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Vivências de Médicos Oncologistas Diante da Terminalidade: Uma
Análise Compreensiva
STEYTLER, Martha Ethel1
SANTOS, Manoel Antônio dos2
GONÇALVES, Maria Carolina Fregonezi3
GONÇALVES, Maria Carolina Osti Fregonezi4
KODATO, Sérgio5
RESUMO
Fundamentado no enfoque teórico-metodológico da psicologia fenomenológica, o
presente estudo tem por objetivo compreender os significados atribuídos pelos
médicos às suas vivências junto a pacientes com câncer em estágio avançado da
enfermidade, considerando a aproximação cotidiana à terminalidade. Seguindo as
normas éticas vigentes, foram realizadas entrevistas abertas com sete médicos a
partir da questão norteadora: “Conte-me sobre como é, para o(a) senhor(a), atuar
junto ao paciente de câncer”. As entrevistas foram realizadas nos consultórios
particulares dos profissionais, audiogravadas e transcritas na íntegra e literalmente.
Em seguida, o material coligido foi submetido à análise fenomenológica de acordo
com os passos propostos por Giorgi, Martins e Bicudo, e Valle, com o propósito de
extrair as unidades de significado. Segundo a análise das falas dos médicos, atuar
junto ao paciente com câncer comporta múltiplas vivências. Assim, percebe-se no
contexto do médico, a necessidade de aprender mais sobre aspectos da própria
subjetividade envolvidos na experiência com a terminalidade. De acordo com os
profissionais entrevistados, a formação médica negligencia o contato com o
fenômeno da morte e do morrer. Os médicos revelam sensibilidade e respeito à
subjetividade do paciente terminal e tentam conciliar esses aspectos com as
necessidades técnicas e protocolos terapêuticos institucionalizados, o que, muitas
vezes, desencadeia conflitos internos nos profissionais. Espera-se que os resultados
possam contribuir para auxiliar a proposição de estratégias que visem promover
apoio emocional aos profissionais de oncologia no decurso da formação profissional
e também em programas de pós-graduação e especialização médica, favorecendo a
humanização do cuidado.
Palavras-chave: fenomenologia; médico; câncer; terminalidade; significados.
1
Mestre em Psicologia pela USP de Ribeirão Preto e membro do Observatório de Violência e
Práticas Exemplares da FFCLRP-USP. E-mail: [email protected].
2
Doutor em Psicologia pela USP e docente da FFCLRP-USP. E-mail: [email protected].
3
Graduada em Psicologia pela UNIFRAN-Franca e membro do Observatório de Violência e Práticas
Exemplares da FFCLRP-USP. E-mail: [email protected].
4
Graduada em Psicologia pela UNIFRAN-Franca e membro do Observatório de Violência e Práticas
Exemplares da FFCLRP-USP. E-mail: [email protected].
5
Doutor em Psicologia pela USP, docente e oordenador do grupo de Pesquisa do Observatório de
Violência e Práticas Exemplares da FFCLRP-USP. E-mail: [email protected].
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ABSTRACT
This study is based on the phenomenological psychology theoretical-methodological
focus and aimed to understand the meanings attributed by physicians regarding their
experiences with terminally ill cancer patients, considering their daily proximity to
terminality, seeking to learn the meanings attributed to death and dying. Open
interviews, following the current ethical guidelines, were performed with seven
physicians with the following guiding question: “Tell me about how it is, for you, to
work with cancer patients”. ”. The interviews were carried out at the professionals’
private offices. The interviews were recorded and integrally and literally transcribed.
Then the material collected was analyzed through phenomenology according to the
steps proposed by Giorgi, Martins and Bicudo, and Valle, seeking to extract the
meanings units. According to the analysis of physicians’ discourses, working with
cancer patients comprises multiple experiences. Thus, it is perceived, in the
physician experience, the need to learn more about aspects of the subjectivity itself
involved in the experience with terminality. According to the professionals
interviewed, the medical formation neglects the contact with the death phenomenon
and that of dying. The physicians reveal sensibility and respect to the terminal
patient’s subjectivity and try to conciliate these aspects with the technical needs and
institutionalized therapeutic protocols, which, oftentimes, lead them to internal
conflicts. It is expected that these results contribute to the proposal of strategies
aimed to promote emotional support to oncological professionals in their professional
education and also in graduate and medical specialization programs, towards the
humanization of care.
Key-words: physician; neoplasm; terminality; hospice care; meanings.
INTRODUÇÃO
O câncer é formado por células que sofreram modificações no seu material
genético, passando então a apresentar um crescimento e uma multiplicação
desordenada. Essas mutações nos genes de uma única célula fazem com que ela
se prolifere rapidamente a ponto de formar uma massa tumoral. Isso acontece
porque essas células deixam de responder aos mecanismos de controle natural do
organismo para criarem os tumores.
No entanto, várias transformações têm que ocorrer na mesma célula para que
ela se torne maligna. Encontramos mais de 200 doenças agrupadas sob o nome
genérico de câncer, que têm em comum o fato de resultarem do crescimento
autônomo e desordenado de uma pequena parte do organismo. É chamada de
oncologia, a especialidade médica que estuda os cancros, ou seja, os cânceres,
como ele se instala e progride, bem como as formas de tratamento (LOPES;
CAMARGO, 2000; YAMAGUCHI, 2003).
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Sobre o câncer, Carvalho (2002) apud Yamagushi (1994, p. 21) cita que:
O médico que cuida dos aspectos clínicos é chamado oncologista
clínico. Além deste, outros profissionais envolvidos no tratamento são
o cirurgião oncológico, o radioterapeuta e o psicólogo, que participam
de uma equipe multidisciplinar.
A autora relata que a colocação de Yamagushi passa a ser oficial, no tocante
a psicólogos na equipe, a partir da publicação da Portaria nº 3.535 do Ministério da
Saúde, publicada no Diário Oficial da União, em 14/10/1998. Determinando assim, a
obrigatoriedade da presença do psicólogo nos serviços de suporte, como um dos
critérios de cadastramento de centros de atendimento em Oncologia junto ao SUS.
Este cenário trouxe à tona o desenvolvimento da Psico-Oncologia, área de
interface entre a Psicologia e a Oncologia, que realiza conhecimento educacional,
profissional e metodológico, acompanhando a transformação da assistência ao
paciente com câncer. Seu foco de estudo se estende em todos os níveis de
intervenção junto ao portador da doença, e abarca em seu leque de cuidados, a
equipe multiprofissional. Nesse aspecto, o eixo norteador das pesquisas atuais
nessa área tem sido cuidar de quem cuida, isto é, identificar e compreender os
fatores emocionais em jogo nas tarefas assistenciais e oferecer suporte psicológico
para os membros da equipe, para que esses cuidadores profissionais possam ter
contempladas suas necessidades psicológicas (GIMENES, 1994).
Atualmente, o câncer evidencia uma maior possibilidade de cura e sobrevida
dos doentes, porém, ainda ocorrem muitas mortes e o estigma de doença fatal/morte
permanece firmemente arraigado, trazendo grande impacto para os enfermos e
familiares, como também para o exercício da medicina (VENDRUSCOLO, 2001;
FALCÃO, 2012).
Assim, a resposta psicológica mais comum diante da morte é o medo.
Refletindo sobre esse contexto, Kastenbaum e Aisenberg (1983), relataram que o
medo do processo de morrer inclui o indesejável sofrimento. Ou seja, é a
possibilidade de padecer a aflição física que torna o morrer um acontecimento tão
repulsivo. Além disso, podemos dizer que, com a consciência da possibilidade
próxima da própria morte, seja pela doença ou pela identificação do doente
enquanto seu semelhante, o homem busca rever as prioridades e os valores de sua
existência.
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Sabemos que, durante o curso de Medicina, os estudantes estabelecem seu
primeiro contato com a morte nas aulas de anatomia, o que pode ser muito sofrido,
pois a primeira relação estabelecida é com um ser humano desvitalizado, um
cadáver conservado em formol. Além disso, não há espaço para a expressão de
sentimentos nessas aulas, de modo que os estudantes necessitam utilizar recursos
defensivos para lidarem com o mal-estar interior gerado pela experiência de terem
que iniciar seus estudos da ciência da vida utilizando o corpo de uma pessoa morta.
Segundo Kovács (1992), nesse contexto pedagógico o primeiro passo é
retirar do cadáver qualquer vestígio de identidade humana, pois a possibilidade de
pensar que ali havia um ser humano, e que, portanto, a vida é transitória, pode ser
muito angustiante. Para o estudante de medicina, desvendar os segredos do corpo,
contemplar os meandros de seu funcionamento e recuperação, são os grandes
desafios, sendo o maior deles adiar e controlar o trabalho da morte.
Para Falcão e Lino (2004), a morte se faz presença cotidiana no exercício da
Medicina. Portanto, facilitar a identificação dessa questão seria, obviamente, um
tema saliente e relevante na formação do médico. Contudo, os autores contestam
que isso seja fato corrente. Relataram que experiências em diferentes situações,
tanto hospitalares como acadêmicas, apontam para outra realidade. A morte de
pacientes segue como fonte de questionamentos, inquietações e ansiedades para
profissionais da medicina envolvidos.
Os referidos autores ainda mencionam que o acompanhamento do médico no
processo do morrer de um paciente é restrito à tecnologia médica. Assim, diante da
morte o que prevalece são as questões que dizem respeito aos procedimentos
técnicos mais adequados, fundamentais ao exercício da Medicina, porém
empobrecidos diante da vivência da morte como parte da existência humana. Dessa
forma, o enfrentamento do sofrimento existencial do paciente que está entre a vida e
a morte fica carente de consideração. Isso desvela a falta da orientação ao
estudante de medicina e ao médico, em questões relacionadas às dimensões
subjetivas da morte e do morrer.
O ensinamento ao profissional em formação a lidar com a doença terminal
com princípios científicos e tecnologia avançada, se traduz numa clara atitude
defensiva para prevenir-se da morte. Esses fatores podem promover “frustrações e
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sensações de impotência, quando deparados com a realidade” (EIZIRIK et al., 2000,
p. 44).
Considerar todos os avanços da Medicina pode levar a crer que todas as
doenças podem ser curadas e que às vezes é só uma questão de tempo para que
as ciências médicas evoluam a tal ponto. De fato, através desse olhar, a morte pode
ser encarada como falha da Medicina, o que faz com que ela deixe de ser parte
integrante da condição de vida. Isso posto, os médicos podem se sentir pouco
confiantes de que ainda podem ajudar, seja na preservação da qualidade de vida,
seja desempenhando seu papel social (PAZIN-FILHO, 2005). Encontramos
pesquisas que apontaram dificuldades por parte da equipe cuidadora, principalmente
de médicos e enfermeiros, de lidar com algumas questões subjetivas envolvendo
pacientes terminais (QUINTANA; KEGLER; SANTOS; LIMA, 2006).
O complexo entrelaçamento entre o câncer, a vida e a morte nos faz pensar
em como é, para o médico, lidar com as questões que envolvem a morte e o morrer.
Afinal, esse profissional, que em sua longa formação aprende sobre a cura das
doenças no intuito de salvar vidas, no decorrer de sua prática irá deparar com essas
questões liminares. Dessa forma questiona-se: quais os significados atribuídos pelos
médicos às suas vivências, considerando a relação com a terminalidade? A presente
investigação tem como objetivo compreender os significados atribuídos, por esses
profissionais, às suas vivências relacionadas ao câncer em fase terminal.
MÉTODO
Trata-se de um estudo qualitativo, que teve como referencial teórico a
Psicologia Fenomenológica com a proposta de compreender fenômenos da vivência
de oncologistas, diante da terminalidade, considerando-os protagonistas da
experiência vivida. A Psicologia fenomenológica advém da Fenomenologia que é o
estudo da consciência e dos seus objetos.
Husserl propôs que no estudo das nossas vivências, desse fenômeno que é
estar consciente de algo, não devemos nos preocupar se ele corresponde ou não a
objetos do mundo externo à nossa mente. O interesse para a Fenomenologia não é
o mundo que existe, mas sim o modo como o conhecimento do mundo se realiza
para cada pessoa. Nesse sentido, através da redução fenomenológica, "epoche",
consideramos o processo pelo qual tudo que é informado pelos sentidos é mudado
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em uma experiência de consciência, em um fenômeno que consiste em se estar
consciente de algo (FORGHIERI, 1997). Para Boemer (1994), o conceito de
fenômeno se opõe ao de fato. Na pesquisa fenomenológica o pesquisador, quando
interroga, está focalizando o fenômeno, e não o fato, ou seja: considera, portanto, os
significados que os indivíduos atribuem às suas experiências.
Diante do fenômeno da terminalidade, suspendemos quaisquer atitudes,
crenças populares, mitos, teorias, estereótipos, preconceitos ou emoções de caráter
singular a fim de nos concentrarmos exclusivamente na essência do fenômeno para
buscar a compreensão das vivências do oncologista diante do paciente terminal.
PROCEDIMENTO
Os colaboradores desse estudo foram sete médicos de ambos os sexos e
que, em sua prática como profissional autônomo/liberal, cuidam de pacientes
oncológicos, atuando junto à clientela infantil, adolescente, adulta e da terceira
idade.
Foram definidos os seguintes critérios de inclusão/exclusão:
- atuação em cuidados paliativos: ter experiência com pacientes acometidos
de câncer em estágio avançado, considerados fora de possibilidade terapêutica;
- acessibilidade: foram incluídos os profissionais que se mostraram
disponíveis para participar do estudo e que estiveram de acordo com as exigências
da pesquisa, formalizando sua anuência mediante assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido.
O quadro 1, que segue apresenta uma caracterização dos sete colaboradores da
pesquisa, em função do sexo, idade, estado civil, número de filhos, tempo de
atuação profissional e contato com morte por câncer na família.
Quadro 1: Perfil dos médicos colaboradores da pesquisa.
Colaborador
Sexo
Idade
(anos)
Estado
civil
Filhos
Tempo de
atuação
profissional
(anos)
Contato com
morte por
câncer na
família
Rafael
Masculino
56
Casado
2
32
Sim
Miguel
Masculino
36
Casado
_
10
Sim
Gabriel
Masculino
69
Casado
5
35
Não
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Ângela
Feminino
47
Casada
1
19
Sim
Daniel
Masculino
34
Casado
1
12
Não
Mikael
Masculino
45
Casado
2
23
Não
Raziel
Masculino
49
Casado
2
26
Não
Fonte: Elaborado pelo Autor
Todos os profissionais têm especialização em oncologia, atendem pelo SUS,
por convênio de saúde e mantêm consultório particular, sendo que um deles atende
voluntariamente. Dois colaboradores não revelaram sua renda e os demais
informaram rendimentos variando entre 20 e 85 salários mínimos. Dos sete
entrevistados três haviam tido contato prévio com morte por câncer de familiares
antes de se especializarem em oncologia.
No contato com os profissionais foram apresentados os objetivos da
pesquisa, enfatizando-se que a participação era inteiramente voluntária, sendo que
uma eventual recusa não acarretaria prejuízo algum, respeitando a autonomia do
colaborador.
A busca pelos consultórios particulares aconteceu por uma pesquisa
eletrônica na internet, na intenção de listar os médicos oncologistas cadastrados nos
convênios médicos que atendem na cidade. Foram registrados quinze médicos, dos
quais quatro não concordaram em participar do estudo, dois concordaram a
princípio, mas não conseguiram agendar um horário para a realização da entrevista.
Apenas dois médicos não puderam ser localizados. A solicitação para o
agendamento das entrevistas foi feita através das secretárias dos consultórios
médicos, por telefone e também pessoalmente.
COLETA E ANÁLISE DE DADOS
Seguindo as normas de ética vigentes, a coleta de dados ocorreu em uma
cidade com média de seiscentos mil habitantes, no consultório particular dos
médicos participantes da pesquisa. A opção pela realização das entrevistas nos
consultórios foi motivada pela preocupação de assegurar um local de conforto para
os colaboradores, como um espaço familiar em que eles pudessem entrar em
contato com as ressonâncias afetivas que possivelmente seriam mobilizadas pela
temática do estudo.
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Dessa forma ao agendarem um horário para a realização da entrevista, o
médico estaria concordando previamente em ceder um pouco do seu tempo para o
cumprimento da sua participação nesse estudo. Para preservar a identidade dos
participantes, a cada colaborador foi designado um nome de anjo. As entrevistas
foram realizadas individualmente, em situação face-a-face. Utilizamos um áudiogravador digital e caderno para anotações, que configuraram o diário de campo. A
aplicação obedeceu às instruções preconizadas pela literatura referente à técnica de
entrevista, atentando-se para as particularidades da abordagem fenomenológica.
Por se tratar de uma entrevista aberta, não foi seguido um roteiro estruturado préestabelecido.
Os depoimentos coletados através da entrevista foram pautados por uma
única questão norteadora, aberta, abrangente e não restritiva, envolvendo
descrições e histórias, sentimentos, reflexões, técnicas, opiniões, dúvidas, dentre
outros temas. Para o pesquisador coube acompanhar, abarcando, a fala do
entrevistado, deixando surgir a intuição, a percepção, sentimentos e sensações,
enfim, buscou-se o envolvimento existencial, um estar-com-o-outro respeitando-se a
singularidade de cada um (FORGHIERI, 1997).
A coleta de dados foi realizada no decorrer de uma única sessão, podendo
ser estendida caso necessário, fato ocorrido apenas uma vez – o colaborador sentiu
necessidade de conceder dois momentos para a entrevista, sendo 30 minutos em
um dia e mais 30 minutos em outro momento, com intervalo de uma semana. A
duração média das entrevistas foi em torno de 35 minutos. Porém duas entrevistas
ultrapassaram uma hora (colaboradores Gabriel e Ângela).
As entrevistas foram gravadas e transcritas imediatamente após a realização
das mesmas. O conteúdo foi analisado de acordo com os passos propostos por
Giorgi (1978), Martins e Bicudo (1989) e Valle (1997), segundo a “análise da
estrutura do fenômeno situado”. Dessa forma, realizamos a leitura geral das
entrevistas; releitura atenta apreendendo os significados do fenômeno apresentados
pelos colaboradores; busca de convergências e divergências dentro de cada
depoimento e dentre os depoimentos em geral; transformação da linguagem
cotidiana do participante em linguagem psicológica e a síntese compreensiva das
unidades de significado reveladas a fim de obter uma configuração global do
fenômeno em estudo, posteriormente transformadas em resultados e discussão.
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Considerando a temática da morte entendemos como oportuno criar um
contexto que se mostrasse convidativo para o profissional entrar em contato com
suas vivências com os pacientes oncológicos. Dessa maneira, a entrevista teve
como questão norteadora: “Conte-me sobre como é, para o(a) senhor(a), atuar junto
ao paciente com câncer”. Assim, deixamos que os aspectos vinculados à morte
emergissem espontaneamente em suas falas, para então serem questionados e
devidamente aprofundados, estimulando-os a falarem à vontade e a discorrerem
livremente sobre suas experiências, se possível associando-as com outras
vivências, idéias ou pensamentos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Cada
colaborador
desse
estudo
anexou
significados
próprios,
que
correspondem à sua vivência enquanto ser-no-mundo, ao seu ser-si-mesmo,
construídos no percorrer da história de suas vidas. Contudo, considerando a
singularidade e respeitando o modo de existir de cada um dos médicos, são muitas
as convergências encontradas. Identificamos três principais categorias temáticas
reveladas através das vivências dos oncologistas diante da terminalidade: 1) A visão
do médico sobre sua formação e escolha pela oncologia; 2) A polaridade vida e
morte; 3) A relação médico-paciente.
A visão do médico sobre sua formação e escolha pela oncologia
A escolha da medicina como profissão, sem dúvida advém de vários fatores,
inconscientes ou explícitos, mas necessariamente como possibilidade de realização
pessoal e adequações às aptidões pessoais. Os motivos altruístas e a busca pelo
conhecimento são dados evidenciados na pesquisa de Ribeiro (2011). Na
sequencia, a autora mostra, fatores mencionados por estudantes de medicina sobre
a escolha da profissão: ajudar e servir pessoas, empregabilidade, bons salários,
status social, diversidade de áreas de atuação, poder do médico.
Os médicos colaboradores falaram a respeito da visão que têm do curso de
graduação em Medicina e revelaram a predominância absoluta de uma preocupação
com a formação técnica do profissional, o que se desdobra em uma grade curricular
que negligencia os aspectos psicológicos e subjetivos do médico, do paciente e da
relação médico-paciente. Atribuíram a falta de disciplinas consagradas aos aspectos
humanos do profissional e do paciente a várias causas, como a própria abrangência
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de conhecimentos técnicos a serem transmitidos, a dificuldade de se tratar de
questões relativas ao subjetivo, principalmente à morte e à perda, em um curso que
prepara profissionais curadores ou “salvadores” e a um desinteresse dos
graduandos sobre essas questões.
Há uma lacuna na educação médica quanto ao conhecimento sobre a morte e
o morrer. “Os cursos de Medicina de modo geral dedicam, em média, somente
quatro horas-aula para esse assunto” (CATALDO NETO et al., 2003, p. 484).
Segundo os médicos entrevistados, nesse momento de sua formação o futuro
profissional ainda não está sensibilizado para a importância do conhecimento sobre
aspectos emocionais e existenciais para o seu fazer profissional e seu bem-estar
pessoal. Os médicos relataram:
O médico não é treinado para isso... O médico é para ser... O médico não é
treinado para perda... o médico é um salvador... E, se eu considero isso?
Isso é uma falha... (Rafael, 56 anos).
Para o médico [na formação] eu acho que é importante. Eu acho que quem
trabalha no setor de cuidados paliativos, se não tiver nenhum preparo para
isso, acaba às vezes não valorizando, como se diz, acaba banalizando a
morte (Mikael, 45 anos).
Daniel de 34 anos mencionou ter cursado a disciplina “Psicologia Médica”
durante a graduação e considerou essa disciplina relevante para o seu processo de
formação, embora reconhecesse sua imaturidade no contexto em que foi vivenciada.
Tivemos psicologia médica. Mas na verdade a coisa era muito distante.
Primeiro porque não era uma realidade que a gente vivia. Eu,
particularmente, não aproveitei porque não entendi o recado (Daniel, 34
anos).
Um dos recursos utilizados pelos colaboradores durante sua prática de
atuação foi buscar por conta própria conhecimentos psicológicos e filosóficos, bem
como assistir a palestras e cursos a fim de instrumentalizar seu fazer no trato com os
pacientes.
Eu acho que é importante [estudar as questões da morte e do morrer]. Para
o médico estar lidando com isso, estar enfrentando. Durante a minha
formação, eu assisti muitas palestras que falavam de morte, era um assunto
que me interessava bastante, eu gostava de ir, acompanhar essas palestras
(Mikael, 45 anos).
Do contexto aluno-formação-professor Rios (2012), descreveu e interpretou
três tipos de relação professor-aluno, baseados na onipotência do professor, na
construção de vínculo e na desqualificação do aluno. Em cada um deles, um modo
predominante de comportamento estaria sendo ensinado de modo informal,
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aproximando ou afastando o ensino da ética e também da competência relacional. A
autora conclui que as relações professor-aluno na escola médica precisam ser alvo
de estudo e atenção, assim como a clara definição de um padrão ético institucional
para todos, para que se possa alcançar o objetivo de uma formação humanística em
Medicina. É o que encontramos na marca discursiva de Raziel, pontuando para o
contexto das questões da morte:
O que aconteceu na faculdade foi tudo fruto da nossa experiência pessoal...
E nunca, os professores ou docentes fizeram qualquer tipo de orientação,
nunca. Porque ninguém te prepara (Raziel, 49 anos).
Atualmente ainda observamos o predomínio do modelo clínico individual,
oriundo do paradigma curricular “flexneriano”, na formação dos profissionais de
saúde, embora tal modelo venha se mostrando insuficiente para responder à
complexidade do processo saúde-doença e do paradigma curricular da integralidade
do cuidado (SCHERER, 2005).
De modo geral, os médicos atribuem a deficiência de uma formação que
considere mais os aspectos humanos, a um déficit no processo educacional, mas
também, a questões subjetivas dos estudantes que tendem a afastar essas
questões emocionais durante os estágios, o que é ilustrado com exemplos sobre o
abandono de médicos da residência ao se depararem com a morte, as “escapadas”
fortuitas nos momentos de comunicação diagnóstica, dentre outros. Porém já
podemos observar uma tentativa de mudança no que se refere à comunicação de
“más notícias” aos pacientes, pois treinamentos para esta tarefa passaram a ser
incluídos nos currículos de graduação, especialização e educação médica
continuada (NONINO, 2012).
Sobre a aproximação do médico com a especialidade, os mesmos falaram a
respeito dos fatos que os conduziram a trabalhar na cancerologia. A significação
dessa escolha provém da identificação com a área e apareceu como um fator
contundente seja por ter conhecido um pouco sobre a doença durante a graduação,
ou por questões pessoais. Dentre as questões pessoais podemos destacar, para
dois dos colaboradores, a convivência com o câncer e a morte pela doença na
própria família, como emerge na fala de Ângela:
...eu resolvi ser oncologista porque praticamente todos na minha família
morreram de câncer. Todos os meus tios, meus avós, todo mundo da
família do meu pai. Então é uma coisa que eu já sabia que queria há muitos
anos (Ângela, 47 anos).
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Outras vivências como as frustrações em trabalhar em outras áreas da
medicina e a percepção da inquietude causada no médico, pelo paciente com
câncer, fazem com que os médicos sintam a necessidade de buscar a oncologia.
...e aí eu falei, não, eu não agüento mais essa rotina de coisas benignas, eu
quero a rotina de coisas, de pacientes que estão enfrentando alguma
situação de, de câncer (Rafael, 56 anos).
Outra significação importante é a associação do cuidar do paciente com
câncer como um desafio. Existe relato de que o paciente oncológico é muitas vezes
abandonado, excluído. São os sentimentos suscitados a partir desse quadro de
“descaso” que instigam no médico a vontade de conhecer e trabalhar com os
pacientes doentes de câncer.
E esses pacientes [oncológicos], eram meio que deixados de lado. Eu
percebia que ninguém queria muito ficar com aqueles pacientes. Existia
aquela questão de nunca falar a verdade para o paciente. E não era que se
evitava, somente. Era norma não falar (Mikael, 45 anos).
Dessa forma, os médicos expuseram seus pensamentos sobre a visão do
câncer, com dizeres muito particulares. A oncologia aparece como a possibilidade do
aprendizado de “algo” complexo. “Algo” como aprender a lidar com as frustrações,
“algo” como recurso de evolução.
Então, talvez se eu pensar nisso e em lidar com oncologia é simplesmente
aprender a lidar com frustração. É saber enfrentar esse sentimento de
frustração. E para mim é o momento mais rico que eu tenho... de evoluir
nesse sentido (Miguel, 36 anos).
O Câncer é visto também, como uma doença solitária, e que abrange os
fatores biológicos, sociais, mas principalmente os fatores psicológicos, responsáveis
pela motivação e disposição do médico para atender seu paciente.
porque câncer é uma doença solitária (Rafael, 56 anos).
Os médicos expuseram que cada paciente reage à doença e ao tratamento
de maneira desigual e única. A dor do paciente e os sentimentos a ela associados
provocam diferentes respostas, e exigem dos médicos condutas diferenciadas,
mesmo se tratando de casos semelhantes.
A polaridade vida e morte
Não só os médicos estão hoje tateando caminhos para lidar com os limites da
biomedicina. Os que não são médicos também encontram-se entrelaçados com as
consequências do uso dos recursos dessa ciência, com os conflitos que muitas
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vezes emergem no processo de enfrentamento da proximidade da morte (FALCÃO,
2012). Vê-se também, que na hora da morte, o espanto e a perplexidade parecem
envolver todos os que participam desse momento, incluindo-se aí a família e o
próprio paciente, que compartilham as angústias e desafios da situação vivida.
O paciente doente de câncer é visto como um ser-carente, vítima de
problemas genéticos, ambientais e emocionais. Uma apreciação interessante, e que
revela a polaridade vida e morte que cerca a doença é traduzida nas marcas
discursivas de Raziel e Ângela: “nessa doença, se você não vence, o perder significa
perder a vida” e “o câncer tem cura, não é apenas morte”.
Diante dessa polaridade, os médicos entrevistados têm percepções
semelhantes quanto ao risco de perder um paciente doente de câncer e classificam
esse risco como alto.
Rafael coloca que quando sabe que um paciente vai morrer, tenta agir de
forma com que o paciente sofra o menos possível. Utiliza-se de um diálogo interno
questionando-se se a conduta escolhida é a mais adequada para lidar com aquele
caso. Rafael:
Existe uma árvore de decisões... então eu coloco na arvore e vejo como eu
posso ajudar. Eu vejo se o risco é alto de perder, né... eu já me preparo
para perder, e já me preparo para fazer com que para essa pessoa a perda
seja menos sofrida para ela (Rafael, 56 anos).
...eu nunca parei para pensar... Ah... Mas ela segue alguns trâmites, por
exemplo. É estar preparado para falar assim, eu comigo mesmo: olha, eu
não vou acrescentar tratamento contra o câncer desse paciente. Porque?
Por quê eu não vou ajudar o paciente desse jeito, vou causar mais
sofrimento (Rafael, 56 anos).
Raziel também acredita que existe um compromisso em oferecer o melhor ao
paciente, mas que mesmo assim a doença pode prevalecer.
Então, quando acontece, eu percebo que fico muito chateado no dia, e no
outro, e eu não sei com que mecanismo aquilo ali vai se esvaindo, talvez até
racionalizando... Sei lá, a pessoa tem uma doença e não respondeu. Você
tem o compromisso de dar o melhor para o paciente, mas principalmente na
oncologia, você não vence sempre, pelo contrário (Raziel, 49 anos).
Perante o fenômeno investigado, o modo preferencial que os médicos lidam
com o caráter inevitável da morte é o sentimento de tristeza, por vezes
acompanhado pelo choro, que tende a se esvair nas vivências cotidianas.
A primeira coisa que eu faço: eu choro, eu choro. Aí, depois, a minha razão,
a minha consciência me mostra o caminho para seguir. Depois que eu
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chorei eu tenho melhor condição para avaliar o que está acontecendo
(Gabriel, 69 anos).
Quando você perde por causa da doença, aquilo ali é só sofrimento. Eu
mesmo, eu convivo melhor com isso depois. Mas na hora é uma tristeza
danada (Raziel, 49 anos).
Ainda sobre a elaboração do luto, é importante ressaltar a maneira como
esses médicos resignificam esses momentos de perdas. Mandar carta para a família
do paciente, enfrentar o dia-a-dia e principalmente destacar a vida, seja com os
pacientes vivos ou no contexto social e familiar, são recursos atribuídos ao
fenômeno em questão.
O meu luto vai até o momento que eu escrevo uma carta para a família. E
cada carta, eu pesco uma característica pessoal do paciente, na minha
percepção... (Rafael, 56 anos).
Contudo, as repercussões emocionais do cuidar de pacientes
fora de possibilidades terapêuticas podem afetar o conceito do profissional acerca
da morte e do morrer. Estudos mostraram que o paciente terminal (incluindo a
criança) de algum modo sabe que vai morrer e isso lhe causa intenso sofrimento,
principalmente quando está em jogo o afastamento das pessoas queridas
(RAIMBAULT, 1979).
Relação médico-paciente
De acordo com Silva et al (2011), as pesquisas vêm elucidando que a maioria
das queixas dos pacientes faz referência a dificuldades de comunicação com o
médico e não a sua competência clínica, deixando evidente que um bom
relacionamento aumenta a qualidade do serviço, além de influenciar positivamente o
estado de saúde do paciente.
A referida autora conclui que existem nuances na relação médico-paciente
oncológico que diferem das demais especialidades. O status emocional alterado dos
pacientes e familiares, a abordagem diferenciada de transmitir o diagnóstico, uma
má notícia e as terapêuticas que, em curto prazo, são mais difíceis que a própria
doença, tornam-se fatores limitantes aos objetivos da relação médico-paciente, ou
seja, construção do vínculo, satisfação do usuário, adesão ao tratamento, qualidade
de vida.
Através da percepção empática dos seus pacientes, Ângela percebeu ter se
deslocado do lugar de “toda poderosa”, passando a entender que é o paciente quem
sabe mais sobre a vida dele, sobre as aflições e vontades, e não ela própria.
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O médico se acha auto-suficiente, né? O todo poderoso. E eu pensava: mas
eles têm que fazer o que eu quero. E hoje não, hoje eu penso o contrário
(Ângela, 47 anos).
Essa relação é um fenômeno importante que perpetua diretamente com as
questões da doença terminal. Três dos colaboradores desse estudo deixaram claro
que o médico deve ser acessível ao paciente e seus familiares, gerando um clima de
confiança na relação médico-paciente. Fornecer os números dos telefones do
trabalho, celular e também de suas residências é facilitador nesse contexto, pois
consideram que, para os pacientes, esclarecer uma dúvida pode ser crucial.
Além do descrito, esse estudo ainda mostrou que a maioria dos
colaboradores verbaliza que a relação médico-paciente tem que ser boa, positiva.
Para eles o paciente tem que ser respeitado em suas vontades em relação à doença
e ao tratamento. Todos os colaboradores afirmaram que a relação médico-paciente,
no referido contexto, tem que ser próxima. Descontração e brincadeiras também
cabem nessa relação:
O canceroso é assim, eu me envolvo com eles. Mesmo aqueles casos que
têm mal cheiro, às vezes um caso de câncer de mama, eu brinco, beijo...
porque às vezes é um carinho que elas não têm em casa. Danço com elas,
eu mesmo assovio e canto (Gabriel, 69 anos).
A questão da morte permeando as vivências da relação médico-pacientedoente-de-câncer-terminal surge como presença constante. O paciente passa dos
cuidados terapêuticos/curativos para os cuidados paliativos. Essa faceta, no
desvelar do fenômeno, tem que ser gradual e caminhar aos poucos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É importante ressaltar que o fenômeno investigado é inesgotável. Assim,
quando desvelamos algumas das facetas do fenômeno, outras novas vêm a se
velar, em um constante movimento.
Como declara Rios (2010), a desarticulação da área de humanidades na
formação médica é o fato. Fazer sua inserção, o desafio. Na voz e letra de vários
autores, é fundamental que nos currículos médicos existam disciplinas específicas
da área, sem esquecer de que o aprendizado de valores e atitudes se dá pela
observação dos mestres em ação no dia a dia. De acordo com Cannone (2004), uma
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vez que as representações são "guias de ação" a existência de uma representação
específica para médicos e pacientes nos mostra, uma mudança semântica e
emocional, um técnico de medicina que, no futuro, deve se esforçar no sentido de
um existencialismo. O consenso é que haja disciplinas e temas humanísticos
transversais que se apresentem em diferentes momentos e disciplinas curriculares
durante toda a formação do aluno.
Contudo, na compreensão obtida por meio da análise das entrevistas
destacamos a importância de uma discussão sobre a formação médica no contexto
da morte e do morrer. Refletir sobre a prática educativa da graduação dos cursos de
Medicina é de suma importância para melhor instrumentalizar o médico em seu fazer
profissional diante do paciente terminal, aliviando as angustias emergentes nessa
situação-limite.
Estima-se que, se houver uma preparação vivencial para acolhimento desses
aspectos, haverá também uma melhora da relação do médico com seu mundo
próprio, em seu ser-si-mesmo e, conseqüentemente, nas suas relações com o outro,
incluindo os próprios pacientes e familiares, e os outros profissionais cuidadores que
constituem a equipe de saúde. Acreditamos que, dessa maneira, os médicos teriam
mais condições de se apropriar do adoecimento e da morte, oferecendo não
somente um atendimento humanizado, mas também uma relação mais humana com
aqueles que os cercam.
Confiando que a pedagogia das competências no ensino médico encontra-se
hoje respaldada nas Diretrizes Curriculares Nacionais e que vem sendo incentivada
pelos programas ministeriais como estratégia para promover mudanças curriculares
nas escolas médicas, esperamos que estudos voltados para a vivência dos
profissionais de saúde e, sobretudo, dos médicos, possam sensibilizar esses
profissionais para a complexidade emocional que cerca o seu fazer cotidiano e,
assim, ajudem a pôr em pauta esses aspectos tão importantes do cuidado, como
forma de amenizar as angústias e dores emocionais inerentes ao viver humano. O
benefício que poderá ser alcançado subjetivamente pelo profissional médico,
quando aberto para reflexões sobre seus sentimentos, certamente poderá ser
revertido nas relações estabelecidas pela equipe com pacientes e seus familiares.
Assim, perante a convergência de diversos estudos no sentido de apontarem
a formação acadêmica como um locus privilegiado de construção das concepções,
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valores e atitudes do médico frente às questões cruciais de vida e morte,
entendemos que, se esse é o solo em que os alicerces da atuação profissional são
edificados – um espaço de construção – pode também funcionar como espaço de
desconstrução e reconstrução de novas representações e práticas, desde que essa
discussão seja incorporada ao projeto pedagógico dos cursos de Medicina.
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