema e que também pudesse ser tornada pública neste artigo.11 9. Indicadores desagregados, que contemplassem a medida pretendida, confinada apenas ao setor vitivinícola, de forma a possibilitarem observar cada território “à lupa”, ou seja, em amplitude de distritos, concelhos e até freguesias caso se justifique. 10. A verdade é que o poderiam fazer após tratamento adequado, uma vez que não existia nenhuma plataforma de dados definida. 11. Com a condição de em nenhum caso referir os nomes dos beneficiários. 14 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 A informação encontrava-se em bases de dados comportando informação agroambiental, das quais foi necessário extrair a MAA/PI. De 1996 a 1999, no âmbito do Regulamento CEE no 2.078/1992, foi realmente necessário recorrer a dados ainda em suporte processual de papel, contemplando nestes a informação no nível de cada candidatura e, uma a uma, selecionando o enquadramento ou não de acordo com as necessidades específicas de informação. Para os anos posteriores, embora a informação já se encontrasse em plataforma informática exequível, teve de se efetuar igual procedimento. Após selecionada a informação de base, esta foi estruturada e tratada em bases de dados em formato excel com diferentes níveis de desagregação e agregação, consoante as nossas necessidades. Os dados deste estudo foram provenientes de fontes distintas, tais como: MADRP (1996, 1997 e 1998), Direção Geral de Desenvolvimento Rural (DGDR) e Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola (Inga) (1999 e 2000), Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas (IFADAP), Instituto de Desenvolvimento Rural e Hidráulica (IDRHa) (2001 e 2002) e, por fim, Ateva (2003), que só no seu conjunto possibilitaram criar uma plataforma de trabalho adaptada às necessidades de avaliação deste estudo. As constantes mudanças verificadas no circuito de funcionamento, nomeadamente, as transferências para diferentes bases de dados, contribuíram para que a obtenção de informação consolidada sobre a evolução da sua aplicação no período pretendido fosse bastante complicada e morosa. No que concerne à informação utilizada a um nível mais agregado, houve necessidade de obter-se dados coerentes, compatíveis com os recolhidos in loco, pelo que se optou por utilizar os dados publicados no Plano de Desenvolvimento Rural (PDRu) 2000-2006, nas campanhas promovidas pelo IFADAP e Inga e nas publicações do IDRHa e MADRP, bem como informação disponibilizada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) e Gabinete de Estatísticas da União Europeia (EUROSTAT). Para melhor apoiar todo o trabalho de avaliação desenvolvido, foram utilizados vários instrumentos de avaliação geral de políticas públicas, para salientar a cartografia conceitual de impactos, da qual resultaram mapas sem escala real, contemplando os vários territórios, a fim de se identificar mais facilmente os indicadores e suas variações. Toda a base de processamento da informação geográfica utilizada foi concebida exclusivamente para este estudo em suporte AUTOCAD. Em alguns casos, este foi, na verdade, apoiado por software ARCVIEW GIS a fim de possibilitar um melhor cruzamento da informação geográfica com dados e indicadores territoriais. Ao final, foi possível obter uma pequena aproximação ao Sistema de Informação Geográfica (SIG), que, por simplificação, denominamos de “micro-SIG”, tornando-se, assim, uma mais-valia para este estudo. Território e Políticas Públicas... 15 2.2 Principais instrumentos de avaliação geral de políticas públicas utilizados neste estudo De acordo com Armstrong e Wells (2006), desde o início dos anos 1990, as iniciativas políticas para o desenvolvimento econômico da Comunidade Europeia têm registrado uma rápida expansão. Os instrumentos de avaliação têm lutado para adaptarem-se ao que foi um novo “e mais radical” tipo de políticas públicas. Ainda que se estejam a verificar progressos em adaptar os instrumentos de avaliação a esse desenvolvimento verificado nas políticas públicas, muitos desafios ainda se apresentam para os avaliadores e investigadores, quer ao nível dos períodos de programação anteriores, quer para o novo período 2007-2013 (ARMSTRONG; WELLS, 2006). A natureza das políticas e avanços na sua concepção (políticas de inclusão social ou de desenvolvimento rural) confrontaram os avaliadores e investigadores com uma série de novos requisitos, tais como: a necessidade de combinar em avaliação resultados econômicos, sociais e ambientais em simultâneo, muito comum quando da avaliação de programas de desenvolvimento rural ou, até mesmo, da necessidade de avaliar a sensibilidade dos agricultores diante do desenvolvimento rural ou do ambiente (ROSÁRIO, 2003). No que concerne à avaliação, as políticas públicas com objetivos de desenvolvimento rural, de forma genérica, não são muito diferentes das políticas restantes financiadas pelos fundos europeus. O que torna a avaliação desta forma de política com vista ao desenvolvimento rural mais complexa ainda é a dificuldade de encontrar e aplicar os instrumentos standard de avaliação. As políticas públicas europeias apresentam uma panóplia de vários tipos de iniciativas.12 Estas “novas” políticas públicas variam em vários aspectos dos denominados “tradicionais tipos de política” (ARMSTRONG; WELLS, 2006), uma vez que oferecem uma maior ênfase ao compromisso ativo comunitário em todos os aspectos da iniciativa, percorrendo desde o design até sua avaliação.13 O controle de ativos e recursos assume um papel de supremacia. É de notar-se também que, do ponto de vista da avaliação, as políticas públicas podem ser bastante distintas, e é por este fato que merecem uma examinação específica – cada caso é um caso. As políticas públicas expõem vários problemas 12. Políticas de formação profissional, educação, apoio às pequenas e médias empresas, desenvolvimento rural e/ou ambiental, apoio ao networking comunitário, entre outras. 13. A sua natureza a longo prazo e a fase inicial do design antes dos seus objetivos, principalmente econômicos, e outros efeitos sejam atingidos poderão ser também um problema para a avaliação. 16 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 particulares para sua avaliação.14 Apesar de os problemas colocados serem completamente diversificados, as políticas públicas “são altamente complexas, com múltiplos objetivos (apenas alguns dos quais são económicos), com múltiplos grupos de beneficiários e frequentemente utilizando muitos fluxos de fundos” (ARMSTRONG; WELLS, 2006). Para Bachtler e Wren (2006), alguma complexidade adicional ainda pode resultar da natureza da política que está a ser avaliada. As políticas europeias são implementadas em plataforma regulamentar muito idêntica, mas significativamente diferente pelas circunstâncias nacionais e regionais com diferentes formas de gestão e implementação das políticas de desenvolvimento regional. É, portanto, nesses cenários que foram selecionados alguns instrumentos de avaliação de políticas públicas para atuarem, isoladamente ou em conjunto, a fim de oferecerem a melhor resposta às necessidades desta avaliação. 2.2.1 Cartografia conceitual de impactos A cartografia conceitual de impactos é uma adaptação da técnica chamada de concept mapping ,15 utilizada há uma década para a avaliação das políticas.16 Esta foi primeiramente utilizada como ajuda à definição de estratégias ou à reorganização das empresas antes de ser aplicada à concepção de políticas públicas, e tem como objetivo obter uma imagem gráfica das representações que os atores têm da realidade socioeconômica em geral e dos impactos esperados em particular. Essa técnica possibilita uma melhor clarificação – e, por vezes, hierarquização – dos impactos esperados de uma intervenção pública17 e presta uma ajuda preciosa em matéria de avaliação sempre que é necessário reforçar a avaliação de um programa, ou seja, tornar os objetivos de um programa mais explícitos. Este instrumento revela-se particularmente bem adaptado ao contexto das políticas públicas e, em particular, das políticas promovidas pela UE. Este tipo de política prossegue os objetivos definidos por tal bloco político e adaptados em função das características do estado-membro ou da região beneficiária. Como os documentos de programação são produtos de negociações, é frequente que os objetivos das políticas não sejam 14. Segundo Armstrong e Wells (2006), à avaliação moderna de políticas públicas são ainda adicionadas três características: 1. A avaliação é um ongoing process. A Comissão Europeia, por meio de requisitos regulamentares para as avaliações ex ante, intercalar ou ex post, impõe um certo grau de ordem em todo o processo. No entanto, estes procedimentos são desenhados com o objetivo de aumentar, e não romper com, um processo de aprendizagem ongoing. 2. A avaliação e a monitorização são tidas em consideração. Estas não são completamente separadas, uma vez que os requerimentos para uma avaliação formal também abarcam a interpretação da evidência monitorizada disponível na altura da avaliação. 3. A avaliação e a monitorização são levadas a cabo em diferentes escalas, para avaliar um projeto individual ou programa. 15. Para Trochin e Cabrera (2005), “Concept Mapping é uma mistura de metodologias participativas que possibilita a diversos grupos participantes desenvolver plataformas conceituais partilhadas que podem ser utilizadas em variados contextos políticos”; dessa forma, é possível visualizar “as relações específicas entre conceitos e a estrutura hierárquica e organizacional dessas relações” (CROASDELL; FREEMAN; URBACZEWSKI, 2003). 16. Para maiores desenvolvimentos, ver Poole e Davis (2006), Trochin e Cabrera (2005), Mclay e Brown (2003), Croasdell, Freeman e Urbaczewski (2003) e Kane e McMahon (2002). 17. A técnica do mapa conceitual de impactos permite, por exemplo, em contexto ex ante, determinar os objetivos visados e as prioridades, ou, em contexto ex post, elaborar o referencial da avaliação – principalmente para critérios de eficácia e indicadores. Território e Políticas Públicas... 17 suficientemente precisos para poder construir uma avaliação fiável.18 O recurso a este instrumento é um apoio para a realização da primeira etapa de clarificação, pois permite o esclarecimento das perguntas de avaliação, a hierarquização dos efeitos e a definição dos critérios de avaliação, facilitando a apropriação dos resultados desta.19 Neste estudo, a cartografia conceitual de impactos revelou-se um instrumento fundamental para obter resposta às questões de avaliação. Para tal, inicialmente, foram descritos e hierarquizados para cada indicador territorial utilizado seus respectivos impactos na região em estudo (Portugal – Alentejo); seguidamente, foram agrupados por famílias (distritos) e, por sua vez, foram reagrupados em novas famílias (concelhos20). Dessa forma, foi possível criar – e georreferenciar – uma plataforma conceitual com os impactos pretendidos, a fim de contribuir para responder às questões desta avaliação. FIGURA 1 Descritor de impactos¹ Elaboração dos autores. Nota: ¹ Exemplo de um descritor de impactos – concebido exclusivamente para oferecer apoio à elaboração da cartografia conceitual de impactos deste estudo, que tem como objetivo reagrupar o número de hectares abrangidos pela MAA/PI no distrito de Évora em famílias, ou seja, em concelhos. 18. Duas características usuais dos programas podem, assim, fundamentar o recurso à cartografia conceitual de impactos: por um lado, a falta de clareza e precisão dos objetivos de um programa e os impactos esperados e, por outro, a insuficiência de indicadores de impacto previstos pelo programa. 19. O mapa conceitual de impactos mostra-se, portanto, precioso para preparar as avaliações intercalares dos programas, pois permite estabelecer, de forma sistemática, famílias de impactos transversais de várias medidas e, assim, construir critérios relevantes para a avaliação do programa no seu todo. 20. Uma vez que em Portugal a palavra concelho é de utilização comum para se referir a uma circunscrição administrativa, neste estudo esta palavra é frequentemente empregada para traduzir as menores circunscrições administrativas e geográficas analisadas. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 18 2.2.2 Entrevista individual A técnica da entrevista individual21 permite recolher informações qualitativas e as opiniões das pessoas referidas por um programa ou projeto específico, seu contexto, sua execução, seus resultados ou seu impacto, selecionando para tal vários destinatários ou gestores, em função das características da ação que se pretende desenvolver e do público em causa.22 Dessa forma, utilizar como instrumento de análise a entrevista é um dos únicos instrumentos que permite “dar uma rápida vista de olhos” aos programas a avaliar, ou seja, as entrevistas menos estruturadas23 poderão ser utilizadas para identificar as partes do programa que deverão ser aprofundadas. As entrevistas com as instâncias de decisão podem representar uma etapa importante no desenvolvimento da avaliação e na determinação dos resultados-chave esperados por estas instâncias. No âmbito deste estudo, foram desenvolvidas entrevistas por conversação informal com ou sem guia aos vários níveis de operacionalização e hierarquia da MAA/PI.24 Foi possível, dessa forma, recolher informação qualitativa, nomeadamente: opiniões, experiências, informações relativas a contexto e execução, validação de dados e indicadores, bem como novas direções de pesquisa. 2.2.3 Sistema de Informação Geográfica (SIG) Os SIGs,25 de uma forma simplista, são instrumentos que permitem trabalhar com os dados que podem referir-se a uma unidade localizada (ponto, zona, limite etc.). Originalmente, este instrumento foi desenvolvido nos anos 1970 para armazenar e tratar a informação ligada ao ambiente físico (ambientes natural e construído). Mais recentemente, o interesse dos utilizadores deste instrumento estendeu-se às informações socioeconômicas, ao passar a ser o SIG um ponto de encontro entre todas as informações26 que podem estar referidas, direta ou indiretamente, a um lugar geográfico. Geralmente, um SIG permite reunir todas as espécies de informações de caráter espacial e apresentá-las sob uma forma que otimiza sua legibilidade. O SIG pode 21. Segundo Comissão Europeia (1999a), várias formas de entrevista merecem ser distinguidas: a por conversação informal, a semidiretiva com guia e a diretiva, que é a mais rígida. 22. As técnicas de entrevista são muito utilizadas no âmbito da avaliação das políticas públicas e, em especial, para a avaliação dos programas, permanecendo a entrevista com os gestores e destinatários um dos instrumentos mais utilizados na avaliação intercalar (AI) dos programas. 23. Ex.: conversação informal com os gestores e outras pessoas referidas pelo programa. 24. Ex.: beneficiários, especialistas e técnicos. 25. “O SIG permite recolher, reunir, acumular, analisar, explorar, expor e atualizar todos os dados e informações espacialmente referenciadas” (COMISSÃO EUROPEIA, 1999a). 26. Provenientes das três dimensões temáticas, espaciais e temporais. Território e Políticas Públicas... 19 integrar dados socioeconômicos e provenientes dos recenseamentos, resultados de sondagens e inquéritos, bem como dados de acompanhamento.27 No que diz respeito à avaliação, a principal mais-valia do SIG é permitir cruzamentos de dados que as outras técnicas não permitem.28 Neste estudo, em particular, embora em sede de programação esteja previsto a criação de SIG único para a gestão do Ruris29 e, consequentemente, comportando as MAAs, sua não operacionalização até o momento constitui uma grave deficiência do modelo de gestão e uma grande dificuldade no que concerne às avaliações. Motivados por todas as vantagens que um SIG comportaria para este e outros estudos que desta base possam ser desenvolvidos, optou-se por criar um “micro-SIG,”30 ou seja, embora seguindo igual ideologia de base, é bem mais limitado do que os SIGs convencionais, tendo sido concebido com o objetivo de responder às questões desta avaliação, e tendo como principal mais-valia permitir cruzamentos de informação geográfica da área delimitada com os dados e indicadores territoriais utilizados e, até mesmo, com as informações provenientes de outras técnicas utilizadas, o que em nenhuma das outras técnicas seria possível. 27. A representação espacial pode ser direta (coordenadas cartográficas e endereço postal preciso) ou indireta (código postal e área de recenseamento). De forma geral, este instrumento pode aproximar informações cujas referências geográficas são de natureza diferente (endereço das empresas ajudadas e zonas urbanas em dificuldade, ou de zonas passíveis de serem ajudadas e zonas sensíveis do ponto de vista do ambiente). O SIG permite igualmente estimar o valor de um indicador para dada zona, quando se conhece seu valor em escalas estatísticas diferentes. 28. De acordo com Comissão Europeia (1999a), este instrumento tem uma grande capacidade de integração e síntese das informações. Sua capacidade de integrar a dimensão territorial é relevante para as políticas públicas. Permite centralizar os resultados provenientes dos serviços estatísticos, trabalhos de acompanhamento e inquéritos de avaliação efetuados no território que se escolher. 29. Representa o PDRu no qual se efetua a aplicação das MAAs. Para maiores desenvolvimentos sobre o Ruris, ver PDRu (2000-2006). Detectamos, no entanto, para este programa, a existência de alguns SIGs “independentes”, geridos por diferentes organismos e incompatíveis entre si, em termos da informação disponível e das metodologias de funcionamento utilizadas. No entanto, foram concebidos com objetivos distintos, fora do âmbito desta avaliação, e nenhum comportava sequer uma pequena parte da informação que se pretendia apurar para desenvolver este estudo. 30. Denominação específica utilizada para representar o que, de uma forma genérica, seria uma aproximação a um SIG. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 20 FIGURA 2 Diagrama do “micro-SIG” desenvolvido para este estudo Elaboração dos autores. 2.2.4 Análise multicritério A análise multicritério é utilizada para realizar um julgamento comparativo em projetos alternativos ou heterogêneos. Permite ter em conta, simultaneamente, vários critérios que intervêm em situações complexas e, assim, ajudar as “instâncias de decisão/avaliação” a integrar, em quadro prospectivo ou retrospectivo, as diferentes opções que refletem as opiniões dos atores implicados em processo de decisão. Esta técnica conduz a conselhos operacionais ou recomendações. Foram efetuadas várias experiências no sentido de apurar uma possível utilização da técnica pela Comissão Europeia no âmbito da avaliação de fundos, 31 31. Ver Experiência Hainaut, cf. Comissão Europeia (1999a). Território e Políticas Públicas... 21 das quais resultaram conclusões animadoras quanto à eventual execução e que permitiram nomeadamente desenvolver uma alternativa do método chamado multicritére-multijuge (multicrítério-multijulgamento32), possibilitando a cada um dos parceiros construir seu julgamento a partir dos critérios e pesos que deseja. Neste estudo, em particular, foi utilizada uma análise multicritério como instrumento de apoio à avaliação dos indicadores territoriais levada a cabo na subseção 2.5. Dessa forma, foi possível não só avaliar cada um dos indicadores territoriais, mas também possibilitar uma comparação entre a avaliação efetuada a cada um destes indicadores, bem como aos vários níveis da intervenção. 2.2.5 Aplicabilidade e adaptabilidade de alguns instrumentos ao estudo efetuado Na realização desta avaliação, foi utilizado um mix de métodos (entrevistas, cartografia conceitual de impactos, “micro-SIG” e revisão de documentos) a fim de proporcionar a melhor informação para o estudo desenvolvido. Para avaliar as diferentes categorias de indicadores (realização, resultados e impactos), bem como a avaliação dos indicadores por níveis de intervenção da política (proteção integrada vitivinícola, MAAs e Ruris), foi utilizada uma análise multicritério. FIGURA 3 Principais instrumentos utilizados Elaboração dos autores. Notas: 1 Embora não considerados, por definição, como instrumentos de avaliação de políticas públicas, neste estudo, optou-se por proporcionar-lhes um tratamento idêntico, juntamente com a revisão de documentos associados à medida em si. 2 Como já referenciado na subsubseção 2.2.3, optou-se por criar um “micro-SIG”, ou seja, um SIG bastante mais limitado que os SIGs convencionais, concebido para oferecer resposta às questões desta avaliação. 32. Ver Comissão Europeia (1999a). planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 22 Estes métodos envolvem um leque de dificuldades metodológicas e de medida. Com uma grande importância anexada à avaliação, a metodologia para a avaliação de políticas públicas tem sido objeto de escrutínio e debate. Segundo Bachtler e Wren (2006), “isso não é surpreendente dado o acréscimo no papel e escala das políticas, mas é claro que não existe nenhuma abordagem uniforme”. A abordagem escolhida parece-nos estar bem adaptada e aplicada ao objeto deste estudo, ficando, no entanto, a nota de que muitos outros caminhos poderiam ser seguidos para responder às questões desta avaliação. Ao escolher um instrumento ou uma abordagem de avaliação, devemos ter consciência de que “dependendo da função da avaliação, diferentes abordagens metodológicas à avaliação podem ser preferidas, tendo presente que todas as abordagens têm forças e fraquezas” (ESER; NUSSMUELLER, 2006). 2.3 Tratamento de dados e indicadores A recolha dos indicadores teve como base os definidos no programa e a metodologia apresentada pela Comissão Europeia (1999a). A apreciação da qualidade dos indicadores teve também em conta a já referida metodologia que revela que, em termos médios, os indicadores apresentam uma boa classificação na generalidade dos critérios de qualidade. Destaca-se também o fato de não terem sido previstos, em sede de programação, indicadores de impacto e de realização que não apresentam, na sua maioria, uma meta quantificada. A respectiva não quantificação coloca em causa o critério da Comissão Europeia (1999a) da normatividade e a aferição da eficácia da medida. 2.4 Os principais indicadores territoriais utilizados Para este estudo, na recolha de informação, optou-se pela seleção dos indicadores definidos em sede de programação para acompanhar-se a execução da MAA/PI. Toda a recolha e o tratamento de informação foram direcionados nesta base. Inicialmente, optou-se por tentar obter três grupos de indicadores territoriais, denominados de indicadores de realização, de resultados e de impacto; no entanto, uma vez que não foram definidos indicadores de impacto em sede de programação para as MAAs, analisou-se os indicadores somente no nível dos de realização e de resultados. QUADRO 1 Indicadores territoriais utilizados Indicadores territoriais Indicadores de realização Indicadores de resultados Número total de beneficiários Variação do número de beneficiários aderentes Número de hectares abrangidos Variação do número de hectares abrangidos Totais de ajudas Variação do valor total de ajudas (Continua) Território e Políticas Públicas... 23 (Continuação) Indicadores territoriais Indicadores de realização Indicadores de resultados Nível médio das ajudas por hectare Variação na cobertura da SAU1 de vinha Nível médio de ajudas por beneficiário Nível médio de hectares por beneficiário Elaboração dos autores. Nota: 1 SAU – Superfície Agrícola Útil. 2.5 Avaliação dos indicadores territoriais A avaliação da qualidade dos indicadores para este estudo teve em conta os critérios de qualidade – que constam na Comissão Europeia (1999a) em La Collection MEANS: Évaluer les programmes socio-économiques. Conception et conduite d’une évaluaation, v. 2, p. 210-213 – de referir disponibilidade, atualidade, sensibilidade, confiabilidade, comparabilidade, normatividade e significado.33 Para efetuar esta análise e proporcionar uma forma de interação com os dados agregados disponíveis, optou-se por seguir critério idêntico ao utilizado no PDRu AI 2000-2006, ou seja, cada indicador foi classificado de 0 a 2, sendo apresentado seguidamente os respectivos quadros com a classificação individual de cada um dos indicadores deste estudo.34 QUADRO 2 Indicadores de realização Indicador previsto Quantificação publicada Critérios1 [1] [2] [3] [4] [5] [6] [7] Classificação global Número total de beneficiários N 2 1,5 2 1,5 2 0,5 2 1,64 Número de hectares abrangidos N 2 1,5 2 1,5 2 0,5 2 1,64 Totais de ajudas N 2 1,5 2 1,5 2 0,5 2 1,64 Nível médio de ajudas por hectare N 1,5 1,5 2 1,5 2 0,5 2 1,57 Nível médio de ajudas porbeneficiário N 1,5 1,5 2 1,5 2 0,5 2 1,57 Nível médio de hectares por beneficiário N 1,5 1,5 2 1,5 2 0,5 2 1,57 1,75 1,5 2 1,5 2 0,5 2 1,61 Média de classificação por critério de avaliação do indicador Número de indicadores 6 Fontes: Dados recolhidos no âmbito desta avaliação referentes à MAA/PI aplicada ao setor vitivinícola na região do Alentejo, em Portugal. Avaliação dos autores referente aos dados recolhidos. Metodologia adaptada de: Comissão Europeia (1999a), Tavistock Institute (2003) e DGDR (1999). Nota: 1 [1] Disponibilidade; [2] Atualidade; [3] Sensibilidade; [4] Confiabilidade; [5] Comparabilidade; [6] Normatividade; e [7] Significado. 33. Para maiores desenvolvimentos, ver subseção 2.2, Comissão Europeia (1999a), e Tavistock Institute (2003). 34. Estes indicadores têm, na sua base de avaliação, os dados recolhidos referentes à MAA/PI, aplicados ao setor vitivinícola na região do Alentejo, em Portugal. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 24 QUADRO 3 Indicadores de resultados Critérios1 Indicador previsto Quantificação publicada [1] [2] [3] [4] [5] [6] [7] Classificação global Variação do número de beneficiários aderentes N 1 1,5 2 1,5 1 – 1,5 1,21 Variação do número de hectares abrangidos N 1 1,5 2 1,5 1 – 1,5 1,21 Variação do valor total de ajudas N 1 1,5 2 1,5 1 – 1,5 1,21 Variação na cobertura da SAU de vinha N 1 1,5 2 1,5 1,5 0,5 1,5 1,36 Média de classificação por critério de avaliação do indicador 1 1,5 2 1,5 1,13 0,5 1,5 1,25 Número de indicadores 4 Fontes: Dados recolhidos no âmbito desta avaliação referentes à MAA/PI aplicada ao setor vitivinícola na região do Alentejo, em Portugal. Avaliação dos autores referente aos dados recolhidos. Metodologia adaptada de: Comissão Europeia (1999a), Tavistock Institute (2003) e DGDR (1999). Nota: 1 [1] Disponibilidade; [2] Atualidade; [3] Sensibilidade; [4] Confiabilidade; [5] Comparabilidade; [6] Normatividade; e [7] Significado. QUADRO 4 Análise multicritério dos indicadores Categoria dos indicadores Número de indicadores [1] [2] [3] [4] [5] [6] [7] Classificação global por categoria 6 1,75 1,5 2 1,5 2 0,5 2 1,61 1,25 Realização Critérios1 Resultados 4 1 1,5 2 1,5 1,13 0,5 1,5 Impacto2 – – – – – – – – – 0,92 1 1,33 1 1,04 0,33 1,17 0,95 Média Número total de indicadores 10 Fontes: Dados recolhidos no âmbito desta avaliação referentes à MAA/PI aplicada ao setor vitivinícola na região do Alentejo, em Portugal. Avaliação dos autores referente aos dados recolhidos. Metodologia adaptada de: Comissão Europeia (1999a), Tavistock Institute (2003) e DGDR (1999). Notas: 1 [1] Disponibilidade; [2] Atualidade; [3] Sensibilidade; [4] Confiabilidade; [5] Comparabilidade; [6] Normatividade; e [7] Significado. 2 Não foram definidos indicadores de impacto em sede de programação para as MAAs. QUADRO 5 Síntese da avaliação dos indicadores por níveis de intervenção Níveis de intervenção Proteção integrada (PI) Número de indicadores Critérios1 [1] [2] [3] [4] [5] [6] [7] Classificação global 0,92 1 1,33 1 1,04 0,33 1,17 0,95 Realização Resultados Impacto 6 4 – MAAs 1,2 1,2 1,2 0,6 1,2 0,5 1 0,96 4 4 – Ruris 1,2 1,2 1,2 1,1 1,1 0,7 1,2 1,1 17 15 – Fontes: Dados recolhidos no âmbito desta avaliação referentes à MAA/PI aplicada ao setor vitivinícola na região do Alentejo, em Portugal. Avaliação dos autores referente aos dados recolhidos. MAAs e Ruris – PDRu AI 2000-2006. Nota: 1 [1] Disponibilidade; [2] Atualidade; [3] Sensibilidade; [4] Confiabilidade; [5] Comparabilidade; [6] Normatividade; e [7] Significado. Território e Políticas Públicas... 25 De uma forma global, na primeira abordagem aos indicadores, é de referir a ausência de indicadores de impacto. Tal fato deve-se a que no documento de programação não ter sido previsto e quantificado este tipo de indicadores, e sua classificação global é claramente prejudicada por esta situação. Os indicadores de realização, de uma forma geral, apresentam uma boa classificação em termos médios, apresentando uma classificação global de 1,61 pontos. Foram classificados com nota máxima no critério de sensibilidade e comparabilidade, uma vez que, além de refletirem, diretamente, com clareza e de forma significativa, variações no nível dos efeitos do programa, possibilitam de imediato uma comparabilidade significativa, quer a nível interno, quer a nível externo. A classificação global dos indicadores de resultados apresenta-se ligeiramente mais atenuada (1,25), sendo de referir o fato do critério de normatividade apresentar classificações reduzidas, já que se torna complexo encontrar quaisquer referências ou padrões que possibilitassem um tipo de julgamento, diante do valor que estes indicadores assumem. Da avaliação comparativa com outros indicadores por níveis de intervenção, é perceptível que, quer a nível de cada critério, quer a nível da classificação global, os indicadores deste estudo apresentam valores de avaliação muito próximos dos apresentados nos indicadores das MAAs e do Ruris. De uma forma geral, podemos considerar que os indicadores utilizados segundo o critério escolhido apresentam uma boa classificação em termos médios. 3 avaliação da execução da política pública 3.1 Avaliação da execução física 3.1.1 Síntese de evolução da política O estudo da evolução da execução apresenta-se como um aspecto-chave a ter em conta na orientação da política. Dessa forma, pretende-se conhecer a evolução de alguns indicadores territoriais ao longo do período em análise, de modo a apurar-se a forma como a execução da política tem sido orientada. Em todos os indicadores, verifica-se uma tendência crescente até 1998, assim como o total de ajudas atinge seu máximo durante a aplicação do Regulamento CEE no 2.078/1992, em 1998. A aprovação de um programa intercalar que vigorou de 1998 a 1999 acabou por registrar uma quebra acentuada em todos os indicadores. Em 2000, tendo em conta os atrasos verificados na aplicação do novo quadro de política de desenvolvimento rural, e com o objetivo de não prejudicar os agricultores beneficiários das MAAs, por meio da Portaria no 108, de 25 de fevereiro de 2000, foi possível que, embora não fossem aceitas novas candidaturas para aquele ano, os contratos cujo termo ocorreram em 1999 puderam ser prorrogados por mais um ano. A efetiva aplicação do Ruris veio responder aos baixos níveis de execução observados, nos quais, em 2003, já se verificavam níveis de execução muito mais elevados. Saliente-se que, planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 26 em 2003, verifica-se os valores máximos atingidos no período em estudo para os indicadores número total de beneficiários e número total de hectares abrangidos e um valor para o total de ajudas bastante próximo do máximo atingido em 1998.35 3.1.2 Avaliação comparativa dos indicadores territoriais em nível dos distritos FIGURA 4 Execução da PI nos distritos do Alentejo – 2003 Fonte: Dados apurados para 2003 (Ateva). Elaboração dos autores. 35. Para maiores desenvolvimentos sobre a evolução da política, ver Bazílio (2007). Território e Políticas Públicas... 27 Com base na figura 4, é possível identificar facilmente o distrito de Évora como sendo o que apresenta melhores níveis de execução, seguido dos distritos de Beja e Portalegre, tendo o distrito de Setúbal uma representatividade quase insignificante. Tendo também em consideração os dados de Ateva (2003),36 foi possível constatar que o distrito de Évora em 2003 foi responsável por 66,15% dos beneficiários, absorvendo 69,21% das ajudas e abrangendo uma área de execução de 69,43% de toda a região do Alentejo, sendo, portanto, o distrito com maior impacto a nível da execução. Pelo apurado, os vitivinicultores do distrito de Beja são, em média, os que conseguem os melhores níveis de ajuda por hectare, mais concretamente, na ordem dos 146,86 euros. No entanto, neste indicador, não se verificaram grandes desvios para os vitivinicultores dos outros distritos. 3.1.3 Avaliação comparativa dos indicadores territoriais a nível de concelhos Com base em Bazílio (2007), o distrito de Évora é o distrito com maior impacto a nível de execução da política, seguido dos distritos de Beja e Portalegre, não registando o distrito de Setúbal uma execução relevante. No entanto, se efetuarmos uma análise mais aproximada aos concelhos, podemos constatar que toda a base de execução da política está alicerçada principalmente em cinco concelhos, nomeadamente: Vidigueira, Reguengos de Monsaraz, Borba, Redondo, Évora e Portalegre. As figuras 5 e 6 traduzem uma visão mais aproximada a cada um destes concelhos. 36. Ver Bazílio (2007). planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 28 FIGURA 5 Concelhos com melhores níveis de execução – distrito de Évora – 2003 Fonte: Dados apurados para 2003 (Ateva). Elaboração dos autores. Estes concelhos do distrito de Évora, já com uma longa tradição vitivinícola, registam em conjunto níveis de ajudas que absorvem 63,89% das ajudas de toda a região do Alentejo e uma contribuição para a área de execução da política na região de 63,51%, ocupando, até mesmo, 47,27% de toda a SAU de vinha do Alentejo. Entre 1996 e 2003, o concelho de Vidigueira registou um acréscimo no número de beneficiários de 402%, e, em 2003, foi o concelho que apresentou o maior número de beneficiários. O concelho de Portalegre domina a execução da política no Alto Alentejo. Embora com execuções mais modestas que grande parte Território e Políticas Públicas... 29 dos concelhos já abordados, é de salientar-se o trabalho desenvolvido no nível do acréscimo de execução da política, principalmente nos hectares abrangidos. Como resultado deste trabalho, passou de uma área de execução de apenas 20 hectares, em 1996, para uma área de 899,49 hectares, em 2003, tendo por implicação um acréscimo significativo no total de ajudas recebidas. FIGURA 6 Concelhos com melhores níveis de execução – distritos de Beja e Portalegre – 2003 Fonte: Dados apurados em 2003 (Ateva). Elaboração dos autores. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 30 Em forma de resumo, podemos referir que, no seu conjunto, os concelhos de Vidigueira, Reguengos de Monsaraz, Borba, Redondo, Évora e Portalegre são responsáveis por 93,85% do número de beneficiários e 89,96% da área abrangida, e absorvem 91,03% das ajudas de toda a região do Alentejo. Nesta fase, importa também apurar se todas as reconhecidas sub-regiões vitivinícolas do Alentejo (SRVA) estão a beneficiar-se da política. Para tal, uma vez que a Comissão Vitivinícola Regional Alentejana (CVRA) e a Ateva reconhecem como SRVA os territórios de: Portalegre, Borba, Redondo, Évora, Reguengos, Granja/Amareleja, Vidigueira e Moura, é possível, facilmente, uma comparação entre tais sub-regiões com os resultados obtidos.37 Assim sendo, podemos constatar que os concelhos de Mourão (Granja) e concelho de Moura (Amareleja) são os únicos que, apesar de terem reconhecido todo um potencial vitivinícola, não têm se beneficiado de forma relevante da MAA/PI. Dessa forma, e tendo presente que a execução da política também pode ser regionalmente influenciada por fatores como as características dos sistemas vitivinícolas predominantes, sua rentabilidade, competitividade, diversidade e adaptabilidade à medida, pelo nível das ajudas e de outras ajudas concorrentes e pelas limitações das condições de acesso, tudo indica-nos que uma eventual intervenção mais direcionada a estes territórios, no sentido de incrementar a execução da política, poderia ter resultados bastante satisfatórios. 3.2 Avaliação da execução financeira Nesta subseção, pretende-se aferir sobre a afetação financeira da política. Para tal, iremos-nos situar no período de programação, entre 2000 e 2003, e analisar a afetação no nível do Ruris. Esta foi balizada por vários fatores, é de importância salientar: a necessidade de oferecer continuidade às intervenções do período anterior e efetuar os compromissos já assumidos, a escassez de recursos financeiros e a concentração de recursos nas intervenções que demonstravam um maior potencial de intervenção “em matéria de ocupação do território e coesão social e de prevenção dos recursos naturais e do ambiente” (DGDR, 1999). QUADRO 6 Programação financeira inicial do Ruris Despesa pública programada1 (€$ mil) Ruris 2004 2005 2006 Total RA2 3.437 5.187 7.120 9.760 12.297 14.800 17.241 69.842 3,8 IC3 49.863 70.327 68.773 68.984 71.313 72.307 72.160 473.727 25,9 132.720 114.271 116.373 115.816 110.620 110.947 114.235 814.982 44,6 2000 MAA4 2001 2002 2003 Percentual (Continua) 37. Tendo em conta que são consideradas sub-regiões autonômas, e que na análise efetuada apenas tem-se em consideração os distritos e concelhos, o que nem sempre se mostra equivalente. Por esta razão, e para possibilitar uma melhor comparação, são consideradas as sub-regiões de Granja e Amareleja agregadas respectivamente nos seus concelhos e distritos correspondentes, ou seja, Granja – Concelho, Mourão – Distrito de Évora e Amareleja – Concelho de Moura – Distrito de Beja Território e Políticas Públicas... 31 (Continuação) Despesa pública programada 1 (€$ mil) Ruris FTA 5 Total no ano 6 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Total 60.627 63.053 64.364 66.311 70.593 72.087 73.157 470.192 25,7 246.647 252.838 256.630 260.871 264.823 270.141 276.793 1.828.743 100 Percentual Fontes: Decisão da Comissão Europeia C no 3.368, de 22 de novembro de 2000, e PDRu 2000-2006. Notas: 1 Despesa pública programada = comparticipação da UE + comparticipação nacional. 2 RA – reforma antecipada. 3 IC – indenizações compensatórias. 4 MAA – medidas agroambientais. 5 FTA – florestação de terras agrícolas. 6 Não contempla despesas programadas com avaliações. Com base no quadro 7, verifica-se que a Comissão Europeia aprovou uma afetação financeira inicial que foi preferencial, sobretudo, às MAAs, cuja dotação era de 44,60% do total do programa. Seguem-se as ICs (25,90%) e FTAs (25,70%), e a RA representa a intervenção com menos dotação afeta (3,80%). No entanto, ao longo do período de execução, foram necessários alguns ajustamentos à programação financeira inicial, principalmente direcionada na desafetação de verbas por todas as intervenções, embora sem grandes alterações significativas ao seu peso relativo. QUADRO 7 Programação financeira do Ruris revista em 2002 Despesa pública programada1 (€$ mil ) Ruris 2000 RA 3.437 2001 3.978 2002 7.120 2003 9.760 2004 2005 2006 Total 12.297 14.800 17.241 69.842 4 Percentual – 83.844 68.773 68.984 71.313 72.307 72.160 437.381 25,3 MAA 113.845 85.768 116.373 115.816 110.620 110.947 114.235 767.604 44,4 FTA 48.621 56.721 63.033 64.980 69.263 70.756 71.827 445.201 25,8 166.854 231.698 256.630 260.870 264.824 270.141 276.793 1.727.810 100 IC Total no ano2 Fontes: Decisão da Comissão Europeia C no 1.630, de 21 de maio de 2002, e PDRu 2000-2006. Notas: 1 Despesa pública programada = comparticipação da UE + comparticipação nacional. 2 Não contempla despesas programadas com avaliações. QUADRO 8 Programação financeira do Ruris revista em 2003 Despesa pública programada 1 (€$ mil) Ruris 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Total Percentual RA 3.576 3.978 2.707 9.760 12.297 14.800 17.241 64.359 3,8 IC – 83.844 60.504 68.984 71.313 72.307 72.160 429.112 25,6 113.845 85.768 96.521 115.816 110.620 110.947 114.235 747.752 MAA 44,6 (Continua) planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 32 (Continuação) Despesa pública programada 1 (€$ mil) Ruris FTA Outras 2 Total no ano 3 Total 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Percentual 48.621 56.721 42.637 64.980 69.263 70.756 71.827 424.805 25,4 812 1.387 744 1.400 1.421 1.431 1.770 8.965 0,5 166.854 231.698 203.113 260.940 264.914 270.241 277.233 1.674.993 100 Fontes: Decisão da Comissão Europeia C no 2.665, de 16 de julho de 2003, e PDRu 2000-2006. Notas: 1 Despesa pública programada = comparticipação da UE + comparticipação nacional. 2 Antigas medidas anteriores a 1992. 3 Não contempla despesas programadas com avaliações. O ajuste financeiro efetuado em 2003 representa um corte de 9% do total da dotação inicial prevista, sendo mais relevante no caso da FTA, com um corte de aproximadamente 10% diante da decisão inicial do programa. Por meio do cálculo de uma taxa de execução financeira (TEF) para a contribuição da UE,38 pode-se verificar que, para o total de 2003, atingiu-se uma TEF de 83,53%, e no período 2000-2003, a TEF foi de 75,16%. Assim sendo, tudo leva-nos a crer que as dotações financeiras previstas pela UE como apoio à política não estão a ser plenamente utilizadas. QUADRO 9 MAAs – execução comparativa com base em diferentes decisões (Em €) MAA – Despesa pública Período Execução Programação da Decisão C no 3.368, de 2000 2000-2003 Taxa de execução1 diante da Decisão C no 3.368, de 2000 Taxa de execução1 diante da Decisão C no 2.665, de 2003 (%) 2000-2003 2000-2003 2000-2006 2000-2003 2000-2006 Ruris 126.256.584 – – – – 163.917.000 499.719.000 77,02 25,27 Compromissos anteriores 250.176.499 – – – – 248.033.000 248.032.000 100,86 100,86 78,56 46,19 411.950.000 747.751.000 91,38 50,34 Total no ano 376.433.083 479.180.000 814.982.000 2000-2003 2000-2006 Programação da Decisão C no 2.665, de 2003 2000-2006 Fontes: IDRHa e PDRu 2000-2006. Nota: 1 Despesa pública executada (incluindo adiantamentos)/Despesa pública programada. Obs.: Montantes referentes ao ano Feoga – Garantia. No caso da Decisão C (2000), a informação não está discriminada por Ruris e compromissos anteriores; por isso, só é possível efetuar a taxa de execução para o valor agregado. Com base no quadro 10, pode-se concluir que a execução financeira da Intervenção das Medidas Agroambientais (IMAAs) encontra-se abaixo do programado. É, no entanto, provável que as alterações introduzidas pela Portaria no 1.212/2003 39 possibilitem atenuar a situação nos anos seguintes. 38. Ver Bazílio (2007). 39. A Portaria no 1.212/2003 (DR no 240, 1a Série-B, de 16 de outubro de 2003) aprova o Regulamento de Aplicação da IMAA, do Ruris. Este apresenta alterações relativas ao aumento do montante de ajudas às pequenas explorações, ao aumento das majorações em caso de cumprimento de compromissos adicionais, à ajuda à comercialização e ao alargamento de novas culturas (PI, produção integrada e agricultura biológica), à supressão de alguns compromissos e ao reforço de outros, à simplificação de procedimentos e medidas, à aplicação de novas medidas e novos planos zonais e à supressão de algumas medidas. Território e Políticas Públicas... 33 3.3 Avaliação da cobertura da SAU de vinha do Alentejo Nesta subseção, pretende-se apurar a forma como a execução da política tem evoluído no que interessa à cobertura da SAU de vinha do Alentejo. GRÁFICO 1 SAU de vinha – região agrária do Alentejo 20.000,00 15.000,00 Hectares 10.000,00 5.000,00 0,00 1996 2003 Alentejo Alentejo – PI Fontes: INE – Estatísticas Regionais da Produção Vegetal e Animal 1990-2000 e Inquérito à Estrutura das Explorações Agrícolas 2003, MADRP-Draal, DGDR e Ateva. Elaboração dos autores. Como é possível verificar com o auxílio do gráfico 1, a própria SAU de vinha do Alentejo sofreu durante o período em análise um acréscimo de 5.361 hectares. É, no entanto, notório que a MAA/PI no decorrer do período tem demonstrado um bom nível de aceitação por parte dos vitivinicultores, uma vez que conseguiu evoluir de uma taxa de cobertura40 da SAU de vinha do Alentejo pela PI de 9,03%, em 1996, para uma de 74,43%, em 2003. Estes resultados mostram que, de fato, têm sido relevantes os esforços desenvolvidos para melhorar a execução da medida, mas também transmitem a ideia de que ainda existe um potencial para crescimento e que devem ser realizados esforços no sentido de o explorar. 3.4 Avaliação da contribuição da MAA/PI no contexto global da política Segundo a PDRu 2000-2006, o valor previsto para o período 2001-2003, na região do Alentejo, indicava um total de 2.681 beneficiários para a PI e um de 4.529 beneficiários para as MAAs. Contudo, pelos dados efetivamente apurados, refletidos no quadro seguinte, tais valores não foram completamente atingidos. 40. Taxa de cobertura = (no de hectares abrangidos pela PI/SAU de vinha do Alentejo) *100. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 34 QUADRO 10 Número total de beneficiários – 2001, 2002 e 2003 – NUTS II Medida Total das MAAs1 PI Vitininícula3 PI1,2 Norte – 6.945 40.029 Centro – 2.460 15.236 Lisboa e Vale do Tejo – 108 165 Alentejo 1.348 2.130 3.773 Algarve – 176 2.015 Continente – 11.819 61.218 Elaboração dos autores. Notas: 1 PDRu 2000-2006, IFADAP e Inga. Dados disponibilizados respeitantes à campanha de 2003 – 2a confirmação de 2001, 1a confirmação de 2002 e candidaturas de 2003; ou seja, em 2003, os dados não estão estabilizados. 2 PI – proteção integrada. 3 IFADAP, IDRHa e Ateva. Dados apurados neste estudo (estabilizados). No entanto, é de referir que, para o período e a região considerada, o número total de beneficiários da PI vitivinícola representava 63,28% de seu total e 35,73% do das MAAs. Nesta base, podemos assumir como relevante a contribuição da execução da PI vitivinícola para o resultado final deste indicador. No que concerne ao número de hectares abrangidos, mais uma vez, a previsão efetuada no PDRu 2000-2006, que indicava a direção de se atingir para a PI como uma superfície de 37.869,07 hectares e para as MAAs, uma superfície de 137.316,19 hectares, foi um pouco aquém do que efetivamente conseguimos apurar. QUADRO 11 Número de hectares abrangidos – 2001, 2002 e 2003 – NUTS II PI vitivinícula2 PI1 Total das MAAs1 Norte – 34.507,19 134.471,48 Centro – 12.711,51 54.441,80 Medida – 1.099,01 1.995,95 Alentejo 16.560,55 30.082,98 114.395,28 Algarve – 1.697,53 12.713,74 Continente – 80.098,22 318.018,25 Lisboa e Vale do Tejo Elaboração dos autores. Notas: 1 PDRu 2000-2006, IFADAP e Inga. Dados disponibilizados respeitantes à campanha de 2003 – 2a confirmação de 2001, 1a confirmação de 2002 e candidaturas de 2003; ou seja, em 2003, os dados não estão estabilizados. 2 IFADAP, IDRHa e Ateva. Dados apurados neste estudo (estabilizados). À semelhança do verificado com o número total de beneficiários, o peso relativo do número de hectares abrangidos pela PI vitivinícola na região do Alentejo apresenta-se relevante, atingido uma cobertura de 55,05% da área de PI e uma de 14,48% da área total das MAAs nesta região. Referente ao nível médio da ajuda por beneficiário, não foram encontradas previsões para estes valores, sendo de referir que os valores registados para a PI vitivinícola mostram que os vitivinicultores do Alentejo receberam abaixo da média verificada para a MAA/PI e as MAAs. Território e Políticas Públicas... 35 QUADRO 12 Nível médio da ajuda por beneficiário – 2001, 2002 e 2003 (Em €) PI vitivinícula2 PI1 Total das MAAs1 Norte – 1.037,57 617,51 Centro – 1.302,97 717,44 Medida – 2.140,50 2.272,40 Alentejo 1.343,59 1.999,58 2.559,83 Algarve – 3.418,02 852,83 Continente – 1.311,71 774,29 Lisboa e Vale do Tejo Elaboração dos autores. Notas: 1 PDRu 2000-2006, IFADAP e Inga. Dados disponibilizados respeitantes à campanha de 2003 – 2a confirmação de 2001, 1a confirmação de 2002 e candidaturas de 2003; ou seja, em 2003, os dados não estão estabilizados. 2 FADAP, IDRHa e Ateva. Dados apurados neste estudo (estabilizados). No entanto, é de salientar-se que embora o indicador em termos médios possa-se mostrar inferior, este é resultado de uma média aritmética simples dos valores obtidos nos últimos três anos, e que, no caso da PI vitivinícola, quando apenas analisamos o nível médio de cada ano individualmente, apuramos que se verifica uma tendência crescente, na qual o valor deste indicador apenas em 2003 indica um nível médio de €$ 1.991,30, ou seja, quase idêntico ao nível médio da PI. 4 Conclusões As políticas públicas de desenvolvimento rural representam um pilar da nova utilidade que a Europa reconhece ao seu espaço rural, nomeadamente, no nível da conservação do ambiente. A forma como os objetivos da política em estudo são definidos nos documentos preparatórios, na regulamentação e em toda sua “arquitetura” indicam uma preocupação crescente com o aumento de eficácia ambiental da política; particularmente, na conservação da natureza e do espaço rural. No decorrer do estudo de avaliação orientado para o setor vitivinícola da região do Alentejo, em Portugal, presente neste artigo, não foram detectadas orientações genéricas da política que contemplassem diretamente e especificamente cada território. Esta situação não se altera sequer para os territórios na região estudada, classificados como sub-regiões vitivinícolas. Dessa forma, tudo indica que a diversidade dos territórios e a especialização produtiva em questão não correspondam a objetivos específicos relativos à melhoria da competitividade territorial e ao desenvolvimento rural. No que se refere à distribuição territorial da medida, foi possível verificar que o distrito de Évora é o distrito com maior impacto a nível de execução da política, seguido dos distritos de Beja e Portalegre. O distrito de Setúbal, por seu vez, não regista bons níveis de execução. 36 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 No distrito de Évora, é também possível verificar que a execução é bastante mais dispersa e equilibrada por todos os concelhos, dos quais apenas quatro de catorze não registram quaisquer níveis de execução. No caso dos distritos de Beja e Portalegre, a execução aparece principalmente concentrada nos seus respectivos concelhos, registrando, aos restantes concelhos destes distritos, níveis de execução muito modestos ou inexistentes. Para a MAA/PI, ao longo do período estudado, foi possível verificar que as tendências registadas no nível da execução mostraram-se bastante idênticas nos distritos de Beja, Évora e Portalegre. Para além de um contexto de expectativas dos beneficiários constantemente em alteração, verificou-se que a estrutura da política e sua gestão têm condicionado de certa forma a execução. Contudo, esta avaliação de execução intercalar é marcada por resultados importantes e positivos no estímulo da PI. Estes resultados de execução são portadores de potencial de transformação e impactos ambientais importantes. É de referir-se, também, que as organizações de agricultores (OA) confirmaram sua importância para o aumento da adesão, sendo de salientar-se a via da promoção e os esclarecimentos. Essa intervenção das MAAs foi também marcada por uma aplicação, por vezes até preferencial, nas zonas da Rede Natura 2000, o que significa que o design da política também orientou-se para territórios de maior importância do ponto de vista ambiental. Apesar dos objetivos serem formalmente de natureza ambiental, pode-se também constatar com esta avaliação que a política tem poucos referenciais territoriais de eficácia ambiental, não tendo por isto sido definidas referências que permitiriam uma avaliação da eficácia e eficiência devidamente quantificadas. Da análise efetuada por meio dos indicadores territoriais selecionados, foi possível reconhecer a incidência territorial da MAA/PI. Assim sendo, os territórios mais beneficiados pela medida são os concelhos de Vidigueira, Reguengos de Monsaraz, Borba, Redondo, Évora e Portalegre, sendo o somatório da sua execução responsável por 93,85% do número total de beneficiários, 89,96% do total da área abrangida e absorvendo 91,03% do total de ajudas de toda a região do Alentejo. Desses concelhos, já com uma longa tradição vitivinícola, é de salientar-se que o concelho da Vidigueira é o concelho que apresenta o maior número de beneficiários e o concelho de Borba é o que tem a maior área de execução e que se beneficia de mais ajudas, seguido de muito próximo pelo concelho de Reguengos de Monsaraz. Território e Políticas Públicas... 37 Foi possível verificar que, na grande maioria das regiões agrícolas, são normalmente predominantes explorações de pequena dimensão e com atividades acentuadamente diversificadas para além da vitivinicultura.41 Este fato originou que a distribuição das ajudas pelas explorações agrícolas seja fortemente influenciada pelas suas maiores ou menores vocações vitivinícolas, existindo, portanto, territórios na raia alentejana que não registraram quaisquer níveis de execução. No entanto, é de salientar-se que foram detectados territórios, nomeadamente nos concelhos de Mourão (Granja) e Moura (Amareleja), classificados como subregiões vitivinícolas, que nos levam a crer não terem se beneficiado de forma relevante da política quando comparados com seu potencial vitivinícola implícito. É notório que, no decorrer do período estudado, a política tem demonstrado um bom nível de aceitação por parte dos vitivinicultores, uma vez que conseguiu evoluir de uma taxa de cobertura da SAU de vinha do Alentejo pela PI de 9,03%, em 1996, para uma de 74,43%, em 2003. Do exposto, parece lícito referir a existência de um elevado interesse relativamente à política, mas também sugere que ainda existe a possibilidade de ser incrementada sua respectiva execução, o que poderá passar, em alguns casos, pelo aumento da sua atratividade, pelo repensar dos valores de ajuda e, até mesmo, pela reformulação pontual ou global em perspectiva mais territorializada. 4.1 Sugestões Com este estudo, pretendeu-se contribuir para uma visão diferente e inovadora sobre a MAA/PI e, até mesmo, possibilitar que decisões políticas utilizem investigação acadêmica, uma vez que, à luz dos resultados obtidos, é possível contribuir para avaliar a pertinência da estratégia adotada e ter uma base de orientação para futuras negociações no nível da revisão de novos objetivos e estratégias a aplicar às novas candidaturas. Neste sentido, no quadro 13, são apresentadas algumas sugestões relevantes, para que possam ser tidas em consideração em momentos futuros de revisão desta política pública. QUADRO 13 Linhas nas quais se assentam as principais sugestões do estudo Sugestões Comentários É importante procurar o aumento da respectiva eficácia por via de uma definição 1. Iniciar um trajeto de territorialização da mais precisa, coordenada e até georreferenciada dos objetivos ambientais e de MAA/PI para o setor vitivinícola desenvolvimento rural específicos da região e do setor, adotando também uma coerência de integração com as restantes MAAs 2. Criar condições para uma renovação da Esta renovação teria na sua base quer a simplificação, quer a territorialização dire- estrutura operacional da medida cionadas para a obtenção de efeitos nos níveis ambiental, setorial, rural e regional (Continua) 41. Cf. INE. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 38 (Continuação) Sugestões 3. Complementar processos de gestão e Comentários Dessa forma, seria possível incluir no processo de tomada de decisão mais do que decisão da medida, com base na renovação/ as atuais condições de elegibilidade, conduzindo, assim, a uma aferição sobre a simplificação e territorialização valia de cada candidatura para cada região 4. Otimizar o papel das organizações e asso- Principalmente na gestão processual do programa, aproveitando a dinâmica já ciações de agricultores do setor vitivinícola 5. Analisar a viabilidade para aumentar a atratividade das ajudas criada por estas entidades no nível da promoção da MAA/PI Por meio do seu aumento para níveis superiores 6. Analisar a viabilidade de ser considerado o papel da PI no quadro de objetivos dos Preferencialmente quando da revisão dos objetivos de conservação destas zonas planos zonais 7. Reestruturar a informação associada à medida É importante que seja recolhida, tratada e disponibilizada mais rapidamente e frequentemente, bem como estar associada a formas de comunicação e interação com os beneficiários Disponibilizar, atualizar e aumentar o nível de informação relativa à execução da 8. Melhorar a informação disponível para a medida que permita conhecer, em qualquer momento, o estado das candidaturas gestão e execução da MAA/PI e os valores desagregados dos vários indicadores territoriais por unidade administrativa ou território Elaboração dos autores. Território e Políticas Públicas... 39 referências ANDRADE, I. R. A avaliação e a monitoria na abordagem sistémica. Revista de Ciências Agrárias, Lisboa, v. XI, n. 2, p. 31-40, 1988. ______. Avaliação de actividades em extensão rural: filosofia e elementos caracterizadores. Economia e Sociologia, Évora, n. 50, p. 65-83, 1990a. ______. A monitoria em extensão rural: recolha, circulação e periodicidade da informação. 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Posteriormente, foi criado o Programa Bolsa Família (PBF), tendo o valor dos benefícios pagos às famílias sido incluído neste trabalho como mais um agente constitutivo da economia sem produção. Estas três fontes representam a maior fonte de renda do semiárido, muito superiores ao tradicional setor agropecuário da região. Chegamos, assim, ao mesmo resultado encontrado por Gomes em seu livro. Entretanto, constatamos que houve considerável crescimento das transferências em relação a outros indicadores como a massa salarial total, transferência por habitante, emprego público em relação ao emprego formal total, entre outros indicadores econômicos e sociais, no período 1997-2005. Corrigindo pela inflação os valores encontrados para os aposentados e funcionários públicos para 2007, e somando-os ao valor dos benefícios do PBF, observa-se que a economia sem produção praticamente dobrou de tamanho em relação à primeira estimativa feita dez anos antes. Palavras-chave: Economia sem Produção; Semiárido; Programa Bolsa Família. Income transfers and public employment in the economy without production of Brazil´s Northeast semi-arid This paper attempts to estimate income transfers to Northeastern semi-arid region in Brazil, which constitutes an “economy without production”. It departures from a previous work by Gomes (1997) and makes an actualization of both data basis and analysis. The income transfers considered by Gomes included civil servants and pensions and in this paper it was added those represented by the “Bolsa Familia” Program. These three income sources represent an amount which is greater than the traditional primary sector of the region. During the period 1997-2005 the income transfers increased meaningfully and nowadays the “economy without production” practically doubled. Key words: Economy without Production; Brazil’s Northeast Semi-arid; Programme “Bolsa Familia”. * Graduado em Economia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). E-mail: [email protected] ** Professor associado do Departamento de Economia da UFPE e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). E-mail: [email protected] planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 46 Las transferencias de ingresos y el empleo público en la economía sin producción de la región árida del Nordeste brasileño Este artículo busca medir el tamaño de los ingresos de las transferencias directas de renta por el Gobierno Federal para la región árida del Nordeste Brasileño. El capitulo 5 del libro “ Velhas Secas em Novos Sertões” (2001) de Gustavo Maia Gomes es la principal referencia para este trabajo que busco actualizar los datos encontrados por Gomes en 1997. En ese trabajo se definía la “economía sin producción” como compuesta por los rendimientos de los jubilados y de los empleados del sector público. Más tarde fue criado el Programa “Bolsa Família” (Becas para las Famílias de Bajo rendimiento), que constituye mas un elemento de esta economía sin producción. Estas tres fuentes representan la mayor entrada de ingresos en la región en foco, mucho mayor que el sector tradicional agropecuario. El trabajo ratifica los mismos resultados encontrados por Gomes en su libro. Sin embargo, se constata que hubo un considerable crecimiento de estas transferencias con relación al crecimiento de la población y al empleo formalizado, en el período de 1997 al 2005. Si se hace la corrección de la inflación, los valores encontrados para los jubilados y para los empleados en instituciones del sector público, para 2007, acrecido del valor de las “ Bolsas Famílias”, casi se duplicó en tamaño el valor con relación a la primera estimación realizada diez años antes. Palabras-clave: Economía sin Producción; Región Árida del Nordeste Brasileño; Programa “Becas para las Famílias”. Transfers de revenus et emplois publiques dans l´économie sans production au semi-aride du nord-est du Brésil Cet article essaye de mesurer la quantité de revenus transferés pour la région semi-aride du nordest, qui est connue comme “l´economie sans production”. Il a pour reference le livre “Vidas secas em novos sertões” de Gustavo Maia Gomes (1997). Dans le travail de Gomes, on définissait “l´economie sans production” comme celle constituée par les salaries des retraités et des fonctionnaires publics. Mais ensuite, on a crée le programme “bolsa família”, et les valeurs payées pour les familles ont eté prises em consideration comme un facteur qui constitue l´economie sans production. Ces trois sources sont les plus importantes du nord-est, plus importantes que l´agriculture et l´élevage. Alors, on a trouvé le meme resultat final que Gomes dans son travail. Mais nous constatons que il y a eu une croissance considerable des tranferts en relation à d´autres indicateurs, comme la masse salarial total, transfert par habitant, emploi public en relation a l´emploi formel total parmi d´autres indicateurs economiques ou sociaux, entre 1997 et 2005.L´economie sans production a pratiquement doublé par rapport à la premiere estimacion faite il y a dix ans. Mots-clés: Économie sans Production; Semi-aride du Nord-est du Brésil; Programme Bourse Famille. 1 INTRODUÇÃO O semiárido nordestino é uma região que ao longo do século XX não conseguiu deixar de ser uma zona com baixa renda e diversos problemas sociais e econômicos, recebendo investimentos muitas vezes de caráter pouco produtivo e emergencial nas frentes de trabalho toda vez que ocorria uma grande estiagem. Mesmo com a criação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), os investimentos ficaram mais concentrados na região litorânea. Consequência da maior atenção dada à criação de indústrias, em que as grandes regiões metropolitanas da região Nordeste foram grandes beneficiadas. Transferências de Renda e Empregos Públicos.... 47 Durante a década de 1980, houve um aumento significativo de transferências de renda direta para a região, com o aumento na criação de municípios e, consequentemente, o aumento do emprego público e a regulamentação das aposentadorias rurais estabelecidas pela Constituição Federal de 1988. Estas transferências tiveram novo aumento no fim dos anos 1990 com a criação de programas de transferências de renda direta que hoje estão agrupados no que chamamos de Programa Bolsa Família (PBF). A região semiárida recebe quantia significativa em forma de transferências de renda direta se comparada com o tamanho do seu produto interno bruto (PIB); porém, ainda é a região com os piores indicadores sociais do país e economia atrasada, exceto por alguns polos de desenvolvimento isolados. Boa parte do dinheiro arrecadado com os tributos do país destina-se exatamente para uma destas vias de renda: o salário dos funcionários públicos, as aposentadorias e os benefícios pagos pelo Programa Bolsa Família. Esses meios de aplicação da verba não são exclusivos do Nordeste, ou seja, as transferências intergovernamentais, o emprego público, as aposentadorias e o Bolsa Família abrangem todo o país; então por que estudar seu tamanho na região do semiárido? Porque, em razão da natureza econômica e social da região, essas fontes de renda assumem tamanho considerável se comparadas com o restante do PIB do semiárido, fazendo que sejam a maior fonte de renda da economia local, e como estas não têm, ou têm muito pouca, contrapartida produtiva, pode-se dizer que são os principais agentes constitutivos da economia sem produção. E o que seria economia sem produção? Renda e produto têm uma relação estreita; definidos de maneira correta, são idênticos. Porém, na prática, estes não apenas podem diferir como frequentemente o fazem em determinados espaços geográficos, como no exemplo histórico da Espanha colonial, quando lá havia muita renda, por causa do ouro trazido da América e da pouca produção. No caso do semiárido, existe pouca renda e quase nenhuma produção, pois a região recebe quantidade significativa de recursos, sem contrapartidas produtivas significantes, por intermédio dos meios já citados. Ou seja, continua a receber mais recursos de caráter não produtivo, ou pouco produtivo, do que de outro tipo. Porém, continua tendo péssimos indicadores sociais, apesar de alguns recentes avanços. Tais transferências não sustentam pessoas com padrões de vida elevados. Porém, provavelmente, não é a melhor escolha para promover-se um desenvolvimento econômico e sustentável da região. Como mostram-nos casos do polo de fruticultura do São Francisco, do polo de calçados de Sobral, entre outros poucos exemplos, que estão incrustados no meio do sertão, em que incentivos fiscais e investimentos em infraestrutura geraram polos econômicos modernos e dinâmicos. Assim, parece mais vantajoso para o semiárido receber mais incentivos à produção do que transferências de renda que têm pouca capacidade de gerar desdobramentos sustentáveis de renda e emprego. 48 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 Enfim, o desafio deste trabalho será mensurar qual a proporção dessas transferências em relação ao produto econômico da região, procurando atualizar os dados já encontrados por Gustavo Maia Gomes (2001) no livro Velhas secas em novos sertões, a grande inspiração para este trabalho que será frequentemente citado no seu decorrer. Vale notar que, além da atualização, faz-se também a inclusão do Programa Bolsa Família, que não estava presente, por então não existir no trabalho de Gomes. Este trabalho esta dividido em cinco seções, a seção um é esta introdução; em seguida, na seção dois, será realizada uma breve recuperação de visões teóricas sobre estratégias de desenvolvimento regional. Na seção três, será apresentada a região semiárida com breve contexto histórico e a situação em relação aos diversos índices econômicos, geográficos e sociais para o ano de 2005. Na seção quatro, será analisada os quatro agentes constituintes da economia sem produção, o Programa Bolsa Família, os aposentados, as transferências intergovernamentais e o emprego público. Na seção cinco, serão efetuadas as conclusões. No anexo deste trabalho, encontra-se uma descrição dos dados utilizados e de suas respectivas fontes. 2 ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL: BREVES CONSIDERAÇÕES Na literatura econômica, encontra-se, de forma relativamente bem sedimentada, a discussão sobre estratégias de desenvolvimento regional a partir da utilização de políticas regionais. As ideias básicas que justificam a adoção de tais políticas encontram-se nos trabalhos de autores como G. Myrdal, F. Perroux e A. Hirschmam, entre vários outros. Emana daí princípios conhecidos como os de causação circular, polos de desenvolvimento, efeitos de encadeamento etc. De tais estudos e proposições derivou-se a ideia de que a industrialização teria um papel importante a desempenhar no processo de expansão econômica pelos seus efeitos dinâmicos sobre a estrutura produtiva. Daí a importância atribuída às políticas voltadas ao fomento da industrialização, notadamente a partir dos anos 1950. Segundo Uderman (2008, p. 235). As proposições de Perroux (1977); Myrdal (1960) e Hirschman (1958), evidenciando a relevância da complementaridade dos projetos instalados, apóiam-se na compreensão da importância dos requisitos de escala para o êxito dos projetos industrializantes. O argumento em defesa da incisiva ação pública dirigida para o desenvolvimento regional, por sua vez, parte da crença na necessidade de um impulso desenvolvimentista inicial. De forma articulada com essas visões teóricas e proposições, alinha-se a concepção desenvolvimentista que busca a superação do subdesenvolvimento por meio da industrialização capitalista coordenada pelo planejamento estatal. Isto porque seria difícil atingir um nível eficiente de industrialização espontaneamente, por meio das forças do mercado, em vista das limitações das bases técnicas e financeiras das regiões e dos países menos desenvolvidos. Transferências de Renda e Empregos Públicos.... 49 Nos anos mais recentes, em uma conjuntura em que a intervenção estatal perde força em favor do mercado, ganha relevância a formulação de políticas de competitividade, em que o Estado passa a combinar novos papéis e estratégias, incluindo a regulação, que facilitem o desenvolvimento industrial. Neste sentido, o ambiente econômico e a melhoria de suas condições tornam-se variáveis importantes para favorecer o investimento. Os elevados índices de desemprego, a crescente concentração de renda e os resultados pífios alcançados em termos de crescimento econômico indicam a necessidade de avançar na formulação de estratégias de desenvolvimento integradas, em que o Estado desempenha um papel de grande relevância (UDERMAN, 2008, p. 242). Com isso, as políticas estatais assumem caráter mais abrangente, superando a ênfase no apoio à atração de investimentos industriais, em que o conceito de capital social é difundido. Essa nova forma de entender as políticas de desenvolvimento regional, no entanto, não negligenciam a importância do estímulo ao investimento produtivo público e privado, seja em novos empreendimentos, seja em infraestrutura. Na verdade, incorpora esta preocupação com o apoio à formação de capital humano por meio da constituição de mão de obra e da melhoria das condições sanitárias e do desenvolvimento de “(...) instituições locais (normas formais e informais que regulam o ambiente de negócios local) que conduzem a um ambiente mais favorável ao empreendedorismo, pesquisa e inovação” (ALMEIDA, 2009). Em meio a esse entendimento com relação às políticas de desenvolvimento regional, que priorizam a busca de uma melhor distribuição da produção no espaço, há autores que argumentam que o Estado deve buscar a igualdade de oportunidades para as pessoas e, com isto, a chamada questão regional deveria mudar de foco. Nesta linha de entendimento, as políticas deveriam priorizar uma melhoria no nível educacional das regiões mais carentes, em vez de atuar com subsídios ao investimento produtivo para favorecer a distribuição regional da produção. Argumenta-se que uma maior equidade, a longo prazo, favorece um maior nível de crescimento econômico, conforme pode ser visto, por exemplo, no World Development Report 2006: equity and development. Tendo em conta os argumentos anteriores e entendendo como mais apropriada à linha teórica que defende a adoção de políticas regionais, este trabalho vai discutir a chamada economia sem produção no semiárido nordestino, em que as transferências de renda e o emprego público assumem elevada importância, tentando mostrar que tal estratégia é menos sustentável do que outra que combine de melhor forma e preponderantemente a estruturação de atividades produtivas, incluindo a promoção de inovações com programas assistencialistas. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 50 3 O SEMIÁRIDO Desde as primeiras incursões portuguesas pelo interior do Nordeste já se percebia a dureza do clima da região, já que o nome sertão deriva do apelido desertão que os primeiros colonos deram ao semiárido. A primeira atividade econômica da região foi a pecuária, que era subsidiária da atividade produtora de açúcar que ficava no litoral, produzindo alimentos para esta última. A pecuária era de caráter predominantemente extensivo, não havia necessidade de grandes contingentes de força de trabalho. Não havia, nesta atividade, a prática disseminada do assalariamento, recebendo o vaqueiro uma parte da produção da fazenda. O longo período de atrofiamento pelo qual passou a economia nordestina, do fim do século XVII e começo do século XIX, teve como resultado o afrouxamento do efeito dinâmico externo sobre a pecuária, o que a levou a apoiarse cada vez mais no setor de subsistência. Na segunda metade do século XVIII, houve mudanças profundas na economia semiárida com o início da produção do algodão. O cultivo deste transformou as relações sociais da região, levando a certo dinamismo e monetarização da economia. Porém, o auge das exportações foi muito curto, assim que terminou a guerra da secessão americana, a produção do Sul dos Estados Unidos reapareceu no mercado externo, diminuindo consideravelmente o espaço do algodão nordestino, ficando este mais restrito ao mercado interno. A partir daí, a cultura do algodão continuou importante para o semiárido, mas não era pujante o suficiente para desenvolver toda a região. Até meados do século XX, não houve grandes transformações na economia da região semiárida, apesar de que, em alguns estados como o Rio Grande do Norte (RN), a mineração tenha se tornado uma atividade importante. Tanto que Celso Furtado descreveu que a economia do semiárido, no relatório do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), ainda era constituída por estas três atividades: a pecuária, a produção de alimentos e o algodão. O que houve foi uma certa estagnação econômica, que em parte pode ser creditada às adversidades climáticas da região “De acordo com os registros históricos, houve 85 anos de seca nos séculos XVIII, XIX e XX. Isso significa pouco mais de dois anos e meio de inverno normal, para um de seca” (GOMES, 2001, p. 70). A cada nova seca, a produção agropecuária, em certo grau, era prejudicada; em algumas secas, chegou a ser praticamente dizimada. Isto agravava a pobreza e a miséria da região, gerando também fluxos migratórios. O subsídio governamental à emigração de nordestinos para outras regiões chegou a ser prática corrente na seca de 1888-1889. A cada nova seca, eram criadas frentes Transferências de Renda e Empregos Públicos.... 51 de trabalho para obras emergenciais como construções de açudes e reservatórios de água. Porém, na verdade, estas obras eram mais uma ajuda financeira para que a população, que perdera tudo na seca, tivesse alguma renda que permitisse pelo menos a compra de alimentos. Em 1959, foi criada a Sudene, que visava diminuir as diferenças regionais existentes no país. De forma geral, a Sudene alcançou resultados satisfatórios; a economia nordestina cresceu a um ritmo maior do que a economia brasileira, diminuindo um pouco a diferença entre a média dos produtos per capita regional e nacional. Porém, os esforços da Sudene foram concentradores de renda, tanto do ponto de vista das classes sociais como do ponto de vista espacial. Dando preferência ao desenvolvimento de indústrias no Nordeste, acabou deixando um pouco de lado a questão rural, que só teve mais atenção a partir do fim da década de 1970. Ao priorizar indústrias, principalmente de bens complementares, a Sudene ajudou a tornar as regiões metropolitanas de Fortaleza, Recife e Salvador, mais ainda, os grandes polos econômicos dos respectivos estados e com área de influência que atingia outros. Para o semiárido, os investimentos e incentivos fiscais concentraram-se em alguns poucos polos de desenvolvimento como o polo de fruticultura irrigada de Petrolina e de Mossoró-Açu e o polo de calçados de Sobral. Nestas cidades, desenvolveu-se um setor privado com alta produtividade que em pouco lembra o setor privado das outras cidades da região. Ainda na década de 1980, o algodão teve sua participação na economia bastante reduzida. Foram determinantes para a crise na economia algodoeira a desorganização provocada pela grande seca de 1979-1983, a ocorrência da praga do bicudo do algodoeiro e o subsídio à produção de algodão em outros países como o Egito, em que o setor têxtil do Nordeste passou a importar o produto. Nessa década, o setor de mineração também passou por problemas em razão das oscilações dos preços no mercado externo. Atualmente, a economia do semiárido passa por processo de reorganização econômica. Novas atividades começam a aparecer no cenário econômico da região como indústrias leves que vão sendo interiorizadas, atividades centradas na agricultura irrigada, exploradas nas regiões que tem melhor dotação de recursos e água. Porém, as atividades tradicionais de baixa eficiência e produtividade ainda predominam na região como um todo. No mapa 1, temos a nova delimitação da região semiárida, determinada pelo Ministério da Integração Nacional (MI). Como este trabalho analisa o semiárido nordestino, os municípios de Minas Gerais (MG) serão excluídos. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 52 MAPA 1 Mapa da região semiárida Fonte: Brasil (2007a). Nas tabelas 1 e 2, estão alguns dados geográficos, populacionais e econômicos sobre a região semiárida em relação ao Nordeste, para 2005, por estados. TABELA 1 Indicadores demográficos e geográficos do Nordeste e de sua região semiárida – unidades de Federação (UFs) do Nordeste, região Nordeste, 2005 População (1.000) UF Total RSA 2 Número de municípios Estado (%) Total RSA Área (km²) Estado (%) 2 Total RSA2 Estado (%) AL 3.016 885 29,3 101 38 37,6 27.819 12.687 45,6 BA 13.815 6.686 48,4 415 265 63,9 564.273 393.056 69,7 56 184 81,5 145.712 126.515 CE 8.097 4.538 MA1 6.103 – PB 3.596 2.012 223 – 56 223 150 – – 170 76,2 331.983 56.341 – 48.758 86,8 – 86,5 (Continua) Transferências de Renda e Empregos Públicos.... 53 (Continuação) População (1.000) UF Total Número de municípios Estado (%) RSA2 Total Área (km²) Estado (%) RSA2 Total RSA2 Estado (%) PE 8.414 3.423 40,7 185 122 65,9 98.527 86.710 88 PI 3.007 1.008 33,5 221 127 57,5 251.312 150.454 59,9 RN 3.003 1.681 56 166 147 88,6 53.077 49.590 93,4 SE 1.968 430 21,8 75 29 38,7 21.962 11.176 50,9 51.019 20.662 40,5 1.793 1048 58,4 1.551.006 878.946 56,7 NE Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Elaboração dos autores. Notas: 1 O Maranhão (MA) não apresenta nenhum município na região semiárida. 2 Região semiárida (RSA). TABELA 2 Indicadores econômicos do Nordeste e de sua região semiárida – unidades federativas do Nordeste, região Nordeste, 2005 PIB per capita (R$) PIB (milhões) UF Estado RSA2 Estado (%) Estado RSA2 Estado (%) AL 14.135 2.897 20,5 4.686,69 3.275,19 69,9 BA 90.943 23.888 26,3 6.582,76 3.572,97 54,3 CE 40.923 15.351 37,5 5.053,98 3.382,97 66,9 MA1 25.326 – – 4.149,52 – – PB 16.864 6.777 40,2 4.689,86 3.368,29 71,8 PE 49.904 12.234 24,5 5.931,33 3.573,68 60,3 PI 11.125 2.593 23,3 3.699,81 2.572,98 69,5 RN 17.862 7.716 43,2 5.947,97 4.590,36 77,2 SE 13.422 2.496 18,6 6.820,93 5.808,03 85,2 NE 280.504 73.954 26,4 5.498,03 3.579,17 65,1 Fonte: IBGE. Elaboração dos autores. Notas: 1 MA não apresenta nenhum município na região semiárida. 2 Região semiárida (RSA). Pela tabela 1, a população na região semiárida corresponde a 40% da população total, 58,4% dos municípios do Nordeste estão na região semiárida, e isto corresponde a 56,7% de toda a área da região. Os estados do Ceará (CE), RN, Paraíba (PB) e Pernambuco (PE) têm mais de 80% do seu território na região semiárida. Na tabela 2, temos os valores do PIB e do PIB per capita da região Nordeste e do seu semiárido. Podemos ver que no caso do Rio Grande do Norte, por exemplo, 43,2% das riquezas geradas pelo estado ficam na região semiárida. O que sugere forte concentração espacial do PIB, já que os outros 56,8% da produção ficam em uma área que corresponde a apenas 6,6% do território Potiguar. O Rio Grande do Norte é o exemplo mais claro desta desigualdade, mas está presente, em maior ou menor grau, para todos os outros estados da região que possuem municípios no semiárido. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 54 Na tabela 3, temos o Nordeste (NE) não mais dividido em estados, mas nas regiões semiárida e fora do semiárido, além dos valores para toda a região Nordeste e o Brasil. Esta será a divisão de regiões predominante neste trabalho. TABELA 3 Indicadores geográficos e populacionais – Nordeste semiárido, Nordeste fora do semiárido, Nordeste e Brasil, 2005 Região População (1.000) Número de municípios Área (km²) Densidade demográfica (hab/km²) NE semiárido 20.662 1.048 878.973,3 23,51 NE fora do semiárido 30.357 745 672.032,7 45,17 Nordeste 51.019 1.793 1.551.006,0 32,89 184.184 5.564 8.514.676,5 21,63 Brasil Fonte: IBGE. Elaboração dos autores. Na tabela 3, podemos observar que a densidade demográfica da região fora do semiárido é maior do que a da região semiárida e do Brasil, o que nos mostra que há uma concentração populacional elevada na pequena faixa territorial que fica localizada próxima ao litoral. A densidade demográfica da região fora do semiárido, dos estados que possuem municípios no semiárido, ou seja, excluindo o Maranhão do cálculo, seria de 89,27 hab/km². Quase quatro vezes maior que a densidade demográfica do semiárido e do Brasil. Ou seja, nestes estados, fica clara a forte concentração da população na pequena parte do território livre das condições climáticas adversas do semiárido nordestino. Na tabela 4, temos o PIB e o PIB per capita das quatro regiões, o PIB do Nordeste corresponde a 13% do Brasil e a região é responsável por 28% da população do país. O produto do semiárido corresponde a 3% do PIB nacional e a região é responsável por 11% da população total do país. Podemos, assim, ver a desigualdade regional da região Nordeste em relação ao Brasil e da região semiárida em relação ao Nordeste. Na tabela 5, vemos o PIB, em valores absolutos, desagregado pelo valor adicionado do setor agrícola, valor adicionado do setor industrial, valor adicionado do setor de serviços, em que está incluído o valor adicionado da administração pública, e valor adicionado dos impostos sobre produtos líquidos de subsídios, para o ano de 2005. TABELA 4 PIBs – Nordeste semiárido, Nordeste fora do semiárido, Nordeste e Brasil, 2005 Valor total Brasil (%) Valor total Brasil (%) 73.954 3,44 3.579,17 30,70 206.551 9,62 6.804,08 58,36 280.504 13,06 5.498,03 47,16 2.147.239 100 11.658,10 100 NE semiárido NE fora do semiárido Nordeste Brasil PIB per capita (R$ milhões) PIB (R$ milhões) Região Fonte: IBGE. Elaboração dos autores. Transferências de Renda e Empregos Públicos.... 55 TABELA 5 Valor adicionado do PIB – Nordeste semiárido, Nordeste fora do semiárido, Nordeste e Brasil, 2005 Região NE semiárido NE fora do semiárido Nordeste Brasil Valor adicionado (R$ milhões) PIB (R$ milhões) Agrícola Industrial Serviços Impostos 8.342 14.851 44.977 5.784 73.954 11.545 48.727 117.302 28.976 206.551 19.888 63.578 162.278 34.761 280.504 105.163 539.316 1.197.774 304.986 2.147.239 Fonte: IBGE. Elaboração dos autores. Na tabela 6, temos o valor adicionado dos setores como porcentagem do PIB. O que se pode ver nesta tabela é que o setor de serviços, em que está incluído o valor adicionado da administração pública, é um pouco maior para o semiárido do que para as outras regiões. E que o setor agrícola corresponde a pouco mais de 10% do PIB da região, o que fica significativamente acima dos valores adicionados pelo setor agrícola das outras regiões. Isto mostra a importância do setor para a formação do PIB da região semiárida. TABELA 6 Valor adicionado dos setores como porcentagem do PIB – Nordeste semiárido, Nordeste fora do semiárido, Nordeste e Brasil, 2005 Região NE semiárido Agrícola (%) Industrial (%) Serviços (%) Impostos (%) 11,28 20,08 60,82 7,82 NE fora do semiárido 5,59 23,59 56,79 14,03 Nordeste 7,09 22,67 57,85 12,39 Brasil 4,9 25,12 55,78 14,2 Fonte: IBGE. Elaboração dos autores. E, na tabela 7, temos o valor total da administração pública como porcentagem do setor de serviços e porcentagem do PIB. A administração pública é responsável por quase metade do valor adicionado pelo setor de serviços, um valor bem maior que o das outras regiões. Podemos ver que a participação no PIB do valor adicionado do setor público da região é bem maior se comparada com o restante do Nordeste e o Brasil. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 56 TABELA 7 Valor adicionado da administração em relação ao valor adicionado dos setores de serviços e em relação ao PIB – Nordeste semiárido, Nordeste fora do semiárido, Nordeste e Brasil, 2005 Valor adicionado da administração pública Região Valor total Como porcentagem do setor de serviços Como porcentagem do PIB 20.912 46,5 NE fora do semiárido 30.277 25,81 14,66 Nordeste 51.189 31,54 18,25 277.196 23,14 12,91 NE semiárido Brasil 28,28 Fonte: IBGE. Elaboração dos autores. Por fim, pelos dados apresentados até aqui, vimos uma desigualdade regional entre o PIB do Brasil com o do Nordeste e, também, uma desigualdade na região Nordeste, em que 40% da população espalhada em 56,7% do território da região são responsáveis por apenas 26% do PIB. Vimos que o setor agrícola ainda mantém sua importância no semiárido, sendo responsável por 11% do PIB. Isto faz que a economia da região seja mais vulnerável às condições climáticas do que o Nordeste fora do semiárido, por exemplo. E uma seca de grandes proporções ainda teria um impacto significativo no PIB da região. Também vimos a importância da administração pública na região semiárida. O valor adicionado desta é equivalente a 28% do produto da região, valor bem mais elevado do que o para o restante do Nordeste e o Brasil. E esta é 45% do total do valor adicionado do setor de serviços. É também uma relação bem mais elevada do que o restante do país, o que deixa bem claro a importância da administração pública para a região. E, como veremos no decorrer deste trabalho, grande parte deste valor adicionado vem das prefeituras, que são responsáveis por 94% do emprego público da região. 4 A ECONOMIA SEM PRODUÇÃO Por que economia sem produção? Economia sem produção seria o termo utilizado para caracterizar um aspecto peculiar do semiárido nordestino, o de ter renda, mas não ter, ou ter pouco, produto. Guardadas proporções, uma parte da economia do semi-árido é como a da Espanha dos séculos XVI e XVII (que no apogeu de seu império colonial, vivia em grande estilo, pilhando o ouro da América); tem muita renda e pouco produto. (Ou talvez, no caso nordestino, fosse melhor dizer: pouca renda e quase nenhum produto.). Transferências de Renda e Empregos Públicos.... 57 Os três principais agentes constitutivos dessa economia são os aposentados, os funcionários públicos e as prefeituras. Os aposentados com seus benefícios, os funcionários públicos com seus empregos e seus salários e as prefeituras (assim como as câmaras de vereadores), com seus funcionários permanentes e temporários, com as empresas locais que lhes prestam serviços ou fornecem mercadorias e com os seus recursos financeiros, especialmente, a cota do fundo de participação dos municípios (FPM) (GOMES, 2001, p. 148-149). No período analisado por Gomes, os programas de transferência de renda direta eram dispersos e não eram abrangentes como o Bolsa Família, que é a unificação de programas que já existiam. O presente trabalho incluirá o programa como agente constitutivo da economia sem produção, pois, afinal, seus beneficiários não contribuem produtivamente para receber o benefício. Este estudo será feito para a região do semiárido por causa das características econômicas e sociais da região que fazem que a economia sem produção tome proporção muito grande em relação à economia produtiva. O NE tem uma renda per capita que é pouco menos da metade da renda per capita do país, mas, por sua vez, a região do semiárido tem uma renda per capita que é só um pouco maior do que a metade da renda per capita do NE, em uma matemática simples, é praticamente um quarto da renda nacional. Além disso, 40% da população do semiárido vivem na zona rural, contra um índice de 19% da do Brasil como um todo. Essas duas características fazem que o número de aposentadorias rurais e de benefícios de transferência de renda direta sejam bastante elevados em relação à economia formal da região semiárida, que abrange 21 milhões de pessoas, espalhadas em 1.048 municípios no NE, em uma área de 880 mil km², equivalente à área da Venezuela, com um PIB de 73 bilhões e renda per capita de 3.580 reais em 2005. 4.1 O Programa Bolsa Família Está escrito na Constituição brasileira: “Assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social” (BRASIL, 1988, caput do Artigo 203). Continuando, “A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” (BRASIL, 1988, Artigo 205). E, por fim, no Artigo 194, § primeiro, está garantida a “universalidade da cobertura e do atendimento”. Os programas de assistência social cobrem todo o país; porém, no Nordeste, estes têm um peso muito grande na economia em virtude da situação econômica e social da região. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 58 O Nordeste dispõe de mais de 50% de sua população vivendo abaixo da linha de pobreza, de acordo com a PNUD (2000); sua renda per capita chega a apenas pouco mais da metade da média nacional, os índices de analfabetismo, mortalidade infantil e saneamento básico são os piores do país. Outros indicadores de natureza econômica ou social poderiam ser citados, pois, em praticamente todos, o Nordeste detém os piores, se comparados aos de outras regiões ou com a média nacional (ALENCAR JUNIOR; ALVES, 2006 p. 237). Isso para a região como um todo. Partindo para a parte mais central, o semiárido, a situação de pobreza agrava-se. Este ambiente de penúria é exatamente o alvo das políticas sociais. A região que tem mais pessoas pobres será, obviamente, a mais assistida, a que receberá mais verbas. E o meio mais utilizado para assistir esta população é o Programa Bolsa Família. A definição do programa, pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) é: “O Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência direta de renda com condicionalidades que beneficia famílias pobres (com renda mensal por pessoa de 60,01 a 120 reais) e extremamente pobres (com renda mensal pessoal de até 60 reais)” (BRASIL, 2007a). Como podemos ver na tabela 8, a metade das famílias beneficiadas com o Programa Bolsa Família é da região Nordeste, e 53% de todo o gasto com o programa destina-se à região. A região, que possui 27% da população brasileira, recebe mais da metade de todo o valor destinado ao principal programa de transferência direta de renda do governo federal. TABELA 8 Número de benefícios e valores do Programa Bolsa Família – Nordeste semiárido, Nordeste fora do semiárido, Nordeste e Brasil, 2007 Região NE semiárido Famílias beneficiadas (R$ 1.000) Total liberado (R$ 1.000) 2.678 2.551.000 NE fora do semiárido 2.907 2.768.000 Nordeste 5.587 5.319.000 11.043 9.984.000 Brasil Fonte: Brasil (2007b). Elaboração dos autores. Se multiplicarmos o número de famílias pelo número médio de pessoas por família dado pelo IBGE, que é de 3,6 para a região Nordeste, teremos 20 milhões de pessoas sendo beneficiadas em um universo de 50 milhões, ou seja, 40% da população nordestina recebem o benefício. Para a região do semiárido, com este cálculo, teríamos um número de cerca de 10 milhões de pessoas beneficiadas, que já daria 50% de toda a população, Transferências de Renda e Empregos Públicos.... 59 mas este número tende a ser subestimado, pois não seria uma hipótese absurda acreditar que lá as famílias são maiores do que as da região litorânea e que estas últimas puxam a média regional de pessoas por família para baixo. Porém, como o valor máximo do benefício é de R$ 120,00 por família, o benefício per capita é baixo. Pelos valores da tabela 8, o benefício médio por família no Nordeste seria de aproximadamente R$ 950,00 por ano, o que dá R$ 263,00 por pessoa, considerando o número médio de pessoas por família já apresentado. Isto dá algo em torno de R$ 22,00 por mês por cada pessoa da família. Ou seja, a renda do Programa Bolsa Família garante alguma segurança alimentar para seus beneficiários, mas não faz ninguém ascender socialmente. Não promove grandes transformações na estrutura social da região, sendo seu benefício mais provavelmente uma complementação da renda dos trabalhadores informais da região. 4.2 Os aposentados Falar em aposentados como agentes constitutivos da economia sem produção pode soar estranho aos economistas. Afinal, a definição macroeconômica de aposentadoria seria o período que o indivíduo que parou de trabalhar passa a gastar o que poupou durante sua vida produtiva. Portanto, falar de aposentadoria como um todo como agente formador de uma economia sem produção seria um equívoco. Afinal, não é um assistencialismo, pois existe a contrapartida dos beneficiários. Porém, no Brasil, a partir dos anos 1980, com ênfase na Constituição Federal de 1988, houve uma série de transformações na área da Previdência Social. Como cita Gomes: Para o Nordeste, e ainda mais para o Nordeste da seca, o aspecto mais importante dessas transformações ocorreu na esfera das aposentadorias rurais. Isso, por duas razões. Uma, aritmética; como a participação da população rural do nordeste na população rural do Brasil muito maior do que a relação entre as populações totais do Nordeste e do Brasil, a expansão acelerada das aposentadorias rurais, que se verificou entre 1991 e 1994 teria de ter um impacto especialmente significativo no Nordeste e com ainda maior força, no semi-árido. A segunda razão porque a expansão das aposentadorias rurais teve importância especial para o Nordeste é que, tendo a sua concessão sido feita sem levar em conta a exigência de uma contribuição anterior, os inativos que haviam sido sempre trabalhadores do setor informal (muito mais comuns no Nordeste, sobretudo no sertão, do que em todo o país) terminariam sendo os grandes beneficiados, outra vez com reflexos desproporcionalmente altos no Nordeste e ainda mais no semi-árido (GOMES, 2001 p. 159). planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 60 Além das aposentadorias rurais, também foi criada a Lei Orgânica de Assistência Social (Loas), que concede benefícios a idosos e portadores de deficiência, que não tenham contribuído para a Previdência Social. Somando isto às aposentadorias rurais, que tiveram seu acesso facilitado pela Constituição Federal de 1988, houve um crescimento significativo dos aposentados pela população da região no início dos anos 1990, na região semiárida. Em razão disso, a maioria dos aposentados da região provavelmente nunca contribuiu para a Previdência Social, o que caracteriza uma transferência de renda sem contrapartidas e, por isto, contabilizada na economia sem produção. Como a informalidade é característica da região, é bem provável que as aposentadorias constituam um sistema de transferência de renda de outras regiões do país para a região do semiárido. Na tabela 9, temos a comparação dos dados de 2005 com os números encontrados por Gomes em sua obra, mas antes a comparação merece a ressalva de que ele considerou o Nordeste da seca, os 1.122 municípios que foram diagnosticados como em situação crítica na seca de 1998 pela Sudene, e este trabalho considera o semiárido como os 1.048 municípios assim definidos pelo Ministério da Integração Nacional, a comparação é valida porque todos, ou quase todos, os 1.048 municípios estão nos 1.122 municípios. TABELA 9 Quantidade de benefícios concedidos em milhares – Nordeste semiárido, Nordeste fora do semiárido, Nordeste e Brasil, 1997 e 2005 1997 Como porcentagem da população 2005 Como porcentagem da população Variação absoluta (%) NE semiárido 2.205 11,64 3.057 14,80 38 NE fora do semiárido 2.210 8,37 3.391 11,17 53 Nordeste 4.415 9,74 6.448 12,64 46 16.107 10,09 23.951 13,00 48 Região Brasil Fontes: Para 1997, Gomes (2001); para 2005, Brasil (2007c). Elaboração dos autores. Podemos ver que a região que apresentou o menor crescimento do número de aposentados foi o semiárido e o crescimento do NE ficou abaixo do da média nacional. O destaque vai para o NE fora da seca, que teve crescimento acima da média nacional, aumentando a diferença que antes era de 5 mil para mais de 300 mil beneficiados em relação ao semiárido. Se analisarmos o número de beneficiados em relação aos empregados do setor formal, na tabela 10, vemos que os índices para o semiárido diminuíram um pouco, indo contra a tendência nacional; porém, para o resto Transferências de Renda e Empregos Públicos.... 61 da região, a situação praticamente não mudou. Para o semiárido, isto quer dizer que há mais empregados formais em relação aos aposentados em 2005 do que havia em 1997, mas a relação, apesar da queda, ainda é muito alta, de 2,26 aposentados para cada trabalhador no semiárido e de praticamente um para um no Nordeste como um todo. Aqui cabe outra ressalva, pois tem de se levar em conta o fato de que o semiárido tem uma forte presença do trabalho informal, de comerciantes e agricultores, que não tem carteira assinada e, portanto, não são contabilizados nos dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), em que foram extraídos estes números. Apesar de impreciso, a Rais é o único banco de dados que apresenta informações para o ano de 2005 e desagregadas por municípios, o que possibilita a separação entre semiárido nordestino e Nordeste fora do semiárido. TABELA 10 Relação aposentados/trabalhadores formais – Nordeste semiárido, Nordeste fora do semiárido, Nordeste e Brasil 1997 2005 NE semiárido Região 2,52 2,26 NE fora do semiárido 0,73 0,75 Nordeste 1,13 1,10 Brasil 0,67 0,72 Fontes: Para 1997, Gomes (2001); para 2005, Brasil (2007c); Brasil (2009). Elaboração dos autores. Em termos monetários, os valores deram um salto considerável. Na tabela 11, vemos os valores de 1997 e 2005, sendo os valores de 1997 corrigidos pela inflação do período. TABELA 11 Valores totais dos benefícios e variação no período – Nordeste semiárido, Nordeste fora do semiárido, Nordeste e Brasil Região Valor dos benefícios de 1997 corrigidos para 2005 (R$ milhões) Valor dos benefícios de 2005 (R$ milhões) Variação (%) NE semiárido 7.388 11.980 62 NE fora do semiárido 9.437 16.828 78 Nordeste Brasil 16.826 28.809 71 80.685 142.439 77 Fontes: Para valores de 1997, Gomes (2001); para valores de 2005, Brasil (2007c); para a inflação de 1997-2005, IBGE e Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Elaboração dos autores. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 62 O valor gasto com os benefícios aumentou consideravelmente em todas as regiões; porém, no Nordeste, o crescimento ficou abaixo da média nacional. Tal valor mais baixo foi puxado pelo semiárido que cresceu apenas 62%, enquanto a região fora da seca cresceu 78%, mais do que a média nacional. Pelas tabelas 11 e 12, podemos ver que na região fora do semiárido aumentou tanto o número de aposentados como o valor transferido, em relação ao semiárido. Portanto, nestes aspectos, a diferença entre as regiões aumentou. Em 1997, tanto o número de aposentados como o valor dos benefícios pagos eram semelhantes para as duas regiões. Quando esses valores são confrontados com a massa salarial formal das regiões analisadas, podemos ver que há diminuição significativa nesta relação para a região do semiárido. Para as outras regiões, o quadro permanece quase o mesmo de 1997, exceto por uma suave diminuição na região Nordeste, ocasionada pela queda do índice do semiárido. Porém, como o peso da massa salarial formal da região não é tão significante como o da região litorânea, esta queda gera apenas uma pequena variação negativa no índice da região como um todo. Como podemos ver na tabela 12. TABELA 12 Relação entre valor dos benefícios e massa salarial formal privada – Nordeste semiárido, Nordeste fora do semiárido, Nordeste e Brasil, 2005 Valor dos benefícios (R$ milhões) Massa salarial formal privada (R$ milhões) Como porcentagem da massa salarial formal em 1997 Como porcentagem da massa salarial formal privada NE semiárido 11.980 10.939 132,8 109,5 NE fora do semiárido 16.828 59.039 28,7 28,5 Nordeste 28.809 69.988 43,8 41,1 142.439 575.248 23,6 24,7 Região Brasil Fontes: Para valores dos benefícios em 2005, Brasil (2007c); para massa salarial formal privada de 2005, Brasil (2009). Elaboração dos autores. Esse resultado leva-nos a crer que a economia sem produção diminuiu sua dimensão no semiárido, já que o principal pilar desta era o dinheiro dos aposentados. Entretanto, em 1997, ainda não havia o Bolsa Família, que, de certo modo, compensou tais índices menores para a região semiárida, de modo que, provavelmente, o valor dos benefícios dos aposentados somado aos benefícios do Programa Bolsa Família fazem que os índices de hoje sejam praticamente os mesmos de dez anos atrás; infelizmente, ainda não é possível afirmar isto com precisão, pois, afinal, os dados estatísticos de 2007 para a Previdência Social e a massa salarial não estão disponíveis. Transferências de Renda e Empregos Públicos.... 63 E usar os dados de 2005 do Programa Bolsa Família talvez também não fosse uma boa escolha para fazer-se uma comparação, pois em 2005 o programa ainda estava longe de alcançar todos os seus possíveis beneficiários. Hoje, é improvável que o número de famílias beneficiadas aumente significativamente, entre 2005 e 2007 praticamente dobrou; afinal, agora já são mais de 40 milhões de beneficiados. Portanto, fazendo o exercício de trazer para preços de 2007 os valores gastos com os aposentados e a massa salarial formal privada – desconsiderando, assim, qualquer alteração nas posições relativas dos municípios, no que diz respeito a estas duas variáveis nesses últimos dois anos – e, então, relacionando-os com os benefícios do Programa Bolsa Família em 2007, temos a tabela 13. Isso nos mostra que os índices são praticamente os mesmos de 1997. Aliás, até aumentaram um pouco para o Nordeste e o país, exceto para o semiárido; porém, para esta região, a variação foi tão pequena que poderia estar em uma margem de erro, ocasionada pelas definições diferentes de região semiárida do Ministério da Integração Nacional e o Nordeste da seca da Sudene. O que podemos deduzir é que as transferências de renda direta, sem contrapartidas, cresceram sobre a atividade produtiva nesses últimos anos em todo o país. Na região semiárida, as transferências tomam proporção bem maior se comparadas às outras regiões analisadas. Isto por causa da informalidade da região, do baixo produto local e da estrutura social. Assim, no Brasil, 19% das aposentadorias são rurais e no semiárido, 64%, reflexo da maior proporção da população rural sobre a total na região. TABELA 13 Valor dos benefícios totais em relação ao setor privado em milhões – Nordeste semiárido, Nordeste fora do semiárido, Nordeste e Brasil, 1997 e 2005 Valor Bolsa Família 2007 Valor das aposentadorias à preços de 2007 Soma total Como porcentagem da massa salarial formal em 1997 Como porcentagem da massa salarial formal de 2005 à preços de 2007 NE semiárido 2.551 12.952 15.503 132,8 131,08 NE fora do semiárido 2.768 18.193 20.961 28,7 32,8 Nordeste 5.319 31.146 36.465 43,8 48,1 9.984 153.996 163.980 23,6 26,3 Região Brasil Fontes: Para valores do Bolsa Família, Brasil (2007b); para valores dos benefícios dos aposentados, Brasil (2007c); para massa salarial formal, Brasil (2009); para os dados de 1997, Gomes (2001); para a inflação de 2006 e 2007, IBGE e INPC. Elaboração dos autores. 64 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 4.3 Transferências intergovernamentais A partir de meados da década de 1980 e, mais ainda, da Constituição Federal de 1988, houve grande crescimento no número de municípios no país. Este fenômeno também repetiu-se no Nordeste, ainda que a uma taxa inferior ao resto do país, e a maior parte dos municípios criados era de pequeno porte, o que acarreta maiores dificuldades de arrecadação de receita própria. Esta febre de criação de municípios acabou em meados da década de 1990, quando se dificultou a criação destes. Isto quer dizer que o número de municípios hoje e para o ano de referência deste trabalho, 2005, é praticamente o mesmo de 1997, época do trabalho de Gomes. Gomes identificou que os principais efeitos desse fenômeno, a criação de municípios, foram o aumento do emprego público e o aumento da dependência dos municípios das transferências de recursos fiscais do Estado e da União. Os dados de Gomes, que iam de 1989 até 1997, mostravam que este aumento da dependência era uma tendência em todo o país, mas que o grau de dependência dos municípios do semiárido era superior ao restante do país e ao restante do Nordeste. Ao atualizar os dados da tabela 14, vemos que a situação para todas as regiões ficou estabilizada, a receita própria das prefeituras em relação à sua receita total é de cerca de 10%. Porém, este resultado merece algumas considerações. Os dados do Tesouro Nacional apresentam falhas, faltam registros de vários municípios. Em 2005, por exemplo, só havia dados para 4.355 municípios dos mais de 5.500 que constituem o Brasil. As comparações ano a ano também ficam comprometidas, porque alguns anos estão mais completos, como 2001, em que havia 5.339 municípios. Porém, como não se registrou nenhuma variação realmente significativa, podemos concluir que estas pequenas variações estariam em uma margem de erro ocasionadas pela qualidade dos dados disponíveis. E como faltam municípios em proporção muito parecida para todas as regiões, não há um viés muito grande que distorça significativamente o resultado de uma região em relação à outra. Os números para as outras regiões também permaneceram estáveis; porém, no semiárido é que se constata maior dependência de tais verbas. Na tabela 15, comparamos as transferências intergovernamentais com outras variáveis demográficas e absolutas e com os dados encontrados por Gomes para 1996, corrigidos pela inflação do período. Observamos que as transferências praticamente dobraram em todas as regiões, mas para o Nordeste e as duas subrregiões o aumento relativo foi maior do que para o Brasil. Como a população e o PIB não cresceram no mesmo ritmo, os outros indicadores também praticamente dobraram. Analisando a tabela, percebe-se que para a região semiárida o aumento foi bastante significativo, tendo inclusive as transferências por habitante, que em 1996 eram as mais baixas, ultrapassado a média da área litorânea e da região Nordeste. Transferências de Renda e Empregos Públicos.... 65 Também chama atenção as transferências intergovernamentais como porcentagem do PIB. O dinheiro enviado pela União e pelos estados para os municípios correspondeu a 16,7% do PIB da região semiárida. TABELA 14 Transferências intergovernamentais para os municípios como porcentagens de sua receita corrente total – Nordeste semiárido, Nordeste total e Brasil, 1989-2005 Ano Brasil Semiárido Nordeste 1989 86 76,4 61,6 1990 89,8 81 64,1 1991 91,1 77,2 60,3 1993 89,5 79,5 62,8 1995 92,7 83 65,9 1996 92,7 82,1 66,2 1997 92,3 80,3 66,4 1998 93,3 80,9 65,5 1999 93,5 81,3 67,3 2000 92,8 82,7 69,1 2001 93,5 83,7 69,3 2002 90,2 81,5 67,6 2003 90,3 81,8 66,2 2004 90,5 80,5 66,2 2005 91 81,2 67,1 Fontes: Para os dados de 1989-1997, Gomes (2001); para os dados 1998-2005, Brasil (2008). Elaboração dos autores. Para a tabela 15, também há o problema dos dados incompletos para o ano de 2005 do Tesouro Nacional. Como só havia dados para as transferências de 4.355 municípios, a população e o PIB usados para calcular os índices foi a destes municípios, e não de todos os 5.564 municípios do país. Como a variação foi muito significativa, podemos dizer que houve de fato um aumento nos índices; porém, mensurar sua real dimensão só seria possível com os dados completos do Tesouro Nacional. A contribuição dessa dependência das transferências intergovernamentais para a economia sem produção é Que o aumento do número de municípios provoca o aumento das despesas administrativas, em relação a gastos sociais ou de investimento, fortemente sugere que a criação de municípios em um ritmo mais rápido do que o de crescimento das receitas fiscais próprias (provocando, portanto, o aumento da dependência financeira das prefeituras) pode estar se constituindo em um processo socialmente perverso. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 66 No semi-árido, a proliferação de municípios inteiramente dependentes de recursos vindos de fora tem tido o efeito principal de ampliar os limites da economia sem produção (GOMES, 2001, p. 189). TABELA 15 Transferências de receitas fiscais para os municípios – valores absolutos e em relação a outras variáveis demográficas e econômicas – Nordeste semiárido, Nordeste fora do semiárido, Nordeste e Brasil Transferências brutas Indicadores/Área Regiões NE semiárido NE fora do semiárido Nordeste Brasil Valor (R$ milhões) Por habitante (R$ milhões/hab.) Como porcentagem do PIB Como porcentagem da receita corrente total das prefeituras 1996 2005 1996 2005 1996 2005 1996 2005 4.616 9.048 252,57 594,75 8,3 16,7 92,7 91 6.081 13.622 276,34 537,30 3,7 8 75,5 75,8 10.697 22.671 265,59 558,84 4,8 10,1 82,1 81,2 52.157 99.853 359,14 640,75 3,2 5,4 66,4 67,1 Fontes: P ara os dados de 1996, Gomes (2001); para os dados sobre população e o PIB, IBGE; para os valores das transferências, Brasil (2009). Elaboração dos autores. Portanto, conclui-se que o legado da criação de municípios nos anos 1980 ainda está bastante forte na região. Os anos que passaram não foram suficientes para que os municípios aumentassem suas receitas fiscais a ponto de diminuir de maneira significativa sua dependência das transferências intergovernamentais. 4.4 O emprego público Por que incluir o emprego público como formador da economia sem produção? Os salários dos funcionários públicos não constituem o pagamento pela sua produção? Sim. Isto é fato; porém, é difícil mensurar diretamente o quanto se produz. Uma maneira que se utiliza é somar todos os salários pagos e considerar isto o produto público. Calculando deste modo, podem ocorrer discrepâncias significativas entre o que é gasto com o salário e o que é realmente produzido. Não se precisa ir a esses extremos para concluir que as estimativas dos produtos públicos municipais, inclusive do semi-árido, devem ser vistas com extrema cautela. Ainda mais porque, com a proliferação de municípios politicamente úteis, mas economicamente nulos e fiscalmente inviáveis, e com a tradição local de usar a expansão do emprego público como política sócio-eleitoral, o tamanho da folha de salários das prefeituras deve guardar não mais do que uma pálida relação com o volume do produto efetivamente ofertado pelos municípios às respectivas populações. Em síntese, a única coisa do que se pode estar certo é que a primeira (a folha) é Transferências de Renda e Empregos Públicos.... 67 maior do que o segundo (o produto). Como não se dispõe ainda de metodologia alternativa para o cálculo direto do produto público municipal, não é possível determinar que percentagem do pagamento dos funcionários constitui a contrapartida pela geração de um produto e que parcela representa, na verdade, apenas uma transferência de renda, disfarçada em salários. Essa ultima constitui parte da economia sem produção – e deveria ser contada como tal (GOMES, 2001, p. 150). TABELA 16 Distribuição do emprego público por setores – Nordeste semiárido, Nordeste fora do semiárido, Nordeste e Brasil, 2005 Municipal (%) Estatais (%) NE semiárido Região Federal (%) 1,7 Estadual (%) 1,1 93,8 3,3 NE fora do semiárido 7,1 46,3 39,6 7 Nordeste 5,6 33,7 54,7 6 Brasil 9,1 35,9 46,2 8,7 Fonte: Brasil (2009). Elaboração dos autores. Na tabela 16, vemos a porcentagem do emprego público em suas quatro instâncias, em relação ao emprego público total nas diferentes regiões, para o ano de 2005. Como podemos ver, o emprego público federal, estadual e estatal é praticamente insignificante na região do semiárido. Enquanto para as outras regiões, há uma melhor distribuição, apesar de o emprego municipal ser responsável pela maior parte dos empregos públicos em todo o país. No período 1997-2005, houve um crescimento bastante significativo do emprego público. Na tabela 17, podemos ver isto. O emprego público cresceu bem mais na região Nordeste do que no resto do Brasil. Na região semiárida, houve crescimento significativo, mas abaixo da média regional, que foi puxada para cima pelo restante da região Nordeste. TABELA 17 Quantidade de empregos públicos, valores absolutos – Nordeste semiárido, Nordeste fora do semiárido, Nordeste e Brasil, 1997 e 2005 Região Emprego público (1997) Emprego público (2005) Variação (%) NE semiárido 349.394 610.114 74,6 NE fora do semiárido 889.487 1.585.522 78,2 123.8891 2.195.636 77,2 5.422.002 8.567.916 58 Nordeste Brasil Fontes: Para valores de emprego de 1997, Gomes (2001); para valores de 2005, Brasil (2009). Elaboração dos autores. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 68 Na tabela 18, podemos ver o que já foi comentado anteriormente, que o aumento das transferências correntes para a região foi seguido de um forte aumento no emprego público, indicando que há uma relação entre as duas variáveis. Na região fora do semiárido foi onde se apresentou tanto o maior crescimento das transferências quanto o do emprego público. Há, assim, uma relação sugerida entre as transferências intergovernamentais e o emprego público, e não seria absurdo acreditar que as prefeituras usaram o aumento das transferências para inchar a folha salarial. TABELA 18 Variação das transferências intergovernamentais e do emprego público – Nordeste semiárido, Nordeste fora do semiárido, Nordeste e Brasil, 1997-2005 Região Variação das transferências intergovernamentais (%) NE semiárido Variação do emprego público (%) 96 74,6 NE fora do semiárido 124 78,2 Nordeste 112 77,2 91 58 Brasil Fontes: P ara valores de 1997, Gomes (2001); para valores das transferências intergovernamentais, Brasil (2008); para variação do emprego público, Brasil (2009). Elaboração dos autores. O crescimento mais elevado das transferências em relação ao crescimento do emprego público pode ser explicado, em parte, pelo aumento dos salários do setor. Como podemos ver na tabela 19, o salário médio do funcionário público aumentou para todas as regiões analisadas, sendo este aumento bem maior para a região semiárida do que para as outras regiões do país. TABELA 19 Valor dos salários médios públicos e sua variação – Nordeste semiárido, Nordeste fora do semiárido, Nordeste e Brasil, 1997-2005 Região NE semiárido NE fora do semiárido Nordeste Brasil Valor dos salários 1997 (R$) Valor dos salários 2005 (R$) Variação (%) 388,68 602,50 55 1.053,95 1.292,49 22,6 865,94 1.099,68 27 1.332,35 1.530,96 14,9 Fonte: Para os valores de 1997, Gomes (2001); para os valores de 2005, Brasil (2009). Elaboração dos autores. Em termos relativos, em 1997, o salário médio da região semiárida era de 36% do salário médio da região litorânea; em 2005, 46%. Isto mostra que as diferenças de salário diminuíram. Em 1997, o salário público médio da região da seca era de 45% da média do Nordeste; em 2005, 54%. Em relação ao país é que Transferências de Renda e Empregos Públicos.... 69 o aumento foi mais significativo. Em 1997, o salário público médio do semiárido era apenas de 29% da média nacional; em 2005, passou a ser de 39%, aumento bastante significativo. O fenômeno registrou-se para todo o Nordeste; em 1997, o salário médio público da região era de 64% do salário nacional; em 2005, 74%. Como os números já mostram, esse fenômeno foi mais forte para o semiárido do que para o restante da região. E já que vimos pela tabela 16 que o emprego público federal, estadual e de empresas estatais é praticamente insignificante no semiárido, podemos afirmar que salários municipais tiveram aumentos maiores em relação aos outros setores do emprego público. Tanto que na região que este reina absoluto, foi onde se observou os maiores aumentos nos salários públicos médios. TABELA 20 Relação entre emprego e salários da administração pública e o restante da economia – Nordeste semiárido, Nordeste fora do semiárido, Nordeste e Brasil, 1997-2005 Emprego público/emprego formal total (%) Região NE semiárido NE fora do semiárido Nordeste Brasil Massa salarial pública/massa salarial formal total (%) 1997 2005 1997 2005 40 45 29,2 42,5 29,3 35,1 34,1 43,6 31 37,4 33,4 43,4 22,5 25,8 25,3 30,3 Fontes: Para valores de 1997, Gomes (2001); para o emprego público e a massa salarial de 2005, Brasil (2009). Elaboração dos autores. E comparando o setor público com o setor privado temos a tabela 20. Podemos ver que houve um crescimento do setor público sobre o setor privado, tanto em relação ao emprego como em relação à massa salarial. Tal crescimento foi observado para todas as regiões em questão, para o semiárido quase metade dos trabalhadores com carteira assinada são funcionários públicos; porém, é preciso lembrar novamente que a região apresenta maior informalidade do que a região litorânea e o Brasil como um todo. A diminuição da distância entre os salários dos funcionários públicos do semiárido e do restante do Nordeste também fica evidente nesta tabela. Já que, com aumentos maiores em relação aos funcionários do litoral, a massa salarial pública em relação à massa salarial total ficou mais próxima da média da região do que em 1997. Por fim, podemos concluir que houve um crescimento do emprego público em todo o país. Para o semiárido, 93% do emprego público são formados por funcionários das prefeituras. Não podemos dizer categoricamente que eles não produzem nada, mas não é absurdo acreditar que eles não produzam muito. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 70 A diferença entre a folha salarial e o que é efetivamente produzido constitui transferência de renda disfarçada em salários como diz Gomes, e, por isto, deve ser contada como parte da economia sem produção. Essa linha de raciocínio de Gomes é um tanto quanto extremada; porém, será que é equivocada? De 1997 a 2005, os municípios ganharam mais atribuições e tiveram mesmo que contratar.1 Mas em que medida este cenário mudou? Em que medida cresceu o emprego produtivo na região? É uma questão muito delicada por que teríamos que definir qual área do setor público municipal é ou não é produtiva. Para tentar não polemizar, escolhemos os setores que comprovadamente são extremamente benéficos para a sociedade, que são as áreas de educação e saúde. Podemos ver na tabela 21 que foram empregados muitos servidores das áreas de educação e saúde; a incremento médio para o NE, as subrregiões analisadas foram de 92%, enquanto para o Brasil, nesse período, aumentou 49% o número de servidores ligados a estas áreas. Porém, como o emprego público como um todo também teve um aumento alto no período, a participação proporcional dos setores de saúde e educação no setor público teve apenas um pequeno incremento. É curioso observar que, para o país, proporcionalmente, a participação dos servidores ligados a estas áreas diminuiu em relação ao emprego público total. TABELA 21 Relação entre emprego público total e emprego público nos setores de educação e saúde – Nordeste semiárido, Nordeste fora do semiárido, Nordeste e Brasil, 1997-2005 Emprego público 1997 Região Emprego público 2005 Saúde + educação/emprego público total Total Educação e saúde Total Educação e saúde 1997 2005 NE semiárido 349.394 101.516 610.114 195.441 29,05 32,03 NE fora do semiárido 889.487 251.128 1.585.522 483.734 28,23 30,51 Nordeste 1.238.891 352.644 2.195.636 679.175 28,46 30,93 Brasil 5.422.002 1.601.205 8.567.916 2.387.244 29,53 27,86 Fonte: Brasil (2009). Elaboração dos autores. Comparando as tabelas 21 e 22, podemos ver que, nas áreas de educação e saúde, a maior parte dos novos servidores foi para a área de educação. É difícil saber em que medida tal aumento foi produtivo ou se apenas acompanhou o crescimento do emprego como um todo, mantendo o status quo. 1. Em parte, pelo menos, houve nesse período a descentralização do Sistema Único de Saúde (SUS) e a implementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEF), que devem ter exigido a contratação de um número maior de funcionários nas áreas de saúde e educação. Transferências de Renda e Empregos Públicos.... 71 TABELA 22 Emprego público no setor de educação – Nordeste semiárido, Nordeste fora do semiárido, Nordeste e Brasil, 1997-2005 Região NE semiárido NE fora do semiárido Nordeste Brasil Educação municipal 1997 Educação municipal 2005 92.914 180.020 89.372 170.741 182.286 350.761 573.068 1.040.806 Fonte: Brasil (2009). Elaboração dos autores. O número dos alunos matriculados deve ter aumentado bastante em virtude dos incentivos que foram criados no período, e o número maior de professores deve ter a ver com este crescimento. Porém, não se tem notícia de grande mudança qualitativa no sistema educacional da região e nem no do Brasil. A situação observada em 2005 não deve ser muito diferente da de 1997, com o que se pode manter o argumento de produto se não nulo, reduzido, gerado por estes funcionários. E, analisando pelo aspecto isolado dos salários dos funcionários públicos, a economia sem produção cresceu bastante na região. Tanto o número de empregados, que subiu 74% enquanto a população cresceu aproximadamente 10%, como o valor dos salários pagos, que cresceu mais do que as remunerações do restante da região. Assim, é mais fácil acreditar que a diferença entre os salários e o que é efetivamente produzido tenha aumentado bastante do que acreditar que o exército de novos funcionários tenha aumentado sua produtividade; afinal, a população atendida por estes servidores cresceu muito pouco, e agora existem 75% funcionários a mais para atender um incremento de 10% na população. 5 CONCLUSÕES Qual seria o tamanho da economia sem produção no semiárido? Gomes estimoua somando a renda dos aposentados com a massa salarial do setor público, alcançando o valor de R$ 5.021 bilhões para 1998. Uma estimativa grosseira; afinal, os funcionários públicos devem produzir alguma coisa. Se repetirmos o processo, chegaremos ao valor de R$ 16.633 bilhões para 2005, um aumento bastante significativo, mas lembrando que, corrigindo R$ 5.021 bilhões pela inflação entre 1997 e 2005, temos algo em torno de R$ 9.3 bilhões. Mesmo assim, um aumento real de mais de 50%. Porém, ainda não incluímos o Programa Bolsa Família no cálculo. Ao fazer isto, corrigindo os valores das aposentadorias e dos salários de 2005 para 2007 e somando com o Bolsa Família, o valor total sobe para R$ 20.5 bilhões. 72 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 Entretanto, a contribuição do Programa Bolsa Família é pequena para a economia sem produção, cerca de 13%, tendo esta crescido em razão dos seus agentes constitutivos originais, que cresceram significativamente no período. O valor gasto com os benefícios dos aposentados, principal agente constituinte da economia sem produção responsável por 64% do total, teve um crescimento real de 62%. Já o setor público, em que se aumentou tanto o número de funcionários quanto o dos salários destes, corresponde a 24% do total. Se, por um lado, o Programa Bolsa Família é o que menos pesa nos cofres públicos; por outro, é de longe o mais abrangente para as famílias da região semiárida, já que apresenta 2.6 milhões de famílias beneficiadas, o que significa algo em torno de 10 milhões de pessoas em 2007. Isto contra 3 milhões de aposentados e 600 mil funcionários públicos. Considerando essas fontes de rendas como assistencialistas, com as ressalvas já referidas para o caso dos funcionários públicos, o Programa Bolsa Família é, de longe, o mais eficiente, pois é o mais barato e que atende mais pessoas. Como o beneficio é muito baixo, não é um desincentivo ao trabalho ou a ganhos de produtividade. Muitos dos beneficiários são agricultores e complementam sua renda com o programa. Já os outros dois agentes constitutivos da economia sem produção são concentrados em uma minoria e custam bem mais caro aos cofres públicos do que o Programa Bolsa Família. O emprego público e as aposentadorias cresceram em relação ao restante da economia. O emprego público cresceu tanto em quantidade quanto em salários pagos, e as aposentadorias tiveram um aumento mais substancial nos salários pagos do que na quantidade de novos aposentados. As três fontes de renda agrupadas tomam dimensão muito grande em relação à economia do semiárido, pois R$ 20,5 bilhões é pouco mais de 25% do PIB total da região e mais que o dobro do PIB agrícola. Se, décadas atrás, o semiárido só recebia verbas emergenciais e assistencialistas, nas frentes de trabalho em períodos de seca, esta verba deixou de ser esporádica e passou a ser contínua e institucionalizada. E, como já foi dito neste trabalho, para desenvolvimento sustentável de uma região, investimentos fazem-se necessários. A região semiárida ainda é muito carente de infraestrutura básica como estradas de boa qualidade, o abastecimento de água também é precário e escolas e universidades de referência regional e nacional praticamente inexistem, por exemplo. Portanto, R$ 20 bilhões em investimentos, Transferências de Renda e Empregos Públicos.... 73 25% do PIB da região, com certeza, fariam transformações na economia semiárida, ainda que apenas uma parcela de tal montante fosse investida,2 já que não se poderia abandonar uma população já tão dependente das transferências. Apenas para se ter um padrão de comparação, vale lembrar que o Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE), a principal fonte de renda da Sudene para 2008, situou-se no valor de 1,2 bilhão, quatro vezes menos que o orçamento do Bolsa Família para todo o Nordeste. E não se pode deixar de notar a quase coincidência de datas, pouco tempo depois da Sudene ser extinta, as transferências de renda diretas foram unificadas e massificadas no Programa Bolsa Família. Estas verbas chegam hoje a região por meio das transferências de renda direta, houve uma melhoria de vida da população, isto é inegável. Porém, uma economia baseada em transferências de renda nunca deixará de ser uma economia de baixa renda por habitante, nunca levará a um desenvolvimento sustentável e a uma independência econômica. 2. Entenda-se investimento em um sentido abrangente, não apenas físico, incluindo educação, reforço do sistema de inovação etc. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 74 REFERÊNCIAS ALENCAR JUNIOR, J. S.; ALVES, M. O. O subespaço semi-árido no contexto de uma estratégia de desenvolvimento para o Nordeste. In: BERNAL, M. C. C. (Org.). A economia do Nordeste na fase contemporânea. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, Universidade Federal do Ceará, 2006. ALMEIDA, M. Precisamos de uma política regional? Sim. Desafios do Desenvolvimento, Brasília, n. 48, mar. 2009. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Congresso Nacional, 1988. ______. Ministério da Integração Nacional. Nova delimitação do semi-árido brasileiro. Disponível em: <http://www.integracao.gov.br>. Acesso em: 25 nov. 2007a. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Dados do Programa Bolsa Família – 2007. Disponível em: <http://www.mds.gov.br>. Acesso em: 29 nov. 2007b. ______. Ministério da Previdência Social. Dados sobre aposentadorias e benefícios – 2005. Disponível em: < http://www.mpas.gov.br>. Acesso em: 20 dez. 2007c. ______. Ministério da Fazenda. Secretaria do Tesouro Nacional. Para receitas e transferências intergovernamentais dos municípios – 1998-2005. Disponível em: <http://www.tesouro.fazenda.gov.br>. Acesso em: 7 jan. 2008. ______. Ministério do Trabalho e Emprego. Banco de dados Rais para emprego público e massa salarial – 1998-2005. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/rais>. Acesso em: 4 mar. 2009. CARVALHO, J. O.; ALVES, J. A. Oficina do semi-árido: contribuição da “nova Sudene” para o desenvolvimento da região semi-árida do Nordeste. Recife, 2003. Mimeografado. GOMES, G. M. Velhas secas em novos sertões: continuidade e mudanças na economia do semi-árido e dos cerrados nordestinos. Brasília: Ipea, 2001. GUIMARAES NETO, L. Introdução à formação econômica do Nordeste. Recife: Massangana, 1989. JORNAL DO COMÉRCIO. Governos pedem fundo nacional de desenvolvimento. Pernambuco, 13 fev. 2008a. Caderno Economia, p. 3. ______. Pacote ajuda cidades pobres. Pernambuco, 26 fev. 2008b. Caderno Cidades, p. 1. Transferências de Renda e Empregos Públicos.... 75 SCHWARZER, H. Impactos socioeconômicos do sistema de aposentadorias rurais no Brasil: evidencias empíricas de um estudo de caso no estado do Pará. Rio de Janeiro: Ipea, jun. 2000 (Texto para Discussão, n. 729). SCHWARTZMAN, J. Economia regional: textos escolhidos. Belo Horizonte: Cedeplar, 1977. UDERMAN, S. O Estado e a formulação de políticas de desenvolvimento regional. Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 39, n. 2, abr./jun. 2008. VANDERBORGHT, Y.; VAN PARIJS, P. Renda básica de cidadania, argumentos éticos e econômicos. Rio de Janeiro: Record, 2006. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 76 ANEXO OS DADOS E AS RESPECTIVAS FONTES O semiárido nordestino é a área geográfica formada pelos 1.048 municípios do Nordeste; portanto, excluindo os municípios de Minas Gerais, que seguem requisitos relativos à precipitação pluviométrica ao índice de aridez e risco de seca determinados pelo Ministério da Integração Nacional. E o NE fora do semiárido é o restante da região. Para 1997, o Nordeste da seca é a área geográfica formada pelos 1.122 municípios diagnosticados em situação crítica na seca de 1998, e nos quais foram abertas frentes de trabalho pela Sudene. E o Nordeste fora da seca é o restante da região. Todos os dados relativos a 1996 e 1997 foram extraídos do livro Velhas secas em novos sertões, Gomes (2001). O índice de inflação utilizado para corrigir os valores foi o INPC, disponível no site do IBGE. Todos os dados do capítulo sobre o semiárido foram extraídos do IBGE. BOLSA FAMÍLIA Os dados de número de famílias por município e os valores totais gastos por estado e para o país foi extraído do site do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Para o cálculo do valor total dos benefícios da região semiárida e a região fora do semiárido, foi calculada a transferência média por família do Nordeste, multiplicando, então, este valor pela quantidade de famílias beneficiadas até dezembro de 2007 nas duas regiões, já que o valor transferido por município não está disponível. Para a estimação da população beneficiada pelo programa, foi multiplicado o número de famílias pelo número de pessoas por família para a região Nordeste, dado disponível no site do IBGE. APOSENTADOS Os dados para aposentados, valores e quantidades, foram todos extraídos do site do Ministério da Previdência Social, para 2005. Os dados para os trabalhadores e a massa salarial formal privada foram extraídos da Rais, banco de dados do Ministério do Trabalho, para 2005. Aqui foram considerados aqueles com vínculo empregatício em dezembro de 2005, pois os dados sobre o número de aposentados também era válido para os benefícios liberados em dezembro de 2005. A massa salarial formal privada foi calculada sem distinção de vínculo, pois o valor dos gastos com aposentadorias era o de todo o acumulado do ano. Transferências de Renda e Empregos Públicos.... 77 TRANSFERÊNCIAS INTERGOVERNAMENTAIS Os dados foram extraídos do Relatório de Finanças do Brasil (Finbra) para o período 1998-2005, disponíveis no site da Secretaria do Tesouro Nacional. Os dados disponibilizados estão incompletos, faltando registros de vários municípios. Há dados de 4.270 municípios para 1998 e 4.322, 5.174, 5.339, 5.156, 5.012, 4.285 e 4.355 para cada ano subsequente. Na tabela 15, a população e o PIB considerados são a dos 4.355 municípios para os quais se tem dados de transferências intergovernamentais. Isto foi feito para não se dividir os valores transferidos com o PIB e a população de municípios para os quais os dados sobre transferências intergovernamentais não estavam disponíveis. EMPREGO PÚBLICO Todos os dados foram extraídos do banco de dados do Ministério do Trabalho, Rais, 2005. PROBLEMAS AMBIENTAIS DE UMA CIDADE MÉDIA DE MATO GROSSO: O CASO DE BARRA DO BUGRES* Loiva Zanon de Magalhães** Hugo Scheuer Werle*** Nos últimos 30 anos, Mato Grosso sofreu um intenso processo de urbanização. Após iniciada a Marcha para o Oeste, ocorrida na década de 1940 durante o governo de Getúlio Vargas, para incentivar o progresso e a ocupação do Centro-Oeste, onde havia ainda muitas terras desocupadas. Com este processo de urbanização acelerado, diversos problemas ambientais surgiram ou se agravaram e são objeto de análise por este artigo. Palavras-chave: Problemas Ambientais; Qualidade de Vida Urbana; Urbanização; Mato Grosso. PROBLEMS OF A MEDIUM SIZE CITY: THE CASE OF BARRA DO BUGRES Over the past thirty years, Mato Grosso has suffered an intense process of urbanization. Once started the March to the West, which took place in the 40’s decade, during the Getúlio Vargas government, to stimulate progress and occupation of the Center-West, where there were still many vacated land. With this accelerated urbanization process, many environmental problems have arisen or have worsened. Key words: Environmental Problems; Quality of Urban Life; Urbanization; Mato Grosso. PROBLEMAS AMBIENTALES DE UNA CIUDAD DE TAMAÑO MEDIANO EN MATO GROSSO, BRASIL: EL CASO DE BARRA DO BUGRES En los últimos treinta años, Mato Grosso sufrió un proceso intenso de urbanización. Después de la Marcha al Oeste, que ocurrió en la década de los, 40, durante el gobierno de Getulio Vargas, para estimular el progreso y la ocupación del Centro-Oeste, donde todavía había muchas tierras desocupadas. Con este proceso de urbanización acelerada, diversos problemas ambientales han surgido o se han agravado. Palabras-clave: Problemas Ambientales; Calidad de Vida Urbana; Urbanización; Mato Grosso. Les Problèmes Environnementales d’une Ville Moyenne de l’etat de Mato Grosso, Brésil: Le Cas de la Ville de Barra do Bugres Dans les derniers trente ans, l’etat de Mato Grosso, situé dans la Région Centre-Ouest du Brésil, a suffert un intense processus d’urbanisacion. Après le commecement de la Marche vers l’Ouest, qui a eu lieu, dans la décade 1940, pendant le gouvernement de le Président Getulio Vargas, pour promouvoir le progrès et l’occupacion du Centre-Ouest, où il yavait encore beaucoup de terres liberées. Avec ce processus d’urbanisacion accéleré, plusieurs problèmes environnementales ont arrivé. Mots-clés: Problèmes Environnementales; Qualité de Vie Urbaine; Urbanisation; Mato Grosso. * Resultado de dissertação defendida no curso de Pós-Graduação Strictu Sensu em Geografia na Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) – Cuiabá (MT), em 26/11/2008. ** Professora, mestre e coordenadora do Programa de Educação Ambiental da BR-163 – Trecho Guarantã do Norte à Divisa do Pará. E-mail: [email protected] *** Professor doutor adjunto IV do Departamento de Geografia da UFMT – Cuiabá (MT). E-mail: [email protected] planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 80 1 INTRODUÇÃO À medida que a preocupação com as questões ambientais vem adquirindo peso nas discussões mundiais, nas últimas décadas, o padrão de desenvolvimento das sociedades urbanas e as relações que se estabelecem entre estas sociedades e o meio ambiente vem sendo profundamente questionados. O modelo industrial e o consumismo estabeleceram uma sociedade consumista, criando inúmeros problemas ambientais, problemas estes vinculados à forma como os espaços são produzidos e a sociedade se apropria da natureza. A partir do último século, o desenvolvimento industrial e tecnológico fez que as usinas brasileiras, que antes fabricavam apenas o álcool, colocassem produtos diferenciados no mercado, como o açúcar e a energia elétrica, estimulando ainda mais o consumismo, associado ao crescimento populacional acentuado nos centros urbanos; gerando, assim, uma degradação do meio ambiente. Isto porque o homem, durante a sua trajetória, estabeleceu a ocupação e o uso espacial da terra, apossando-se dos recursos naturais renováveis e não renováveis. Com o decorrer do tempo, passou a adotar um comportamento predatório em relação à natureza. Para Andrade (2001), Com a evolução da ciência, o pensamento ambiental atenuou-se devido às degradações e alterações ambientais processadas no planeta. É interessante salientar que tais alterações não ocorreram em um só país, surgiu em diferentes países, em diferentes épocas, e foram se formando e sendo construídos, à medida que as várias correntes do pensamento científico fossem surgindo e amadurecendo, juntamente com a demanda populacional e o aparecimento de problemas ambientais que envolviam a opinião pública. A organização urbana, representada pelas construções de grandes cidades, a maioria delas sem nenhum planejamento e ordenamento (ANDRADE, 2001). Problemas como as queimadas, a destinação dos resíduos sólidos e o saneamento básico precário são ameaças à qualidade de vida de toda sociedade, tornando-se uma questão não apenas ambiental, mas também social. Na atualidade, todo e qualquer espaço urbano apresenta problemas ambientais decorrentes de seu crescimento populacional. O município de Barra do Bugres, como centro urbano com características e potencial turístico, também apresenta problemas ambientais, que se agravam no período entre os meses de abril a novembro, em que o número populacional “cresce” por causa das usinas de álcool e açúcar, trazendo ao município, em média, segundo os administradores da usina, 2 mil trabalhadores sazonais vindos da região Nordeste do país. Problemas Ambientais de uma Cidade Média de Mato Grosso... 81 1.1 Os problemas ambientais de Barra do Bugres (MT) A temática ambiental tem sido foco de atenção e estudo para vários campos do conhecimento científico, além de ser uma área interdisciplinar, dada a necessidade de compreensão de aspectos políticos, científicos, sociais e econômicos, incluindo, assim, aspectos relativos ao meio ambiente. O município de Barra do Bugres inicia também os contrastes desta problemática ambiental. Pois, com o aceleramento do crescimento populacional, vários são os problemas que começam a surgir de forma desenfreada; entre estes, os de saneamento básico, destinação dos resíduos sólidos, plantação da cana-de-açúcar, queimadas e erosão. Em Barra do Bugres, o desafio ambiental está no centro das contradições do mundo moderno, já que o progresso e o desenvolvimento são rigorosamente sinônimo de dominação da natureza (BECK; GIDDENS apud PORTO-GONÇALVES, 2004). GRÁFICO 1 Maior problema ambiental em Barra do Bugres 15% Residuos sólidos 37% Queimada de cana 18% Erosão 30% Saneamento básico Fonte: Secretaria do Estado de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema)/Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Elaboração dos autores. Pode-se perceber que, nos últimos anos, a problemática no município vem aumentando e, com isto, acarretando danos à saúde tanto da população na zona urbana, como a dos índios Umutina que moram na aldeia localizada a 9,6 km do município. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 82 1.2 Resíduos sólidos O resíduo conhecido popularmente como lixo é definido como: Resíduos sólidos e semi-sólidos resultantes de toda e qualquer atividade natural, humana e animal considerados sem valor ou utilidade para serem conservados, incluindo porções de materiais sem significação econômica, sobras de processamentos industriais e domésticos, a serem descartados. (LEME, 1984 apud RESENDE, 1991). A ABNT (1989), por meio da NBR-10004, define: (...) resíduos sólidos como os resíduos nos estados sólido e semi-sólido que resultam de atividades da comunidade de origem industrial, doméstica, de serviços de saúde, comercial, agrícola, de serviços de varrição, além de lodos provenientes de sistemas de tratamento de água, inviáveis de lançamento na rede pública de esgotos ou corpo d’água (ORSATI, 2006). A produção do lixo urbano, segundo Grossi (1993), está relacionada a dois fatores que, basicamente, são o aumento populacional e a intensidade da industrialização, já que o lixo resulta da atividade diária do homem na sociedade. Para Naime (2005), (...) toda atividade humana produz rejeitos. O crescimento constante das populações, a forte industrialização, a melhoria no poder aquisitivo e os padrões de consumo aceleram a geração de grandes volumes de resíduos. Os resíduos quando misturados e sem possibilidade de reutilização e reciclagem, são denominados lixo. Uma das principais fontes de contaminação ambiental do município é proveniente do manejo e disposição inadequados de resíduos sólidos urbanos e industriais (PORTO; SISINNO, 2000). Segundo a Secretaria Municipal de Obras, Viação e Serviços Públicos de Barra do Bugres, as atividades econômicas do município estão relacionadas à agricultura, como à cana-de-açúcar, à pecuária e ao comércio agroindustrial. O comércio e os domicílios geram um montante equivalente a 14 t diárias de resíduos sólidos urbanos. Em razão da curva de crescimento populacional e o surgimento de novos bairros, no fim da década de 1990, houve a necessidade de organizar uma área afastada das residências para o recebimento e o tratamento do lixo produzido no município. A área destinada aos resíduos sólidos, entre a década de 1980 e início da de 1990, trouxe problemas à população que morava próximo, pois o lixo a céu aberto e em decomposição trazia animais e mau cheiro ao local (figuras 1 e 2). Problemas Ambientais de uma Cidade Média de Mato Grosso... 83 FIGURA 1 Área destinada aos resíduos sólidos no Jardim Paraguai – décadas de 1980 e 1990 Elaboração dos autores. Após a mudança, a nova área destinada aos resíduos sólidos situa-se há dez anos no Parque Industrial, a cerca de 6 km da cidade. Ali, residem seis pessoas, entre elas, quatro adultos e duas crianças que sobrevivem exclusivamente do então chamado lixão. Esta família realiza um trabalho que no país não é recente, o de separação dos resíduos sólidos e a sua revenda. É interessante, pois todos, inclusive as crianças, auxiliam nesta separação, fazendo o papel da coleta seletiva que ainda é inexistente no município (figuras 1 e 2). FIGURA 2 Lixão de Barra do Bugres – Parque Industrial Elaboração dos autores. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 84 A composição dos resíduos sólidos está relacionada com fatores que influenciam a origem e formação do lixo no ambiente urbano de Barra do Bugres, tais como: • número de habitantes do município; • área relativa à produção; • variações sazonais; • condições climáticas; • hábitos e costumes da população; • nível educacional; • poder aquisitivo; • tempo de coleta; • eficiência da coleta; • tipo de equipamento da coleta; • disciplina e controle dos pontos produtores; e • leis e regulamentações específicas. A variação econômica apresenta reflexos nos locais de disposição e tratamento do lixo. Com o desaquecimento na economia e o término da safra canavieira, as fábricas e o comércio reduziram suas atividades, produzindo menores quantidades de lixo. Pode acontecer o contrário também; porém, após determinado tempo, a tendência é a estabilização (INSTITUTO DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL, 1988). Segundo Orsati (2006), (...) a disposição inadequada dos resíduos sólidos urbanos leva a contaminação do meio ambiente, sendo um problema comum em diversos municípios brasileiros. O índice de qualidade, determinado pela relação entre os critérios funcionais e os impactos ambientais. A disposição dos resíduos nas áreas urbanas constitui um grande desafio para a administração pública e a sociedade. Trata-se de um problema de saúde pública, como demonstram os surtos epidêmicos relacionados à ausência ou carência de saneamento básico. Sua composição qualitativa apresenta os resíduos biodegradáveis, recicláveis e combustíveis como borracha, couro, madeira, matéria orgânica, metais ferrosos, metais não ferrosos, papel, papelão, plástico duro, plástico filme, trapos e vidro. Barra do Bugres coleta atualmente 14 t/dia de resíduos sólidos, distribuídos em materiais orgânicos, papel, plásticos, madeira, trapos, entre outros. A coleta acontece nos bairros duas vezes por semana e é feita por quatro caminhões Problemas Ambientais de uma Cidade Média de Mato Grosso... 85 apropriados, da Secretaria de Obras, Viação e Serviços Públicos, e são destinados à área conhecida como “lixão” a céu aberto. Algumas vezes, pode-se constatar que, por manutenção, outros caminhões, estes comuns de caçamba, realizaram a coleta do lixo na cidade. A coleta do lixo na aldeia Umutina ainda é insuficiente, segundo líderes umutinas, pois a coleta não é regular. Os resíduos sólidos urbanos têm destinação inadequada em mais de 80% dos municípios do Brasil, assim como no município de Barra do Bugres, estes resíduos são destinados a céu aberto em lixões (NAIME apud JACOBI, 2006). As diretrizes internacionais para a questão de resíduos sólidos têm orientado a redução em sua geração. Para tanto, criaram a ordem 3R, nomenclatura que significa redução, reutilização e reciclagem dos resíduos sólidos. Esses resíduos sem tratamento adequado causam danos ao meio ambiente físico, uma consequência do lixo, jogado no terreno que os abriga. Segundo Naime citado por Jacobi (2006), em razão da decomposição e queimada, ocorrem não apenas danos ao solo e a água, mas também à vegetação e aos animais, seguidos de danos à sociedade local. Sob uma ótica mais ampla, resíduo é um descontrole entre fluxos de certos elementos em dado sistema ecológico, implicando na instabilidade deste sistema (FIGUEIREDO, 1995). 1.3 Saneamento básico Para Diniz (2007), saneamento básico compreende: (...) o tratamento de água em suas sucessivas fases: a captação, o tratamento, a adução, a distribuição e a disposição final dos esgotos, bem como requer a instalação de infraestrutura compatível com o transporte da água a ser fornecida e de coleta do esgoto para tratamento em locais próprios, definidos no Decreto no 82.587, de 6/11/1978. O princípio fundamental do serviço de saneamento básico é o abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos, realizados de forma a atender a Lei no 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Segundo o Decreto no 82.587, de 6 de novembro de 1978, Artigo 2o, são serviços públicos de saneamento básico, integrados ao Plano Nacional de Saneamento (Planasa), os administrados e operados por companhias de saneamento básico, constituídas pelos governos estaduais que, em convênio com o Banco Nacional da Habitação (BNH), estabelecem as condições de execução do plano, nos respectivos estados, observados os objetivos e as metas fixadas pelo governo federal (BRASIL, 1978). E define: planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 86 § 2o – Os serviços públicos de saneamento básico compreendem: a) os sistemas de abastecimento de água, definidos como conjunto de obras, instalações e equipamentos, que têm por finalidade captar, aduzir, tratar e distribuir água; b) os sistemas de esgotos, definidos como o conjunto de obras, instalações e equipamentos, que têm por finalidade coletar, transportar e dar destino final adequado às águas residuárias ou servidas (BRASIL, 1978). A problemática com o saneamento básico deve integrar as medidas governamentais, no que concerne à Política Nacional de Meio Ambiente que objetiva a preservação e a recuperação da qualidade ambiental, na racionalização do uso do solo, do subsolo e da água, definida pela Lei no 6.938/1981. As diretrizes nacionais para o saneamento básico e a política federal de saneamento básico são estabelecidas na Lei no 11.445/2007. Hoje, Barra do Bugres apresenta um sistema de saneamento básico precário; a grande maioria do esgotamento sanitário é feito por meio de fossas sépticas, o que pode sinalizar graves problemas ambientais, principalmente no tocante à captação de água, realizada por meio de poços semiartesianos, por parte da população residente em bairros onde a água é insuficiente. Como é o caso dos bairros Maracanã, Jardim Alvorecer e Pronav. A população ainda tem dificuldades; em muitos bairros, a rede de esgoto é inexistente; por consequência, há casos de esgoto a céu aberto, que ainda é um sério problema ambiental no Brasil. É assustador que; em ruas centrais da cidade, o problema persiste, muitas vezes por causa do fator econômico e pela comodidade de alguns moradores. A prestação do serviço de saneamento básico no Brasil é ainda bastante falha, em virtude do aceleramento do processo de urbanização. Nas últimas décadas, algumas melhorias foram apresentadas à população. Em Barra do Bugres, o serviço que se refere à coleta de esgoto ainda está longe de uma universalização. No Brasil, o déficit é de 50% do material coletado (tabela 1). TABELA 1 População atendida pela rede de esgoto em Barra do Bugres e Brasil (Em %) 1980 1990 2000 Barra do Bugres Brasil Barrado Bugres Brasil Barra do Bugres Brasil 21,9 37 34,2 47,9 42,1 56 Fontes: C ensos Demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Departamento de Água e Esgoto (DAE) de Barra do Bugres. Elaboração dos autores. Problemas Ambientais de uma Cidade Média de Mato Grosso... 87 1.4 Erosão Os primeiros escritos acerca da erosão foram produzidos, de acordo com Corrêa (2004), por volta de 1887, pelo cientista alemão Ewald Wollny; mas, apenas em 1944, a erosão foi definida por W. D. Elisson como resultante da ação do impacto das gotas de chuva no solo desprovido de sua vegetação natural (BASTOS, 2006). Segundo Lepsch (1976), a erosão é um processo mecânico que atua simultaneamente na superfície e na profundidade do perfil do solo, tornando-se crítica em função da intensidade das atividades humanas desordenadas. A erosão urbana é um dos problemas ambientais que afetam a cidade de Barra do Bugres e está diretamente relacionada com o processo de rápida urbanização, sem planejamento e práticas de parcelamento do solo inadequadas e deficientes (TUCCI; COLLISCHONN, 2000). Guy (1967) mostra que os sedimentos nas áreas urbanas muitas vezes são gerados em um grande número de áreas particulares, mas, quando atingem o leito do rio ou canal, passam a ser encarados como um problema público. A ocupação do espaço desencadeada pelas ações de desmatamento, cultivo de solo, implantação de estradas, criação e expansão da cidade efetuada de modo inadequado é o fator fundamental para a aceleração da erosão em Barra do Bugres. A maior quantidade de erosões observadas no município está localizada na área urbana, onde se encontram áreas de implantação de loteamentos, derrubada da vegetação original para o plantio da cana-de-açúcar e ruas abertas sem estudo e estrutura. FIGURA 3 Erosão da Avenida Tropical Elaboração dos autores. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 88 Lepsch (1976) afirma que o solo, quando desprovido de sua vegetação natural, fica sujeito a uma série de fatores que tendem a degradá-lo; em que a erosão torna-se uma das principais causas da degradação ambiental (BASTOS, 2006). 1.5 Impactos ambientais causados pelas queimadas Nas últimas décadas, o estado do Mato Grosso assumiu um papel de destaque no cenário nacional, ora por apresentar elevados índices de crescimento econômico, produção agrícola e pecuária, ora por ser apontado como o responsável por uma das maiores taxas de erradicação da cobertura vegetal natural, sobretudo no cerrado e na floresta tropical úmida. Segundo Coutinho (2002), vale lembrar que o estado destaca-se, ainda, por possuir os maiores índices anuais de ocorrência de queimadas do país, no período 1999-2004. As queimadas reduzem o custo do setor canavieiro e aumentam os seus lucros; no entanto, a sociedade sofre os prejuízos causados por estas. As pessoas ficam doentes, pois respiram as partículas finas e ultrafinas provenientes das queimadas, que penetram no sistema respiratório, provocando reações alérgicas e inflamatórias. Barra do Bugres vem sofrendo com as queimadas da cana-de-açúcar, pois, na época de safra da usina Barrálcool, os problemas respiratórios surgem de forma crescente. Neste período, a poluição atmosférica atinge seu estágio máximo. A umidade do ar, segundo o Inpe, fica em torno de 11%, ocasionando um alto índice de gripes alérgicas e doenças pulmonares como bronquite, asma e alergias. A população sofre com a fumaça, pois o tempo seco e poluído nos meses de julho a setembro dificulta a respiração, havendo a necessidade do uso de umidificadores de ar ou recipientes de água nos cômodos das residências. FIGURA 4 Queimada de cana-de-açúcar em Barra do Bugres Elaboração dos autores. Problemas Ambientais de uma Cidade Média de Mato Grosso... 89 As queimadas são uma significativa fonte global de vários gases de “efeito estufa” como CO2 (dióxido de carbono), CH4 (metano) e N2O (óxido nitroso), NO2 (dióxido de nitrogênio), HCNM (hidrocarbonetos não metano), cloreto e brometo de metila, compostos orgânicos voláteis (VOCs) e outros gases (ANDREAE; ARTAXO; FISCHER, 2001). Estes gases fazem parte de todo processo da queimada da cana-de-açúcar, agravando a poluição atmosférica no município. Para Viana, Cruz e Waquil (2006), outro agravante está relacionado ao clima: (...) um efeito drástico do desmatamento; elevando a sensação térmica. Nesse período, a radiação solar na superfície, provocada pelo excesso de partículas em suspensão, pode ainda puxar para baixo a taxa de fotossíntese das árvores. Podemos verificar que o número de queimadas, segundo a Sema/Inpe, oscila a cada nova safra (gráfico 2). GRÁFICO 2 Queimadas em Barra do Bugres – 1996 a 2004 2004 126 2003 114 2002 250 2001 215 2000 144 1999 364 1998 207 1997 104 1996 131 0 50 100 150 200 250 300 350 400 Fonte: Sema/Inpe (2004). Elaboração dos autores. Segundo a Superintendência de Defesa Civil/Sema, a incidência de queimadas aumentou nos últimos três anos. Utilizando todos os satélites no período 20062007, houve um aumento em torno de 107% no número de focos de calor em Barra do Bugres. A população pôde sentir este aumento em razão do alto índice de fumaça e fuligem durante todo o período, com agravantes entre abril e setembro. Outro dado cedido pela Sema é sobre o período proibitivo de queimadas em Mato Grosso, que ocorre de 15 de julho a 15 de setembro, podendo ser prorrogado por mais 15 dias; nos dois últimos anos, houve a prorrogação. Neste período, podese identificar que não houve um aumento do número das queimadas, mas, sim, o não cumprimento da lei, ou seja, não houve interrupções de queimadas no município; por isso, a Sema apresenta um número constando como aumento de 106%. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 90 2 CONCLUSÕES A atração que as cidades provocam nas populações de áreas rurais é uma das razões do crescimento urbano. Contudo, as cidades não conseguem acomodar nem empregar todas estas pessoas que procuram nestas uma vida melhor, como escolas para os filhos, locais de trabalho, lojas e supermercados; antes distantes da realidade da zona rural. O crescimento populacional brasileiro, especificamente no município de Barra do Bugres, representou uma conjunção de problemas típicos do acelerado processo de urbanização, como a proliferação de favelas e degradação das condições de vida, por falta de planejamento e acompanhamento de políticas públicas de bem-estar social. Esta população, em sua maioria, ocupa áreas de risco, tanto no que tange à conservação ambiental quanto às condições de insalubridade que se submetem estas populações. Todos estes problemas contribuem diretamente com a degradação do meio ambiente urbano e, consequentemente, a degradação da qualidade de vida das pessoas que ali vivem. A problemática ambiental urbana, tão discutida entre pesquisadores, assim como pela mídia que vem se apropriando desta discussão, tem chamado a atenção da população ainda em pequena escala para um fato relevante na sociedade moderna: a preocupação com o mundo em que vivemos. Diante dos problemas socioambientais vivenciados pela sociedade barrabugrense, como a erosão, a destinação adequada dos resíduos sólidos, o saneamento básico insuficiente e as queimadas da cana-de-açúcar, hoje, é essencial criar e reinventar novas formas de relação entre os seres humanos e a natureza e entre os próprios seres humanos com a finalidade de controlar ou amenizar a problemática ambiental na cidade. As políticas socioambientais devem permear todas as ações do poder público, superando o desafio de transformar os discursos em práticas, pautadas em conceitos como pluralidade cultural, diversidade social e ética, fundamentais à democracia e à cidadania (LAHAM, 2006). A preservação ecológica, a econômica e a justiça social mostram-se elementos fundamentais na criação de formas de desenvolvimento, como as sociedades sustentáveis, associadas às formas democráticas, nas quais a participação da sociedade civil é indispensável para a criação de uma consciência ecológica da sociedade em geral. Em síntese, pelo que foram constatados, os problemas socioambientais no município de Barra do Bugres são complexos e demandam esforços permanentes para serem devidamente enfrentados. As políticas de meio ambiente e das estruturas municipais correspondentes ficam muito aquém da realidade que se espera. Problemas Ambientais de uma Cidade Média de Mato Grosso... 91 Observa-se que essa situação é decorrente da inoperância e ineficácia do poder público municipal e estadual que não conhecem ou reconhecem os problemas ambientais urbanos e as precárias condições de vida de parte da população, negando-lhes, inclusive, a possibilidade de participação, em parceria com os gestores públicos e privados, na busca de soluções para que a problemática ambiental seja resolvida no município de Barra do Bugres. É imprescindível que se façam audiências públicas, para que todos tenham conhecimento do que está e vem acontecendo, para que seja possível um trabalho que atenda não só aos bairros afastados do centro da cidade, mas também a todo o município. Equipes capacitadas podem auxiliar no trabalho de planejamento, elaborando de maneira adequada as mudanças e transformações para os problemas ambientais atuais; já que alguns dos problemas aqui relatados dependem apenas de planejamento adequado à sua localização. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 92 REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS E TÉCNICAS (ABNT). NBR 10004/87: Resíduos sólidos – Classificação, 1989. AHRENS, S. Legislação aplicável à restauração de florestas de preservação permanente e de reserva legal. In: GALVÃO, A. P. M.; MEDEIROS, A. C. S. (Ed.). Restauração da Mata Atlântica em áreas de sua primitiva ocorrência natural. Colombo: Embrapa, 2002. ALSINA, J. B. Derecho ambiental: fundamentacion y normatividade. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1995, p. 25-41. ANDRADE, T. A. (Org.). Cidades médias brasileiras. Rio de Janeiro: Ipea, 2001, p. 213-249. ANDREAE, M. O.; CRUTZEN, P. J. 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Analisa as inter-relações entre os programas de alimentação escolar no âmbito educacional e os aspectos vinculados ao desenvolvimento local, além de traçar um panorama da situação dos programas de alimentação escolar na América Latina. O objetivo direto deste trabalho é sugerir que os programas de alimentação escolar podem ser mais bem utilizados como instrumento de promoção da segurança alimentar e nutricional. Palavras-chave: Programa de Alimentação Escolar; América Latina; Desenvolvimento Local; Educação. SOME REFLECTIONS ON THE SCHOOL FEEDING PROGRAMS IN LATIN AMERICA This study examines the role of school meals programs in the context of Food Security policy. The paper presents the relationship between school meals and nutrition, school attendance and local development. As seen, the school meals programs could be applied in many aspects to promote the food security. Key words: School Meals Programs; Latin America; Local Development; Education. ALGUNAS REFLEXIONES SOBRE LOS PROGRAMAS DE ALIMENTACIÓN ESCOLAR EN AMÉRICA LATINA Este estudio tiene como objetivo examinar el rol de los programas de alimentación escolar en la ejecución de las políticas de seguridad alimentaria. Examina la relación entre los programas de alimentación escolar en los aspectos educativos y relacionados con el desarrollo local, además de hacer una evaluación de la situación de la Merienda Escolar en América Latina. El objetivo directo de este trabajo es sugerir que los programas de alimentación escolar pueden ser mejor utilizados como herramienta para promover la Seguridad Alimentaria y Nutrición. Palabras-clave: Programa de Alimentación Escolar; América Latina; Desarrollo Local; Educación. QUELQUES RÉFLEXIONS SUR LES PROGRAMMES D’ALIMENTATION SCOLAIRE EN AMÉRIQUE LATINE Cette étude s’agit à discuter le rôle des Programmes d’Alimentation Scolaire dans l’exécution de politiques de Sécurité Alimentaire. Il analyse les interrelations entre les Programmes d’Alimentation Scolaire dans les contextes scolaire et les aspects liés au développement local, au-delà de tracer un * Professor associado do Instituto de Economia (IE) e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação (Nepa) da Universidade de Campinas (UNICAMP). E-mail: [email protected] ** Doutoranda do IE da UNICAMP. E-mail: [email protected] planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 104 panorama de la situation des programmes d’Alimentation Scolaire en l’Amérique latine. L’objectif direct de ce texte est suggérer que les Programmes d’Alimentation Scolaire puissent mieux être utilisés comme instruments de promotion de la Sécurité Alimentaire et Nutritionnelle. Mots-clés: Programme D’alimentation Scolaire; Amérique Latine; Développement Local; Éducation. 1 INTRODUÇÃO Este artigo discute a importância dos programas de alimentação escolar (PAEs), enquanto ações privilegiadas de política social no âmbito da segurança alimentar e nutricional, considerando os seus transbordamentos para a área educacional e para o desenvolvimento das localidades. A preocupação que motivou este estudo deriva da observação de estudos de caso e de estudos generalizados que indicam que os programas de alimentação escolar têm sua implementação frágil e não têm chegado à população que mais necessita. Conforme dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL, 2007a), apenas 1,1% do gasto social associado ao produto interno bruto (PIB) tem sido direcionado aos programas de alimentação, nos quais se insere a alimentação escolar. Na realidade, podemos inferir que, caso estes programas pudessem ser aplicados de forma universal, seus efeitos poderiam ir além do simples aporte alimentar. As políticas sociais, quando dirigidas de forma intensiva para o apoio a programas de alimentação escolar, podem gerar enormes ganhos, não apenas em termos de eficiência na gestão dos recursos públicos, mas também para a educação, a saúde e o desenvolvimento local, além dos seus impactos diretos sobre a segurança alimentar. Estes aspectos particulares foram demonstrados por Infante Barros (2005) em levantamento realizado no Chile, México e Brasil, além de outros estudos englobando as experiências locais no Brasil que apontaram na mesma direção. Vale lembrar que, por reforçar os aspectos da produção e do consumo local, preservando hábitos alimentares, os PAEs têm capacidade de promover o que se costuma denominar soberania alimentar das comunidades (CHONCHOL, 2005). De fato, os PAEs são capazes de gerar meios para desenvolver a produção local, desvinculando-a de crises setoriais e mantendo regularidade nas rendas da comunidade, ao mesmo tempo em que se garante o abastecimento alimentar. Em cenários de alta nos preços dos alimentos, a dinamização local por meio da agricultura familiar pode ser um caminho para evitar crises de abastecimento e falta de produtos essenciais à alimentação. Ademais, “(esses programas) podem cumprir um papel relevante na rede de proteção social devido a sua alta capacidade de responder em momentos de crise” (DUKE UNIVERSITY, 2005, p. 26). Este artigo usará o caso do Brasil como exemplo bem sucedido – mas não acabado – de um programa de alimentação escolar que serve como referência para toda a região, já que possui um desenho mais avançado, além de ter cobertura universal. Algumas Reflexões sobre os Programas de Alimentação Escolar na América Latina 105 Um total de quase 20 países da América possui programas de alimentação escolar; porém, muitos programas não passam de pequenas ajudas que são transferidas a certas escolas de regiões carentes em algumas épocas do ano. Em outros casos, a quantidade de alimentos utilizada nas merendas é tão pequena que proporciona baixos resultados em termos nutricionais. O objetivo mais direto deste trabalho é sugerir que os programas de alimentação escolar podem ser mais bem utilizados como instrumento de promoção da segurança alimentar e nutricional. Argumentamos que na América Latina tal instrumento não tem sido bem aproveitado em função do seu baixo alcance sobre a população mais necessitada e do valor relativamente reduzido das suas transferências. Mesmo no Brasil, considerado exemplo na implementação dos PAEs, os resultados medidos em termos de impacto direto ou na percepção da segurança alimentar são reduzidos ou não foram avaliados (FAO, 2006, p. 4). As constatações a respeito do impacto do PAE no Brasil são provenientes de levantamentos realizados com base na aplicação de questionários segundo a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), na Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (PNAD), feita em 2006.1 De toda forma, o poder que estes programas possuem para dinamizar a renda dos produtores locais, e outros elementos ligados à educação e à saúde nas comunidades, enseja a sua grande capacidade de atuar como política social conforme apontado por estudo de Belik e Chaim (2009). O presente artigo foi dividido em cinco seções: a primeira seção é esta introdução; a segunda analisa a literatura buscando identificar os impactos dos PAEs nas economias locais; a terceira discute os pontos de contato que podem ser estabelecidos entre educação e alimentação escolar; a quarta traça um panorama geral dos programas de alimentação escolar na América Latina, desde a década dos 1990. Ressalta-se que o exemplo do PAE brasileiro perpassará todo o texto, devido a seus aspectos de universalidade na oferta do serviço e seu desenho orientado para a dinamização da economia em nível local. Por fim, na quinta seção, temos a conclusão. 2 A ALIMENTAÇÃO ESCOLAR E O DESENVOLVIMENTO LOCAL: EVIDÊNCIAS DO CASO BRASILEIRO O fornecimento de alimentação nas escolas é um processo descentralizado por definição, pois a matéria-prima ou mesmo as refeições prontas precisam chegar até as escolas, as quais estão distribuídas em um amplo espaço geográfico. A alimentação se dá em um espaço de grande dispersão, procurando atender o seu público 1. A Ebia foi adotada na PNAD aplicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2006. Esta escala está baseada nos estudos de K. Radimer, da Universidade de Cornell nos Estados Unidos dos anos 1990. A escala de Radimer foi utilizada em diversos estudos patrocinados pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, conhecida como Household Food Security Survey Module (HFSSM), tendo sido aplicada, com adaptações e após validação, em várias comunidades na Venezuela, na Colômbia, na República Dominicana, no México, na Bolívia, na Guatemala, no Brasil, no Burkina Fasso, em Gana, na Malásia e nas Filipinas (MELGAR-QUINOMEZ et al., 2007). 106 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 beneficiário e, ao mesmo tempo, resguardar aspectos ligados aos hábitos alimentares de cada grupo envolvido. São muitas as dificuldades presentes no processo de obtenção dos alimentos utilizados e sua posterior distribuição para as escolas. Evidentemente, para países que dependem de doações da cooperação internacional para atender as necessidades de alimentação diárias dos estudantes, torna-se difícil levar em conta a importância da preservação dos hábitos alimentares locais. O mesmo se passa no que se refere às estruturas centralizadas de compra e gestão dos recursos públicos. Em países mais burocratizados e com controles mais rígidos, quanto aos poderes provinciais ou municipais, são menores as possibilidades de descentralização destas compras. Como resultado, temos compras centralizadas, muitas vezes concentradas em algumas poucas empresas fornecedoras, o que termina por reduzir a capacidade de compras de alimentos nas próprias localidades. Analisar o caso do Brasil nos permite entender como o sistema de alimentação escolar transitou de um formato focalizado em termos sociais e geográficos, com a compra centralizada, para um formato universal, com a aquisição de alimentos via compra descentralizada com base em sistemas locais de fornecimento. No Brasil, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) sofreu grande evolução em seus mais de 50 anos de vida. Em seu início, o PNAE era uma simples campanha voltada para algumas escolas durante alguns dias da semana. Seus suprimentos tinham relação direta com a disponibilidade proporcionada pelas doações de gêneros, provenientes da ajuda alimentar internacional e de programas como o Public Law (PL) 480 norte-americano.2 Em 1979, este apoio assumiu caráter universal e ampliou-se por todo o território nacional. No início da década de 1990, o PNAE começou a estruturar-se estabelecendo algumas regras referentes às quantidades a serem fornecidas aos escolares, aos valores nutricionais e ao sistema de compras envolvido no fornecimento. Finalmente, em 1994, adotou-se a descentralização da gestão do programa, promovendo o seu controle por parte da sociedade civil e as compras por meio de sistemas locais de abastecimento. Em 1994, o mesmo projeto de lei que descentralizou e municipalizou3 a merenda escolar recomendava a preferência de compra por produtos in natura e a priorização da produção local para reduzir custos. No ano de 1996, uma nova portaria passou a definir os critérios para aquisição de alimentos para 2. A PL 480 foi aprovada em 1954, nos Estados Unidos, e visava à compra de excedentes alimentares dos produtores para doação a países pobres. Internamente, a PL 480 representava um subsídio ao agricultor e uma forma de estabilizar os preços de mercado. 3. Essa lei tornou os municípios unidade responsável pela oferta da alimentação escolar, este fato foi um divisor de águas, pois foi por meio desta medida que se descentralizou a gestão da alimentação escolar no Brasil, colocando os seus mais de 5 mil municípios como responsáveis pela gestão e oferta da alimentação escolar. Algumas Reflexões sobre os Programas de Alimentação Escolar na América Latina 107 a merenda escolar. Esta portaria acentuou a importância da comercialização de alimentos produzidos na região para incentivar a produção local, além de recomendar a aquisição de produtos que estivessem em período de safra na região. Ademais, indicava-se a necessidade de evitar a compra de alimentos de empresas do setor de alimentação. As ações vinculadas ao PNAE, no modelo descentralizado, ou seja, após a municipalização da merenda escolar, centravam-se no estímulo ao associativismo e à profissionalização dos produtores agrícolas familiares. Neste modelo de administração, a prefeitura seria o agente promotor da associação entre alimentação escolar e desenvolvimento local. Entendemos que este desenho descentralizado do PNAE para promover o desenvolvimento local é o que apresenta maior funcionalidade, especialmente, para pequenos municípios. Com isso, é possível gerar estímulos sobre a pequena produção agropecuária que leva vantagens no que se refere à logística e ao preço/qualidade dos produtos para negociação local. Vale dizer, no entanto, que esta regra não se aplica à gestão da alimentação escolar nos grandes municípios e também para a compra de gêneros não perecíveis para os quais as aquisições em grandes quantidades podem representar uma redução de custos. Informações recolhidas nas quatro edições do Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, organizado pela organização não governamental (ONG) Ação Fome Zero,4 mostram que naqueles municípios que promoveram a compra de alimentos junto à agricultura e à agroindústria familiar ou ao pequeno comércio, ocorreram vantagens em termos de renda e emprego, além de propiciar uma alimentação saudável com manutenção dos hábitos alimentares regionais. Entretanto, esta opção por privilegiar os fornecedores locais sempre implicou grande esforço, seja no que se refere aos trâmites administrativos, ou mesmo no que diz respeito à reorientação das decisões de cunho político. Em alguns casos bem sucedidos de municípios analisados pelo Prêmio Gestor Eficiente da Merenda Escolar, já se possuía uma estrutura produtiva estabelecida e um sistema de distribuição constituído. Nestes casos, a gestão da merenda escolar era feita de forma rotineira e burocrática, até que, por algum motivo de crise, – como uma baixa nos preços de mercado pagos aos produtores locais, mudança nos fluxos dos mercados, ou mesmo por pressão exercida pelos produtores locais – a opção pela utilização das compras locais passou a ser adotada. Estes foram os casos da adoção do suco de laranja na merenda escolar na região de Bebedouro em São Paulo, do leite no oeste de Santa Catarina, do leite de cabra em Sergipe, da castanha do Pará em alguns municípios da Amazônia, do doce de coco em Quissamã no Rio de Janeiro e dos alimentos orgânicos em vários municípios analisados. 4. As informações sobre o prêmio podem ser verificadas no site: <www.premiomerenda.org.br>. 108 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 Corroborando com a perspectiva aqui levantada citamos estudos realizados por Infante Barros (2005, p. 12) nos quais há destaque para o sistema descentralizado de compras, praticado no nível da própria escola e os seus bons resultados junto à produção local, encontrados em países como a Colômbia, a Guatemala e a Costa Rica. Em outros casos analisados, o avanço de programas de compra da agricultura familiar ocorreu de forma mais lenta, pois envolveu o que chamamos de desenvolvimento de fornecedores. Nestas situações, torna-se necessário identificar produtores, capacitá-los para atender aos requisitos de qualidade exigida, auxiliálos na preparação de documentação e estabelecer rotinas de atendimento e de entrega. Normalmente, o desenvolvimento de fornecedores inicia-se na escola, com programas de educação alimentar e recuperação de tradições e hábitos locais apoiados ou incentivados pelo Conselho Municipal de Alimentação Escolar (CAE). Em momento posterior, há o envolvimento de agrônomos, de assistentes sociais e do pessoal administrativo da prefeitura nas compras escolares. Devido ao fato da legislação brasileira ser muito rígida, dificultando que os pequenos produtores participem dos processos licitatórios, cabe aos funcionários administrativos da prefeitura encontrar meios de contornar esta legislação para torná-la mais adequada ao regime de compras locais. Evidentemente, as possibilidades abertas pela legislação brasileira para a compra sem licitação são pequenas,5 mas sempre é possível utilizar o sistema de registro de preços,6 ou mesmo utilizar outras verbas orçamentárias ou extraorçamentárias para o desenvolvimento de programas e a compra da agricultura familiar, com repasses de outros programas estaduais e federais. Em 2003, o governo brasileiro lançou o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), com uma modalidade para a compra da agricultura familiar – sem licitação em montante de até R$ 5 mil/ano – e posterior doação deste alimento para a merenda escolar. Mais tarde, esta modalidade foi subdividida em outras; entretanto, podemos resumir a atuação do governo neste particular em dois tipos: a compra de gêneros para doação simultânea e o programa de compra do leite, também orientado para doação. Em ambos os casos, as estatísticas não fazem diferenciação sobre o destino das compras, podendo ser utilizadas para a merenda escolar como também para doação a instituições de assistência social. 5. A Lei no 8.666/1993 dispensa de licitação a compra de até R$ 8.000,00 a partir da consulta de, no mínimo, três orçamentos. 6. Por um lado, esse sistema permite a compra de grandes quantidades, feita de forma paulatina e regular, a partir da escolha de um fornecedor com preço registrado mais baixo em período anterior, facilita a atuação do pequeno produtor, que não tem grandes quantidades a entregar de uma só vez, e torna desinteressante a participação do grande fornecedor, que tem de fazer várias entregas e prover a prefeitura de forma desagregada. Por outro lado, o sistema faculta ao órgão público comprar de outro fornecedor, caso o preço de registro apresente-se mais elevado em determinadas épocas do ano – períodos de safras, por exemplo. Algumas Reflexões sobre os Programas de Alimentação Escolar na América Latina 109 Segundo Turpin (2008), foram gastos R$ 619 milhões entre 2003 e 2008 com estes dois programas7 nos estados e municípios; porém, não se sabe ao certo quanto foi destinado à alimentação escolar. Em adição a estas cifras, vale mencionar que há ainda outro montante, operado diretamente pela Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), que pode também ter recebido algum recurso dirigido para a merenda escolar. O modelo ideal de utilização de fundos para a merenda escolar deve considerar dois aspectos importantes, a saber: i) preservar a capacidade de manter as compras da merenda escolar sob o controle do município – ou da escola; e ii) permitir que as compras de alimentos de pequenos produtores cadastrados e desenvolvidos para o fornecimento da merenda escolar possam alcançar valores maiores e mais significativos do ponto de vista comercial. Para que essas medidas possam ser concretizadas, é preciso melhorar o aporte de alimentos destinados à merenda escolar. Atualmente, a legislação brasileira prevê que a merenda deve atender a 15 % das necessidades calóricas diárias e prover 9 g de proteína para a criança durante os 200 dias letivos do calendário escolar. Sabemos que estes valores reduzidos não poderiam alterar significativamente o quadro nutricional do público infantil. No entanto, com mais refeições e alimentação de melhor qualidade, as municipalidades necessitariam comprar mais, permitindo, assim, a manutenção de um volume significativo de alimentos a serem adquiridos da agricultura familiar. Outra providência importante poderia ser o incentivo à criação de hortas escolares – administradas por famílias ou cooperativas de produtores – para oferta local. Para tanto, o poder público deveria disponibilizar áreas ociosas em terrenos municipais e áreas contíguas às escolas. Este é um elemento importante para o funcionamento de uma relação direta entre fornecedores e compradores, no que se refere à qualidade dos alimentos fornecidos. Ao mesmo tempo, a proximidade das áreas de produção permite o desenvolvimento de atividades escolares tendo a merenda – produção, relações de trabalho, conteúdo nutricional e outros elementos – como ponto de destaque. Atualmente, o programa brasileiro atende um total de 37 milhões de crianças – pré-escola, ensino infantil e fundamental – com gastos da União, superiores a R$ 1,5 bilhão. Estima-se que, com a incorporação dos estudantes do ensino médio – previsto para 2009 – ao PNAE, o gasto do governo federal deverá superar os R$ 2 bilhões, atendendo a 45 milhões de alunos. Outra inovação importante deverá ser introduzida também em 2009, que é a diretriz estabelecendo percentuais para a compra local. Isto porque a legislação atual prevê que 70% do valor 7. Compra com doação simultânea e programa de compra do leite, ambos participam do Programa de Aquisição de Alimentos. 110 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 repassado devem ser utilizados para compra de produtos básicos, o que por si não é uma garantia de compra junto aos agricultores locais. Primeiramente, porque nem todos os municípios produzem tudo que é necessário, existem vários municípios urbanos. Em segundo lugar, muitos produtos básicos são industrializados, como queijos, carnes, farinhas, óleo de soja etc., na maioria dos casos os produtores locais não têm condições de fornecer estes bens em condições adequadas. Finalmente, há um problema de preços praticados; muitas vezes, a compra de produtos – mesmo aqueles da produção local – é mais barata quando feita por meio de empresas fornecedoras. Isto sem contar custos de transação envolvidos na operação com pequenos produtores. Nesta seção, procuramos estudar os pontos de contato entre a alimentação escolar e a dinamização local, com base no exemplo brasileiro, cuja importância em termos de PAE na América Latina ainda será explorada na sequência deste estudo. A próxima seção busca traçar uma relação entre os programas de alimentação escolar e o aproveitamento educacional dos escolares beneficiados. 3 EDUCAÇÃO E ALIMENTAÇÃO A valorização do espaço escolar como elemento para atração das comunidades e participação democrática provoca efeitos que vão além dos objetivos iniciais de criar uma unidade administrativa de menor tamanho para a gestão e o acompanhamento das políticas públicas. Nesses municípios, a escola funciona como ponto de encontro da comunidade promovendo a educação, a boa nutrição e a integração dos grupos mais vulneráveis. Dessa maneira, vislumbrar a escola como um verdadeiro centro de referência em segurança alimentar, tendo os programas de educação alimentar – municipais, estaduais ou federais – como seus condutores, poderia abrir um novo horizonte para que as comunidades pudessem participar de um novo desenho das políticas de segurança alimentar. A participação popular faculta o “empoderamento” dos atores e tem se tornado a “nova política da política pública” que, embora tenha raízes na preocupação neoliberal de reduzir a tutela do Estado nas decisões de política, promove a cidadania e tem grande potencial de revitalizar a democracia (GAVENTA, 2007). Portanto, não podemos vislumbrar os PAEs como unicamente voltados para alimentação e nutrição. Muitas pesquisas foram realizadas sobre a efetividade dos programas de alimentação escolar em termos nutricionais, e a pergunta que tem balizado tais pesquisas é: qual seria o impacto da alimentação escolar em termos nutricionais? Segundo levantamento de Kristjansson et al. (2007), não seria possível apontar dados conclusivos a respeito do impacto da merenda escolar sobre a nutrição das crianças. Um mapeamento de 18 estudos realizados desde a década de 1920, nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, mostra que os resultados variam Algumas Reflexões sobre os Programas de Alimentação Escolar na América Latina 111 dependendo do grupo que está sendo analisado, da qualidade e da frequência dos alimentos fornecidos e de outras variáveis da conjuntura econômica envolvidas no processo. Pode-se concluir, entretanto, que, do ponto de vista da frequência escolar e da redução da repetência e/ou do abandono escolar, os programas de alimentação escolar representam um grande avanço. No estudo de Kristjansson et al. foram analisados os impactos da alimentação escolar tanto em países de baixa renda como em países de alta renda: Results for height from High Income countries were mixed, but generally positive. In low income countries, children who were fed at school attended school more frequently than those in control groups; this finding translated to an average increase of 4 to 6 days a year per child. For educational and cognitive outcomes, children who were fed at school gained more than controls on math achievement, and on some short-term cognitive tasks. School meals may have small physical and psychosocial benefits for disadvantaged children (2007, p. 8). É bastante comum a associação das dificuldades de aprendizagem em crianças em idade escolar com insuficiência na aquisição de micronutrientes. No trabalho de Kristjansson et al. (2007), ficou clara a capacidade dos programas de alimentação escolar em ajudar a minimizar os impactos negativos da desnutrição sobre o processo de aprendizagem. Os autores consideram que os programas de alimentação escolar podem ter como objetivos: aliviar a fome no curto prazo (ALLEN, 2001 apud KRIJSTJANSSON et al., 2007); ofertar os micronutrientes essenciais ao desenvolvimento saudável da criança; facultar o crescimento das crianças (ALLEN, 2001; LEVINGER, 1986 apud KRIJSTJANSSON et al., 2007); promover o desenvolvimento cognitivo das crianças; e melhorar sua performance acadêmica (LEVINGER, 1986 apud KRIJSTJANSSON et al., 2007). O estudo de Krijstjansson et al. também afirma que “nos países em desenvolvimento a alimentação escolar visa melhorar a frequência escolar, a participação e encorajar os estudantes”. A conclusão mencionada válida para países em desenvolvimento pode ser corroborada pela análise do programa de merenda escolar norte-americano. Segundo evidências, a partir do National School Luch Program (NSLP) em atividade desde 1946, quando foi transformado em um programa de alcance nacional, o programa de alimentação escolar norte-americano cumpre o papel de ampliar a frequência escolar. Atualmente, o NSLP atende a todas as crianças e aos jovens do ensino elementar e secundário, cujas famílias possuam uma renda máxima entre 131% e 185% da linha da pobreza. As refeições para os alunos são subsidiadas, sendo que o Estado cobre até US$ 1,14 do valor da refeição, dependendo do tipo de alimentação e da família beneficiária8 (ROSSI, 1998, p. 67). 8. Dados de 1997-1998. 112 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 Segundo estudos realizados em diversas escolas norte-americanas nos anos 1980, observa-se um aumento claro de frequência e pontualidade entre os alunos participantes do NSLP; entretanto, não foi possível concluir sobre a melhoria no rendimento destes estudantes em disciplinas como linguagem, matemática e leitura. Por outro lado, existem evidências de que os almoços dos estudantes beneficiários continham calorias e nutrientes em excesso com evidentes implicações sobre a situação de obesidade destas crianças e jovens (ROSSI, 1998, p. 76). Um estudo mais abrangente foi realizado pelo Programa Mundial de Alimentos (PMA), segundo este organismo das Organiazação das Nações Unidas (ONU), quando a alimentação foi oferecida nas escolas além da fome ter sido aliviada imediatamente em um ano, a frequência escolar praticamente dobrou (WFB, 2005). Logo, no que se refere a ampliação da frequência escolar há indícios claros de pontos de contato com o programa de alimentação, embora os seus efeitos objetivos na nutrição não tenham sido constatados. De acordo com Krijstajansson et al.(2007), pesquisas apresentadas em encontro realizado no ano de 2000, a respeito do impacto da alimentação escolar indicaram que existe baixa evidência dos benefícios nutricionais da alimentação escolar, muito embora se possa apresentar fortes indícios de melhorias no processo de aprendizagem. Ao mesmo tempo, é preciso ressaltar, tal como afirma MacIntyre (1992), citado por Krijstjansson et al., que a alimentação escolar direciona-se muito mais aos sintomas da fome que às suas causas subjacentes. Ou seja, embora o alimento possa dar uma satisfação imediata ao estudante, as raízes da desnutrição nas crianças beneficiadas podem persistir. O mesmo estudo encontrou efeitos positivos da alimentação escolar sobre o crescimento da massa muscular da criança em algumas situações especiais. Já em relação à capacidade cognitiva das crianças, os testes mostraram que existem efeitos de longo prazo, além de outros impactos de curto prazo como mudanças metabólicas que aumentam a oferta de energia para as crianças (KRIJSTJANSSON et al., 2007, p. 23). Em termos de comportamento, a pesquisa dos autores referidos indica que houve melhoria na interação das crianças nas atividades da escola após a oferta da alimentação escolar. Para resumir, o estudo dos autores referenciados indica que os impactos são pequenos em termos antropométricos. No entanto, ressaltamos as evidências de que a alimentação escolar trouxe uma melhoria nos indicadores relativos a inteligência, capacidade de compreensão e comportamento. Assumimos que a magnitude dos benefícios depende do desenho do programa. Greenhalgh, Kristjansson e Robinson (2007, p. 858) em artigo publicado no British Medical Journal, corroboram com essas afirmações e reforçam o fato de que: Algumas Reflexões sobre os Programas de Alimentação Escolar na América Latina 113 (...) apesar de se verificar que os programas têm um efeito significativo no crescimento e no desempenho cognitivo das crianças, as pesquisas realizadas tiveram muitos desenhos diferentes e foram implementadas em contextos sociais e sistemas educacionais variados, por pessoas das mais diferentes formações, culturas e crenças; e com uma ampla variação no ambiente econômico e contexto político. As autoras mostram que uma pesquisa realizada com o fornecimento de suplementos à base de leite para estudantes na Grã-Bretanha em 1920, período de recessão, mostrou um efeito evidente sobre o crescimento das crianças. A mesma pesquisa, com o mesmo suplemento a base de leite, foi aplicada em crianças britânicas em 1970, quando não apresentou benefício significativo (GREENHALGH; KRISTJANSSON; ROBINSON, 2007, p. 859). Ainda que reconheçamos a necessidade de uma avaliação mais detalhada a respeito dos impactos dos programas de alimentação escolar sobre variáveis como: peso, altura, desenvolvimento cognitivo e melhorias nutricionais em geral, é importante reconhecer que os impactos existem e que os desenhos das políticas devem abrir possibilidades que permitam maximizar estes efeitos positivos almejados pela alimentação escolar. Vale lembrar que em muitos casos uma boa alimentação escolar pode influenciar a mudança de hábitos alimentares da família, mas também pode acontecer de a alimentação na escolar induzir uma redução da quantidade de alimento servido a esta criança em seu lar (GREENHALGH; KRISTJANSSON; ROBINSON, 2007, p. 860). Na próxima seção, faremos um panorama das características principais dos programas de alimentação escolar em diferentes países da América Latina. 4 O “ESTADO DA ARTE” DOS PROGRAMAS DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NA AMÉRICA LATINA Na América Latina, os programas de alimentação escolar já possuem algumas décadas de existência. O Uruguai apresenta o mais antigo, com o surgimento datado do começo do século XX, sendo que os demais pertencem aos anos 1950 e 1960 (COHEN; FRANCO, 2005). Apesar do caráter pioneiro destes programas, a desnutrição ainda se apresenta com alta incidência na região como um verdadeiro problema de saúde pública ainda não solucionado. Os eixos gerais perseguidos pelos PAEs são: o alívio da pobreza no curto prazo associado à melhoria nos níveis nutricionais e a manutenção das crianças na escola. Ao mesmo tempo, estes programas, para terem efetividade, demandam fortemente investimentos em infraestrutura – saneamento básico, energia elétrica, meios de transporte etc. – além de serem dependentes de uma coordenação institucional que pode estar nos âmbitos da sociedade civil, governo ou mesmo de organismos internacionais. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 114 Segundo a FAO (2007), os PAEs são fundamentais para reduzir a pobreza e a desigualdade econômica e social, tendo em vista que: • Provém alimento seguro e sustentável aos menores em idade escolar, incentivam maior participação das crianças na escola e auxiliam na redução do abandono escolar e das dificuldades de aprendizagem. • Oferecem um percentual importante de calorias, proteínas e vitaminas que as crianças necessitam para obter melhor nutrição. • Auxiliam a integração social e comunitária, contribuindo com a formação de capital social via participação de pais, professores e autoridades locais no processo de distribuição, armazenamento, preparação e entrega de alimentos. • Oferecem oportunidade de aprendizagem e inovação pedagógica ao envolver diferentes atores no processo. • Contribuem para mobilização de recursos locais por meio da compra de alimentos de pequenos produtores e utilização de recursos originários da comunidade. • Promovem a inserção de crianças e indígenas na escola e comunidade, integrando enfoques de gênero sem discriminação por raça. • Nos casos em que estão associados aos programas de saúde, contribuem para maior participação da comunidade em programas de saúde e nutrição. Em relação a esta lista, podemos acrescentar mais dois aspectos de grande importância para o desenvolvimento regional. Em primeiro lugar, do ponto de vista econômico, os programas de alimentação escolar, quando bem desenhados, permitem o fechamento do circuito de geração de renda e distribuição dos benefícios, promovendo o desenvolvimento local e evitando transbordamentos desta renda. Em segundo lugar, do ponto de vista do “empoderamento”, estes programas promovem a transparência nas relações sociais aproximando o poder público com os pais de alunos e a sociedade civil organizada. Em resumo, a gestão local dos recursos da alimentação escolar reforça o sentimento de pertencimento comunitário.9 Na América Latina, os programas de alimentação escolar generalizaram-se nos anos 1950, a partir de repasses de recursos e alimentos provenientes da ajuda humanitária internacional, por exemplo, o programa PL 480 dos Estados Unidos. 9. Conforme definição apresentada por Cepal (2007b, p. 39), o sentimento de pertencimento pode ser medido objetivamente por cinco indicadores, a saber: reconhecimento multicultural por parte da sociedade, confiança nas instituições do Estado, espaços de participação, expectativas sobre o futuro e solidariedade. Algumas Reflexões sobre os Programas de Alimentação Escolar na América Latina 115 Segundo Levine (2008), a doação de alimentos tinha como objetivo reduzir o superávit de produção dos agricultores norte-americanos e já havia sido aplicada durante os anos 1930, nos Estados Unidos, para garantir a alimentação escolar. Nos anos 1950, no contexto da Guerra Fria e visando alimentar o terceiro mundo, o Congresso norte-americano aprovou a doação de alimentos como forma de conter os movimentos revolucionários que começavam a emergir em vários países da região. Milhares de toneladas de trigo, milho e leite em pó foram enviados aos países com nomes de sugestivos programas como Aliança para o Progresso e Alimentos para a Paz. Relatórios do governo Johnson, nos anos 1960, mencionados por Levine, indicam que praticamente nada se sabia entre os doadores acerca dos hábitos alimentares das populações que iriam receber os alimentos doados. Em 1962, a ONU criou o Programa Mundial de Alimentos, organismo voltado para o desenvolvimento de programas emergenciais de doação. Em pouco tempo, o PMA passou a administrar uma parte importante dos excedentes norteamericanos, sendo que os Estados Unidos transformaram-se no principal doador. Segundo Marchione (2002), aproximadamente metade do que o PMA faz como doação atualmente vem dos Estados Unidos. Muito embora o PL 480 tenha um orçamento anual aprovado pelo Congresso, a ajuda alimentar norte-americana pode extrapolar este total sempre que houver excedentes agrícolas sem colocação no mercado (MARCHIONE, 2002, p. 210). Os programas de alimentação escolar em boa parte da América Central foram estruturados com base nos excedentes americanos, à semelhança dos programas dos anos 1930. Mais tarde, em 1946, os países da América Central passaram a orientar-se no programa nacional norte-americano, após a institucionalização do National School Lunch Program nos Estados Unidos (BICKEL & ANDREWS, 2002). Posteriormente, estes programas foram transferidos para a administração do PMA. Atualmente, o PMA sustenta programas de alimentação escolar em 74 países atendendo 21,7 milhões de estudantes em 2005.10 A partir do documento Programas de Alimentación Escolar en América Latina y el Caribe,11 é possível reter que, entre os países analisados,12 o Brasil é o único que apresenta um desenho de PAE de caráter puramente universal, em que todas as crianças que frequentam escolas da rede pública nos níveis da pré-escola e educação primária recebem refeições, cujo fornecimento tem frequência anual, embora a lei garanta a alimentação para apenas e tão somente os 200 dias letivos. 10. Disponível em: <http://www.wfp.org/food_aid/school_feeding/Docs/WFP%20SFfactsheet%20SP06.pdf>. Acesso em: 31 jul. 2008. 11. Preparado para o escritório regional da FAO para a América Latina e o Caribe, com nossa participação durante o ano de 2007. 12. Os países analisados pelo documento foram: Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile, Equador, Guatemala, Honduras e México. 116 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 Os demais países apresentam programas focalizados, seja no quesito renda ou em termos geográficos. Dessa maneira, apenas os grupos mais pobres ou de regiões escolhidas recebem a merenda escolar. Por exemplo, a Bolívia focaliza seus programas em duas províncias, já a Colômbia focaliza o programa em áreas rurais e em localidades em que existe maior diversidade étnica. Outros países oferecem a merenda escolar por poucos dias durante um ano e, ao mesmo tempo, oferecem exclusivamente o café da manhã ou almoço – quase não oferecendo ambos –, como podemos verificar no caso do Equador. Já o Chile apresenta um programa de caráter universal em termos territoriais, mas com seleção baseada na renda das famílias dos estudantes. O Chile parte de um PAE com uma proposta universal; porém, com desenho focalizado em que somente os estudantes de renda mais baixa obtêm o acesso à alimentação. Este programa é administrado de forma centralizada pela Junta Nacional de Auxilio Escolar e Becas (JUNAEB), encarregada de fazer as compras da merenda e definir os beneficiários do programa. Conforme dados do inventário realizado pela América Latina Red de Alimentación Escolar (LA-RAE),13 em dezembro de 2005, entre os países latino-americanos, somente o Peru – além do Brasil – deixou de ter ajuda internacional para os seus PAEs. Ao mesmo tempo, este levantamento aponta que somente o Brasil possui um programa de atendimento universal, que funciona com recursos integrais originários de orçamentos públicos. Os demais países têm estratégias diferenciadas de focalização, as quais priorizam um ou mais critérios, como municípios com alto índice de pobreza, presença de escolas, locais em que os níveis de frequência escolar são baixos, áreas rurais e regiões com populações originárias. Nos países que optaram pela focalização, a seleção dos beneficiários é feita por meio de indicadores de pobreza e carências materiais. De modo geral, comparando-se a situação dos países na América Latina, os PAEs alcançam uma cobertura em torno de 40% para alunos da pré-escola e ensino básico (TURPIN, 2008), o que pode ser considerado muito baixo. A respeito dos programas internos de cada país, Abreu (1995) apresentou uma classificação em três grupos de países da América Latina: 1. Aqueles com economias menos complexas, de baixa industrialização, em que não há tradição de intervenção do Estado na área social e a execução do programa de merenda escolar é focalizada e centralizada, existindo grande dependência externa, em que se enquadravam Bolívia, Equador, Peru, Nicarágua e Guatemala. 13. Rede de pesquisadores, empresas e gestores envolvidos na alimentação escolar com a América Latina. Algumas Reflexões sobre os Programas de Alimentação Escolar na América Latina 117 2. Os países com uma economia mais desenvolvida, cujos exemplos são a Colômbia, a Venezuela e o Chile, em que a merenda ainda é administrada de forma altamente focalizada e centralizada, embora com maior flexibilidade de gestão que os primeiros. 3. Os países que, assim como o Brasil, possuíam já no momento do estudo economias mais diversificadas, com significativa industrialização, em que as políticas de alimentação escolar decorriam de uma longa história de atuação do Estado na área social, caracterizando-se por baixo financiamento externo. Na América Latina, tornou-se unânime o estabelecimento do objetivo principal dos programas como sendo a promoção da equidade no sistema educacional. O objetivo de equidade poderia ser alcançado a partir dos PAEs, uma vez que estes contribuem para a melhoria no acesso, a permanência e as habilidades de aprendizagem dos escolares mais vulneráveis, bem como a garantia das suas necessidades nutricionais, particularmente de carências específicas – ferro, vitamina A, iodo e cálcio. Com isso, estes alunos estariam em igualdade de condições com os outros escolares que se alimentam regularmente, desde que os programas se estabelecessem de forma regular e com um aporte alimentar significativo. O México, por exemplo, enfatiza a equidade de gênero no desenho do seu PAE. Bolívia e Colômbia almejam o fortalecimento da pequena produção agrícola com a compra local, enquanto outros visam ao desenvolvimento de hortas escolares, como é o caso da Argentina. Em resumo, são poucos os países do mundo que possuem programas de merenda escolar de alcance verdadeiramente universal. Na América Latina, apenas três países possuem programas de merenda escolar com expressão nacional e ampla cobertura: Brasil, Chile e Panamá. Embora no Chile, assim como nos Estados Unidos, a alimentação escolar não possua características universais, pois só está disponível para os alunos que se declaram ou são considerados pobres. Nos demais países da América Latina, a merenda escolar não tem cobertura nacional – são programas localizados, não atendem todos os dias do ano letivo e também não dispõem de fontes de financiamento fixas e constantes ao longo do tempo, com base em legislação. Em seguida, apresentamos um quadro resumindo as principais características dos PAEs em países da América Latina, segundo os últimos dados disponíveis. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 118 QUADRO 1 Caracterização dos programas de alimentação escolar na América Latina1 País Ano de início Focalizado/ universal Alunos beneficiados (103) Argentina 1964 F 1.978 Bolívia 1996 F3 1.274 Cobertura Gasto anual (US$106)2 Gasto dia/ aluno (US$) Tipo de alimentos Dias/ano 200 dias Básica 75 0,15 Desjejum e almoço Básica 20,2 0,08 Desjejum Sem inf. 1.490 5 0,13 Lanches ou almoços 200 dias 1954 U 34.600 Pré-escolar e básica Colômbia 1941 F 2.612 Pré-escolar e básica 39,2 0,08 Desjejum, lanche e almoço 1426 Costa Rica Sem inf. F 666 Pré-escolar e básica 20,9 0,30 Desjejum e almoço Sem inf. 1964 U7 2.835 Pré-escolar e básica 165,7 0,50 Desjejum e almoço 180 dias Brasil 4 Chile Equador 1987 F 2.189 Básica 30,1 0,12 Desjejum e Apenas parte almoço do ano escolar8 Guatemala 1956 F 2.706 Pré-escolar e básica 27,2 0,09 Lanche Sem inf. Honduras 1970 F 1.826 Básica 9,9 0,57 Desjejum 200 dias México 1960 F 18.351 Básica 286,4 0,26 Desjejum Sem inf. Nicarágua 1994 4,9 0,06 Lanche Sem inf. Leite e bolachas e almoços 150 dias 9 F 938 Pré-escolar e básica Panamá10 Sem inf. U 473 Básica 18,711 0,26 Paraguai Sem inf. F 1.384 Básica 5,0 0,05 Peru 1950 F 4.508 Pré-escolar e básica 75,4 Uruguai 1910 F 405 Básica Sem inf. F 5.427 Básica Venezuela 12 Sem inf. 0,13 Desjejum e almoço Sem inf. 16,6 0,39 Desjejum, lanche e almoço Sem inf. 55,8 0,38 Desjejum, lanche e almoço Sem inf. Elaboração dos autores. Notas: 1 Esta tabela foi construída com base em estudo desenvolvido por Zepeda (2008), Infante Barros (2005) e FAO (2007). Os dados foram compilados basicamente a partir de dados de 2007, apenas o caso do Brasil é que apresentou dados atualizados para 2008. 2 Do governo central, exceto Brasil, com estimativa de contribuição dos estados e municípios. 3 Em artigo retirado do site <http://www.oei.es/noticias/spip.php?article1303>, tem-se que a Bolívia irá promover a universalização do PAE. O artigo é datado de 5 de novembro de 2007. 4 PNAE do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)/Ministério da Educação (MEC) para 2008. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/>. Acesso em: 21 jul. 2009. 5 Considerando-se o gasto de R$1,6 bilhão do governo federal com uma complementação integral deste valor, segundo a lei, cumprido por apenas 50% dos municípios. Transformado em dólares ao câmbio médio de 2008 de R$ 1,90/US$. 6 Dados para 2006, informação retirada do documento da FAO (2007). 7 O programa é considerado universal porque qualquer aluno da rede de ensino do Chile tem direito de pedir a alimentação escolar; entretanto, existe um critério de seletividade que coloca que apenas os alunos carentes, com renda abaixo de um determinado patamar, terão acesso à alimentação escolar. Portanto, o programa pode ser classificado como universal com critério de seletividade. 8 O dado mais recente coloca a oferta de 88 dias de desjejum e 54 dias de almoço, este dado foi coletado para o ano de 2004 (FAO, 2007). 9 Disponível em: <http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/1010/912>. Acesso em: 25 ago. 2008. 10 Ministério de Educação do Panamá (Meduca) para 2007. 11 Média dos anos 2005-2007. 12 Nasceu com ajuda da United States Agency for International Development (USAID), via programa Alimentos para o Desenvolvimento. Ver Martinez (2005). Algumas Reflexões sobre os Programas de Alimentação Escolar na América Latina 119 Acompanhando a situação dos programas de alimentação escolar na América Latina, observamos alguns movimentos recentes que poderão alterar o quadro apresentado: Há informações que, no caso da Bolívia,14 o governo haveria encaminhado uma lei que garantiria a universalização do Programa de Alimentação Escolar, a partir de 2007. Os recursos para o financiamento desta expansão viriam das rendas decorrentes do aumento dos preços do gás natural extraído do solo boliviano. Entretanto, não há informações sobre os desdobramentos desta lei nem de seus impactos no período recente. No caso da Nicarágua, em 1994, foi iniciado o Programa Integral de Nutrición Escolar,15 o qual deu um caráter permanente com temporalidade indefinida ao PAE na Nicarágua. Este programa procura reunir as várias ações pulverizadas existentes na Nicarágua, com objetivos semelhantes ao PAE, mas que tiveram seu surgimento datado de 25 a 30 anos atrás. Recentemente no Uruguai, o governo anunciou uma diferenciação na alimentação servida por tipo de escola e região. A alimentação escolar teria oferta universal, mas ocorreriam distinções.16 Por exemplo, nas escolas rurais, todas as crianças receberiam almoço diário; já nas escolas especiais, com jornada de oito horas diárias, todos os alunos receberiam desjejum, almoço e merenda, enquanto nas escolas urbanas, o almoço seria servido de acordo com a demanda. O objetivo do quadro 1 foi apresentar um breve panorama das ações para alimentação escolar na América Latina, cujo objetivo maior foi a descrição da situação destas intervenções e a demonstração da enorme heterogeneidade que existe entre estes países no que se refere à cobertura, valores de refeição escolar e público beneficiado. Além disso, o quadro visou corroborar com os objetivos deste artigo, qual seja, o de apontar as características centrais dos PAEs em praticamente todos os países da região e indicar que, dado o caráter generalizado destes programas, muito embora a sua heterogeneidade, estes poderiam ser utilizados como ferramenta para promover melhorias nutricionais às crianças latino-americanas e dinamizar as economias locais. 5 CONCLUSÕES Este artigo procurou demonstrar a abrangência dos programas de alimentação escolar na América Latina e suas possibilidades enquanto instrumentos de melhoria na educação de crianças e adolescentes. O artigo apresentou evidências de que a alimentação escolar tem potencial para melhorar a situação nutricional do público escolar, desde que as refeições sejam oferecidas em número e quantidade suficientes. Ademais, observou-se, tendo em vista os casos estudados, que, quando articulada à produção local, a alimentação escolar pode ser um poderoso instrumento de dinamização local. 14. Disponível em: <http://www.oei.es/noticias/spip.php?article1303>. Acesso em: 31 jul. 2008. 15. Disponível em: <http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/1010/912>. Acesso em: 31 jul. 2008. 16. Disponível em: <http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/1003/906>. Acesso em: 31 jul. 2008. 120 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 Existem muitos modelos de programas adaptados às realidades locais e restritos à capacidade financeira dos governos. Entretanto, para enfrentamento da questão da pobreza e fome na América Latina, é essencial que haja uma complementação de esforços entre as comunidades, entidades governamentais e agências multilaterais, de maneira a avançar no sentido da promoção de melhorias nos sistemas educacionais incluindo o apoio à saúde e à infraestrutura. Os PAEs poderiam ser o motor e a pedra de toque destas mudanças. Outro aspecto essencial dos PAEs refere-se à sua gestão. A observação dos casos latino-americanos mostrou que são majoritariamente focalizados, indicando que poucos destes programas são descentralizados ao nível de região e geridos democraticamente. A descentralização faculta o atendimento diferenciado dos diversos grupos sociais, a promoção da capacitação e a educação nutricional; e incorpora os programas de saúde e nutrição por meio de uma dieta rica e capaz de manter o respeito às tradições locais. Os levantamentos já realizados sobre o tema na América Latina destacam o caso do Brasil com um programa de alimentação escolar de desenho universal e descentralizado, cujos aportes de recursos são completamente definidos por orçamento do governo federal com perenidade garantida por lei. Outros países como Panamá e Chile possuem programas de abrangência nacional, mas no caso do Chile, sua ação é direcionada, ou seja, há um processo de seletividade e focalização na oferta do programa de alimentação escolar. Tendo em vista o cenário de um permanente aumento nos preços dos alimentos, a alimentação escolar apresenta-se como elemento crucial e um dos pilares de uma política social para os países de baixa renda. Como observamos, a alimentação escolar garante o acesso mínimo das crianças à alimentação combatendo a fome imediata, ao mesmo tempo em que pode permitir a dinamização das economias locais. No longo prazo, a melhoria nos níveis nutricionais das crianças depende de outros fatores, como a renda das famílias, a saúde e outros investimentos em infraestrutura. Ainda que não existam dados consolidados a respeito dos impactos da alimentação escolar sobre nutrição e rendimento escolar das crianças, é importante utilizar a alimentação escolar para aumentar os efeitos positivos sobre os três eixos que a política pode afetar, quais sejam: desenvolvimento local, aproveitamento escolar e ampliação da segurança alimentar da população. Os PAEs aplicados na América Latina são muito heterogêneos e, com isso, seus resultados dependem em muito dos seus desenhos. O texto buscou indicar a importância de um programa de alimentação escolar em países nos quais persistem a mortalidade infantil e a fome. Em termos de resultados, demonstramos que os PAEs promovem ampliação da frequência escolar, mas efeitos nutricionais precisam ainda ser melhor investigados. No que se refere à dinamização local, podemos perceber que os municípios que fizeram localmente as compras para a merenda escolar conseguiram ampliar a renda da sua população e dinamizaram o comércio regional. Algumas Reflexões sobre os Programas de Alimentação Escolar na América Latina 121 REFERÊNCIAS ABREU, M. Alimentação escolar na América Latina: programas universais ou focalizados/políticas de descentralização. Em Aberto, Brasília, ano 15, n. 67, p. 21-32, jul./set. 1995. Disponível em: <http://emaberto.inep.gov.br/index. php/emaberto/article/viewFile/1003/906>. Acesso em: 25 ago. 2008. BELIK, W; CHAIM, N. A. O Programa Nacional de Alimentação Escolar e a gestão municipal: eficiência administrativa, controle social e desenvolvimento local. Revista Brasileira de Nutrição, v. 21, n. 3, 2009. BICKEL, G. W.; ANDREWS, M. S. A evolução do Programa de Cupom Alimentação e a mensuração da fome dos Estados Unidos. In: TAKAGI, M.; GRAZIANO S. J.; BELIK, W. (Org.). 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Na parte final do artigo, tentamos demonstrar que o modelo desejável de governança eletrônica pode ser alcançado por um amálgama dos dois processos. Palavras-chave: Governo Eletrônico; Governança Eletrônica; Orçamento Participativo; Internet; Participação Política. Eletronic Governance in Brazil: limits and possibilities with the introduction of Internet in the Participatory Budget This paper looks after a comparison between the concepts of electronic government and electronic governance. The first one, in my view is related to an offer of efficient and confortable services given to the citizen through the internet. There are some controversies between the concept of electronic governance, but I define it as connected to public politics, popular participation and several interactions between society and the State. In a second moment of the article, I present models of Participatory Budgeting in the internet as examples of electronic governance in Brazil. The Participatory Budgeting of Porto Alegre presented strong informative e state monitoring characteristics. The Belo Horizonte’s model focused on the direct participation of the citizens. In the last part of the study, I try to show that the desirable model of electronic governance can be achieved by a fusion between the two process. Key words: Electronic Government; Electronic Governance; Participatory Budgeting; Political Participation. GOVERNACIÓN ELECTRÓNICA EN BRASIL: LIMITES Y POSIBILIDADES INTRODUCIDAS POR EL PRESUPUESTO PARTICIPATIVO EN INTERNET El artículo inicialmente compara los conceptos de gobierno electrónico y gobernación electrónica. El primero, según nuestra concepción, está relacionado con la oferta de servicios eficientes y cómodos a los ciudadanos por Internet. El segundo, aunque haya controversias en torno su concepto, lo relacionamos con las políticas públicas, participación popular e interacciones diversas entre la sociedad civil y el Estado. En un segundo momento, presentamos en el artículo modelos de Presupuesto Participativo Virtual como ejemplos brasileños de gobernación electrónica. El Presupuesto Participativo de Porto Alegre indica fuertes * Jornalista, especialista em Comunicação e Política pelo Uni-BH e mestrando em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail: [email protected] planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 124 características informativas y de control del Estado, mientras el modelo de Belo Horizonte se enfocó en la participación directa de los ciudadanos. Al final del artículo, intentamos enseñar que el modelo deseable de gobernación electrónica puede ser obtenido por medio de una fusión de los dos procesos. Palabras-clave: Gobierno Electrónico; Gobernación Electrónica; Presupuesto Participativo; Internet; Participación Política. GOUVERNANCE ÉLECTRONIQUE AU BRÉSIL: LIMITES ET POSSIBILITÉS INTRODUITES PAR LE BUDGET PARTICIPATIF DANS INTERNET Cet article vise d’abord à comparer les concepts de l’administration électronique et la gouvernance électronique. Le premier, dans notre design, est liée à la fourniture de services au public, des chambres et l’Internet. Il existe des controverses sur la notion de la gouvernance électronique, mais se caractérise comme étant liées à des politiques publiques, la participation populaire et l’interaction entre les divers de la société civile et l’État. Deuxièmement, l’article présente des modèles de budget participatif brésilien Internet que possible des exemples de gouvernance électronique. Le budget participatif de Porto Alegre ont montré des caractéristiques fortes de l’information et de surveillance de l’état. Le modèle de Belo Horizonte porté sur la participation directe des citoyens. À la fin de l’article, nous montrons que le modèle souhaitable de la gouvernance électronique peut être obtenu par une fusion des deux processus. Mots-clés: Administration Électronique; Gouvernance Électronique; Budget Participatif; Participation Politique. 1 INTRODUÇÃO A internet foi inicialmente considerada por uma gama de pesquisadores1 como a solução para os problemas da apatia política da população e também da crise de representação democrática. Primeiramente, os governantes passaram a ter em mãos uma ferramenta que permitia informar a população de suas realizações e também abrir espaço para que o cidadão relatasse seus anseios e necessidades, ambos dispensando o uso de intermediários como a mídia massiva e os partidos políticos (COLEMAN et al., 2008; GOMES, 2005a; BENTIVEGNA, 2006). Outros autores consideram o próprio caráter anárquico e mais fluido da internet como catalisador da participação popular. Enquanto instituições territoriais tradicionais eram mais hierárquicas e rígidas, a Internet tende a privilegiar modos de relacionamento transversais e estruturas mais fluidas, mais alinhadas com as estruturas de rede que caracterizam os processos sociais e políticos nas sociedades democráticas modernas. O potencial democrático específico da Internet baseia-se em sua estrutura não-hierárquica e cibernética que, em princípio, favorece a interatividade (FREY, 2000, p. 37). 1. Diversos textos traçam divisão entre uma linha otimista e outra cética em relação à internet e suas possibilidades democráticas, buscando-se compreender o debate e inserir-se em uma linha intermediária mais preocupada com a questão dos efetivos usos da internet e suas consequências, a citar: Coleman et al. (2008); Dahlgren (2005); Gomes (2005a, 2005b); Maia (2007); Marques (2006); Wright e Street (2007). Governança Eletrônica no Brasil... 125 A participação política da sociedade civil também seria facilitada pela internet, uma vez que o cidadão pode participar de qualquer ponto conectado à rede, não necessitando de sua presença física. A própria questão temporal se torna relativa, visto que a internet permite uma comunicação assíncrona em que os participantes não precisam estar em copresença temporal para realizarem um diálogo. Finalmente, a internet – diferentemente de ferramentas antigas como o envio de cartas aos representantes – abre possibilidades interativas, haja vista que o cidadão também passa a ser emissor, criador de mensagens e de conteúdo no mundo virtual. A velocidade desta criação e seu baixo custo permitem respostas mais rápidas de ambos os lados e maior interlocução entre Estado e sociedade (GOMES, 2005a; MAIA, 2007). Uma gama de pesquisadores foca seus estudos nas potencialidades de uso da internet pela instituição governamental, ou seja, como a internet pode ser usada para criar serviços públicos mais personalizados e direcionados ao povo, que além de mais efetivos, sejam capazes de criar redes sociais e novas formas de participação democrática, além de maior interação entre população e Estado (FREY, 2000). Tal uso da internet é tanto tratado como governo eletrônico (CHADWICK, 2003; JAEGER, 2005) quanto governança eletrônica (FREY, 2000; FREY; REZENDE, 2005). Mas qual a diferença entre os termos? E como a governança eletrônica tem sido desenvolvida no Brasil? O objetivo do artigo é apresentar as experiências concretas dos orçamentos participativos (OP) na internet como possíveis projetos de governança eletrônica, evidenciando as características fortes e fracas dos processos no que diz respeito à promoção de valores democráticos. Na segunda seção do estudo, fazemos a diferenciação entre os conceitos de governo eletrônico e governança eletrônica. Evidenciamos que se tratam de conceitos similares ou até idênticos de acordo com o pesquisador e apresentamos assim uma síntese da governança eletrônica que almejamos. Na terceira seção, apresentamos e avaliamos os sites do Orçamento Participativo Eletrônico (E-OP) de Porto Alegre e do Orçamento Participativo Digital (OPD) de Belo Horizonte. Apesar do primeiro se tratar de expansão do processo presencial para a internet e o segundo se apresentar como programa totalmente realizado pela internet, a comparação mostra-se frutífera. Primeiramente, porque o programa porto-alegrense permite realizar determinadas funções exclusivamente pelo ambiente online. Segundo, porque o programa apresenta determinadas características fortes exatamente por estar vinculado ao processo presencial, o que, como evidenciaremos, não acontece no OPD de Belo Horizonte. Apresentamos indícios de que o E-OP apresenta duas fortes características: ambiente informativo denso para consulta popular e ferramentas que fortalecem a accountability governamental ao permitir acompanhamento de obras do OP. O OPD, por sua vez, apresenta diversas ferramentas participativas como fórum, chat e mural de recados, mas se foca na participação direta do cidadão pela votação eletrônica. 126 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 Na quarta seção, retomamos o conceito de governança eletrônica desejável e mostramos que ela é alcançável se mesclarmos os pontos fortes dos dois casos apresentados. Na quinta seção encontram-se as conclusões do presente artigo. 2 GOVERNO ELETRÔNICO VERSUS GOVERNANÇA ELETRÔNICA: DISTINÇÕES E SIMILARIDADES Para melhor compreender a inserção dos orçamentos participativos na internet utilizaremos algumas teorias a respeito de governança eletrônica. O termo, todavia, não exprime conceito único ou aceito de maneira abrangente, mas possui inúmeras definições, que variam de acordo com o ponto de partida do pesquisador. Outro problema constante é o conflito com o conceito de governo eletrônico. O erro conceitual, todavia, é esperado, uma vez que diferentes pesquisadores ora atribuem características distintas a cada um dos conceitos, ora tratam os termos como sinônimos. Pode-se afirmar que governo eletrônico é um conceito mais abrangente, no qual as novas tecnologias de informação e comunicação são aplicadas às funções de governo, que podem visar a diferentes setores, o cidadão ou o mercado. Tem o potencial de diminuir custos, desenvolvimento econômico, redução da redundância, maior transparência e accountability e aprimorar serviços para os cidadãos como melhores condições de acesso à informação e a serviços governamentais, ampliando a qualidade destes serviços e garantindo maiores oportunidades de participação social no processo democrático (FREY; REZENDE, 2005; JARDIM, 2004; JAEGER, 2005; RUEDIGER, 2002). Entre as possíveis abordagens sobre a internet e em especial sobre governo eletrônico, alguns autores destacam uma linha, que tenderia a enfatizar a questão informacional ou clientelista,2 ou ainda, uma relação de cima para baixo – top-down – ou vertical entre representantes e representados (CHADWICK, 2003; DAHLGREN, 2005; GOMES, 2005a). Nesta visão, os cidadãos pouco podem interferir no meio político. É a blindagem antipúblico caracterizada por Gomes (2005a) e Bentivegna (2006) na qual o sistema político arma barreiras contra a participação dos cidadãos. Mesmo quando há ferramentas e possibilidades participativas e interativas, elas não são efetivamente capazes de alterar a lógica de tomada de decisões ou o funcionamento do sistema político. Entretanto o cidadão não é ignorado. As tecnologias de informação e comunicação (TICs) permitem um governo mais próximo às pessoas por meio das consultas online. A informação pode ser usada para aprimoramento das políticas e administração na forma de guia, logo o cidadão pode influenciar as decisões políticas por intermédio do ambiente virtual, em especial pelas ferramentas oferecidas nos sites governamentais (CHADWICK, 2003). 2. O termo não visa criticar determinadas práticas. No caso, o cidadão é tratado como cliente. Governança Eletrônica no Brasil... 127 Nessa linha, o bom governo eletrônico seria caracterizado essencialmente por reduzir custos estatais por um lado e prover melhores serviços ao cidadão por outro. O cidadão é um cliente ao qual o governo deve fornecer serviços. O uso das novas tecnologias seria uma forma de maximizar esta entrega de serviços, que poderá ser feita de maneira mais rápida e eficiente (GOMES, 2005a; FREY; REZENDE, 2005; JARDIM, 2004). Assim, a excelência é essencialmente caracterizada por transparência e accountability, ambos alcançados por sites que permitam a vasta utilização de serviços do governo e que estejam repletos de informações governamentais relevantes aos cidadãos. A segunda linha tende a caracterizar o governo eletrônico como um experimento em construção, um produto inacabado. Desta forma, “considerando sua natureza eminentemente política, bem como pública, deve necessariamente ser percebido como um processo em constante desenvolvimento” (FREY, REZENDE, 2005, p. 55). O foco é a participação social no processo democrático e a intervenção direta da vontade civil no interior das instâncias decisórias do Estado (GOMES, 2005a;3 JARDIM, 2004). Este modelo considerado forte, deliberativo, transformador ou mesmo radical (CHADWICK, 2003; FREY, 2000; GOMES, 2007) implica em mudanças profundas na própria forma de administração, que passará a ser permeada por informações fornecidas pela população, criando assim uma interatividade “mais complexa, horizontal e multidirecional” (CHADWICK, 2003). Nessa visão, surgem algumas definições para governança eletrônica. Aqui os dois conceitos se imbricam e até se confundem. Fica difícil caracterizar o limite do e-governo e o começo da e-governança. O segundo acaba aparecendo como parte ou mesmo como um estágio do primeiro, “seria um passo fundamental para uma gestão moderna e eficiente, porém, sobretudo efetivamente promotora de preferenciais democráticos na sociedade” (RUEDIGER, 2002, p.1). Ou ainda, como definido por Jardim: O termo e-governance (governança eletrônica) centra-se em uma visão ampla de governabilidade, sinalizando como opera, trabalha e se organiza a sociedade à qual o governo deve assegurar o acesso e a participação em diversas redes de informação. Possui um sentido mais amplo e abarca o conceito de e-government, o qual teria como foco as tarefas gerenciais que conduzem à interação cidadania-governo. Do ponto de vista estritamente tecnológico, o E-gov visaria o cidadão como um ponto a conectar dentro de uma rede, enquanto a governabilidade eletrônica asseguraria o acesso e participação dos cidadãos individual e coletivamente dentro das redes governamentais (2004, p. 6-7). 3. Gomes (2005a) não trata exatamente sobre governo eletrônico ou governança eletrônica, mas sim de problemas existentes no verbete democracia digital. Não desejamos mesclar os termos ou tomá-los como sinônimos. Ao longo do texto, apenas usamos algumas referências a ações governamentais no ambiente online e características da internet destacadas por Gomes para auxiliar nossa argumentação. Para uma discussão mais profunda a respeito de democracia digital, ver também Gomes (2007). 128 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 De modo semelhante ou complementar, a governança eletrônica corresponde ao modo ou ao processo de conduzir uma sociedade para melhor atingir suas metas e interesses, sendo a participação civil uma das possibilidades de se realizar uma renovação dentro do aparato estatal e uma rearticulação entre Estado e sociedade (FILHO; CARNEIRO, 2008). Todavia o melhor provimento de serviços públicos aos cidadãos não implica necessariamente em mudanças estruturais do Estado. Tais mudanças implicam em uma “governança social negociada” com base na criação de canais de participação popular e parcerias entre público e privado; “a ênfase está no aumento de poder social, ou seja, a inclusão e o fortalecimento dos não poderosos nos processos de tomada de decisão política, enquanto que a eficiência administrativa é considerada um objetivo subordinado” (FREY, 2000, p. 35). Para Frey, as TICs acabam sendo catalisadores do processo, pois oferecem ferramentas que permitem a criação de novos modelos de redes sociais e políticas, além de permitirem novas formas de participação democrática. A internet privilegia modos de relacionamentos transversais e estruturas mais fluidas, semelhantes às estruturas de rede que caracterizam os processos sociais e políticos das sociedades modernas (FREY, 2000, p. 37). Ruediger apresenta uma proposta semelhante ao afirmar que se constitui um Estado virtual, extensão do real, facilitador das mudanças institucionais e capaz de promover um Estado para reinvenção do governo real. Isso, tanto pela articulação em rede dos diversos segmentos da administração, como pela introdução de mudanças estruturais do Estado, incluindo a transparência de processos e sua maior eficiência e permeabilidade, induzindo a uma reforma estrutural da esfera pública. Impossível, portanto, nessa perspectiva, deixar de insistir aqui na sociedade civil, e na possibilidade desta de acessar de forma abrangente, por meios eletrônicos, o governo, e interferir positivamente na agenda pública, resgatando por uma perspectiva republicana a esfera estatal (2002, p. 3). Os dois autores, todavia, concordam que essas transformações do Estado não se darão unicamente pela introdução das TICs no governo. A internet não foi criada para promover cidadania. Por outro lado, ela tem potencialidades democráticas e pode ser usada para renovar os modos de participação popular e de tomada de decisões governamentais (FREY, 2000). É preciso antes de tudo vontade política. O Estado deve considerar os novos recursos tecnológicos como elementos fundamentais em suas estratégias de reforma administrativa, participação política e desenvolvimento urbano (FREY; REZENDE, 2005, p. 10). A questão dos problemas da democratização e reestruturação do estado, passa pela superação da dicotomia entre membros do estamento de governo e sociedade civil, e pode ser alcançado no campo da utilização das novas mídias interativas, a partir de uma abertura Governança Eletrônica no Brasil... 129 planejada do projeto para a inclusão de percepções diversas, que organizadas, ampliem a responsabilidade dos sistemas e, mesmo, alterem sua relação hierárquica, promovendo mecanismos de participação nos processos de formulação e feedback da administração, transformando, notadamente, os mecanismos de serviços ad hoc de governo eletrônico em mecanismos políticos e sistêmicos de governança (RUEDIGER, 2002, p. 22) Agora, não apenas a questão institucional será suficiente para a governança eletrônica ser implementada, uma vez que logicamente ela depende da população e é voltada para a mesma. Frey e Rezende (2005) – apesar de afirmar que há necessidade de um Estado engajado, disposto a permitir contribuições da população local para influenciar a tomada de decisões –, afirma a necessidade de uma vontade política da população em confiar no investimento do governo e assim empregar as novas tecnologias para atingir seus objetivos particulares. Ou ainda, não basta apenas disponibilizar ferramentas online para participação cívica. É necessário que elas sejam efetivadas, ou seja, que elas possam romper a blindagem antipúblico descrita por Gomes (2005a) e Bentivegna (2006). Ferramentas capazes de influenciar as decisões políticas, e que tenham efeitos concretos no planejamento e desenvolvimento das políticas públicas (FILHO; CARNEIRO, 2008; FREY; REZENDE, 2005; JARDIM, 2004; RUEDIGER, 2002). Estudos acerca de programas participativos, em especial OPs (AVRITZER, 2005, 2006), apontam existir uma relação direta dos índices de participação popular com a efetividade dos processos em uma espécie de efeito demonstração. Podemos então resumir a governança eletrônica desejável,4 transformadora do Estado em três pontos básicos: primeiramente, i) é preciso vontade política. Um Estado engajado disposto a desafiar as hierarquias tradicionais de poder e assim permitir contribuições da população local para influenciar tomada de decisões. Para tanto, a internet apresenta-se como ferramenta interessante para auxiliar esta renovação do Estado. Neste ponto, é importante a oferta de ferramentas online; ii) que permitam a procura de informações políticas qualificadas sobre o governo, que possibilitem monitoramento das obras e realizações do Estado, que propiciem discussões públicas de qualidade, capazes de facilitar a definição das políticas públicas necessárias aos cidadãos, e principalmente que possibilitem uma participação civil ágil, viável, sem limites de tempo e espaço, oferecendo comodidade, conforto, conveniência ao participante (GOMES, 2005a, 2005b). Finalmente, as ferramentas criadas para estes fins devem ter efeitos reais, iii) no sistema político, que sejam percebidos pelo cidadão, incentivando-o a continuar discutindo, votando e participando. 4. A governança eletrônica defendida ao longo do texto almeja fomentar diversos valores democráticos como accountability, transparência, informação ampla ao cidadão e participação política, o que é tratado por alguns pesquisadores como componentes da ideia de democracia digital. Optamos por não diferenciar os termos para não criar um emaranhado desnecessário, mas a aproximação dos conceitos certamente é válida e interessante. 130 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 No caso brasileiro, vários autores (FILHO; CARNEIRO, 2008; FREY, 2000; GOMES, 2005a, RUEDIGER, 2002) apontam o predomínio de sites governamentais focados na entrega de serviços públicos aos cidadãos, que ainda não exibem nem ambientes informativos densos, nem efetivas ferramentas de participação popular. Ou seja, os sites do governo estariam mais próximos ao primeiro modelo de governo eletrônico e ainda distantes da governança eletrônica, capaz de reestruturar as relações entre sociedade civil e governantes. A introdução dos orçamentos participativos na internet mostra-se como possibilidade desta governança eletrônica. Na próxima seção, descreveremos os programas online de Porto Alegre e Belo Horizonte e tentaremos evidenciar as características que os tornam próximos ou distantes da governança eletrônica aqui definida. 3 ORÇAMENTO PARTICIPATIVO NA INTERNET E O POTENCIAL PARA A GOVERNANÇA ELETRÔNICA 3.1 O E-OP: informação e transparência ao cidadão O orçamento participativo foi criado em 1989 na cidade de Porto Alegre, fruto de convergência de diversos fatores como: movimentos sociais organizados demandando por maior participação popular; a Constituição de 1988, que facilitava tal participação nas decisões municipais e a vitória do Partido dos Trabalhadores (PT), que montou sua plataforma política exatamente nesta abertura da prefeitura a uma maior participação civil (AVRITZER, 2005). Todavia, não dispomos do espaço ou mesmo da necessidade de se apontar todo o histórico ou procedimentos5 do processo, que alternou entre momentos de extrema euforia ou ceticismo (NAVARRO, 2005). O OP firmou-se na cidade e alcançou proeminência entre população, meio político e meio acadêmico, sendo reconhecido como renovação institucional e governança popular com poder efetivo para intervir no rumo das políticas públicas (AVRITZER, 2005, 2006; NAVARRO, 2005; FUNG; WRIGHT, 2000). O primeiro endereço eletrônico do OP de Porto Alegre foi elaborado em 1995 e apresentava informações simples como agenda de reuniões dos grupos e o funcionamento básico do programa. Inicialmente, o site apenas replicava informações contidas em outras mídias como a imprensa, rádio, TV, folhetos da prefeitura, jornais de comunidades etc. (PESSI, 2003). Não havia disponibilidade de e-mail ou outras ferramentas de participação. 5. Ver Avritzer (2005, 2006) e Navarro (2005) para mais informações sobre o processo do OP de Porto Alegre. Governança Eletrônica no Brasil... 131 Em 2000, é inserida a ferramenta para prestação de contas, que permitia ao cidadão acompanhar a contratação e execução de obras e a implementação de serviços municipais. Tal ferramenta permitiu monitoramento constante sobre o estágio das obras e dos serviços sendo realizados pelo OP presencial. Em 2001 inicia-se o processo que podemos chamar de orçamento participativo eletrônico,6 no qual foi introduzida a ferramenta para inserção de sugestões de obras pela internet. Tal possibilidade aproxima-se a um projeto de governança eletrônica, ligada ao OP, por parte da prefeitura de Porto Alegre. Por intermédio do site do E-OP – <http://www2.portoalegre.rs.gov.br/op/> – era possível enviar demandas de obras a serem realizadas pelo OP presencial. Tais demandas eram avaliadas por técnicos da prefeitura e retornadas aos cidadãos com as adaptações necessárias. No caso de aprovação da demanda, as sugestões enviadas pela internet eram inseridas e avaliadas nas assembleias do OP presencial. O cidadão – através da internet – era constantemente informado sobre o processo, o envio da demanda para as assembleias regionais e as datas destas. O objetivo, portanto, não era substituir o processo presencial, mas sim reforçá-lo (PESSI, 2003). Depois de ter sua demanda incluída pela internet, o cidadão precisava comparecer nas assembleias regionais para defender sua proposta, ou ela acabaria tendo poucas chances de ir adiante. O próprio site do E-OP incentivava tal atitude após a aprovação da demanda. Todavia, grande parte das demandas digitais não se enquadrava no tipo de obras realizadas pelo OP ou ainda no padrão exigido pela prefeitura, assim, mais de 70% não chegou às assembleias regionais (PORRAS, 2004). Desta forma, grande parte das indicações realizadas pela internet eram devolvidas ao usuário para revisão e muitas acabavam não sendo enviadas novamente. Para Pessi (2003) e Porras (2004), este foi um fator fundamental para a queda no número de envio de demandas. O número de sugestões foi de 600 em 2001, caiu para 193 em 2002 e depois para 100 em 2003. “Estes números são o maior reflexo da falta de motivação que os internautas encontraram em participar ao perceberem a baixa ou nula incidência que sua participação poderia chegar a ter no processo decisório” (PORRAS, 2004, tradução nossa). O que condiz com a hipótese de que é vital efetivar as ferramentas para manter e incentivar a participação popular. No atual site do OP de Porto Alegre, não é mais possível inserir demandas de obras. Podemos dizer que o atual site é carente de ferramentas participativas. A inserção de obras online foi retirada, não temos chats, fóruns, weblogs ou ferramentas semelhantes como veremos, que são oferecidas no OPD 2008 de Belo Horizonte. A única forma de participar é através dos endereços eletrônicos. 6. Denominado E-OP por Pessi (2003), classificação que também iremos adotar. 132 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 Entretanto o site apresenta duas fortes características: informação política e accountability. No primeiro quesito, você é capaz de encontrar a história do OP, a estrutura e as regras de funcionamento, a divisão das temáticas (características do OP de Porto Alegre), a divisão das regiões da cidade, os delegados titulares e suplentes de cada região, representantes da prefeitura relacionados ao OP com seus respectivos telefones e e-mails, o calendário de assembleias e um vasto histórico sobre as prioridades decididas no OP presencial 2005-2009. Finalmente, ele apresenta uma estrutura de notícias na página principal, que geralmente é alimentada por dados da prefeitura não relacionados ao programa, mas que se foca em notícias do processo, quando o mesmo está ocorrendo. No segundo quesito, foi mantida a ferramenta para prestação de contas. Por meio desta, é possível não apenas acompanhar as obras, mas também acessar as despesas orçamentárias da prefeitura, o plano plurianual da cidade e relatórios da prefeitura sobre as finanças públicas. Interessante notar que os relatórios não se restringem ao Poder Executivo. Também podem ser acessados dados a respeito do Poder Legislativo. Uma crítica que é vigente em todas as versões do site é a falta de utilização dos recursos multimidiáticos da internet. O site essencialmente resume-se a textos e fotos. Não há sons, vídeos, wikis ou outras ferramentas interativas à disposição. Apesar de ser um site funcional no quesito de procura de informações, ele é pouco atrativo e pode inibir o retorno do visitante.7 No atual momento, é possível avaliar que o site do OP de Porto Alegre cumpre bem a função de apresentar informações diversas ao cidadão seja sobre o programa participativo, seja sobre a prefeitura que o realiza. Por outro lado, o site falha em possibilitar maior interlocução entre sociedade civil e Estado, que possa melhor atender às demandas do primeiro ou permitir reformulação estrutural do segundo. Se em determinado momento, o site apresentou um projeto de governança eletrônica – ao permitir a participação popular pela internet –, ele volta ao seu estágio inicial e apenas complementa basicamente o OP presencial. Todavia, não podemos considerar, que apenas de participação vive o cidadão. Segundo Jensen e Venkatesh (2007), o cidadão realiza três atividades principais ao utilizar sites governamentais: procurar por informação, contatar representantes políticos ou engajar em discussão online sobre políticas locais. Por sua vez, Gomes (2005a) nos alerta que para a participação política é preciso informação atualizada e de qualidade. 7. Coleman et al. (2008) afirmam que há forte evidência entre atratividade, utilidade e uso do site e o retorno do internauta ao mesmo. Sites que se utilizam de ferramentas multimidiáticas também são cotados mais positivamente pelos usuários, aumentando a chance de um novo acesso. Governança Eletrônica no Brasil... 133 Logo, temos um ambiente denso de informações, que é um dos prerrequisitos para participação efetiva e autêntica (GOMES, 2005a). Podemos afirmar que o site do E-OP apresenta-se como opção simples, fácil e conveniente para coleta de informações sobre o processo presencial, seu histórico, procedimentos para participar, datas de reuniões e afins. Além disso, o site do OP de Porto Alegre apresenta muita efetividade no quesito de transparência e, consequentemente, accountability. Qualquer cidadão é capaz de acessar dados sobre a realização das obras do OP, sobre o andamento das mesmas; pode acessar os dados orçamentários do Executivo e Legislativo, e assim manter um monitoramento online tanto sobre o processo do OP quanto do próprio órgão municipal. Avritzer (2005) afirma que há forte ligação entre órgãos de monitoramento no OP presencial e maior eficiência administrativa. Outra consequência do acompanhamento civil é a menor possibilidade de corrupção e/ou gastos desnecessários pelo órgão estatal. O site mostra-se como ferramenta adicional para este acompanhamento da população e certamente pode representar os mesmos benefícios ou até maiores, devido às diversas facilidades apresentadas pela internet. 3.2 Orçamento Participativo Digital: participação direta do cidadão O orçamento participativo foi implementado em Belo Horizonte em 1994, também após o PT ganhar as eleições municipais. O modelo adotado na cidade foi diferente em vários quesitos daquele criado em Porto Alegre,8 todavia também foi bem sucedido em alcançar grande participação popular e tornar-se um programa constante no governo. Em Belo Horizonte, a prefeitura optou pela criação de um processo à parte. Em 2006, nascia o orçamento participativo digital, um programa totalmente distinto dos OP regional e da habilitação já existentes. O OPD ganhou site, calendário e até orçamento próprio. O site foi implementado como um bloco, ou seja, em certo momento foi divulgado o OPD e hospedado todo o site na internet. A grande inovação do OPD foi permitir à população votar diretamente nas obras a serem realizadas. A votação foi integralmente realizada pela internet, sendo preciso apenas o título de eleitor da cidade para participar do processo. Foram escolhidas pela prefeitura 36 obras divididas entre as nove regionais. O eleitor poderia votar em uma obra de cada regional. Para diminuir a dificuldade das barreiras digitais, foram implementados quiosques de votação em toda a cidade, nos quais existiam agentes da prefeitura treinados para orientar o cidadão a votar nas obras. Além disso, foram indicados locais com acesso público à internet como escolas, bibliotecas, secretarias municipais e outros órgãos ligados à prefeitura. 8. Ver Sampaio (2008) para informações detalhadas sobre o funcionamento do OP regional de Belo Horizonte. 134 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 Outro grande avanço do OPD foi a abertura de um fórum online para participação popular. A ferramenta é considerada pela literatura de participação na internet como ideal para os pressupostos da deliberação pública. Ela representa o modo de comunicação de três vias, no qual um cidadão não posta a mensagem apenas para o representante do Estado, mas também para outros cidadãos (FERBER; FOLTZ; PUGLIESE, 2008). Tal modo de comunicação permitiria inclusive que a informação fosse construída coletivamente por sociedade civil e Estado, de maneira semelhante à descrita por Avritzer (2005) sobre o OP presencial. Entretanto, o fórum não foi tornado efetivo pela prefeitura. Além de não ser prerrequisito para votação, ele não foi divulgado na grande mídia junto da ferramenta de participação. Não houve nenhuma evidência, pelo poder institucional, de que as discussões que ali ocorreram teriam algum aproveitamento posterior. O fórum, por sinal, acabou sendo desativado após as votações. Além disso, outra crítica que podemos tecer ao OPD 2006 é ao seu ambiente informativo extremamente pobre. Se seguirmos o preceito de Gomes (2005a), a participação popular na internet não se limita a ferramentas de interação, mas necessita de informação de qualidade. O site preocupou-se muito com a ferramenta de participação e pouco em fornecer informações relevantes à população. Em cada obra no site, havia apenas informações básicas como localização, custo e previsão da obra. Não houve preocupação em esclarecer aos moradores sobre a necessidade da obra, os impactos positivos e negativos de sua realização para cada região e para a cidade. Assim, pode se concluir que a participação popular foi fraca no OPD, ao menos se levarmos em conta os pressupostos deliberativos para um debate político de qualidade.9 Após o processo do OPD em 2006, o site foi mantido no ar, mas foram retirados o fórum e as informações sobre as obras. Foram mantidos os dados da participação – número de votantes, número de votos por pessoas, bairros e regionais –, as obras vencedoras e depoimentos diversos da população sobre o sentimento de ter participado no OPD. Dessa forma, o site permaneceu até meados de setembro de 2008, quando o novo OPD foi iniciado. Novamente, um novo site foi instaurado como bloco. Este novo site se diferenciava notadamente daquele apresentado em 2006. No quesito da participação direta, a principal mudança é que ao invés de obras por regionais, foram escolhidas cinco grandes obras viárias, que afetam o trânsito de várias regiões da cidade. Os eleitores deveriam votar entre as cinco obras e apenas uma seria realizada pelo OPD 2008. Além dos quiosques, a prefeitura deu outro passo importante para diminuir a exclusão digital. Além dos pontos indicados para acesso à 9. Pressupostos enumerados por Cohen (1997) e Habermas (1997). Governança Eletrônica no Brasil... 135 internet, a prefeitura disponibilizou telefone gratuito para se votar. Novamente, apenas o título de eleitor de Belo Horizonte foi requisito para participar. No aspecto da eleição, é possível apontar um problema com o novo método de votação. No OPD 2006, as obras eram escolhidas por regionais. Dentro de cada regional há bairros com diferentes níveis de desenvolvimento urbano, todavia, as diferenças tendem a ser menores e as regionais costumam apresentar características em comum. Ao propor votação que elege uma única obra em toda a cidade, a prefeitura cria uma situação de disputa. E com o fator agravante de jogar regiões com vasto acesso a internet contra regiões mais simples e carentes, ou seja, há uma grande desconsideração sobre o fator das barreiras digitais e de sua possível influência na votação. Uma possibilidade seria criar algum tipo de critério de justiça semelhante ao que acontece no OP.10 No aspecto da participação argumentativa, houve duas interessantes novidades. Além do fórum, que foi reativado, criou-se a possibilidade de se deixar recados na página referente a cada uma das obras – sem a necessidade de registrar. Também criou-se um chat que era aberto para debates com representantes da prefeitura para fazer divulgações, discutir entre os cidadãos, retirar dúvidas e afins. A primeira ressalva é o fato do chat ser aberto unicamente quando há agente da prefeitura agendado para conversar com a população, ou seja, o chat não é aberto para discussões dos cidadãos e ele não apresenta nenhuma forma de recuperação da conversação realizada. A segunda ressalva é o fórum pré-moderado. Ao testarmos a ferramenta,11 ficou comprovado que uma mensagem poderia demorar até dois dias para ser liberada e que tal liberação nunca ocorria nos fins de semana. Esta limitação pode inibir a participação popular, principalmente se considerarmos o aspecto de conversação livre na internet.12 No aspecto informacional, houve maior evolução. As informações sobre cada obra tornaram-se muito mais abrangentes e principalmente próximas aos cidadãos. Primeiramente, foram disponibilizadas imagens que comparam as atuais vias com ilustrações de como as vias ficarão após a reforma. Depois, foram adicionados vídeos, nos quais são explicados os benefícios esperados com as reformas, evidenciando-se a importância da obra para a região em questão. Outra inovação no site do OPD 2008 é a possibilidade de se acompanhar as obras escolhidas no OPD 2006. O site mostra quais são as obras e o estágio de execução no qual elas se encontram. Nas obras concluídas, há comparações entre 10. No OP regional de Belo Horizonte, parte dos recursos é distribuído pelo índice de desenvolvimento humano (IDH) das regionais, ou seja, as regiões mais carentes recebem maior porcentagem da verba. 11. Teste realizado nos dias 28 de novembro de 2008 e 5 de dezembro de 2008. 12. Por outro lado, autores como Jensen (2003), Wright e Street (2007) e Papacharissi (2004) encontraram evidências que fóruns pré-moderados e/ou sob controle/incentivo estatal apresentam discussões políticas mais balanceadas, sérias e embasadas. 136 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 a região antes e depois por meio de fotos. Nas obras em execução, há fotos do atual estágio e comparativos com o momento inicial. Todavia, não é uma ferramenta dinâmica como aquela encontrada no OP de Porto Alegre. As informações são fixas, estáticas. O internauta não pode se aprofundar nas mesmas ou mesmo se cadastrar para receber informações posteriores. Agora, se por um lado podemos afirmar que houve clara evolução entre o processo de 2006 e 2008, no quesito de informações relevantes ao eleitor, por outro lado ainda não podemos dizer que este modelo alcança o ambiente informacional denso do OP de Porto Alegre. Não temos planos e/ou relatórios orçamentários disponíveis. O histórico do processo resume-se a uma página e não explica os pormenores do OPD 2006. De maneira contraditória, há um histórico maior a respeito da criação do OP13 em Belo Horizonte, que em relação ao OPD. A contradição está no fato do OP regional e do OP habitacional não possuírem sites próprios. Geralmente, a divulgação dos dois processos ocorre no próprio site da prefeitura. O OPD, desde a criação, apresentou-se como um segundo processo totalmente paralelo aos programas presenciais. Desta forma, cria-se um site no qual nem somos capazes de ver detalhes a respeito do OPD 2006, nem podemos nos aprofundar na estrutura de funcionamento do OP presencial. Uma característica marcante do site do OPD 2008 é o uso de recursos multimidiáticos. Além de fotos, vídeos e ilustrações, o site faz uso de tecnologia de localização na internet,14 que permitem o internauta navegar pelo mapa de Belo Horizonte e localizar exatamente a posição das obras. O próprio site incentiva descobrir Belo Horizonte, conhecer as obras e a cidade de maneira diferente e divertida!15 Isto é uma forma de incentivar o internauta a retornar ao site (COLEMAN et al, 2008). O site do OPD 2008 apresenta-se próximo aos ideais da governança eletrônica mencionada. Primeiramente, existiu vontade política: i) por parte da prefeitura para criar todo um programa de governança eletrônica, com base em programa de reconhecida participação popular; depois, ii) foi criado um site exclusivo para tal programa, que incentivava participação civil ágil, viável, sem limites de tempo e espaço, oferecendo o máximo de conveniência ao cidadão; por fim, iii) as ferramentas de participação tiveram efeitos reais no sistema político, pois as obras escolhidas pelos cidadãos estavam sendo realizadas. O sentimento de efetividade certamente pode incentivar o eleitor a voltar ao site do OPD em 2008 e votar novamente, uma vez que as obras de 2006 foram iniciadas conforme o prometido. 13. Devido à comemoração dos 15 anos de implementação do OP presencial na cidade. 14. Google mapas. Disponível em: <http://maps.google.com.br/maps?hl=pt-BR&tab=wl>. 15. Slogan no site do OPD. Disponível em: <http://opdigital.pbh.gov.br/>. Acesso em: 26 nov. 2008. Governança Eletrônica no Brasil... 137 Entretanto, sob outros critérios, a participação política no processo do OPD é limitada e essencialmente plebiscitária, sendo que o poder do cidadão está limitado à parte final do processo, ou seja, o poder efetivo para causar mudanças na administração é limitado ou nulo. Na próxima seção, fazemos uma comparação entre os dois programas e tentamos aprofundar os motivos pelos quais o OPD se afasta do modelo apresentado de governança eletrônica. 4 E-OP versus OPD: UMA POSSIBILIDADE DE GOVERNANÇA ELETRÔNICA Primeiramente, o OPD ainda se afasta de uma governança eletrônica desejável pela forma de participação escolhida. Mesmo a versão de 2008, que ampliou o leque de ferramentas deliberativas, ainda as relegou a um papel secundário. Novamente, não havia garantia de que as discussões ocorridas no chat, fórum ou nos comentários, seriam aproveitadas. Nenhuma destas ferramentas foi prerrequisito para a votação online. Se no modelo de Ferber, Foltz e Pugliese (2008), tais ferramentas são consideradas capazes de propiciar comunicação de três vias, é importante notar que o agente estatal precisa estar interessado e participar ativamente. No OPD, houve comunicação de duas vias, mas apenas entre cidadãos. Os internautas postaram suas opiniões apenas para outros usuários. O Estado esteve à parte de todo processo. Gomes (2005b), alerta para duas necessidades para um processo realmente inovador. Primeiramente, é preciso que o processo seja construído em duas mãos entre Estado e sociedade civil. A própria lógica do OPD é contrária a isto. A prefeitura escolhe as obras, determina quando se dará a votação e nomeia os critérios. É um cardápio restrito demais e totalmente controlado pela prefeitura. O OPD acaba se configurando no formato de uma simples enquete – Qual a sua obra favorita? Este controle ou gatekeeping por parte do Estado impediu que houvesse discussão pública capaz de satisfazer os requisitos de autenticidade e efetividade necessários para a governança eletrônica. Em segundo lugar, esse excessivo controle da prefeitura, permitiu ao cidadão apenas votar. Falta mais inclusão da sociedade no planejamento e na execução de tais processos. Além disso, não há ferramentas que permitam acessar os gastos do OPD ou realizar acompanhamento próximo às obras como acontece no E-OP. Tais ferramentas estão diretamente ligadas ao accountability do Estado e, em consequência, à confiança do cidadão no processo e em seu proponente. Em terceiro lugar, como dito anteriormente, informações políticas relevantes são vitais para participação de qualidade, já que quanto mais informado o cidadão, maiores as chances de realizar um voto consciente. Apesar da melhoria entre os dois processos, o OPD ainda fica aquém, principalmente se comparado com o E-OP. Os vídeos podem sanar as dúvidas básicas, mas certamente não permitem o eleitor se aprofundar na questão antes de realizar o seu voto. 138 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 Logo, o OP Digital de Belo Horizonte – apesar de seus vários avanços – não apresenta características importantes de um modelo de governança eletrônica capaz de estreitar as relações entre esfera civil e representantes políticos. Reconhecemos que qualquer modelo a ser apresentado é difícil ou impossível de ser inteiramente reproduzido. Em diversos casos, o modelo serve como o padrão comparativo, como a forma ideal de realizar-se determinado evento. Entretanto, que nosso modelo de governança eletrônica não esteja tão afastado dos casos empíricos ou que seja impossível de ser alcançado. Afirmamos – ao contrário – que ele já se encontra nos dois programas apresentados, o que justifica a comparação proposta por este estudo. O modelo desejável deve estar próximo de um governo comprometido em oferecer ferramentas participativas como acontece no OPD. Oferecer chats, fóruns, murais virtuais e afins são prerrequisitos necessários para alcançarmos o governo eletrônico deliberativo proposto por Chadwick (2003), que estamos classificando como governança eletrônica. Tais ferramentas são essenciais para a comunicação de três vias (FERBER; FOLTZ; PUGLIESE, 2008), essenciais para a constituição de públicos capazes de agir na esfera pública. Tal comunicação possibilitará processos de discussão aberta, voltados para realizar o consenso motivado racionalmente (DAHLGREN, 2005, p. 156) da teoria habermasiana. O público, assim, deve ser livre – sem o gatekeeping do Estado ou do jornalismo – para produzir sua própria informação política e disponibilizá-la tanto para o governo quanto para os outros cidadãos (BENTIVEGNA, 2006; COLEMAN et al., 2008; GOMES, 2005b; FERBER; FOLTZ; PUGLIESE, 2008). Entretanto, essa oferta não é válida se não houver disposição verdadeira do governo. Opções prontas, restritas e com total controle do agente estatal (GOMES, 2005b; FERBER; FOLTZ; PUGLIESE, 2008) tendem a produzir resultados simples e incapazes de gerar mudanças estruturais seja entre a população, seja na forma como são tomadas as decisões políticas. A comunicação de três vias que estamos enfatizando necessita da participação do agente estatal, mas de modo a realmente levar em consideração as demandas e sugestões dos cidadãos. Insistimos, todavia, na necessidade de informações de qualidade estarem disponíveis no site governamental. O OP presencial apresenta evidências empíricas de que o cidadão é capaz de lidar com conhecimento técnico, que geralmente é restrito aos especialistas (AVRITZER, 2005). Tal conhecimento, aliado às experiências do cidadão, que é o mais próximo dos problemas a serem enfrentados, torna o público capacitado para influenciar e participar das decisões políticas em igualdade com os experts estatais. Governança Eletrônica no Brasil... 139 Um segundo aspecto do modelo de governança eletrônica defendido no texto pede maior comprometimento governamental, pois não basta informação de qualidade e participação política. A democracia tem outros valores fortes e os governos também podem se esforçar para atendê-los. A abertura das contas públicas e ferramentas de monitoramento online de políticas públicas são outras possibilidades – apresentadas no E-OP –, que certamente são louváveis em qualquer projeto de governança eletrônica. Esta possibilidade de fiscalizar os atos governamentais implica em maior controle civil e tende a produzir resultados políticos mais eficientes e distantes de corrupção e clientelismo. O OP em ambas as cidades já conta com institutos populares que realizam esse monitoramento das obras, mas a possibilidade de fazer tal fiscalização pela internet tende a acrescentar todas as facilidades e comodidades da participação política online. Tal controle das realizações do Estado é outro fator para elevar a confiança da população em seus representantes. Ao realizar tais ações, o Estado se mostrará comprometido a desafiar as estruturas antigas, hierárquicas e burocráticas de poder. Um governo capaz de não apenas receber as informações por parte dos cidadãos, mas efetivamente utilizá-las para melhorar sua gestão administrativa e fazer políticas públicas mais eficazes e próximas às necessidades da população. Um representante disposto a permitir a participação civil não apenas no final das políticas públicas, mas durante o planejamento e a execução destas. Como importantes pontos de ressalva, frisamos que o objetivo do artigo foi apresentar possíveis utilizações da internet pelo Estado para alcançar a governança eletrônica almejável acima descrita. Ao longo deste trabalho, pontuamos diversas vezes que a participação civil é vital no processo. Notamos que há fortes evidências que um Estado engajado e disposto a fornecer informações relevantes, ferramentas de participação e accountability tende a gerar confiança na esfera civil, que se sentirá mais segura para participar de tais ações estatais. Todavia, é importante observar, que mesmo se criando ferramentas perfeitas para governança eletrônica, e ainda que exista um governo disposto a aceitar todas as mudanças necessárias para tanto, também é vital que as pessoas estejam dispostas a se engajar. Portanto, a cultura política é um fator que nunca pode ser desprezado (DAHLGREN, 2005; GOMES, 2005a). Se vivenciamos uma cultura política de apatia e desconfiança, então não apenas ferramentas online ideais bastarão para as reformulações propostas. Será preciso divulgação e principalmente incentivo ao cidadão para que ele também esteja disposto a se engajar, conhecer, utilizar as novas ferramentas e passar a ter maior interação com seus representantes. Devido ao nosso foco na questão institucional, optamos por não aprofundar nesta importante questão, que de forma alguma deve ser desconsiderada ao se criar projetos de governo ou governança eletrônica. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 140 Outro ponto importante é a questão das barreiras digitais. Também tecemos alguns comentários ao longo do trabalho, mas novamente não se tratou de nosso argumento principal. Frey (2000) acredita que não possamos falar de um verdadeiro projeto de governança eletrônica se não houver amplos pontos de acesso público e o devido treinamento à população para utilizar as novas tecnologias. Trata-se de um ponto capital para qualquer projeto de governança eletrônica, mas não uma questão que deva impedir sua realização. De tal maneira, não é preciso ignorar todos os possíveis benefícios advindos da governança eletrônica, enquanto 100% da população não estiver conectada. Seria o mesmo que desconsiderar todas as vantagens da escrita e dos livros, por exemplo, enquanto existirem analfabetos. As ações não precisam ser sequenciais. Elas podem ser simultâneas, ou seja, investimentos em educação, estrutura básica e em governança eletrônica. Acreditamos que quiosques e pontos públicos de acesso já se mostram como grande evolução. O telefone gratuito para votação do OPD expôs-se ainda como outra opção fácil e viável. “Alguém pode dizer que eu estou falando de um segmento muito pequeno da classe média. Não é verdade. Você vai na favela e está cheia de lan house” – afirmou o então prefeito Fernando Pimentel16 após a realização do primeiro OPD em 2006. O fenômeno de lan houses a preços populares certamente poderia acrescentar à questão da exclusão digital. Talvez os índices que avaliam o acesso à internet em casa, trabalho e escola não sejam o suficiente para análise da participação online, especialmente ao tratarmos de questões de necessidade do cidadão carente. 5 CONCLUSÕES Buscamos inicialmente esclarecer a diferença entre governo eletrônico e governança eletrônica. Concluímos que os termos tendem a ser confundidos e que diversas características podem ser atribuídas tanto ao primeiro termo quanto ao segundo. Todavia, a governança eletrônica na literatura é geralmente relacionada a políticas públicas e/ou políticas focadas no cidadão. Elaboramos uma definição da governança eletrônica emancipatória, capaz de modificar a relação entre sociedade civil e governo; um dos passos fundamentais para reestruturação do Estado e o avanço de diversos valores democráticos. Em nossa análise, esta governança eletrônica depende essencialmente de três passos. O primeiro e mais importante está relacionado à vontade política. A internet não será capaz de realizar modificação profunda no Estado, se os agentes governamentais não estiverem dispostos a permitir tais alterações. Em segundo lugar, são necessárias ferramentas digitais que estejam de acordo com estas transformações e avanços. 16. Disponível em: <http://www.politicavoz.com.br/politicadigital/artigo_08.asp>. Governança Eletrônica no Brasil... 141 Almejamos por instrumentos que permitam a procura por informações qualificadas, que permitam e incentivem a participação política, a deliberação pública e que possam trazer ganhos de accountability e/ou permitir monitoramento do Estado, entre outras possibilidades. Em terceiro lugar, tais ferramentas devem ter efeitos reais no sistema político. Não basta chats para discussões políticas, se elas não são consideradas pelos governantes. Não adianta um muro de recados, se eles não são lidos e colocados como questionamentos às ações do Estado. Assim, apresentamos dois OPs na internet como opção viável de governança eletrônico. O E-OP de Porto Alegre mostrou-se um ambiente rico para pesquisa e coleta de informações, seja para se inteirar do orçamento participativo da cidade, de suas realizações, de como interagir com este, seja para pesquisar documentos e relatórios de orçamento do governo. Tais informações, aliadas a possibilidade de fiscalizar as obras e realizações da prefeitura, criaram poderosa ferramenta de accountability. Já o OPD de Belo Horizonte apresentou importantes ferramentas participativas e deliberativas, que são passos essenciais para discussões políticas, deliberações públicas de qualidade e efetiva participação do cidadão. O site do OPD também apresentou a vantagem de utilizar-se melhor dos vastos recursos multimidiáticos da internet, tornando-se mais atrativo para os usuários. Em nossa concepção, um amálgama entre os dois sites produziria algo muito próximo de uma governança eletrônica desejável, ao menos no que tange às ferramentas disponíveis aos internautas. Se a disposição política é um prerrequisito vital para esta governança eletrônica, acreditamos que elaborar um bom site para busca de informação, participação civil, transparência e monitoramento seja um ótimo ponto de partida. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 142 REFERÊNCIAS AVRITZER, L. Teoria democrática e deliberação pública. Lua Nova, n. 49, p. 25-46, 2000. ______. Modelos de deliberação democrática: uma análise do orçamento participativo no Brasil. In: SANTOS B. S. (Org.). Democratizar a democracia: Os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. ______. New public spheres in Brazil: local democracy and deliberative politics. International Journal of Urban and Regional Research, v. 30, p. 623-637, 2006. BENTIVEGNA, S. Rethinking politics in the world of ICTs. European Journal of Communication, n. 21, p. 331-343, 2006. CHADWICK, A. Bringing e-democracy back: why it matters for future research on e-governance. 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Rogério Bezerra da Silva* Renato Dagnino** Este artigo avalia as políticas públicas de Polos e Parques de Alta Tecnologia (PATs) no Brasil, cujos processos de elaboração iniciaram-se em fins dos anos de 1970. Para isto, utiliza o Enfoque de Análise de Políticas (EAn). Este enfoque não exige apenas a comparação entre os objetivos da política e os resultados logrados com sua implementação. Ele busca explicar as falhas na consecução dos objetivos a partir do exame do seu momento de formulação. Isto é, do processo decisório, dos projetos políticos e dos modelos cognitivos dos atores com esta envolvidos. Atenção especial é dada à política pública do Polo e Parque de Alta Tecnologia de Campinas (PATC), por ser considerada por muitos como bem-sucedida. A análise realizada aponta que após três décadas do início destas políticas os seus resultados têm sido bastante modestos e os explica pelo fato destas terem sido emulações de experiências similares ocorridas em países de capitalismo avançado por iniciativa de integrantes da comunidade de pesquisa nacional. Palavras-chave: Polo e Parque de Alta Tecnologia; Política Pública; Enfoque de Análise de Políticas; Avaliação de Política; Política Simbólica. Science Parks: an alternative? The paper evaluates the science parks’ policy in Brazil, which have been elaborated since the end of the 1970s. In order to do so, it employs the Policy Analysis framework. This approach not only involves a comparison between policy objectives and expected results and the policy’s implementation process. It also seeks to explain policy flaws based on its formulation, that is, on the decision-making process and on the political projects and cognitive models of the actors involved with it. The case of the Science Park of Campinas (PATC) is emphasized, since it is often considered to be a benchmark for other similar policies. The analysis points out that after three decades this policy’s results have been rather modest and explains this by stressing the negative aspects of the emulation of experiences from developed countries by the initiative of members of the Brazilian research community. Key words: Science Parks; Public Policy; Policy Analysis Framework; Policy Evaluation; Symbolic Policy. Polos y Parques de Alta Tecnologia: una alternativa? Este artículo evalúa las políticas públicas de Polos y Parques de Alta Tecnología (PATs) en Brasil, que comenzó el proceso de toma de decisión al final de la década de 1970. Ello use el Enfoque de Análisis de Políticas (EAn). Este enfoque no sólo requiere una comparación entre los objetivos de la política y los resultados obtenidos con su aplicación. Se trata de explicar los fracasos en la consecución de * Doutorando em Política Científica e Tecnológica do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). E-mail: [email protected] ** Professor titular do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). E-mail: [email protected] planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 146 los objetivos del examen de su tiempo de elaboración. Es decir, el proceso y los proyectos políticos y modelos cognitivos de los actores involucrados con ella. Se presta especial atención a la política pública de Polo y el Parque de Alta Tecnología de Campinas (PATC), por ser considerado por muchos como un éxito. El análisis indica que tres décadas después del comienzo de estas políticas de sus resultados han sido bastante modestas y la explica por el hecho de que fueron las emulaciones de experiencias similares que ocurren en los países de capitalismo avanzado sobre la iniciativa de los miembros de la comunidad de la encuesta nacional. Palabras-clave: Polo y el Parque de Alta Tecnología; Política Pública; Enfoque de Análisis de Políticas; Evaluación de las Políticas; Política Simbólica. Pôles et Parcs de Haute Technologie: une alternative? Cet article évalue les politiques publiques des Pôles et des Parcs de Haute Technologie (PATs), au Brésil, qui a débuté les processus d’élaboration à la fin des années 1970. Pour cela, utilisez la mise au Point de L’analyse des Politiques (EAn). Cette approche nécessite non seulement une comparaison entre les objectifs de la politique et les résultats obtenus avec la mise en œuvre. Il cherche à expliquer les échecs dans la réalisation des objectifs de l’examen de son temps de la formulation. C’est à dire, le processus et les projets politiques et des modèles cognitifs des acteurs avec lui. Une attention particulière est accordée à la politique du Pôle de Haute Technologie et le Parc de Campinas (PATC), qui doit être considéré par beaucoup comme un succès. L’analyse donne à penser que trois décennies après le début de ces politiques, leurs résultats ont été assez modestes et expliqué par le fait qu’ils étaient des émulations d’expériences similaires se produisent dans les pays de capitalisme avancé, à l’initiative des membres de la communauté d’enquête nationale. Mots-clés: Pôle et le Parc de Haute Technologie; Politiques Publiques; Focus de L’analyse des Politiques; Évaluation de la Politique; Politique Symbolique. 1 Introdução O artigo, por meio do Enfoque da Análise de Políticas, avalia as políticas públicas de Polos e Parques de Alta Tecnologia, que começaram a ser elaboradas no país no fim dos anos de 1970. Destaque especial é dado à política do Polo e Parque de Alta Tecnologia de Campinas, que é considerada por muitos como bem-sucedida. Essa avaliação está orientada a responder a duas perguntas: as políticas públicas dos PATs conseguiram alcançar os objetivos e metas estipuladas? Por que estas políticas apresentam tais resultados? Isso porque o viés metodológico do EAn, distinto do Enfoque de Avaliação de Políticas (EAv), conduz o analista de políticas não somente a verificar se suas metas e objetivos foram logrados, mas, fundamentalmente, como o processo de elaboração da política conduziu aos seus resultados. O trabalho está dividido em cinco seções mais as conclusões. A primeira é esta introdução. A segunda apresenta o EAn e alguns de seus fundamentos conceituais. A terceira expõe fatos estilizados e indicadores sobre a relação pesquisaprodução no país. Embora estes fatos e indicadores não se restrinjam às políticas Polos e Parques de Alta Tecnologia: uma alternativa? 147 dos PATs – são fatos e indicadores da Política Científica e Tecnológica (PCT) de forma geral – eles permitem avaliar esta relação, que é a que as políticas dos PATs pretendiam estimular. A quarta seção apresenta os resultados da política do PATC. Eles são abordados sob duas perspectivas: a primeira considera o desempenho das empresas do setor de informática e telecomunicações instaladas no PATC. A segunda considera o desempenho das instituições de pesquisa e desenvolvimento (P&D) locais, em especial o da UNICAMP. Na quinta seção são destacados dois aspectos que ajudam a compreender o porquê dos modestos resultados destas políticas passados trinta anos do início do processo de suas elaborações. O primeiro é o fato de elas terem sido emuladas – transferidas acriticamente – dos países de capitalismo avançado para um contexto de capitalismo periférico. O segundo aspecto, que possui estreita relação com o primeiro, é elas terem sido formuladas sem que as condições necessárias para suas implementações estivessem presentes na realidade do país e, consequentemente, na de Campinas. Isto caracteriza os PATs como políticas simbólicas. A emulação desses arranjos institucionais como proposta de política pública, tal como a política do PATC, implicava os policy makers conceberem que os elementos que, se supunha, permitiam o desenvolvimento destas experiências nos países de capitalismo avançado estivessem presentes na realidade brasileira e, invariavelmente, na de Campinas. Uma análise mais detida sobre a realidade brasileira mostraria que esses elementos possuem origens e trajetórias bastante distintas daquelas supostamente verificadas nos países de capitalismo avançado. Supostamente, pois, como destacado por Gomes (2001), mesmo nestes países surgiram diversas considerações críticas de alguns autores acerca de tais elementos, suas interconexões e relevância para o desenvolvimento social. 2 ANALISTA Versus AVALIADOR DE políticas públicas As políticas públicas podem ser avaliadas segundo dois enfoques: o Enfoque de Análise de Políticas e, aquele que é mais utilizado no estudos das políticas públicas, o Enfoque de Avaliação de Políticas. Embora os termos avaliação e análise apareçam, na literatura, ora com sentidos distintos, ora como sinônimos – ou ainda denotando o mesmo significado, mas sugerindo práticas distintas – eles possuem percursos e características distintas (CAVALCANTI, 2007). 148 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 Esses enfoques foram concebidos para estudar ou dar resposta a distintos aspectos da política – como o de policy e o de politics. Por isso, possuem naturezas distintas, associadas a significados, sentidos, funções, ideologias etc., também distintos (CAVALCANTI, 2007). A ambiguidade no uso das expressões avaliação e análise sugere que elas, ou melhor, que os enfoques a elas correspondentes, sejam equivalentes. Todavia, existem dois elementos que tornam estes dois enfoques distintos. O primeiro é o ambiente técnico, de neutralidade, que cerca o EAv. O segundo refere-se ao fato de que o EAn entende a avaliação como inserida no processo mais amplo da elaboração da política. O EAv centra-se no exame do processo de implementação – ou execução – da política e em seus resultados. Ele detém-se sobre a forma como se dá a implementação: na consecução das metas e objetivos; no processo de alocação de recursos materiais, financeiros e humanos; nos prazos etc.; e sobretudo, na avaliação do impacto da política ou dos programas que ela abarca. Ele limita-se, por isso, a considerar um conjunto de elementos e indicadores, preferencialmente de tipo quantitativo, a partir dos quais se faz a aferição do sucesso ou fracasso da política. O avaliador EAv possui como foco a implementação da política e concentra-se na comparação do resultado observado com o que desta era esperado. Por isso, preocupa-se em elucidar os desajustes entre o resultado esperado da política e a realidade que ele observa. A utilização do EAn possui uma particularidade: o analista de políticas não se detém apenas na sua implementação e nos resultados destas advindos, como é o caso do avaliador. A avaliação feita desde o EAn contempla a análise do processo de elaboração da política, que começa no momento em que se discute qual problema público que deve ser enfrentado pelo governo (CAVALCANTI, 2007). A avaliação de uma política segundo o EAn pode ser entendida como uma prática de argumentação fundamentada em informações a respeito dos resultados da política pública e o porquê de tais resultados. Assim, nela busca-se responder as seguintes perguntas: a política pública conseguiu alcançar os objetivos e metas estipuladas? Por que a política pública apresenta tais resultados? Ao limitar a avaliação às metas, objetivos e resultados, o EAv relaciona o insucesso de uma política pública à possibilidade de que tenha ocorrido algum problema em sua implementação (CAVALCANTI, 2007). Segundo o EAn, embora o insucesso da política somente materialize-se quando ela é implementada, as razões que o explicam remetem a momentos anteriores do processo de sua elaboração. Por mais que possam estar asseguradas as condições para a implementação perfeita, uma política mal formulada – apoiada Polos e Parques de Alta Tecnologia: uma alternativa? 149 em um modelo cognitivo pouco coerente com a realidade, um modelo cognitivo irrealista – jamais poderá ser bem implementada (DIAS; DAGNINO, 2006). Tal como exposto por Ham e Hill (1993), há casos em que as políticas são formuladas sem que as condições para sua implementação estejam presentes. Neles, as políticas elaboradas podem ser consideradas políticas simbólicas. Qualquer sistema no qual a formulação de políticas e as condições necessárias para sua implementação estejam claramente separadas, ou ausentes, – uma divergência entre Legislativo e Executivo; um desacordo entre os atores envolvidos no processo; uma proposta de política pública em que não há recursos financeiros suficientes para sua implementação – provê oportunidades para que estas se tornem simbólicas (HAM; HILL, 1993). Adotando uma perspectiva um tanto distinta da apresentada por Ham e Hill (1993), consideram-se políticas simbólicas também aquelas que são formuladas sem que se tenha clareza da separação entre a formulação e as condições necessárias para sua implementação. Pois, tal como ocorre quando se há clareza desta separação, naqueles casos em que esta não é evidente, o fato da política ser formulada acaba levando a sociedade a acreditar que o governo – ou o ator dominante – está tomando atitudes diante de um problema público. Neste sentido, a política acaba servindo mais para que a sociedade mantenha o apoio político ao governo, ou ao ator dominante no processo, do que para atuar sobre os problemas sociais. Há casos em que o ator que formula uma política tem por propósito, não a sua implementação e muito menos o seu êxito, mas a obtenção do apoio político que a declaração de que a política será implementada pode causar, o que também a caracteriza como uma política simbólica. O efeito buscado com as políticas simbólicas é, então, a repercussão que o simples enunciado de sua existência pode causar (ROTH, 2006). E seu impacto, em termos do apoio político obtido pelo ator que a formula, é tanto maior quanto maior a capacidade de criar um fato político, a qual depende de seu acesso aos meios de comunicação e de formação da opinião pública – ou de setores específicos da sociedade. 3 PoLOS E PARQUES DE ALTA TECNOLOGIA NO BRASIL: QUAIS OS RESULTADOS DESSAS POLÍTICAS PÚBLICAS? As políticas públicas apoiadas na concepção de PATs surgidas no Brasil no fim dos anos de 1970 buscavam, basicamente, transformar aqueles municípios com algum potencial de ciência e tecnologia (C&T) instalado – como Campinas e São Carlos, em São Paulo; Campina Grande, na Paraíba; e Florianópolis, em Santa Catarina – em um centro de atração ou de criação de empresas de alta tecnologia. Os atores favoráveis a estas políticas argumentavam que com a implantação destas seriam gerados empregos mais bem qualificados e remunerados. Também seriam 150 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 gerados efeitos indiretos de encadeamento industrial, o que melhoraria a arrecadação de impostos por estes municípios. Todavia, após três décadas do início da elaboração dessas políticas públicas, seus resultados têm sido bastante modestos. Existe um grau razoável de concordância entre o pensamento oficial e aquele alternativo acerca do diagnóstico da permanência da situação de debilidade da interação entre o potencial de C&T e o desenvolvimento econômico associado destes municípios, ou mesmo do país. A permanência dessa debilidade pode ser observada por meio de seis fatos estilizados e indicadores (DAGNINO, 2007a) apresentados: 1. A baixa intensidade tecnológica da indústria brasileira. Segundo dados das Pesquisas Industriais de Inovações Tecnológicas (PINTECs) (IBGE, 2000, 2003, 2005), a intensidade de P&D média da indústria nacional é baixa, 0,64% em 2000, 0,53% em 2003 e 0,77% em 2005. Dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indicam que a intensidade de P&D das indústrias dos 12 países que a compõem foi em média de 2,5%, entre 1990 e 1999 (FURTADO; QUADROS; DOMINGUES, 2007). Alguns setores produtivos vêm apresentando queda constante dos investimentos, nos três anos analisados, são eles: eletrônica, aparelhos e equipamentos para telecomunicações; máquinas e equipamentos e produtos do fumo. Os dois primeiros geraram maior surpresa, principalmente por serem aqueles com maior intensidade em P&D no Brasil (FURTADO; QUADROS; DOMINGUES, 2007). 2. A baixa capacidade de absorção de pessoal pós-graduado pela empresa privada. No Brasil são formados anualmente cerca de 30 mil mestres e doutores nas áreas de ciências duras e engenharias. Número que cresce a uma taxa de 10% ao ano. Porém, as empresas — privadas e públicas — localizadas no país possuem apenas 3 mil mestres e doutores atuando em atividades de P&D (IBGE, 2005). Caso este estoque de mestres e doutores nas empresas apresente um aumento de 10%, no ano seguinte haveria uma demanda adicional de 300 mestres e doutores para uma oferta de 30 mil. A despeito do senso comum, que propugna a expansão da oferta de mestres e doutores como estratégia para o incremento da P&D empresarial, o analista de políticas tenderia a ficar preocupado com este desequilíbrio. 3. A baixa capacidade de utilização do potencial científico para a inovação tecnológica. Enquanto que em 1980 o Brasil publicava cerca de oito vezes mais artigos científicos que a Coreia do Sul, em periódicos indexados, em 2000 este país superou Polos e Parques de Alta Tecnologia: uma alternativa? 151 o Brasil, publicando 1,25 vezes mais artigos científicos. O Brasil passou de 1.900 para 9.500 artigos e a Coreia de 230 para 12.200 artigos científicos em periódicos indexados (BRITO CRUZ, 2004). Embora o Brasil tenha tido uma evolução inferior a da Coreia, os dois países foram os que mais incrementaram sua produção científica entre 1980 e 2000. Esta evolução colocou o Brasil no patamar de 1% do total mundial de artigos publicados (TERRA; WEISSS, 2002). No plano tecnológico, em 1980 o Brasil superava a Coreia em número de patentes concedidas pelo United States Patent Office (USPO) dos EUA. Nesse ano o país tinha 28 patentes concedidas nos EUA e a Coreia apenas oito. Todavia, em 2004 a Coreia já havia se tornado um dos grandes patenteadores, chegando à quinta colocação do ranking mundial. Nesse ano, o Brasil estava na última colocação (PAIM; NICOLSKY, 2006). 4. A propriedade estrangeira das empresas de maior intensidade tecnológica e sua baixa propensão a inovar. Em relação às suas matrizes, é relativamente pequeno o esforço tecnológico das filiais das empresas estrangeiras localizadas no Brasil. Observando cinco setores industriais brasileiros com maior participação estrangeira, constata-se que, os esforços tecnológicos das filiais são 70% menores do que os da matriz no segmento farmacêutico: 10% no de máquinas e equipamentos, 60% no de materiais e equipamentos eletrônicos, 31% no de instrumentos médicos, óticos e de precisão e 62,5% no de veículos automotores e autopeças (COSTA, 2003). 5. O baixo potencial de mobilização da capacidade de P&D pública pela empresa privada. Um mito segue fundamentando grande parte das medidas da PCT nacional. Este mito diz respeito à mobilização do potencial de P&D pública que se pode esperar da empresa privada doméstica e estrangeira. Nos EUA, entre 1994 e 2004, apenas 1,1% do que a empresa privada investiu em P&D foi contratado com as instituições de P&D públicas mais especificamente com as universidades (SCIENCE AND ENGINEERING INDICATORS, 2006). Este índice, associado aos anteriormente apresentados, evidencia que o que é importante para as empresas dos países de capitalismo avançado, na sua relação com as instituições de P&D, não é o conhecimento intangível ou incorporado em equipamentos. O importante é o conhecimento incorporado em pessoas que, ao serem absorvidas pelas empresas, irão realizar a P&D que garanta sua produtividade. 6. O baixo potencial de captação de recursos pelas instituições de P&D via contratação de projetos de pesquisa com a empresa privada. 152 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 Nos EUA, o estado foi responsável, entre 1994 e 2004, em média por 87% da receita de P&D das instituições públicas. Nesse mesmo período, a empresa privada foi responsável em média por apenas 6,7% desta receita (SCIENCE AND ENGINEERING INDICATORS, 2006). Esse fato sugere que o potencial de captação de recursos pela universidade brasileira é ainda menor do que o observado em países como os EUA. Das universidades públicas do estado de São Paulo, a UNICAMP e a Universidade de São Paulo (USP) possuem, cada uma, 1% de suas receitas anuais provenientes de contratos com empresas privadas (UNICAMP, 2007; USP, 2007). Estando elas entre as maiores instituições de P&D públicas do país é razoável ponderar que o potencial de captação de recursos privados pelo conjunto das universidades e institutos de P&D brasileiros é muito menor do que o observado em países como os EUA. Esses fatos estilizados revelam as características dos arranjos institucionais brasileiros e os comportamentos dos atores presentes no cenário da relação pesquisa – produção vis-à-vis ao panorama internacional. 4 os resultados de uma POLÍTICA DE DESTAQUE no país: o Polo e Parque de Alta Tecnologia de Campinas 4.1 A relevância da P&D para os setores produtivos Souza e Garcia (1998) realizaram um estudo sobre o arranjo produtivo de indústrias de alta tecnologia de Campinas e região. Segundo eles, Campinas e região possuem um conjunto de empresas de alta tecnologia pertencentes, principalmente, aos setores destacados na tabela 1. Como observado na tabela 1, as empresas consideradas de alta tecnologia não se destacam na estrutura industrial local. Se considerado o número total de estabelecimentos industriais, que é de 4.620 em 1996, em Campinas e região, somados os setores destacados, eles correspondem a 4,2% deste total. A mesma consideração para 2005 se observará, o número de estabelecimentos industriais é 15.864, ou seja, 3,5 vezes maior do que o de 1996. Porém o peso relativo dos setores destacados, em 2005, foi reduzido para 3,5% do total. Polos e Parques de Alta Tecnologia: uma alternativa? 153 TABELA 1 Número de estabelecimentos e pessoal ocupado na região de Campinas em setores selecionados – 1996-2005 Setor CNAE Estabelecimentos da indústria Percentual de estabelecimentos Pessoal ocupado 1996 2005 1996 1996 2005 16 33 0,3 0,20 8 28 0,2 Fabricação de material eletrônico básico 20 68 Fabricação de aparelhos e equipamentos de telefonia e radiotelefonia e de transmissores de televisão e rádio 17 Fabricação de aparelhos e instrumentos para usos médicos-hospitalares, odontológicos Percentual de pessoal ocupado 2005 1996 2005 712 3.599 0,5 0,58 0,17 1.227 3.827 0,8 0,62 0,4 0,42 626 3.577 0,4 0,58 25 0,4 0,15 550 5.621 0,4 0,91 19 82 0,4 0,51 631 2.251 0,4 0,36 Fabricação de aparelhos e instrumentos de medida, teste e controle 7 7 0,2 0,04 620 205 0,4 0,03 Fabricação de máquinas, aparelhos e equipamentos de sistemas eletrônicos dedicados à automação industrial e controle do processo produtivo 4 40 0,1 0,25 17 567 – 0,09 Fabricação de aparelhos, instrumentos e materiais ópticos, fotográficos e cinematográficos 34 29 0,7 0,18 973 2.211 0,7 0,35 Fabricação de peças e acessórios para veículos automotores 70 234 1,5 1,47 13.948 56.921 9,5 9,25 15.864 100 100 146.203 615.276 100 100 Fabricação de máquinas e equipamentos de sistemas eletrônicos para processamento de dados Fabricação de material elétrico para veículos – exceto baterias Total da indústria de transformação 4.620 Fontes: Para 1996, Souza e Garcia (1998); para 2005, Atlas da Competitividade da Indústria Paulista (SEADE, 2006). Mesmo em 2005 esses setores não possuíam grande destaque na estrutura industrial local. Ainda que alguns setores tenham dobrado o número de estabelecimentos entre 1998 e 2005, o peso relativo destes decaiu ou, em alguns casos, manteve-se constante. O mesmo ocorreu em relação ao peso relativo do pessoal ocupado. Dos setores destacados por Souza e Garcia (1998), os que mais englobam as empresas de alta tecnologia de Campinas e região são os de fabricação de máquinas e equipamentos de sistemas eletrônicos para processamento de dados; fabricação de material eletrônico básico; fabricação de aparelhos e equipamentos de telefonia e radiotelefonia e de transmissores de televisão e rádio; e fabricação de máquinas, aparelhos e equipamentos de sistemas eletrônicos dedicados à automação industrial. Uma avaliação desses setores, feita por Souza e Garcia (1998), envolveu 13 empresas que atuavam nos ramos da prestação de serviços e de fabricação de equipamentos para telecomunicações e informática. No que tange ao ano de estabelecimento das unidades produtivas, verificou-se que seis das 13 empresas foram estabelecidas em um período anterior à década de 1990. Mesmo assim, 154 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 foi grande – cinco das 13 – o número de empresas que se estabeleceram em Campinas, ou região, a partir de 1995. Em relação à origem do capital, os autores incorporaram na amostra tanto empresas domésticas como estrangeiras. Das 13 empresas pesquisadas, oito eram subsidiárias de empresas estrangeiras, enquanto que as cinco restantes eram domésticas. Em relação ao porte das empresas, seis eram empresas de grande porte, quatro de médio porte e três eram pequenas empresas. Não coincidentemente, o porte das empresas estrangeiras foi, em geral, maior do que o das domésticas que atuam na região nos setores selecionados. Muitas destas empresas de médio e pequeno porte, especialmente entre as prestadoras de serviços, resultaram de spinoffs das instituições de P&D locais (SOUZA; GARCIA, 1998). Um aspecto que marca a interação das pequenas e médias empresas localizadas em Campinas com as instituições de P&D está relacionado às filhas da UNICAMP, que é como são chamadas as empresas spin-offs da UNICAMP. Segundo dados do Programa Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe)1 da FAPESP, de 1997 a 2007, o programa concedeu financiamento à 330 pequenas e médias empresas2 do estado de São Paulo. Destas, 64 localizavam-se em Campinas, o que correspondem a 19,4% do total de empresas. Das 64 empresas, 31 eram filhas da UNICAMP (FAPESP, 2008). Ou seja, 48,5% das empresas beneficiadas com os financiamentos do Pipe, já tinham suas atividades de pesquisa diretamente ligadas à UNICAMP. Foram repassados a essas 64 empresas R$ 11,2 milhões no período, o que representa 17% dos recursos do Pipe (FAPESP, 2008). Se dividido o montante de R$ 11,2 milhões igualitariamente entre estas, cada uma teria recebido R$ 175 mil. Neste caso, se somadas as filhas da UNICAMP, estas teriam recebido R$ 5,4 milhões, o que representa 48,3% dos recursos do Pipe destinados às empresas de Campinas. Já entre as subsidiárias das empresas estrangeiras, muitas delas resultaram do processo de desnacionalização da indústria brasileira. Se antes do processo de liberalização da economia brasileira, iniciado na primeira metade dos anos de 1990, as empresas domésticas tinham uma participação relevante nos setores investigados, no período recente, esta participação vem diminuindo aceleradamente. Aumentou a importância do capital estrangeiro em Campinas e região, o que ocorreu por meio de fusões e aquisições e devido aos novos investimentos diretos das empresas estrangeiras (SOUZA; GARCIA, 1998). 1. O Pipe existe desde 1997 e destina-se a apoiar o desenvolvimento de pesquisas inovadoras, a serem executadas em pequenas empresas sediadas no estado de São Paulo, sobre importantes problemas em ciência e tecnologia que tenham alto potencial de retorno comercial ou social (FAPESP, 2008). 2. As empresas a que se refere o Pipe não são as mesmas do estudo de Souza e Garcia (1998). Polos e Parques de Alta Tecnologia: uma alternativa? 155 Os fatores que levaram as empresas estrangeiras a instalarem-se em Campinas e região estavam vinculados, principalmente, com a vasta infraestrutura logística que cerca a região e com um complexo e integrado sistema viário. Devido, inclusive a existência do Aeroporto Internacional de Viracopos, que recebe grande parte do movimento de cargas provenientes do exterior (SOUZA; GARCIA, 1998). As grandes empresas também investiram em processos internos de treinamento de pessoal. Isto levou à formação de um contingente razoável de trabalhadores especializados, com habilidades tácitas e específicas a estes setores (SOUZA; GARCIA, 1998). É provável que isto tenha ocorrido porque o perfil do profissional formado pelas universidades, que eram destacadas como o lócus para a formação de mão de obra qualificada, não correspondia ao perfil requerido pelas empresas. Para as empresas, o principal diferencial da região de Campinas era sua estrutura logística e não o potencial de P&D instalado no município. As interações entre as empresas de capital estrangeiro – aquelas que mantinham alguma atividade de P&D – com as instituições de P&D locais eram de caráter eminentemente formal, para atender as contrapartidas ou exigências legais como as da lei de informática (SOUZA; GARCIA, 1998). Outro ponto importante destacado na pesquisa de Souza e Garcia (1998) é o de que entre os principais investimentos anunciados para a cidade de Campinas, entre os anos de 1997 e 1998, 12 deles eram de empresas estrangeiras e um de uma empresa doméstica, que iriam instalar suas plantas industriais no município. Entre estas empresas, podem-se destacar Lucent Technologies, Nortel Telecomm, Compaq, Motorola, DEC, Avex, SCI Systems e GE Plastics, que são consideradas exemplos de empresas de alta tecnologia. Como destacam Souza e Garcia (1998), também para estas empresas – além das 13 investigadas – os principais fatores para sua instalação em Campinas estavam ligados à infraestrutura viária da região e à presença do Aeroporto de Viracopos. Nesse sentido, também para essas empresas a presença de um complexo aparato de C&T na região tinha claramente uma importância secundária. Para estas, o principal diferencial da região de Campinas era sua estrutura logística (SOUZA; GARCIA, 1998). 4.2 A relevância dos setores produtivos para a universidade Campinas destaca-se na produção de C&T nacional se consideradas as estatísticas de patentes e artigos científicos produzidos por município. Apenas quatro municípios – São Paulo, Rio de Janeiro, Campinas e Joinville – detinham mais de 500 patentes entre os anos de 1990 e 2000. E apenas dois municípios – São Paulo e 156 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 Rio de Janeiro – ultrapassavam, entre estes anos, a marca de 3 mil artigos, e outros quatro – Campinas, São Carlos, Belo Horizonte e Porto Alegre – ultrapassavam a marca de mil artigos (ALBUQUERQUE et al., 2001). Entre as instituições de P&D localizadas em Campinas, a UNICAMP é que mais se destaca na produção de patentes e artigos científicos. Todavia, apesar do destaque da UNICAMP, sua importância para os setores produtivos – excetuando as empresas estatais, ao longo dos anos 1970 e 1980 – enquanto transferência de tecnologia e por meio da realização de projetos de pesquisas nas empresas, tem sido modesta como observado nos dados sobre concessão e licenciamento de patentes, nos dados do Programa de Apoio à Pesquisa em Parceria para Inovação (Pite) da FAPESP e no estudo de Brisolla et al. (1997). Embora a transferência de tecnologia de uma instituição de P&D não se restrinja à produção de patentes e seus licenciamentos, este pode ser um indicador desta atividade. De 1989 a 2006, a UNICAMP solicitou o registro de 460 patentes ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi). Nesse mesmo período foram concedidos 50 dos registros solicitados (INOVA UNICAMP, 2006). Em 2004, 2005 e 2006 a UNICAMP assinou 16, 28 e 30 contratos de licenciamento de patentes, respectivamente. Em 2004, havia 16 contratos de licenciamento entre a UNICAMP com atores externos. No ano seguinte foram firmados mais 12 contratos, totalizando 28 naquele ano. Em 2006, foram firmados mais dois contratos, chegando a 30 vigentes neste ano (INOVA UNICAMP, 2006). Estes contratos foram firmados com 24 empresas, de pequeno e médio porte, gerando uma média anual de R$ 250 mil em royalties para a UNICAMP (AGÊNCIA FAPESP, 2007), aproximadamente 0,02% da receita3 total da universidade e 0,13% de sua receita de pesquisa.4 Embora o número de pedidos de patentes concedidas seja igual a 50 e o de contratos de licenciamento, em 2006, igual a 30, isso não implica que mais da metade das patentes concedidas foram licenciadas. Há contratos de licenciamento de uma mesma patente que foram firmados com mais de uma empresa (INOVA UNICAMP, 2006). Ainda sobre indicadores de transferência de tecnologia da UNICAMP para os setores privados, o Pite,5 criado em 1995, ajuda a analisar como este processo vem se desenvolvendo nesta universidade. 3. A média da receita da UNICAMP entre 2000 e 2007 é de R$ 950 milhões. 4. A média da receita de pesquisa da UNICAMP entre 2000 e 2007 é de R$ 187 milhões (ver tabela 2). 5. Programa que busca promover a interação entre instituições de P&D e empresas, por meio da realização de projetos de pesquisa cooperativos e cofinanciados. Os projetos aprovados são contratados pela FAPESP diretamente com os pesquisadores das instituições de P&D (FAPESP, 2008). Polos e Parques de Alta Tecnologia: uma alternativa? 157 O Pite, de 1995 a 2007, cofinanciou 87 projetos de pesquisa. Estes projetos foram desenvolvidos por 15 instituições de P&D públicas e privadas do estado de São Paulo em parceria6 com 60 empresas, que em sua quase totalidade eram grandes empresas domésticas e estrangeiras (FAPESP, 2008). Os resultados destes projetos, como direitos sobre patentes7 e direitos de comercialização, pertencem às entidades proponentes e, em alguns dos casos, também à FAPESP (FAPESP, 2008). Desses 87 projetos, 35 foram desenvolvidos na USP, 15 na UNICAMP, oito na Universidade Estadual Paulista (UNESP) e os demais (29 projetos) em outras 12 instituições de P&D públicas e privadas. Ou seja, do montante de projetos cofinanciados pela FAPESP entre 1995 e 2007, a USP, a UNICAMP e a UNESP foram responsáveis por 40,2%, 17,2% e 9,2%, respectivamente (FAPESP, 2008). Foram investidos nesses projetos R$ 54,9 milhões. Do total de investimentos, a FAPESP foi responsável por 29% – R$ 15,9 milhões – e as empresas pelos 70% restantes – R$ 38,9 milhões (FAPESP, 2008). Do total dos investimentos, a USP recebeu R$ 15,3 milhões, a UNICAMP R$ 5,1 milhões e a UNESP R$ 1,1 milhão. Divididos estes investimentos entre os anos de 1995 e 2007, a USP teria recebido R$ 1,1 milhão, a UNICAMP R$ 390 mil e a UNESP R$ 80 mil por ano. Como constatado, embora a UNICAMP seja a segunda instituição de P&D do estado de São Paulo em número de projetos financiados pelo Pite, no decorrer dos 13 anos que trata o programa, isto representou uma média de 1,15 projetos por ano desenvolvidos pelos pesquisadores desta instituição em cooperação com as grandes empresas. Os recursos destinados a estes projetos representaram, aproximadamente, 0,04% da receita da UNICAMP e 0,20% de sua receita de pesquisa. Um estudo, concluído em 1997 por Brisolla et al.(1997), buscou contribuir para ampliar a compreensão da problemática envolvendo a interação entre a universidade e o setor empresarial no Brasil, considerando, para isto, as condições estruturais das localidades em que ocorreriam estas interações. O estudo teve como base uma pesquisa realizada na UNICAMP, no período de julho de 1995 a julho de 1997. A escolha da UNICAMP foi devido ao seu destaque na produção de pesquisas e formação de recursos humanos qualificados no Brasil. O estudo, por meio dos indicadores evolução dos contratos por período de tempo, composição dos contratos segundo a categoria do financiador, avaliação da interação, segundo os participantes e a aproximação entre os atores, mostra a modesta interação entre a UNICAMP e os setores produtivos. 6. A iniciativa para o estabelecimento destas parcerias em 70% dos casos partiu das universidades e nos 30% restantes das empresas (AGÊNCIA FAPESP, 2008). 7. As patentes geradas por estas parcerias não são registradas pelas instituições de P&D. Desta forma, elas não constam na lista de patentes requeridas pelas instituições de P&D. 158 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 A evolução dos contratos, que compreende 1981 a 1995, foi separada em três períodos de cinco anos cada, sendo que no primeiro foi somada a média aritmética dos contratos do período, para sua uniformização. Entre os períodos 1981-1985 e 1986-1990, acompanhando a tendência de recuperação econômica promovida pelo Plano Cruzado – implementado em 1986 –, cresceu 240% o número de contratos da universidade. Como resultado deste crescimento, o montante dos recursos captados elevou-se cerca de 50% neste período. Esse aumento deveu-se, principalmente, aos contratos com empresas privadas. Todavia, o valor médio destes contratos foi inferior ao dos celebrados com empresas públicas ou com as agências governamentais. A diferença de composição por categoria de financiador produziu um portfólio de contratos com valores cerca de 20% inferiores entre os períodos de 1986-1990 e o anterior. O período 1991-1995 foi marcado por um resultado altamente negativo no que se refere ao número e ao valor médio dos contratos da universidade. Além de ter se acentuado – de 20% entre 1981-1985 e 1986-1990 para 43% de redução entre 1986-1990 e 1991-1995 – a queda no valor médio, verificouse uma redução de aproximadamente 20% no número dos contratos. O volume total de recursos captados na primeira metade dos anos 1990 equivalia a 60% do valor conseguido no primeiro período analisado e a 40% do obtido no segundo período. Quando analisada a composição dos contratos, segundo a categoria do financiador, os autores verificaram que do total de 732 contratos, 27,5% foram firmados com agências de financiamento do governo, 26,6% com empresas privadas e 22,4% com empresas estatais. Estas três categorias respondiam por mais de três quartos do número de projetos da universidade. De outra perspectiva, quase 70% dos contratos foram financiados por instituições públicas – somando agências, administração pública federal, estadual e municipal. O maior valor médio dos projetos foi financiado pelas agências governamentais, com R$ 588 mil, aproximadamente. O segundo maior valor médio foi o das empresas estatais, com R$ 316 mil, aproximadamente. Os contratos de menor valor foram celebrados com os institutos públicos de pesquisa, com R$ 27 mil em média. As empresas privadas ocuparam a penúltima posição entre as categorias de financiadores, com um valor médio de R$ 82,5 mil por contrato (conforme tabela 2). Polos e Parques de Alta Tecnologia: uma alternativa? 159 TABELA 2 Financiamento da P&D na UNICAMP, nos períodos de 1981-1995 e 2000-2007 Categoria do financiador Frequência Períodos Duração média (meses) Valor médio (R$ mil) 1981-1995 2000-20071 Agências de financiamento 201 30,7 588 118,2 117,3 Empresa privada 195 16,3 82,6 16,1 13,8 Empresa estatal 164 21,1 315,9 51,8 10,3 Institutos públicos de P&D 55 13 27,2 1,5 – Administração pública federal 39 12,6 102 34 15,6 Administração pública estadual 35 12,3 277,5 9,7 5,8 Administração pública municipal 15 13,8 130,6 2 3,2 Instituições internacionais 14 32,4 148,5 2,1 2,5 Universidades e ONGs nacionais 14 17,4 180 2,5 – – – – – 2,5 Financiamento próprio Fundos de C&T Total 1981-1995 Volume médio de recursos (R$ milhões) – – – – 16,2 732 21 325 237,9 187,2 Fontes: Para 1981-1995, Brisolla et al. (1997); para 2000-2007, UNICAMP (2007). Elaboração dos autores, a partir do Anuário de Pesquisa da UNICAMP 2007. Nota: 1O volume médio de recursos no período 2000-2007 foi calculado com base nos recursos alocados em P&D na UNICAMP. A duração média dos contratos foi maior com as instituições internacionais, com média de 32,5 meses de duração. Porém, quando considerados os recursos financeiros, estes convênios foram bastante modestos. Eles se referiam, geralmente, ao apoio institucional de pequena monta, como a compra de material de consumo de laboratórios, bolsas de estudos e outras atividades que, por sua natureza, desenvolvem-se por períodos mais longos. As agências de financiamento – principalmente a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) – contrataram projetos por um período médio de 30,7 meses e as empresas estatais, por 21 meses em média, que são períodos bastante elevados. Os contratos com empresas privadas duraram, em média, 16 meses. As agências de financiamento foram responsáveis, no período de 1981-1995, por um montante de R$ 118 milhões destinados à universidade, o que corresponde a 50% dos recursos extraorçamentários que entraram na UNICAMP. No segundo período analisado elas continuaram sendo os maiores financiadores da P&D da UNICAMP, tendo inclusive sua participação se elevado para 63% do total de recursos. Excetuando-se as agências de financiamento, foram as empresas estatais, no período 1981-1995, as que mais contribuíram para o financiamento da P&D da universidade. Isto se expressa no volume total de recursos, segundo a categoria do financiador. Porém, no período 2000-2007 verifica-se uma significativa redução do volume de recursos destinados à P&D na UNICAMP pelas empresas estatais. No primeiro período, as empresas estatais respondiam por 21% do financiamento da P&D da UNICAMP. Já no segundo período sua participação foi reduzida a 5,5% do total de recursos de financiamento à P&D da universidade. 160 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 A administração pública federal também teve importância de destaque no financiamento à P&D da UNICAMP no primeiro período analisado. Nele, a administração pública federal foi responsável por 14% do total de financiamento. Porém, no segundo período sua participação foi igual a 8% do total de financiamento. No período 1981-1995, as empresas privadas representavam 26,6% do número de contratos da universidade, porém somavam apenas 6,8% do volume médio de recursos. No segundo período sua participação não sofreu grande alteração, pois esta foi elevada para 7,3% do financiamento à P&D da UNICAMP. Mesmo a participação das empresas privadas, em termos relativos, tendo se elevado, em termos absolutos esta teve uma queda de 15% – 2,3 milhões de reais a menos destinados ao financiamento à P&D da UNICAMP – no período 2000-2007, em relação ao anterior. Se somados o financiamento público,8 eles representavam no primeiro período 92% do total da P&D da UNICAMP. No segundo período estes representavam 93% do total do financiamento à P&D da UNICAMP. Outro dado importante, que pode ser visto no tabela 2, é que houve redução no financiamento à P&D da UNICAMP entre os dois períodos. Esta redução deve-se em maior medida a queda na participação das empresas estatais, que foi de 80% entre os dois períodos, o que representou 41 milhões de reais a menos no financiamento à P&D da UNICAMP. Sobre a categoria avaliação da interação, segundo Brisolla et al. (1997), a grande maioria dos contratos realizados com o setor produtivo estavam voltados à pesquisa e ao desenvolvimento – 68% – sendo que 41% foram projetos de desenvolvimento, 14% de pesquisa e 13% de cunho exclusivamente tecnológico. Atividades de prestação de serviços corresponderam a 19% e cursos e treinamentos responderam por apenas 6% dos contratos. Contratos envolvendo consultorias e assessorias, projetos de engenharia, análises de rotina, informações técnico-científicas, representaram apenas 5%. Cerca de 60% dos contratos tiveram relações de cooperação envolvendo membros da entidade financiadora e equipes de pesquisadores. Isto foi especialmente verdadeiro para os contratos de P&D, embora nas prestações de serviço, nas quais era esperada uma baixa interação entre as equipes, as relações de cooperação foram também significativas. Quanto à aproximação entre os atores, os motivos que levaram os pesquisadores a interagirem com o setor empresarial foram a busca de recursos financeiros e a identificação de temas de pesquisa. É interessante notar que a informalidade 8. Agências de financiamento, empresas estatais, institutos públicos de P&D, administração pública federal, administração pública estadual, administração pública municipal, financiamento próprio e fundos de C&T. Polos e Parques de Alta Tecnologia: uma alternativa? 161 marcou os contatos iniciais. Em mais de 50% dos contratos estudados, os contatos pessoais informais foram a principal via de acesso utilizada pelos atores. Ex-alunos, participação em congressos, organização de workshops, foram mencionadas como situações que favoreceram o estabelecimento de contatos, não apenas de iniciativa das empresas, mas também, de membros da comunidade de pesquisa. Ao passo que, ao longo dos anos 1980 e 1990, foi bastante tímido o desempenho das instituições de enlace9 entre a UNICAMP e os setores produtivos privados. Apesar de ter um grande destaque quanto à produção de C&T no Brasil, isto se considerados os indicadores apresentados acima, a relação da UNICAMP com os setores produtivos tem sido bastante modesta em termos de transferência de tecnologia para os setores produtivos. Esta instituição vem produzindo C&T, que, no limite, não tem relevância para estes setores. 5 Respondendo À segunda pergunta: por que aS políticaS públicaS apresentaraM tais resultados? Na tentativa de se responder a essa pergunta, evidencia-se dois aspectos fundamentais que ajudam a entender o porquê dos modestos resultados da política de PATs. O primeiro aspecto é a emulação das experiências de PATs dos países de capitalismo avançado, o qual está ligado com a concepção que a comunidade de pesquisa e mesmo a sociedade de forma geral, possui acerca da C&T. O segundo aspecto é a política pública constituir-se como uma política simbólica, o qual está relacionado com as especificidades da sociedade em que esta foi formulada e que a impedem de ser implementada. O fenômeno da emulação, ou geração de mecanismos de interface que tentam imitar as experiências de sucesso dos países de capitalismo avançado (THOMAS; DAVYT; DAGNINO, 1997), não se restringe à política de PATs. Ele perpassa as diversas propostas de arranjos institucionais elaboradas no Brasil e, em geral, as políticas que buscam estimular a interação universidade – empresa. Os argumentos da comunidade de pesquisa, de que a debilidade da interação entre o potencial de C&T e o desenvolvimento econômico é um problema grave nos países de capitalismo periférico e que ele deve ser enfrentado, são amplamente aceitos pelos policy makers. Ainda que não haja um consenso entre os membros da comunidade de pesquisa sobre as causas e possíveis soluções desse problema público, a alternativa efetivamente aceita no momento da formulação dos PATs, que continua vigente até hoje, para sua resolução foi a que buscava fazer com que o potencial de C&T fosse utilizado pelo sistema produtivo. 9. São elas: Companhia para o Desenvolvimento Tecnológico (CODETEC), Centro de Tecnologia (CT), Centro de Incentivo à Parceria Empresarial (Cipe) e Escritório de Transferência de Tecnologia (ETT). 162 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 A alternativa partiu da concepção de membros da comunidade de pesquisa de que as demandas por conhecimento – seja ele incorporado em pessoas ou desincorporado – poderiam, tal como observado nos países de capitalismo avançado, ser reduzidas àquelas exercidas pelas empresas. Nesta alternativa, as empresas constituíram-se em um polo a ser conectado. O outro polo, cuja função seria produzir conhecimento, e que para isto contava com o apoio do estado, seria as universidades (DAGNINO, 2004). Essa concepção da comunidade de pesquisa brasileira tem sua base no modelo ofertista institucional linear. Este modelo surgiu nos países de capitalismo avançado, inicialmente nos Estados Unidos, depois que a comunidade científica ganhou a guerra contra o fascismo, com o projeto Manhattan e a bomba atômica. Nesse período se estabelece um novo contrato social entre a comunidade de pesquisa e o Estado. Contrato que garantiria que a sociedade pudesse ser sempre beneficiada pelos frutos do conhecimento custeado pelo Estado e que, em retribuição, seriam oferecidos pelos homens de ciência (DAGNINO, 2002). Nos países de capitalismo avançado, há uma teia de relações sociais formada por empresas, Estado e sociedade em geral, para a qual o conhecimento gerado a partir deste modelo é funcional. Esta teia vai evidenciando e sinalizando, ao longo do tempo, os campos de conhecimento que são mais relevantes para aquela sociedade (DAGNINO, 2002). Campos de relevância que podem ser entendidos como resultante dos projetos que seus atores dominantes – as elites econômicas e políticas – apontam enquanto demanda por conhecimento que deve ser gerado pela comunidade de pesquisa. Esses sinais de relevância, em geral difusamente emitidos, são captados pela comunidade de pesquisa, que os decodificam a partir de modelos descritivos, normativos e institucionais, preconceitos, mitos e verdades de sentido comum. Estes sinais vão conformando o caldo de cultura da pesquisa por meio do qual o sinal de relevância – substantivo e ex ante – é decodificado pela comunidade de pesquisa e que leva à construção de um sinal de qualidade – adjetivo e ex post. E é este sinal que, finalmente, pode ser processado e operacionalizado mediante a formação do critério de qualidade e do juízo dos pares, que orientam a ação da comunidade de pesquisa dos países de capitalismo avançado. O resultado é um mecanismo que reduz o compromisso social da comunidade de pesquisa a uma mera garantia de qualidade da pesquisa que vai ser feita com o dinheiro público, uma vez que a relevância está garantida pela teia social de atores. Os conceitos de teia de relações e de campo de relevância, que no caso dos países de capitalismo avançado aparecem como evidentes, permitem perceber o efeito do modelo institucional ofertista linear na América Latina. Em particular porque a comunidade de pesquisa latino-americana considera que qualidade em pesquisa – um conceito que nos países de capitalismo avançado depreende-se Polos e Parques de Alta Tecnologia: uma alternativa? 163 daqueles dois outros – é não apenas neutra, a histórica e universal, mas, vale a redundância, a única possível (DAGNINO, 2002). São poucos os que se dão conta de que o conceito de qualidade que a comunidade de pesquisa brasileira adota é, na realidade, historicamente e socialmente construído nos países de capitalismo avançado. Isto é, que pertence a outro campo de relevância estabelecido por uma outra teia de relações. Por ser datado e formado no interior de outro contexto econômico, social e político, este conceito é funcional aos interesses dos atores sociais que nele manifestam-se de forma hegemônica. Devido à concepção que os atores sociais (incluindo a comunidade de pesquisa) possuem acerca da C&T – de que ela é neutra –, tornou-se amplamente aceito que a comunidade de pesquisa deva ser o ator dominante na elaboração da PCT (DAGNINO, 2007b). Política esta, percebida pelos atores como policy e não como politics, segue, tal como o modelo de C&T dos países de capitalismo avançado, sendo emulada pelos países de capitalismo periférico. A proposta que se tornou relativamente frequente entre os atores dominantes no processo de elaboração da PCT diz respeito ao estímulo à formação de PATs, com o intuito de criar um ambiente institucional favorável ao surgimento de inovações tecnológicas tal como nos países de capitalismo avançado. A prática da importação de modelos constitui um processo comum entre os países de capitalismo avançado. Entre eles esta prática não se mostra muito problemática, uma vez que suas características estruturais não apresentam disparidades muito relevantes (DIAS, 2005). No caso da emulação de experiências realizadas no contexto dos países de capitalismo avançado por um país de capitalismo periférico, como o Brasil, devido às discrepâncias estruturais existentes entre estes dois conjuntos de países, esta prática pode gerar graves consequências. Além da emulação de arranjos institucionais dos países de capitalismo avançado, outro aspecto que ajuda a compreender o porquê dos modestos resultados do PATC diz respeito a ele ter se constituído como uma política simbólica. A emulação dos PATs como proposta de política pública, tal como ocorreu no caso do PATC, implicava os policy makers, além de conceberem a C&T como neutra e universal, acreditarem que três elementos, que se supunha permitir o desenvolvimento destas experiências nos países de capitalismo avançado, estivessem presentes no Brasil e, invariavelmente, em Campinas. São eles: i) ator empresa altamente demandante de P&D, desenvolvida localmente como elemento central de sua competitividade; ii) o ator universidade formador dos pesquisadores que desenvolveriam P&D nas empresas; e iii) o ator Estado com o poder de articular e coordenar os atores empresa e universidade com vista à inovação tecnológica. 164 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 Sobre o primeiro elemento – ator empresa altamente demandante de inovações tecnológicas –, uma olhada mais atenta para a realidade brasileira, e consequentemente na de Campinas, mostraria que o ator econômico que aqui é chamado de empresa não é exatamente o que nos países de capitalismo avançado recebe este nome. Isto é, não cumpre as mesmas funções. Ao adotar acriticamente o marco de referência gerado nestes países para tratar sua realidade, a comunidade de pesquisa brasileira incorreu no pecado epistemológico de chamar pelo mesmo nome – usar o mesmo significante: empresa – coisas com significados diferentes (DAGNINO, 2004). Nos países de capitalismo avançado, as empresas – as grandes empresas – nacionais é que controlavam a inovação, tanto com a produção de novos produtos quanto de processos, dentro de suas economias. Estas empresas também eram as responsáveis por grande parte das transações internacionais e detinham a iniciativa neste terreno (FURTADO, 1974). Como destacado por Furtado (1972), as empresas localizadas no Brasil não atuavam da mesma forma. Segundo este autor, no país existiriam três categorias de empresas: um setor privado nacional, formado por um limitado número de grandes firmas que sobreviviam com maior ou menor grau de autonomia e por um número considerável de pequenos empresários; um poderoso setor privado estrangeiro, orientado por dirigentes estrangeiros ou brasileiros, formado por filiais ou empresas subsidiárias de consórcios internacionais; e outro setor de importância crescente que era formado pelas empresas públicas, quase sempre originárias da administração civil ou militar (FURTADO, 1972). As atividades dirigidas por esses três grupos tendiam a ser mais complementares do que competitivas. As empresas controladas diretamente pelo Estado tinham a exclusividade de certas áreas. Elas dominavam as atividades infraestruturais ou criadoras de economias externas, as quais requeriam grandes imobilizações de capital e não eram afetadas pelo progresso técnico – inovações tecnológicas (FURTADO, 1972). O grupo privado nacional controlava as atividades de construção e certas manufaturas tradicionais. Ele também operava como subcontratista das empresas estatais e das estrangeiras. O grupo das empresas estrangeiras tinha o controle quase que absoluto das indústrias de bens de consumo duráveis, químico-farmacêutica e equipamentos em geral, que em conjunto eram as que mais se expandiam e as que mais inseriam o progresso técnico na sua produção (FURTADO, 1972). O dinamismo econômico dos países de capitalismo avançado decorria do fluxo de inovações tecnológicas e da elevação dos salários reais da população, o que lhes permitia a expansão do consumo de massa. No Brasil, todavia, o dinamismo econômico desenvolvia-se com base em um mimetismo cultural e na permanente concentração de renda, o que fazia com que uma minoria da popula- Polos e Parques de Alta Tecnologia: uma alternativa? 165 ção pudesse reproduzir o padrão de consumo dos países de capitalismo avançado enquanto que a grande maioria estava vivendo na pobreza (FURTADO, 1974). Dado a isso, as empresas brasileiras voltavam sua produção para atender à progressiva satisfação do consumo desta minoria com poder de consumo. Como o processo de diferenciação e criação de novos produtos apoiava-se, do lado da demanda, na adoção dos hábitos de consumo dos países de capitalismo avançado, as empresas brasileiras – estrangeiras e domésticas – utilizavam tecnologias transferidas do exterior para produzi-los. Neste caso, a inovação constituía-se apenas em produzir internamente o bem já fabricado nos países de capitalismo avançado (BIATO; GUIMARÃES; FIGUEIREDO, 1973). Outro fator que diferenciaria as empresas, ou melhor, as economias, dos países de capitalismo avançado das empresas dos países de capitalismo periférico seria a dinamização do desenvolvimento tecnológico. A diminuição da oferta de mão de obra nos países de capitalismo avançado elevaria o valor da remuneração salarial. Em resposta a isto, os capitalistas – empresários – destes países tenderiam a desenvolver inovações tecnológicas poupadoras de mão de obra, mas capazes de manter a taxa de lucro com a obtenção de mais-valia relativa (FURTADO, 1989 apud CEPÊDA, 2008). Nos países de capitalismo periférico, devido a sua grande oferta de mão de obra, as empresas não percorreriam o mesmo caminho dos países de capitalismo avançado. Por não sofrerem pressão salarial, não necessitariam de renovações tecnológicas. Sua taxa de lucro seria mantida por meio da extração de mais-valia absoluta com a redução dos salários (FURTADO, 1989 apud CEPÊDA, 2008). Mesmo na atualidade as estratégias de inovação das empresas brasileiras não estão fundamentadas no investimento em P&D. Suas estratégias continuam calcadas na transferência de tecnologia e não no desenvolvimento de P&D interno a elas. Segundo dados da PINTEC (IBGE, 2005), em 2005, 32.800 empresas brasileiras fizeram inovação tecnológica em produto ou processo. Deste total, 30.377 são industriais e 2.418 são prestadoras de serviços de alta tecnologia – nos setores de telecomunicações, informática e pesquisa e desenvolvimento. Do total de empresas que inovaram, 20% – 6.560 empresas – fizeram isto por meio de investimento de parte de sua receita em P&D. Ao passo que 48,4% – 15.875 empresas – inovaram por meio da aquisição de máquinas e equipamentos. Caso se some as demais modalidades de inovação – aquisição externa de P&D; outros conhecimentos externos; introdução de inovação tecnológica já existente no mercado; projeto industrial; treinamento – que juntos correspondem a 31,4% das atividades de inovação, com a aquisição de máquinas e equipamentos, o percentual de inovação das empresas feito por meio da aquisição de produtos ou processos já existentes no mercado seria igual a 80% (IBGE, 2005). 166 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 Sobre o segundo elemento – o ator universidade formador dos pesquisadores que desenvolveriam P&D nas empresas –, a comunidade de pesquisa brasileira concebia que, tal como nos países de capitalismo avançado, o lugar da ciência e da educação seria a universidade e o lugar do desenvolvimento ou da demanda de tecnologia seria a empresa. O elemento criador de inovação seria o cientista ou engenheiro trabalhando em atividades de P&D nas empresas (BRITO CRUZ, 2005). Todavia, uma análise mais crítica sobre a estrutura produtiva brasileira mostraria que, distinto do que se observava nos países de capitalismo avançado, as universidades não viriam a desempenhar um papel fundamental nesta. Estas, diferentemente do que se pretendia, não seriam formadoras dos cientistas e engenheiros e, também, não geriam as inovações tecnológicas demandadas pelas empresas brasileiras. As empresas brasileiras eram – e continuam sendo – em sua maioria, filiais de firmas estrangeiras, que possuem seus próprios programas de lucro e investimentos. Por isto mesmo, a influência de tais empresas no desenvolvimento da C&T no Brasil tem sido praticamente nula. Na verdade, estas corporações possuem laboratórios próprios de pesquisa, em seus países de origem (LEITE LOPES, 1981). Por sua vez, as empresas domésticas utilizam conhecimento científico e tecnológico provenientes dos países de capitalismo avançado (LEITE LOPES, 1981). Uma vez que a demanda da sociedade brasileira – aquela minoria que pode consumir – por novos produtos ou processos reproduz o padrão de consumo dos países de capitalismo avançado, esta é satisfeita com transferência de tecnologias importadas. Ou seja, para atender esta demanda, as empresas domésticas não necessitariam investir em P&D. Admitindo que a comunidade de pesquisa aconselhasse o governo brasileiro a adotar uma política de manutenção e estímulo às universidades, à pesquisa científica e à cultura, paralelamente a um indispensável programa intensivo de educação básica, ainda permaneceria uma dificuldade fundamental. A saber: a utilização (a colocação) dos cientistas (pesquisadores) pelas empresas brasileiras (LEITE LOPES, 1981). Se essas empresas estavam operando com base nos trabalhos científicos e tecnológicos realizados no exterior, tornava-se claro que os pesquisadores formados pelas universidades locais não teriam muita oportunidade de emprego em hipotéticos laboratórios de pesquisa destas corporações – estrangeiras ou domésticas. As empresas não estavam, portanto, interessadas em estabelecer vínculos com os laboratórios e universidades brasileiras (LEITE LOPES, 1981). Mesmo hoje permanece baixa a importância da interação das empresas com outras instituições, em especial com as universidades como estratégia de inovação tecnológica. Segundo dados da PINTEC (IBGE, 2005), a cooperação com outras organizações no desenvolvimento de atividades inovadoras foi pouco utilizada pelas empresas brasileiras (RAPINI, 2007). Polos e Parques de Alta Tecnologia: uma alternativa? 167 Do conjunto das firmas inovadoras – aquele universo de 32.800 empresas – somente 11% valeram-se da estratégia de interagir com outras organizações como meio de desenvolver inovações. Em termos de parcerias, a maior proporção de relações de cooperação ocorreu entre fornecedores e clientes – 6% e 5%, respectivamente – das empresas inovadoras, e apenas 3,7% com universidades (RAPINI, 2007). Sobre o terceiro elemento – o ator Estado com o poder de articular e coordenar os atores empresa e universidade com vista à inovação tecnológica –, pretendia-se que o Estado brasileiro adotasse o mesmo modelo dos países de capitalismo avançado. Ou seja, um Estado responsável por administrar as regras de interação entre os atores, regulamentar as informações que eles poderiam ter acesso e orientar seus comportamentos para promover o desenvolvimento industrial com base na inovação tecnológica (CIMOLI et al., 2007). Todavia, uma olhada mais atenta sobre a política industrial brasileira mostraria o qual distante esta estava, já na década de 1970, de uma coordenação nacional. Como apontado por Furtado (1974), o dado mais importante a assinalar, no que concernia aos países de capitalismo periférico em mais avançado processo de industrialização, era a considerável dificuldade de coordenação de suas economias no plano interno. Isto era devido à forma como vinha sendo articulada a economia nacional com a internacional, fortemente influenciada pelas grandes empresas. A debilidade do Estado como instrumento de direção e coordenação das atividades econômicas, em função de algo que se possa definir como interesse da coletividade local, passou a ser um fator significativo no seu processo de desenvolvimento (FURTADO, 1974). Outro ponto importante que impossibilitaria a coordenação do Estado sobre os atores e as atividades de inovação era a correlação de forças políticas na sociedade brasileira. A correlação de forças políticas, que sancionou uma crescente e brutal concentração de poder econômico, muito pouco espaço deixaria para que o conhecimento e os recursos humanos qualificados, que o complexo de C&T poderia produzir, pudessem ser utilizados para o desenvolvimento de inovações tecnológicas (DAGNINO; THOMAS, 1999). Esses três elementos seriam suficientes para apontar que as propostas de solução para o problema público da debilidade da interação do potencial de C&T com o complexo produtivo local não levariam à sua resolução. Os formuladores das propostas de emular as experiências norte-americanas de Polos e Parques de Alta Tecnologia – que vigoram até hoje – e vincular os setores produtivos ao desenvolvimento da C&T, tendo como centrais as empresas de alta tecnologia, não consideraram estas especificidades da sociedade brasileira. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 168 6 Conclusões Se considerada a política pública como um curso de ação, que envolve as definições de metas, objetivos e, principalmente, de diretrizes para focalizar um problema público (HAM; HILL, 1993; ROTH, 2006; CAVALCANTI, 2007), as políticas dos PATs não poderiam, de modo estrito, ser consideradas como tal. As políticas dos PATs correspondem a políticas simbólicas. Por terem sido formuladas para emular as experiências de PATs dos países de capitalismo avançado, não encontraram aqui as mesmas condições sociais que permitiam o desenvolvimento delas nos países de origem. Formulação que está relacionada com a concepção que a comunidade de pesquisa e os policy makers – e mesmo a sociedade em geral – possuem acerca da C&T fundada na ideia de neutralidade. Após quase três décadas do início das políticas dos PATs, seus resultados têm sido bastante modestos. Os apontamentos críticos de autores dos países de capitalismo avançado acerca dos PATs – de que a formação e o estreitamento da relação universidade – empresa não demandavam proximidade física; de que a criação de infraestrutura não era condição suficiente para promover uma eficiente rede de comunicação e relacionamento; de que a criação de empresas, atribuída à vinculação com as universidades, apresentava-se mais como exceção do que como regra; de que as empresas de alta tecnologia não tenderiam a deixar os PATs para se transformarem em unidades produtivas e que não demandariam significativamente mão de obra especializada; e de que as empresas de grande porte não eram propensas a relacionarem-se com as universidades (GOMES, 2001) – não foram levados em conta na formulação da política dos PATs. É provável que se fosse feita uma análise mais detida sobre a realidade brasileira no momento da construção do problema público que originou estas políticas, elas não teriam sido escolhidas como centrais para a promoção da interação entre o potencial de C&T e o desenvolvimento econômico do país. Polos e Parques de Alta Tecnologia: uma alternativa? 169 Referências AGÊNCIA FAPESP. Primeira em patentes. Boletim da Agência FAPESP, São Paulo, 27 dez. 2007. ______. Avaliação revela alto grau de eficiência em quatro programas da FAPESP. Boletim da Agência FAPESP, São Paulo, 25 maio 2008. ALBUQUERQUE, E. M. et al. Distribuição espacial da produção científica e tecnológica brasileira. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPEC, 29. 2001, Salvador, BA. Anais. Salvador: ANPEC, 2001. BIATO, F. A.; GUIMARÃES, E. A.; FIGUEIREDO, M. H. A transferência de tecnologia no Brasil. Brasília: Ipea, Iplan, 1973. BRISOLLA, S. et al. 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Os resultados indicam que as doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo, os fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os serviços de saúde foram, respectivamente, as nosologias que mais acometeram os trabalhadores nesse período, com maior proporção entre o gênero feminino, casados, na faixa etária acima de 46 anos e com mais de 20 anos de trabalho. Conclui-se que o absenteísmo por morbidade, entre os trabalhadores em estudo, impactou financeiramente a instituição. Há necessidade de implementar ações de prevenção à saúde do trabalhador que possam contribuir com a qualidade e a produtividade nos serviços oferecidos à população. Palavras-chave: Absenteísmo; Morbidades; Saúde do Trabalhador; Sistema Único de Saúde. CHARACTERISTICS OF ABSENTEEISM AMONG WORKERS FROM THE HEALTH: CENTRAL LEVEL OF THE SECRETARY OF HEALTH FROM THE STATE OF MATO GROSSO, IN THE PERIOD FROM 2005 TO 2006 This descriptive/exploratory study objectives to analyze characteristics of absenteeism for morbidities among 923 workers from the Central Level of the Secretary of Health from the State of Mato Grosso, in the period from 2005 to 2006 to subsidize public politics that comes to reduce the impacts in the life of the workers as well as of the services given to the population. It was used form for the collect of data on the handbooks of the Coordenation of Medical Skill from the State of Mato Grosso and effected analysis of simple frequency. The results indicate that the Illnesses of * Os autores são gratos ao corpo técnico da Gerência de Desenvolvimento e Qualidade de Vida da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso (SES/MT), especialmente aos servidores Elisabeth de Oliveira Ramos da Rosa, Jorge Luiz de Arruda e Juliana Furquim Rodrigues Alves Martins, ao Coordenador da Perícia Médica, Sr. Avelino Caetano da Silva, bem como à colaboração de Delma Perpétua Oliveira de Souza, doutora em Ciências da Saúde do Programa de PósGraduação de Saúde Coletiva do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), e Geonir Paulo Schnorr, matemático da Secretaria de Planejamento do Estado de Mato Grosso. ** Profissional de nível superior do Sistema Único de Saúde (SUS), psicóloga da SES/MT e mestre em Administração de Empresas. E-mail: [email protected] *** Profissional de nível superior do SUS, assistente social da SES/MT e especialista em Gestão Pública e Gestão em Saúde Coletiva. E-mail: [email protected] **** Profissional de nível superior do SUS, psicóloga da SES/MT e mestre em Administração de Empresas. E-mail: [email protected] 174 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 the Osteomuscular System and the Conjunctive Tissue and the Factors that influence the state of Health and the Contact with the Services of Health were, respectively the nosologies that more the workers in this period assailed, with bigger ratio between the feminine sort, married, age-group over the 46 years old, and with more than 20 years of work. It is concluded that the absenteeism by morbidity between the workers in study, financially impacted in the institution. There is the necessity to implement actions of prevention to the workers’health, that can contribute to the quality and the productivity on the services offered to the population. Key words: Absenteeism; Morbidities; Workers’health; Unique System of Health. CARACTERÍSTICAS DE ABSENTISMO ENTRE TRABAJADORES DE SALUD: NIVEL CENTRAL DE LA SECRETARÍA DE ESTADO DE SALUD DE MATO GROSSO, EN EL PERÍODO 2005-2006 Este estudio descriptivo/exploratório tiene por objetivo examinar las características de absentismo por morbilidades entre 923 trabajadores del nivel central de la Secretaría de Estado de Salud de Mato Grosso, en el período 2005-2006 para subvencionar las políticas públicas que reduzcan los impactos en la vida de los trabajadores y los servicios a la población. Fue utilizado formulario para colectar datos en los registros de la Coordinadoría Médica de la Destreza del Estado de Mato Grosso y de análisis de frecuencia simple. Los resultados indican que las enfermedades del sistema osteomuscular y del tejido conjuntivo y de los factores que influyen en el estado de salud y el contacto con los servicios de salud fueron, respectivamente las nosologías que más acometieron a los trabajadores en ese período, con mayor proporción entre el genero feminino, casadas , de más de 46 años, con más de 20 años de trabajo. Se concluye que el absentismo por morbilidad entre los trabajadores en el estudio impactó financeramente en la instituición.Tenemos que ejecutar acciones para la prevención de la salud de los trabajadores que puedan contribuir a la calidad y la productividad de los servicios ofrecidos a las personas. Palabras-clave: Absentismo; La Morbilidad; La Salud; Sistema Único de Salud. CARACTÉRISTIQUES D’ABSENTÉISME ENTRE TRAVAILLEURS DE SANTÉ: “NIVEAU CENTRAL DU BUREAU DE SANTÉ DE MATO GROSSO”, DANS LA PÉRIODE DE 2005-2006 Cette étude, descriptif/exploratoire, a pour objectif analyser les caractéristiques d’absentéisme par morbidité entre 923 travailleurs du “Niveau Central du Bureau de Santé de Mato Grosso”, dans la période de 2005/2006, pour subventionner des politiques publiques que viennent à reduire l’impact dans la vie des travailleurs, ainsi comme les services rendus à la population. On a utilisé des formulaires pour recueillir des donnés aux dossiers médicaux de la Coordination d’Expertise Medicale de Mato Grosso et on a effectué l’analyse de la fréquence simple. Selon les résultats, les maladies du Système Ostéomusculaire, du Tissu Conjonctif et les facteurs qu’influencent l’état de santé et le contact aux Services de Santé, ont été, respectivement, les nosologies qui ont compromis le plus les travailleurs dans cette période, avec une proportion majeure entre le genre féminin, mariés, l’âge au-dessus de 46 ans et avec plus de 20 ans de travail. On a conclu, que l’absentéisme par morbidité, entre les travailleurs en étude, a eu fort impact financier à l’institution. Il faut mettre en œuvre des actions de prévention de la santé du travailleur que puissent collaborer pour la qualité et productivité dans les services offerts à la population. Mots-clés: Absentéisme; Morbidité; Santé du Travailleur; Système Unique de Santé. Características de Absenteísmo entre Trabalhadores da Saúde... 175 1 INTRODUÇÃO Atualmente as organizações vêm passando por transformações que afetam o ser humano em vários aspectos e as pessoas estão vivendo em um ritmo de vida cada vez mais acelerado, se dedicando muito ao trabalho, tendo que se adaptar às exigências do mercado e ainda conseguir conciliar a dupla ou tripla jornada de trabalho, perdendo a qualidade de vida, com dificuldades para realizar atividades como esporte, cultura e lazer. E, sobretudo, comprometendo a saúde. Dejours (1992) afirmava que o trabalho além de ser fonte de prazer e de formação de identidade, causa insatisfação e até exaustão. Percebe-se que o ambiente de trabalho também acarreta agravos à saúde, refletindo no ser humano e inclusive influenciando no seu comportamento. O problema é que muitas vezes o ambiente de trabalho também é desgastante e desmotivador, contribuindo, como ressalta Vasques-Menezes (2004), para o surgimento de problemas físicos ou psíquicos que podem vir a desencadear ou determinar adoecimentos e/ou enfermidades. Estes, inclusive, podem ser os responsáveis pelo elevado número de absenteísmo nas organizações. O termo absenteísmo originou-se da palavra absentismo, que por sua vez deriva do latim absens, ausente, de ab + esse (MALTEZ, 2003). A palavra absentismo era utilizada quando proprietários rurais deixavam o campo para viver na cidade. No período industrial, este termo foi designado aos trabalhadores que faltavam ao serviço (QUICK; LAPERTOSA, 1982). Atualmente, este é concebido como: Incapacidade temporária, prolongada ou permanente para trabalhar, em resultado de doença ou de enfermidade. E o absenteísmo trabalhista é o não cumprimento, por parte do trabalhador da jornada trabalhista, tanto por atrasar ou adiantar sua saída diária, como por não fazer o trabalho em uma jornada completa, ou em várias (FUNDAÇÃO EUROPEIA PARA A MELHORIA DAS CONDIÇÕES DE VIDA E DE TRABALHO, 1997). Dessa forma, o absenteísmo trabalhista implica na ausência do trabalhador da jornada de trabalho, independentemente da justificativa, e salienta-se que neste trabalho serão abordadas as ausências oriundas da incapacidade de se trabalhar em virtude de patologias que estejam justificadas por atestado ou laudo médico e que sejam relacionadas ou não ao trabalho, conforme legislação em vigor (MATO GROSSO, 2002). No Brasil, ainda há escassez de pesquisas em relação aos dados do absenteísmo e aos ônus econômico acarretado por ausências ao trabalho. O que existe referem-se a estudos isolados como os realizados por Nascimento (2003) com enfermeiros em uma unidade básica e distrital de saúde de Ribeirão Preto (SILVA, 2004), trabalhadores em um banco estatal de Minas Gerais (RIBEIRO, 2004), bancários da Bahia, entre outros. 176 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 O governo do estado de São Paulo percebeu com os resultados da pesquisa, em 2006, um crescimento no absenteísmo; que de 5,09 milhões de dias, em 2003, passou para 6,3 milhões de dias, em 2006, ou seja, um aumento da ordem de 25% em três anos. Entre os tipos de absenteísmo, o campeão é a licença saúde com 65,68% do total (SÃO PAULO, 2008). Outras pesquisas como a de Silva e Marziale (2000), Nascimento (2003) e Appolinário (2008) confirmam estes resultados. Os dados da Previdência Social mostram que, no Brasil, existe um total de 9.162 benefícios concedidos por auxílios doenças, totalizando um custo de R$ 5.406.851,00 para os cofres públicos, com pagamentos de salários/benefícios decorrentes de afastamentos do trabalho (BRASIL, 2004). Segundo Danatro (1997) os custos com o absenteísmo são muito difíceis de determinar, porém estima-se que são similares ao custo total do Serviço Nacional de Saúde. Na indústria, representa mais de 10% de todas as despesas, salários e horas extras pagos, e estudos comprovam tendências similares em outros países. Em 1994, no Reino Unido, perdeu-se 117 milhões de dias de trabalho, em resultado de faltas por doenças, o equivalente em produtividade a 11 bilhões de libras esterlinas. As duas mil maiores empresas de Portugal perderam 5,5% da totalidade de dias de trabalho (FUNDAÇÃO EUROPEIA PARA A MELHORIA DAS CONDIÇÕES DE VIDA E DE TRABALHO, 1997). Quanto aos tipos de ausências, Midorikawa (2000), as descreve em absenteísmo pela falta ao trabalho (falta pura e simples do empregado ao trabalho) e o de corpo presente (é aquele que apesar de não faltar ao trabalho, não desenvolve seu melhor desempenho, levando à diminuição da produtividade, que ocorre devido ao fato do trabalhador apresentar algum problema de saúde). Nascimento (2003) as classifica em não previstas (as que caracterizam o absenteísmo, pelo seu caráter imprevisível, como as licenças médicas, faltas abonadas e justificadas) e as previstas (as de direito do trabalhador, podendo ser planejadas com antecedência como férias, folgas e feriados). Em relação às causas do absenteísmo, percebe-se que também não existe um consenso entre os autores. McDonald e Shever (1981 apud DALL”INHA, 2006) citam as causas intrínsecas, extrínsecas e de personalidade; enquanto Meira (1982) cita as naturais, socioeconômicas e as inerentes à própria empresa. Couto (1987) reforça a multifatoriedade das causas, classificando-as em fatores de doença, de trabalho, sociais, culturais e de personalidade e Souto (1998) relata que na causa do absenteísmo, há muito mais fatores do que a simples doença. Salienta-se que o fato das causas do absenteísmo estarem ligadas a múltiplos fatores, faz com que este problema se torne crucial, complexo e de difícil gerenciamento tanto para os gestores de organizações públicas quanto aos das privadas. Características de Absenteísmo entre Trabalhadores da Saúde... 177 Dessa forma, este estudo tem por escopo investigar características de absenteísmo por morbidades entre trabalhadores do Sistema Único de Saúde (SUS) do Nível Central da SES/MT. Foram investigados fatores como sexo, estado civil, faixa etária, tempo de serviço, local de trabalho, cargo ocupado e o impacto financeiro gerado pelas ausências. A seção seguinte traz a metodologia de trabalho adotada, ou seja, sujeitos, tipo de estudo, instrumento, população e os procedimentos para a realização. Na terceira seção, são apresentados os resultados obtidos por meio do instrumento diagnóstico. A análise e discussão dos resultados tanto do ponto de vista quantitativo como qualitativo estão contemplados na quarta seção. Na quinta seção estão as conclusões com base em toda a trajetória desenvolvida. 2 MÉTODO O desenho deste estudo é descritivo/exploratório realizado na Coordenadoria de Perícia Médica do estado de Mato Grosso. O universo da população estudada foi constituído por todos os trabalhadores do SUS concursados, inclusive em estágio probatório, no período de janeiro de 2005 a dezembro de 2006, totalizando 923 trabalhadores, sendo que destes, 204 somente em 2005, 559 trabalhadores, nos dois anos e 160 somente em 2006, todos lotados no Nível Central da SES/MT. A designação Nível Central refere-se ao prédio da SES situado no Centro Político Administrativo em Cuiabá. É o núcleo da administração que tem a missão de prestar serviços sistêmicos de apoio aos órgãos e entidades do Poder Executivo estadual. Estabeleceu-se como critério de inclusão, os trabalhadores que estiveram afastados de suas funções laborais, pela Coordenadoria de Perícia Médica da Secretaria de Estado de Administração (SAD), em um período superior a três dias, por motivo de licença para tratamento de saúde. Esse período delimitado foi considerado pelo fato de que até três dias de afastamento, não há diminuição ou exclusão do pagamento de acordo com o Decreto no 5.263, de outubro de 2002, Artigos 22 e 23, que institui o Regulamento de Perícias Médicas do estado de Mato Grosso (MATO GROSSO, 2002). Para a coleta de dados desta pesquisa foi elaborado um formulário denominado Caracterização do Absenteísmo – Perícia Médica (anexo 1), o qual foi preenchido pelas técnicas da Gerência de Desenvolvimento e Qualidade de Vida na Coordenadoria de Perícia Médica da SAD, contendo as variáveis: • sexo: masculino e feminino; • estado civil: casado, solteiro, divorciado, desquitado, separado e viúvo; • cargo do SUS: de acordo com o plano de carreira dos profissionais planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 178 habilitados em curso de nível superior, nas áreas específicas correspondentes aos perfis profissionais do cargo e registro no conselho de classe; técnico do SUS (habilitados em ensino médio profissionalizante, em área específica, correspondente aos perfis profissionais deste cargo); assistente do SUS (comprovado ensino médio completo ou não); apoio do SUS (ensino fundamental completo ou não); • carga horária de trabalho: 30 e 40 horas; • faixa etária: ≤ 25 anos, 26 a 35 anos, 36 a 45 anos e > de 45 anos; • tempo de trabalho na secretaria: até 3 anos, 3 a 5 anos, 5 a 8 anos, 8 a 12 anos, 12 a 15 anos, 15 a 20 anos e acima de 20 anos; e • superintendência: local de trabalho, onde está lotado atualmente, no prédio do nível central da SES. Cabe ressaltar que foi registrada somente a matrícula do trabalhador com referência numérica, com a finalidade de preservar a identificação dele. A segunda parte do formulário consistia em definir o mês do ano em que o trabalhador passou na perícia para homologação do laudo médico, bem como a quantidade de dias que foram autorizados e a justificativa (patologia de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID-10). E por último, um espaço destinado às observações que pudessem existir. Os dados foram tabulados e analisados pelos programas Microsoft Excel 2003 e SPSS versão nove. Para análise estatística, utilizou-se a frequência simples. O projeto deste estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos da SES/MT, segundo a Resolução no 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde, sendo aprovado pelo Protocolo no 304/2007 (anexo 2). 3 RESULTADOS Observa-se na tabela 1 que o número de trabalhadores do SUS lotados na SES Central, em 2005, foi de 763 e, deste total, 135 tiveram seus afastamentos registrados junto à perícia médica. Os dados mostram que o número total de ausências autorizadas pela perícia médica, independente do motivo causal, foi de 9.053 dias, com a média de 67 dias/trabalhador ausente, ao longo do ano. Considerando a população de risco (total de trabalhadores do SUS lotados na SES Central em 2005), a média é de 12 dias por trabalhador. Já em 2006, verificou-se que o número de trabalhadores era de 719 e deste total, 168 tiveram seus afastamentos registrados junto à perícia médica. O número total de ausências autorizadas, independente do motivo causal, foi de 10.627 dias, com a média de 65 dias/trabalhador ausente, ao longo do ano. Considerando a população de risco (total de trabalhadores do SUS lotados na SES Central em 2005), a média é de 15 dias por trabalhador. Características de Absenteísmo entre Trabalhadores da Saúde... 179 TABELA 1 Distribuição dos trabalhadores afastados por licença médica, lotados no Nível Central da SES/MT – 2005-2006 Ano Distribuição Total de trabalhadores afastados 2005 2006 135 1681 1 Total de trabalhadores não afastados 628 551 Total 763 719 Fonte: Dados da Coordenadoria de Perícia Médica da SAD. Nota: 1 Deste total, 75 são trabalhadores cuja licença médica abrangeu o período de 2005-2006. Constatou-se aumento na razão dos dias de ausência pela população de risco. Em 2005, registrou-se aproximadamente 12 dias de ausência por trabalhador e, em 2006, este número aumentou para aproximadamente 15 dias de ausência por trabalhador, representando aumento de 25%. Também pode-se verificar que houve uma pequena redução (3%) no número de ausências pelo número de trabalhadores com passagem pela perícia (tabela 2). TABELA 2 Razão do número de dias de ausência dos trabalhadores afastados pelos trabalhadores periciados e pela população de risco – 2005-2006 Descrição Razão 1: número de dias de ausência/número de trabalhadores com passagem pela perícia Razão 2: número de dias de ausência/população de risco Ano 2005 2006 Taxa de crescimento (%) 67 65 -3 12 15 25 Fonte: Dados da Coordenadoria de Perícia Médica da SAD. A investigação absenteísmo/doença constatou que dos 135 trabalhadores que passaram na perícia alguns retornaram mais de uma vez e, inclusive, em certos casos com o CID diferenciado. Dessa forma, cada vez que o mesmo trabalhador se submeteu à perícia, este foi computado, perfazendo um total de 309 passagens pela perícia médica da SAD em 2005. E, em 2006, os 168 trabalhadores totalizaram 332 passagens por esta perícia. A despeito de várias patologias terem aparecido como principais motivos dos afastamentos registrados, de acordo com os grandes grupos da 10a revisão, da CID 10 (OMS, 1995), somente as três que mais sobressaíram serão citadas. Em 2005, em primeiro lugar, apareceram as doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (M00-M99) com 15,7%, seguido dos fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os serviços de saúde (Z00-Z99), com 12,1% e em terceiro lugar os transtornos mentais e comportamentais (F00-F99), com 9,3%. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 180 Em 2006, alteraram-se as ordens, sendo que os fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os serviços de saúde (Z00-Z99) apareceram em primeiro lugar, com 26,8%, seguido das doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (M00-M99), com 12,8% e em terceiro os transtornos mentais e comportamentais (F00-F99), com 9,3% (gráfico 1). GRÁFICO 1 Distribuição dos trabalhadores segundo a CID com passagens pela perícia médica – 2005-2006 (Em %) 26,8 15,7 2005 12,1 12,8 10,1 2006 9,3 Z M F Fonte: Coordenadoria de Perícia Médica da SAD. Observa-se que na letra Z, da CID, estão incluídos, segmento cirúrgico especificado, convalescença após cirurgia, consultas, realização de exames, exame de seguimento (após cirurgia por outras afecções), supervisão de gravidez, rim transplantado, presença de implante otológico e audiológico, mobilidade reduzida e que o Z76.3 (pessoa em boa saúde acompanhando pessoa doente) não foi considerado em nenhum momento neste estudo por não representar enfermidade do próprio trabalhador. Em relação aos números de dias de afastamento, constata-se que a grande maioria dos trabalhadores teve somente uma passagem pela perícia, sendo que em 2005 foram 45,93% e, em 2006, 59,52% dos trabalhadores que obtiveram apenas uma ausência no ano. Da mesma forma, o percentual de pessoas com até três ausências também é grande, 82,96% em 2005 e 84,52% em 2006. Tais dados mostram que poucos trabalhadores se ausentam por várias vezes – quatro ou mais (tabela 3). Características de Absenteísmo entre Trabalhadores da Saúde... 181 TABELA 3 Percentual de trabalhadores com passagens pela perícia em relação ao número de dias de licenças – 2005-2006 Ano Número de ausências 2005 2006 Valores Percentual Percentual acumulado Valores Percentual 1 62 45,93 45,93 100 59,52 Percentual acumulado 59,52 2 34 25,19 71,11 31 18,45 77,98 3 16 11,85 82,96 11 6,55 84,52 4 9 6,67 89,63 12 7,14 91,67 5 4 2,96 92,59 7 4,17 95,83 6 4 2,96 95,56 1 0,60 96,43 7 3 2,22 97,78 3 1,79 98,21 8 – – 97,78 1 0,60 98,81 9 1 0,74 98,52 – – 98,81 10 1 0,74 99,26 2 1,19 100 11 1 0,74 100 – – 100 Total 135 168 Fonte: Dados da Coordenadoria de Perícia Médica da SAD. No que diz respeito ao perfil sociodemográfico (tabela 4), percebe-se que o percentual de trabalhadores com passagens pela perícia em relação ao número de trabalhadores da SES, por gênero, nos anos de 2005-2006 é de, respectivamente, 22% e 28% para o sexo feminino e de 10% e 15% para o sexo masculino. Observa-se também que os trabalhadores casados têm maior participação proporcional em relação ao total de trabalhadores, com 20% em 2005 e 32% em 2006, seguido dos solteiros, com 15% e 25%, respectivamente. TABELA 4 Percentual de trabalhadores com passagens pela perícia médica em relação ao total de trabalhadores por características demográficas – 2005-2006 Descrição Trabalhadores com passagem pela perícia (1) Total de trabalhadores da SES (2) Percentual de (1) em (2) 2005 2006 2005 2006 2005 2006 Feminino 111 130 513 458 22 28 Masculino 25 38 250 261 10 15 Casado 71 84 353 260 20 32 Solteiro 56 68 365 271 15 25 Outros 8 16 45 28 18 57 Gênero Estado civil Fonte: Dados da Coordenadoria de Perícia Médica da SAD. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 182 No que diz respeito à faixa etária, verificou-se que a frequência relativa foi maior nos trabalhadores na faixa etária acima de 46 anos, com 39,1% e 34,5%, em 2005 e 2006, e em segundo lugar veio a faixa etária de 26 a 35 anos, com 33,3% e 33,9%, respectivamente. Analisando os trabalhadores com passagens pela perícia, em relação ao total de trabalhadores por cargo (tabela 5), verificou-se que a maior proporção encontrada está entre os trabalhadores que ocupam o cargo de apoio do SUS, com 31% em 2005 e 41% em 2006, e técnico com 31% e 25%, respectivamente. Observa-se também, proporcionalmente, a participação em relação ao número de trabalhadores por tempo de serviço, em 2005-2006, foi maior nos acima de 20 anos de serviço, com 26% e 46%, respectivamente, em relação aos trabalhadores com menos tempo de serviço. Quanto à carga horária, os dados permitiram concluir que os trabalhadores que realizam 30 horas tiveram maior participação percentual nas passagens pela perícia médica em relação ao total de trabalhadores com a mesma carga horária, com 24% e 25%, respectivamente, em 2005 e 2006, do que os de 40 horas, que tiveram 13% e 22%. TABELA 5 Percentual dos trabalhadores com passagem pela perícia médica em relação ao total por cargo, tempo de serviço e carga horária – 2005-2006 Descrição Trabalhadores com passagem pela perícia (1) Total de trabalhadores da SES (2) 2006 2005 2006 36 37 31 41 259 271 14 18 415 372 18 25 12 53 39 25 31 35 53 348 218 10 24 35 40 197 129 18 31 29 31 113 67 26 46 30 horas 79 100 332 407 24 25 40 horas 56 68 431 312 13 22 2005 2006 Apoio do SUS 11 15 Assistente do SUS 36 49 PNS do SUS 75 92 Técnico do SUS 13 Até 3 anos 3 a 5 anos Acima de 20 anos 2005 Percentual de (1) em (2) Cargo Tempo de serviço Carga horária Fonte: Dados da Coordenadoria de Perícia Médica da SAD. Em relação ao local de trabalho, nos dois anos consecutivos, a participação relativa por ano da Superintendência de Desenvolvimento de Recursos Humanos (SUDRH) foi maior, com 36% e 42% dos trabalhadores, respectivamente. Características de Absenteísmo entre Trabalhadores da Saúde... 183 Em segundo lugar, em 2005, ficou a Superintendência de Atenção Integral a Saúde (Sai), com 19,1% e em terceiro a Superintendência de Saúde Coletiva (SUSAC) com 17,8%, inversamente a 2006, em que a SUSAC apareceu em segundo lugar com 20,4% e a SAI com 12,3%. Percebeu-se certa sazonalidade nos meses dos dois anos estudados (gráfico 2). Observa-se que os meses de novembro de 2005 a janeiro de 2006 concentram o menor número de passagens pela perícia e, por contraponto, no período de março a junho de cada ano, o maior número de passagens. A sazonalidade pode ser elucidada no gráfico abaixo, em que se calculou os pontos médios das participações (2005-2006) com o auxílio da linha de tendência inserida: sazonalidade nos meses dos dois anos estudados. GRÁFICO 2 Pontos médios das participações de trabalhadores com passagens na perícia médica em relação aos meses de 2005 e 2006 (Em %) 14 12 10 8 6 4 2 iro Ja ne o br ez em D br o o ov em N ub r O ut br o m te Se go st o o A lh Ju nh o Ju o M ai il br A o ar ç M Fe ve re i ro 0 Fonte: Coordenadoria de Perícia Médica da SAD. 3.1 Despesas com pessoal Averiguou-se que o referencial financeiro teve aumento nos cargos de apoio, assistente e PNS e queda no cargo técnico, se comparados a 2005 e 2006 (tabela 6). Os dados mostram que do gasto com os trabalhadores da SES, 2,9% foi destinado àqueles trabalhadores com passagem pela perícia em 2005, passando para 4% em 2006, o que representa aumento de 39,1% de um ano para outro. Essa alta se deve principalmente ao aumento do gasto com PNS (de 3,1% para 4,4%) e de assistente (2% para 2,9%), justamente os cargos com maior representatividade no orçamento. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 184 Para a confecção do referencial financeiro considerou-se o salário da classe A, nível 1, para todos os trabalhadores, atentando somente para a carga horária devida, isto porque estes dados (classe e nível) não constam no instrumento analisado da perícia médica. Destarte, o aumento no gasto justificou-se devido ao aumento do número de dias de licença (tabela 6). TABELA 6 Referencial financeiro dos gastos anuais – trabalhadores da SES Central e os que passaram na perícia médica – 2005-2006 Referencial financeiro Gasto anual com o total de trabalhadores da SES (1) (R$) Cargo 2005 2005 2006 2005 2006 Taxa de aumento 240.654,05 9.085,39 10.005,62 3,7 4,2 13,7 2.913.513,59 2.968.066,40 57.501,46 86.106,17 2 2,9 47 12.800.585,72 11.037.975,00 390.787,50 484.160,05 3,1 4,4 43,7 Assistente Técnico Total 2006 Percentual de (2) em (1) 248.353,56 Apoio PNS Gasto anual dos trabalhadores com passagem pela perícia (2) (R$) 700.033,62 482.914,38 27.596,82 15.885,89 3,9 3,3 -16,6 16.662.486,49 14.729.609,83 484.971,18 596.157,73 2,9 4 39,1 Fonte: Dados da Coordenadoria de Perícia Médica da SAD. Esse aumento foi mais expressivo nos cargos de assistente (51,8%) e profissionais de nível superior (16,3%), que são também os cargos em que se percebe maior número de dias de ausência (tabela 7). TABELA 7 Distribuição da quantidade de dias de licença médica por cargo – 2005-2006 (Em %) Cargo Apoio do SUS Ano 2005 2006 Taxa de aumento 602 666 10,6 Assistente do SUS 2.141 3.251 51,8 PNS do SUS 5.515 6.414 16,3 Técnico do SUS Total geral 795 501 -37 9.053 10.832 19,7 Fonte: Coordenadoria de Perícia Médica da SAD. Características de Absenteísmo entre Trabalhadores da Saúde... 185 4 DISCUSSÃO Em relação às patologias que mais acometeram os trabalhadores do SUS do Nível Central, percebe-se que os dados deste estudo corroboram com o resultado de outros, tais como o da Associação Brasileira para Prevenção de Acidentes, em que a segunda causa de afastamento no trabalho, no Brasil, é a doença ocupacional: “afecções músculo-esquelético relacionadas ao trabalho” (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA PARA PREVENÇÃO DE ACIDENTES, 2000); os da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em que os transtornos mentais (depressão, ansiedade e síndrome do pânico), distúrbios osteomusculares (lesão por esforço repetitivo – LER), cardiopatias, dores crônicas e problemas circulatórios são as patologias que mais acometem os trabalhadores (BARROS; SILVA; FERREIRA, 2007) e com o de Primo (2007), em que, em relação aos dias de afastamento, as doenças que mais afastaram os trabalhadores foram os transtornos mentais, totalizando quase 8 mil dias no ano (22%) e com mais de 6 mil dias (16,7%) as doenças osteomusculares. Ainda em relação às morbidades, no estudo de Godoy (2001), as doenças osteomusculares apareceram como maior responsável pelos afastamentos do trabalho na população do setor bancário, seguidas pelas doenças do aparelho respiratório. No de Silva (2004), os distúrbios osteomusculares representaram cerca de 56% (168.697 dias) do número total de dias de afastamentos do trabalho, no período 1998-2003, seguido pelos distúrbios mentais e comportamentais com cerca de 19% (58.395 dias). É interessante constatar que a letra Z do CID, que significa os fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os serviços de saúde, que despontaram nos dois anos consecutivos como uma das patologias que mais acometeu os trabalhadores na SES Central, apareceu em um dos últimos colocados no estudo de Godoy com os funcionários de um hospital universitário em 2001. Outro ponto de concordância com a literatura diz respeito ao crescimento de 25% no absenteísmo, em razão dos dias de ausência pela população de risco de 2005 para 2006 na SES/MT, com o do estado de São Paulo, que no período 2003-2006 teve um aumento de 25%, sendo que a licença saúde apareceu em primeiro lugar com 65,68% do total (SÃO PAULO, 2008). Analisando os dias de afastamento entre os trabalhadores, constata-se que no estudo de Silva (2004), houve um crescimento no número de absenteísmo, porém, a grande maioria dos trabalhadores obteve apenas uma ausência no ano, assim como o resultado desta pesquisa. Relacionando o perfil sociodemográfico com absenteísmo, existe um consenso entre a maioria dos autores, tais como Gomes (1986), Reis et al. (2003) e Silva (2004), de que os trabalhadores do sexo feminino se ausentam mais por 186 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 doença do que os do sexo masculino. O resultado desta pesquisa corroborou com as causas antes citadas e inúmeras podem ser atribuídas, a este fator inclusive: as duplas ou triplas jornadas de trabalho, associadas ao trabalho em casa e às cobranças/pressões a que as mulheres são submetidas entre outras. A dupla atividade, nas organizações e no lar, implica sobrecarga física, preocupações e pouco repouso, desencadeando doenças nervosas e mentais em mulheres, segundo Nogueira e Azevedo (1982). Primo (2007) evidencia esses fatores quando relata que a maior ausência das mulheres se deve a fatores físicos e culturais; e que “as mulheres são submetidas às mesmas sobrecargas dos homens, desconsiderando-se as diferenças físicas e hormonais (...)”. Miller e Norton (1986) enfatizam em estudo realizado para identificar as variáveis que contribuem para o absenteísmo, que 80% das ausências ao trabalho relatadas pelas mulheres são decorrentes da necessidade de cuidar dos filhos, da precariedade da infraestrutura doméstica e por não ter com quem deixá-los, principalmente quando eles adoecem. Porém, Nogueira e Laurenti (1975) divergem do que é referido nos países altamente industrializados e pontuam que no grupo de trabalhadores têxteis, por eles estudado, o absenteísmo por doença nos sexos masculino e feminino praticamente se equivalem, contrariando autores que preconizam a necessidade de manutenção de uma força de reserva maior. Relacionando a variável estado civil com absenteísmo, esta pesquisa no Nível Central da SES coadunou com outros estudos como o de Silva (2004), Ribeiro (2004) e Primo (2007), em que os casados sobressaíram, divergindo de Cartaxo (1982), que verificou maior número de faltas de mulheres solteiras, geralmente livres de preocupações com a família e com o lar. Em relação à faixa etária, o resultado deste estudo evidencia que os acima de 46 anos se sobressaíram, corroborando com a pesquisa de Silva (2004), cuja média de idade situou-se em 40,16 anos e a moda foi de 47 anos, e com a análise de Primo (2007), em que o absenteísmo está diretamente relacionado à idade (pessoas mais velhas tendem a se afastar mais do trabalho). Porém, essa variável consiste em um ponto de divergência entre os autores, pois, como destacam Quick e Lapertosa (1982), alguns estudos trazem o predomínio de afastamento entre os trabalhadores mais jovens enquanto outros o relacionam com o envelhecimento. Entretanto, Ribeiro (2004) salienta que fatores de risco, tais como: tabagismo, hipertensão arterial, obesidade e categoria profissional em que o trabalhador encontra-se inserido, devem ser avaliados, pois podem também estar relacionados com o absenteísmo. Características de Absenteísmo entre Trabalhadores da Saúde... 187 Quanto ao tempo de serviço na secretaria, em que se constatou que os acima de 20 anos, estatisticamente, tiveram mais passagens pela perícia, Reis et al. (2003) salienta que a estabilidade no emprego acaba sendo um fator agravante do absenteísmo, pois esta deixa os empregados mais propensos a faltarem ao trabalho por qualquer motivo, diferentemente de trabalhadores contratados, que podem ter seus vínculos reincididos a qualquer momento. Esse resultado coaduna com a pesquisa de Alves e Godoy (2001), que constatou, em uma análise em hospitais públicos e privados, que os índices mais elevados de absenteísmo foram encontrados em instituições públicas de saúde, devido à estabilidade do funcionário público concursado que se julga estar mais protegido pelas leis trabalhistas. Porém, diverge do estudo de Martins et al. (2005) que comparou o índice de absenteísmo por motivos odontológico e médico nos serviços públicos e privados. Constatou-se que houve maior número de atestados (faltas) no serviço privado, proporcionalmente ao número de empregados. Em relação aos cargos ocupados no SUS, no Nível Central da SES/MT, os de apoio e técnico do SUS foram os que mais passaram pela perícia. Nos resultados de outros estudos, concluiu-se que os autores em regra analisam categorias isoladas da área de saúde ou os profissionais de saúde, o que torna inviável a comparação deste resultado. Entretanto, Primo (2007) é categórico ao afirmar que “os profissionais da área da saúde sofrem atualmente da precarização do trabalho, que é o estresse, a sobrecarga de trabalho e os baixos salários”. Cabe mencionar que uma pesquisa feita pelo Dr. Michael Smith, chefe de Pesquisa de Motivação e Estresse do Instituto Nacional de Segurança e Saúde Ocupacional (NIOSH), em 1977, coloca que, entre as dez profissões mais estressantes, em primeiro lugar aparecem os técnicos da área de saúde, em terceiro os enfermeiros, em sétimo os técnicos de laboratórios clínicos e em décimo os auxiliares de enfermagem, ou seja, quatro são da área de saúde (ALBRECHT, 1990). Isto não significa que estes trabalhos provoquem o estresse, mas não há como negar a forte ligação entre ambos. Outra variável, citada por Danatro (1997), que intensifica esse problema é o fato do profissional possuir múltiplos empregos, realidade esta, condizente com os profissionais de saúde desta pesquisa. Em relação à carga horária de trabalho, note-se a incidência maior de trabalhadores ausentes nos locais onde se trabalha 30 horas. Esta questão desencadeia questionamentos da existência de relação do absenteísmo com a má qualidade de vida, desencadeada inclusive, conforme citado anteriormente, por possuírem dois ou mais empregos e consequentemente, uma alimentação inadequada no almoço. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 188 Há ênfase de que longas jornadas de trabalho, condições de insalubridade do ambiente de trabalho, duplo emprego, entre outros, são razões que acarretam o absenteísmo em larga escala (SCHMIDT, 1986). No que se refere à sazonalidade, o resultado deste estudo evidenciou que os pontos médios de participações de afastamento foi nos meses de março a junho de cada ano, divergindo do encontrado por Oliveira, Ahrens e Ahrens (2004), em que o período de julho (férias escolares) foi registrado como o maior e o de abril o menor. Algumas dificuldades foram encontradas em relação às causas das licenças, pois 32 pastas referentes ao período 2005-2006 não incluíam o diagnóstico ou o código da CID 10 (OMS, 1995), bem como, devido à mudança de local de atendimento da perícia médica, 38 pastas não foram encontradas em tempo hábil para tabular os dados. Porém, estes pequenos obstáculos não invalidam a relevância dos achados deste estudo que muito contribuirá para ações estratégicas dos gestores para com a saúde do trabalhador, propiciando assim a possibilidade de decréscimo de absenteísmo na organização. 5 CONCLUSÕES Ao longo deste estudo, pôde-se concluir que o absenteísmo é entendido como a falta do trabalhador às atividades laborais por inúmeros fatores, mas também foi analisada a incapacidade para o trabalho desencadeado por morbidades. Sabe-se que o trabalho pode engendrar o absenteísmo, por isso seria profícuo uma análise mais aprofundada sobre a multiplicidade de fatores objetivos e subjetivos que atuam na relação trabalho – trabalhador, inclusive porque este tema ainda é pouco explorado no Brasil. Ademais, existe todo o aspecto nefasto desse processo, começando pelo próprio trabalhador, que necessita de cuidados, passando pelos colegas de trabalho, pois estes ficam desmotivados e sobrecarregados, até a população que se torna carente do atendimento e, consequentemente, a organização que tem gastos com o pessoal. É interessante salientar que os trabalhadores antes de passarem na perícia médica do estado de Mato Grosso, comparecem à Gerência de Desenvolvimento e Qualidade de Vida para buscarem a guia de encaminhamento pericial, em que são submetidos à entrevista pelos técnicos que em muitos casos constatam causas latentes, como fatores desencadeadores do absenteísmo e dos atrasos, tais como problemas com chefias imediatas, insatisfação no clima organizacional, desmotivação, dificuldade de relacionamento entre outros. Malgrado essas questões latentes estarem ocorrendo, o trabalhador não consegue e não se permite visualizá-las, mascarando problemas que são o cerne da questão. Neste momento, o trabalhador começa a somatizar, permitindo assim Características de Absenteísmo entre Trabalhadores da Saúde... 189 o desencadeamento de doenças como depressão, síndrome de Burnout (estresse ocupacional crônico), úlcera, gastrite, entre outros, que o impedem de trabalhar e de lidar com questões subjetivas. Percebe-se que os profissionais da área de saúde encontram resistência em visualizar que algo não está bem, pois estes não aceitam que tem suas próprias limitações e que o cuidador também necessita de cuidados para continuar realizando de maneira produtiva o seu trabalho. Em relação a isto, seria interessante um trabalho de pesquisa que pudesse analisar a correlação das causas latentes com o absenteísmo. Destarte, vale ressaltar que, em alguns casos, antes de ocorrer o afastamento do seu local de trabalho, acontece o que é designado de presenteísmo, ou seja, quando a pessoa continua a comparecer no local de trabalho, mas está impossibilitada de produzir ou não produz como deveria. Esta questão também é um problema sério e de difícil identificação para os gerentes/líderes. Conclui-se que esta pesquisa quantitativa com a identificação das causas do absenteísmo possibilitará delinear estratégias de intervenção objetivando manter a qualidade e a produtividade nos serviços oferecidos pelos trabalhadores do SUS do Nível Central. Entretanto, é preciso aclarar que o problema de saúde não pode ser resumido somente ao monitoramento de doenças, mas sim ao planejamento, programação e execução de ações que visem enfrentar os problemas. Este processo de construção e de consolidação de ações é lento e cabe também aos gestores o papel de fomentar um ambiente de trabalho em condições de contribuir para a melhoria da qualidade de vida de seus trabalhadores, conseguindo identificar e intervir previamente. Recomenda-se que a área de saúde do trabalhador realize ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde do trabalhador, por meio do desenvolvimento de ações individuais e principalmente das coletivas que visem atuar no processo saúde – trabalho – doença para controlar e atenuar os fatores de risco. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 190 REFERÊNCIAS ALBRECHT, K. O gerente e o estresse: faça o estresse trabalhar para você. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990. ALVES, M.; GODOY, S. C. B. Procura pelo serviço de atenção à saúde do trabalhador e absenteísmo-doença em um hospital universitário. Revista Mineira de Enfermagem, Belo Horizonte, p. 73-81, 2001. APPOLINÁRIO, R. S. Absenteísmo na equipe de enfermagem: análise da produção científica. Revista Enfermagem UERJ. Rio de Janeiro, jan./mar. 2008. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA PARA PREVENÇÃO DE ACIDENTES. Doença ocupa segundo lugar no ranking dos afastamentos do trabalho. SOS. 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Características de Absenteísmo entre Trabalhadores da Saúde... 193 ANEXOS ANEXO 1 Formulário de caracterização do absenteísmo • • • • • Superintendência:__________________ Formulário no:____________ Sexo: ( ) F ( ) M Estado civil:_________________________ Cargo: ( ) apoio SUS ( ) assistente SUS ( ) técnico SUS ( ) PNS SUS Faixa etária: ( ) até 25 anos ( ) 26 a 35 anos ( ) 36 a 45 anos ( ) acima de 46 anos Tempo de SES: ( ) até 3 anos ( ) 3 a 5 anos ( ) 5 a 8 anos ( ) 8 a 12 anos ( ) 12 a 15 anos ( ) 15 a 20 anos ( ) acima de 20 anos Mês Observações Quantidade de dias Justificativa planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 194 ANEXO 2 Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa ESTREITAMENTO DOS DIFERENCIAIS DE SALÁRIOS E AUMENTO DO GRAU DE DISCRIMINAÇÃO: LIMITAÇÕES DA MENSURAÇÃO PADRÃO?* Maria Cristina Cacciamali** Fábio Tatei*** Jackson William Rosalino**** O objetivo deste artigo é estimar a incidência e a evolução recente da discriminação racial e por gênero nos mercados de trabalho formal e informal no Brasil entre 2002 e 2006. Assim, mensuramos os diferenciais de rendimentos por meio da decomposição de Oaxaca-Blinder, com base nos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e confirmamos a prática discriminatória. Os resultados indicam a redução do hiato salarial dos grupos discriminados entre 2002 e 2006, exceto para mulheres brancas; contudo, o componente da discriminação aumenta em igual período para elas. A despeito das limitações do método de Oaxaca-Blinder, destacamos a maior resistência ao fechamento do hiato salarial entre homens brancos e mulheres brancas e a estabilidade da diferença entre o salário observado e o a ser pago na ausência de discriminação, exceto entre homens brancos e mulheres negras. O componente de discriminação entre os homens brancos e os demais grupos é maior no mercado de trabalho formal do que no informal, indicando as dificuldades de se quebrar preconceitos e privilégios nos postos de trabalho de melhor qualidade. Palavras-chave: Discriminação Racial e por Gênero; Discriminação entre Empregados Formais e Informais; Decomposição de Oaxaca-Blinder; Hiato Salarial por Gênero e Raça nos Mercados de Trabalho Formal e Informal. WAGES GAP DECREASED AND HIGHER DISCRIMINATION DEGREE: RESTRAINT OF THE STANDARD MEASURES? The objective of this paper is to measure the incidence and evolution of racial and gender discrimination among formal and informal employees in Brazil between 2002 and 2006. We applied the decomposition of Oaxaca-Blinder on income differences among groups using microdata from PNAD. The results indicate a reduction in the earnings gap of discriminated groups between 2002 and 2006; however, the discrimination component increases in the same period. Despite the restrictions of the Oaxaca-Blinder method, we detach more resistance to narrowing the wage gap between white, men and women; the stability of the difference between the observed and the wage which would be earned in the absence of discrimination, except between white men and * Versão anterior do presente estudo consta do livro de Maria Cristina Cacciamali e Mária de Fátima José-Silva (2008). ** Professora titular do Departamento de Economia, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina e coordenadora científica do Núcleo de Estudos em Políticas Internacionais. Universidade de São Paulo (USP). E-mail: [email protected] *** Mestrando Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina e Pesquisador do Núcleo de Estudos em Políticas Internacionais na USP. E-mail: [email protected] **** Graduando em Economia na USP. E-mail: [email protected] planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 196 black women. The discrimination degree between white men and other groups is higher within the formal market rather than the informal market. This indicates why is so difficult for women and black people overcome prejudice and privilege and insert themselves into top jobs Key words: Racial and Gender Discrimination; Discrimination between Formal and Informal Employees; Decomposition of Oaxaca-Blinder; Wage Gap by Gender and Race in the Formal and Informal Labor Markets. DISMINUCIÓN DE LOS DIFERENCIALES SALARIALES E AUMENTO DEL GRADO DE DISCRIMINACIÓN: LIMITACIONES DEL MÉTODO? El objetivo de este artículo es mensurar la incidencia y la evolución reciente de la discriminación por raza y por género en el mercado de trabajo formal e informal de Brasil entre 2002 y 2006. La descomposición de los diferenciales de salario a través de Oaxaca-Blinder, en base a los micros datos de PNAD, confirmo prácticas discriminatorias. Los resultados indicaran la reducción del hiato salarial de los grupos discriminados entre 2002 y 2006, excepto para las mujeres blancas, a despecho del aumento del componente de discriminación. Además la diferencia entre el salario observado y aquel que seria pago caso no hubiera discriminación se mantuvo relativamente estable, presentando reducción solo para las mujeres negras. Palabras-clave: Discriminación por Raza y Género; Mercado de Trabajo Formal e Informal; Diferenciales de Salario; Descomposición de Oaxaca-Blinder. REDUCTION DES DIFFERENTIELS DE SALAIRE ET AUGMENTE DE LA DISCRIMINATION: LIMITES DE LA METHODE? L’objectif de cet article est mesurer l’incidence et l’évolution récente de la discrimination ethnique et par sexe dans le marché du travaille formel et informel au Brésil entre 2002 et 2006. La décomposition des différentiels de salaire, au moyen d’Oaxaca-Blinder, sur base de micro information de PNAD, confirmais la pratique discriminatoire. Les résultats indiquent la réduction du gap salariale des groupes discriminés entre 2002 et 2006, excepte pour des femmes blanches, néanmoins, la composante de la discrimination augmente dans la même période. De plus, la différence entre le salaire observé et celui à être payé en l’absence de discrimination s’est maintenu relativement stable, en se réduisant brusquement seulement pour les femmes noires. Mots-clés: Discrimination Ethnique et Par Sexe; Marché de je Travaille Formel et Informel; Differentiels de Salaire; Décomposition d’Oaxaca-Blinder. 1 INTRODUÇÃO Os estudos sobre práticas de discriminação que ocorrem no mercado de trabalho brasileiro tomam um caráter sistemático, a partir do fim dos anos 1990, estimulados por, pelo menos, dois motivos. O primeiro reporta-se à maior preocupação das agências multilaterais na defesa dos direitos humanos no trabalho. Distintos órgãos e programas da Organização das Nações Unidas (ONU) reforçam esta vertente, por meio, por exemplo, da Declaração dos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho de 1998, da OIT, da Declaração do Milênio das Nações Estreitamento dos Diferenciais de Salários e Aumento do Grau de Discriminação... 197 Unidas, aceita por 186 países em 2000,1 e/ou da Declaração da Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância das Nações Unidas em Durbin, em 2001. O segundo motivo prende-se à maior organização e visibilidade dos movimentos sociais de mulheres e, especialmente, negros, que expõem as desigualdades entre os brancos e outras etnias/raças da população e demandam ações afirmativas para superá-las como cotas no ensino superior e mercado de trabalho. Tais tendências implantaram o tema das relações entre exclusão social e discriminação de gênero e raça ao debate público e suscitaram o fomento de políticas sociais voltadas ao acesso e à criação de oportunidades de inclusão social para estes grupos. A necessidade de subsidiar as ações, por sua vez, provocou a ampliação dos estudos e a geração de informações sobre a questão. Desde os primeiros recenseamentos nacionais, de 1872 e 1890, o IBGE investiga a cor da população; o Censo de 1872 enumera, inclusive, o contingente de população escrava. Nos censos demográficos do século XX, apenas aquele de 1970 não dispõe desta variável. A PNAD, por sua vez, desde 1987, inclui nos levantamentos anuais a coleta de dados sobre a cor/raça/etnia da população. Tal variável é investigada, portanto, regularmente nas estatísticas nacionais, sendo apreendida em cinco grupos (branca, preta, parda, amarela e indígena), segundo o critério de autodeclaração de cor. Esse estatuto de coleta de informações permite acompanhar as características socioeconômicas dos diferentes grupos da população brasileira, segundo sua autodeclaração de cor, e, neste âmbito, podemos estimar a evolução das desigualdades sociais. Ressaltamos, entretanto, que, embora a classificação, segundo o senso comum, possa aproximar a divisão da população brasileira por raças ou etnias, contestamos esta visão. Em primeiro lugar porque, embora o fenótipo de uma pessoa possa remeter à determinada categoria de cor e/ou herança genética, do ponto de vista genético, tal fato tem uma alta probabilidade de não se verificar. Em segundo lugar, no Brasil, diferentemente de outros países, por exemplo, os Estados Unidos, em nenhum momento ou lugar confirmou-se a institucionalização de classificação e/ou a segregação por raça e/ou a proibição de casamentos inter-raciais. No Brasil, a mestiçagem constitui-se em uma expressiva característica demográfica e estabeleceu-se como uma ampla prática social. Assim, acreditamos que mestiços de diferentes origens, não apenas de ascendência africana, mas também indígena, devam predominar na população brasileira. A autodeclaração, nesta situação, pode resultar na estimação da desigualdade inter-racial/étnica/cor, basta que mestiços de elevado status social e/ou alta renda tendam a autodeclarar-se como brancos em vez de pardos. 1. Um sumário dos avanços alcançados na promoção da igualdade de condições entre sexo e raça no Brasil é apresentado em uma coletânea de estudos organizada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em 2004, com a participação de cinco instituições de ensino superior, representantes das macrorregiões do país: Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 198 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 O objetivo do presente artigo, guardadas as considerações apresentadas, é o de observar quatro grupos da população, a saber: homens brancos, homens negros, mulheres brancas e mulheres negras – mantendo como padrão de referência o homem branco, com relação a três aspectos: a desigualdade salarial, o grau de discriminação no mercado de trabalho e a evolução dos indicadores. As estimativas são realizadas por meio dos microdados da PNAD para os mercados de trabalho formal e informal, ou seja, para os empregados com carteira de trabalho assinada e sem carteira de trabalho assinada, componentes típicos do mercado de trabalho. Tal recorte foi utilizado para isolar os efeitos derivados das práticas de discriminação dos responsáveis por domicílios que contratam os serviços de empregados domésticos e/ou decorrentes da discriminação em domicílios e/ou empresas quando demandam a prestação de serviços de trabalhadores por conta própria. Ressaltamos, ainda, que o artigo centra-se na evolução recente da discriminação no mercado de trabalho brasileiro; assim, nos limitamos ao período 2002-2006.2 Destarte, por tratar-se de um período curto, não há a pretensão de verificar possíveis mudanças estruturais do fenômeno de discriminação; contudo, desde meados da década de 1990 e, principalmente, a partir do início do século XXI, há uma forte expansão de programas sociais por parte das diversas esferas do governo. As políticas públicas tiveram papel importante tanto na recente queda da desigualdade de rendimentos no Brasil nos últimos anos,3 como instrumental para a maior conscientização e inclusão social de grupos tradicionalmente discriminados. Desse modo, o tema exposto é desenvolvido em seis seções, incluindo esta introdução. Na segunda seção, realizaremos uma revisão teórica sobre o tema, na qual selecionamos um conjunto de autores que discorrem sobre a discriminação salarial por sexo e raça/cor/etnia. Na terceira seção, apresentaremos indicadores selecionados para os grupos e mercados de trabalho considerados e descreveremos as variáveis componentes do modelo. A quarta seção contém a metodologia de Oaxaca-Blinder empregada neste estudo e, na quinta seção, apresentaremos os resultados obtidos. Finalmente, passaremos às conclusões. 2. A escolha por esse período deve-se às mudanças da PNAD, em 2001, com relação à classificação dos ramos de atividade e posições de ocupação, de modo que não é recomendável a comparação direta destas informações com os períodos anteriores. 3. Ver, entre outros, Barros, Foguel e Ulyssea (2006). Estreitamento dos Diferenciais de Salários e Aumento do Grau de Discriminação... 199 2 A TENDÊNCIA DE ESTREITAMENTO DOS DIFERENCIAIS SALARIAIS POR SEXO E RAÇA A literatura especializada indica o estreitamento dos diferenciais salariais entre sexos e entre cor/etnia/raça em diferentes regiões do mundo, inclusive no Brasil. Blau e Kahn (2003), por exemplo, estudaram as causas da diminuição do hiato salarial entre homens e mulheres no período 1985-1994 para 22 países e concluíram pela primazia de duas razões: o estreitamento da estrutura salarial da força de trabalho masculina e menor oferta líquida de mulheres no mercado de trabalho. Os dois fatores, mas principalmente o primeiro, encontram-se circunscritos às instituições do mercado de trabalho de cada país, especialmente com relação aos mecanismos de negociação coletiva. No caso dos Estados Unidos, O’Neil (1985) analisou a tendência da discriminação por sexo, entre a década de 1950 e meados da de 1980, e assinalou a presença de dois períodos distintos. No primeiro, que perdurou até meados da década de 1970, o hiato salarial entre mulheres e homens apresentou tendência de crescimento e, em tal espaço de tempo, entre homens e mulheres, tanto a redução do diferencial de escolaridade como a ampliação do diferencial de experiência no trabalho – medido como tempo no emprego – são fatores que explicavam o aumento do hiato salarial. A partir de meados da década de 1970, verificou-se, segundo a autora, o estreitamento do hiato salarial que correspondeu a um provável reflexo do aumento da experiência das mulheres mais jovens e do maior crescimento do tempo médio no emprego das mulheres, em relação ao tempo médio dos homens. Ademais, O’Neil apresentou dois fatores adicionais que podem explicar a evolução do hiato salarial; particularmente, a partir de 1969. O primeiro é a elevação do desemprego que, pela maior incidência sobre as mulheres, alargou o hiato a favor dos homens. O outro é a depressão dos salários dos trabalhadores menos experientes, um resultado do influxo na força de trabalho de mulheres mais velhas e menos experientes e de uma coorte expressiva de trabalhadores originários do período do baby boom. Este acréscimo de oferta de força de trabalho aumentou o ganho dos mais velhos, homens mais experientes em relação aos mais novos e, provavelmente, também aumentou os ganhos dos homens relativamente àqueles das mulheres. Complementarmente, Giuberti e Menezes-Filho (2005) realizaram estudo comparativo entre os mercados de trabalho do Brasil e dos Estados Unidos, de 1981 a 1996, e observaram que a idade dos indivíduos revela-se a principal causa das diferenças salariais entre homens e mulheres. Ou seja, segundo os autores, a menor experiência no mercado de trabalho é a principal causa do menor salário da mulher e relaciona-se com as decisões sobre sua fecundidade. Todavia, o estudo mostrou que a brecha salarial entre os sexos diminuiu no período analisado. 200 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 Quanto ao hiato salarial entre brancos e negros nos Estados Unidos, Neal e Johnson (1996) especificaram um modelo de equação salarial que, entre outras causas, atribui a diferença salarial à diferença de qualificação entre os dois grupos da população. Carneiro, Heckman e Masterov (2005) investigaram, para o período 1990- 2000, nos Estados Unidos, as relações entre qualificação e discriminação para explicar o hiato salarial entre brancos e outros grupos étnicos. Os autores concluem que, exceto para a população negra, o hiato salarial deve-se a fatores pré-mercado. Assim, a superação do hiato salarial terá maior probabilidade de sucesso com a implementação de programas educacionais e profissionais em vez de meras ações afirmativas, exceto para os homens negros. Quanto à literatura nacional, Soares (2000) e Biderman e Guimarães (2005) utilizam-se de instrumental estatístico similar e estimam resultados similares e complementares. Soares aplicou uma extensão da decomposição dos rendimentos proposta por Oaxaca (1973) para analisar o diferencial de salários no Brasil, entre 1987 e 1998, dos homens brancos perante os homens negros e as mulheres brancas e negras.4 O autor desagregou a procedência de tal diferencial em três categorias: a de qualificação; a de inserção no mercado de trabalho – por meio de variáveis dummies; e, por fim, a de diferença salarial pura que não é explicada por fatores produtivos, econômicos ou regionais; isto é, segundo o autor, a parcela em razão da discriminação. Posto isto, Soares verificou que, vis-à-vis os homens brancos, a desigualdade de rendimentos das mulheres brancas deve-se apenas à discriminação, enquanto para os homens negros prevalece sua pior qualificação – por causa de fatores prémercado. Por sua vez, as mulheres negras enfrentam tanto a discriminação como a menor dotação de fatores produtivos. Por fim, Soares constatou que a evolução do diferencial de salários por cor/raça/etnia estabiliza-se entre os homens, enquanto para as mulheres ocorre uma redução gradual. A evolução decrescente da discriminação também é observada por Biderman e Guimarães, que decompuseram os determinantes que afetam a desigualdade salarial de mulheres e negros, utilizando as PNADs de 1989 e 1999, em setores de atividade selecionados.5 Assim como Soares, os autores concluíram que o principal determinante do hiato salarial referente às mulheres é a discriminação no mercado de trabalho; para os homens negros, o agente primordial constitui-se na defasagem de escolaridade, ou seja, um fator pré-mercado de trabalho, ao passo que, para as mulheres negras, o hiato decorre de ambos os fatores. 4. Com relação à literatura nacional, um conjunto de autores dedica-se a analisar a recente queda da desigualdade de rendimentos, como Corseuil (2002), Barros, Foguel e Ulyssea (2006), Ferreira (2006), Hoffmann (2006), Soares (2006), Barros, Franco e Mendonça (2007), Cacciamali e Camillo (2008), entre outros. Contudo, centrar-nos-emos em trabalhos que focam a questão da discriminação no mercado de trabalho. 5. Os setores contemplados pelo estudo são alimentos, bens de capital, couro e calçados, telemática e vestuário. Estreitamento dos Diferenciais de Salários e Aumento do Grau de Discriminação... 201 Bohnenberger (2005) ampliou o quadro de análise, em termos de espaço e tempo, e manteve as conclusões dos estudos anteriores. O autor avaliou a presença e a evolução da discriminação por sexo e cor/etnia/raça no mercado de trabalho brasileiro, em cada uma das cinco regiões do país, entre 1992 e 2001, e concluiu que a discriminação contra as mulheres é mais resistente do que a discriminação contra os negros. As mulheres negras, da mesma maneira que nos demais estudos, estão na pior situação, pois sofrem discriminação tanto de sexo quanto de cor. A região Nordeste apresentou a maior incidência de discriminação por sexo e a região Sudeste exibiu a maior discriminação por cor/etnia/raça. O estudo de Bohnenberger indicou que a discriminação por sexo tende a diminuir ao longo do período estudado, o que também está de acordo com os resultados obtidos por Crespo e Reis (2004) e Matos e Machado (2006). Os primeiros estudaram, entre 1987 e 2000, os efeitos associados às características das coortes de nascimento, do ciclo de vida sobre a parcela do diferencial salarial em razão do termo de discriminação entre raças/cor/etnias; os segundos, por sua vez, examinaram os diferenciais de rendimento, levando em conta a discriminação por sexo e cor/etnia/raça e utilizando os microdados da PNAD de 1987 a 1999. Especificamente, Oliveira e Rios-Neto (2006), em estudo sobre a força de trabalho feminina para um período mais longo, estudaram a tendência da desigualdade salarial da força deste grupo no Brasil, segundo cor/etnia/raça, durante as décadas de 1980 e 1990. Os autores confirmaram a hipótese de que o hiato salarial por cor/etnia/raça é determinado por diferenças individuais e ocupacionais, mas não sancionaram as hipóteses de crescentes retornos da renda aos anos de escolaridade e/ou a crescente demanda por mão de obra qualificada, o que resultou na ampliação do hiato salarial entre trabalhadores de alta e baixa qualificação. Assim, o conjunto desses estudos constata, por um lado, a existência de discriminação no mercado de trabalho e, por outro, o estreitamento do hiato salarial entre grupos discriminados e um grupo padrão. Tanto os resultados dos estudos supracitados como os apresentados no relatório de Desigualdade de Raça e Gênero organizado pelo PNUD indicam que, em relação ao homem branco, o diferencial de salários das mulheres brancas é fruto da discriminação no mercado de trabalho; por sua vez, o diferencial dos homens negros ocorre, sobretudo, por causa da discriminação pré-mercado – ou seja, menor escolaridade e/ou qualificação –, enquanto o das mulheres negras advém dos dois tipos anteriores (pré-mercado e discriminação).6 6. Ver UFPE, PUC Minas e PNUD/IDHS (2004). 202 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 Apesar da vasta abundância de trabalhos que focalizam a análise das desigualdades do mercado de trabalho brasileiro, nota-se a escassez de estudos sobre os efeitos da discriminação nos mercados de trabalho formal e informal; em geral, estes estudos costumam analisar a questão por meio da inclusão de uma variável dummy. Por exemplo, Barros, Franco e Mendonça (2007) avaliaram a influência da discriminação por sexo e cor/raça/etnia em três tipos de segmentos (espacial, setorial e de formalização no mercado de trabalho) sobre a redução do grau de desigualdade da remuneração do trabalho e da renda per capita entre 1995 e 2005, mas não analisaram o grau de discriminação e seus determinantes nos distintos mercados de trabalho. Kassouf (1998), por meio de dados da Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (PNSD) do IBGE, de 1989, indicou maior incidência de discriminação por sexo no mercado de trabalho informal do que no formal, mas sem tratar da questão de cor/raça/etnia.7 Posto isto, o presente artigo pretende contribuir à literatura especializada ao mensurar a incidência e evolução recente da discriminação no mercado de trabalho brasileiro, concentrando-se nos seus efeitos sobre os trabalhadores assalariados formais e informais. 3 INDICADORES DO MERCADO DE TRABALHO POR SEXO E RAÇA Em 2006, a população total do Brasil era de pouco mais de 187 milhões de pessoas, 89,6 milhões encontravam-se ocupadas, 8,2 milhões procuravam emprego e 58,5 milhões eram economicamente inativas. Inicialmente, observa-se que, nos dois anos considerados, a taxa de atividade e a taxa de ocupação são maiores para os homens, o que conduz a uma taxa de desocupação menor para as mulheres. Tal fato torna-se mais marcante quando se verifica que as diferenças entre sexos são maiores do que as em razão de raça/cor/etnia. Assim, a taxa de atividade dos homens brancos e negros é similar, de igual modo à taxa de ocupação; a diferença mais relevante é encontrada na taxa de desemprego. Entre as mulheres brancas e negras, constata-se comportamento idêntico (tabela 1). 7. No artigo, Kassouf considera os trabalhadores formais os que contribuem para a previdência social e os informais os que não contribuem, ou seja, adota uma conceituação do mercado de trabalho em sentido lato e não distingue os efeitos de inserções distintas entre serviço doméstico, empregados e conta própria. Ademais, a autora observa que a discriminação é responsável por dois terços do diferencial de salário das mulheres perante os homens com características semelhantes e o restante deve-se à ocupação das mulheres em postos de baixa qualificação. Estreitamento dos Diferenciais de Salários e Aumento do Grau de Discriminação... 203 TABELA 1 Indicadores do mercado de trabalho – Brasil, 2006 Indicadores (%) População economicamente ativa Empregados Homens Taxa de ocupação2 Taxa de desocupação3 25.428.848 1.538.028 73 68,8 5,7 Negros4 25.741.458 1.950.304 73,3 68,1 7 51.565.275 3.509.880 73,1 68,5 6,4 20.112.770 2.156.981 53,5 48,3 9,7 Brancas Total Taxa de atividade1 Brancos Total Mulheres Desocupados Negras 17.548.125 2.503.580 51,9 45,4 12,5 Total 37.990.100 4.700.347 52,7 46,9 11 Brancos 45.541.618 3.695.009 62,6 57,9 7,5 Negros 43.289.583 4.453.884 62,5 56,7 9,3 Total 89.555.375 8.210.227 62,6 57,3 8,4 Fonte: Microdados PNAD 2006/IBGE. Elaboração dos autores. Obs.: População em idade ativa (PIA), isto é, pessoas de 10 anos ou mais de idade. Notas: 1Taxa de atividade: é a percentagem da população economicamente ativa (PEA) em relação à PIA. 2 Taxa de ocupação: é a percentagem das pessoas empregadas em relação à PIA. 3 Taxa de desocupação: é a percentagem das pessoas desocupadas em relação à PEA. 4 População negra: neste estudo, representa a soma das pessoas que se autodeclaram como pretas ou pardas. Para efeitos deste estudo, a abordagem da questão da discriminação por sexo e cor/etnia/raça será realizada entre os trabalhadores adultos empregados do setor privado não agrícola, ou seja, com idade igual ou superior a 25 anos. A análise será efetuada no mercado de trabalho conceituado em sentido estrito, consideraram-se, assim, apenas os empregados com e sem carteira de trabalho assinada – proxies dos mercados de trabalho formal e informal, respectivamente.8 No grupo dos empregados sem carteira de trabalho assinada, também foram incluídos os empregados sem declaração de carteira de trabalho. Foram utilizados filtros para excluir os empregados dos ramos de atividade agrícola, administração pública e serviço doméstico. Igualmente, foram retirados da amostra os registros sem declaração de idade, declaração de renda do trabalho, cor e anos de escolaridade. O conjunto destes filtros resultou em um total de aproximadamente 23,9 milhões de empregados. 8. O objetivo deste estudo é analisar o mercado de trabalho; assim, retirou-se da amostra categorias de posição na ocupação que, embora sejam objeto de discriminação social e nos locais onde trabalham, apresentam características distintas nas suas relações de trabalho vis-à-vis os empregados, trabalhadores assalariados. Os trabalhadores por conta própria foram excluídos porque a grande maioria, de forma autônoma, presta serviços por tempo determinado a um cliente; este tipo de trabalhador, com relação ao trabalhador assalariado, dispõe de outras relações de trabalho, tais como: subordinação, jornada e forma de pagamento, implicando, perante o assalariado, comportamento distinto de contratação, remuneração e práticas de discriminação. O serviço doméstico, por sua vez, presta serviços aos domicílios, constituindo-se em mercado de trabalho distinto quanto ao tipo de empregador, jornada, alocação e regularidade das tarefas, remuneração monetária e em espécie, entre outros fatores, além de, muitas vezes, caracterizar-se por especificidades nas relações de subalternidade, outra dimensão das práticas de discriminação. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 204 De acordo com a tabela 2, entre os homens do mercado de trabalho formal, os homens brancos representavam 61,6% do total, e os homens negros eram 38,4%, em 2002, enquanto em 2006, sob idêntico aspecto, o mercado de trabalho indicava diminuição do percentual de homens brancos (56,3%) e aumento da participação de homens negros em pouco mais do que cinco pontos percentuais (p.p). Nesta direção, as mulheres negras frente às brancas não apresentaram idêntica ocupação de espaço no mercado de trabalho aos homens. Em 2002, as mulheres brancas ocupavam, no total das mulheres com carteira de trabalho assinada, percentual equivalente a 66,4% e, quatro anos depois, sua participação declinara em 3,1 p.p. Em relação aos trabalhadores informais, entre 2002 e 2006, em todos os grupos (homens brancos, homens negros, mulheres brancas e mulheres negras) houve aumento no percentual de empregados no mercado de trabalho formal (tabela 2). O comportamento do mercado de trabalho, entre 2002 e 2006, segundo sexo e cor/raça/etnia indica dois fatos. O primeiro é que a absorção de negros – homens e mulheres – aumentou tanto no mercado de trabalho formal quanto no informal. O segundo fato é que o status do negro no mercado de trabalho elevouse, na medida em que, entre os empregados com carteira de trabalho assinada, os negros – mulheres e, particularmente, homens – aumentaram sua participação frente aos brancos; e considerando-se o total de empregados, diminuiu o peso dos negros no mercado de trabalho informal – entre os empregados sem carteira de trabalho assinada (tabela 2). TABELA 2 Empregados por sexo e cor/etnia/raça segundo registro em carteira de trabalho – Brasil 2002 Com carteira Branco (%) Homem Negro (%) Total (%) Branca (%) Mulher Negra (%) Total (%) Sem carteira Total de assalariados Número Porcentagem Número Porcentagem 5.486.345 77,9 1.552.973 22,1 61,6 3.420.473 38,4 8.906.818 100 3.604.511 66,4 1.824.515 33,6 5.429.026 100 – 72,7 – 75,8 – 75,7 – 66,3 – 72,3 – 54,7 1.286.880 45,3 2.839.853 100 1.156.024 55,5 925.454 44,5 2.081.478 100 – 27,3 – 24,2 – 24,3 – 33,7 – 27,7 – Número 7.039.318 59,9 4.707.353 40,1 11.746.671 100 4.760.535 63,4 2.749.969 36,6 7.510.504 100 Porcentagem 100 – 100 – 100 – 100 – 100 – 100 – Estreitamento dos Diferenciais de Salários e Aumento do Grau de Discriminação... 205 2006 Com carteira Número Branco Homem 80,2 56,3 Negro 11.134.441 Branca 4.440.608 (%) 76,4 63,3 Negra 2.576.840 (%) 68,7 36,7 Total 7.017.448 (%) 73,3 100 – 100 – 3.753.310 – 100 39,2 26,7 100 – 60,8 31,3 2.550.047 100 5.814.185 – 46,1 – 100 23,6 1.176.470 – 100 14.299.635 – 53,9 – 45,3 22,1 1.373.577 – 100 6.482.644 – 100 Porcentagem 7.816.991 54,7 24,9 3.165.194 – Número – 51,1 77,9 100 19,8 1.616.959 – Total de assalariados Porcentagem 48,9 75,1 43,7 Total Número 1.548.235 – 4.865.685 (%) (%) Mulher Porcentagem 6.268.756 (%) Sem carteira – 9.567.495 – 100 100 – Fonte: Microdados PNAD 2006/IBGE. Elaboração dos autores. A tabela 3 mostra que, no período considerado, dois indicadores do mercado de trabalho praticamente não se alteraram: idade média dos ocupados e horas médias trabalhadas. O primeiro relaciona-se à oferta abundante de mão de obra jovem e melhor qualificada que mantém o padrão etário de ingresso no mercado de trabalho. O segundo reflete a tendência de expansão de técnicas intensivas em capital e de empregar mão de obra mais bem qualificada, o que permite ampliar a produtividade, mantendo-se praticamente igual o número de horas médias trabalhadas por semana. TABELA 3 Indicadores médios das características produtivas e dos rendimentos dos empregados – Brasil, 2002 e 2006 Idade Anos de estudo Salário mensal do trabalho principal (R$ do ano) Horas trabalhadas por semana Salário-hora 2002 2006 2002 2006 2002 2006 2002 2006 2002 2006 HBCC1 37,9 37,9 8,7 9,4 1.051,40 1.364,70 45,8 45,2 5,8 7,6 HNCC 36,9 37 7,2 8 597,9 837,4 46,6 45,7 3,3 4,7 HBSC5 39,8 40,6 8 8,4 792,4 1.036,80 45,1 44,1 4,9 6,3 3 HNSC 37,6 38 5,8 6,4 425,3 581,1 46,3 44,9 2,5 3,6 MBCC2 36,6 36,8 10,1 10,7 742,3 975,3 41,3 41,7 4,5 6 MNCC 36,6 36,7 8,5 9,3 442,1 627,9 42,2 42 2,6 3,9 MBSC6 38,3 38,5 9,2 9,8 528 670,4 37,2 36,7 3,8 5 7 4 (Continua) planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 206 (Continuação) Idade 2002 Anos de estudo 2006 2002 2006 Salário mensal do trabalho principal (R$ do ano) Horas trabalhadas por semana 2002 2002 2006 2006 Salário-hora 2002 2006 MNSC 36,8 36,8 7,5 8,4 302,4 439,9 37,2 37 2,5 3,2 Total 37,5 37,5 8,4 9,1 725,1 945,3 43,8 43,3 4,2 5,6 8 Fonte: Microdados PNAD 2006/IBGE. Elaboração dos autores. Notas: 1 HBCC: homem branco com carteira de trabalho assinada. 2 MBCC: mulher branca com carteira de trabalho assinada. 3 HNCC: homem negro com carteira de trabalho assinada. 4 MNCC: mulher negra com carteira de trabalho assinada. 5 HBSC: homem branco sem carteira de trabalho assinada. 6 MBSC: mulher branca sem carteira de trabalho assinada. 7 HNSC: homem negro sem carteira de trabalho assinada. 8 MNSC: mulher negra sem carteira de trabalho assinada. Os indicadores alteraram-se no que concerne à ampliação dos anos de escolaridade média em todos os grupos e ao decréscimo do salário médio mensal/hora. Quanto à escolaridade, destacam-se duas situações. Os empregados negros do mercado de trabalho informal, em média, apresentaram defasagem elevada de anos de escolaridade (6,4 versus 9,1 anos com relação à média dos empregados). As mulheres brancas e negras, conforme evidências constatadas por inúmeras pesquisas, mantiveram escolaridade média superior à dos homens, embora não traduzissem este acréscimo em remuneração superior à dos homens (tabela 3). O salário real diminuiu para os brancos e aumentou para os negros; no mercado de trabalho formal, as mulheres brancas apresentaram a maior queda entre 2002 e 2006, ao passo que no mercado de trabalho informal, as mulheres negras exibiram a maior alta (tabela 3). Em termos reais, o salário médio por hora caiu -3,4%, por causa da inflação de 34,9% medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), entre 2002 e 2006. Consoante à expectativa teórica, à maior escolaridade correspondeu ganhos crescentes de remuneração, embora tal tendência de aumento seja bem menor até por volta de oito anos de estudo, o que corresponde ao ensino fundamental completo (gráficos 1 e 2). Este comportamento reflete as mudanças na estrutura do mercado de trabalho nas duas últimas décadas, quando houve expressivo aumento do número de trabalhadores com pelo menos o ensino fundamental completo. O aumento da oferta de qualificados foi impulsionado pelas políticas de ampliação das matrículas em todos os níveis de ensino e exigências de mão de obra mais bem qualificada decorrentes das mudanças tecnológicas, o que levou à queda dos salários dos trabalhadores sem ao menos o ensino fundamental completo. Estreitamento dos Diferenciais de Salários e Aumento do Grau de Discriminação... 207 GRÁFICO 1 Salário-hora médio por anos de estudo – empregados com carteira de trabalho assinada – Brasil, 2006 25 20 15 10 5 0 0 1 2 3 4 5 HBCC Fonte: Microdados PNAD 2006/IBGE. Elaboração dos autores. 6 7 8 9 Anos de estudo MBCC 10 HNCC 11 12 13 14 15 MNCC GRÁFICO 2 Salário-hora médio por anos de estudo – empregados sem carteira de trabalho assinada – Brasil, 2006 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0 0 1 2 3 4 5 HBSC Fonte: Microdados PNAD 2006/IBGE. Elaboração dos autores. 6 7 8 9 10 Anos de Estudo MBSC HNSC MNSC 11 12 13 14 15 208 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 A despeito da não existência de controles, outro aspecto ressaltado pelos gráficos é a elevada remuneração dos homens brancos que apresentam formação superior completa, tanto trabalhadores formais como informais. O crescimento exponencial do salário-hora, à medida que se aumentam os anos de escolaridade equivalentes ao ensino superior, revela dois aspectos: i) uma supervalorização de trabalhadores com nível superior e/ou escassez de mão de obra qualificada, que se reflete nos aumentos de remuneração em níveis mais que proporcionais ao aumento dos anos de escolaridade; e ii) um possível problema de mensuração captada por esta variável, dado que o último grupo de escolaridade (15 anos) abarca todos os indivíduos que completaram o ensino superior, bem como os com pós-graduação e outros. Apesar de a incapacidade da variável escolaridade captar todos os aspectos referentes ao capital humano acumulado de um indivíduo, os gráficos apresentam indícios claros de que as maiores remunerações estão associadas aos melhores postos de trabalhos, independentemente de serem formais ou informais, e, portanto, qualquer política de elevação da renda dos trabalhadores deve avançar, primordialmente, pela maior escolarização das pessoas. Todavia, a simples diferença salarial, como constatada por meio da tabela 3, não permite estabelecer o grau de discriminação entre grupos, uma vez que esta diferença pode estar associada ao menor nível educacional – na comparação entre brancos e negros – e/ou à menor experiência de trabalho entre mulheres e homens, o que refletiria formas de discriminação pré-mercado. Para observarmos quanto dessa diferença de rendimentos deve-se à discriminação e às capacidades pessoais dos indivíduos, vamos decompor a diferença dos logaritmos dos salários-hora, estimados por grupos que considerem sexo, raça e posição na ocupação, em duas parcelas. A primeira parcela refere-se à diferença salarial derivada das distintas características produtivas. Assim, por exemplo, o fato de um grupo auferir em média ganhos menores do que outro poderia estar inteiramente relacionado a características produtivas inferiores; por exemplo, menos anos de estudo, experiência de trabalho etc. O diferencial de salários médios, na situação, não conteria nenhum componente discriminatório; ao contrário, a diferença seria o resultado de valorações que ocorrem no âmbito do mercado de trabalho. A segunda parcela corresponde ao diferencial de rendimento não explicada pelas variáveis do modelo, ou seja, abarca características não mensuráveis como a qualidade e o tipo de educação e treinamento, a heterogeneidade entre as distintas ocupações e atividades econômicas e, inclusive, o fenômeno da discriminação pura. Assim, Oaxaca e, também, Blinder (1973) sugerem que toda diferença salarial não explicada pelo modelo pode ser representativa de um tratamento discriminatório, pois, considerando-se que os retornos estimados para as características produtivas são iguais para homens e mulheres, brancos ou negros, não haveria explicação econômica para determinado grupo perceber salários, em média, menores. Estreitamento dos Diferenciais de Salários e Aumento do Grau de Discriminação... 209 Posto isto, realizamos a decomposição da equação salarial dos trabalhadores por meio do método proposto por Oaxaca-Blinder, o qual é amplamente utilizado na literatura especializada, permitindo comparações com outros estudos, entretanto, sem desconsiderar que os resultados obtidos quanto aos possíveis efeitos da discriminação podem estar correlacionados com outras características não mensuráveis.9 4 O MÉTODO OAXACA-BLINDER A construção do índice de discriminação parte do pressuposto de que é possível estimar o salário de uma pessoa a partir de suas características pessoais (educação, experiência de trabalho etc). A base para a estimação da equação salarial segue o modelo da teoria do capital humano desenvolvido por Mincer (1974), no qual temos uma equação log-linear com o logaritmo do salário-hora como variável dependente e variáveis independentes, um conjunto de atributos produtivos que pode mudar dependendo da disponibilidade de dados e das características do país e/ou região a que pertence a amostra, dado por: onde W é um vetor que representa o salário-hora do indivíduo, β é o vetor dos coeficientes, Z é o vetor de características do indivíduo e μ é o componente aleatório. Estimando a equação, segue que: Considere o grupo 0, isto é, o que não sofre discriminação comparado a um grupo j. Fazendo o diferencial, obtemos: Somando e subtraindo : onde 9. Por exemplo, Kassouf (1998), Soares (2000), Biderman e Guimarães (2005), Crespo e Reis (2004), entre outros. 210 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 Portanto, o primeiro termo da equação, , corresponde a diferenças nos salários em decorrência de atributos da produtividade, ao passo que o segundo termo, , representa a parcela não explicada, a qual se convencionou associar ao fenômeno da discriminação.10 5 DIFERENÇAS SALARIAIS POR SEXO E COR/ETNIA/RAÇA SEGUNDO OS MERCADOS DE TRABALHO FORMAL E INFORMAL Estabelecemos o modelo de equação salarial log-linear composto pelas variáveis explicativas: anos de estudo, anos de estudo ao quadrado, experiência11 e experiência ao quadrado – além de dummies para as cinco macrorregiões do Brasil – para os ramos de atividade (indústria, comércio e serviços, atividades sociais e pessoais e outras atividades)12 e para as categorias de ocupação (produtores de bens e serviços e de reparação, dirigentes, ciências e artes, técnicos de nível médio e vendedores e prestadores de serviços).13 O retorno da experiência ao salário revela que este é maior para os homens do que para as mulheres e para os brancos com relação aos negros, o que não necessariamente deve-se à discriminação, pois pode haver outros fatores influenciando este diferencial; por exemplo, escolaridade, categoria de ocupação, ramo de atividade, entre outros.14 O grupo de homens brancos com carteira de trabalho assinada encontra-se em melhor posição, pois obtém os maiores retornos, ao passo que o grupo de mulheres negras sem carteira de trabalho assinada situa-se no extremo oposto. Destaca-se a situação da mulher negra no mercado de trabalho, pois este não valoriza o aumento da escolaridade deste grupo, implicando retornos extremamente baixos, especialmente para as empregadas sem carteira de trabalho assinada. Com relação ao período 2002-2006, observam-se mudanças de baixa magnitude, mas distintas, dos retornos à experiência. Entre as mulheres brancas com carteira de trabalho assinada e os negros – homens e mulheres – sem carteira de trabalho assinada, ocorreu o crescimento do retorno à experiência sobre os salários-hora; enquanto, para os demais subgrupos, este retorno diminuiu ou permaneceu constante – com exceção da experiência mais elevada de homens brancos no mercado de trabalho formal e mulheres brancas no mercado de trabalho informal (tabela 4). 10. Aplicamos o método de Oaxaca em duas etapas, ou seja, os efeitos referentes ao intercepto estão sendo captados pelo segundo termo. 11. Os autores, nesse modelo, entendem que todo o desemprego é involuntário e não consideraram e/ou aplicaram o ajustamento de Heckman na equação salarial, os coeficientes estimados, neste caso, são maiores. 12. Engloba as atividades relacionadas à intermediação financeira, a atividades imobiliárias, à informática, a pesquisa e desenvolvimento das ciências sociais e humanas e aos serviços terceirizados. 13. As dummies Sudeste (região), Dirigentes em geral (categoria de ocupação) e atividades sociais e pessoais (ramo de atividade) foram escolhidas como categorias de referência. Os resultados das regressões são apresentados no Anexo deste trabalho. 14. As taxas de retorno à experiência e aos anos de escolaridade são obtidas calculando-se a derivada parcial da equação de salários, com relação às respectivas variáveis. Estreitamento dos Diferenciais de Salários e Aumento do Grau de Discriminação... 211 TABELA 4 Taxa de retorno à experiência (Em %) Experiência HBCC MBCC HNCC MNCC HBSC MBSC HNSC MNSC 5 anos 10 anos 15 anos 20 anos 2002 2,9 2,5 2,1 1,7 2006 2,8 2,4 2,1 1,8 2002 1,4 1,3 1,1 0,9 2006 1,7 1,5 1,3 1,1 2002 2,7 2,3 1,9 1,5 2006 2,3 2 1,7 1,4 2002 1 0,9 0,8 0,7 2006 0,9 0,8 0,7 0,6 2002 2,5 2,2 1,9 1,5 2006 2,4 2 1,7 1,3 2002 1,2 1,1 0,9 0,8 2006 1 1 0,9 0,9 2002 1,6 1,4 1,2 1 2006 2,3 1,9 1,6 1,2 2002 0,2 0,2 0,2 0,2 2006 0,3 0,3 0,3 0,3 Fonte: Microdados PNAD 2006/IBGE. Elaboração dos autores. O retorno dos anos de escolaridade ao salário é também mais elevado para os homens do que para as mulheres, assim como para os brancos do que para os negros, independentemente da existência de registro na carteira de trabalho. No entanto, a tabela 5 indica queda generalizada da taxa de retorno dos anos de escolaridade ao salário-hora entre 2002 e 2006 – com exceção dos homens negros com ensino superior, com ou sem registro na carteira de trabalho, e das mulheres brancas com ensino fundamental incompleto sem carteira de trabalho assinada. Tais resultados estão em conformidade com as estimações efetuadas por Barros, Franco e Mendonça, que também observaram a redução dos retornos à escolaridade no período mais recente de sua análise (2002-2005). A redução dos retornos da educação sobre o salário-hora pode estar relacionada ao aumento da escolaridade em todos os níveis da população, elevando a oferta de mão de obra mais escolarizada e o perfil desejado de qualificação da oferta de empregos. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 212 TABELA 5 Taxa de retorno à escolaridade (Em %) Anos de estudo HBCC MBCC HNCC MNCC HBSC MBSC HNSC MNSC 4 anos 8 anos 11 anos 15 anos 3,3 9,4 13,9 19,9 2006 2 8,2 12,9 19,1 2002 0,3 7,9 13,6 21,3 2006 -0,9 6,5 12 19,4 2002 4,2 8,3 11,4 15,4 2006 2,5 7,3 10,9 15,8 2002 2002 1 7,3 12 18,3 2006 -0,8 5,2 9,6 15,6 2002 5,1 9,5 12,8 17,3 2006 3,5 6,8 9,4 12,7 2002 2,2 7,3 11,2 16,3 2006 2,9 6,7 9,4 13,2 2002 5,5 7,2 8,6 10,3 2006 3,8 6,6 8,8 11,7 2002 4,3 7,5 10 13,2 2006 2,2 6 8,8 12,5 Fonte: Microdados PNAD 2006/IBGE. Elaboração dos autores. O quadro 1 apresenta a síntese dos efeitos das variáveis dummies incorporadas ao modelo de equação salarial referente ao ano de 2006, do qual os resultados completos constam do Anexo.15 Assim, observamos que, em geral, os trabalhadores do setor formal observam os maiores retornos sobre o salário-hora nos ramos de indústria – especialmente, os homens –, ocupados como dirigentes – exceção dos homens brancos –, e localizados na região Sudeste, menos para as mulheres negras. Por sua vez, no setor informal, predomina o ramo de outras atividades, na ocupação de dirigentes ou em ciências e artes, e localizado no Centro-Oeste, para negros, e nas regiões Sul e Sudeste, para brancos. Ou seja, os maiores retornos dos trabalhadores formais estão relacionados com as atividades, ocupações e regiões economicamente mais dinâmicas, enquanto, entre os informais, há uma diversificação regional, além de, como esperado, maior concentração em atividades ligadas ao comércio e à prestação de serviços. 15. Alguns exemplos dos grupos de categorias de ocupação são: produtores de bens e serviços e de reparação (montadores de equipamentos eletrônicos, supervisores de extração mineral e marceneiros), dirigentes (legisladores e diretores de empresas), ciências e artes (engenheiros, médicos, atores e músicos) e técnicos de nível médio (técnicos em mecatrônicas, desenhistas e atletas profissionais). Estreitamento dos Diferenciais de Salários e Aumento do Grau de Discriminação... 213 QUADRO 1 Síntese dos resultados das regressões para as variáveis explicativas binárias – Brasil, 2006 Região geográfica (com maior retorno) Grupos HBCC Sudeste Ramo de atividade (com maior retorno) Indústria Categoria de ocupação (com maior retorno) Ciências e artes MBCC Sudeste Outras atividades Dirigentes em geral HNCC Sudeste Indústria Dirigentes em geral MNCC Centro-Oeste Outras atividades Dirigentes em geral HBSC Sul Outras atividades Ciências e artes MBSC Centro-Oeste Outras atividades Dirigentes em geral HNSC Sudeste Outras atividades Ciências e artes MNSC Centro-Oeste Atividades sociais e pessoais Dirigentes em geral Fonte: Microdados PNAD 2006/IBGE. Elaboração dos autores. A seguir, observamos na tabela 6 que, no mercado de trabalho formal, de 2002 a 2006, o hiato salarial entre os homens brancos e as mulheres brancas permaneceu praticamente inalterado, enquanto, em relação aos demais grupos, houve diminuição do diferencial salarial. Por sua vez, no mercado de trabalho informal, verificamos igual comportamento dos homens brancos perante homens negros e mulheres negras; entretanto, com relação às diferenças entre homens brancos e mulheres brancas, o diferencial dos salários médios aumentou. A constatação de aumento do hiato salarial das mulheres brancas do setor informal pode ser um indicador de resistência para maior estreitamento de salários, ou seja, sem a influência de alguma força externa, a desigualdade de salários perante os homens brancos encontrará resistência para atingir níveis mais baixos. TABELA 6 Hiato entre os salários observados com relação ao homem branco (Em %) Grupos 2002 2006 MBCC 22,5 22,6 HNCC 53,6 44,6 MNCC 83,8 69,6 MBSC 15,3 17,6 HNSC 65,9 59 MNSC 81,5 65,1 Fonte: Microdados PNAD 2006/IBGE. Elaboração dos autores. 214 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 A seguir, a tabela 7 mostra a aplicação da metodologia de Oaxaca-Blinder para determinar-se a composição que é em razão da diferença de dotações e advém da parcela não explicada. Os valores foram calculados da seguinte forma: em que X representa o percentual em razão da discriminação, A1 é o saláriohora que o grupo analisado receberia na ausência de discriminação; A2 é o salário-hora observado deste grupo; B é o salário-hora observado do grupo padrão ou referência (homens brancos) e Y representa o percentual em razão da diferença de fatores. Interpretando os resultados de uma forma corrente, conforme a literatura especializada nos indica, podemos inferir que caso os atributos das mulheres brancas, com e sem carteira de trabalho assinada, fossem valorizados similarmente aos do homem branco, isto é, caso não houvesse discriminação no mercado de trabalho, elas deveriam receber salário superior ao deles (tabela 7). Contudo, com relação aos negros, homens e mulheres, ocorreu uma evolução distinta no período 2002-2006. Apesar de o hiato observado entre os salárioshora ter, em geral, diminuído para estes grupos, os resultados estimados indicam que a parcela referente à discriminação aumentou; ou seja, tomando-se como padrão o homem branco, há um aumento no peso da discriminação na composição do hiato salarial. Entretanto, se considerarmos que a parcela referente ao que a literatura denomina de discriminação engloba, na verdade, uma miríade de características não observáveis, tal aumento estimado para a parcela não explicada do diferencial de salários pode ser compreendido de outra forma. Em vez do fenômeno da discriminação propriamente dito, os resultados podem estar captando uma elevação de outras características produtivas não observáveis, mas que influenciaram positivamente a remuneração dos trabalhadores, como a passagem por um treinamento melhor aplicado ou um aprendizado diferenciado, entre outras. Sob essa perspectiva é que se sobressaem as limitações da decomposição de Oaxaca-Blinder, na medida em que não é possível desagregar os efeitos perversos e benéficos das características não observáveis dos trabalhadores. Estreitamento dos Diferenciais de Salários e Aumento do Grau de Discriminação... 215 TABELA 7 Decomposição de Oaxaca-Blinder – Brasil, 2002-2006 Salário-hora observado Salário-hora observado com peso do homem branco Percentual em razão de características não observadas (discriminação) (%) Percentual em razão de diferença de dotações (%) 2002 2006 2002 2006 2002 2006 2002 HBCC 3,77 5,17 – – – – – 2006 – MBCC 3,08 4,22 4,12 5,60 151 144 -51 -44 HNCC 2,45 3,58 2,78 4,01 25 27 75 73 MNCC 2,05 3,05 3 4,27 55 57 45 43 HBSC 2,74 3,88 – – – – – MBSC 2,38 3,30 – 3 4,19 172 153 -72 -53 HNSC 1,65 2,44 1,85 2,75 19 22 81 78 MNSC 1,51 2,35 2,10 3,14 48 52 52 48 Fonte: Microdados PNAD 2006/IBGE. Elaboração dos autores. A despeito das limitações indicadas, observamos na tabela 8 que o hipotético hiato entre o salário pago e o salário a ser recebido na ausência de fatores não mensuráveis, que podemos caracterizar como tratamento discriminatório, declina significativamente para mulheres negras. Os outros grupos não apresentaram mudança significante. Verificamos que, nesta situação hipotética, tanto no setor formal como no informal, o maior hiato diz respeito às mulheres negras seguidas das mulheres brancas e, por último, aos homens negros, corroborando que a pior dotação de fatores produtivos é a grande responsável pelo diferencial de salários dos trabalhadores negros. TABELA 8 Hiato entre o salário observado e o salário a ser recebido na ausência de discriminação – Brasil, 2002-2006 (Em %) 2002 2006 MBCC 34 33 HNCC 13 12 MNCC 46 40 MBSC 26 27 HNSC 12 13 MNSC 39 34 Fonte: Microdados PNAD 2006/ IBGE . Elaboração dos autores. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 216 6 CONCLUSÕES O presente estudo visa mensurar o grau de discriminação e sua tendência entre os anos 2002 e 2006 nos mercados de trabalho formal e informal; todavia, sem a pretensão de analisar as possíveis mudanças estruturais que tenham ocorrido tanto no mercado de trabalho brasileiro como no fenômeno da discriminação. Para isto, consideramos dois grupos padrão que não são objetos de discriminação: homem branco com carteira de trabalho assinada e homem branco sem carteira de trabalho assinada, respectivamente proxies dos mercados de trabalho formal e informal. A partir disto, foram examinados grupos que podem ser alvo de práticas discriminatórias: homens negros, mulheres brancas e mulheres negras. Posto isto, os resultados que produzimos corroboram com as estimativas apresentadas pelos especialistas na seção 2. Ou seja, verificamos dois fatos: a presença do componente não explicado do diferencial de salários – que se convenciona associar ao fenômeno da discriminação; e que o mercado de trabalho brasileiro manteve práticas de discriminação entre 2002 e 2006. Este estudo, todavia, avança em dois aspectos. O primeiro é que os indícios de que há um aumento do termo de discriminação em anos recentes, apesar da redução do hiato salarial, revelam as limitações da metodologia Oaxaca-Blinder, uma vez que o referido termo de discriminação engloba uma série de características não observáveis que podem estar ou não relacionadas com a discriminação pura. O segundo aspecto é que o presente estudo fornece uma nova perspectiva para os estudos de mercado de trabalho, ao apresentar evidências claras de que o fenômeno da discriminação afeta de forma distinta os trabalhadores formais e informais. O componente da discriminação, segundo as nossas estimativas, é maior para as mulheres brancas, seguidas pelas mulheres negras e pelos homens negros, tanto entre os trabalhadores formais como entre os informais. No agregado, as evidências são aderentes com os resultados apresentados por Soares, Bohnenberger, Biderman e Guimarães e pelos estudos da UFPE, PUC Minas e Instituto de Desenvolvimento Humano Sustentável (IDHS)/PNUD (2004). Os resultados apreendidos pelos trabalhos supracitados mostraram que o hiato salarial entre os brancos, homens e mulheres, decorre, principalmente, da discriminação; enquanto o hiato salarial entre homens brancos e negros, independentemente do registro em carteira, tem como causa principal a defasagem nas dotações de atributos produtivos, fatores prévios ao mercado de trabalho. O hiato salarial para as mulheres negras resulta de ambos os fatores, isto é, defasagem de seus atributos e discriminação, resultado que vem ao encontro das conclusões deste artigo. Tais evidências estão de acordo com o que é observado na tabela 8, visto que o maior hiato entre salário observado e salário a ser recebido na ausência de discriminação é mais incidente para as mulheres negras, seguidas das mulheres brancas e, finalmente, dos homens negros. Estreitamento dos Diferenciais de Salários e Aumento do Grau de Discriminação... 217 Também de acordo com os estudos especializados, as estimativas deste artigo ratificam parcialmente a tendência declinante do diferencial de salários no mercado de trabalho e completam as informações. No período 2002-2006, houve redução do hiato salarial entre grupos discriminados vis-à-vis o aferido por homens brancos, exceto para as mulheres brancas. Entretanto, sem controlar atributos individuais, os resultados estimados indicam que o componente referente à discriminação aumentou nesse período. Ademais, a diferença entre o salário observado e o a ser pago na ausência de discriminação manteve-se relativamente estável, caindo bruscamente somente para as mulheres negras. Ou seja, o mercado tendeu a reduzir o hiato entre os salários observados e os a serem pagos na ausência de discriminação, tendo em vista a maior homogeneidade dos atributos produtivos da população; entretanto, o componente percentual do diferencial de salários em razão da discriminação aumentou. No entanto, novamente, ressaltamos que o referido termo de discriminação engloba todas as características não observáveis dos trabalhadores, de modo que outros fatores possam ter obtido maior peso na determinação dos salários, em vez da discriminação em si. Posto isto, o presente estudo contribui para a literatura especializada de mercado de trabalho no Brasil ao complementar evidências acerca do tratamento distinto entre os empregados dos mercados de trabalho formal e informal. Os resultados indicam, como esperado, que, para os trabalhadores negros, homens ou mulheres, a discriminação é maior entre os trabalhadores do mercado de trabalho formal do que entre seus pares do mercado de trabalho informal. Tal resultado é um reflexo da pior remuneração e qualificação dos trabalhadores que ocupam postos que se encontram à margem da legislação trabalhista, de modo que a discriminação destes trabalhadores seja menos usual – ou menos relevante. Neste sentido, mostra-se vital a maior fiscalização nas questões de gênero e raça, bem como o incentivo a boas práticas de trabalho, especialmente para os assalariados formais. Outro aspecto relevante é o avanço dos programas sociais na década de 2000 como um dos possíveis fatores para a continuidade da redução da desigualdade de renda e de melhores condições para os grupos fragilizados da sociedade.16 Todavia, os resultados observados ainda se mostram incipientes, de modo que se fazem necessárias a manutenção e expansão nos esforços de conscientização e valorização de grupos tipicamente discriminados, não apenas mulheres ou negros, bem como é importante avançar em melhorias na qualidade, no acesso e na permanência da população mais carente no sistema escolar. 16. Cacciamali e José-Silva (2008) propõem uma série de ações e políticas públicas de inclusão social, que abarcam as esferas de mercado de trabalho (incentivos a formalização e livre associação dos trabalhadores, manutenção da política de salário mínimo e maior representatividade para entidades representativas de movimentos sociais), as pequenas e microempresas (capacitação tecnológica para aumento da produtividade do trabalhador), a capacitação, a mídia (programas de conscientização, valorização e apoio), a extensão da jornada escolar, o sistema de cotas no ensino superior e técnico e maior visibilidade e transparências dos programas sociais. 218 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 Por fim, ressaltamos a importância de melhoria no sistema escolar, primeiramente porque uma maior escolarização dos indivíduos elevará suas oportunidades de inserção aos melhores postos de trabalho e, consequentemente, a maiores remunerações. Por sua vez, uma formação mais ampla e sólida do capital humano, isto é, a ampliação de um conjunto de características produtivas não mensuráveis, mas que agregam valor na qualificação de um indivíduo, podem estar com um peso maior na determinação dos salários dos trabalhadores, conforme indicam os resultados obtidos pelo presente estudo. Estreitamento dos Diferenciais de Salários e Aumento do Grau de Discriminação... 219 REFERÊNCIAS BARROS, R. P.; FOGUEL, M. N.; ULYSSEA, G. Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente. Brasília: Ipea, 2006. BARROS, R. P.; FRANCO, S.; MENDONÇA, R. Discriminação e segmentação no mercado de trabalho e desigualdade de renda no Brasil. Rio de Janeiro: Ipea, jul. 2007 (Texto para Discussão, n. 1288). BIDERMAN, C.; GUIMARÃES, N. A. Desigualdades, discriminação e políticas públicas: uma análise a partir de setores selecionados da atividade no Brasil. In: CRUZ, M. H. S.; ALVES, A. A. C. F. (Org.). 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Estreitamento dos Diferenciais de Salários e Aumento do Grau de Discriminação... 221 ANEXO Resultados das regressões por sexo e cor/etnia/raça Empregados com carteira de trabalho assinada Brancos Homem Homem Negros Mulher Homem Mulher 0,87664 0,99436 0,61511 0,87167 0,58451 0,85716 0,54951 0,70832 0,01614 0,03071 0,01107 0,02794 0,01320 0,01829 0,00240 -0,00038 -0,00018 -0,00039 -0,00011 -0,00031 -0,00013 -0,00022 -0,00001 -0,02677 -0,07313 0,00187 -0,05267 0,00635 -0,02918 0,03713 0,01028 2 0,00752 0,00953 0,00507 0,00785 0,00555 0,00641 0,00220 0,00406 -0,25617 -0,15967 -0,19072 -0,14778 -0,19069 -0,27487 -0,22788 -0,14989 Nordeste -0,39243 -0,34547 -0,30827 -0,30823 -0,46501 -0,49226 -0,42092 -0,42430 Sul -0,12189 -0,09980 -0,04432 -0,06176 -0,04287 -0,07904 -0,07476 -0,13826 -0,11000 Centro-Oeste -0,11181 -0,11833 -0,10215 -0,09649 -0,05405 -0,14653 -0,15067 Indústria 0,10389 0,13044 0,09217 0,01147 0,10415 -0,14597 0,001651 -0,24806 Comércio e serviços 0,00753 -0,03740 0,05912 -0,12476 0,01748 -0,13291 -0,04523 -0,26906 Outras atividades 0,07979 0,17365 0,14685 0,00971 0,06758 0,18384 0,09711 0,08656 Ciências e artes 0,00533 -0,05844 0,11138 -0,04680 -0,08651 -0,06865 0,06558 -0,09353 Técnicos -0,33158 -0,32397 -0,33720 -0,27689 -0,16903 -0,17815 0,02083 -0,24929 Vendedores e prestadores de serviços -0,69284 -0,58918 -0,64010 -0,47380 -0,69003 -0,60577 -0,63738 -0,45943 Produtores de bens e serviços e de reparação -0,58455 -0,70991 -0,47544 -0,59004 -0,61775 -0,64322 -0,44403 -0,54941 Significância conjunta - F 4,1E+05 3,0E+05 1,3E+05 8,5E+04 7,6E+04 6,4E+04 3,8E+04 3,4E+04 R ajustado 0,53 0,55 0,37 0,41 0,42 0,45 0,31 0,35 Erro padrão da estimação 0,57 0,53 0,52 0,47 0,72 0,66 0,67 0,66 2 Brancos Mulher 0,03230 Norte Categoria de ocupação Homem Constante Anos de estudo Ramo de atividade Mulher Empregados sem carteira de trabalho assinada Experiência 2 Características Experiência pessoais Anos de estudo Região Negros 5.486.345 3.604.511 3.420.473 1.824.515 1.552.973 1.156.024 1.286.880 925.454 ln(Wm) - média Observações 1,33 1,12 0,90 0,72 1,01 0,87 0,50 0,41 Wm - média 3,77 3,08 2,45 2,05 2,74 2,38 1,65 1,51 Fonte: PNAD Microdados 2002/IBGE. Elaboração dos autores. Nota: 1 Não são significantes a 5%. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 222 Empregados com carteira de trabalho assinada Constante Experiência Brancos Negros Empregados sem carteira de trabalho assinada Brancos Negros Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher Homem Mulher 1,18670 1,32552 1,17749 1,37224 1,06556 1,08314 0,81082 1,22859 0,03090 0,01979 0,02540 0,00940 0,02703 0,01103 0,02602 0,00324 -0,00035 -0,000011 -0,01487 Características Experiência pessoais Anos de estudo -0,00033 -0,00023 -0,00028 -0,00009 -0,00034 -0,00006 -0,04222 -0,08234 -0,02401 -0,06710 0,00102 1 -0,00773 0,00860 Anos de estudo2 0,00779 0,00920 0,00607 0,00742 0,00421 0,00464 0,00361 0,00466 Norte -0,17103 -0,10349 -0,13411 -0,06267 -0,19717 -0,19992 -0,13963 -0,02630 2 Região Ramo de atividade Categoria de ocupação Nordeste -0,30599 -0,22322 -0,23010 -0,17555 -0,39512 -0,32425 -0,37324 -0,31080 Sul -0,06685 -0,05337 -0,04393 0,00422 0,01513 -0,03593 -0,02418 -0,08639 Centro-Oeste -0,05082 -0,07489 -0,02054 0,00496 0,00576 0,01465 -0,01113 0,01450 Indústria 0,14840 0,10538 0,04558 0,00970 0,05301 -0,01620 -0,14120 -0,32742 Comércio e serviços 0,00703 -0,05061 -0,03091 -0,08918 0,00705 -0,10297 -0,12723 -0,29489 Outras atividades 0,08353 0,14908 0,04022 0,04845 0,05909 0,11483 0,01702 -0,01426 Ciências e artes 0,03161 -0,07517 -0,00232 -0,021751 0,04372 -0,01836 0,16966 -0,17150 Técnicos -0,27821 -0,31633 -0,28355 -0,27414 -0,10428 -0,34059 0,02876 -0,26542 Vendedores e prestadores de serviços -0,65410 -0,57009 -0,65545 -0,52837 -0,70441 -0,59805 -0,44734 -0,54538 Produtores de bens e serviços e de reparação -0,55310 -0,67887 -0,51245 -0,57463 -0,60382 -0,78425 -0,30811 -0,62560 Significância conjunta - F 4,5E+04 4,2E+05 3,2E+05 1,9E+05 1,1E+05 6,7E+04 6,4E+04 5,3E+04 R2 ajustado 0,50 0,52 0,37 0,39 0,39 0,41 0,33 0,37 Erro padrão da estimação 0,54 0,50 0,49 0,44 0,69 0,64 0,60 0,60 6.268.756 4.440.608 4.865.685 2.576.840 1.548.235 1.373.577 1.616.959 1.176.470 ln(Wm) - média Observações 1,64 1,44 1,28 1,12 1,35 1,19 0,89 0,85 Wm - média 5,17 4,22 3,58 3,05 3,88 3,30 2,44 2,35 Fonte: PNAD Microdados 2002/IBGE. Elaboração dos autores. Nota: 1 Não são significantes a 5%. Brazilian Labor Market REGIONAL patterns: an Approach to Gender Divergences Anita Kon* Brazil has many labor market gender disparities, which compromise the reduction in poverty and future sustainable development. These gender differences are much more pronounced in a regional approach because of the many local specific social and economic considerations requiring different regional public policies. This paper intends to analyze the regional characteristics of labor market gender differences for the purpose of gaining subsidies for Brazilian public policies. First, theoretical aspects are examined explaining the causes of labor market regional divergences. Following, regional differential indexes are analyzed, calculated by special data tabulations, for the mid‑1990’s to 2006, and examining labor variables such as occupation and unemployment, school level, average earnings and working hours, in order to subsidize regional public planning. Key words: Regions; Labor; Earnings; Gender Segmentation; Brazil. PADRÕES REGIONAIS DO MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO: UMA ABORDAGEM DAS DIVERGÊNCIAS ENTRE GÊNEROS O Brasil apresenta consideráveis disparidades nas situações entre gêneros no mercado de trabalho, que comprometem o decréscimo da pobreza e o desenvolvimento sustentável no futuro. Em uma abordagem regional, estas diferenças entre gêneros são ainda mais proeminentes, devido a especificidades sociais e econômicas locais, que requerem diferentes políticas públicas. A fim de subsidiar políticas públicas brasileiras, este artigo analisa as características regionais do mercado de trabalho, segundo as diferenças entre gêneros. São primeiramente examinados aspectos teóricos que explicam as causas das divergências regionais no mercado de trabalho. Em sequência, foram analisados indicadores de diferenças regionais, calculados por meio de tabulações especiais, para o período de meados da década de 1990 a 2007, examinando as variáveis ocupação, desemprego, anos de estudo e rendimentos médios, a fim de subsidiar o planejamento público regional. Palavras-chave: Trabalho; Regiões; Rendimentos; Gênero; Segmentação Ocupacional; Brasil. LOS PATRONES REGIONALES del MERCADO DE TRABAJO DE BRASIL: UNA APROXIMACIÓN DE LAS DIFERENCIAS ENTRE GÉNEROS Brasil presenta considerables disparidades en las situaciones entre hombres y mujeres el mercado de trabajo, que compromete la disminución de la pobreza y el desarrollo sostenible en el futuro. En un abordaje regional, estas diferencias entre géneros aún más prominentes, se deben a especificidades sociales y económicos lugares, que exigen distintas políticas públicas. Con el fin de subvencionar políticas públicas brasileñas, este artículo analiza las características regionales del mercado de trabajo según diferencias entre géneros. En primer lugar se examinan algunos aspectos teóricos que explican las causas de las divergencias regionales en el mercado de trabajo. En secuencia, fueran analizados indicadores de diferencias regionales, calculados a través de * Professora titular do Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. E-mail: [email protected] planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 224 tabulaciones especiales, para el período de medios de la década de 1990 a 2007, examinando las variables empleo, desempleo, años de estudio, rentas medias, con el fin de subvencionar la planificación pública regional. Palabras-clave: Trabajo; Regiones; Rentas; Género; Segmentación Profesional; Brasil. LES VARIATIONS RÉGIONALES DU MARCHÉ DU TRAVAIL BRÉSILIEN: UNE APPROCHE DES DIFFÉRENCES ENTRE LES SEXES Le Brésil présente de considérables disparités dans les situations entre des hommes-femmes dans le marché de travail, qui compromet la diminution de la pauvreté et le développement soutenable à l’avenir. Dans un abordage régional, ces différences entre des genres sont encore davantage proéminents, dû à des spécificités sociales et économiques de chaque localisation, qui exigent de différentes politiques publiques. Afin de subventionner des politiques publiques brésiliennes, cet article analyse les caractéristiques régionales du marché de travaux selon les différences entre des genres. Premièrement sont examinés des aspects théoriques qui expliquent les causes des divergences régionales dans le marché de travail. Dans séquence, sont analysés des indicateurs de différences régionales, calculés à travers des tabulations spéciales, pour la période de milieux de la décennie de 1990 à 2007, en examinant les variables occupation, le chômage, années d’étude, revenus moyens, afin de subventionner la planification publique régionale. Mots-clés: Travail; Régions; Revenus; Genre; Segmentation Professionnelle; Brésil. 1 INTRODUCTION The stabilization and reform policies undertaken in Brazil since the eighties, to cope with high inflation and other macroeconomic unbalances, have affected (positively or negatively) the performance of the regional economies and mainly labor market opportunities. The impacts on segmentation in gender labor division have been somewhat similar among the regions, but there have also been many disparities that have led to an unfavorable situation, mainly among women. In this sense, the specific cultural, demographic, political and economic structures of each Brazilian region have caused worker distribution, calling for distinct regional policies. It has been observed that Brazilian regional occupational segmentation according to gender, regarding inequalities in labor protection conditions, qualification and earnings reinforce the already existing exclusion and poverty. This paper strives to analyze the regional characteristics of this country’s labor market, regarding gender differences, which impact personal and regional income inequality, and reflect on global and regional poverty levels. Some theoretical aspects that could explain the causes of the regional labor market gender divergences and the impacts on economic development of the countries will be examined first. Next, an empirical analysis of Brazilian inequalities among positions for women and men according to the regional labor market division is presented. Among the selected indicators that quantify and qualify the diversities, Regional Brazilian Labor Market Regional Patterns: an approach to gender divergences 225 Differential Quotients and other regional indexes are calculated, using special data tabulations, for the most recent period from the mid-1990’s to 2006, in order to examine labor market variables such as occupation and unemployment, school level and average earnings, for the purpose of subsidizing regional public planning. 2 ECONOMIC GLOBALIZATION AND REGIONAL LABOR MARKET IMPACTS: GENDER INEQUALITIES Developing countries face the challenge of solving the conflicts between macroeconomic stabilization and developing policies, aiming at competing in world markets. The occupational structure of these economies, in each situation, results from the possibilities of dealing with these conflicts. The characteristics of occupational distribution in formal and informal activities of developing countries result from the specific possibilities of the manpower offer, in those economies, to respond to firm’s labor demands. The nature of these labor market offers can either block or allow firms and workers facing international competition to adjust dynamically to the new requisites brought about by the boost in world productivity. The world globalization process has caused significant changes in advanced as well as in less developed economies in recent years, which include: a) increasing internationalization of economic activities; b) reorganization of dominant firms: c) increasing integration of manufacturing and service production; d) growing use of microelectronics technology; e) growing industrial demand for a high skilled workforce, in contrast to many routine jobs being displaced by technical change; f ) the increasing complexity and volatility of consumption; and g) the changing role of state intervention. (Rima, 1996; Beneria, 2003; Castells, 2005; Boserup, (2007). Although these changes occur more rapidly in more advanced countries, a similar dynamics of restructuring in other low and middle income countries is also observed, although at a lower speed. Similar patterns of occupational structure and restructuring are found for each level of economic development during a period of time, due to industrialization and technological modernization. Business organizations have to cope with international competition and deal with many changes regarding technology and plant, nature of labor qualification, new organization of labor process, new features of production (non-continuous production and limited economies of scale), among others. On the other hand, technical innovations affect the nature of products (intensification of non-material services, the features of a product, etc.), consumption (through product delivery forms, role of consumers, organization of consumption, etc.) and also markets (organization of markets, regulation and marketing tools, etc.) (Kon, 2007). The impacts of the recent economic globalization on the Brazilian economy have revealed a diversified trend when observing regional production and labor market structures. This is due to the specific features of each region, as regards their sector 226 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 structure, the availability of human resources, the agglomeration economies and the degree of technological innovation undertaken by local companies. In contrast with the regional inequalities observed in the socioeconomic levels of development at the beginning of the eighties, the dynamics of Brazilian regional evolution has shown different speeds and intensities in several spaces. This is because international competitiveness and economic stabilization must be coped with simultaneously. On one hand, there is the influence of structural aspects related to material and human resources, and also to specific spatial, politic and cultural conditions. As regards human resources, mainly in developing countries, severe gaps are noticed caused by differences in school enrollment and adult illiteracy, access to health, safe water and sanitation services, which reflect intensely on the cultural environment and on the ability to seek modernization. These gaps result in diversified possibilities of labor to adapt to the technological progress and an organizational modernization that is brought about in enterprises, in order to compete in the world market. In this sense, the most advanced regions reveal a more intense and faster growth in the more industrialized and modern sectors, strongly impacting regional worker productivity. As a result of human and social difficulties, in many countries labor market has been showing negative characteristics in regard to the conditions for work and earnings, like the increase in open long-lasting unemployment and the spread of small informal enterprises driven by outsourcing and subcontracts, and the increase in low productivity sectors with low salaries. Moreover, self-employment in low-income occupations is also growing fast. This diminishes productivity gains at the average regional level. The differences in infrastructure utilities or in physical capital stocks, resulting in agglomeration economies and positive externalities to company location, also depict the relevant historical, cultural and economic picture of the differences in dynamism among regions, due to cultural and human resources causes (Kon, 1995). On the other hand, there is the influence of conjuncture situations that also have repercussions on various socioeconomic spaces, with different results and intensities. The macro- and microeconomic policies aiming at economic stabilization or at stimulating specific sectors have different effects on each region, according to the structural and conjuncture possibilities of responding to these stimuli. Therefore, each space reacts differently to the impacts of the recent economic globalization, in regard to the possibilities of improving labor productivity and other labor conditions. In several economies, the impact of technological and organizational transformations and globalization also changed the attraction of regional business location conditions. This led to a different model of economic influence based on distinct central places or distinct growth clusters in the same region, instead of the former central place. Brazilian Labor Market Regional Patterns: an approach to gender divergences 227 In regard to labor gender conditions, a historical trend toward increased participation by women in occupational structure is observed in developing countries. On one hand, this increase reflects positive aspects of the evolution of social values, as well as of the modernization of production processes, which refined and increased the division of tasks, and, in some cases, created occupations favoring female labor conditions, like accuracy and manual skills. However, greater female participation in the labor market, mainly during times of economically hardship, is also connected to the issue of family survival, or to the sustaining of a standard of living, and to the creation of the woman’s own work opportunities. The composition of occupational distribution according to gender reflects the net movements of these long-term and conjuncture trends. These are diversified regionally, according to the spatial impacts of global economic policies and to specific cultural factors reflected in particular patterns of segmentation. The specific features of each region are also due to their sector structure, availability of human resources, agglomeration economies and degree of technological innovation undertaken by local firms. But it is seen in a great part of countries that women disadvantages in labor market conditions prevail (Lustig and Edwards, 1997). In contrast with the regional inequalities observed in the socioeconomic levels of development at the beginning of the eighties, the dynamics of regional evolution has shown different speeds and intensities in several spaces, similar to the impacts on labor market gender distribution, which, in contrast, maintained a high level of disparities. Some analysts, entrepreneurs and even government agents, who are in charge of labor policies, have argued that excessive protection through labor market regulation causes some limitations to markets responses to adjusting to the high unemployment rates, and is leading an increasingly greater number of workers to precarious situations in the informal market thus worsening inequalities and exclusion. They refer to some East Asian economies, in order to base ideas of reforms in the labor markets and to suggest policies to increase labor qualification and gender equality. Others assert that any measure that leads to the elimination of labor protections will worsen the social conditions of the workers and will increase poverty and the inequity in income distribution of the country .They also argue that regulations in Brazil have commonly been largely ignored by the employers and that the labor markets already are considerably flexible. On the other hand, some regulatory policies have not solved unemployment problems and gender inequalities in the labor market. (Lustig and Edwards, 1997; Moe, 2003; Beneria, 2003; Kon, 2007, Jacobsen, 2007). In any case, economic reforms leading to stabilization and economic modernization have not particularly solved some problems resulting from the changes in the previous labor market conditions. 228 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 In the context of capitalist development, there is a historical trend toward increased participation by women in the occupational structure. On one hand, this increase reflects positive aspects of the evolution of social values, which began to allow a higher rate of women to participate in the labor market, and in the modernization of production processes. This has refined and increased the division of tasks and, in some cases, has created occupations favoring female labor conditions, like accuracy and manual skills. Nevertheless, firms had to cope with their need to modernize their production and organizational processes in order to increase their competitiveness at a global level, although in some regions, labor forces were not prepared to respond to an increasing demand for more qualified workers. The increasing number of selfemployed workers was a way in which the economy could adjust to the new world reality of transnationalization and technological innovation, which are job economizers. The allocation of workers in informal activities, which allow easier articulation in order to cope with the economic adjustment of the firms, have an unstable character and result in smaller remuneration for those excluded from labor market. 3 PREMISES OF BRAZILIAN REGIONAL GENDER DIFFERENCES IN LABOR CONDITIONS Offer and demand factors of the Brazilian labor market, in more recent years, were deeply associated with the accelerated pace of technological progress and economic globalization, which led to technological and organizational restructuring in companies in most countries, as already seen. These changes had considerable repercussions on the nature of the productive processes, on the composition of production structures and on the evolution and nature of the product. This dynamic had also transforming impacts on the conditions and nature of work in all economic sectors, since economic modernization, with the introduction of new techniques, eliminates a series of job occupations and positions, while it creates new functions and occupations. When analyzing the subjects related to labor earnings distribution specifically, the basic hypotheses of this evaluation are related to theoretical premises that associate this structuring with some primordial determinants which mould the standards of this composition. These determinants refer to the already mentioned labor “spatiality,” that is, the specific qualities of the occupational structure in each region, originated by cultural, social and economic characteristics peculiar to each space. They result from diverse regional reflexes on the occupational structures, which derive from specific resources and socioeconomic bases, and are represented: a) by the quality of the job offer, in other words, of the “human capital” Brazilian Labor Market Regional Patterns: an approach to gender divergences 229 incorporated in workers (Smith, 1983:248; Becker, 1993; Jacobsen, 1998:249; Boserup, 2007); b) by the differences in labor market segmentation internally to the companies (Gordon, Reich & Edwards, 1973; Doeringer and Worsen, 1971; Vietorisz & Harrison, 1973; Jacobsen 2007, Kon, 2007); c) by the structural differences in earnings (Rima, 1996:260; Jacobsen 2007, Kon, 2007); and d) by the participation of workers according to gender (Kon, 1995 e 2007; Mutari, Boushey and Fraher, 1997; Jacobsen, 2007). One of the main determinants of labor spatiality is the Human Capital endowing of the regional labor force. The concept of Human Capital (HC) is an old discussion in economic theory (Gary Becker, 1993; Jacobsen, 2007, Rima, 1996), not relevant to classical and neoclassical theories, which considered labor homogeneity as a hypothesis, or, in other words, that all workers have the same qualifications and are identical in all important aspects. Nevertheless, revisions in these concepts are part of new theories, and are reviving the concern about the economic relevance of differences in labor capacities, as well as differences in the interpretation of gender HC endowments by the firms (Rima, 1996; Jacobsen 1998; Boserup, 2007). The first discussions concerning the importance of Human Capital on worker remuneration pointed out that manpower, in fact, is heterogeneous, and that differences among individuals and in the labor market interfere directly in the workers’ earnings. According to this approach, this capital is composed in part of a worker’s physical and mental abilities that are innate and that are the result of acquired education, on‑the‑job training and other professional and specialization courses, as well as work experience. The common characteristic of these capacities is that they maintain or increase the market value of manpower. In other words, the salary structure or earnings differences among groups in an economy are frequently associated with age, gender, race and type of occupation; however, they also reflect the former diverse kinds of HC. The worker “rents” the use of his HC to the employer and the resulting salary is not only the compensation for the hours spent at work, but also for the available worker’s HC (Rima, 1996:109) Another explanation about earnings differences among individuals comes from the theories that internally analyze the labor market segmentation of the firms. The distinct branches of these theories try to explain the existing differences in the kinds of jobs inside companies, based on diverse recruitment criteria selection and training on one hand, and on the other, on several forms of work and career promotions linked to specific salary levels (Gordon, Reich & Edwards, 1973; Doeringer and Worsen, 1971; Vietorisz & Harrison, 1973). In short, the ideas of these authors point out the different labor market segments inside the firms, classified as Primary and Secondary groups. The Primary market is composed of jobs with stability and with relatively high productivities and 230 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 salaries. The promotions and the salaries are established through rules specific to the firm, and are frequently adopted in large oligopolistic companies, with high capital/ labor relation The Secondary segment is composed of workers with minimum qualifications and training, who are not incorporated in promotions processes. The salaries and productivity are relatively low, and the working habits are not stable, with few formal contracts. These segments are more easily found in small competitive firms with unstable demand and little access to capital and technology; however, it is also frequent in industrial big size companies. In this segment, internal labor market promotions do not exist, because the labor is homogeneous and there are no turnover costs to the firms. In what refers to earnings, differences in the structure of the remunerations have also been analyzed, based on two basic focuses: differences among occupations and among workers. The traditional focus on the differences among occupations considers the economy as a network of labor markets for each of the many occupations, which are differentiated according to qualification requisites, job position stability, working conditions and other factors. More recently, the focus of the HC theory does not consider differences among jobs positions, but among people, and it relates a worker earnings directly to his personal characteristics, what includes gender. Today, an examination of the nature and sources of change in different occupational remunerations shows the strong influence of a payroll polarization process among occupational categories, related to the erosion of average remuneration job opportunities, across the earnings scale. This is connected, on one hand, to greater cost reductions undertaken by companies, as part of their administrative strategies, aiming to reduce the payroll expenses. These cuts had greater impacts on modern sectors, such as the computer science industry, commerce and financial sectors. They have also been affecting a great number of bureaucratic and administrative occupations, creating a labor demand for qualified and more flexible workers, hired at lower salaries. Their former companies sometimes rehire many previously dismissed workers, without any legal labor protections or additional benefits and with lower remuneration. A great number of these administrative workers turn into temporary workers, through subcontracting processes. These recent company practices affect professionals as well as technical and other qualified worker occupations particularly, reflecting company efforts to reduce unit production costs (Kon, 2007). However, literature shows many cases where it is seen that all these theoretical determinants may have different impacts in workers conditions, according to their gender characteristic. In the next section the paper will analyze Brazilian regional labor force distribution according to gender, aiming to understand the disparities comparing the country’s profile to the former theoretical premises. Brazilian Labor Market Regional Patterns: an approach to gender divergences 231 4 BRAZILIAN REGIONAL LABOR SEGMENTATION ACCORDING TO GENDER 4.1 Initial considerations The analysis of Brazilian regional occupational segmentation according to gender presented in this paper is part of a larger research project studying the country’s labor market structure, and examining the occupational profile of the working population and the labor changes that have occurred in this distribution since the nineties (Kon, 2007). The data sources are the National Domicile Sampling Survey (Pesquisa Nacional por Amostra de DomiciliosPNAD) and the Monthly Employment Research (Pesquisa Mensal de Emprego) conducted by the Brazilian Institute of Geography and Statistics (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica-IBGE). Some indicators were constructed for the purpose of determining regional diversities in labor force distribution according to gender, by selecting some educational and earnings variables that allow a better understanding of the implications of these differences in regions with diverging levels of development. The determination of these differences allows regional public policies to select proper measures specifically directed at the most needed group of workers and regions. First, it is pointed out that the regional labor segmentation, which can be seen through the country’s statistical information, results from the structural changes that occurred in different economic activities and sectors in the period analyzed, which had a new and innovative character. These changes played the role of unbalancing the old patters, regarding the creation of a volume of necessary job positions to be adjusted to economic growth on one hand, and to the qualification profile of Brazilian manpower, on the other. The pace of economic modernization, as well as that of the introduction of new functions and occupations in companies or in autonomous work, is often upset by the specific conditions of the Brazilian labor force profile, which is not always prepared to take over more flexible terms of production processes or more sophisticated tasks. Therefore, the Brazilian labor market conditions of the nineties on did not show as many structural changes as would be expected in the new world situation. In this context, women are still at a disadvantage in labor market conditions; nevertheless, they present a qualification level equivalent to men, as it will be seen. Brazilian labor market gender diversities are considerable for the entire economy; however, these differences in regional terms take on much more pronounced contours according to the space, particularly due to the cultural, economic and social disparities that affect the regionalized occupational structure, confirming the theoretical premises for all countries, in a more intense level than advanced ones. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 232 With regard to the impacts on different region economies, the specific qualities of the occupational structure in each Brazilian space, are molded as much by inner structural components as by other forces, exogenous to regional and national ones, which affect these qualities in a given period. The transformations in this “spatiality” result from each space adjustment capacity to cope with new economic requisites from world economies, as impact of economic paradigms changes (Kon, 2007). It is greatly known that some Brazilian states, such as São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Amazonas, Distrito Federal and Santa Catarina, present a higher per capita income in relation to the national average, whereas the other state show income rates which are lower than half the Brazilian average index. Nevertheless, it should be noted that this situation represents an advance in relation to the previous period, starting in the fifties, when income disparities between the most advanced and the most backward states were even higher. In the 1950-1985 period, some important changes occurred in the production and occupational structures of the various spaces, in such a way that some regions approached the country average GDP, either in the positive sense (that is, through a higher relative growth rate) or in the negative sense (due to an inferior relative growth). Regional dynamics is driven by a sequence of factors, which act to accelerate, retard or diminish the specific growth rates (Kon, 2005). In what concerns to human resources, it is noticed severe gaps among the North-Northeast regions and the South-Southeast regions, caused by differences in school enrolment and adult illiteracy, access to health, safe water and sanitation services which have intense reflections in the cultural environment and in the capacity to assimilate modernization. In order to determinate these differences, the regional analysis undertaken here adopts two approaches, in accordance with the availability of statistical information on gender distribution by type: (a) according to selected metropolitan regions and (b) according to the so-called 5 Great Regions. It is initially observed that regional activity rates, that is, the regional levels of occupation, show considerable differences between the genders for all the regions. The following selected variables aim to determinate the labor market regional profile of workers, in order to quantify and qualify the main gender differences: activity rates, unemployment situation, education level and average earnings. 4.2 Activity rates It is initially observed that the regional activity rates, that is, the regional levels of occupation present considerable differences between the genders for all the regions. The gender regional activity rates (AR) were determined by the following expression: Brazilian Labor Market Regional Patterns: an approach to gender divergences AR = (OPij / EAPij) x 100, 233 where OP = Occupied Population, EAP = Economically Active Population, i = gender , j = region. The Brazilian average AR shows that about 73% of men were economically active in 1999 and only 49% of women, whereas in 2006, the average rate of female activity rose almost 8%, to nearly 53%, and male activity declined not very significantly, i.e., about 1% (Figure 1). FIGURE 1 Gender regional activity rate (AR) 90 80 70 60 50 40 30 20 10 00 Men 1999 Men 2006 Women 1999 Women 2006 Brasil 74 73 49 53 North* 71 73 47 49 Northeast 74 72 49 50 Southeast 72 72 47 53 South 78 76 55 58 West-Center 77 74 51 53 Source: IBGE-PNADs 1999 and 2006. Elaborated by the author. * Urban North, in 1999. All regions show similar situations; however, the South shows the highest rates for the two genders in the period, in that men participate with about 78% in the gender differentiation and women, 55%, in first year, and respectively 76% and 58% in the last year, closely followed by the West-Center. The lower rates among men are found in the Southeast; however, the highest participation growth between the two periods (6,1%) was observed among women. Regional differences are better observed through the gender regional activity rate differences (ARD), which is calculated as: ARD = [(ARij / ARiB) -1], where ARij = (OPij / EAPij) x 100 and ARiB = (OPiB / EAPiB); OP = Occupied Population, EAP = Economically Active Population, i = gender , j = region and B = Brazil. Regional differences are best observed in Figure 2, where, in regard to the total average activity rate of Brazilian workers, men show positive differentials of 21% and 17%, respectively in 1999 and 2006, and the largest positive differences are found in the South and West-Center regions (28% and 26% in the first year), planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 234 declining at the end of the period. In turn, the differentials for the women are negative in all regions, as to Brazilian global average, but there is a trend of greater convergence in the period. The region that shows the largest positive divergence among men is the same one that presents the lowest negative divergence among women (South). In short, a very slow trend toward convergence of the activity rates was clear in the period, that is, a reduction of the differentials. However, the more intense increase in women’s activity rates, in a different way than it was found in the above mentioned theoretical literature, resulted not so much from the country’s modernization – as an effect of growing economic globalization – but mainly from the fact that during economically Brazilian hardship times in the period, the raise in female participation, was mainly linked to family survival; this has happened in inequality conditions, and in order to create their own work opportunities, in labor exclusion situations. FIGURE 2 Gender regional activity rate differences (ARD) 0,40 0,30 0,20 0,10 0,00 -0,10 -0,20 -0,30 Brasil North* M 0,21 0,17 W -0,20 -0,23 Northeast Southeast South West-Center 0,21 0,18 0,28 0,26 -0,20 -0,23 -0,10 -0,17 1999 2006 M 0,17 0,17 0,16 0,16 0,21 0,19 W -0,16 -0,22 -0,20 -0,15 -0,07 -0,16 Source: IBGE-PNADs 1999 and 2006. Elaborated by the author. Global Brazil (M+W) = 0 *Urban North, in 1999. In any case, the diverse conditions between the genders, in regard to family and professional responsibilities, rigid work schedules, and stricter demands of skills for men, among others, show that women’s work doesn’t depend only on market demand, but also on a series of other interconnected factors. These factors frequently lead to the allocation of workers in informal activities that allow easier articulation, but that are unstable in character and have lower remuneration. In sum though Brazilian female participation in labor market continued its historical tendency towards increasing rates, these indicators reflect something more than positive aspects of the evolution of economic performance and social values, as in more advanced countries. Brazilian Labor Market Regional Patterns: an approach to gender divergences 235 Domestic work is frequently a solution found by Brazilian women and also by the enterprises that outsourcing some services, looking to reduce costs. However, unlike the domestic work resulting from outsourcing of a series of more sophisticated modern services previously allocated in the companies, in Brazil, domestic female work, in most cases, has the character of a craft, and has low qualification and lower remuneration. More effective public policies aiming to the larger engagement of the feminine population in labor force are not present, or a lot of times are badly enunciated and cause contrary effects, discouraging the enterprises companies to hire women, because they cart in a larger relation cost/benefit (Kon, 2007). 4.3 Unemployment behavior The impact of the recent economic globalization on the Brazilian economy has revealed a diversified trend, when regional unemployment rates are observed. This is due to the specificities of each region, as regards their sector structure, the availability of human resources, the agglomeration economies and the degree of technological innovation undertaken by local enterprises, confirming the theoretical premises. In contrast with the regional inequalities observed in the socioeconomic levels of development at the beginning of the eighties, the dynamics of Brazilian regional evolution has shown different speeds and intensities in several spaces. This is due, on one hand, to the need to cope simultaneously with international competitiveness and the economic stabilization process, which had an impact on the productive firms located mainly at the economic clusters, which attracted workers from other regions and affected the regional gender distribution and the unemployment rates. The high unemployment rates and the growth of the informal sector have intensified, along with the debates about the institutions that prevail in the labor markets, which can be one of the causes of the increase in negative trends (Kon, 2007). The attraction forces of Brazilian metropolitan spaces are also diverse, according to the specific production structure of each cluster, as seen in Figure 3, which presents the gender regional distribution of workers among each selected metropolitan region, for the most recent period from 2002 to 2007. It can be seen that, the annual participation rate differences between genders in each region, in the entire period, were very small, but in each year and in each specific region, there is a specific predominance of men or higher concentration of women. The highest worker concentration is seen in the Metropolitan Region of Sao Paulo, where the male and female concentrations in 2002 were, respectively, nearly 42% and 41%, remaining almost the same until 2007, when there was a rise of about 1%. The Rio de Janeiro Metropolitan Region had a great worker concentration that, in 2002, represented about 26% of the two genders, lowering to 25% of men and less than 24% of women, by the end of the period. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 236 FIGURE 3 Brazilian metropolitan regions (MR*) workers distribution by gender 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 M W M 2002 W M 2003 W M 2004 W M 2005 W 2006 M W 2007 Recife 6,5 6,3 6,8 6,8 6,6 6,8 6,6 6,3 6,5 6,1 6,4 6,2 Salvador 6,7 7,6 6,7 7,2 6,7 7,2 6,8 7,4 6,7 7,4 6,9 7,7 Belo Horizonte 9,9 10,7 10,1 10,7 10,4 10,7 10,3 10,6 25,9 25,5 10,9 11,1 10,8 11,4 Rio de Janeiro 26,2 25,8 26,1 25,5 25,3 24,5 25,3 24,4 25,1 23,8 São Paulo 41,9 40,5 41,6 41,1 42 41,1 42,5 42,4 42,2 42,1 42,6 42 Porto Alegre 8,7 8,7 8,6 8,5 8,6 8,6 8,4 8,3 9 9,1 8,7 8,9 Source: IBGE/PME. Elaborated by the author. M = men; W = Women. *Σ MRi = 100%, i = gender; r = region. r The third metropolitan region in terms of concentration level of workers was Belo Horizonte, where the women’s representation was slightly higher in the entire period, about 11% and 10% respectively in 2002, and over 11.4% and less than 11% in this order. The concentration in Porto Alegre was alternated between male or female predominance, showing participation from 8.3% to 8.7% of men and 8.6% to 9.1% of women. The participation of Recife and Salvador regions are similar; however, whereas in the first space, both genders concentrate no more than 6% to 6.8% in the period, in the second space, women are more representative, participating with 7.2% to 7.7% and men from 6.5% to 6.9%. In regard to regional unemployment rates, gender distribution is lower in 1999 and 2006 among men in relation to women, for all the regions (Figures 4, 5 and 6). However, the two genders show a decreasing unemployment level between the two periods, (except for the Northeast regions). This was due to the impacts of world commerce globalization upon Brazilian exports increase. The greatest levels of unemployment are observed in the country’s main economic cluster region, represented by the Southeast and also in the industrial cluster of the North. The smallest levels were show in the Northeast, where the informal market is more extensive and the male and female rates are almost the same in the two periods. It has to be stressed that in the North region, the very high difference in the unemployment rates between the two periods results from the methodological change in the research (2002), because it did not include the region’s rural zone in 1999. Brazilian Labor Market Regional Patterns: an approach to gender divergences 237 FIGURE 4 Regional unemployment rate by gender 16 14 12 10 8 6 4 2 0 Men 1999 Brasil North* Northeast Southeast South West-Center 7,9 9 6,7 9,2 6,7 7,3 Men 2006 6,4 5 6,5 7,2 4,7 6,4 Women 1999 12,1 14,8 10 14 9,8 12,9 Women 2006 11 10,2 10,8 12,6 7,5 11 Source: IBGE-PNADs 1999 and 2006. Elaborated by the author. * Urban North in 1999. The regional unemployment rate differences (RUD) by gender were estimated as RUD = [(URij / URiB) -1], where UR = unemployment rate, URij = ( UIij / UIiB) x 100; UI = Unemployment Index; i = gender, j = region and B = Brazil. ** Total Brazil average (M+W) = 0. Figure 5 show the regional worker unemployment differentials in relation to the Brazilian overall average rate, where gender differences are clearer. The male workers have always shown negative differences in relation to the country’s average in all the regions, whereas the female workers showed positive differences, except for the South. These female differentials are the highest in the most dynamic regions of Southeast and Urban North (in this region only in 1999), but in the South region, the female unemployment rates, which were negative, show no significant divergence to the national average in the two periods. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 238 FIGURE 5 Regional unemployment rate differences (RUD) according to gender 0,6 0,4 0,2 0 -0,2 -0,4 -0,6 Brasil* Men 1999 Men 2006 Women 1999 Women 2006 North** Northeast Southeast -0,09 -0,41 0,49 0,22 -0,32 -0,23 0,01 0,28 -0,07 -0,14 0,41 0,50 -0,20 -0,24 -0,22 -0,31 South -0,32 -0,44 -0,01 -0,10 West-Center -0,26 -0,24 0,30 0,31 Source: IBGE-PNADs 1999 and 2006. Elaborated by the author. * Total Brazil average (M+W) = 0. ** Urban North in 1999. Figure 6 presents the regional unemployed workers distribution according to gender in each selected metropolitan region for the most recent period since 2002 to 2007. It can be observed that, among the unemployed, the hierarchic distribution among the regions, as well as the small differences between genders, are similar to those shown in Figure 3 for total workers, maintaining the same regional profile as that of the country’s Great Regions. FIGURE 6 Brazilian metropolitan (MR*) unemployment distribution by gender 60 50 40 30 20 10 0 M W M 2002 W M 2003 W M 2004 W M 2005 W M 2006 W 2007 Recife 7,2 6 8,8 7,4 8,9 7 11 8,7 9,9 9 10 8 Salvador 9,2 8,9 9,9 9,8 10 11 11 13 9,3 10,3 12 12,3 Belo Horizonte 10 9,6 10 9,1 10 8,9 10 8,3 8,4 9,3 8,1 8,6 Rio de Janeiro 22 22 18 18 16 21 17 21 17,9 19,4 17 19,5 47,6 45,8 46 45 7 6,7 São Paulo 46 48 47 49 48 46 43 42 Porto Alegre 5,6 5,7 6,3 6,3 6,6 5,9 7,6 6,1 Source: IBGE/PME. Elaborated by the author. M = men; W = Women. *Σ MRi = 100%, i = gender; r = region. r 7 6,2 Brazilian Labor Market Regional Patterns: an approach to gender divergences 239 In São Paulo, the participation of the unemployed had been higher, and between 2002 and 2003, women showed higher percentages, the opposite occurring in the other years of the period. In Rio de Janeiro only, the concentrations in 2002 reached about 22% for the unemployed of both genders, but did not show any significant decrease in the rest of the period. The highest differences among the participations for the employed and the unemployed (Figure 3 and 6) was seen in Porto Alegre in both genders, where the unemployed totaled about 5.6% in the first year, whereas men’s participation increased from 6.3% to 7% and women’s from 5.7% to 6.7% in the following years. In the Salvador and Belo Horizonte metropolitan spaces, the unemployed presented the same representation as the employed, but with concentrations about 1% higher in the entire period. On the other hand, in Recife, the concentration of the unemployed from 2003 to 2007 rose from 2% to 3% in both genders. 4.4 Qualification level: years in school As regards the qualification conditions between genders, severe gaps are noticed between the North-Northeast and the South-Southeast regions caused by differences in school enrollment and adult illiteracy, but also in access to health, safe water and sanitation services, which reflect intensely on the cultural environment and on the ability to seek modernization. These gaps result in diversified possibilities of labor to FIGURE 7 Brazilian labor force regional gender distribution according to years in school (%) 7a - 0 to 1 year 30 25 20 15 10 5 M W M Brazil 30 25 20 15 10 5 0 W North M W M Northeast W M Southest W South M W West-Center 7 b - 1 to 3 y e a rs M W Brazil M W North M W Northeast M W Southest M W South M W West-Center planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 240 7c - 4 t o 7 y e a r s 50 40 30 20 10 0 M W M W M North Brazil W M Northeast W M W M South Southest W West-Center 7d - 8 to 10 years 20 15 10 5 0 M W M Brazil W M W M Northeast North W M Southest W M South W West-Center 7e - 11 years and more 40 30 20 10 0 M W M Brazil W M W M Northeast North W M Southest 1999 W M South W West-Center 2006 Source: IBGE/PNADS, 1999 and 2006. Elaborated by the author. M = Men; W = Women FIGURE 8 Brazilian regional labor force distribution by gender* according to years in school (%) Northeast Southeast M W M W M W M W M W M W 1999 13.6 13.2 13.3 12.7 26.6 22.2 7.8 9.5 7.4 8.7 11.2 11.5 2006 10.2 10.1 12.6 11.3 19.6 16.6 5.7 7.4 5.4 6.6 8.6 8.9 1999 19.4 17.2 21.7 17.8 26.7 23 15.8 14.6 15.4 14.8 19.9 15.4 2006 14.5 12.6 18.0 15.0 19.5 15.5 11.6 11.0 11.8 11.5 14.1 11.2 1999 34.5 34 31.9 32.4 26.7 29.4 37.2 35.1 41.1 39 36.7 35.6 2006 31.7 30.0 31.6 30.3 30.1 30.2 31.1 28.9 35.2 32.3 33.5 30.7 1999 14.7 14.9 15.3 17.1 9.1 10.4 17.5 16.8 16.8 16.4 14.6 16.1 2006 16.6 16.4 16.4 16.7 13.3 14.3 18.0 17.1 18.6 17.2 16.9 17.4 1999 17.5 20.4 17.4 19.7 10.6 14.8 21.5 23.8 18.8 20.6 17.3 21.0 2006 26.9 30.8 20.9 26.4 17.5 23.1 33.4 35.5 28.6 32.1 26.7 31.8 Years in school Period 0 to 1 year 1to 3 years 4 to 7 years 8 to 10 years 11years Or more Brazil North South West-Center Source: IBGE/PNADS, 1999 and 2006. Elaborated by the author. * M = Men; W = Women adapt to the technological progress and an organizational modernization that is brought about in enterprises, in order to compete in the world market. In this sense, the most advanced regions reveal a more intense and faster growth in the more industrialized and modern sectors, strongly impacting regional worker productivity. Brazilian Labor Market Regional Patterns: an approach to gender divergences 241 The impact of Brazilian human capital investment (which is represented by the “years in school” indicator) on these differences, in regard to activity and unemployment rates, can be evaluated through the information in Figures 7 and 8 that show the regional distribution of the economically active population according to gender. The greatest concentrations of workers from the two genders, in all regions, are found at the 4 the 7 years of school level (7c), which was about 34% in 1999 and 30% in 2006, with some higher rates for men. At this level, the highest concentrations were in the Southeast and the South regions; however, in all the regions, participation was practically the same between the genders. It can be seen that at the level of up to 3 years of studies (7a and 7b), the concentration of male workers, for both periods, is slightly higher in the North and Northeast regions, and is more intense in the second region, In the south and Southeast regions, women are more representative among the workers who have up to 1 year of study (7a). This class of earnings concentrates a higher domestic female work situations, which in most of the cases, has a craftsmanship character, low qualification and it lower remuneration. At these levels, it is observed that the concentration diminished from 1999 to 2006, in all regions and in both genders, in contrast to an increase in the concentration in the levels for 8 years of study and over (7d and 7e). This shows that, overall, the average level of years in school has been increasing, albeit at a very slowly speed, with a higher intensity in the Southeast and the South, where the level for women has increased at a slightly higher rate. The smallest concentrations of workers at higher school levels and the smallest increases in concentration rates between the two periods are seen in the Northeast. Among the workers with the highest level (7e), the concentration of women is higher in all regions, which shows once again that the schooling level is not the cause for female disadvantages in the work market, at a regional level either. So, the Brazilian human capital endowment confirm only in part the theoretical premises which stress that higher qualifications are responsible for better (higher) women activity rates and unemployment rates (lower). In some regions and in some school levels, women’s qualification are higher and grow faster, however not always it is found the similar correspondence in activity or unemployment rates. 4.5 Average real earnings The earnings distribution of the Brazilian working population has recently undergone some changes that are the result, on one hand, of the new requirements demanded for labor hiring, through the present production and 242 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 organizational processes. On the other hand, the economic conjuncture policies aiming at stabilization limit the opportunities for new jobs in the formal labor market. The impact of these changes was shown in the composition of average earnings, inside and outside the firms. It is evident that these changes were accompanied by differentiated worker remunerations standards, which reconcile several determinants. Among these, there is the need for specific qualifications to take on new occupations or labor functions, the restriction in the offer of working positions by firms, and the increase in the labor force offer at several different levels of qualification. Nevertheless in Brazil, the distribution of worker earnings has also undergone considerable influences in the informal or self-employed labor market sector, which has increased steadily as of the nineties. On the other hand, it is also due to the conjuncture public policies directed at economic stabilization, which have limited the opportunities for opening new positions of formalized jobs. It is clear that these changes were accompanied by different patterns of worker remunerations, which try to reconcile several determinants, such as the need for specific qualifications for some new occupations, the conjuncture restrictions in offers for work positions and the increase in labor offers with different degrees of qualification, as already mentioned. On the other hand, the pace of economic modernization, as well as that of the introduction of new functions and occupations in companies or in autonomous work, is often upset by the specific conditions of labor force qualification, not always prepared to take over more flexible terms of operationalization or more sophisticated tasks, as already pointed out. Based on these observations, the question that arose is if the processes of production modernization and economic stabilization that occurred in Brazil, at a quicker pace in the nineties, had the redistribution of labor remunerations as a liquid effect. This proved favorable to larger concentration or dispersion indexes. Then, it questioned the shape of this redistribution, manifested inside firms and also for all workers, in several Brazilian regions, which show considerably different socioeconomic situations. Figures 9 to 14 show the regional differences of real average earnings between the genders, which show that higher female disadvantages were found in all regions, just as in the country as a whole. These remuneration differences surpass those found in the activity rates, level of unemployment and school level. First, Figure 9 portrays the average incomes gained by the two genders for a period from 1996 to 2006, regionalized from a Great Regions approach. It is observed that the regional hierarchy of earnings remained unchanged in the period for both genders. The Southeast shows the best situation, followed by the South, the West-Center, and the Urban North, whereas the Northeast shows the lowest level. Brazilian Labor Market Regional Patterns: an approach to gender divergences 243 A decrease in the average regional remunerations was observed for men, from 1998 to 2003, followed by a gradual rise up until 2006. The situation among women remained practically unchanged from 1996 to 2002, with a slight decrease in 2003 and a gradual rise until 2006. This behavior was seen in almost all regions, except in the Northeast, where a gradual rise of women’s incomes was observed since the beginning of the period. FIGURE 9 Brazilian regional average earnings according to gender 1200 1000 800 600 400 200 0 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Women Men Brazil Urban North Northeast Southeast South West-Center Source: IBGE-PNADs. Elaborated by the author. FIGURE 10 Brazilian regional gender earnings index (RGEI) 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 Brasil Urban North Northeast Southeast South West-Center Source: IBGE-PNADs. Elaborated by the author. 2006 244 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 The earnings differences between the genders are better explained by the Regional Gender Earnings Index (RGEI) that is given by the relation between women average earnings and men average earnings. As it is seen in Figure RGEI were very considerable in all the regions for the whole period, but have gradually diminished. In the beginning of the period, women earned about 40% of the male gains, and this rate was about 53% to 56% in almost all the regions in the last year. This reduction was particularly more intense in the Northeast, showing a ratio of 64% of gains for women in relation to men. Nevertheless, on the other hand, the rates for this region are less unfavorable, due to the fact that average earnings are much lower in comparison to other regions. It was observed that in regard to real average gains of all Brazilian workers,1 men showed a differential of 40% and 30% above this average, respectively in 1999 and 2006, whereas the differences in women’s earnings had been negative by about 37% and 28% in the two periods. However from the regional point of view, there are significant disparities, because in the Southeast, South and West-Center regions, men gained respectively about 73%, 61% and 53% above the Brazilian average in 1999, showing a trend in 2006 to convergence toward the average. The Southeast region earnings converged by about 16% and the other two regions by over 10%. On the other hand, the Northeast showed about 25% negative differentials for men (Figures 11 and 12). The real average earnings differences (RGD and RDQ) are calculated by : RGD = (RDQ – 1) and RDQ = (Eij / EiB), where RDQ = (Eij / EiB) ; E = earnings; i = gender; j = region; B = Brazil. Among women, the differences in relation to the total Brazilian average earnings had been always negative in all the regions and these differentials had diminished in 2006. As for the three previously mentioned regions, where the male disparities were higher, the female differences were smaller, about 22% to 34% in 1999 and 14% to 19% in 2006. It is also in the Northeast that women show the highest negative divergences in earnings, about 60% and 50% respectively in the two periods. Figure 12 and 13 present these differences for a more complete series of years and Figure 13 shows the Regional Differentiation Quotients (RDQ). The data for both figures was based on the Brazilian average real labor earnings, and they show the same previously described profile for this entire longer period. 1. The real average gains of the whole Brazilian workers in 2006 “Reais” were R$ 359 and R$ 587 respectively in 1999 and 2006, and the gender ones were R$502 and R$ 764 for men and R$ 227 and R$ 423 for women in these two periods. Brazilian Labor Market Regional Patterns: an approach to gender divergences 245 FIGURE 11 Brazilian regional gender average earnings differences (RGD) 1 0,5 0 -0,5 1 1999 Men 2006 Men 1999 Women 2006 Women Brazil 0,40 0,30 North* 0,07 -0,09 Northeast -0,24 -0,26 Southeat 0,73 0,61 South 0,61 0,55 West-Center 0,53 0,47 -0,37 -0,48 -0,62 -0,22 -0,30 -0,34 -0,28 -0,50 -0,52 -0,14 -0,17 -0,19 Source: IBGE-PNADs, 1999 and 2006. Elaborated by the author. * Urban North in 1999. FIGURE 12 Brazilian regional gender average earnings quotients (RDQ) 1 0,8 0,6 0,4 0,2 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 0 -0,2 -0,4 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 -0,6 -0,8 Men North* Northeast Southeast South Women West-Center Source: IBGE-PNADs 1996 to 2006. Elaborated by the author. * Urban North, from 1996 to 2002. FIGURE 13 Average earnings Regional Differential Quotient (RDQ), according to Brazilian average, by gender - 1999-2006 Brazil* Urban North** Northeast Southeast South West-Center M W M W M W M W M W M W 1996 1.43 0.60 1.11 0.53 0.76 0.34 1.81 0.74 1.61 0.65 1.50 0.61 1997 1.43 0.60 1.13 0.49 0.75 0.35 1.81 0.75 1.59 0.64 1.57 0.64 1998 1.42 0.61 1.08 0.50 0.77 0.36 1.78 0.76 1.59 0.66 1.55 0.68 1999 1.39 0.60 1.07 0.49 0.76 0.36 1.73 0.73 1.61 0.66 1.53 0.63 2001 1.32 0.63 1.04 0.47 0.72 0.37 1.63 0.79 1.52 0.71 1.48 0.67 2002 1.35 0.65 1.05 0.50 0.74 0.39 1.68 0.79 1.54 0.72 1.58 0.72 2003 1.25 0.61 0.91 0.46 0.68 0.37 1.54 0.74 1.52 0.70 1.39 0.67 2004 1.37 0.64 1.09 0.51 0.76 0.40 1.65 0.75 1.69 0.74 1.61 0.72 2005 1.40 0.69 1.10 0.54 0.77 0.43 1.70 0.82 1.68 0.79 1.60 0.78 2006 1.41 0.76 1.09 0.59 0.80 0.50 1.73 0.90 1.67 0.88 1.58 0.85 Source: IBGE-PNADs. Elaborated by the author. *Brazilian global earnings average (M+W) = 1. **Urban North in 1999. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 246 FIGURE 14 Average earnings Regional Differential Quotient (RDQ) according to gender average 1999-2006 Brazil* Urban North** Northeast Southeast South West-Center M W M W M W M W M W M W 1996 1.00 1.00 0.77 0.89 0.53 0.58 1.27 1.25 1.13 1.09 1.05 1.02 1997 1.00 1.00 0.79 0.82 0.53 0.58 1.27 1.25 1.11 1.07 1.09 1.08 1998 1.00 1.00 0.76 0.81 0.54 0.59 1.25 1.23 1.12 1.08 1.10 1.11 1999 1.00 1.00 0.76 0.81 0.55 0.60 1.24 1.23 1.15 1.10 1.10 1.04 2001 1.00 1.00 0.79 0.74 0.54 0.59 1.24 1.24 1.15 1.12 1.13 1.05 2002 1.00 1.00 0.78 0.78 0.55 0.61 1.24 1.22 1.14 1.11 1.16 1.11 2003 1.00 1.00 0.73 0.76 0.54 0.60 1.23 1.22 1.22 1.15 1.12 1.10 2004 1.00 1.00 0.79 0.79 0.56 0.63 1.20 1.18 1.23 1.17 1.17 1.12 2005 1.00 1.00 0.79 0.78 0.55 0.62 1.22 1.19 1.21 1.15 1.14 1.12 2006 1.00 1.00 0.77 0.78 0.57 0.65 1.23 1.18 1.18 1.15 1.12 1.11 Source: IBGE-PNADs. Elaborated by the author. * Brazilian gender average = 1. ** Urban North in 1999. Figure 14 presents the Regional Differentiation Quotients based on the Brazilian average earnings for each gender in each year. It can be seen that this approach confirms the highest advantages for the Southeastern region, where men also showed positive differences of about 20% to 27% above the total gender average in each year. As for women, positive quotients were also shown, but there was a gradual loss in the period, from 25% for 18% above the gender average. As in the previous analyses, this approach showed that the Northeast had the worst earnings and that workers had gained about 43% to 47%, women about 40% to 42% less, in relation their respective gender, less than the country’s in relation to men. The greatest disadvantages, in this period, for the workers of both genders were seen in the Urban North space. They earned from 21% to 27% less than the average for men and 11% to 26% for women. The South and West-Center regions are ranked at an intermediate earnings level and also show positive quotients, although lower than those for the Southeast, in relation to each gender average. In short, the regional analysis of labor market condition differences between genders shows that the disadvantageous situation of women exists in all the regions and periods. However, among the regions, the disparities are even greater, with more sizable advantages in the Southeast, South and West-Center respectively, and disadvantages in the Northeast. Brazilian Labor Market Regional Patterns: an approach to gender divergences 247 Another explanation about earnings and other condition differences among individuals derive from the theories that analyze the labor market segmentation internally to the firms. The distinct branches of these theories try to explain the existing differences in the kinds of jobs inside companies, starting from diverse recruitment criteria selection and training on one side, and on the other, from several forms of work and career promotion linked to specific salary levels (Gordon, Reich & Edwards, 1973; Doeringer and Worsen, 1971; Vietorisz & Harrison, 1973). A former investigation on Brazilian occupational segmentation confirm these theoretical ideas, from the different gender earnings results among workers inside and outside the firms, and also among production and beaurocratic occupations, at the so called Primary and Secondary markets inside the firms (Kon, 1995). 5 PUBLIC POLICY REQUISITES FOR EQUALITY IN BRAZIL Although Brazilian women, in recent decades, have increased their participation in the labor market, as has already been occurring historically in more developed countries, the country’s economic difficulties witnessed in the 1980’s and the 1990’s, had a particular effect on the job offer and on female occupation. The increase in the female labor market participation, in moments of economic crisis, is mostly explained by the need to supplement family income, more than it is a historical trend for social and economic modernization. In what refers to gender disparities, the Brazilian historical information shows that female unemployment rates are higher than those for male, as we could see from the former section, and did not become so much better after the introduction of special public policies beginning in the 1990’s. Segregation, discrimination and informality patterns can be observed with regard to Brazilian labor market gender relations, which can be influenced, on one hand, by a series of cultural questions, and, on the other hand, by the lack of specific public policies, designed to improve the conditions for absorbing women through training programs or anti-discriminatory policies. The public policies directed at reducing disparities and integrating women more effectively in the labor market have been more intensively discussed in the country since the 1990’s, and gender institutional elements are gradually occupying government debates, albeit still in an incipient form (Kon, 2007). This is due in part because in Brazil, the traditional surpassed vision still greatly predominates, ascribing to men the role of exclusive family supplier and to women the role of house care and labor force creation and maintenance, and also secondary labor force. However, recently women participation in labor market is increasing, as already seen, not because the traditional thought has been already overcome, but much more intensively due to necessity to complement familiar income. In fact, 248 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 some data show that women are gradually but increasingly assuming the role of family head, even when the family is composed by a couple and relation between poverty and it is directly related to the dimension of the country’s poverty, and to the difficulties in increasing economic development (Kon, 2007: 95). It was seen that in the beginning of the 1990’s, that women represented around 25% of the family heads, while in 2005 they reach 37%. In what refers to the participation on labor market, around 80% of the family head men were working, while only 50% of the women had some economic occupation (Kon, 2007: p.96) So, as the family head condition of women had grow, their unemployment rates had also increase, what had unfavorably blocked further improvement in the country’s poverty decrease policies, also due to the high earnings disparities, as we could see in the former section. On the other hand, Brazilian protection mechanisms that had been legally instituted (as in the case of maternity protection in the labor market and children’s care by establishing day-care centers in companies), to a large extent, however, are showing negative impacts on women’s absorption in the labor market, due to the prospect of higher costs to employers. The existing institutional instruments do not take in account the macro-, meso- and microeconomic integration among government spheres, that is, the transversal relationship of gender dimensions in the labor policies of several economic areas and sectors. As pointed out by the ILO (2006), a decisive element that leads to this transversal relationship in gender dimensions is to recognize women as basic objects of these policies. At a macroeconomic level, these instruments refer to public policies aiming to impact the more aggregated levels of product generation, employment increase and prices equilibrium, in what refers to the whole country’s economic system. The so called mesoeconomic instruments deal with institutions which articulate the relations among social and economic sectors, families and the markets, in order to coordinate social and economic rules and laws that supervise their behavior and performance. Examples of this kind of institutions are the labor legislation and the labor control organizations, as well as workers and enterprises unions, among others. On the other hand the microeconomic level deals with firms and workers relations, as well as with instruments of human capital creation and firm’s capacities increase. From this point of view, the public policies instruments which are neutral in what refers to gender dimension, show a great trend to cause disadvantages to women labor force, as it is seen in former investigations, due to discrimination factors already mentioned. As stressed by ILO, a decisive element that takes to this transversal relationship on the gender dimensions is to recognize women as basic objects of these policies. Brazilian Labor Market Regional Patterns: an approach to gender divergences 249 As pointed out by Bandeira (2005), poverty weakens female citizenship and hinders the possibilities of women to assume effective labor actions and to absorb institutional policies and legal interferences, in order to modify their condition. In addition, it also diminishes the possibilities of breaking the intergenerational cycle of poverty. In Brazil, as in other Third World countries, the increase in women’s productive capacity would be a relevant factor to break this cycle, considering the fact that, according to some researches, when women present family gains, the effect on the family’s well-being is very wide-ranging, because a considerable ratio of the earnings is invested in food, education and children’s health expenses. In an environment of collective bargaining discussions, which begin to be more accepted, the specific problems of female workers still remain out of focus. It has also been that, on the whole, women practically do not participate in the negotiation process. In addition, the administrative and legal mechanisms of implementation supervision, as refers to women protection instruments in the labor market, are insufficient, and when they do exist, they are inefficient. As stressed by some specialists in the field, in order for policies and programs to be able to promote equal opportunities, the awareness of the difficulties involved must be incorporated in its formularization and execution process transversally, across all planning phases, in such a way that the programs are not strange to gender issues and that they consider the specific characteristics and conditions that women live in the labor market. The articulation among several institutions, such as ministries, public and private departments and others, requires the creation of an organizational infrastructure to render the public policies measures effective, through constant monitoring, evaluating and improving action programs. Moreover, the difficulty in finding a common understanding and language to facilitate micro-, meso- and macroeconomic integration is one of the main hurdles that are even greater than the insufficiency endowment of financial funds. a) policies directed at influencing wages, the most frequently adopted policies of which aim at raising wages in sectors where the female participation predominates, in order to be compared with other sectors where the male is predominant, and where work values are comparable; b) policies that try to modify the employer’s behavior in regard to hiring and promotion procedures; c) policies more directed at workers than at employers which aim at educational training and other programs; d) programs providing subsidies for childcare, affecting the familial decision of the woman to enter into the labor force; e) policies that specifically aim at the integration between genders as the desired result. 250 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 In this sense, some basic lines of government action are recommended to develop a strategy in the field of gender employment, besides general economic development policies. Some lines of action are directed to promote entrepreneurship, addressed to specific sectors (mesoeconomics). These policies aiming equal opportunities, by tackling gender gaps, must allow the reconciliation of work and family life for both genders. Others policies designed to influence the pattern of employer hiring and promotion can be laid down by legal restrictions, which determine a minimum obligatory rate of hiring a certain gender (generally female), in the same way that policies for discrimination of race other minorities are laid down. In some sectors, a vacancy can occur in some ranks, when it is not possible to find a satisfactory number of qualified people offered to fill them. The results, therefore, depend on the relative offer of workers of each gender for these specific ranks. The educational and training policies aim at providing the target labor force (to a great extent female) with the means to assume the types of ranks offered. This fact does not necessarily mean the guarantee of labor attainment, in view of other requirements demanded by employers for hiring and promoting. Other policy measures could include the granting of subsidies or exemptions to employers who present proven efforts to integrate women and seek wage equality. Some policies that influence the decision of women regarding the intensity of their participation in the labor force and that, therefore, affect segregation, as already seen, are related to the availability of childcare conditions, either through day-care centers in the workplace, or to the availability of this kind of cheap and good quality service outside the firms. Maternity licenses and flexible working hours are also influential policies, even though the resulting changes in the degree of segregation have not proved significant with these measures, since the trend is for women to target mainly the predominantly female ranks of work, thus increasing segregation. Another important issue, pointed out by the former data, is related to the fact that although the educational levels between genders are equivalent and many times are higher for women, in general, this condition did not improve the female situation of job disadvantage, and, in informal work, and the segmentation is more pronounced in occupations reserved for women, where the wage levels are lower. In Brazil, there exist no public “vocational” programs aiming at allowing women to diversify their occupational options in jobs where they have traditionally been little represented. The differences in gender remuneration remain high even for “jobs of equal value,” and are even greater during moments of economic stabilization crises. Brazilian Labor Market Regional Patterns: an approach to gender divergences 251 Therefore, if the gender inequalities in the country had acted as obstacles for balanced development, as pointed out by Jasmine (1999), the integration of the gender dimension into the public policies would have to occur in the sense of formulating new articulations between the formal and informal spaces of work and leisure, between the productive and reproductive economy, and also between the domestic and the public spheres. Important challenges must be established for strategic policies that lead to economic development, through the promotion of the equality between genders. So, the institutional, social and economic measures and also global policies must assume specific gender complement devices for the creation of local instruments and measures, which are differentiated and specific to the particular conditions of the country’s each region and to the local characteristics of the population and labor force, including the cultural, social and economic aspects. In short, it should be observed that the effective participation of women in equal conditions in the country’s labor market does not depend exclusively on the recognition of the need of a positive female labor force incorporation, which is expressed in official documents, but also depends on the change of social standards and on the population’s mentality, in the sense of demanding the real implementation of support instruments. Moreover, as Beneria recommends, (1995: p. 51) the micro-, meso- and macroeconomic policies, are not neutral in regard to gender and can have a bias, requiring measured compensatory. Paraphrasing the World Bank, the equal opportunities between genders in the labor market is a central subject of development, and more than this, it is exactly the objective in itself. 6 CONCLUSIONS The Brazilian labor market regional distribution analysis according to gender shows considerable disparities in work opportunities, which lead to disadvantages to women and which compromise the country’s future economic growth, making it less sustainable. On one hand, the women’s labor force is not used to the extent of its broad possibilities to create the necessary social capital to apply dynamics to economic development, which affects the ability of the countries to attain more significant results. On the other hand, a greater number of women are increasing their role as family heads and the lack of favorable labor opportunities hinders the reduction of poverty levels. In a regional approach, these disadvantages are much more pronounced, due to the many social, cultural and economic specificities of each Brazilian space requiring different regional public policies. 252 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 It is necessary to point out that the inequalities between genders in the Brazilian labor market renders difficult the development as a whole, therefore despite these inequalities have more direct negative impacts on feminine population. The implied total costs are reflected in the country’s production, consumption and investments as a whole, what rises the costs for population well-being, diminishing the capacity of efficient management that would conduct to poverty reduction and consequently to sustainable growth. In regard to gender, as already known, a constant trend to increase the rates of women’s participation in the labor market has been observed. However, in a way different from what occurs in more advanced countries, regarding Brazil, this increase is due only partly to cultural, demographic and economic changes directed at social modernization and economic development, because women’s participation in the labor market, even in periods of socioeconomic crises, has been increasing as a consequence of the need to supplement (or as the only source of ) family remuneration. In any case, the diverse conditions between the genders, in regard to family and professional responsibilities, rigid work schedules, and stricter demands of skills for men, among others, show that women’s work doesn’t depend only on market demand, but also on a series of other interconnected factors. These factors frequently lead to the allocation of workers in informal activities that allow easier articulation, but that are unstable in character and have lower remuneration. More effective public policies aiming to a larger engagement of the feminine population in labor force are not present, or many times are badly enunciated and cause contrary effects, discouraging enterprises to hire women, because they result in a larger cost/benefit relation. Conjuncture situations also had repercussions on different results and intensities in several different socioeconomic realities. Macro-, meso- and microeconomic policies aiming at economic stabilization, or encouraging the development of specific sectors, had different effects between the genders in each region, according to the possibility for a structural and conjuncture response to these incentives. More effective public policies aiming at the greater engagement of the female population in a more protected labor force were not significantly present, or many were badly stated and caused contrary effects, discouraging the enterprises from hire women, because they entail a larger cost/benefit ratio (Kon, 2007). Brazilian Labor Market Regional Patterns: an approach to gender divergences 253 For Brazil as for other developing countries, some basic lines of government action are recommended to develop a strategy in the field of gender employment, besides general economic development policies. The first line of action is directed at some policies to promote entrepreneurship, addressing specific sectors that create new jobs, and promote less substitution of labor by capital, stressing the need to increase women’s participation. Second, the improvement of “employability” through training and improvement of human capital policies, as well as through measures favoring the young and self-employment, should not to be indifferent to gender inequalities. Next, the adaptation of employment opportunities according to new forms of hiring, the reorganization of working time, layoff measures directed at decreasing women’s disadvantages, are all important. Finally, policies must be adopted to foster equal opportunities, by tackling gender gaps, and promoting the reconciliation of work and family life. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 254 REFERENCES BANDEIRA, L. Transversalidade na perspectiva de gênero nas políticas públicas. Brasília: Cepal, SPM, 2005. BECKER, G. S. Human capital: a theoretical and empirical analysis with special reference to education. Chicago: Universidade de Chicago, 1993. BENERIA, L. G. Development and globalization: economics as if all people mattered. 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A segunda parte descreve o contexto institucional no qual as resoluções foram criadas e avalia o ciclo político destas. Por fim, tecem-se alguns comentários sobre as normas e defende-se o argumento da necessidade de coerência entre instrumentos de política pública e capacidade ambiental. Palavras-chave: Responsabilidade Pós-Consumo; Resíduos Sólidos Urbanos; Emulação de Políticas Públicas. ENVIRONMENTAL CAPACITY AND PUBLIC POLICY EMULATION: THE CASE OF EXTENDED PRODUCER RESPONSIBILITY FOR BATTERY WASTE IN BRAZIL Using Conama Resolutions numbers 257/1999 and 401/2008 for battery waste as an example of Extended Producer Responsibility (EPR), we discuss the Brazilian practice of emulating foreign policies and instruments developed by countries which have higher environmental capacity. In this text, we firstly present the concepts of environmental capacity and EPR. Afterwards, we describe the institutional context in which the resolutions have been designed and evaluate their policy cycle. Finally, we comment on these norms and argue for coherence between policy instruments and environmental capacity. Key words: Extended Producer Responsibility; Urban Solid Waste; Policy Emulation. CAPACIDAD AMBIENTAL Y LA EMULACIÓN DE POLÍTICAS PÚBLICAS: EL CASO DE LA RESPONSABILIDAD EXTENDIDA DEL PRODUCTOR PARA RESIDUOS DE PILAS Y BATERÍAS EN EL BRASIL A partir del caso de las Resoluciones Conama 257/1999 y 401/2008 para residuos de pilas y baterías como una aplicación del principio de Responsabilidad Extendida del Productor (REP), este artículo discute la práctica brasilera de emular instrumentos y políticas desarrollados por países con capacidad ambiental distinta a la que se encuentra en el Brasil. La primera parte del texto presenta el concepto de capacidad ambiental y el de REP. La segunda parte describe el contexto * Técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea. E-mail: [email protected] ** Bacharel em Ciências Sociais e Políticas, mestre em Ciências Sociais e Políticas, doutor em Ciência Política, senior lecturer na Lincoln University. E-mail: [email protected] planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 258 institucional en el que las resoluciones fueron creadas y evalúa el ciclo político de las mismas. Finalmente, se realizan algunos comentarios sobre las normas y se defiende el argumento de la necesidad de coherencia entre instrumentos de política pública y capacidad ambiental. Palabras-clave: Responsabilidad Extendida del Productor; Residuos Sólidos Urbanos; Emulación de Políticas Públicas. CAPACITE ENVIRONNEMENTALE ET EMULATION DE POLITIQUES PUBLIQUES: LE CAS DE LA RESPONSABILITE ELARGIE DES PRODUCTEURS POUR RESIDUS DE PILES ET DE BATTERIES AU BRESIL À partir de l’exemple des Résolutions Conama 257/1999 et 401/2008 qui traite de résidus de piles et de batteries comme une application de la Responsabilité Elargie des Producteurs (REP), dans cet article on discute la pratique très répondu au Brésil qui est celle de copier des instruments et des politiques développés par d’autres pays avec une capacité environnementale différencie par rapport a celle trouvée au Brésil. La première partie du texte présente le concept de la capacité environnementale et celle de la REP. En suite, il est décrit le contexte institutionnel dans lequel les résolutions ont été créées et il est évalué le cycle politique de ces Résolutions. Finalement, on présente une analyse des commentaires sur les normes en défendant l’argument de la nécessité de cohérence entre les instruments de politique publique et la capacité environnementale. Mots-clés: Responsabilite Elargie des Producteurs; Residus Solides Urbains; Emulation de Politiques Publiques. 1 INTRODUÇÃO Neste artigo, discutem-se as Resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) para resíduos de pilhas e baterias. Este consiste em um desdobramento de uma pesquisa iniciada em 2002, que busca, a partir de leitura crítica do conceito de modernização ecológica, discutir até que ponto a legislação ambiental brasileira consegue induzir empresas a adotarem novas tecnologias ambientalmente mais adequadas (MILANEZ; BÜHRS, 2007, 2008). Esta pesquisa vem trabalhando, inicialmente, com temas referentes à legislação de resíduos sólidos, em particular aqueles referentes à Responsabilidade Pós-Consumo (RPC) (MILANEZ; BÜHRS, 2009). Aqui, busca-se debater sobre as limitações de se emular paradigmas ou políticas de outros países sem adequar a capacidade ambiental do Brasil. Como estratégia alternativa, sugere-se o desenvolvimento de instrumentos mais coerentes com o contexto e a realidade das agências ambientais brasileiras. A pesquisa foi construída principalmente a partir de consulta a dados armazenados nos arquivos do Conama, em Brasília, bem como a informações disponíveis no site do conselho. Entre estes documentos estão relatórios apresentados por partes interessadas, atas e transcrições de reuniões. Essas informações foram complementadas por meio de algumas entrevistas com conselheiros e representantes de grupos de interesse. Por motivos de confidencialidade, e conforme acordado com os entrevistados, seus nomes não são divulgados, e as informações obtidas Capacidade Ambiental e Emulação de Políticas Públicas... 259 são identificadas por códigos: utiliza-se GOV para representantes do governo, IND para representantes das empresas e ONG para representantes de organizações não governamentais e movimentos sociais. Além desta introdução, o artigo possui três seções principais. A seção 2 apresenta os elementos teóricos: inicialmente esta descreve o conceito de capacidade ambiental e, em seguida, relata a situação que deu origem ao princípio da RPC, bem como suas principais ideias e pressupostos. A seção 3, primeiramente, comenta sobre o contexto que deu origem às resoluções do Conama para resíduos: esta descreve o sistema de funcionamento do conselho e a iniciativa do Conama em produzir uma Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) para o Brasil. A segunda parte desta seção combina uma perspectiva histórica com a teoria do ciclo de políticas públicas (cf. FREY, 2000). Dessa forma, a definição do problema remonta à expansão do consumo de telefones celulares e laptops no Brasil e ao respectivo aumento do descarte de baterias recarregáveis com resíduos sólidos urbanos em meados da década de 1990; a elaboração do estatuto foca no processo de construção da Resolução no 257/1999; a implementação e o monitoramento discutem os impactos causados por esta resolução e a revisão avalia a sua substituição pela Resolução no 401/2008. A seção 3 confronta aspectos teóricos com as informações empíricas coletadas e defende a hipótese de que a emulação de instrumentos e políticas públicas de outros países não parece ser capaz de compensar a limitada capacidade ambiental do Brasil. Em contraposição, argumenta que o setor ambiental deve primeiro desenvolver sua capacidade de identificar e resolver problemas para então adotar iniciativas desenvolvidas em outros países, e alternativamente sugere que agências ambientais optem por criar e implementar políticas e instrumentos mais coerentes com o contexto nacional. 2 REFERENCIAL TEÓRICO Desde o início da década de 1990, discute-se a PNRS para o Brasil. Uma das principais diretrizes desta política é a RPC, que torna os fabricantes responsáveis pelos impactos ambientais dos produtos nos diversos estágios de seu ciclo de vida. Entretanto, a RPC foi elaborada e implementada em países que possuíam elevada capacidade ambiental, situação bastante diferente da brasileira. Para melhor entender estes conceitos, apresenta-se nesta seção a definição de capacidade ambiental; em seguida, discutem-se as características socioeconômicas que levaram à criação da RPC e explicitam-se os pressupostos sobre os quais este conceito está baseado. Como a aplicação da RPC se deu no país por meio de um arranjo institucional semelhante a um acordo entre governo e empresas, a seção se encerra com algumas considerações teóricas sobre os elementos necessários para a obtenção de acordos mais efetivos. 260 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 2.1 O conceito de capacidade ambiental O conceito de capacidade ambiental vem sendo usado dentro do campo das políticas públicas para o meio ambiente como um referencial de análise que tenta explicar como sociedades criam habilidades para identificar e solucionar problemas ambientais (OECD, 1994 apud WEIDNER, 2002). Conforme será descrito ao longo desta seção, este conceito possui atualmente um corpo teórico próprio, embora ainda dialogue com teorias do desenvolvimento de capacidades, entendidas como o processo pelo qual organizações, instituições e sociedades criam habilidades para desenvolver funções, resolver problemas, definir e alcançar objetivos (cf. SAGAR, 2000). Para Martin Jänicke (1997), a capacidade ambiental não é formada a partir de um único fator, um instrumento específico, um determinado ator, ou uma instituição em particular; ao contrário, esta é construída por uma interação complexa de várias influências. Para tentar explicar o desenvolvimento da capacidade ambiental, este autor propõe um modelo analítico que envolve três estruturas. A estrutura cognitivo-informativa envolve, ao mesmo tempo, o conhecimento e consciência ambiental da população, sua cultura e sistema de valores, bem como a presença de uma comunidade científica representativa. Ao mesmo tempo, a estrutura político-institucional relaciona-se com a abertura do processo político à participação popular, com o grau de descentralização e com a capacidade de integração das contribuições feitas nas diferentes esferas políticas. Por fim, a estrutura econômico-tecnológica diz respeito à disponibilidade de uma infraestrutura de pesquisa científica e inovação tecnológica, bem como de recursos financeiros para o financiamento desta pesquisa e para a realização dos investimentos necessários à mudança de tecnologia. Seguindo uma linha de argumentação semelhante, Weidner (2002) tenta ilustrar como seria um país com elevada capacidade ambiental. Uma sociedade que alcançasse este contexto teria grupos ambientalistas bem organizados e interligados por relações cooperativas interorganizacionais; um sistema de monitoramento e comunicação ambiental abrangente; uma elevada consciência ambiental entre as elites políticas, a mídia e a população em geral; instituições governamentais bem equipadas, com pessoal suficiente para atender às demandas e integradas a outros setores do governo por políticas de cooperação; uma estrutura industrial moderna, inovativa e comprometida com as questões ambientais. Porém, o autor mesmo afirma que tal cenário ainda não pode ser identificado no mundo real. A literatura sobre capacidade ambiental sugere ainda quais aspectos devem ser trabalhados pelas instituições públicas para tentar construir essa realidade. Em primeiro lugar, esta destaca a importância de uma capacidade consensual, traduzida pela habilidade de alcançar soluções negociadas a partir de uma estrutura Capacidade Ambiental e Emulação de Políticas Públicas... 261 política cooperativa. Em segundo lugar, esta alerta para a necessidade de uma capacidade estratégica, que se refere à coordenação por um longo período de atividades administrativas amplas que tenham objetivos de longo prazo, independente de arranjos institucionais conjunturais. Por fim, esta também recomenda a construção de uma capacidade inovativa, que envolve regulamentos legais, sistemas de informação e instituições de tomada de decisão que promovam a descoberta de novas soluções para lidar com os problemas ambientais (JÄNICKE, 1992; OECD, 1996a). Apesar dessas receitas para se construir uma situação de capacidade ambiental adequada, as sociedades reais ainda estão bastante distantes desta situação. Por exemplo, mesmo os estados mais ambientalmente progressistas da Europa já foram convocados pela Corte de Justiça Europeia por não cumprirem alguma diretiva da União Europeia. Entre as limitações identificadas nestes países havia problemas com implementação, falta de vontade política, elevados custos para o cumprimento da legislação e, mesmo, más decisões políticas (SCHREURS, 2004). Na América Latina e no Brasil, porém, o distanciamento entre teoria e prática é ainda mais marcante. Em uma análise sobre a América Latina, Kaimowitz (1996) afirma que, apesar de ter havido progresso nas políticas ambientais desenvolvidas na região, ações mais substanciais têm sido limitadas devido a: i) dificuldades por parte de setores governamentais em relacionar questões ambientais com problemas de justiça social; ii) grande influência sobre os governos de grupos que desenvolvem atividades econômicas que destroem o meio ambiente; e iii) políticas econômicas que reforçam a elevada dependência de atividades intensivas em poluição e exploração dos recursos naturais. Com relação a esse último ponto, Gligo (1997) destaca a divergência entre as políticas ambientais explícitas e as políticas ambientais implícitas. Para o autor, o primeiro grupo se refere às políticas elaboradas pelos órgãos ambientais, tais como ministérios, secretarias e conselhos do meio ambiente. Ele ressalta que tais políticas têm como fragilidade serem, na maioria dos casos, reativas a necessidades urgentes de minimizar impactos da expansão urbana, industrial ou da mudança do uso do solo. Porém, mais importantes do que estas, seriam as políticas ambientais implícitas, que têm origem nos setores mais próximos aos líderes do executivo – presidentes, governadores ou prefeitos – e que, quase sempre, têm por objetivo o crescimento econômico de curto prazo, resultando em impactos negativos sobre o meio ambiente e a qualidade de vida da população. Hochstetler (2002) apresentou uma análise específica da capacidade ambiental do Brasil. Para esta autora, a aplicação da legislação é o elo mais fraco do ciclo das políticas ambientais, sendo esta limitação o fator que melhor explica o hiato entre as normas ambientais e o baixo desempenho ambiental do país. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 262 Ela relaciona essa característica com a insuficiência de pessoal e de recursos financeiros. Ainda afirma que a área ambiental é uma das que vivencia as mais relevantes disputas políticas, uma vez que os oponentes da criação de uma capacidade ambiental efetiva não apenas são os atores mais poderosos do cenário político do país, mas também veem nas ações de proteção ambiental ameaças comuns às suas atividades, o que os une na tentativa de limitá-las. Aparentemente, uma das estratégias utilizadas pelo setor ambiental brasileiro para tentar ampliar sua capacidade ambiental consiste na emulação de políticas. Stone (2001) utiliza este termo para definir situações onde governos “importam” ou “pegam emprestado”, normas, instrumentos ou políticas de outros países. Entretanto, conforme discutido neste texto, quando existe uma grande distância contextual e institucional entre o país emulador e o emulado, tal processo tende a ser pouco eficaz. 2.2 O conceito da RPC 2.2.1 Origens O conceito da RPC foi desenvolvido por alguns governos da Europa Ocidental no início da década de 1990 como uma tentativa de aplicar o Princípio do Poluidor Pagador (PPP) aos resíduos sólidos urbanos. Criado na década de 1970, o PPP tinha como principal objetivo induzir indústrias poluidoras a internalizarem os custos sociais de sua poluição. Este princípio propunha que, uma vez identificado o agente poluidor, diferentes instrumentos – por exemplo, taxas, licenças e cotas de poluição – poderiam ser usados para que este arcasse com os custos da prevenção ou remediação dos impactos ambientais. Instrumentos baseados no PPP mostraram-se bastante eficazes em algumas situações, mas ao longo do tempo, principalmente no final da década de 1980, alguns formuladores de políticas perceberam suas limitações. Apesar de funcionar em casos de poluição industrial, o PPP era inadequado para lidar com situações onde o maior impacto ambiental ocorria durante ou após o consumo do produto. Em casos como o uso de eletrodomésticos ou a disposição de resíduos, os poluidores eram dispersos e, individualmente, tinham pouca capacidade de reduzir seus impactos ambientais. Quem é o poluidor? Ele é sempre responsável? Se um motor de automóvel é ruidoso e barulhento, não há dúvida que o poluidor é a pessoa que o utiliza, mas não se pode argumentar que ele deve ser considerado diretamente responsável pelo impacto ambiental. (...) Neste caso, o consumidor é passivo, sem responsabilidade pela poluição, uma vez que ele apenas usa um produto, sem capacidade de influenciar suas características (ao menos individualmente). (...) Em outras palavras, o poluidor nem sempre é responsável pela poluição que ele causa (OECD, 1975). Capacidade Ambiental e Emulação de Políticas Públicas... 263 A questão dos resíduos sólidos urbanos ganhou mais destaque na Europa a partir do início dos anos 1990, quando alguns países depararam-se com restrições de locais para disposição de resíduos e altos custos de coleta e reciclagem destes materiais. Como os paradigmas existentes não pareciam solucionar o problema, novos conceitos foram propostos, entre estes a RPC. Também colaborou para o surgimento da RPC o contexto político-econômico daquele momento. Na década de 1980, muitos países europeus passaram por dificuldades financeiras, sendo os governos criticados por sua ineficiência. As propostas então apresentadas pressionavam pela privatização de empresas públicas e pela desregulamentação do mercado. O paradigma da RPC também foi influenciado por estas ideias, uma vez que propunha a diminuição da participação pública na gestão dos resíduos e a transferência de algumas de suas responsabilidades para o setor privado (LAUBER, 2000; LIEFFERINK; ANDERSEN; ENEVOLDSEN, 2000). Dessa forma, o conceito da RPC surgiu não apenas pela motivação ambiental, mas também devido ao momento econômico pelo qual passava a Europa Ocidental. Ao longo da década de 1990, a RPC foi implantada em diversos países europeus, para tratar de itens como embalagens, carros no fim de sua vida útil e lixo eletrônico (MAYERS, 2007). Este paradigma obteve melhores resultados em locais que apresentavam algumas características particulares, tais como: elevada capacidade ambiental dos órgãos públicos, movimentos sociais e associações empresariais organizados e sólida infraestrutura de desenvolvimento tecnológico (MILANEZ; BÜHRS, 2004). Sendo assim, tanto o momento ideológico quanto as características contextuais contribuíram para o desenvolvimento da RPC. 2.2.2 Definições e pressupostos O conceito da RPC é definido como “uma estratégia de política ambiental na qual a responsabilidade do produtor é estendida até o estágio pós-consumo do ciclo de vida do produto” (OECD, 2001, p. 9). Nesta seção, argumenta-se que políticas desenhadas seguindo este preceito devem obedecer a três pressupostos principais: i) os fabricantes devem assumir responsabilidade pelo impacto ambiental de seus produtos; ii) novas soluções devem utilizar tecnologias preventivas; e iii) as empresas devem ser motivadas via instrumentos econômicos ou acordos voluntários, discutidos em processos participativos. A transferência da responsabilidade pelo impacto ambiental dos produtos para os fabricantes é a essência da RPC. Esta responsabilidade, que pode ser legal, física ou econômica, aplica-se a todos os estágios do ciclo de vida do produto (DAVIS, 2000). O foco nos fabricantes é devido ao fato de serem eles os que decidem sobre as características dos produtos – forma, composição, matéria-prima etc. – e os que têm maior grau de influência sobre os 264 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 demais elementos da cadeia produtiva, isto é, fornecedores de matéria-prima, atacadistas, varejistas e consumidores (OECD, 2001). O segundo elemento da RPC é sua preocupação em motivar produtores a adotar tecnologias preventivas. Isto é um desafio para os elaboradores de políticas públicas, uma vez que muitas empresas ainda tendem a preferir soluções de “fim de tubo” (GEHIN; ZWOLINSKI; BRISSAUD, 2008). O paradigma da RPC considera o projeto do produto como a etapa mais crítica para melhorar o desempenho ambiental e, portanto, defende que os instrumentos utilizados devam induzir fabricantes a redesenhar seus produtos de forma a minimizar ou evitar os impactos ambientais (DAVIS, 2000; OECD, 1996b; THORPE; KRUSZEWSKA, 1999). Devido ao seu foco na prevenção e no projeto de produto, espera que a RPC seja desenvolvida em contextos de elevada capacidade inovativa. Legislações baseadas na RPC devem ser apoiadas por políticas públicas que apoiem a inovação tecnológica para permitir que as empresas alcancem as metas (BERKHOUT; SMITH, 1999). Por exemplo, um dos aspectos que tornou possível a implantação do sistema de coleta de resíduos de embalagem pelos fabricantes na Alemanha (Duales System Deutschland) foi a inovação nos sistemas de coleta e separação de embalagens usadas (EICHSTÄDT; CARIUS; KRAEMER, 1999). Mais recentemente, a Diretiva Europeia 2000/53/EC para veículos em fim de vida útil motivou as montadoras a investirem em novos projetos para facilitar a desmontagem e a reciclagem das peças dos carros (GERRARD; KANDLIKAR, 2007). Por fim, a RPC opõe-se à definição tecnocrática das políticas ambientais e defende a negociação com as partes interessadas. Além disso, propõe que tais políticas sejam, preferencialmente, implantadas por intermédio de instrumentos econômicos ou acordos voluntários (OECD, 1998a, 1998b, 2001). Embora a escolha dos instrumentos econômicos para gestão de resíduos deva, em geral, levar em consideração critério de precificação (MOTTA; SAYAGO, 1998), os instrumentos econômicos mais comumente usados pela RPC são: sistemas de coleta pelo produtor; padrões para incorporação de material reciclado; taxas para disposição em aterros sanitários; impostos sobre matéria-prima virgem; e sistemas de depósito e retorno (THORPE; KRUSZEWSKA, 1999). A questão dos acordos voluntários é discutida em mais detalhes na próxima subseção. 2.2.3 Como fazer um bom acordo com base na RPC? Conforme mencionado anteriormente, políticas inspiradas na RPC podem ser implementadas por meio de acordos entre governo e empresas. Para que sejam efetivas, estas estratégias, porém, requerem algumas condições, tais como: definir metas mensuráveis; especificar a responsabilidade de cada parte interessada; e estar articulados com outras iniciativas públicas. Capacidade Ambiental e Emulação de Políticas Públicas... 265 O termo genérico acordo é usado nas políticas públicas para definir um grupo de contratos que estabelecem obrigações comuns a empresas ou setores. Este é usado como um termo guarda-chuva para se referir a diferentes soluções que podem variar, dependendo da natureza do compromisso, do processo de definição de metas e das ameaças/incentivos utilizados para encorajar a participação (CUNNINGHAM; CLINCH, 2004). Avaliações de experiências com acordos são geralmente positivas, embora algumas limitações também sejam identificadas. As análises mais otimistas afirmam que os acordos permitem criar situações em que ambos os lados são beneficiados, uma vez que os grupos de interesse obteriam soluções melhores do que se buscassem soluções individuais (HOLZINGER, 2000). Além disso, acordos podem aumentar o envolvimento e a aceitação das empresas, especialmente em situações que possuem baixo apoio político (HOLZINGER, 2000; OECD, 1998a). Por fim, estes podem gerar soluções mais flexíveis, particularmente para assuntos complexos (WHISTON; GLACHANT, 1996). Por outro lado, acordos tendem a ignorar a opinião pública nos casos em que são negociados apenas pelas empresas e poucos burocratas, sem abertura para contribuições de outras partes interessadas (NEALE, 1997; OECD, 1999). Além de defender uma participação mais ampla na definição de acordos, a literatura também faz algumas sugestões práticas sobre como se fazer acordos mais efetivos. Primeiramente, autores sugerem que acordos devem ser aplicados a poucas companhias que se encontram em situações econômicas similares, pois espera-se que os custos para cumprir os acordos sejam semelhantes para todas as empresas (CUNNINGHAM; CLINCH, 2004; GLASBERGEN, 1999; LÉVÊQUE, 1996). Em segundo lugar, é importante que as metas sejam específicas e quantitativas, ao invés de qualitativas. Além de definir o quê deve ser feito, as normas devem também estabelecer quem faz o quê, bem como estabelecer as obrigações e responsabilidades de cada parte envolvida (BIZER; JÜLICH, 1999; CUNNINGHAM; CLINCH, 2004; GLASBERGEN, 1999; NEUMAYER, 2000). Em terceiro lugar, o monitoramento deve ser sistemático e regular, para evitar que empresas “peguem carona” nos esforços dos demais (CUNNINGHAM; CLINCH, 2004; GLASBERGEN, 1999; LÉVÊQUE, 1996; NEUMAYER, 2000). Por fim, os tomadores de decisão devem manter em mente que os acordos são documentos frágeis, que precisam ser acompanhados por políticas adicionais (GLASBERGEN, 1999).Do ponto de vista teórico, muitas dessas recomendações – metas claras, sistemas de monitoramento e de incentivos, integração com outras políticas – parecem razoáveis e óbvias. Entretanto, como discutido no caso das resoluções para resíduos de pilhas e baterias, nem todos estes elementos estão presentes nos acordos reais, levando a legislações fracas e pouco efetivas. 266 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 3 RPC NO BRASIL: O CASO DAS PILHAS E BATERIAS Nesta seção, relata-se e analisa-se o processo de elaboração, implantação e revisão das resoluções do Conama para resíduos de pilhas e baterias, como uma iniciativa de se adotar a RPC no Brasil. A primeira parte apresenta a estrutura do conselho, comenta sobre a participação dos diferentes grupos de interesse e, em seguida, descreve o processo de negociação da PNRS no âmbito do Conama e do Congresso Nacional. A segunda parte combina uma perspectiva histórica com a teoria do ciclo de políticas públicas, apresentando o processo de definição do problema, elaboração, implantação, monitoramento e revisão das resoluções. Estas informações servem como base para a discussão das dificuldades e possíveis estratégias de superação ao uso da RPC no Brasil, que serão abordadas na seção 4. 3.1 Algumas questões contextuais 3.1.1 O Conselho Nacional do Meio Ambiente O Conama é divido em três níveis: Plenário, Câmaras Técnicas (CTs) e Grupos de Trabalho (GTs). O Plenário é o nível de decisão do Conama e vota resoluções, proposições, recomendações, moções e decisões. Abaixo do Plenário, existem dez CTs, formadas por sete conselheiros cada; as CTs tratam de temas específicos – assuntos internacionais, educação ambiental, controle e qualidade ambiental etc. – e preparam as matérias que são submetidas à apreciação do Plenário. Quando assuntos são considerados muito complexos, as CTs podem criar GTs ad hoc, por um período específico. Uma vez concluídos os trabalhos dos GTs, seus relatórios são enviados para avaliação pela respectiva CT e, posteriormente, para o Plenário. Todas as reuniões do Conama são públicas, todavia, enquanto no Plenário e nas CTs somente os conselheiros podem votar, nos GTs todos os presentes podem influenciar a decisão. Sendo assim, os GTs são os fóruns que permitem a especialistas e diferentes grupos de interesse influenciar diretamente as normas criadas pelo conselho. De forma geral, podem ser identificados cinco grupos dentro do Conama: governo federal, governos estaduais, governos municipais, movimentos sociais e empresas. No período 2005-2006,1 o Conama tinha 40 representantes do governo federal, 27 representantes dos governos estaduais, oito representantes dos governos municipais, 22 representantes dos movimentos sociais, oito representantes das empresas – incluindo associações da agricultura, indústria, do comércio e transporte –, e um conselheiro honorário. Além destes, ainda participavam, sem direito a voto, representantes do Ministério 1. O número total de conselheiros no Conama flutua ao longo do tempo, não apenas devido ao fato de o governo federal ter direito a uma vaga por ministério ou secretaria – o que pode variar de um momento político para outro –, como também por nem sempre todas as vagas dos movimentos sociais e ONGs estarem preenchidas. Por questão de consistência, a análise aqui apresentada foi feita para o período 2005-2006, com base no documento Presença de conselheiros nas reuniões plenárias ordinárias e extraordinárias do Conama realizadas nos exercícios 2005 e 2006 (BRASIL, 2006). Capacidade Ambiental e Emulação de Políticas Públicas... 267 Público Federal, Ministério Público Estadual e Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados (BRASIL, 2006). Embora a distribuição de votos não seja considerada perfeitamente equilibrada, a influência no Conama parece estar mais relacionada ao grau de envolvimento do que ao número de conselheiros. O governo federal tem quase 40% dos votos no Plenário, mas seu poder no Conama parece ser variável. Quando as resoluções afetam diretamente seus interesses, a Casa Civil mobiliza todos os ministérios e os orienta como devem votar (GOV01; GOV03; ONG01).2 Por outro lado, quando a Casa Civil não toma nenhuma iniciativa, os conselheiros do governo federal votam de acordo com seus interesses setoriais e muitas vezes de forma inconsistente (ACSELRAD, 1995). Outro problema identificado refere-se ao fato de os órgãos federais, com exceção das agências ambientais, não considerarem o Conama uma prioridade. Conforme apresentado no gráfico 1, no período analisado o governo federal enviou conselheiros titulares a menos de 25% das reuniões; na realidade os ministérios normalmente enviam conselheiros substitutos, que possuem menos peso político e habilidade de negociação. Além disso, o governo federal troca de representantes muito frequentemente (IND02; ONG01), o que não permite que os conselheiros se familiarizem com o regimento interno, diminuindo sua capacidade de influenciar as votações. Sendo assim, apesar de possuir grande maioria dos votos, a capacidade do governo federal em direcionar as decisões do Conama é variável. GRÁFICO 1 Presença dos conselheiros nas reuniões ordinárias e extraordinárias do Conama entre 15/2/2005 e 12/4/2006 100. 80. 60. 40. 20. 0. Governo federal Governo estaduais Ausente Governo municipais Substituto ONGs Empresas Titular Fonte: Brasil (2006). 2. Por motivos de confidencialidade, e conforme acordado com os entrevistados, seus nomes não são divulgados e as informações obtidas são identificadas por códigos: utiliza-se GOV para representantes do governo, IND para representantes das empresas e ONG para representantes de organizações não governamentais e movimentos sociais. 268 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 Assim com o governo federal, o grupo dos governos estaduais também têm um baixo envolvimento com o Conama. Este é o grupo com maior número de ausências em termos relativos, o que sugere que raramente vote uma matéria de forma decisiva. Além disso, seus representantes normalmente tomam decisões de acordo com interesses regionais, o que os enfraquece como setor (ACSELRAD, 1995). O grupo dos governos municipais é o que possui menos força dentro do Conama. Sua influência é limitada não apenas pelo pequeno número de representantes, mas também pela limitada disponibilidade de técnicos para acompanhar as reuniões. Apesar de ser o grupo com maior participação de titulares no Plenário, raramente os municípios enviam técnicos para reuniões de GTs e CTs, conforme mostrado na discussão sobre as resoluções sobre resíduos de pilhas e baterias. Essa análise sugere que os três níveis de governo têm uma participação limitada nas decisões do Conama. Isto poderia ser uma oportunidade para que os movimentos sociais – o terceiro maior grupo dentro do Conama – tomassem a liderança do conselho; entretanto isso não parece acontecer. Os representantes das organizações não governamentais (ONGs), com algumas exceções, não são suficientemente preparados para participar de forma efetiva do Conama, e apenas poucas entidades têm suficiente apoio técnico ou legal. Além destas dificuldades, como muitos dos representantes dos movimentos sociais possuem outras atividades profissionais, eles dedicam apenas parte de seu tempo às organizações e não estão sempre disponíveis para participar das reuniões dos GTs e CTs (GOV06). As empresas também não parecem concentrar muitos esforços nas reuniões do Plenário, e sua presença assemelha-se àquela das ONGs, com os titulares participando apenas de 40% dos encontros. Por outro lado, estas tendem a compensar seu pequeno número de votos no Plenário por meio de uma intensa participação nos estágios iniciais de elaboração das resoluções e formam o grupo mais ativo nas CTs e, principalmente, nos GTs, conforme será discutido na subseção 3.2. De forma geral, o debate nos GTs são polarizados entre as empresas e as agências ambientais federais (GOV01; GOV04), entretanto, como as primeiras possuem representantes melhor preparados, não é raro vencerem as discussões com os técnicos do governo (GOV05). Essa estratégia de concentrar esforços nos GTs parece ser bastante eficaz; os GTs são abertos à participação pública, não há limites ao número de participantes e qualquer pessoa pode apresentar propostas. Embora os GTs não sejam deliberativos, quando estes são encerrados, as propostas já estão próximas de sua versão final, sofrendo apenas correções menores nas demais instâncias (GOV07). Sendo assim, as propostas de resolução, preparadas sob grande influência das empresas são, muitas vezes, aquelas aprovadas pelo Plenário do Conama. Capacidade Ambiental e Emulação de Políticas Públicas... 269 Dessa forma, há indícios de que o grau de influência no Conama não é determinado pelo número de conselheiros no Plenário, mas sim pela organização e capacidade de participação dos diferentes grupos de interesse nos vários níveis do conselho. Apesar de seu reduzido número de conselheiros, as empresas superam os demais grupos tanto em termos de equipe disponível quanto de coesão e, como dominam a fase inicial de formulação das resoluções, definem a essência das normas. Esta dinâmica pode ser claramente identificada na experiência das resoluções para resíduos de pilhas e baterias. Entretanto, antes de avaliar as resoluções propriamente ditas, será analisado o contexto legal no qual estas surgiram. 3.1.2 Resoluções para resíduos sólidos: lei ou acordo? A preocupação com uma Política Nacional de Resíduos Sólidos foi consolidada no setor ambiental como um desdobramento indireto da Conferência das Nações Unidas para Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992. A partir de um contato mais próximo com as experiências europeias, alguns atores políticos preocupados com problemas ambientais – dentro e fora do Conama – passaram a demandar uma legislação específica para os resíduos sólidos (GOV05; ONG01). Quatro anos após a Rio-92, o Conama criou um GT específico para propor diretrizes para a gestão de resíduos sólidos no país. As entidades envolvidas esperavam enviar estas diretrizes ao Congresso Nacional para servirem de base para a PNRS. O princípio da RPC era um dos principais – e mais controversos – aspectos desta nova política. Meu interesse aqui é que a gente realmente avance, e aí com base nos preceitos da Agenda 21 sobre resíduos e na experiência internacional. Eu tinha tido a oportunidade de participar de seminários na Alemanha e na França sobre essa questão, fizemos até um seminário nacional (...) e a gente viu que a questão da Responsabilidade Pós-Consumo era uma coisa que precisava... Para resolver a questão de resíduos não poderíamos passar ao largo dela (...)” (GOV01). O GT reuniu-se por mais de dois anos e, apesar da resistência das empresas, a proposta de resolução foi aprovada pelo Plenário em 1999. O projeto discutido pelos membros do Conama criava a RPC no país e definia que tipos específicos de resíduos teriam tratamentos diferenciados, cabendo ao próprio Conama deliberar sobre estes procedimentos. Sendo assim, formaram-se GTs para discutir resolução para embalagens, lâmpadas fluorescentes, pneus e baterias. Embora as iniciativas para embalagens e lâmpadas estejam em tramitação no Conama há quase dez anos, as resoluções para baterias – no 257/1999, revista como no 401/2008 – e para pneus – no 258/1999 – foram aprovadas ainda em 1999. 270 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 Os conselheiros esperavam que o respaldo do Conama fosse suficiente para garantir a aprovação do projeto da PNRS no Congresso, e o enviaram para a Casa Civil para que fosse apresentado como Projeto de Lei do Executivo. Entretanto, naquele momento, a documentação não foi encaminhada ao Congresso, devido à falta de vontade política do Executivo em enfrentar a oposição das empresas à RPC (GOV01; GOV04; IND01). Como alternativa, o projeto foi levado à Câmara dos Deputados, mas apensado aos projetos de lei sobre o tema que já vinham tramitando naquela casa. Em setembro de 2007, o Executivo finalmente enviou um projeto de lei para a Câmara, novamente propondo instrumentos com base na RPC, e este foi também apensado aos projetos de lei sobre o assunto que tramitam no congresso desde 1991 (BRASIL, 2009). Sem o apoio legal da PNRS, as duas resoluções aprovadas pelo Conama caíram em um vácuo legal, o que gerou um debate sobre sua validade jurídica. As empresas alegavam que somente leis aprovadas pelo Congresso poderiam criar obrigações e questionavam se o Conama tinha poderes para implantar a RPC. Por outro lado, o setor ambiental, argumentava não ser necessária uma lei específica, uma vez que a Lei no 9.605/1998 define como crime ambiental “(...) instalar ou fazer funcionar (...) estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores (...) contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes” (BRASIL, 1998). Segundo esta interpretação, as resoluções para resíduos sólidos seriam mais uma norma ambiental e não necessitariam ser regulamentadas por lei específica. Entretanto, em termos práticos, o resultado desta dupla interpretação foi um acordo voluntário entre empresas e setor ambiental do governo. Tudo o que foi feito de legislação com Responsabilidade Pós-Consumo está na base de acordo de cavalheiros. Como foi uma resolução negociada entre as partes, ninguém vai questionar a constitucionalidade dela. Mas de fato elas são [inconstitucionais], porque não há uma lei que obrigue ninguém a ter Responsabilidade Pós-Consumo (GOV02). Esse entendimento foi aceito por diferentes grupos de interesse e as normas aplicadas com base nessa percepção. Esta foi, inclusive, a interpretação da Procuradoria Geral do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), ao afirmar que (...) o texto usa com freqüência a expressão ‘os fabricantes e importadores deverão’ no lugar de ficam obrigados, deixando de impor conduta determinada para prestigiar o caminho da orientação ambiental. (...) Porém, se de um lado, normas com este conteúdo, afasta (sic.) eventual crítica de violação do princípio da legalidade, de outro, corre-se o risco de não ser cumprida por conduzir raciocínio e interpretação no viéz (sic.) de regra facultativa (SILVA, 2006). Entretanto, independente dessa incerteza legal, as resoluções para resíduos de pilhas e baterias seriam capazes de apenas criar resultados marginais. A partir da próxima seção, será estudado o ciclo de políticas públicas dessa norma. Capacidade Ambiental e Emulação de Políticas Públicas... 271 Segundo essa análise, limitações institucionais permitiram que as resoluções fossem implantadas com brechas na redação, o que facilita o seu cumprimento sem uma melhoria efetiva do desempenho ambiental das empresas. 3.2 O ciclo das resoluções para resíduos de pilhas e baterias 3.2.1 Definição do problema O Brasil produz cerca de 800 milhões de pilhas comuns e 17 milhões de baterias (ABINEE, 2006 apud GOMES; MELO, 2006). Em 2008, foram importadas 7,4 mil toneladas de pilhas alcalinas, 820 toneladas de baterias de lítio e 390 toneladas de baterias de níquel-cádmio (MDIC, 2009). Em termos gerais, pode-se dividir o setor de baterias em quatro grandes grupos: baterias industriais, baterias automotivas, pilhas comuns – alcalinas e zinco-carbono –, e baterias domésticas recarregáveis. Avaliando o desempenho ambiental dos diferentes tipos de baterias, pôde-se observar que, apesar de falhas em alguns grupos, sua gestão no início da década de 1990 vinha funcionando de uma forma relativamente satisfatória. O setor apresentava problemas, porém sua superação dependia mais do aprimoramento dos órgãos de monitoramento ambiental do que de grandes mudanças do ponto de vista legal. A principal fragilidade referia-se ao segmento das baterias domésticas recarregáveis; entretanto, o Conama optou por criar uma norma ampla, que englobasse todos os segmentos. Desde antes da Resolução no 257/1999, baterias industriais com alta concentração de metais pesados já eram consideradas resíduos perigosos, devendo a gestão de seus resíduos ser fiscalizada pelas agências ambientais estaduais. Nesse sentido, qualquer disposição inadequada destas baterias não era decorrente de falhas de legislação, mas do controle inadequado por parte dos órgãos ambientais (IND02). Com relação às baterias automotivas, também havia pequena necessidade de mudanças na legislação. Desde antes da implantação da Resolução no 257/1999, a indústria já havia criado um sistema efetivo de reciclagem para esse grupo de baterias. Como o Brasil não possui reservas de chumbo, a indústria utiliza material importado e, principalmente, reciclado como matéria-prima (IND02). Dados históricos sugerem que, independente da ação do estado, o setor de baterias automotivas já vinha alcançando índices de reciclagem próximos a 98% (OCHOA, 2001). O segmento de pilhas alcalinas e de pilhas de zinco-carbono, por sua vez, também vinha melhorando seu desempenho ambiental. Até os anos 1980, estas baterias tinham altas concentrações de metais pesados; entretanto, para ter acesso ao mercado europeu, os produtores de pilhas decidiram, na década de 1990, reduzir a concentração destes materiais. Os limites de mercúrio adotados na Europa foram alcançados nos dois tipos de pilhas já em 1994 (REIDLER; GÜNTHER, 2000). Além disso, as empresas eliminaram cádmio e mercúrio das pilhas alcalinas em 1999 e das pilhas de zinco-carbono em 2002 (ABINEE, 2002). 272 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 As empresas investiram trinta milhões de dólares para poder eliminar esses metais [cádmio e mercúrio] e isso pode ser comprovado porque o próprio Ministério do Desenvolvimento nos concedeu sistemas de importação de máquinas com isenção de impostos devido a que nós somos um setor altamente exportador, trazemos dólar para o país e com isso trazíamos uma nova tecnologia, ou seja, eliminação definitiva desses dois metais (BRASIL, 2003a, p. 11). Por fim, as baterias recarregáveis para uso doméstico – por exemplo, níquelcádmio – eram as que apresentavam mais problemas. No início dos anos 1990, estas baterias não apenas possuíam uma grande concentração de metais pesados – em particular cádmio, mercúrio e chumbo – como também tiveram seu consumo consideravelmente intensificado, devido ao aumento do uso de laptops, no-breaks e aparelhos celulares (GOV01). As baterias recarregáveis eram, em sua maioria, dispostas de forma inadequada em lixões ou aterros controlados, não preparados para receber este tipo de material. Este grupo de baterias foi o principal motivador da Resolução no 257/99, pois o risco de contaminação do solo por metais pesados chamou a atenção de algumas agências ambientais e organizações ambientalistas. Nos últimos anos, estas baterias foram sendo substituídas por outras que utilizam níquel metal hidreto, porém como não existem dados públicos sobre a participação de cada tipo de bateria no mercado, este grupo de baterias continuou sendo uma das principais fontes de preocupação do setor ambiental. Em resumo, apesar dos principais problemas ambientais referentes a pilhas e baterias estar relacionados às baterias domésticas recarregáveis, o Conama optou por elaborar uma resolução abrangente. Todavia, conforme discutido a seguir, ao longo do processo de discussão, os órgãos ambientais deixaram de se preocupar com as baterias recarregáveis e desviaram sua atenção para as pilhas alcalinas e de zinco-carbono. 3.2.2 Elaboração e implantação da Resolução no 257/1999 O debate sobre disposição inadequada de resíduos de baterias não se iniciou em Brasília, mas em São Paulo, em 1994. Naquele ano, a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) iniciou uma série de reuniões com a Associação Brasileira das Indústrias Elétrica e Eletrônica (Abinee), para definir uma regulamentação estadual para pilhas e baterias. Esta regulamentação se baseava na legislação da Alemanha e da França, e definia limites para a presença de cádmio, mercúrio e chumbo (IND02). Com base no conceito da RPC, a norma estadual exigia que fabricantes e importadores que não respeitassem os padrões seriam obrigados a coletar, tratar e dispor os resíduos pós-consumo de seus produtos. Capacidade Ambiental e Emulação de Políticas Públicas... 273 Em setembro de 1998, o Conama iniciou o debate de uma proposta de resolução para regulamentar a disposição desses produtos no âmbito federal. Baseando-se no projeto de São Paulo, o GT para pilhas e baterias conseguiu chegar a uma proposta de resolução rapidamente. A discussão nestes GTs foi polarizada entre representantes das empresas e do governo federal. Nas três reuniões que ocorreram, participaram em média dez representantes do governo federal e da empresas, dois dos governos estaduais e não mais de um dos governos municipais ou dos movimentos sociais (BRASIL, 1999a). Em abril de 1999, a proposta foi encaminhada para a Câmara Técnica e, em julho, aprovada pelo Plenário sem muitas modificações. O Artigo 1o da Resolução no 257/1999 definia que as pilhas e baterias que contivessem cádmio, mercúrio ou chumbo deveriam ser entregues, após seu esgotamento, a estabelecimentos comerciais ou à rede de assistência técnica autorizada para repasse a fabricantes ou importadores. O Artigo 11, por sua vez, obrigava produtores e importadores a criar sistemas de coleta, transporte e tratamento das baterias usadas; e o Artigo 12 obrigava-os a criar sistemas de reuso, reciclagem, tratamento e disposição final dos resíduos de bateria. Entretanto, o Artigo 13 abria uma exceção e estabelecia que “as pilhas e baterias que atenderem aos limites previstos (...) poderão ser dispostas, juntamente com os resíduos domiciliares, em aterros sanitários licenciados” (BRASIL, 1999b). Em teoria, a resolução parecia seguir corretamente o paradigma da RPC, uma vez que buscava transferir a responsabilidade dos impactos ambientais para as empresas e encorajar a prevenção da poluição. O Artigo 13 seria o principal componente preventivo da resolução, pois se os fabricantes respeitassem os limites definidos, eles evitariam o custo de coletar e dispor as baterias usadas. Quando nós fizemos a resolução, pensando nas baterias, forçou com que as indústrias aperfeiçoassem as tecnologias deles para diminuir as concentrações dos metais. (...) Aí eu gosto sempre de falar do objetivo da Agenda 21, da essência da Agenda 21. Tem dois objetivos na Agenda 21: (…) nos resíduos perigosos, qual é o primeiro objetivo? É a não geração. Qual o segundo? Diminuir concentração de resíduos perigosos (ONG01). Uma análise preliminar sugere que a Resolução no 257/1999 tinha, teoricamente, potencial de se tornar um exemplo de legislação ambiental a ser aplicada no Brasil. Porém, uma análise mais detalhada de seu texto ajuda a entender a limitada eficácia da resolução. Em primeiro lugar, os padrões definidos pela resolução eram conservadores para a realidade das empresas. De acordo com Espinosa e Tenório (2004), os fabricantes de pilhas e baterias nacionais já se enquadravam nos limites criados pelas resoluções, portanto o fator prevenção teria uma função mais retórica do que real. 274 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 Outra limitação da resolução dizia respeito às responsabilidades criadas para as empresas. Da forma como foi redigida, a norma apenas obrigava as companhias a criarem sistemas de coleta, transporte e tratamento das baterias usadas, sem definir padrões mínimos para o desempenho destes sistemas. Esta falha foi transferida para a instrução técnica que regulamentava a resolução, uma vez que esta obrigava as empresas a informarem o tipo e a quantidade de baterias produzidas ou importadas, mas não a quantidade de pilhas que haviam sido recolhidas (IBAMA, 2000). Dessa forma, uma vez implementada a resolução, as empresas precisaram, em essência, criar os sistemas de coleta e tratamento, não tendo que colocá-los em prática. Com base neste fato, pode-se argumentar que a Resolução no 257/1999 sofria da mesma limitação legalista que caracteriza a política ambiental brasileira, baseada no pressuposto de que bastaria existir a lei para que os problemas fossem resolvidos (GUIMARÃES, 1991). Por fim, outra falha da resolução era a ausência de metas e sistemas de controle. Esta questão, porém, é discutida em mais detalhes na próxima seção. 3.2.3 Monitoramento da Resolução no 257/1999 Conforme discutido na subseção 2.2.3, entre os fatores que aumentam as chances de sucesso de um acordo – que também podem ser associados a qualquer outro tipo de política pública – estão a definição de metas quantitativas e a existência de uma estrutura de monitoramento sistemático e regular. Entretanto, estes elementos estavam ausentes na Resolução no 257/1999, diminuindo consideravelmente sua efetividade. O que nós observamos, depois de três anos e dois-três meses de implementação da Resolução, é que ela apresenta algumas falhas que não necessariamente dizem respeito à imputação da indústria ou a falhas da indústria, e sim falhas de redação na Resolução. (...) Controla-se... Consegue-se controlar – pelo texto da Resolução como ela está – muito pouco e, em termos práticos, com exceção de alguns setores já estabelecidos que recolhem, que destinam, que tratam esse tipo de resíduo. (...) Mas ela [Resolução no 257/99] como está nos tem causado, no IBAMA, um trabalho brutal, faraônico de controle, de inúmeros papéis, exigências disso e daquilo, que, na prática, nós vemos como um resultado muito pequeno (...) (BRASIL, 2003b, p. 14). Como não existe um controle efetivo da quantidade de pilhas recolhidas, não é possível utilizar dados oficiais para comprovar o grau de sucesso ou fracasso da resolução. Entretanto, informações produzidas por pesquisas independentes indicam o descumprimento da resolução, bem como um baixo controle das atividades de reciclagem de pilhas e baterias. Com relação à coleta dos resíduos de baterias, em 2001 – dois anos após a aprovação da resolução –, apenas 11% das baterias retornavam aos produtores Capacidade Ambiental e Emulação de Políticas Públicas... 275 (OCHOA, 2001), o que representa um percentual muito baixo. Apesar da afirmação da técnica do Ibama antes citada, pesquisas sugerem que o baixo retorno de pilhas e baterias deve ser atribuído, ao menos em parte, ao baixo comprometimento das empresas. Reidler e Günther (2002) realizaram pesquisa com varejistas e empresas fabricantes de pilhas e baterias no município de São Paulo. As pesquisadoras verificaram que, enquanto os comerciantes varejistas desconheciam suas obrigações, os operadores de teleatendimento dos fabricantes estavam despreparados para orientar consumidores. Ao final do seu trabalho, as autoras sugeriram que as empresas deliberadamente criariam obstáculos à comunicação com os consumidores. Em uma pesquisa mais recente, Gracioli e Marianof (2006) aplicaram questionários a usuários e comerciantes de telefones celulares no município de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. As informações obtidas junto às lojas mostraram que 61% da amostra não tinha interesse em fornecer informação sobre os riscos relacionados à disposição incorreta de baterias; além disso, nenhum representante das empresas soube informar onde as baterias recolhidas eram tratadas. Entre os consumidores entrevistados, 77% afirmaram não ter recebido das lojas informações sobre como proceder no momento do descarte das baterias. Apesar deste baixo índice de informação, as autoras estimaram que cerca de 23% das baterias de celulares retornavam às lojas, o que sugere que, se houvesse um esforço real das empresas, a população aderiria aos sistemas de coleta seletiva de pilhas e baterias. Porém, ao final de sua pesquisa, elas concluíram que não haveria preocupação das lojas e empresas em informar a seus clientes sobre os sistemas de coleta. Entretanto, não era apenas a Resolução no 257/1999 que vinha sendo desrespeitada. Conforme comentado na subseção 3.2.1, os órgãos de monitoramento ambiental no Brasil possuem uma limitada capacidade de controle das atividades poluidoras, e diferentes estudos indicam que, quando há reciclagem de baterias – ao menos no caso das baterias de chumbo-ácido –, estas não são feitas de forma ambientalmente adequada. Em muitos casos, empresas que realizam estas atividades possuem instalações precárias, sem equipamentos de controle de poluição. Tais empresas consistiriam, portanto, em importantes fontes de contaminação por chumbo e impactariam de forma significativa o ambiente e, potencialmente, a saúde dos trabalhadores e das pessoas que vivem em seu entorno (QUITERIO et al., 2006). Mattos et al. (2003) realizaram pesquisa sobre as condições de trabalho em reformadoras de baterias de chumbo na região metropolitana do Rio de Janeiro. Os dados obtidos mostraram que as pessoas empregadas nesta atividade possuíam níveis de chumbo no sangue muito acima do que trabalhadores do mesmo setor em outros países. Nesta investigação, foram visitadas duas fábricas que, apesar de fazerem a reciclagem de baterias, eram licenciadas apenas como revendedoras de material automotivo. 276 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 Em outra pesquisa, também no Rio de janeiro, Quiterio et al. (2006) avaliaram o teor de chumbo no ar próximo a uma reformadora de baterias. Segundo os dados coletados, a presença de chumbo no ar era elevada dentro de um raio de 25 m da empresa, principalmente na direção da saída de ar do sistema de exaustão da fábrica. Algumas das amostras de ar apresentaram concentrações de mais de 180 μg/m3, muito acima do padrão da região, estabelecido em 0,07 μg/m3. As médias das amostras colhidas somente apresentaram valores iguais ao padrão em pontos de coleta localizados a mais de 500 m da reformadora. Outra investigação, realizada por Wowk e Melo (2005) em Paula Freitas, no estado do Paraná, buscou avaliar a contaminação por chumbo do solo no entorno de uma recicladora de baterias. A empresa analisada encontrava-se próxima a um afluente do Ribeirão Rondinha, que deságua no Rio Iguaçu, principal responsável pelo abastecimento da região metropolitana de Curitiba. Algumas das amostras de solo obtidas entre o depósito de escórias da empresa e a margem do ribeirão apresentaram concentrações de chumbo de mais de 2.000 μg/cm³, muito acima do padrão da região de cerca de 20 μg/cm³. Os autores ainda identificaram que o chumbo no solo encontrava-se em formas iônicas de fácil lixiviação em um local onde o lençol freático era bastante próximo à superfície, o que elevava as chances de contaminação. Outra questão de monitoramento que foi desconsiderada pela Resolução n 257/1999 dizia respeito à importação ilegal de pilhas e baterias no país. Segundo dados da indústria, as baterias contrabandeadas, que em muitos casos possuem teores de metais pesados superiores àquelas produzidas no país ou importadas legalmente, representam mais de 30% do mercado brasileiro (BRASIL, 2008a). Apesar da importância desta questão, a resolução, omitia-se quanto a este tema, não propondo ações para tentar modificar a situação. o Dessa forma, apesar de o setor ambiental não ter criado um sistema de monitoramento do cumprimento da Resolução no 257/1999, pesquisas indicam que a norma era duplamente desrespeitada. Primeiramente, as campanhas de educação da população sob responsabilidade das empresas parecem não ter sido implementadas de forma efetiva. Em segundo lugar, em situações onde tem havido coleta e reciclagem, como no caso das baterias automotivas, a reciclagem ocorre de forma precária, contaminando o ambiente e prejudicando a saúde das pessoas. 3.2.4 Revisão – a Resolução no 401/2008 Apesar desses problemas, conselheiros do Conama e organizações ambientais não procuraram melhorar os instrumentos de implementação ou o monitoramento da resolução. Ao invés disso, questionamentos por parte do Ministério Público (MP) desviaram o foco da discussão sobre a resolução para as pilhas alcalinas e de zincocarbono. Em 2001, o MP do Rio Grande do Sul requisitou que o Artigo 13 fosse Capacidade Ambiental e Emulação de Políticas Públicas... 277 modificado e que os fabricantes também criassem sistemas para coleta, tratamento e disposição final de todas as baterias, independentemente da concentração de metais pesados. Seu principal argumento era de que como a maioria dos municípios não possuía aterro sanitário, eles não seriam capazes de cumprir a resolução.3 Essa requisição deu início a um longo e lento processo de discussão da resolução dentro do Conama. O pedido foi feito em outubro de 2001, mas somente levado à Câmara Técnica de Controle e Qualidade Ambiental em abril de 2002, quando foi proposta a criação de um novo GT para debater a resolução. Esta CT discutiu durante seis meses o assunto e, em outubro de 2002, decidiu pela não constituição do GT (BRASIL, 2003b). Em dezembro, o MP de Minas Gerais também solicitou a revisão do Artigo 13 e, no final de maio de 2003, o assunto foi novamente levado para a pauta do Conama, porém dentro da Câmara Técnica de Saúde, Saneamento e Gestão de Resíduos, em que foi discutida a necessidade de revisar a resolução. Em junho, a CT encaminhou um pedido para a Secretaria Executiva do Conama, para que esta se posicionasse tecnicamente. Em setembro, o MP do Rio Grande do Sul instituiu uma Ação Civil Pública para anular o Artigo 13, o que obrigou a CT a criar, apenas em novembro, um GT para revisar a resolução (BRASIL, 2008a). Apesar dos graves problemas envolvendo a falta de coleta de baterias e a contaminação pela reciclagem ambientalmente inadequada, estes problemas pouco foram abordados pelos GTs. Nessa nova rodada de discussão, os debates foram fortemente pautados pelas questões da presença das baterias importadas ilegalmente no mercado nacional e da inexistência de aterros sanitários no país para receber as pilhas e baterias descartadas. Assim como a discussão sobre a necessidade de um novo GT para pilhas e baterias foi vagarosa, as reuniões do GT também ocorreram de forma espaçada e lenta. Os debates foram iniciados pelo GT em janeiro de 2004 e só dois anos mais tarde, em abril de 2006, uma nova proposta de resolução foi encaminhada e aprovada pela Câmara Técnica de Saúde, Saneamento e Gestão de Resíduos. Iniciou-se, então, um novo período de alterações e revisões, agora entre esta CT e a Câmara Técnica de Assuntos Jurídicos, que durou até novembro de 2007. Em março de 2008, a nova resolução foi apresentada ao Plenário do Conama, mas, após cinco meses de discussão, voltou à Câmara Técnica de Saúde, Saneamento e Gestão de Resíduos. Depois de uma nova rodada de discussões entre as CTs, em que foram feitas algumas mudanças significativas, a resolução retornou ao Plenário do Conama, sendo aprovada em setembro de 2008. 3. Neste caso, o MP parece ter agido de forma equivocada, uma vez que diminuiu a cobrança sobre as prefeituras para a instalação de aterros sanitários. O debate sobre o resíduo de baterias intensificou a pressão sobre governos municipais por uma gestão adequada dos seus resíduos sólidos, e modificações na resolução podem reduzir esta pressão. 278 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 O padrão de presença nas reuniões do GT de revisão da resolução mostrou a mesma polarização identificada nas reuniões de 1998-1999. Ao todo houve cinco reuniões do GT e o Conama disponibilizou a lista de presença das quatro primeiras. Em cada uma destas reuniões, estiveram presentes, em média, 12 representantes do governo federal e das empresas, enquanto que os demais grupos – movimentos sociais, governos estaduais e governos municipais – apenas eram representados por uma ou duas pessoas. Um padrão semelhante ocorreu nas reuniões da Câmara Técnica de Saúde, Saneamento e Gestão de Resíduos. Entre maio de 2003 e agosto de 2008, houve 14 reuniões da CT em que a resolução para resíduos de pilhas e baterias foi ponto de pauta. O Conama divulgou a lista de presença de nove destas reuniões, que contaram, em média, com 16 representantes de empresas, 12 do governo federal e apenas um ou dois dos movimentos sociais, governos estaduais e municipais (BRASIL, 2008a). Quase seis anos e meio depois do início do processo de revisão, pode-se afirmar que a Resolução no 401/2008 pouco avançou com relação às principais fragilidades da Resolução no 257/1999. Esta nova resolução herdou algumas falhas da versão anterior, como a falta de metas quantitativas e a ausência de medidas relativas ao contrabando de pilhas e baterias. Além disso, a nova norma também se tornou omissa com relação à falta de aterros sanitários no país. Estas questões são discutidas com mais detalhes a seguir. Assim como a Resolução no 257/1999, a Resolução no 401/2008 inspirou-se fortemente na legislação europeia, em particular, na Diretiva 2006/66/EC, adotando os mesmos padrões de concentração para mercúrio e cádmio. Entretanto, ao contrário da norma europeia, que define metas quantitativas para coleta (25% em 2012 e 45% em 2016) e reciclagem (65% em massa de baterias de chumbo-ácido, 75% em massa de baterias de níquel cádmio e 50% em massa para as demais pilhas e baterias) (EUROPEAN PARLIAMENT, 2006), a resolução brasileira se omite quanto a essa questão (BRASIL, 2008c). Assim como no caso da Resolução no 257/1999, o Termo de Referência criado pelo Ibama para orientar os fabricantes e importadores de pilhas e baterias de acordo com a Resolução no 401/2008 não exige que as empresas prestem contas da quantidade de pilhas e baterias que recolhem (IBAMA, 2009). Uma segunda limitação da Resolução no 257/1999 que foi mantida na nova legislação refere-se a não incorporação de medidas, que buscassem reduzir o contrabando de pilhas e baterias, para o país. A presença de pilhas e baterias com altos teores de metais pesados importadas ilegalmente foi um dos principais argumentos usados pelas empresas para contrapor-se a uma política que as obrigasse a coletar e tratar todas as pilhas descartadas no país. Apesar de tal problema ter sido corretamente identificado, não foi proposta nenhuma iniciativa para tentar impedir a entrada destes produtos no mercado nacional. Capacidade Ambiental e Emulação de Políticas Públicas... 279 Gostaria de chamar atenção dos Conselheiros para um dado, talvez seja Conselheiros que não participaram das discussões. O Brasil consome em média um bilhão e 300 milhões de pilhas por ano, quase 33% desse percentual entra no nosso país por uma forma, que não é responsabilidade do IBAMA, não é do órgão ambiental, não é da sociedade (BRASIL, 2008d, p. 63) O Ibama já tem uma importante tradição no controle de comércio internacional que pode interferir na qualidade ambiental brasileira, como nos casos do contrabando de agrotóxicos ou do comércio ilegal de espécies silvestres. Esta atividade, na maioria das vezes, é realizada em parceria com agentes da Polícia Federal. Tal experiência poderia ser transferida para o caso das pilhas e baterias, se estas fossem consideradas uma prioridade. Entretanto, ao invés de propor e discutir a inserção de tal iniciativa na resolução, o setor ambiental acabou por se omitir da questão, restringindo-se a uma proposta de recomendação à Polícia Federal para que intensificasse o controle da entrada ilegal de pilhas e baterias no país (BRASIL, 2008b).Por fim, um aspecto no qual a nova resolução parece ser mais frágil que a anterior é a retirada da discussão dos aterros sanitários. Na verdade, a Ação Civil Pública que o MP do Rio Grande do Sul instituiu contra a Resolução no 257/1999 foi o fator que desencadeou o processo de revisão. Entretanto, quando a nova versão foi apresentada ao Plenário pela primeira vez, esta ainda exigia que algumas pilhas e baterias fossem encaminhadas para aterros sanitários, sendo esse um dos possíveis motivos pelos quais Resolução no 401/2008 não foi aprovada. Somente em julho de 2008, em uma reunião da Câmara Técnica de Saúde, Saneamento e Gestão de Resíduos, o representante do Ministério da Saúde propôs substituir a exigência pelo termo “destinação ambientalmente adequada, de responsabilidade exclusiva do fabricante ou importador”, que foi incorporado ao Artigo 6o da resolução. Esta mudança de nomenclatura solucionou o conflito do Conama com o MP, porém não resolveu o problema concreto da disposição das pilhas e baterias. Como conclusão, o processo de revisão terminou por elaborar uma resolução tão vulnerável quanto à anterior. Neste sentido, há evidências de que o Conama aprovou uma norma que, de antemão, já sabia que não seria colocada em prática. A ideia de nós colocarmos o limite máximo era exatamente que esse limite tivesse o teor tal, que você pudesse dispor ela junto com o lixo e não tivesse problema, porque a contaminação ou um resíduo em contaminação, qualquer resíduo tem. Então, essa era a preocupação, porque nós vimos que a estratégia do recolhimento não funciona; e outra, quem tem programa de recolhimento hoje, ele recolhe metade ou mais da metade do que vai para o lixão, o país não tem capacidade de reciclar isso ou de dar um tratamento ambiental, isso é realidade (BRASIL, 2008d, p. 59). planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 280 Porém, essa não é uma particularidade do Conama, e pode ser identificada no setor ambiental brasileiro como um todo. Pelo menos essa é a conclusão que Ames e Keck (1997, p. 29) apresentam em sua análise das políticas ambientais no Brasil. Em seu trabalho, os autores afirmam que, em muitos casos, ao fim do processo de elaboração da legislação, nem atores públicos, nem atores privados têm expectativa de que as normas sejam cumpridas. Uma vez concluído o processo de revisão, o país passou a contar com uma nova regulamentação para pilhas e baterias. Uma vez que a Resolução no 401/2008 também não define instrumentos de monitoramento e controle, o impacto final da norma só poderá ser verificado nos próximos anos, a partir de novas pesquisa e investigações. 4 CONCLUSÕES O principal objetivo deste artigo foi analisar como uma experiência baseada em RPC, um paradigma essencialmente europeu, desenvolveu-se no contexto brasileiro, que apresenta uma capacidade institucional distinta daquele encontrada na Europa. Para isso, discutimos o conceito de capacidade institucional; apresentamos aspectos contextuais e conceituais da RPC; e comentamos o processo de definição do problema, da elaboração, implantação, do monitoramento e da revisão das resoluções para resíduos de pilhas e baterias. Ao longo da pesquisa, foram percebidos problemas na resolução, decorrentes, principalmente, de limitações institucionais do setor ambiental. Nesta seção, primeiramente confrontamos alguns aspectos da RPC com a experiência brasileira das resoluções para resíduos e pilhas e baterias. Em seguida, fazemos uma análise das principais limitações institucionais identificadas no setor ambiental do Brasil. A discussão sobre o conceito da RPC permitiu identificar três pressupostos que compõem a sua base: transferência de responsabilidade, desenvolvimento de tecnologias preventivas e uso de políticas flexíveis e participativas. Todavia, os dados empíricos sugerem que, embora estes pressupostos possam ser associados às resoluções para resíduos de pilhas e baterias, nenhum destes foi plenamente considerado e incorporado na implantação das normas. As resoluções podem ser consideradas tentativas de transferir as responsabilidades pelos resíduos de pilhas e baterias para os fabricantes e importadores, porém, as agências ambientais não possuem recursos para garantir que as empresas estejam cumprindo suas responsabilidades. Análises independentes sugerem que tais responsabilidades vêm sendo negligenciadas; portanto, apesar de ter havido transferência legal de responsabilidade, esta não existe na prática. Por meio deste estudo, não foi possível verificar se as resoluções levaram as empresas a adotar tecnologias preventivas. No início dos anos 2000, as empresas adquiriram novos equipamentos que permitiram a eliminação de alguns metais Capacidade Ambiental e Emulação de Políticas Públicas... 281 pesados das pilhas alcalinas e zinco-carbono; entretanto os dados levantados sugerem que estas foram motivadas por pressões do mercado externo, e não pela Resolução no 257/1999. O aspecto tecnológico deve ser observado com mais cuidado pelos defensores da RPC, e é preciso que eles considerem a limitada capacidade tecnológica do Brasil. Uma vez que pouca tecnologia ambiental é desenvolvida nacionalmente, uma norma isolada que exija técnicas avançadas de controle ou prevenção da poluição poderá levar à importação de equipamentos – aumentando a dependência tecnológica do país – ou ao cumprimento das regras sem as tecnologias adequadas – como no caso da reciclagem de baterias de chumbo-ácido. Para evitar estas situações, não se deve flexibilizar a legislação ambiental, porém parece ser desejável que as políticas ambientais sejam elaboradas em conjunto com iniciativas de desenvolvimento e promoção de tecnologia consistente com a realidade local e acessível para as empresas que atuam no país, motivando estas companhias a adotar soluções mais adequadas ao contexto nacional. Com relação a uso de instrumentos flexíveis e participativos, esse caso mostra a adoção de acordos voluntários e uma limitada participação. A resolução foi encarada como um acordo voluntário que, por não preencher todas as condições necessárias, apresenta algumas falhas. As dinâmicas participativas devem ainda ser aprimoradas, uma vez que o estudo da presença nas reuniões dos GTs e CTs mostra uma polarização do debate entre empresas e governo federal e um limitado envolvimento dos demais atores – movimentos sociais, governos estaduais e municipais. As informações levantadas não permitem uma análise das causas desta baixa participação e esta questão deve ser pesquisada em maior profundidade. Considerando esses aspectos, as Resoluções no 257/1999 e no 401/2008 representam um caso de RPC que obteve resultados muito limitados. Todavia, não se deve desmerecer o Conama ou menosprezar o esforço que muitas pessoas e instituições têm feito para aprimorar a regulamentação ambiental no país. Apesar deste esforço, as capacidades ambientais e o contexto social e institucional do Brasil são muito distintos do europeu, o que ajuda a explicar a baixa eficácia de práticas baseadas na RPC no país. Primeiramente, o Brasil parece ter uma baixa capacidade para criar novas normas e instrumentos para lidar com seus problemas ambientais. Esta característica pode ser identificada na opção de emular modelos, políticas e instrumentos ambientais de outros países, em vez de criar soluções próprias e adequadas à sua realidade. Em segundo lugar, a capacidade consensual das agências ambientais também precisa ser mais desenvolvida. Por questões históricas e culturais o setor ambiental encontra-se isolado do centro de decisão, e superar este distanciamento talvez seja o maior desafio a ser superado pelas agências ambientais. No caso específico das resoluções para resíduos, este isolamento se mostra na incapacidade do setor 282 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 ambiental de garantir a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos ou de conseguir recursos suficientes para um monitoramento ambiental adequado de atividades potencialmente poluidoras. Por fim, a capacidade estratégia dos órgãos ambientais deve ser discutida em maior profundidade. Uma das falhas das resoluções para resíduos de pilhas e baterias é a falta de políticas públicas complementares. Apesar da Resolução no 257/1999 estar, teoricamente, relacionada a outras iniciativas do ponto de vista dos resíduos sólidos – como a Resolução no 258/1999 para resíduos de pneumáticos –, esta foi uma ação isolada de outras iniciativas que dizem respeito ao setor de pilhas e baterias. Durante o debate sobre a revisão da resolução, foram feitas referências a programas de incentivos fiscais criados pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, mas a resolução não menciona, nem sugere tais iniciativas. Conforme discutido anteriormente, a resolução também aparece como uma política exclusivamente federal, com baixo envolvimento dos órgãos ambientais estaduais e municipais que seriam, em teoria, os responsáveis pela fiscalização de seu cumprimento. Além disso, pesquisas com consumidores indicam que a sociedade não foi devidamente informada sobre a resolução, limitando o controle social e a mobilização da opinião pública. Nesse sentido, a falta de monitoramento aparece como uma das principais limitações das resoluções. Em primeiro lugar, não houve uma definição clara da responsabilidade e obrigação de cada grupo de interesse, o que inviabiliza a cobrança das atribuições. Outro fator que dificulta o monitoramento é a ausência de metas quantitativas para a coleta de pilhas e baterias, conforme discutido na subseção 3.2.4. De acordo com a análise crítica apresentada por Barros (2003, p. 326), (...) [o]s órgão ambientais do governo são os próprios agentes determinantes da ausência de indicadores de sua performance. Essa situação é benéfica para o governo, uma vez que enfraquece eventuais críticas sobre a atuação. Além da omissão sobre metas, a nova versão da resolução também deixa de abordar temas problemáticos, como a questão da falta de aterros sanitários no país e o comércio ilegal de pilhas e baterias. Sendo assim, a análise do processo de elaboração, implantação e revisão das resoluções para resíduos de pilhas e baterias ajuda a identificar algumas das causas de sua baixa efetividade. Primeiramente, estas foram implantadas como um acordo voluntário, porém não preenchem os requisitos necessários para ser um acordo eficaz. Além disso, como a limitada capacidade do setor ambiental permitiu a elaboração de uma resolução falha, mesmo que a norma recebesse o respaldo jurídico da PNRS, esta continuaria sem produzir efeitos significativos. Ações pontuais para melhoria Capacidade Ambiental e Emulação de Políticas Públicas... 283 das resoluções ou do Conama – tais como a definição de critérios quantitativos de monitoramento, a vinculação a outras políticas públicas, a criação de parcerias com os demais órgãos públicos ou a facilitação da participação dos representantes dos movimentos sociais – poderiam ser adotadas como forma de aprimorar esta ou outras normas ambientais. Todavia, o caso das Resoluções no 257/1999 e no 401/2008 sugere que regulamentações realmente eficazes somente surgirão após medidas articuladas, que busquem adequar as normas brasileiras à capacidade dos órgãos ambientais no país. Dessa forma, como argumento final, defende-se que as agências de meio ambiente devam adotar instrumentos e políticas que sejam coerentes com sua capacidade institucional. Conforme afirmou Weidner (2002), mesmo que países periféricos adotem propostas e componentes de políticas ambientais semelhantes àqueles utilizados em países industrializados, as diferenças em termos de interações e relações contextuais são suficientes para gerar resultados muito distintos. Da mesma forma, Jänicke (1992, p. 47) alerta que a capacidade material, institucional e sociocultural de um país são mais relevantes na determinação dos resultados de políticas ambientais do que os instrumentos escolhidos. Portanto, a opção de se buscar “solucionar” problemas ambientais pela emulação de normas internacionais complexas e desconectadas do contexto institucional e social do país parece não só equivocada, mas mesmo um desperdício de esforços e recursos. Se o Brasil, ou outros países como baixa capacidade ambiental, deseja se “inspirar” nos países líderes na questão ambiental, deve primeiro garantir as condições de operação de políticas e instrumentos pelo desenvolvimento de suas capacidades institucionais. Alternativamente, estes podem, a partir do conhecimento de sua realidade local, criar instrumentos próprios e adequados ao seu contexto, que sejam, talvez, mais simples, mas nem por isso menos eficazes. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 284 REFERÊNCIAS ACSELRAD, H. Repensando o Conama: elementos para a discussão. Relatório Final da pesquisa Avaliação do Conselho Nacional de Meio Ambiente – Conama (1993-1994). Rio de Janeiro: Ibase, 1995. AMES, B.; KECK, M. E. The politics of sustainable development: environmental policy making in four Brazilian states. Journal of Interamerican Studies and World Affairs, v. 39, ano 4, p. 1-40, 1997. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA ELÉTRICA E ELETRÔNICA (ABINEE). 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O método Data Envelopment Analysis (DEA) é utilizado para a mensuração da eficiência relativa dos estados brasileiros na geração de desenvolvimento humano e na redução de suas desigualdades internas. A partir deste prisma, discutimos as desigualdades regionais, buscando analisar a possibilidade de convergência nos níveis de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre os estados brasileiros por meio do cálculo do Índice de Malmquist e de suas decomposições. Os resultados obtidos mostram uma clara divisão regional entre as regiões Centro – Sul e Nordeste, além de constatar uma convergência nos níveis de IDH entre os estados brasileiros, divididos em três subgrupos – clubes de convergência. Palavras-chave: DEA; Desigualdades Regionais; Tributação; Convergência. Regional Inequalities and Welfare in Brazil: How Efficient Has Been the States Taxation Activity for Society? Our purpose is to analyze the efficiency of Brazilian states concerning the generation of welfare during 1991-2000. We adopt the methodology of Data Envelopment Analysis (DEA) in order to measure the relative efficiency. The focus is the states’ ability to increase human development and to reduce income inequalities. In such perspective we discuss regional inequality and the possibility of convergence on the HDI rank among Brazilian states via computing Malmquist Index and its decompositions. The results show a clear regional gap between Central-South and Northeast states. The possibility of convergence on the HDI rank seems to be into three sub-groups (convergence clubs). Key words: DEA; Regional Inequalities; Taxation; Convergence. ¿Las desigualdades regionales y el bienestar en Brasil: cómo eficaz ha sido la actividad fiscal de los estados para la sociedad? El objetivo de este artículo es analizar la eficacia de los Estados de Brasil en la generación de bienestar después del período 1991-2000. El metodo Data Envelopment Analysis (DEA) se utiliza para mensurar la participación de los Estados de Brasil en la generación de desarrollo humano y redución de la desigualdad interna. A partir de este punto vamos examinar las disparidades * Professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie, doutorando em Administração Pública e Governo pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP)/Fundação Getulio Vargas (FGV). E-mail: [email protected] ** Doutorando em Economia pela Escola de Economia de São Paulo (EESP) da FGV, mestrando em Desenvolvimento Econômico na Universidade de Sussex/UK e pesquisador do Centro de Estudos em Microfinanças da FGV de São Paulo (SP). E-mail: [email protected] *** Economista formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: [email protected] planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 292 regionales, con la possibilidad de convergencia en los niveles de IDH (Índice de Desarrollo Humano) dentre los Estados de Brasil, a partir del calculo del Índice de Malmquist y su descomposición. Los resultados obtenidos muestran que hay una división bien definida en las regiones Centro-Sur y Noreste, así como tomando nota de la convergencia en el rango de IDH entre los estados brasileños, divididos en tres sub-grupos (clubes de convergencia). Palabras-clave: DEA; Desigualdades Regionales; Fiscalidad; Convergencia. Inégalités régionales et le bien-être au Brésil: comment efficace a été l’activité fiscale des états pour la société? L’objectif de ce papier est d’analyser l’efficacité des États du Brésil dans la production de bien-être dans les périodes de 1991-2000. La méthode d’enveloppement des données (DEA) est utilisé pour mesurer l’efficacité relative des États brésiliens dans la génération du développement humain et la réduction de leurs inégalités internes. Dans cette perspective, nous discutons de l’inégalité régionale qui vise à analyser la possibilité de la convergence sur l’IDH entre les états brésiliens du calcul de l’indice Malmquist et ses décompositions. Les résultats montrent une claire répartition régionales entre le Centre-Sud et Nord-Est, ainsi que de noter une convergence sur le classement selon l’IDH entre les états brésiliens, divisé en trois sous-groupes (clubs de convergence). Mots-clés: DEA; Inequalities Régionales; Fiscalité; Convergence. 1 INTRODUÇÃO O objetivo deste artigo é analisar a eficiência dos estados brasileiros na geração de bem-estar, com um enfoque nas desigualdades regionais, a partir da análise conjunta da eficiência na geração de desenvolvimento e na redução das suas desigualdades internas. Além disso, este trabalho analisa uma possível convergência dos níveis de desenvolvimento humano entre os estados brasileiros. A análise de eficiência deste trabalho baseia-se no método Data Envelopment Analysis (DEA), ou Análise Envoltória de Dados, que concerne a um modelo não paramétrico – não segue nenhuma distribuição de probabilidade – e utiliza-se de Programação Linear para realizar os cálculos de eficiência relativa por meio de funções de fronteira deterministas, ou seja, não se permite observações acima da fronteira e os desvios advêm do uso ineficiente da combinação do insumo e do produto. Os produtos são o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), elaborado pela Organização das Nações Unidas (ONU), e o inverso do Índice L de Theil, sendo o primeiro o produto de qualidade de vida e o segundo o produto de desigualdade. Para ambos os casos, os insumos são as receitas e transferências tributárias de cada um dos 26 estados brasileiros e o Distrito Federal, sendo que o período para todos os dados são 1991 e 2000. Este artigo possui mais cinco seções além da introdução e da conclusão. Na segunda seção discutimos os fundamentos teóricos que norteiam a análise empírica. Na terceira seção explicamos a metodologia do DEA e a base de dados utilizada. Na quarta são apresentados os modelos de eficiência na geração de desenvolvimento humano. Na quinta são mostrados os resultados de eficiência Desigualdades Regionais e Bem-Estar no Brasil... 293 na redução de desigualdade. A sexta seção analisa os resultados obtidos nas duas seções anteriores, incluindo uma discussão acerca das desigualdades regionais observadas, aventando-se a ocorrência – ou não – de convergências nos níveis do IDH entre os estados brasileiros a partir dos resultados obtidos com o cálculo do Índice de Malmquist e suas decomposições. 2 DA TRIBUTAÇÃO À DESIGUALDADE REGIONAL: UMA DISCUSSÃO EM DIREÇÃO AO BEM-ESTAR Esta seção tem por objetivo apresentar os fundamentos teóricos que guiam a discussão e a análise empírica deste artigo. São três os temas abordados: desigualdade regional, tributação/federalismo fiscal e bem-estar. 2.1 Desigualdade regional no Brasil Uma das características marcantes do Brasil é a desigualdade econômica entre indivíduos e regiões. Do ponto de vista regional, o que se observa é uma concentração relativa de produção e renda nas regiões Sul e Sudeste e maior nível de pobreza nas regiões Norte e Nordeste. Em Furtado (2000), apresentam-se os elementos históricos da reversão econômica, que se dá com a decadência da cana-de-açúcar no Nordeste e a ascensão da mineração no Sudeste, posteriormente suplantada pelo ciclo cafeeiro. As bases de infraestrutura econômica criadas pela economia cafeeira garantiram a expansão industrial de São Paulo (CANO, 1998a). Nos períodos posteriores, duas fases antepuseram-se. A primeira, que vai da década de 1930 até o começo dos anos 1970, foi marcada pela intensa industrialização e pelo aumento da desigualdade regional, já que o Sudeste do país foi o grande beneficiário. A segunda fase, que vai de meados dos anos 1970 até o fim dos anos 1980, é caracterizada pela redução das desigualdades regionais. Esta menor disparidade entre as regiões foi fruto dos projetos do II Plano Nacional de Desenvolvimento, cujas localizações eram mais distribuídas pelo território, e pela crise da década de 1980, que afeta sobremaneira os grandes centros – como São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo – em relação às demais regiões. Um terceiro período, a partir da década de 1990, não aponta para uma direção específica, qual seja da redução ou da acentuação das desigualdades regionais (CANO, 1998b). Do ponto de vista da teoria da Economia Espacial, Fujita, Krugman e Venables (2000) mostram que o desenvolvimento do setor industrial, com economias de escala, em uma economia fechada ao comércio exterior e com custos de transportes não muito elevados, tende a criar aglomerações populacionais e econômicas. Isto caracteriza uma estrutura espacial com centro(s) e periferia(s) no país, o que significa desigualdade regional. Essa questão da desigualdade acaba se refletindo nas medidas compensatórias de políticas públicas, como a criação de Fundos de Participação de Estados e Municípios, planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 294 que teriam por finalidade redistribuir recursos dos entes federativos mais ricos aos mais pobres. A questão que surge, portanto, é se tais recursos estão sendo empregados por parte do setor público de modo a diminuir as disparidades socioeconômicas. 2.2 Federalismo fiscal, transferências e tributação A análise da eficiência na geração de bem-estar parte do pressuposto de que os estados brasileiros buscariam gerar maior bem-estar social aos indivíduos a partir do uso de suas receitas e transferências tributárias, ou seja, os estados buscam prover bens públicos para gerar maior bem-estar social. Assim, a descentralização fiscal e administrativa que os estados brasileiros possuem gera possibilidades de estes estados serem mais eficientes na alocação dos recursos, devido ao fato de gozarem de autonomia federativa para alocar os recursos de uma forma que reflita melhor as necessidades específicas de sua região e também realizar experimentos e inovações na provisão de bens e serviços públicos (SHIKIDA; MILTON; ARAÚJO JR., 2007). Nesse contexto, Tiebout (1956) afirma que os setores governamentais locais podem agir como empresas em mercados competitivos; assim, com o crescimento da competição entre as jurisdições locais para prover melhores bens e serviços públicos, haveria uma tendência de estas jurisdições realizarem uma provisão Pareto-eficiente de bens e serviços públicos. Porém, esta maior autonomia gerada pela descentralização fiscal e administrativa pode também causar maiores facilidades para criar ineficiências na geração de bem-estar social por parte dos entes federativos, já que há a possibilidade de grupos de interesses locais capturarem parte deste bem-estar social gerado pela provisão de bens e serviços públicos, uma vez que estes grupos podem realizar pressões para que os recursos sejam direcionados para a provisão de bens e serviços que atendam a seus interesses privados, diminuindo o bem-estar social da coletividade. 2.3 Bem-estar social Embora poucas pessoas discordem de que o bem-estar é um fenômeno multidimensional, a maior parte das análises sobre pobreza, desigualdade e bem-estar permanece atribuindo um peso elevado, senão exclusivo, às variáveis monetárias.1 Medidas tradicionais de desigualdade, como os índices de Gini, Theil e o próprio índice de Atkinson, são frequentemente associados à desigualdade de renda de uma distribuição; porém, deixam para segundo plano o aspecto multidimensional da desigualdade (ATKINSON; BOURGUIGON, 1982; DARDANONI, 1995). Contudo, quando o foco é o bem-estar, é imprescindível considerar outras variáveis, ao menos tão importantes para a caracterização da qualidade de vida de uma pessoa quanto à renda (SEN, 1992, 1997). Este exercício passa por duas etapas. A primeira 1. Deve-se notar que há um número crescente de trabalhos utilizando indicadores multidimensionais de pobreza e bem-estar. Para uma aplicação para o município de Porto Alegre, ver Picolotto et al. (2007). Desigualdades Regionais e Bem-Estar no Brasil... 295 concerne à escolha das variáveis relevantes, isto é, refere-se à construção do espaço informacional no qual serão avaliadas as diferentes dimensões que compõem o bem-estar. A segunda envolve a construção de funções de agregação – índices ou escolha de uma função de bem-estar social. O exercício, portanto, envolve fundamentalmente um problema de ordem normativa (SEN, 1992). Apesar das dificuldades associadas às formulações de funções de bem-estar social, a literatura avançou consideravelmente nos últimos 30 anos (SEN, 1997). Indicadores como o IDH e o Índice de Pobreza Humana (IPH), por exemplo, são tentativas empregadas para lidar com a multidimensionalidade. Em trabalhos aplicados, no entanto, é usual utilizar alguma medida de bemestar abreviada. De acordo com Fields (2001) e Lambert (2001), um modo alternativo de realizar avaliações de bem-estar é por meio das chamadas funções de bem-estar social abreviadas (abbreviated social welfare functions). Uma função de bem-estar social é denominada abreviada se a medida de bem-estar é obtida a partir de estatísticas calculadas de um vetor de distribuição de rendas, do tipo: W = w(PIBpc,desigualdade, pobreza) em que: W representa bem-estar social, PIBpc é o PIB per capita e as medidas de desigualdade e pobreza são mensuradas com o emprego de índices.2 Assume-se que a função de bem-estar é crescente no PIB per capita e decrescente na desigualdade e pobreza. Isto é: w1 0, w 2 0 e . A dificuldade de realizar julgamentos – ou ordenamentos – surge quando, por exemplo, um aumento do PIB per capita é acompanhado de um aumento na desigualdade. Neste caso, faz-se necessário aplicar algum critério para comparar dois – ou mais – estados sociais. As análises de dominância de primeira e segunda ordem são os métodos comumente empregados na avaliação e comparação de bem-estar social entre dois – ou mais – estados sociais distintos. Basicamente, a análise de dominância de primeira ordem compara o nível de bem-estar de duas distribuições de renda por meio das curvas de Lorenz (L).3 Neste caso, dadas duas distribuições de renda F e G, diz-se que uma distribuição de renda F domina em primeira ordem G se e somente se a área entre a curva de Lorenz de F e a linha de igualdade perfeita (linha de 45º) for menor do que a área formada pela curva de Lorenz de G. O gráfico 1 a seguir ilustra este resultado. 2. Para uma introdução aos índices de pobreza e desigualdade, ver, por exemplo, Ray (1998) e Fields (2001). 3. Este resultado foi obtido por Atkinson (1970 apud LAMBERT, 2001) e em função disto passou a ser conhecido como Teorema de Atkinson. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 296 GRÁFICO 1 Curvas de Lorenz para diversas situações de (des)igualdade de renda 1 0.9 0.8 0.7 L(p) 0.6 0.5 0.4 0.3 0.2 0.1 0 0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7 0.8 0.9 1 Percentiles (p) G F Fonte: Software DAD. Elaboração dos autores. Esse método, no entanto, não está desprovido de problemas. Por exemplo, quando duas curvas que representam a desigualdade4 de duas distribuições se cruzam ou coincidem, não é possível ordenar os dois estados sociais usando-se apenas a desigualdade como critério de avaliação do nível de bem-estar. Nessas circunstâncias, utiliza-se a análise de dominância de segunda ordem, que permite comparar estados sociais que se distinguem pelo valor da média da distribuição, e não apenas pela medida de desigualdade da distribuição empregada – coeficiente de Gini, especificamente.5 A curva de Lorenz generalizada (GL) permite ordenar dois estados sociais que apresentam a mesma distribuição de renda – ou de outra variável –, mas rendas médias diferentes, ou seja, a GL é sensível à média da distribuição uma vez que GL µL .6 4. As curvas a que o argumento se refere são as curvas de Lorenz. Para uma introdução às medidas gráficas de desigualdade, ver Fields (2001) e Ray (1998). 5. Para uma introdução aos teoremas de dominância de primeira e segunda ordem, ver Fields (2001). Lambert (2001) provê uma análise pormenorizada dos teoremas e de suas aplicabilidades. 6. Embora as análises de dominância selecionem o espaço das rendas, é possível empregar a mesma metodologia para quaisquer indicadores que constituam uma função de bem-estar que seja anônima, quase-côncava e crescente nos argumentos (SEN, 1997). Este resultado também é conhecido como Teorema de Shorrocks. Desigualdades Regionais e Bem-Estar no Brasil... 297 Nesse sentido, a avaliação de bem-estar exige a escolha da distribuição de uma ou mais variáveis e, consequentemente, da média e de uma medida de desigualdade provenientes da mesma distribuição. Em outras palavras, medir bemestar requer a escolha de alguma medida de desigualdade. Para os propósitos deste trabalho, selecionou-se o IDH como proxy para o bem-estar médio das pessoas que residem nos diferentes estados brasileiros. Ainda que o IDH não considere a desigualdade de renda – ou de qualquer outra variável – no seu cômputo, a opção pelo IDH decorreu basicamente do fato de ser um índice composto por três dimensões – renda per capita, expectativa de vida ao nascer e escolaridade. Talvez, o ideal fosse substituir “bem-estar” por outra terminologia, por exemplo, pela expressão “qualidade de vida”.7 Neste artigo, a análise da desigualdade foi feita separadamente da análise do bem-estar – ou melhor dizendo, da “qualidade de vida”. O índice de desigualdade selecionado para a comparação dos estados foi o Índice de Theil. Esta opção se deveu à possibilidade de decompô-lo por meio do Índice de Malmquist, como será visto adiante. 3 A DIFERENÇA NAS EFICIÊNCIAS DOS ESTADOS BRASILEIROS E O BEM-ESTAR: METODOLOGIA Neste artigo, adotamos como método de análise empírico a Análise Envoltória de Dados, cuja sigla em inglês é DEA. Este método é um dos métodos possíveis para se construir em fronteiras de eficiência. As metodologias de fronteira de eficiência trabalham com a ideia de função de produção, ou seja, de combinações entre insumos e produtos, tal qual uma “receita de bolo” – quantidade de ingredientes que são combinados e produto final gerado. Dessa forma, é possível a comparação de combinações entre recursos – insumos – e resultados obtidos – produtos – em relação às políticas públicas. O DEA, que é um dos métodos mais utilizados, de acordo com Faria (2006), foi desenvolvido em 1978 por Edward Rhodes em sua tese de doutorado, cujo objetivo era avaliar a eficiência das escolas públicas. O DEA é um método não paramétrico, ou seja, não assume uma forma funcional específica e constrói uma fronteira de eficiência a partir dos dados. Dessa forma, a comparação entre recursos despendidos e resultados é entre as unidades de decisão que estão sendo avaliadas. Ou seja, a comparação é relativa. 7. Para as diferenças entre os termos “qualidade de vida” e “bem-estar”, ver Sen (1992, 1999). planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 298 FIGURA 1 Representação gráfica do esquema geral da análise envoltória de dados Resultados Envoltória Rmax Esforço necessário Boas Práticas Média I1 Recursos Fonte: Faria (2006, p. 3). A fronteira de eficiência relaciona as combinações ótimas de recursos de resultados, ou seja, os casos de boas práticas de gestão dos recursos públicos. Os casos internos à fronteira são considerados como ineficientes, isto é, com os recursos investidos seria possível obter um resultado melhor (ver figura 1). O emprego dessa metodologia representa, em certo sentido, um avanço a trabalhos que empregam um procedimento não paramétrico para a comparação de desempenho a partir de indicadores de eficiência. Por exemplo, o trabalho de Teixeira e Barroso (2003) discute a qualidade do gasto em saúde, correlacionando despesas na área de saúde e pontuação pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH-M) para os municípios brasileiros. A não adoção de um método mais robusto dificulta a comparação e, portanto, a recomendação de políticas públicas. Nesse sentido, o estudo de Faria (2006), que também adota o DEA, é mais preciso, uma vez que a análise permite a identificação dos municípios fluminenses que são eficientes no uso de recursos públicos para provimento de bens públicos e quase-públicos. Ainda na mesma direção, Boueri e Gaparini (2007) buscam avaliar a eficiência dos gastos públicos na área do social para a totalidade dos municípios brasileiros em 2000. Foram escolhidas como variáveis de produto o número de crianças matriculadas em escolas públicas municipais, o número de internações realizadas na rede hospitalar municipal e o número de domicílios servidos com coleta de lixo. A variável de insumo escolhida foi a despesa orçamentária dos municípios. Os autores concluem que os municípios menores são relativamente ineficientes, pois detectam que há perdas de escala na provisão municipal de serviços básicos. Desigualdades Regionais e Bem-Estar no Brasil... 299 Diferentemente dos trabalhos que analisam a eficiência do gasto, optamos por analisar a eficiência do uso de receitas e transferências tributárias, tal qual Shikida, Milton e Araújo Jr. (2007) fizeram para os municípios mineiros. A justificativa para tal escolha de insumo é a de ressaltar que a arrecadação por parte do Estado é feita de modo compulsório e, particularmente no Brasil, a carga tributária é elevada, o que nos faz pensar na eficiência da aplicação destes recursos. Vale dizer que Lima e Boueri (2008) também buscam analisar a evolução do IDH entre os estados da federação e adotam medidas de distância calculadas a partir do DEA. Porém, diferentemente do que fazemos, estes exploram cada componente do IDH, usando informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB). O interessante, todavia, é que os resultados gerais são comparáveis aos nossos para o IDH e paralelos podem ser estabelecidos. 3.1 Economias de escala e progresso técnico Uma das limitações do método original de envoltória de dados era que a função de produção assumida possuía retornos constantes de escala. Charnes, Cooper e Rodes (1978), por exemplo, assumiram retornos constantes de escala e que todas as Decision Making Units (DMUs) – ou Unidades de Decisão – estariam em uma escala ótima de operação. Este pressuposto, no entanto, é incompatível com uma série de atividades econômicas. Podemos inclusive considerar que mesmo para o Estado, que oferta bens públicos, este pressuposto é pouco aderente. Por isso, Banker, Charnes e Cooper (1984) suprimiram o pressuposto de retorno constante de escala e passaram a supor retornos variáveis de escala. Assim, as DMUs não precisam operar em escala ótima, sendo este caso mais comum devido a algum tipo de restrição, seja no insumo, seja no produto. Como os estados brasileiros sofrem restrições financeiras, a formulação do modelo DEA que utilizamos neste artigo é a de Banker, Charnes e Cooper (1984), com a orientação produto – foco na (in)eficiência do produto gerado, dado um nível de insumos utilizados –, pois o objetivo é analisar a eficiência na geração de desenvolvimento humano e na redução de desigualdade – eficiência no bem-estar –, portanto, a partir do uso das receitas e transferências tributárias pelos estados brasileiros. Por isso, a orientação produto é a mais indicada. Já que estamos trabalhando com um painel de dados, isto é, unidades da federação em 1991 e 2000, é preciso analisar a eficiência ao longo do tempo. Malmquist (1953) foi o pioneiro na análise da variação de índices de produtividade ao longo do tempo. Para o autor, dois são os efeitos que podem fazer que a produtividade mude intertemporalmente. O primeiro destes é chamado de catch-up, ou efeito de recuperação. Neste caso, dada uma tecnologia disponível, a DMU planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 300 conseguiu melhor utilizar os seus insumos na geração de produto, aproximandose da fronteira de eficiência mudança pura de eficiência. O segundo efeito é o de deslocamento da fronteira de eficiência no tempo. Isto implica uma mudança na tecnologia disponível que favoreceu a variação na produtividade da DMU mudança na escala de eficiência. Dessa forma, conforme explica Tone (2004), estes dois efeitos podem ser calculados pelo Índice de Malmquist, computado como: IM = (Efeito ‘Catch-up’) x (Efeito Deslocamento) Neste artigo, além de verificarmos as fronteiras de eficiência em 1991 e 2000, por meio da decomposição do Índice de Malmquist, avaliamos os fatores que alteraram as (in)eficiências dos estados brasileiros. 3.2 Dados amostrais Os dados que são utilizados na análise empírica deste trabalho são as receitas e transferências tributárias, o Índice de Desenvolvimento Humano e o Índice L de Theil, de cada um dos 26 estados brasileiros mais o Distrito Federal. A análise refere-se somente ao período de 1991 e 2000 devido à disponibilidade de dados referente ao IDH, pois não há dados mais recentes disponíveis sobre o IDH dos estados brasileiros. Para realizar as medidas de eficiência por meio do método DEA, são utilizadas as seguintes variáveis (ver representação esquemática na figura 2): • Insumos: as receitas e transferências tributárias de cada um dos 26 estados brasileiros mais o Distrito Federal, referentes aos 1991 e 2000. Estes dados foram elaborados pela Coordenação-Geral das Relações e Análise Financeira de Estados e Municípios (Corem) e disponibilizados pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN). • Produtos: para a mensuração da eficiência na geração de bem-estar, utiliza-se como produto o IDH de cada um dos 26 estados brasileiros mais o Distrito Federal, referente a 1991 e 2000. Já para a mensuração da eficiência na redução da desigualdade, utiliza-se o inverso8 do Índice L de Theil de cada um dos 26 estados brasileiros mais o Distrito Federal, referente a 1991 e 2000. A fonte destes dados é o Atlas do Desenvolvimento Humano, elaborado e disponibilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 8. Já que quanto maior o Índice L de Theil maior a desigualdade de renda, adotamos o seu inverso como medida, pois avaliamos a eficiência das unidades da federação na redução das desigualdades, isto é, quanto menor o Índice L de Theil obtido mais eficiente é o estado. Desigualdades Regionais e Bem-Estar no Brasil... 301 FIGURA 2 Representação das relações insumo – processamento – produto assumidas para aplicação da metodologia DEA Receitas tributárias Desenvolvimento humano Gestão pública estadual Desigualdade de renda Receitas de transferências Elaboração dos autores. Para a mensuração do Índice de Malmquist e suas decomposições, são utilizados os mesmos dados para o cálculo das medidas de eficiência pelo método DEA. Para cada série, os scores são rodados separadamente para 1991 e 2000. Uma vez calculados, os resultados são empilhados por tipo de produto a que se referem (IDH ou o inverso do L-Theil) e relacionados às suas respectivas unidades de federação. Dessa forma, procedemos o cálculo do Índice de Malmquist e suas decomposições. É importante mencionar que as medidas são imperfeitas e não são temporalmente causais entre si, mas correlacionadas. O IDH refere-se a resultados cumulativos e de longo prazo. Se quiséssemos estabelecer uma relação mais fiel à ideia de insumo e produto, teríamos que retroceder a receita estadual a períodos bastante posteriores e acumulá-los. Neste artigo, fazemos um exercício de natureza exploratória. 4 EFICIÊNCIA DA TRIBUTAÇÃO EM RELAÇÃO AO DESENVOLVIMENTO HUMANO Esta seção apresentará uma discussão sobre a classificação dos estados brasileiros com base no IDH e suas decomposições a partir do Índice de Malmquist. A tabela 1 traz as estatísticas descritivas do IDH para 1991 e 2000. TABELA 1 Estatísticas descritivas IDH 1991 IDH 1991 Média 0,661 0,738 Mediana 0,664 0,735 Moda 0,753 0,773 (Continua) planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 302 (Continuação) IDH 1991 IDH 1991 Desvio-padrão 0,073 0,058 Mínimo 0,543 0,636 Máximo 0,799 0,844 Estatística t = -4,29 Elaboração dos autores. Como mostra a tabela 1, em 1991, o menor Índice de Desenvolvimento Humano foi de 0,543. Este valor foi registrado pelo estado do Maranhão. O maior valor foi registrado no Distrito Federal (ver tabela 2 a seguir). Chama atenção, por outro lado, a evolução do IDH neste período. Em um intervalo de dez anos, notou-se um aumento não desprezível de todas as medidas de posição – média, moda, mediana, máximo e mínimo. O teste t para a diferença entre as médias é estatisticamente significante ao nível de 5%. O gráfico 2 exibe as curvas de Lorenz e as curvas de Lorenz generalizadas para os IDHs de 1991 e 2000. GRÁFICO 2 1 0.9 0.9 0.8 0.8 0.7 0.7 0.6 0.6 L(p) L(p) Análise de dominância de primeira e segunda ordem para o IDH dos estados 1 0.5 0.5 0.4 0.4 0.3 0.3 0.2 0.2 0.1 0.1 0 0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 Percentiles (p) IDH 1991 0.7 IDH 2000 0.8 0.9 1 0 0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 0.6 Percentiles (p) IDH 1991 0.7 0.8 0.9 1 IDH 2000 Fonte: Dados divulgados no Ipeadata. Elaboração dos autores. O primeiro gráfico traz as curvas de Lorenz para o IDH dos estados em 1991 e 2000. As linhas não se cruzam, mas são quase colineares. De qualquer maneira, a linha cheia preta, que representa a desigualdade da distribuição do IDH de 2000, está mais próxima da linha preta de 45º, que representa a linha de igualdade perfeita. O segundo gráfico realça a diferença. De acordo com as curvas de Lorenz generalizadas, nota-se que a distribuição do IDH de 2000 domina em segunda ordem a distribuição de 1991. Isto significa, portanto, que é possível afirmar que em 2000 houve uma melhoria no desenvolvimento humano dos estados. Desigualdades Regionais e Bem-Estar no Brasil... 303 As primeiras colunas da tabela 2 apresentam o resultado da eficiência na geração de bem-estar obtido pelos estados brasileiros para 1991. Os resultados do modelo apontam como eficientes na geração de bem-estar em1991 Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Roraima, Santa Catarina, Goiás e Amapá, a partir da combinação de insumos e produtos e em seu nível de escala de operação, ou seja, os estados que estão no nível máximo de eficiência relativa aos outros estados com mesma escala de operação – estados eficientes possuem score igual a 1 e estados ineficientes têm score menor do que 1. A tabela 2 também contém os níveis de IDH de cada estado brasileiro em 1991 e 2000. Observa-se que os estados considerados eficientes com base nos scores possuem níveis de IDH diferentes em 1991, ou seja, verifica-se que Amapá e Roraima operam eficientemente em um nível de escala menor; Goiás e Mato Grosso do Sul operam eficientemente em um nível intermediário de escala, enquanto Distrito Federal e Santa Catarina operam de forma eficiente em um nível mais elevado. Ainda de acordo com a tabela 2, os dez estados menos eficientes na geração de bem-estar em 1991 são os estados do Tocantins em conjunto com todos os estados da região Nordeste, pois, de acordo o método DEA orientação produto, mantidos os insumos constantes, o produto – neste caso, o IDH – poderia ser mais elevado, dado o nível de operação de escala destes estados; por isso, estes estados foram considerados os menos eficientes em relação aos outros. TABELA 2 Scores de eficiência dos estados na geração de bem-estar – 1991 e 2000 Rank Unidade IDH 1991 Score Rank Unidade IDH 2000 1 DF 0,799 1 1 DF 0,844 Score 1 2 MS 0,716 1 2 MS 0,778 1 3 RR 0,692 1 3 SC 0,822 1 4 SC 0,748 1 4 RR 0,746 1 5 GO 0,70 1 5 AM 0,713 1 6 AP 0,691 1 6 RS 0,814 0,98 0,98 7 SP 0,778 0,99 7 MT 0,773 8 RS 0,753 0,99 8 GO 0,776 0,98 9 RJ 0,753 0,98 9 RJ 0,807 0,97 10 MT 0,685 0,96 10 ES 0,765 0,97 11 ES 0,69 0,95 11 SP 0,82 0,97 12 PR 0,711 0,94 12 RO 0,735 0,97 13 RO 0,66 0,93 13 AP 0,753 0,96 14 AM 0,664 0,91 14 PR 0,787 0,95 15 AC 0,624 0,90 15 TO 0,71 0,94 16 MG 0,697 0,89 16 AC 0,697 0,93 (Continua) planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 304 (Continuação) Rank Unidade IDH 1991 Score Rank Unidade IDH 2000 Score 17 PA 0,65 0,88 17 MG 0,773 0,92 18 TO 0,611 0,87 18 RN 0,705 0,91 19 RN 0,604 0,85 19 PA 0,723 0,91 20 SE 0,597 0,85 20 SE 0,682 0,89 21 PE 0,62 0,81 21 CE 0,7 0,86 22 PI 0,566 0,80 22 PE 0,705 0,86 23 CE 0,593 0,79 23 PI 0,656 0,86 24 PB 0,561 0,78 24 PB 0,661 0,85 25 AL 0,548 0,77 25 AL 0,649 0,85 26 BA 0,59 0,76 26 BA 0,688 0,83 27 MA 0,543 0,75 27 MA 0,636 0,82 Fonte: Dados divulgados no Ipeadata. Elaboração dos autores. Observando-se as últimas colunas da tabela 2, verifica-se que os estados mais eficientes na geração de desenvolvimento humano em 2000 são os estados do Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Roraima e Amazonas. Por outro lado, o estado de Goiás deixa de ser o mais eficiente na geração de bem-estar em 2000, como indicaram os resultados da tabela 2 para 1991. Com uma nova combinação de insumos e produtos e dado seu nível operacional de escala, seu produto poderia ser maior. Ademais, verifica-se que os estados do Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Tocantins obtiveram um aumento na eficiência em gerar bem-estar, diminuindo suas ineficiências em relação aos estados mais eficientes. Além disso, pela última coluna também pode ser constatado que o estado do Tocantins não figura entre os dez mais ineficientes, sendo esta posição assumida pelo estado do Pará e, assim como em 1991, os estados da região Nordeste completam esta lista dos dez menos eficientes na geração de bem-estar. Já a tabela 3 mostra os resultados obtidos com o cálculo do Índice de Malmquist e suas decomposições. Os estados mais produtivos na geração de desenvolvimento humano no período 1991-2000, dadas as mudanças no Índice de Mudança na Eficiência Técnica Pura (IMETP) e mudanças no Índice de Mudança na Escala de Eficiência (IMEE), foram: São Paulo, com IMEE alto; Rio de Janeiro, com ambos os índices elevados; Rio Grande do Sul, também com ambos os índices elevados; Goiás, com o maior IMEE; e, Roraima, também com um elevado IMEE influenciando o seu Índice de Malmquist. Os estados com os maiores IMEEs são, respectivamente: Goiás, Amapá, São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul. Desigualdades Regionais e Bem-Estar no Brasil... 305 TABELA 3 Índice de Malmquist para os estados – decomposição do IDH Unidade IMETP IMEE SP 0,919 4,635 Índice de Malmquist 4,261 RJ 1,829 2,289 4,187 RS 1,45 2,644 3,834 GO 0,693 5,434 3,763 3,687 SC 1,092 3,376 AP 0,67 5,306 3,556 MS 0,869 3,907 3,396 ES 1,219 2,747 3,348 MG 1,33 2,485 3,305 PR 0,787 4,098 3,224 AC 0,992 3,1 3,076 MT 0,813 3,71 3,016 RR 1 2,797 2,797 BA 1,322 2,081 2,751 PE 1,148 2,34 2,686 AM 2,113 1,269 2,681 CE 1,151 2,175 2,503 PA 0,747 3,175 2,373 AL 1,072 2,115 2,268 RO 1,321 1,71 2,259 RN 0,83 2,705 2,244 PB 0,773 2,879 2,224 SE 0,867 2,555 2,214 2,163 DF 0,916 2,362 PI 0,917 2,362 2,162 MA 0,88 2,422 2,132 TO 0,869 2,405 2,09 Elaboração dos autores. Com o IMETP, que pode ser interpretado como uma aproximação em relação à fronteira de eficiência na geração de desenvolvimento humano, podemos analisar se há convergência nos níveis de IDH entre os estados brasileiros. Assim, os estados com os maiores IMETPs são: Amazonas, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rondônia. Os estados com os menores IMETPs são: Amapá, Goiás, Pará, Paraíba e Paraná. Dessa forma, observando-se a tabela 3, podemos concluir que todos os estados tornaram-se mais produtivos na geração de bem-estar no período 1991-2000, pois não há nenhum estado com um Índice de Malmquist menor do que a unidade. Esta maior produtividade também pode ser verificada por meio das tabelas 2 e 3, em que se constata que o estado menos eficiente na geração de bem-estar em planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 306 1991 é o mesmo que em 2000, no caso o estado do Maranhão; porém, seu score em 1991 foi de 0,74542, enquanto em 2000 seu score foi de 0,82050. Com isso, apesar de ainda ser considerado o menos eficiente na geração de bem-estar em relação aos outros estados, o estado do Maranhão conseguiu ser mais produtivo e diminuir a distância em relação ao estado mais eficiente em 2000. 5 EFICIÊNCIA DA TRIBUTAÇÃO NA REDUÇÃO DA DESIGUALDADE DE RENDA Na tabela 4, encontram-se as estatísticas descritivas dos indicadores de desigualdade de renda. De acordo com esta tabela, o maior índice de desigualdade registrado em 1991 foi de 0,809 ao passo que o menor foi de 0,54. Em 2000, houve um aumento na desigualdade de acordo com todas as medidas de posição. Embora a média da desigualdade entre 1991 e 2000 tenha aumentado, a mudança não foi estatisticamente significante ao nível de 5%, como mostra o valor da estatística t (-1,37). Ou seja, a desigualdade não se alterou substancialmente. TABELA 4 Estatísticas descritivas dos indicadores de desigualdade Theil 1991 Theil 2000 Média 0,685 0,7103 Mediana 0,695 0,7180 Modo 0,737 0,8160 Desvio-padrão 0,068 0,0706 Mínimo 0,540 0,5510 Máximo 0,809 0,8160 Estatística t = -1,37 Fonte: Dados divulgados no Ipeadata. Elaboração dos autores. Aqui vale um breve comentário. Pela discussão da seção 2.3 e de acordo com as estatísticas descritivas do IDH, o que se observa é justamente um aumento na qualidade de vida acompanhado por uma elevação na desigualdade. Este é exatamente o problema de se tratar bem-estar sem levar em conta, concomitantemente, uma medida de desigualdade na função de bem-estar social. A quarta coluna da tabela 5 exibe os scores de eficiência dos estados na redução da desigualdade de renda. Os resultados obtidos mostram a (in)eficiência dos estados brasileiros na redução das desigualdades em 1991, sendo os insumos as receitas e transferências tributárias, e o produto o Índice L de Theil de cada um dos 26 estados brasileiros mais o Distrito Federal. Desigualdades Regionais e Bem-Estar no Brasil... 307 TABELA 5 Scores de eficiência dos estados na redução de desigualdade Inverso do Unidades 1 RR 0,737 1 1 AL 0,816 1 2 CE 0,800 1 2 AM 0,786 1 3 BA 0,809 1 3 RR 0,643 1 4 MS 0,652 1 4 CE 0,816 1 Índice de Theil Score 1991 Rank Inverso do Rank Unidades Índice de Theil Score 2000 5 GO 0,607 1 5 PI 0,796 0,983 6 AP 0,602 1 6 PE 0,795 0,974 0,957 7 PE 0,791 0,997 7 DF 0,781 8 PI 0,747 0,996 8 BA 0,775 0,950 9 PB 0,737 0,972 9 SE 0,763 0,938 10 RN 0,725 0,961 10 MA 0,758 0,929 11 AC 0,707 0,959 11 TO 0,738 0,923 12 TO 0,712 0,959 12 AC 0,718 0,912 13 SE 0,704 0,941 13 PA 0,744 0,912 14 AL 0,697 0,930 14 MS 0,692 0,904 15 MT 0,638 0,925 15 PB 0,734 0,900 16 AM 0,698 0,924 16 RN 0,731 0,896 17 RO 0,692 0,923 17 AP 0,708 0,871 18 DF 0,713 0,906 18 RO 0,639 0,846 19 ES 0,655 0,896 19 MT 0,685 0,844 20 PA 0,688 0,885 20 MG 0,671 0,822 21 PR 0,652 0,859 21 ES 0,651 0,815 22 MG 0,695 0,859 22 RJ 0,664 0,814 23 RJ 0,673 0,838 23 PR 0,652 0,799 24 MA 0,636 0,838 24 GO 0,648 0,798 25 RS 0,635 0,798 25 RS 0,617 0,756 26 SC 0,542 0,734 26 SP 0,607 0,744 27 SP 0,540 0,667 27 SC 0,551 0,675 Fonte: Dados divulgados no Ipeadata. Elaboração dos autores. Segundo os resultados da tabela 5, em 1991 os estados mais eficientes na redução de desigualdade em 1991 foram: Roraima, Ceará, Bahia, Mato Grosso do Sul, Goiás e Amapá. Os inversos dos Índices L de Theil para 1991 e 2000 sugerem que os estados do Amapá, Goiás, Mato Grosso do Sul operam eficientemente em um nível de escala menor; o estado de Roraima opera de forma eficiente em um nível intermediário; e os estados da Bahia e do Ceará operam em um nível elevado de eficiência. Além disso, constata-se que os estados menos eficientes na redução de desigualdade foram, respectivamente: São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Maranhão, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 308 Pará, Espírito Santo e Distrito Federal. Ou seja, exceto os estados do Pará e do Maranhão, os estados da região Centro – Sul figuram entre os que menos reduziram a desigualdade em 1991. Observando a última coluna da tabela 5, os estados considerados como os mais eficientes na redução de desigualdade em 2000 foram respectivamente: Alagoas, Amazonas, Roraima e Ceará. Observando-se o inverso do Índice L de Theil, verificamos que Roraima opera eficientemente em um nível baixo de escala; Amazonas opera de forma eficiente em um nível intermediário de escala; e os estados de Alagoas e do Ceará operam eficientemente em um nível elevado de escala. Em 2000, com exceção de Rondônia, predominam os estados da região Centro – Sul como os mais ineficientes na redução de desigualdade. São estes, respectivamente: Santa Catarina, São Paulo, Rio Grande do Sul, Goiás, Paraná, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Mato Grosso e Rondônia. A tabela 6 apresenta os resultados obtidos com o cálculo do Índice de Malmquist e suas decomposições para o período 1991-2000. TABELA 6 Índice de Malmquist para os estados – decomposição do Índice L de Theil Unidade IMETP IMEE Índice de Malmquist AC 0,888 3,530 3,134 AL 0,766 2,933 2,246 AP 0,603 6,491 3,193 AM 1,833 1,484 2,719 BA 1,188 2,325 2,764 CE 0,953 2,622 2,497 DF 0,779 2,739 2,133 ES 1,124 3,028 3,405 GO 0,661 6,100 4,030 MA 0,621 3,379 2,099 MT 0,681 4,478 3,047 MS 0,774 4,456 3,451 MG 1,265 2,655 3,358 PA 0,620 3,804 2,358 PB 0,651 3,377 2,199 PR 0,727 4,494 3,268 PE 1,009 2,669 2,694 PI 0,732 2,918 2,135 RJ 1,808 2,412 4,362 RN 0,696 3,188 2,220 RS 1,420 2,765 3,927 RO 1,267 1,765 2,236 RR 1,040 2,692 2,799 (Continua) Desigualdades Regionais e Bem-Estar no Brasil... 309 (Continuação) Unidade IMETP IMEE Índice de Malmquist SC 1,005 3,750 3,767 SP 0,876 5,383 4,713 SE 0,693 3,160 2,188 TO 0,709 2,898 2,054 Elaboração dos autores. De acordo com o Índice de Malmquist, os estados que tiveram os maiores ganhos de eficiência na redução de desigualdade no período 19912000 foram, respectivamente: Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Goiás e Santa Catarina. Os estados com os maiores IMEEs, respectivamente, são: Goiás, Paraná, Amapá, São Paulo e Mato Grosso do Sul. Os estados com os maiores IMETPs, ou seja, os estados que obtiveram os maiores efeitos de catching-up foram: Amazonas, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia e Minas Gerais. Analisando os resultados observados para o Índice de Malmquist, conclui-se que todos os estados obtiveram ganhos de produtividade na redução de suas desigualdades de renda, já que não houve nenhum estado com Índice de Malmquist menor que a unidade. 6 IMPLICAÇÕES PARA DISCUSSÃO DAS DESIGUALDADES REGIONAIS Nesta seção buscamos analisar os resultados obtidos na seção 4 com o objetivo de verificar possíveis convergências nos níveis de IDH entre os estados brasileiros e constatar diferenças regionais observadas com os resultados dos modelos de eficiência da seção anterior. Verificando-se as tabelas 2 e 5 em suas quartas colunas, constatamos que os estados da região Centro – Sul predominam entre os dez mais eficientes na geração de desenvolvimento humano a partir das receitas e transferências tributárias e entre os dez menos eficientes na redução de suas desigualdades internas de renda. Porém, se observarmos as segundas colunas das referidas tabelas, verificamos que em 1991 os estados da região Centro – Sul predominam entre os estados com maiores níveis de IDH e os menores níveis de desigualdade. Uma observação interessante é o estado do Maranhão, que em 1991 possuía o sexto melhor nível de desigualdade, porém, com pior nível de bem-estar – ou seja, era um estado igual na pobreza e no baixo desenvolvimento humano. Em 2000 também predominam os estados da região Centro – Sul entre os dez maiores níveis de IDH e os dez melhores níveis de desigualdade, conforme mostram as sétimas colunas das tabelas 2 e 5. Nesse ano, observando-se 310 planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 as últimas colunas destas tabelas, constatamos que os estados da região Centro – Sul novamente estão entre os dez mais eficientes na geração de bem-estar e os dez menos eficientes na redução de desigualdade. Com a região Nordeste ocorre o inverso: os estados desta região estão entre os menos eficientes na geração de desenvolvimento humano e os mais eficientes na redução de desigualdades. Já a região Norte não possui um padrão definido, pois seus estados estão dispersos entre os mais eficientes e os menos eficientes tanto na geração de desenvolvimento quanto na redução de desigualdade. Entre o período 1991-2000, os estados da região Nordeste obtiveram as maiores variações percentuais no nível de desenvolvimento humano, porém, este aumento no nível do IDH não foi eficiente, pois com o mesmo nível de insumos – receitas e transferências tributárias – os estados da região Nordeste poderiam obter um nível de bem-estar mais elevado. Observando-se as tabelas 3 e 6, notamos que todos os estados brasileiros tiveram ganhos de produtividade na geração de desenvolvimento humano e na redução de desigualdade, a partir de suas receitas e transferências tributárias – de acordo com o cálculo do Índice de Malmquist. 6.1 Convergência do desenvolvimento humano Nesta seção, o interesse passa a ser a possibilidade de convergência nos níveis de IDH entre os estados brasileiros. Para esta finalidade, são utilizados os resultados o Índice de Malmquist e suas decomposições que constam na tabela 3. Conforme analisado por Marinho e Barreto (2001), a convergência é avaliada a partir da decomposição do Índice de Malmquist em IMETP e IMEE, que significam, respectivamente, o efeito catching-up e o efeito de expansão da fronteira – dado um aumento e novas combinações de insumos e produto. A análise de convergência é realizada a partir do conceito de Clubes de Convergência, em que há uma convergência entre subconjuntos de países, estados ou regiões, de acordo com Baumol, Nelson e Wolf (1994 apud MARINHO; BARRETO, 2001). A análise empírica de Baumol, Nelson e Wolf (1994), no entanto, foi criticada pelo viés da amostra escolhida. Porém, Quah (1993, 1996) trabalhou com metodologia não paramétrica – Cadeias de Markov – e constatou, do ponto de vista mundial, a convergência em clubes. Nesse caso, dois grandes clubes parecem se formar ao longo do tempo: pobres e ricos – twin peaks dynamics (ver figura 3). Desigualdades Regionais e Bem-Estar no Brasil... 311 FIGURA 3 Dinâmica de convergência em dois clubes – “ricos” e “pobres” Increasing incomes Income distributions t t+s Time Fonte: Quah (1996, p. 1.049). Do ponto de vista regional, esta é uma questão pertinente. A União Europeia, por exemplo, por meio dos fundos de equalização entre os países, vêm buscando diminuir as diferenças regionais internas ao continente, mas o padrão de clubes parece prevalecer (MORA; VAYÁ; SURIÑACH, 2005). A China, por sua vez, na espantosa trajetória de crescimento e urbanização dos últimos 30 anos, vem acentuando as desigualdades regionais internas e obtendo trajetórias regionais divergentes (YAO; ZHANG, 2001). Além disso, utilizamos o conceito de Convergência Condicional, que é entendido como um maior crescimento entre países ou regiões mais distantes entre o nível inicial e o de longo prazo, conforme Barro (1991) e Barro e Sala-i-Martin (1991). Segundo Barro e Sala-i-Martin, este tipo de convergência tem ocorrido entre os diferentes estados dos EUA e entre regiões da Europa, diminuindo a dispersão de renda entre estas regiões ao longo do tempo. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 312 Analisando-se as tabelas 2 e 3, verifica-se que os níveis de convergência podem ser divididos em três, criando-se assim três Clubes de Convergência entre os estados brasileiros, quais sejam: • Nível de IDH elevado: compreende os estados do Distrito Federal, Santa Catarina, São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Paraná. • Nível de IDH intermediário: compreende os estados de Mato Grosso do Sul, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Espírito Santo, Amapá, Roraima, Rondônia, Pará, Amazonas e Tocantins. • Nível de IDH baixo: compreende os estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Acre, Bahia, Sergipe, Paraíba, Piauí, Alagoas e Maranhão. Regiões situadas mais distantes entre seu nível inicial e seu nível de longo prazo crescem a taxas maiores, convergindo para um equilíbrio de longo prazo; neste caso, há três níveis diferentes de convergência condicional. Os estados situados no nível de IDH elevado estão divididos em dois subgrupos, referentes aos efeitos que proporcionam a estes estados a convergência nos níveis de IDH. Os estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro possuem os dois efeitos contribuindo para a convergência nos níveis de IDH, ou seja, além de obter mudanças em suas escalas de eficiência, estes estados também possuem o efeito catching-up, que proporciona a aproximação da fronteira de eficiência. Os estados compreendidos no nível de IDH intermediário também possuem esta subdivisão em dois grupos. Os estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Roraima, Rondônia e Amazonas também possuem os dois efeitos contribuindo para a convergência nos níveis de IDH de seu Clube de Convergência. Já os estados de Mato Grosso do Sul, Goiás, Mato Grosso, Amapá, Pará e Tocantins possuem somente o efeito de mudanças em suas escalas de eficiência contribuindo para a convergência. Por último, situam-se os estados do nível de IDH baixo, que também se dividem em dois subgrupos. Os estados de Pernambuco, Ceará, Bahia, Alagoas e Maranhão possuem os efeitos de catching-up e de mudanças em suas escalas de eficiência contribuindo para a convergência nos níveis de IDH. Já os estados do Rio Grande do Norte, Acre, Sergipe, Paraíba e Piauí possuem somente o efeito de mudanças em suas escalas de eficiência contribuindo para a convergência. Essa subdivisão mostra que os estados das regiões Sul e Sudeste – exceto os estados de Minas Gerais e do Espírito Santo – e o Distrito Federal convergem para um nível elevado de IDH. Os estados das regiões Norte – exceto o estado do Acre – e Centro-Oeste, com os estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, convergem para um nível de IDH intermediário-elevado. E os estados da região Nordeste e o estado do Acre convergem para um nível de IDH claramente inferior aos outros estados brasileiros, configurando a clara divisão regional existente Desigualdades Regionais e Bem-Estar no Brasil... 313 no Brasil, em que os estados da região Centro – Sul possuem um nível de bemestar social e desigualdade muito superior aos estados da região Nordeste. Esses dados obtidos com os modelos de eficiência na geração de desenvolvimento humano e com o Índice de Malmquist e suas decomposições mostram que a região Nordeste ainda será a região brasileira com pior nível de bem-estar e desigualdade nos próximos anos, uma vez que constatamos, por meio da análise de convergência, que os estados da região Nordeste somente conseguirão alcançar os estados situados no nível de IDH elevado caso ocorra uma forte elevação no efeito catching-up e também uma forte elevação em suas mudanças de escalas de eficiência. Além disso, os outros estados terão de sofrer pequenas alterações nestes dois efeitos para que os estados da região Nordeste consigam alcançar este nível mais elevado de bem-estar social, o que provavelmente não ocorrerá. Os estados situados no nível de IDH intermediário possuem uma perspectiva mais favorável, em relação aos estados da região Nordeste, já que alguns destes estados, principalmente, os estados de Mato Grosso do Sul, Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais, possuem maiores possibilidades de integrar o seleto grupo dos estados com maior nível de IDH. Partindo de outra seleção de insumos na aplicação da metodologia do DEA para análise do IDH entre os estados, Lima e Boueri (2008) constatam a concentração dos estados de maior obtenção de bem-estar entre as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste e de maiores índices de evolução para os estados das regiões Norte e Nordeste. Com relação a este último aspecto, há divergências em relação à análise que fizemos do IDH. Não seriam estes os estados que mais avançaram segundo a análise do Índice de Malmquist. Porém, no que se refere à redução das desigualdades de renda internas, os estados da região têm avançado mais intensamente. Porém, cabe relembrar que os insumos que utilizamos no DEA são diferentes dos de Lima e Boueri (2008) e qualquer comparação mais aprofundada é difícil sem que se tenham denominadores comuns do ponto de vista dos insumos. Com relação ao federalismo fiscal, os resultados têm implicações relevantes, embora contraditórias. A convergência em clubes pode significar uma manutenção sem prorrogação das políticas de transferências, pois haverá sempre grupos diferentes – isto é, os mais e os menos desenvolvidos. Ou seja, a equalização não será atingida e as transferências se perpetuarão. Em oposição, podem-se ler os resultados de outra forma. Como as transferências estão incluídas na categoria de insumos – somadas à arrecadação tributária –, a ineficiência apresentada pelos indicadores e a questão da convergência em clubes questionam a validade da política de equalização como vem sendo feita. Neste caso, o suplemento de recursos financeiros sem qualquer vinculação com resultados não é a forma adequada de garantir a redução das disparidades regionais dos indicadores de desenvolvimento humano. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 314 7 CONCLUSÕES A análise dos modelos de eficiência dos estados brasileiros na geração de desenvolvimento humano e na redução de desigualdade, com os respectivos Índices de Malmquist, mostra que há uma clara separação entre os estados da região Centro – Sul como os mais eficientes na geração de bem-estar e os menos eficientes na geração de desigualdade, enquanto os estados da região Nordeste são os menos eficientes na geração de bem-estar e os mais eficientes na geração de desigualdade. Já os estados da região Norte não possuem um padrão definido; por isso, não se podem realizar afirmações categóricas, já que os estados desta região se situam entre os dois extremos, ou seja, os estados da região Norte estão dispersos entre aos estados mais eficientes e os estados menos eficientes, tanto na geração de bem-estar quanto na geração de desigualdade. Com isso, podemos observar que essa divisão se reflete nos níveis de IDH e do Índice L de Theil, já que os maiores índice de IDH são dos estados das regiões Sul e Sudeste, exceto o Distrito Federal, enquanto os maiores níveis do Índice L de Theil são dos estados da região Nordeste, exceto, novamente, o Distrito Federal. Essa divisão sugere que não há possibilidades de acontecer uma convergência absoluta nos níveis de IDH entre os estados brasileiros, porém há uma evidência de que pode ocorrer convergência relativa em Clubes de Convergência, que neste caso podem ser divididos em três grupos. O primeiro clube é formado pelos estados situados no nível de IDH elevado, ou seja, Distrito Federal, Santa Catarina, São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Paraná. No segundo, situam-se os estados em um nível de IDH intermediário, compreendendo os estados do Mato Grosso do Sul, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Espírito Santo, Amapá, Roraima, Rondônia, Pará, Amazonas e Tocantins. E, por último, o terceiro clube representa os estados com um nível de IDH baixo, ou seja, os estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Acre, Bahia, Sergipe, Paraíba, Piauí, Alagoas e Maranhão. Esta subdivisão em nível de IDH elevado, intermediário e baixo refere-se aos níveis observados entre todos os estados brasileiros, segundo as possibilidades de convergência. Os dados observados na quinta seção e discutidos na sexta permitem concluir que dificilmente haverá uma convergência nos níveis de IDH dos estados da região Nordeste em relação aos estados com nível mais elevado de IDH, pois, conforme o resultado do Índice de Malmquist para o IDH, todos os estados brasileiros avançaram sua fronteira de possibilidades de produção (FPP) de desenvolvimento humano, significando que a região Nordeste avançou; porém, os estados das outras regiões do Brasil também avançaram. Por isso, conclui-se que a convergência será relativa aos três Clubes de Convergência, conforme as definições mencionadas. Em relação às diferenças nos scores dos estados brasileiros na eficiência na geração de desenvolvimento humano, conforme exposto na tabela 2, uma interpretação livre seria que estas diferenças se devem a uma possível presença de um Desigualdades Regionais e Bem-Estar no Brasil... 315 comportamento rent-seeking por agentes privados, que buscam direcionar recursos para atender a seus interesses em detrimento de um maior nível de bem-estar coletivo. Porém, o método escolhido (DEA) e os dados utilizados não permitem extrapolar para esta conclusão sem que se aprofunde nas relações causais e nos aspectos institucionais e políticos de cada estado. Outra interpretação possível do Índice de Malmquist e suas decomposições para o IDH no período 1991-2000 é que este pode captar mudanças institucionais ocorridas neste período, captar efeitos de mudanças na gestão dos recursos públicos, alterações e criações de políticas públicas – incluindo programas sociais recentes, entre outros tipos de ações públicas que buscam melhorar o bem-estar dos indivíduos. Ou seja, todos estes aspectos institucionais, administrativos e também tecnológicos – neste caso, pode-se considerar a informatização de ferramentas administrativas do setor público, entre outros – contribuíram para o aumento na produtividade na geração de bem-estar, conforme os resultados obtidos com o Índice de Malmquist e suas decomposições para o IDH. Além disso, o Índice de Malmquist e suas decomposições para o IDH mostram que há possibilidades de os estados brasileiros gerarem maior bem-estar aos indivíduos por meio do uso mais eficiente desta expansão da fronteira de possibilidades de produção de desenvolvimento humano, pois a decomposição pelo IMETP indica que o efeito catching-up poderia ser maior para vários estados brasileiros, conforme resultados na tabela 3. Desse modo, as mudanças institucionais, as mudanças nas políticas públicas e também as melhorias na gestão dos recursos podem ser utilizadas de forma mais eficiente para que os estados brasileiros consigam gerar uma convergência maior entre os níveis de desenvolvimento humano, diminuindo as disparidades regionais ainda hoje existentes no Brasil. Sob o ponto de vista do federalismo fiscal, a política de transferência de recursos para os estados pode ser lida de duas formas. A primeira, mais simplista, é que a transferência de recursos dos estados mais ricos para os mais pobres deverá ser mantida, uma vez que a equalização não ocorrerá. Entretanto, há outra interpretação possível – que acreditamos ser mais adequada: a manutenção da política de transferência de recursos do modo que é feita é ineficiente para romper as desigualdades de desenvolvimento. Haveria de se elaborar, portanto, um sistema que condicionasse recebimento de recursos e resultados – como não há atualmente. Trabalhos futuros deverão se aprofundar nas relações de longo prazo entre IDH e receitas estaduais – ou mesmo despesas –, acumulando-as ao longo de diversos anos antecedentes, de modo a capturar melhor a relação insumo – produto. Além disso, um passo adicional seria explorar a causalidade, regredindo-se os scores contra variáveis explicativas. planejamento e políticas públicas | ppp | n. 33 | jul./dez. 2009 316 REFERÊNCIAS ATKINSON, A. B; BOURGUIGON, F. 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Colaboradores Para os dois números da PPP, em 2009, a editoria da revista contou com a colaboração de um conjunto importante de pareceristas de diferentes instituições e regiões brasileiras. Agradecemos a cada um da listagem abaixo, pois desta colaboração generosa dependem a melhoria contínua da qualidade e a pontualidade da PPP. Alexandre Manoel Angelo da Silva (Ipea) Alexandre Ywata de Carvalho (Ipea) Ana Amélia Camarano (Ipea) Ana Maria Nogales (UnB) André B. Goligher (UFMG) Andre Gambier Campos (Ipea) Anita Kon (PUC/SP) Aristides Monteiro Neto (Ipea) Benny Schasberg (UnB) Brancolina Ferreira (Ipea) Bruno de Oliveira Cruz (Ipea) Carlos Alberto Ramos (UnB) Carlos Henrique Corseuil (Ipea) Carlos Wagner de Albuquerque Oliveira (Ipea) Claudio Nazareno (Câmara dos Deputados) Claudio Savadori Dedecca (UNICAMP) Clélio Diniz Campolina (UFMG) Clovis Ultramari (PUC/PR) Daniel Ferreira Pereira Gonçalves da Matta (Ipea) Daniel Ricardo de Castro Cerqueira (Ipea) Danielle Alencar P. Torres (Embrapa) Diana Meirelles da Motta (Ipea) Eduardo Pontual Ribeiro (Cade) Élson Luciano Silva Pires (UNESP) Enny Schasberg(UNB) Eustáquio José Reis (Ipea) Fabio Domingues Waltenberg (UFF) Fernanda Estevan (Universidade de Ottawa) Fernando Antonio Rezende Silva (FGV) Fernando José Pires de Sousa (UFC) Francisco de Assis Costa (UFPR) George Alex da Guia (Iphan) Geraldo Magela Garcia Primo (Ipea) Geraldo Sandoval Góes (Ipea) Guilherme Costa Delgado (UFU) Helio Zylberstajn (USP) Herton Ellery Araújo (Ipea) João Alberto de Negri (Ipea) João Carlos Ramos Magalhães (Ipea) João Ricardo Faria (University of Texas at El Paso) Joaquim Bento de Souza Ferreira Filho (USP) Jorge Saba Arbache (Banco Mundial) José Antonio Peres Gediel (UFPR) José Aparecido Carlos Ribeiro (Ipea) José Aroudo Mota (Ipea) Jose Eustáquio Ribeiro Vieira Filho (Ipea) José Mauro de Morais (Ipea) Juliana Dalboni Rocha (Ipea) Katy Maia (UEL) Lauro Roberto Albrecht Ramos (Ipea) Leandro Piquet Carneiro (USP) Leo Heller (UFMG) Leonardo Monteiro Monastério (Ipea) Leôncio José Bastos Macambira Júnior (IDT) Liana Maria da Frota Carleial (UFPR e Ipea) Linda Maria de Pontes Gondim (UFC) Luciana de Barros Jaccoud (Ipea) Luciana Mendes Santos Servo (Ipea) Luis Augusto de Queiróz Ablas (USP) Luis Fernando Tironi (Ipea) Luiz Dias Bahia (Ipea) Luiz Edmundo Horta Barbosa Costa Leite (UFRJ) Luiz Eduardo R. Parreira (Ipea) Luseni Maria Cordeiro de Aquino (Ipea) Mansueto Facundo Almeida Junior (Ipea) Marcelo Abi-Ramia Caetano (Ipea) Marcelo Almeida de Britto (Ipea) Marcelo Piancastelli de Siqueira (Ipea) Marcelo Weishampt Proni (UNICAMP) Margarida Hatem P. Coelho (Ipea) Maria Bernadete Sarmiento Gutierrez (Ipea) Maria Cristina Cacciamali (USP) Maria da Conceição Sampaio (UnB) Maria da Piedade Morais (Ipea) Maria Lúcia Mezza (UTFPR) Maria Luisa Marques Dias (IPARDES) Maria Martha de Meneses Cassiolato (Ipea) Maria Thereza Noronha Vaz (Universidade do Algarve) Marisa Valle Magalhães (Ipardes) Maurício de Aguiar Serra (UFPR) Milene Takasago (UnB) Milko Matijasic (Ipea) Natalia Fontoura (Ipea) Orlando Silva (UFV) Paulo Roberto Corbucci (Ipea) Paulo Roberto Delgado (Ipardes) Paulo Roberto Furtado da Costa (Ipea) Roberto de Aricó Zamboni (Ipea) Roberto Henrique Sieczkowski Gonzalez (Ipea) Rodrigo Mendes Pereira(IPEA) Rogério Boueri Miranda (Ipea) Rosana Aparecida Baeninger (UNICAMP) Roseli Rocha dos Santos (Faculdades Integradas do Brasil) Sergei Suarez Dillon Soares (Ipea) Silvio Rocha Sant’ana (Esquel) Sueli Corrêa de Faria (Associação Internacional de Planejamento e Gestão Ambiental) Susana Peralta (Universidade Nova de Lisboa) Tereza Cristina Cardoso de Souza Higa (UFMT) Valdemar Ferreira de Araújo Filho (UFBA) Valéria Villa Verde Reveles Pereira (Ipardes) Vander Mendes Lucas (UnB) Vanessa Fleischfresser (Ipardes) Vanessa Petrelli Corrêa (UFU) Wilson da Silva Gomes (UFBA) Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Njobs Comunicação Coordenação Cida Taboza Jane Fagundes Fábio Oki Revisão Cindy Nagel Moura de Souza Clícia Silveira Rodrigues Lizandra Deusdará Felipe Luanna Ferreira da Silva Regina Marta de Aguiar Olavo Mesquita de Carvalho Editoração Andrey Tomimatsu Danilo Tavares Capa Joe Rodrigues Daniel Dresch Livraria SBS – Quadra 1 − Bloco J − Ed. 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