PODER JUDICIÁRIO SÃO PAULO SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL Décima Câmara APELAÇÃO SEM REVISÃO N0 585.515-0/8 – SÃO PAULO Apelante: Gúdulo Benedito Bornacina Apelados: Werni Tabert Milton Takayuki AÇÃO DE COBRANÇA. SERVIÇOS DE CORRETAGEM. PERMUTA DE IMÓVEIS. PESSOAS FÍSICA E JURÍDICA. DISTINÇÃO. A inicial foi proposta por Gúdulo Benedito Bornacina, pessoa física. Os documentos indicam ser possível credora uma pessoa jurídica. As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros. Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei. ANOMALIA. CARÊNCIA DA AÇÃO. Nas hipóteses de anomalia aquele que figura como parte no processo não detém a titularidade do direito material em disputa, mas a lei autoriza que atue em seu próprio nome e interesse para defender esse suposto direito de outrem. Não é o caso dos autos e o Requerente é carecedor da ação proposta. Voto n0 4.247 Visto. GÚDULO BENEDITO BORNACINA ingressou com Ação de Cobrança de Comissão de Corretagem, que intitulou com o “Ação Sumária de Cobrança de Honorários de Profissional Liberal ...” (folha 2), contra WERNI TABERT e MILTON TAKAYUKI, partes qualificadas nos autos, porque, aproximando os Requeridos que culminaram por realizar permuta, diz-se, de cada um, credor de 6% sobre o valor da transação, para satisfação de sua “... intermediação de negócios entre o réu e o co-réu ...” (folha 5). -1- PODER JUDICIÁRIO SÃO PAULO SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL Décima Câmara Formalizada a angularidade e inviabilizada a conciliação, os Requeridos apresentaram contestação, que foi impugnada. Seguiu-se a entrega da prestação jurisdicional antecipada culminando pela improcedência da pretensão contra Milton Takayuki, e acolhida parcial contra Werni Tabert, impondo a este a condenação de R$6.000,00, com atualização desde julho de 1998 e acréscimo de juros de mora de 0,5% a partir da citação. Por entender que o Requerente decaiu de 4/5 de seu pedido, condenou-o nessa proporção pelos ônus da sucumbência, com atualização desde o desembolso, e honorários advocatícios de 10% sobre a diferença entre o valor por ele pleiteado e o concedido. GÚDULO BENEDITO BORNACINA interpôs recurso. Persegue a condenação dos Requeridos porque eles assinaram o documento de proposta, “... no qual pagariam ao corretor, o valor de 6% (seis por cento) sobre o valor da venda ...” (folha 87), e, pelos documentos resulta evidente que os requisitos foram satisfeitos, tanto que a intermediação teve êxito “... pois houve uma troca de domínio e de posse entre os réus, além disto em momento algum este êxito não foi negado ...” (folha 88). Acrescenta que na permuta, pela Tabela de Comissões e Serviços expedida pelo Sindicato de Corretores de Imóveis no Estado de São Paulo, a comissão de 6% a 8% é devida pelos proprietários sobre o valor de cada propriedade. Ao final pede: “... pagamento da comissão de corretagem, por ambos os co-réus, no valor de 6% (seis por cento) do pactuado, e não do valor declarado, e também, no pagamento dos honorários por parte do comprador, acrescido de juros, correção monetária e honorários advocatícios ...” (folha 91 – No original o período está grifado). “WERNI TABERT E OUTRO ...” fizeram encarte de contra-razões. Sustentam que a decisão: “... deve ser modificada apenas com relação á condenação do apelado WERNI TABERT, invertendo-se a respectiva sucumbência, a qual somada aos demais 4/5 já atribuídas ao apelante, consubstanciará a total improcedência da pretensão ...” (folha 98). -2- PODER JUDICIÁRIO SÃO PAULO SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL Décima Câmara É o relatório, adotado no mais o da r. sentença. O recurso deve ser apreciado nos limites especificados pelas razões para satisfação do princípio tantum devolutum quantum appellatum, com suppedaneu nas provas documentais. A “Autorização de Venda” de 13 de dezembro de 1996, foi firmada por Werni Tabet, para venda de imóvel por R$320.000,00. Diz: “... autorizo(amos) a B.A.B. – BORNACINA ADMINISTRAÇÃO DE BENS ...” (folha 22). Em seu corpo está lançado: “... obrigo(amo-nos) a pagar à B.A.B. – BARNACINA ADMINISTRAÇÃO DE BENS (...), o valor correspondente a ............. % (.............) sobre o preço das venda ...” (folha 22). A “Proposta para Compra de Imóveis” de 8 de maio de 1998, foi firmada por Milton Takayuki Nishioka, para venda de imóvel por R$230.000,00. Diz: “... Autorizo o(s) corretor(es) autônomos de imóveis Sr(s). Gúdulo Benedito Bernacina BORNACINA ADMINISTRAÇÃO DE BENS SC LTDA. ...” (folha 23). Ao final consta: “... Caso eu venha a desistir ou me arrepender, da proposta que ora faço, pagarei ao(s) senhor(es) corretor(es) autônomo(s) a BORNACINA ADMINISTRAÇÃO DE BENS acima citado(s) a importância total correspondente seis por cento 6% sobre o valor da transação ...” (folha 23). A “Contra Proposta” de 13 de julho de 1998, firmada por Werni Tabert1, com a concordância de Milton T. Nishioka, para venda de imóvel por R$280.000,00. Diz: “... Autorizo a Firma B.A.B. – BORNACINA ADMINSTRAÇÃO DE BENS ...” (folha 24). Ao final registra: “... Caso eu venha a desistir ou me arrepender da contra proposta que ora faço, pagarei à ´B.A.B. – BORNACINA ADMINISTRAÇÃO DE BENS´ em remuneração de seus serviços ora contratados, a quantia correspondente a seis por cento (6%) sobre o valor desta transação. Todavia, se a contra-proposta não for aceita, nada terei de pagar ao 1 - Há assinatura também de outra pessoa, possivelmente esposa, mas não totalmente legível. -3- PODER JUDICIÁRIO SÃO PAULO SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL Décima Câmara corretor ...” (folha 24). Em 16 de outubro de 1998, Gúdulo B. Bornacina firmou correspondência destinada a Milton Takayuki Nishioka, em nome de BORNACINA – ADMINISTRAÇÃO DE BENS. Diz: “... Em 22 de Julho de 1.998 foi realizada pelo nosso escritório BAB IMÓVEIS, a negociação entre V.S. e o Sr. Werner Tabet negociação esta, permuta entre o seu imóvel em Quaraguatatuba e o imóvel do Sr. Werner em Moema”. “Por esta permuta, cabe a imobiliária a comissão de 10% sobre a venda do seu imóvel no valor de R$280.000,00 ou seja R$28.000,00, no prazo de 48 horas a contar do recebimento desta ...” (folha 65). DOS HONORÁRIOS Folha 22 - Wernet Tabet para B.A.B. Barnacina Administração de Bens – sem o porcentual sobre o valor da transação. Folha 23 - Milton Takayuki Nishioka para Gúdulo Benedito Bernacina BORNACINA ADMINISTRAÇÃO DE BENS SC LTDA. – sem o porcentual sobre o valor da transação, exceto para o caso de desistência ou de arrependimento, que ficou estimado em 6% sobre o valor da proposta, em favor de BORNACINA ADMINISTRAÇÃO DE BENS. Folha 24 - Werni Tabaert, com concordância de Milton T. Nishioka, para B.A.B. BORNACINA ADMINISTRAÇÃO DE BENS SC LTDA. - sem o porcentual sobre o valor da transação, exceto para o caso de desistência ou de arrependimento, que ficou estimado em 6% sobre o valor da proposta, em favor de BORNACINA ADMINISTRAÇÃO DE BENS. Folha 65 - Gúdulo B. Bornacina admite que a permuta foi realizada “... pelo nosso escritório BAB IMÓVEIS ...”. Indica o porcentual de 10% sobre R$280.000,00, dizendo que essa “... cabe a imobiliária a comissão de 10% sobre a venda do seu imóvel ...”. -4- PODER JUDICIÁRIO SÃO PAULO SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL Décima Câmara Para propor ou responder ação é necessário ter interesse e legitimidade2. O interesse processual reflete-se na necessidade do pedido da sentença de mérito e na utilidade dessa prestação jurisdicional. Legitimidade é o consentimento dado pelo ordenamento jurídico para que alguém se afirme, em juízo, como titular de um direito material. O pedido é juridicamente possível quando não encontrar óbice ou proibição legal. São as “condições da ação” matéria de ordem pública que pode e deve ser apreciada em qualquer época e grau de jurisdição. O Requerente será considerado carecedor da ação quando não estiverem presentes todas as suas condições (legitimidade, interesse e possibilidade jurídica do pedido). A inicial foi proposta por Gúdulo Benedito Bornacina, pessoa física (folha 2). Os documentos indicam ser possível credora uma pessoa jurídica (folhas 22/24 e 65). PESSOAS JURÍDICA E NATURAL “Pessoa Jurídica é a expressão empregada para a designação das instituições, incorporações, associações e sociedades que, em razão de lei são personalizadas e tomam individualidade própria, constituindo uma entidade jurídica distinta das pessoas que a formam ou que a integram. É, em palavras outras, uma unidade jurídica resultante de uma coletividade humana, organizada e com estabilidade para fins de utilidade pública ou privada, distinta de cada um dos membros que a compõem e dotada de capacidade de possuir e exercitar ‘adversus omnes’ (contra todos) os direitos patrimoniais compatíveis à sua natureza, com subsídio e incremento do direito público. Pessoa Natural é aquela cuja existência legal tem início por um fato natural, o nascimento. Pessoa Jurídica passa a ter existência apenas quando o direito lhe imprime a validade. A expressão é pleonástica, porque pessoa já exprime a idéia do ser juridicamente considerado. Então, como pessoa pode-se entender tanto o homem, como a instituição ou organização com personalidade legal para honrar as finalidades de direito ou fins estabelecidos. 2 - Cód. de Proc. Civil, art. 3º. -5- PODER JUDICIÁRIO SÃO PAULO SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL Décima Câmara Impõe-se a distinção em natural ou jurídica à luz da especialização: No homem ocorre um fato natural e, daí, a denominação de pessoa natural ou homem natural. Nas instituições, corporações, associações, sociedades, o fato origina-se da personalização ou individualização legal, pois, tem supedâneo no direito e, daí, a denominação de pessoa jurídica. Em relação à responsabilidade deve-se observar que a pessoa natural ou física é dotada de inteligência e de vontade própria e, então, age por si própria, enquanto a pessoa jurídica apenas pode praticar os atos através de seus representantes legais. São encontradas na área jurídica algumas outras denominações em substituição à pessoa jurídica, v.g. pessoa social, pessoa coletiva, pessoa fictícia, pessoa legal, pessoa universal. Embora jurídica é ela representada sempre por pessoa natural com poderes assim outorgados. Trata-se, em geral, de uma delegação ou mandato legal porque apresenta característica distinta do mandato comum. É que a delegação ou mandato legal deve ser cumprida pessoalmente, não sendo admissível a transferência por vontade do delegado ou mandatário. Não obstante, esse delegado ou mandatário pode ter poderes para constituir outra pessoa, como mandatário, para a prática dos atos jurídicos, notadamente os ´ad judicia´...3”. As pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros4. Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei5. Nas hipóteses de anomalia aquele que figura como parte no processo não detém a titularidade do direito material em disputa, mas a lei autoriza que atue em seu próprio nome e interesse para defender esse suposto direito de outrem. Não é o caso dos autos e o Requerente é carecedor da ação proposta. "É defeso alegar direito alheio, patrimonial e disponível, em nome próprio (artigo 6º, Código de Código 3 - Responsabilidade Civil, Irineu Antonio Pedrotti, vol. 1, págs. 100/101, Editora LEUD, 1995, 2ª edição. 4 - Cód. Civil, art. 20. 5 - Cód. de Proc. Civil, art. 6º. -6- PODER JUDICIÁRIO SÃO PAULO SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL Décima Câmara de Processo Civil) 6". “Identificada a pessoa jurídica como agente, não cabe ao autor optar entre a pessoa jurídica ou seu proprietário (pessoa física), para responder aos termos do processo, posto que a pessoa jurídica têm existência é distinta da de seus membros (artigo 20, do Código Civil) 7”. Em face ao exposto, julga-se o Apelante carecedor da ação nos termos do art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil. Fica ele condenado ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios e 20% sobre o valor dado à causa, corrigido desde a propositura da ação. IRINEU PEDROTTI Relator 6 - 2º TACivSP - Ap. c/ Rev. 509.056 - 3ª Câm. - Rel. Juiz CAMBREA FILHO - J. 19.5.98. 7 - 2º TACivSP - Ap. c/ Rev. 524.613 - 7ª Câm. - Rel. Juiz AMÉRICO ANGÉLICO - J. 22.9.98. -7-