Dinâmica dos “limiares” de produção científica em saúde e as doenças muito negligenciadas: o caso da esquistossomose Resumo O objetivo deste artigo é analisar a dinâmica dos “limiares” de produção científica no setor saúde e sua conexão com a produção científico-tecnológica em esquistossomose, uma doença considerada muito negligenciada. Do ponto de vista teórico, o sistema de inovação setorial em saúde foi comparado ao sistema nacional de inovação (NSI). As diferenças encontradas foram expressivas, o que estimulou estudos setoriais sobre o sistema de inovação em saúde. As relações entre os diversos componentes destes sistemas são complexas e multifacetadas. No entanto, a título de simplificação, este trabalho utiliza indicadores de artigos e patentes como proxies de ciência e tecnologia (C&T). Avaliando os dados internacionais sobre artigos científicos e patentes, detectou-se a existência de um “limiar” de produção científica, que persistiu ao longo do tempo, entre os grupos de países mais desenvolvidos e menos desenvolvidos. Há também a constatação de uma distribuição desigual entre a carga das doenças e o nível de investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) nos países. Com isso, as doenças são classificadas em três grupos: não negligenciadas, negligenciadas e muito negligenciadas, sendo as doenças tropicais o exemplo principal do último grupo. Um estudo aprofundado da dinâmica científico-tecnológica da esquistossomose, doença tropical típica de países pobres ou em desenvolvimento, entre eles o Brasil, confirma seu caráter de doença muito negligenciada. Palavras-chave: sistema nacional de inovação, sistema de inovação em saúde, doenças muito negligenciadas. Abstract The objective of this article is to analyze the dynamic of the "thresholds" of scientific production in health sector and its connection with the scientific-technological productions in schistosomiasis, a very neglected disease. Concerning the theoretical perspective, the health innovation system was compared to the national system of innovation (NSI). The differences found were expressive, what stimulated sector studies about the health innovation system. The relations among the various components of these systems are complex and multifaceted. However, on the basis of simplification, this work uses papers and patents indicators as proxies of science and technology (S&T). Evaluating the international data set papers and patents, the existence of a "threshold" of scientific production was detected, which persisted as time went by, between the developed and developing countries. There is also the verification of an uneven distribution between the burden of disease and the research and development (R&D) investment level among the countries. Therefore, the diseases are classified in three groups: not neglected, neglected, and very neglected, with the tropical diseases as the main example of the last group. A deep study of schistosomiasis scientific-technological dynamic, a typical tropical disease of poor or developing countries, among them Brazil, confirms its character of very neglected disease. Key words: national system of innovation; health innovation system, very neglected diseases. 1 1 – Introdução Relatos históricos evidenciam que a evolução da ciência e da tecnologia acarreta em importantes alterações na organização social e econômica dos países. Novos conhecimentos gerados, novas descobertas e invenções implementadas representam o surgimento de novos paradigmas e, com eles, uma nova forma de vivenciar a realidade. Nesse contexto, a saúde assume um papel crucial, pois avanços científicos e tecnológicos nesse setor alteram perfis epidemiológicos existentes e influenciam diretamente tanto a qualidade de vida de determinada população quanto o nível de desenvolvimento social e econômico de seu país. A partir dessa breve referência sobre a elaboração teórica do sistema nacional de inovação (NSI), este artigo analisa a dinâmica setorial do sistema de inovação em saúde e, mais especificamente, focaliza as interações entre C&T para uma doença tropical muito negligenciada: a esquistossomose. Justifica-se a escolha desta doença para efeito de análise porque atinge grande parcela da população de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, entre os quais o Brasil, e cuja carga da doença é significativamente elevada. A partir dos trabalhos de Bernardes e Albuquerque (2006) e de Silva (2003), organizou-se uma tipologia de sistema nacional de inovação, que classifica um conjunto de países em três grandes grupos. Para Chaves et al. (2007), este foi o ponto de partida para pensar em uma tipologia específica de C&T para o setor saúde. Esses passos preliminares tornaram possível analisar a dinâmica dos “limiares” de produção científica em saúde. A hipótese básica é que esses “limiares” possuem uma trajetória dinâmica, ou seja, variam ao longo do tempo. O trabalho buscou identificar, dentro dos respectivos regimes de interação, quais os países envolvidos em atividades de C&T relacionadas a uma doença tropical, a esquistossomose, prevalente no Brasil. A partir disso, foi possível constatar se os países endêmicos estão utilizando recursos científico-tecnológicos como ferramenta para erradicação dessa doença. A idéia base desse artigo é a de que o desenvolvimento de sistemas de inovação do setor saúde e a criação de estratégias direcionadas a doenças tropicais devem, portanto, fazer parte da agenda de prioridades mundial e, principalmente, dos países pobres ou em desenvolvimento. Além da introdução, este artigo possui mais sete seções. A segunda contextualiza o tema, apresentando as abordagens sobre sistema nacional de inovação (NSI) e sistema de inovação setorial em saúde. A terceira seção descreve o conceito de “limiar” de produção científica e aponta os primeiros indicativos sobre sua dinâmica. A quarta seção aborda as doenças muito negligenciadas e apresenta um breve histórico sobre a esquistossomose. A quinta seção apresenta as bases de dados e a metodologia utilizada. A sexta seção analisa os principais resultados referentes aos “limiares” de produção científica em saúde, a produção mundial em C&T sobre esquistossomose e à distribuição da produção em C&T entre as principais instituições nacionais sobre esta doença. Finalmente, a sétima seção apresenta as conclusões do artigo. 2 2 - Sistema nacional de inovação e sistema de inovação setorial em saúde A literatura de economia da tecnologia apresenta o conceito de sistema nacional de inovação como um arranjo institucional, resultado de ações planejadas ou não, responsável pelo progresso tecnológico das economias capitalistas (FREEMAN, 1995; NELSON, 1993) e, conseqüentemente, pela riqueza das nações (RIBEIRO et al., 2006). Este arranjo institucional incluí universidades, institutos de pesquisa, laboratórios, empresas públicas e privadas, agências governamentais e de financiamento, etc, sendo que a articulação entre estas instituições determina a geração de inovações. Estas, por sua vez, se constituiriam em fontes decisivas do crescimento e do desenvolvimento econômico dos países (FREEMAN, 1995). As instituições constituem elemento fundamental dos sistemas de inovação. Não é possível compreender corretamente o desenvolvimento atual fora do alcance da formação e transformação institucional enfrentada pelos países. As universidades, enquanto instituições, desempenham um papel crucial. Nelson (1996) destaca a importância destas como motor do capitalismo moderno, enquanto repositório do conhecimento científico e tecnológico público. O argumento do autor é que os departamentos de ciência na academia são importantes para o progresso tecnológico na medida em que treinam cientistas e engenheiros, os quais serão aproveitados na indústria, e pelas pesquisas que realizam, ou seja, pelo conhecimento que geram. Isto permite, por um lado, reconhecer o papel quase exclusivo das universidades na formação e treinamento de mão-de-obra altamente qualificada. Por outro lado, porém, permite reconhecer a produção do conhecimento, o avanço científico, como peça chave para o progresso técnico e, é claro, a posição privilegiada das universidades. É importante ressaltar também que as universidades são elementos fundamentais na determinação da adaptabilidade e do aproveitamento das oportunidades tecnológicas nas sociedades. Acrescentese que o sistema educacional como um todo tende a ser refletido nas universidades. Isto significa que uma sociedade mais educada, logo melhor preparada, representa maior demanda para as universidades, ao mesmo tempo em que exige delas melhorias qualitativas nos serviços oferecidos. O resultado desta combinação é um sistema educacional permanentemente ampliado e em evolução, cujos efeitos transbordam para toda sociedade. Deve-se dizer também que outras instituições, centros de pesquisa e mesmo laboratórios de empresas, exercem, em alguma medida, as funções de treinamento e produção do conhecimento, tal como as universidades. Finalmente, cabe lembrar sobre as instituições, que os processos de catching up, sobretudo os bem sucedidos, exigiram e exigem uma efetiva capacidade de transformação e modernização das instituições em geral, nos países atrasados. Assim, a mudança institucional recebe igual destaque no processo de desenvolvimento. 3 As atividades econômicas apresentam variação no que diz respeito aos fluxos de informação científico-tecnológica e à velocidade de obtenção das inovações (PAVITT, 1984). Seguindo a orientação conceitual de desagregar o NSI por setores, um trabalho importante, que reforça o papel e a diversidade da interação entre C&T, é o de Pavitt (1991). O autor mostra que, se por um lado, em algumas indústrias como química e medicamentos, há forte ligação da tecnologia com a ciência básica, por outro lado as indústrias de materiais eletrônicos estão vinculadas com pesquisas mais aplicadas, como, por exemplo, na área de física. Em outras indústrias – transportes e mecânica – a ligação com a ciência é bem mais frágil. Em relação ao setor saúde, as características dos fluxos de informação em C&T nos países desenvolvidos envolvem o complexo médico-industrial, o sistema biomédico de inovação (relativo à contribuição dos hospitais para a produção científica) e a interação entre universidades e indústrias para a geração de tecnologia médica. Essas características requerem que o sistema de inovação seja bem desenvolvido e que as instituições de bem-estar sejam abrangentes (ALBUQUERQUE; CASSIOLATO, 2000). A partir dessa exposição, os autores propõem o conceito de sistema de inovação do setor saúde, o qual apresenta uma lógica de funcionamento específica. Albuquerque e Cassiolato, a partir das discussões de Cordeiro (1980), Gelijns e Rosenberg (1995), Hicks e Katz (1996) e Nelson (1995), fazem referência às principais características do sistema de inovação em saúde típico de países desenvolvidos: fortes vínculos entre ciência e tecnologia; articulação bem desenvolvida entre universidades e indústrias, como a farmacêutica, a biotecnológica e de equipamentos médicohospitalares; evidências de que a inovação depende intensamente de pesquisas interdisciplinares, ou seja, da cooperação entre profissionais com bases científicas diversas; interação da assistência médica (hospitais, clínicas e centros médicos) com centros acadêmicos e firmas; existência de instituições de regulação; interações entre saúde pública e universidades. É importante ressaltar que a tecnologia médica é condição necessária, mas não suficiente, para melhorar a qualidade da saúde. É de fundamental importância que as inovações sejam acessíveis à população e que sejam acompanhadas por melhorias nos sistemas de serviços em saúde. Em última instância, a estrutura institucional do sistema de inovação em saúde é crucial para o desenvolvimento de um sistema de bem estar social avançado. A Fig. 1 permite uma visualização clara da organização institucional e do fluxo de informações científico-tecnológica do sistema de inovação setorial em saúde para países desenvolvidos. 4 FIGURA I FLUXOS DE INFORMAÇÕES CIENTÍFICAS E TECNOLÓGICAS NO SISTEMA DE INOVAÇÃO DO SETOR SAÚDE: O CASO DE PAÍSES COM SISTEMAS MADUROS FONTE: Albuquerque e Cassiolato, p. 126, 2000 Nota-se que toda esta articulação, cujo resultado final são as inovações médicas, contribui para o aperfeiçoamento dos sistemas de inovação dos países e, conseqüentemente, para o crescimento sustentado dos mesmos. Mas, ao mesmo tempo, o sistema de inovação do setor saúde possui uma influência direta sobre o bem-estar social dos indivíduos, outra fonte decisiva de crescimento econômico (CAMPOS E ALBUQUERQUE, 1998). Avanços na medicina como descobertas de medicamentos, vacinas, novos aparelhos e instrumentos para tratamento de doenças etc, podem influenciar indicadores importantes, através da redução da taxa de mortalidade e do aumento da expectativa de vida da população. Percebe-se, portanto, que “o setor saúde possui uma característica distintiva de outros setores econômicos: ele é a interseção entre o sistema de bem-estar social e o sistema de inovação” (CAMPOS E ALBUQUERQUE, P. 15, 1998). Outro fator econômico que distingue o setor saúde dos demais refere-se ao papel da demanda de mercado. Segundo Arrow (1971), dadas as especificidades econômicas da atenção médica, pode-se supor que a dinâmica de inovação do setor saúde deva seguir uma lógica distinta da de outros setores econômicos. "A noção de 'mercado' em saúde é diferente do conceito de mercado para outros setores da economia onde, em princípio, os consumidores sabem (...) o que comprar" (GELIJNS, 1990, p. 150). As principais diferenças consideradas por Gelijns e Arrow são: 1. supõe-se que os consumidores tenham conhecimento de mercado em geral e que suas escolhas sejam autônomas. No caso da saúde, essas hipóteses são bem mais limitadas, pois são os profissionais (no caso, os médicos) que decidem o tipo de tratamento e demais intervenções necessárias; 5 2. o risco é um elemento sempre presente, porque os efeitos colaterais adversos da tecnologia médica afetam a vida, a concepção e o nascimento, o corpo, a mente, etc. Durante a fase de desenvolvimento de novas tecnologias, os benefícios ou riscos são altamente incertos, motivo pelo qual as novas tecnologias são, em geral, refinadas após avaliações clínicas; 3. necessidade de contenção de custos, principalmente quando o pagamento dos profissionais da área é realizado por terceiros (e não pelo paciente) e os segurados possuem seguro total. Esses são alguns dos motivos que tornam fundamentais a presença do governo, enquanto instituição reguladora, no mercado de saúde tanto para oferecer proteção relativa à eficácia/toxicidade dos novos produtos quanto para fiscalizar os mecanismos de financiamento. 3 - Dinâmica dos limiares de produção científico-tecnológica A idéia de “limiares” de produção científica com a qual se trabalha nesse artigo pressupõe que os sistemas nacionais de inovação podem ser categorizados em regimes de interação distintos de acordo com o grau de eficiência das conexões entre C&T. Bernardes e Albuquerque (2003) propõem a existência de três regimes. O primeiro corresponde a pouca interação entre ciência e tecnologia, ou seja, os canais de interações praticamente não existem. O segundo refere-se aos sistemas de inovação imaturos onde já existem canais de interação, porém estes estão parcialmente em funcionamento. Já no regime III, todos os canais de interação estão ativos, o que é característico dos sistemas de inovação maduros. Os autores defendem que a passagem de um regime para outro exige formação de massa crítica em termos da infra-estrutura científica. Assim, iniciam-se os canais de interação com reflexos positivos na infra-estrutura tecnológica bem como no nível de desenvolvimento dos países. Acrescente-se que essa massa crítica, correspondente ao “limiar”, é um marco dinâmico e implica em exigências cada vez maiores para os países, ao longo do tempo. Nessa análise é inevitável incorrer em algum tipo de simplificação, na busca de uma forma possível para sumarizar os sistemas de inovação em seus aspectos relevantes, com vistas a contribuir para o entendimento sistemático de seu funcionamento. Silva (2003), observando o comportamento da produção científica e tecnológica de um conjunto de países, pertencentes aos regimes II e III, entre 1980 e 2000, concluiu que os países com sistema de inovação desenvolvido apresentam um padrão de interação entre C&T ao longo do tempo. Além disso, conclui também que cada país passa por “limiares” próprios e que estes são dinâmicos, ou seja, mudam ao longo do tempo, porém em patamares cada vez mais elevados. Ribeiro et al. (2006) estimaram os “limiares” para 1974, 1982, 1990 e 1998, utilizando a metodologia de clusters super-paramagnéticos, para classificar um conjunto de 183 países de acordo com os regimes de interação. Eles concluíram que o “limiar” de passagem do regime II para o regime III cresce exponencialmente a uma taxa de 6,6% ao ano, enquanto que para o “limiar” do 6 regime I para o II a taxa de crescimento é de 4,2% ao ano. A proposição mais contundente destes autores é a existência do efeito “rainha vermelha” 1, o que significa que os países devem ampliar a sua produção científica para, no mínimo, permanecerem no mesmo lugar, segundo a classificação dos regimes de interação. Embora ganhe força a cada nova evidência, sobretudo estatística, a tese dos limiares de produção científica ainda precisa ser avaliada sob uma ótica setorial. Isto é sugerido em Silva (2003) como um corte necessário para investigar os países que, embora pertençam ao regime III em termos do NSI, não apresentaram uma relação mais evidente entre a dimensão científica e tecnológica em determinados setores. Desta forma, em estudo direcionado para o setor saúde, Chaves et al. (2007) identificam um limiar de produção científica para o setor saúde, como ocorre para NSI. Além disso, os autores também encontram elementos que revelam descontinuidade científico-tecnológica2 neste setor, referente ao ano de 2001. Isso significa que os países do regime II teriam de realizar maior esforço para ultrapassar o limiar, relativamente aos países pertencentes a esse regime e que compõem o NSI. 4 - As doenças muito negligenciadas: o caso da esquistossomose A análise da situação atual da saúde em todo o mundo revela um cenário de “epidemias emergentes e problemas persistentes” segundo a expressão utilizada pela World Health Organization (WHO, 1999). Nos países desenvolvidos, somente as doenças não transmissíveis representam graves problemas de saúde para a população (há ocorrência de doenças transmissíveis como a AIDS e a hepatite B, mas em uma proporção muito menor). Nos países pobres ou em desenvolvimento, por sua vez, além dos males citados anteriormente, a grande proporção de doenças transmissíveis antigas ou emergentes e doenças relacionadas à pobreza e à má qualidade de vida que ainda persistem também representa um agravo para as condições de saúde da população. Estes países convivem, portanto, com perfis epidemiológicos diversos (GFHR, 2000). Através destas informações qualitativas e de informações quantitativas fornecidas por um indicador conhecido como Anos de Vida Ajustados por Incapacidade - AVAI3, é possível constatar uma enorme desigualdade na distribuição mundial da carga das doenças e no gasto com pesquisas relacionadas às mesmas. Segundo estatísticas referentes ao ano de 1998 (GFHR, 2000), os países 1 Os autores fazem uma alusão metafórica ao clássico “Alice no País da Maravilhas”, de Lewis Carroll. A descontinuidade científico-tecnológica significa que não foi detectada interseção entre as retas representativas dos regimes II e III para o setor saúde e que a trajetória das respectivas retas não é convergente (para maiores esclarecimentos, ver gráfico 1). 3 O cálculo do AVAI baseia-se em dois índices básicos: Anos de Vida Perdidos - AVP e Anos de Vida Vividos com Incapacidade - AVI. O primeiro indicador leva em consideração o total de anos de vida perdidos por uma população devido a mortes precoces por problemas de saúde. O segundo indicador, por sua vez, relaciona-se ao número de anos vividos por uma população com danos à saúde, o qual está multiplicado pelo peso dos danos, que pode variar do estado de saúde total à morte. A soma em números absolutos de AVPs e AVIs fornece os AVAIs. Para mais informações ver MURRAY E LOPEZ (1996). 2 7 pobres ou em desenvolvimento concentram 85% da população e 92% da carga das doenças mundiais (medida em AVAIs), enquanto países desenvolvidos, por sua vez, possuem 15% da população e 8% da carga das doenças (medida em AVAIs). No entanto, segundo o atual “hiato 10/90”, menos de 10% do gasto global em pesquisa com a saúde é direcionado para 90% da carga total de doenças (medida em AVAIs). Portanto, os países pobres ou em desenvolvimento concentram a maior carga de doenças mundiais e, no entanto, há recursos insuficientes para lidar com estes males. As doenças podem ser classificadas segundo o critério de nível de investimento em pesquisa4 e sua carga em: doenças não negligenciadas, doenças negligenciadas e doenças muito negligenciadas. As primeiras atingem tanto os países pobres quanto os países ricos com uma grande parcela da população vulnerável em todo o mundo. São alvo de pesados esforços de pesquisa e desenvolvimento (P&D), mas o acesso aos produtos novos gerados com base na realização de pesquisas normalmente é dificultado para os países pobres ou em desenvolvimento. Exemplos destas doenças seriam diabetes, doenças cardiovasculares e hepatite B. O segundo grupo de doenças também atinge países ricos e pobres, mas, no entanto, sua carga apresenta maior prevalência nestes últimos. Os gastos com P&D em torno destas doenças é mais limitado e não condiz com a carga global que elas possuem. Exemplos seriam AIDS, tuberculose e malária. Por último, têm-se as doenças muito negligenciadas, com predominância em países pobres e um nível de P&D extremamente baixo. Neste grupo se inclui a maior parte dos males transmissíveis, com destaque para doenças tropicais como esquistossomose, leishmaniose e doença de Chagas (GFHR, 2002). O subinvestimento em pesquisa sobre doenças com alto índice de morbidade e mortalidade é uma realidade preocupante. Nota-se a existência de obstáculos científicos e a falta de incentivos econômicos para o desenvolvimento de vacinas e novos medicamentos por parte dos países ricos. Os países pobres ou em desenvolvimento, por sua vez, enfrentam problemas de recursos escassos a serem alocados para atividades de P&D em saúde (GFHR, 2002). Neste contexto, a situação das doenças tropicais consideradas, como já citado anteriormente, muito negligenciadas, merece ser discutida com destaque. A carga global destas doenças é bastante elevada. Enquanto doenças não transmissíveis, como o Mal de Parkinson e a esclerose múltipla possuem juntas uma carga de 2,63 milhões de AVAIs, a filariose linfática apresenta uma carga de 5,64 milhões de AVAIs. No entanto, o controle sobre as doenças tropicais está muito longe de ser atingido. O baixo investimento em atividades de P&D é um fator agravante no sentido do controle destas doenças, pois sem pesquisa e geração de novos conhecimentos não há como descobrir tratamentos novos e mais eficientes, curas definitivas etc (WHO, 2003). Nota-se que os 4 A variável utilizada pelo Global Forum For Health Research (2002) para avaliar o nível de investimento em tecnologia é o gasto em P&D. Nesse artigo, a proxy para a produção tecnológica é a patente e para a produção científica é o artigo. 8 investimentos farmacêuticos privados são cada vez menos direcionados para as doenças tropicais devido aos altos custos de desenvolvimento e registro dos produtos e ao risco de retornos comerciais insuficientes. No período compreendido entre 1975 e 1997, dos 1233 novos remédios que chegaram ao mercado mundial, apenas 13 eram destinados a doenças tropicais. (GFHR, 2000, 2002). Para que se possa resolver o problema da negligência em relação às doenças tropicais, esforços mundiais de pesquisa devem ser realizados. A colaboração dos países ricos justifica-se pela necessidade da saúde ser abordada como um fenômeno mundial que possa contar com iniciativas internacionais de esforços de pesquisa e difusão de conquistas científicas e tecnológicas (ALBUQUERQUE et al., 2003). Por outro lado, o esforço dos países pobres ou em desenvolvimento em pesquisas que visem o combate às doenças tropicais se constitui em fonte de aperfeiçoamento para seus respectivos sistemas de inovação em saúde e, conseqüentemente, pode contribuir para que esses países avancem ao longo dos regimes de interação. Neste contexto, emerge a discussão a respeito da esquistossomose. Esta é uma doença endêmica parasitária, que acomete cerca de 200 milhões de pessoas, em 74 países pobres ou em desenvolvimento das Américas, Ásia e África (só é superada pela malária, que possui aproximadamente 300 milhões de casos), sendo que 85% das pessoas infectadas vivem na África Subsaariana. Estima-se que cerca de 600 milhões de pessoas estejam expostas ao risco de infecção. O índice de mortalidade da esquistossomose varia entre 11.000 e 200.000 óbitos por ano e a carga da doença medida em AVAIs é de 1,7 milhões (PIVETTA, 2003; WHO, 2003). A esquistossomose é considerada, entre as doenças que afetam os seres humanos, uma das que possui registro mais antigo, sendo conhecida desde a antiguidade (KATZ; ALMEIDA, s.d.; PIVETTA, 2003). Segundo Fernandes (2007), sua origem remonta à África, mais especificamente ao Egito. No entanto, foi somente a partir do século XIX que a doença passou a ser conhecida cientificamente, com a determinação do agente causador e ciclo evolutivo, sintomas específicos, etc. É possível estabelecer uma relação entre o salto na dinâmica do conhecimento em torno desta doença e a emergência da medicina tropical enquanto uma disciplina no século XIX, pois foi através desta última que os pesquisadores começaram a investigar as doenças tropicais (PORTER, 1998). De acordo com o que foi descrito, a esquistossomose se constitui em um dos principais problemas de saúde pública de muitos países e regiões. Tal fenômeno apresenta uma relação direta com dois fatores. O primeiro seria a persistência da pobreza, pois a ocorrência da esquistossomose está relacionada à falta de saneamento básico, má educação da população e ausência de informação. O segundo, mais relevante para os objetivos deste artigo, seria a negligência mundial existente em relação à pesquisa em torno da esquistossomose. Este fenômeno dificulta a obtenção de novos 9 medicamentos que reforcem o controle da morbidade e de vacinas que controlem a transmissão. Desta forma, novos casos da doença continuam a surgir e o tratamento dos doentes continua sendo realizado com medicamentos disponíveis, porém problemáticos, como o oxamniquine e o praziquantel. Este último vem apresentando sérias dificuldades operacionais, pois dependendo do estágio de evolução da doença, o tratamento tem que ser repetido e o praziquantel pode se tornar ineficiente, abrindo a possibilidade de reinfecção (WHO, 2003). Há uma tendência ao agravamento desta situação, pois os recursos disponíveis para pesquisa atualmente são menores do que há vinte anos. Além disto, outros problemas de saúde pública considerados mais importantes, como a malária e a AIDS, competem pelos mesmos fundos de pesquisa (WHO, 2003). A indiferença dos países desenvolvidos reflete o fato de que esta não é uma doença típica dos mesmos, portanto, não representa um problema de saúde pública para estes países. Mas mesmo os países endêmicos não investem o necessário em pesquisas sobre a esquistossomose. Alguns países africanos e asiáticos não têm sequer o início da formação de um sistema de inovação e estão mais preocupados com a miséria, a fome e as guerras civis que assolam a população. 5 – Base de dados e metodologia Vários indicadores têm sido empregados na mensuração das atividades inovativas em ciência e tecnologia. Entre os mais utilizados, citam-se desde as despesas com P&D, patentes e artigos científicos, balança de pagamento tecnológico e pareceres de técnicos especializados. Patel e Pavitt (1995) observam que, dadas as limitações destes indicadores, eles poderão apresentar maior qualidade de aferição quando combinados entre si. Artigos científicos constituem uma rica fonte de informação sobre atividades científicas (PATEL & PAVITT, 1995). Algumas limitações da utilização de artigos como indicadores de infraestrutura científica devem ser considerados. As diferenças de idiomas podem dificultar a publicação de trabalhos em periódicos indexados em âmbito internacional, o que constitui uma certa vantagem para países de língua inglesa vis-à-vis aos demais países. É preciso levar em consideração que diferentes disciplinas científicas apresentam diferentes “propensões” a publicar artigos e diferem também quanto ao grau de internacionalização da produção científica. Além disso, é importante considerar o viés causado pela composição do conjunto de periódicos indexados. Neste sentido, deve-se observar aspectos como a especialização científica de cada país em algumas disciplinas e o peso desta última na composição da base, via especialização dos periódicos. Isto tende a registrar uma produção científica maior para países especializados nas áreas melhor representadas em termos de periódicos. O mesmo raciocínio pode ser feito em relação à 10 origem das publicações. Neste caso, países com maior representação, em termos de periódicos indexados, tendem a ser beneficiados. Uma outra limitação da base de artigos utilizada está mais fortemente associada aos países fora da fronteira científica e que tentam o catching up. Avanços menores nas áreas do conhecimento têm menor probabilidade de ganhar destaque no meio científico. Desta forma, para países atrasados, onde parte considerável (se não a maior parte) dos esforços é para entender e alcançar os países da fronteira, e para países em fases iniciais de catching up a produção registrada em periódicos de maior notoriedade será menos expressiva, o que não significa a inexistência de atividade científica relevante para o processo de desenvolvimento. Patentes podem ser consideradas como a realização de novas combinações dentro de um ambiente inovativo que permitirão, em algum momento, seu emprego na esfera econômica. Considerando que patentes são registradas por indivíduos, firmas e instituições (universidades, por exemplo), um ambiente inovativo deve ser decomposto, entre outros, por estes três elementos cujas ações, na medida em que buscam vantagens econômicas, tendem a contribuir para o aumento das estatísticas de patentes dos sistemas em que estão inseridos. Em outras palavras, a presença de firmas e indivíduos inovadores, que fazem uso de recursos próprios ou de terceiros (como laboratórios) para alcançar novas combinações, é indicador de que o sistema é capaz de fornecer estes recursos e alimentar tais ações. Portanto, quanto mais desenvolvida for a infraestrutura tecnológica, maior é a propensão ao registro de patentes. De fato, isto leva a considerar algumas questões problemáticas no uso de patentes como indicador de atividades inovativas. Patel e Pavitt (1995) alertam para: (1) as diferenças intersetoriais na propensão a patentear, os resultados das atividades de pesquisa e desenvolvimento realizadas pelas firmas e (2) para a mensuração insatisfatória, em termos de patentes, dos avanços feitos na área de softwares. Contudo, faz-se necessário destacar as vantagens das patentes em superar as imperfeições na mensuração das atividades inovativas através dos gastos de P&D bem como a forte correlação entre os níveis e tendências nas atividades tecnológicas nacionais, quando medidas pelas despesas per capita com P&D e o total de patentes registradas no United States Patents and Trademark Office (USPTO). O uso de patentes, em especial as depositadas no USPTO, para a comparação de atividades tecnológicas entre países apresenta algumas limitações. A primeira refere-se à posição dos Estados Unidos nas estatísticas de patentes, tendo em vista que para este país elas representam os registros do escritório doméstico de marcas e patentes, o que leva a uma superestimação da sua produção tecnológica. Nesta mesma linha, pode-se dizer que os demais países estarão tanto mais presentes 11 nas estatísticas produzidas por este órgão quanto mais empresas e indivíduos estes tenham como residentes no território americano. Tal como acontece com os artigos internacionalmente indexados, as patentes no USPTO também falham ao captar avanços tecnológicos de caráter mais incremental, de importância local. Isto significa que as inovações mais modestas tendem a não ser submetidas aos critérios do USPTO se, contudo, deixar de representar avanço. Do ponto de vista dos países mais atrasados, a subestimação das atividades tecnológicas realizadas em âmbito internacional será, portanto, dupla. Primeiro, porque estes países tendem a introduzir inovações mais incrementais e, segundo, as chances são reduzidas pela falta de empresas nacionais estabelecidas no território dos Estados Unidos. Os dados sobre artigos científicos foram extraídos do Institute for Scientific Information (ISI), composto pelo Science Citation Index Expanded (SCI) e pelo Social Sciences Citation Index (SSCI), disponibilizadas pela Web of Science (disponíveis em www.isiknowledge.com) e coletadas entre os meses de fevereiro e abril de 2007. Estes dados são usados como proxies da produção científica. Para analisar a infra-estrutura científica por país, serão utilizadas todas as disciplinas referentes ao setor saúde, enumeradas pelo ISI5. O documento das patentes (solicitadas e concedidas) encontradas no site do USPTO contém as informações utilizadas para a elaboração da base de dado. Entre essas informações está a classe tecnológica da patente. Existe uma classificação internacional de patentes preparada pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Ompi, cujo site é www.wipo.org),6 que possui diversos níveis de desagregação: seções, subseções, classes e subclasses. São oito seções e mais de 600 subclasses. Se, por um lado, a alta desagregação das subclasses dificulta a análise por separar tecnologias relacionadas, por outro lado a forma como a agregação é feita nos níveis de seção e subseção tem a finalidade de atender às necessidades dos escritórios de patentes e não de viabilizar análises acadêmicas no campo da economia da ciência e tecnologia. Para superar esses problemas, uma iniciativa do Observatoire des Sciences et des Techniques (OST, 2004) propôs uma forma de agregação em seis domínios tecnológicos e em 30 subdomínios 5 As disciplinas científicas da área de saúde são: abuso de substância, alergia, anatomia e morfologia, anestesiologia, biologia, biologia celular, biologia do desenvolvimento, biologia evolucionária, biologia reprodutiva, bioquímica e biologia molecular, biotecnologia e microbiologia aplicada, ciência da saúde e serviços, ciência do comportamento, cirurgia, dentística, cirurgia oral e medicina, dermatologia, doença cardiovascular periférica, doenças infecciosas, endocrinologia e metabolismo, enfermagem, entomologia, farmacologia e farmácia, fisiologia, gastroenterologia e hepatologia, genética e hereditariedade, geriatria e gerontologia, gerontologia, hematologia, imunologia, saúde pública ambiental e ocupacional, medicina emergencial, medicina geral e interna, medicina intensiva, medicina legal, medicina nuclear e imagens, medicina tropical, métodos de pesquisa em bioquímica, microbiologia, neurociência, neuroimagens, neurologia clínica, obstetrícia e ginecologia, oftalmologia, oncologia, ortopedia, otorrinolaringologia, parasitologia, patologia, pediatria, pesquisa médica, política de saúde e serviços, psicoanálise, psicologia, psiquiatria, radiologia, reabilitação, reumatologia, sistema respiratório, sistemas cardíaco e cardiovascular, tecnologia de laboratório médico, toxicologia, transplante, urologia e nefrologia, virologia. 6 WIPO em inglês é a sigla de World Intellectual Property Organization. 12 tecnológicos. O trabalho proposto pelo OST parte da classificação internacional da Organização Mundial de Propriedade Intelectual, mas os agrega, com o auxílio de especialistas das diversas áreas, de forma a viabilizar informações para o formulador de políticas e para o analista da área de economia da tecnologia. O “algoritmo” da agregação, proposto pelo OST pode ser encontrado em publicação da entidade (OST, p. 513-514, 2004). Os subdomínios tecnológicos (DT-30) relacionados à saúde utilizados neste artigo são: engenharia médica, química orgânica, química macromolecular, biotecnologia, farmácia e cosméticos. Contudo, é preciso não perder de vista as limitações das bases de dados de artigos e patentes para mensurar as atividades científicas e tecnológicas, respectivamente. Tanto as informações fornecidas pelo ISI quanto as provenientes do USPTO devem ser consideradas como apenas uma parte da produção científica e tecnológica. Finalmente, além dos dados sobre artigos e patentes, este trabalho conta com informações sobre a população a cada ano, disponibilizadas on-line pelo World Bank, no World Development Indicators (2003; 2006). Estes dados são importantes à medida que permitem normalizar os indicadores principais. As informações estão disponíveis para 39 países em 1985, 55 países em 1995 e 65 países em 2005. A metodologia adotada neste artigo separa os países pertencentes aos regimes II e III e, com isso, possibilita detectar a existência do “limiar” de produção científica 7 para o setor saúde. Para atingir esse objetivo, dois passos foram necessários. Em primeiro lugar, recorreu-se à análise multivariada, em particular a análise de cluster, para separar os países dos regimes II e III. Em geral, a análise de cluster pode ser considerada como um termo genérico para um conjunto de técnicas usadas para classificar dados que são inicialmente não classificados (EVERITT, 1986). O objetivo da classificação, nesse artigo, é somente explorar a base de dados e encontrar uma tipologia para os elementos (países) da análise. O algorítimo utilizado neste artigo foi o de clusters hierárquicos, com a mensuração da distância entre os grupos. Em alguns casos, a unidade de medida das variáveis pode alterar sensivelmente os resultados da estrutura do cluster. Por isso, os dados devem ser padronizados (EVERITT, 1986; KAUFMAN & ROUSSEEUW, 1990). Essa padronização é feita através da média e do desvio médio absoluto: Z ik = X ik − X k σk onde: Zik é o valor normalizado de Xik que, por construção, tem média zero e desvio 1; Xk é a média e σk o desvio das variáveis; k representa as variáveis do modelo, expressas por artigos e patentes; 7 È importante ressaltar que os países componentes do regime I são facilmente identificados, pois não possuem produção sistemática em ciência e/ou tecnologia. 13 i varia de 1 até n, sendo n o número de países. Os dados da análise de cluster são organizados em termos de p variáveis e n objetos. No método aglomerativo hierárquico, procura-se converter os dados brutos através de uma medida de distância, após a padronização, gerando-se uma matriz de distâncias. A medida mais comum é a distância euclidiana, dada por: p d ij = ∑(X ik − X jk ) 2 k =1 onde: Xik é o valor da k-ésima variável para o i-ésimo objeto. Em segundo lugar, para detectar o “limiar” de produção científica, o modelo utilizado por Bernardes e Albuquerque (2003) e adaptado por Silva (2003) foi testado para o setor saúde. A equação estimada, cujo resultado encontra-se no anexo 1, foi: ln P∗ = α + β1 ln A∗ + β 2 DA 3 + ui ln P* = log natural de patentes per capita; ln A* = log natural de artigos per capita. DA3 = variável dummy D3 multiplicada pela produção científica dos países do regime III. Expressa mudança de inclinação ou mudança estrutural. O “limiar” de produção científica para o setor saúde foi identificado para 1985, 1995 e 2005 8, através da mudança estrutural, expressa pela variável dummy de inclinação (DA3). Esta define claramente dois padrões distintos de comportamento relativos aos países que fazem parte do regime II, representados pela reta menos inclinada, e aos países do regime III, representados pela reta mais inclinada, conforme gráfico 1 (apresentado na seção 6, relativa aos resultados). 6 – Apresentação dos resultados O trabalho de Chaves (2007) identificou, para o ano de 2001, “limiar” de produção científica no setor saúde. Porém, este foi caracterizado por uma descontinuidade científico-tecnológica e pela categorização de três regimes de interação: regime I, que engloba países sem produção sistemática em ciência e/ou tecnologia em saúde; regime II, que engloba países imaturos e maduros sem ênfase em saúde; e finalmente, regime III, que engloba países maduros com ênfase em saúde. Esse artigo, partindo da mesma metodologia, identificou os mesmos elementos nos anos 1985, 1995 e 2005, conforme pode ser visto no GRAF. 1. A análise dos resultados encontrados demonstra que o grupo de países que compõem o regime III permanece inalterado nos anos de 1985 e 1995: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Dinamarca, EUA, Finlândia, França, Holanda, Israel, Japão, Noruega, Nova Zelândia, Reino Unido, Suécia e Suíça. 8 Esse resultado está em sintonia com os resultados de Bernardes e Albuqerque (2003), Silva (2003) e Chaves (2007). 14 Em 1985, a Irlanda encontrava-se na fronteira do regime II, produzindo 110,45 artigos por milhão de habitantes e 1,98 patentes por milhão de habitantes; em 1995, esse país continuava na fronteira do regime II, produzindo 193,50 artigos por milhão de habitantes e 2,78 patentes por milhão de habitantes. Isto significou um crescimento de 7,52% a.a. da produção científica e 4,04 % a.a. da produção tecnológica. Em 2005, a Irlanda passa a fazer parte do regime III, sendo o único país que conseguiu ultrapassar o “limiar” de produção científica. Neste ano, sua produção científica foi de 332,45 artigos por milhão de habitantes e sua produção tecnológica foi de 13,98 patentes por milhão de habitantes. Isto significou crescimento de 7,18% a.a. da produção científica e 40,36 % a.a. da produção tecnológica, ao longo de dez anos. É possível afirmar que o crescimento expressivo da produção científica possibilitou ao país mudar de regime e, ao ultrapassar o “limiar”, sua produção tecnológica foi significativamente aumentada, demonstrando que no regime III há maior eficiência na transformação de artigos em patentes. GRÁFICO 1 Dinâmica dos limiares de produção científico-tecnológica em saúde (artigos e patentes por milhão de habitantes) 1985, 1995, 2005 1985 1995 CH 10 IL GE 8 AU SK IE TW 6 SE FR IL---SE FR TW SG IE AU UK ZA UK ZA SK BR RU 4 BR AS EG CN EG 2 NG 6 8 10 12 14 2005 CH US 10 IL TW SE ---IE UK FR AU SG 8 SK RU ZA 6 ln(patentes por milhão de habitantes) CH US US BR AS 2 4 -----EG CN 6 . . 8 10 12 14 ln(artigos por milhão de habitanttes) Fonte: Elaboração própria a partir de ISI, 2007; USPTO, 2007. Países e siglas: Irlanda (IE), EUA (US), França (FR), Reino Unido (UK), Suíça (CH), Suécia (SE), Austrália (AU), Israel (IL), Egito (EG), Brasil (BR), China (CN), Arábia Saudita (SA), África do Sul (ZA), Nigéria (NG), Rússia (RU), Coréia do Sul (SK), Taiwan (TW) e Singapura (SG). 15 Dezesseis países, entre eles o Brasil, aparecem em todos os três anos no regime II: Argentina, África do Sul, Coréia do Sul, Egito, Espanha, Filipinas, Grécia, Hungria, Índia, Itália, México, Polônia, Portugal, Taiwan e Venezuela. (ver TAB. A-1 do anexo). É interessante aqui fazer uma alusão aos países conhecidos como “tigres asiáticos”. Coréia do Sul e Taiwan, apesar de estarem sempre no regime II, vêm avançando rapidamente em direção ao regime III, estando praticamente na fronteira da transição em 2005. Como mostra o GRAF. 1, a Coréia do Sul ficou atrás do Brasil em 1985, ultrapassando-o em 1995. Singapura apresenta maior destaque, pois em 1985 ainda se encontrava no regime I, atingindo o regime II em 1995, ficando praticamente na fronteira com o regime III. É possível estabelecer uma relação entre a distribuição dos países no GRAF. 1 e a ocorrência de doenças. Nota-se que nos países pertencentes ao regime III, há predominância de males não transmissíveis e doenças crônico-degenerativas, com pouca prevalência de males transmissíveis. Nos países dos regimes I e II, por sua vez, ocorrem com grande intensidade todos os males citados anteriormente. No entanto, como mais de 80% da população mundial encontra-se nos países dos regimes I e II, conclui-se que a carga das doenças é muito maior nesses dois regimes. Mas, apesar disso, os esforços de P&D não são direcionados para as doenças típicas/exclusivas desses países, as quais são consideradas negligenciadas. ATAB. 1 demonstra, a partir de estatísticas de artigos e patentes, o grau de negligência em relação a essas doenças. Enquanto a hepatite B, doença não negligenciada, possui uma carga de 2,17 milhões de AVAIs e um total de 20.348 artigos e 818 patentes, a filariose linfática, doença muito negligenciada, apresenta uma carga de 5,77 milhões de AVAIs e apenas 893 artigos e 2 patentes. Um questionamento pode ser realizado a partir das observações anteriores. Quais são os países que, mesmo em escala mínima, estão envolvidos em atividades de C&T relacionadas às doenças muito negligenciadas? A resposta para essa pergunta pode apresentar pistas sobre aproveitamento de “janelas de oportunidade” por parte dos países pobres ou em desenvolvimento. Esse artigo procurou responder a esse questionamento para uma doença: a esquistossomose, que apresenta alta prevalência no Brasil. Justifica-se a escolha dessa doença para efeito de análise pelo fato dela possuir elevada carga em todo o mundo, 1,7 milhões de AVAIs, e baixo investimento em C&T. Acrescente-se que a tripanosomíase e a filariose linfática, duas doenças tropicais muito negligenciadas, também possuem alta carga e baixo investimento em C&T; no entanto, são doenças tipicamente africanas. A Doença de Chagas já foi objeto de análise de Fernandes (2005), que realizou uma investigação semelhante à proposta deste artigo. A esquistossomose apresentou, no período 1985-2005, um total de 3936 artigos e 34 patentes, conforme pode ser verificado nas TABs. 1 e 2. 16 TABELA 1 Total de artigos científicos e patentes para algumas doenças selecionadas (1985-2005) 1985 2005 Doenças Artigos Doenças não negligenciadas Diabetes Doenças cardiovasculares Hepatite B Doenças negligenciadas Malária Tuberculose Doenças muito negligenciadas Doença de Chagas Esquistossomose Filariose Linfática Patentes 97169 31709 20348 3825 1141 818 18788 29120 562 617 3104 3936 893 33 34 2 Fonte: Elaboração própria a partir de GFHR (2002); ISI, 2007; USPTO, 2007. TABELA 2 Total de artigos científicos indexados pelo ISI e patentes concedidas pelo USPTO sobre esquistossomose por ano 1985-2005 Ano 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Total Artigos Científicos 95 135 103 90 129 103 206 224 163 172 189 235 269 246 233 231 239 244 224 196 210 3936 (%) Total 2,41 3,43 2,62 2,29 3,28 2,62 5,23 5,69 4,14 4,37 4,80 5,97 6,83 6,25 5,92 5,87 6,07 6,20 5,69 4,98 5,34 100,00 Patentes 2 0 1 0 1 0 1 0 1 0 0 1 3 2 2 2 4 4 3 5 2 34 (%) Total 5,88 0,00 2,94 0,00 2,94 0,00 2,94 0,00 2,94 0,00 0,00 2,94 8,82 5,88 5,88 5,88 11,76 11,76 8,82 14,71 5,88 100,00 Fonte: Elaboração própria a partir de ISI, 2007; USPTO, 2007 No que diz respeito à produção científica, a análise detalhada dos endereços dos autores dos 3936 artigos possibilitou verificar a distribuição geográfica mundial da produção científica sobre esquistossomose no período referido9. Nota-se que 119 países apareceram nas estatísticas, mas somente 21 se destacaram com mais de 1% do total de artigos, conforme mostra a TAB. 3. A liderança é dos Estados Unidos com 17,09% dos artigos, enquanto o Brasil aparece em segundo lugar com 11,55% do total, seguido um pouco mais distante pela Inglaterra, com 7,94% do total. 9 As estatísticas de países a partir dos artigos científicos sobre esquistossomose identificados foram obtidas a partir das referências de endereços dos mesmos. Um artigo pode ter sido produzido por diversos pesquisadores de um mesmo país ou de países diferentes, portanto, essa estatística pode estar superestimada. No entanto, essa é a melhor metodologia encontrada, já que capta as parcerias. 17 TABELA 3 Total de artigos científicos sobre esquistossomose dos 21 países com maior produção científica 1985-2005 Posição 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 Total mundial País EUA Brasil Reino Unido Egito França Alemanha China Suíça Holanda Japão Bélgica Kênia Dinamarca Austrália Arábia Saudita Zimbábue África do Sul Tanzânia Nigéria Sudão Suécia Total de artigos (%) 999 675 464 370 296 232 222 188 181 136 127 122 110 107 86 85 80 71 69 61 59 5846 17,09 11,55 7,94 6,33 5,06 3,97 3,80 3,22 3,10 2,33 2,17 2,09 1,88 1,83 1,47 1,45 1,37 1,21 1,18 1,04 1,01 81,08 Fonte: Elaboração própria a partir de ISI, 2007. Em relação às patentes identificadas sobre esquistossomose, percebe-se que apenas 16 países apareceram nas estatísticas10, conforme pode ser verificado na TAB. 4. Mais uma vez, os EUA lideram a lista, com 62,30% do total de patentes. TABELA 4 Total de patentes sobre esquistossomose concedidas pelo USPTO segundo o país dos inventores 1985-2005 País Total (%) EUA Suíça França Coréia do Sul Alemanha Reino Unido Brasil Israel Rússia Áustria Austrália Itália Islândia Suécia Dinamarca Egito Total 76 10 8 5 4 3 3 2 2 2 2 1 1 1 1 1 122 62,30 8,20 6,56 4,10 3,28 2,46 2,46 1,64 1,64 1,64 1,64 0,82 0,82 0,82 0,82 0,82 100,00 Fonte: Elaboração própria a partir de USPTO, 2007 Buscou-se identificar, a partir das TABs. 3 e 4, em quais regimes de interação se encontram os países que realizam atividades de C&T sobre esquistossomose. Em primeiro lugar, constatou-se que 13 países pertencentes ao regime III destacaram-se em termos de produção em C&T sobre a esquistossomose: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Dinamarca, EUA, França, Holanda, Israel, Japão, Reino Unido, Suécia e Suíça. É importante mencionar quais instituições e órgãos desses países que estão ligados à realização de pesquisas em torno da 10 A literatura da Economia da Tecnologia propõe a identificação do país ao qual pertence uma patente a partir da residência do (s) inventor (es). Como uma patente pode apresentar mais de um inventor, seja de um mesmo país ou de países diferentes, a estatística pode estar superestimada. 18 esquistossomose. Organizações governamentais, como a Agência Dinamarquesa de Desenvolvimento Internacional, a União Européia, o Conselho de Pesquisa Médica do Reino Unido e os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos financiam a pesquisa sobre a esquistossomose, sendo que os recursos vão tanto para pesquisadores nacionais quanto para os de países endêmicos. A OMS, através dos fundos destinados ao Tropical Disease Research (TDR) 11, também merece destaque, pois apesar de ocorrerem contínuas quedas nos valores absolutos destes fundos, eles oferecem capital humano (estudantes PhD), subsídios e suporte institucional para as pesquisas. Isto pode ser exemplificado pela presença de monitores do TDR na Nigéria e no Senegal, os quais supervisionam as experiências clínicas de uma vacina, e pela participação massiva do TDR nas pesquisas relacionadas à descoberta de medicamentos contra a esquistossomose (entre 1975 e 1997, dos treze novos remédios indicados para tratamento de doenças tropicais, seis foram desenvolvidos com suporte do TDR). As ênfases estratégicas deste fundo passam por: novos conhecimentos básicos (bioinformática, genética, patogenia, impacto sócio-econômico e metodológico da avaliação da carga da doença); ferramentas e métodos de intervenção melhores (desenvolvimento de novos medicamentos, avaliação segura e eficaz de remédios e diagnósticos já existentes, otimização do “praziquantel”); estratégias melhores (desenvolvimento de formas para sustentar o controle e a vigilância em diferentes regiões endêmicas, incluindo meios de comunicação melhores) (WHO, 2003). Em segundo lugar, destacaram-se cinco países que produzem C&T em esquistossomose e que permanecem no regime II em 1985, 1995 e 2005. São eles: África do Sul, Brasil, Coréia do Sul, Egito, Itália. Outros oito países, predominantemente africanos e asiáticos, que alternaram posição entre os regimes I e II, também produzem C&T em esquistossomose: Arábia Saudita, China, Kênia, Nigéria, Rússia, Sudão, Tanzânia e Zimbábue. O caso chinês merece ser destacado. A prevalência da esquistossomose na China é bastante antiga, mas há alguns anos a doença está deixando de ser um problema de saúde pública grave. Para conseguir tal feito, o governo chinês, a partir da formação da República Popular em 1949, combinou diversas estratégias. Por um lado, nota-se que alguns ministérios trabalharam juntos para desenvolver programas de controle eficientes como tratamentos quimioterápicos em massa em áreas endêmicas e seletivos em áreas menos endêmicas, controle da reprodução dos caramujos e educação sanitária. Por outro lado, houve massivos investimentos em pesquisa científica, com treinamento de cientistas especializados e fortalecimento de instituições e laboratórios. A pesquisa foi parte fundamental do esforço para o controle da esquistossomose, sendo financiada pelo Banco Mundial 11 O Programa Especial de Pesquisa e Treinamento sobre Doenças Tropicais - Tropical Disease Research/TDR é um exemplo importante de iniciativas internacionais. Estabelecido em 1975 e patrocinado pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, pelo Banco Mundial e pela Organização Mundial da Saúde - OMS, o TDR tem como objetivo ajudar a coordenar, financiar e influenciar os esforços globais no combate às doenças tropicais. 19 através do TDR. O papel deste último foi fornecer financiamentos para o programa de pesquisa chinês. Durante o período de sete anos em que este programa perdurou, foram publicadas 278 teses, premiaram-se 25 projetos e outros sete foram patenteados (WHO, 2003; YUAN et al., 2002). Pesquisadores do Centro Nacional de Genoma Humano Chinês, em Xangai, surpreenderam a comunidade científica internacional com a notícia do mapeamento de 13.131 dos 15.000 genes que constituem o genoma do S. japonicum, espécie causadora da esquistossomose no país. Esta descoberta se constitui em um reflexo dos esforços de pesquisa empreendidos pelo país e reforça as expectativas da possibilidade da erradicação total da doença na China (PIVETTA, 2003). Em relação ao Brasil, a realização de pesquisas e o aprofundamento do conhecimento sobre a dinâmica da esquistossomose são fontes importantes para a possibilidade de obtenção de um tratamento mais eficaz para a doença ou até mesmo para a sua erradicação cuja utilidade o país vem descobrindo. A divulgação de um trabalho inédito, de pesquisadores brasileiros, responsável pelo mapeamento de 92% dos genes do parasita causador da endemia no país é prova disto. Este trabalho, conhecido como “Projeto Genoma Schistosoma Mansoni”, foi financiado pela FAPESP e pelo CNPq, e que contou com o apoio de 37 pesquisadores de instituições renomadas como a Universidade de São Paulo - USP, a Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, os Institutos Butantan e Ludwig no âmbito da rede de consórcio virtual de laboratórios genômicos do Estado de São Paulo - ONSA, fez do S. mansoni o parasita com a maior porcentagem de genes seqüenciados do mundo. A realização de tal feito abre espaço para a descoberta de novos medicamentos e para o aperfeiçoamento dos diagnósticos, uma vez que informações a respeito do comportamento do parasita no sistema imunológico humano estão sendo reveladas. E, o mais importante de tudo, renova as esperanças da possível descoberta de uma vacina. Os pesquisadores da ONSA, cientes desta possibilidade, pediram nos Estados Unidos a patente sobre o direito de utilização de mil fragmentos ativos de DNA do parasita. Desta forma, buscam conseguir financiamento e garantir a autonomia das descobertas realizadas em território nacional. É importante ressaltar que pesquisas realizadas em camundongos já conseguiram uma imunização em torno de 35%, sendo que a OMS julga aceitável uma vacina com 45% de eficiência nestes animais (PIVETTA, 2003). Segundo Sérgio Costa, pesquisador brasileiro da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, quando se trata de seres humanos, a vacina contra a esquistossomose tem que fornecer uma imunidade que gire em torno de 70%, ser fácil de ser produzida e incorporada pela população (IX SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESQUISTOSSOMOSE, 2003). Além do trabalho realizado pela rede ONSA, pode-se citar as pesquisas paralelas desenvolvidas pela Rede Genoma de Minas Gerais, criada em 2002 e que conta com sete instituições de pesquisa localizadas no estado, entre elas a UFMG, a Universidade Federal de Ouro Preto - UFOP e o Centro de Pesquisas René Rachou. Com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado 20 de Minas Gerais – FAPEMIG (investimento de R$ 2 milhões na compra de seqüenciadores automáticos e reagentes químicos, além de bolsas de pesquisa) e do CNPq (R$ 1,8 milhão), o objetivo desta Rede é contribuir para o conhecimento da biologia molecular deste parasita. Os interesses mineiros são grandes, já que Minas Gerais concentra um milhão de casos da doença e os maiores especialistas nacionais no assunto (ALMEIDA, 2003). A análise dos 675 artigos nacionais sobre esquistossomose identificou 82 instituições do país citadas nos endereços dos autores. No entanto, apenas 13 instituições possuem mais de 1,00% do total de artigos. A Fiocruz aparece em primeiro lugar, com 26,70% dos artigos, conforme pode ser verificado na TAB. 5. As principais universidades brasileiras aparecem logo em seguida, com destaque para a UFMG, com 15,45% do total. Notas-e também a forte presença de órgãos ligados a governos como as Secretarias Estaduais de Saúde e a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA). Apesar de não constarem na tabela por não possuírem mais de 1,00% do total de artigos, é importante ressaltar que entre as 82 instituições identificadas, detectou-se a presença de institutos importantes como o Adolfo Lutz e o Butantan, com 9 e 7 artigos, respectivamente, bem como de renomados hospitais particulares mineiros como o Felício Rocho (1 artigo), o Socor (2 artigos) e o Vera Cruz (2 artigos). TABELA 5 Total de artigos científicos sobre esquistossomose das 13 instituições brasileiras com maior produção científica 1985-2005 Posição Instituição Total de artigos (%) 1 Fiocruz 299 26,70 2 UFMG 173 15,45 3 USP 116 10,36 4 UFRJ 60 5,36 5 UFBA 55 4,91 6 UFPE 44 3,93 7 UNICAMP 30 2,68 8 UNIFESP 25 2,23 9 SES 25 2,23 10 UNIVALE 18 1,61 11 FMTM 16 1,43 12 UERJ 15 1,34 13 FUNASA 13 1,16 1120 79,38 Total do país Fonte: Elaboração própria a partir de ISI, 2007 Siglas: Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), USP (Universidade de São Paulo), UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), UFBA (Universidade Federal da Bahia), UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), UNICMAP (Universidade de Campinas), UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), SES (Secretarias Estaduais de Saúde), UNIVALE (Universidade Vale do Rio Doce), FMTM (Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro), UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), FUNASA (Fundação Nacional de Saúde). 21 7 – Conclusão A análise do sistema de inovação setorial em saúde evidenciou a ocorrência de quebra estrutural na relação entre as dimensões científica e tecnológica para o setor, de forma similar à que ocorre com o NSI. Essa quebra estrutural representa o “limiar” de produção científica requerido para se atingir maior eficiência na produção tecnológica. A partir desse ponto, o país consegue formar massa crítica em termos de pesquisa, de modo que sua produção científica possa ser canalizada e transformada em produção tecnológica. De forma distinta do NSI, para o setor saúde não houve interseção entre os dois regimes e sim descontinuidade na produção científico-tecnológica. Esse resultado ilustra a dificuldade que os países do regime II terão para atingir estágios mais avançados em termos de C&T, pois a distância que separa os dois regimes torna-se cada vez maior. De forma similar ao NSI, o “limiar” de produção científica é um conceito dinâmico, pois à medida que o tempo passa, exige-se que o país aumente significativamente sua produção científica para ultrapassar a fronteira do regime II e ingressar no regime III. Tal fenômeno foi persistente nos três períodos analisados nesse artigo. A área de saúde possui uma particularidade que amplia o papel da infra-estrutura científica nos países subdesenvolvidos: há temas que não podem ser resolvidos sem um investimento de pesquisa localizado nesses próprios países (CHAVES et al., 2007). O chamado “hiato 10/90”, segundo o qual menos de 10% dos recursos em P&D são destinados a mais de 90% da carga mundial de doenças, sintetiza o problema e indica a tarefa (GFHR, 2000). O estudo sobre a evolução do conhecimento científico sobre a esquistossomose revelou que, apesar de ser esta uma das doenças mais antigas do mundo, o homem só conseguiu identificá-la cientificamente e descrever seu ciclo no corpo humano e no seu hospedeiro intermediário, a partir do século XIX. Nota-se, portanto, a acumulação prévia de conhecimentos científicos que foi necessária para que tal feito fosse realizado. A revisão da literatura sobre a dinâmica da doença e o levantamento de estatísticas de C&T, representadas por artigos científicos e patentes sobre a esquistossomose, demonstraram que esta é uma doença muito negligenciada, por que não concentra esforços de pesquisa que possam contribuir para a obtenção de seu controle e de sua erradicação. Somente treze países pertencentes ao regime III e treze países dos regimes I e II se destacaram na produção de C&T em esquistossomose. Evidencia-se, portanto, a necessidade da realização de uma revisão das prioridades da agenda mundial de pesquisa em saúde, com a inclusão de problemas persistentes como a esquistossomose e várias outras doenças tropicais na lista de males que devem ser combatidos e, portanto, devem contar com recursos de P&D. Isto abre a possibilidade de os países dos regimes I e II, incluindo o Brasil, construírem seus processos de catching up enfatizando o setor saúde. 22 Referências bibliográficas IX SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE ESQUISTOSSOMOSE, Salvador, 02 a 05 de novembro de 2003. ALBUQUERQUE, E. M. Apresentação do artigo “The National System of Innovation in Historical Perspective”. Revista Brasileira de Inovação, Rio de Janeiro, v.3, n. 1, p. 9-13, 2004. ALBUQUERQUE, E.; SOUZA, S.; BAESSA, A. Pesquisa e inovação em saúde: uma discussão a partir da literatura sobre economia da tecnologia. Belo Horizonte/Montes Claros, 2003. ALBUQUERQUE, E.; CASSIOLATO, J. E. As especificidades do sistema de inovação do setor saúde: uma resenha da literatura como introdução a uma discussão sobre o caso brasileiro. São Paulo: FeSBE, 2000 (Estudos FeSBE I). ALMEIDA, K. Rede Genoma: mineiros estudam o parasita da esquistossomose. Minas faz Ciência, Belo Horizonte, p. 12-15 jun./ago. 2003. ARROW, K. 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(Suppl.1). 24 ANEXO 1 Equação de produção tecnológica para o sistema de inovação em saúde – países pertencentes aos regimes II e III - 1985, 1995 e 2005 Pit = α 0 +β 1 ( A it) + β2 (DA 3) + β 3 DP + β 4 DN + ε it Variáveis C Ait 1985 1995 2005 -1.43 -3.61 -2.85 0.71 *** 0.94 *** 0.83 *** DA3 0.10 * 0.08 *** 0.13 *** R2 (adj.) 0.71 0.85 0.86 Teste de White 11.0 * 2.68 *** 6.89 *** Fonte: elaboração própria Modelo clássico de regressão – estimado pelo método dos mínimos quadrados ordinários (MQO). *** Significativa a 1%; * Significativa a 10%. ANEXO 2 Transição dos países por regimes de interação em saúde País 1985 1995 2005 País 1985 1995 2005 AUSTRÁLIA ÁUSTRIA BÉLGICA CANADÁ DINAMARCA FINLÂNDIA FRANÇA ALEMANHA ISRAEL JAPÃO HOLANDA NOVA ZELÂNDIA NORUEGA SUÉCIA SUÍÇA REINO UNIDO ESTADOS UNIDOS IRLANDA ARGENTINA BRASIL EGITO GRÉCIA HUNGRIA ÍNDIA ITÁLIA MÉXICO FILIPINAS POLÔNIA PORTUGAL ÁFRICA DO SUL CORÉIA DO SUL ESPANHA TAIWAN VENEZUELA BULGÁRIA Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime 1 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime3 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 COLÔMBIA CUBA MARROCOS CHILE CHINA CROÁCIA INDONÉSIA IRÃ LITUÂNIA MALÁSIA ROMÊNIA RÚSSIA ARÁBIA SAUDITA SINGAPURA ESLOVÊNIA TAILÂNDIA TURQUIA UCRÂNIA ARGÉLIA CAMARÕES MALI ILHAS MAURÍCIAS NIGÉRIA ARMÊNIA REP. CHECA REP. DOMINICANA EL SALVADOR ESTÔNIA GANA KUWAIT LÁTVIA PERU SRI LANKA URUGUAI VIETNÃ Regime2 Regime2 Regime2 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime2 Regime2 Regime 1 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime 1 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Regime2 Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do ISI, 2007; USPTO, 2007. 25