CEFAC CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA MOTRICIDADE ORAL INTERVENÇÃO FONOAUDIOLÓGICA EM MORDIDA ABERTA ANTERIOR LEILA MARIA GUIMARÃES REGO FEITOSA RECIFE 1999 CEFAC CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA MOTRICIDADE ORAL INTERVENÇÃO FONOAUDIOLÓGICA EM MORDIDA ABERTA ANTERIOR MONOGRAFIA DE ESPECIALIZAÇÃO EM MOTRICIDADE ORAL. ORIENTADORA: MÍRIAN GOLDENBERG LEILA MARIA GUIMARÃES REGO FEITOSA RECIFE 1999 RESUMO Este trabalho tem como objetivo mostrar o quanto o trabalho Fonoaudiológico pode facilitar o fechamento da mordida aberta anterior na dentição decídua, evitando assim complicações futuras (como transtornos na erupção da dentição permanente e recidivas ortodônticas) e favorecer a prática fonoaudiológica através de uma revisão bibliográfica sobre a mordida aberta anterior, suas causas e conseqüências no sistema motor-oral. De acordo com o que foi pesquisado, podemos concluir que os hábitos orais são fatores etiológicos da mordida aberta anterior, quando associados a intensidade, tempo, freqüência e predisposição genética, como também o trabalho mioterápico preventivo e precoce, se necessário multidisciplinar, levará a um desenvolvimento e crescimento harmonioso da face. Aos meus pais, EDMYR SOUZA REGO e LENA GUIMARÃES REGO, que nunca dimensionaram esforços formação. para investir na minha Ao meu filho Bernardo, com carinho. AGRADECIMENTOS A Pedro, por todo apoio, carinho, companheirismo e incentivo contínuos. Aos dois grandes e queridos mestres Dr. Aguinaldo Jurema (in memoriam) e Dr. Abrahão Grinfeld, que acreditaram e abriram caminhos para a Fonoaudiologia, aos quais sou inteiramente grata. Às odontopediatras e ortodontistas Ângela Barbosa e Marta Coelho Cavalcanti, através das quais surgiu o interesse em aprofundar o estudo da Motricidade Oral. Aos meus pequenos pacientes, que colaboraram para que o resultado de nosso trabalho se tornasse efetivo no consultório e no ambulatório do Hospital Agamenon Magalhães. À Fga. Edna Pereira Gomes, companheira e amiga, com quem aprendo a cada dia e muito contribuiu com a sua ajuda permanente durante todo o curso de Especialização e para que este trabalho se tornasse possível. Às minhas ex-estagiárias e grandes mestras, hoje, na Fonoaudiologia e na vida, Andréa Schvartz, Lígia Kelner, Suely Kauffman e Vânia Grinfeld. À Maria Tereza Granja, com a quem trilhei os primeiros passos dentro da Fonoaudiologia. À Dra. Gilda Kelner, pela franqueza, clareza e objetividade nas suas colocações ao longo dos últimos doze anos da participação no grupo Ballint do Hospital Barão de Lucena, sob sua supervisão e coordenação. Considero-me realmente privilegiada por participar deste grupo, com o qual cresci pessoal e profissionalmente. À minha irmã, Liane Maria Guimarães Rego, com quem muito tenho aprendido e compartilhado a inte-relação Fonoaudiologia e Otorrinolaringologia. Às Fonoaudiólogas e amigas Ana Carolina Calheiros, Coelli Regina Ximenes e Veridiana Prosini, que muito me acrescentaram ao longo desta jornada. À grande mestra Irene Marchesan, que me fez repensar e questionar a Fonoaudiologia e me apaixonar ainda mais por esta ciência. À orientadora Mirian Goldenberg, pelo seu empenho em nos despertar para a “Arte de Pesquisar”. Ao CEFAC – Recife, Fonoaudiólogas Cleide Teixeira, Fátima Brandão e Luciana Rabelo, com as quais pude contar durante todo o curso de Especialização. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 01 DISCUSSÃO TEÓRICA 03 - ALTERAÇÕES ARTICULATÓRIAS NA MORDIDA ABERTA ANTERIOR 04 - INTERFERÊNCIA DOS HÁBITOS ORAIS COMO PRECURSORES DETERMINANTES NA MORDIDA ABERTA ANTERIOR - MIOTERAPIA 07 12 CONSIDERAÇÕES FINAIS 17 BIBLIOGRAFIA 20 INTRODUÇÃO A Fonoaudiologia vem buscando o conhecimento científico a fim de tornar a sua prática embasada em conteúdos consistentes do ponto de vista anatomo-fisiológico e funcional. A mordida aberta é um tipo de má-oclusão que consiste num desvio no relacionamento vertical do arco maxilar e mandibular, onde há falta de contato entre os dentes ântero-superiores com os inferiores, enquanto os demais dentes permanecem em oclusão. (PETRELLI, 1992). Podemos encontrar, geralmente, associado às mordidas abertas anteriores na dentição decídua, a presença de certos hábitos bucais, como sucção digital, uso de chupeta e/ou mamadeira, estando ou não acompanhados de respiração bucal, como afirma JUNQUEIRA (1994). SILVA FILHO (1986) complementa afirmando que os hábitos bucais deletérios são considerados como potenciais causadores de má-oclusão, entre os quais se encontram respiração bucal, sucção de chupeta, sucção digital e pressionamento atípico da língua contra os dentes. A necessidade da compreensão do funcionamento do sistema motor oral relacionado aos fins ortodônticos nos conduziu a investigação das mordidas abertas anteriores na dentição decídua, má-oclusão presente na minha prática diária com crianças que apresentam distúrbios articulatórios, acompanhados de maus hábitos bucais (sucção digital, chupeta e/ou mamadeira ) e respiração bucal, quase sempre, viciosa. O trabalho fonoaudiológico com estes pacientes é iniciado a partir do esclarecimento aos pais a respeito dos maus hábitos bucais existentes e orientação para a retirada dos mesmos, bem como encaminhamento ao otorrinolaringologista, no caso de respiradores bucais. De acordo com a necessidade do paciente, iniciamos a terapia, onde a ênfase dada às funções de respiração e mastigação proporcionam, na maioria dos casos, uma significativa melhora no fechamento da mordida aberta anterior sem outro tipo de comprometimento (mordida cruzada ou em topo, atresia de maxila, entre outros). Esse acompanhamento é feito em conjunto com odontopediatras, ortopedistas funcionais dos maxilares, que acreditam na eficácia do trabalho miofuncional, dando ao nosso trabalho um caráter preventivo. O presente trabalho tem como objetivo investigar as alterações articulatórias encontradas nos portadores de mordida aberta anterior e a análise da interferência dos hábitos orais como precursores determinantes na mordida aberta anterior, assim como as funções estomatognáticas e abordagem terapêutica para estes casos de máoclusão. 2 DISCUSSÃO TEÓRICA A oclusão dentária é definida por SILVA FILHO (1986), como uma relação estática e funcional que os dentes guardam entre si, com os maxilares, com a musculatura peribucal, bem como o esqueleto craniofacial como um todo, levando-se em consideração os dentes (número, tamanho e posição), tamanho das bases apicais (maxila e mandíbula), assim como a relação que as mesmas guardam entre si, com a base do crânio e com a musculatura adjacente em função ativa e postural . Durante o curso normal de erupção dentária, é de se esperar que os dentes, juntamente com o osso alveolar que os circunda, desenvolvam-se até encontrar seu antagonista oclusal no arco oposto, como afirma PETRELLI (1992). Porém, certos fatores entre os quais, hereditários, congênitos ou adquiridos podem dar origem a um desequilíbrio oclusal, determinando com isso uma má-oclusão dentária. Segundo SILVA FILHO (1986), as má-oclusões podem ser caracterizadas por um desvio morfológico da oclusão normal, representado pela deficiência em uma ou mais relações dentárias, podendo acarretar problemas de ordem funcional e ou estética, que justificam uma intervenção ortodôntica. De acordo com este autor, a mordida aberta anterior pode ser classificada como dentária ou esquelética. As mordidas abertas anteriores de origem funcional, são chamadas dentárias, por sofrerem distúrbios na erupção dos dentes e no crescimento alveolar, estando os componentes esqueléticos do indivíduo relativamente normais. No caso das mordidas abertas anteriores esqueléticas, o indivíduo 3 apresenta, além dos distúrbios dentoalveolares, uma desproporção entre os diversos ossos que compõem o complexo craniofacial. Passaremos, então, a discutir no presente estudo a interferência dos hábitos orais como precursores determinantes na mordida aberta anterior, bem como as conseqüentes alterações articulatórias encontradas neste tipo de má-oclusão e desvios nas funções de sucção, respiração, mastigação e deglutição, salientando a avaliação destas funções e a intervenção fonoaudiológica nos casos de mordida aberta anterior na dentição decídua. ALTERAÇÕES ARTICULATÓRIAS NA MORDIDA ABERTA ANTERIOR A fala é uma função executada através de órgãos pertencentes a outros sistemas do organismo, predominantemente o respiratório e o digestivo, que juntos formam os órgãos articulatórios, sendo estes órgãos em conjunto chamado de sistema sensório-motor-oral e constituído por: laringe, faringe, palato mole e duro, língua, dentes, bochechas, lábios e fossas nasais. Os sons são produzidos através da vibração das pregas vocais e sua articulação depende da posição e mobilidade da língua, presença e posição da mandíbula, que promoverá um espaço intraoral adequado para a articulação fonêmica e da ressonância. (TANIGUTE, 1998) A articulação dos sons da fala está ligada ao desenvolvimento e manutenção do sistema miofuncional oral e as demais funções neurovegetativas de respiração, 4 sucção, mastigação e deglutição (qualquer intercorrência à forma anatômica do sistema refletirá nas funções por ele executadas). É muito importante que as estruturas, língua, lábios, palato, dentes e bochechas, estejam adequadas para a realização da fonação. O tônus muscular, a precisão e coordenação dos movimentos dos OFAs necessários para uma articulação eficiente são desenvolvidos a partir das funções vitais de sucção, mastigação, deglutição e respiração. HANSON (1932), cita a mordida aberta anterior como condição compensadora. Quando não associada a outras alterações, a emissão defeituosa de qualquer som sibilante (s, s, z, z), pode ~ ~corrigida ,às vezes, simplesmente fechando-se a ser mordida. Para SILVA FILHO (1986), quase sempre acompanhando a mordida aberta anterior encontramos associado o hábito de interposição lingual durante a fala e a deglutição ou ainda na posição de repouso. SEGÓVIA (1988), ressalta a grande incidência de dislalia em mordida aberta. Afirma que nesses casos o sigmatismo é muito freqüente. Porém, não relaciona como causa e efeito as mesmas, uma vez que não é raro observar alguns pacientes que têm severas má-oclusões e não apresentam defeitos em sua articulação. Nesses casos, os lábios e a língua são capazes de adaptar-se a severas má-posições dentárias. Outras vezes as má-oclusões são insignificantes e os problemas articulatórios muito importantes. Para SEGÓVIA, é necessário compreender porque algumas pessoas podem adaptar-se a má-oclusões e outras não, ou seja, as relações existentes entre forma X função. 5 Segundo MOLINA (1995), uma mordida aberta em crianças com hábito crônico de sucção de chupeta, pode induzir a uma interposição lingual, o que por sua vez conduz a distúrbio articulatório dos fonemas /s/ e /z/. Caso não haja adaptação favorável, o resultado é sempre uma fonação com interposição lingual. Por outro lado, as adaptações que ocorrem podem ser consideradas de natureza patológica porque envolvem um padrão muscular adaptado disfuncional. O autor refere ainda que crianças portadoras de distúrbios articulatórios associados a problemas de ordem emocional podem ter má-oclusões como fator agravante. PROFFIT (1995) estudou qual a pressão que os lábios e as bochechas exercem sobre os dentes incisivos, caninos e molares e conclui que as pressões de língua e lábios, durante a fala, são insignificantes para o desenvolvimento da oclusão. Argumenta que a postura destes órgãos em repouso é, sem dúvida, mais significante, podendo alterar a oclusão. De acordo com KRAKAUER (1995), os fonemas linguodentais acabam por ser articulados como interdentais e a forma correta de produzir os fonemas não costuma provocar mordida aberta anterior, mas é um contribuinte. Complementa a autora que associado a este tipo de mordida temos o ceceio anterior, que pode ser causado pela hipotonia de língua, o que é comum no respirador bucal. Segundo DOUGLAS (1988), citado por MARCHESAN (1998), a má-oclusão é uma causa de alteração na fala estando o ceceio presente em 80% destes indivíduos. Este ainda relaciona a mordida aberta anterior severa e o prognatismo com distorções dos fonemas /f/ e /v/ e a retrusão mandibular com distorções dos fonemas /p/, /b/, /m/, /s/ e /z/. 6 MOURA (1994), diverge dos demais autores e, em sua pesquisa com 288 crianças entre 3 e 7 anos, não observou associação entre ceceio anterior e mordida aberta anterior nem relação direta entre mordida aberta anterior e hábitos orais. SILVA (1983), citado por MARCHESAN (1998), acredita que as má-oclusões causam alterações articulatórias na mordida aberta anterior, interferindo na articulação dos fonemas (t, d, n, l, r). INTERFERÊNCIA DOS HÁBITOS ORAIS COMO PRECURSORES DETERMINANTES NA MORDIDA ABERTA ANTERIOR De acordo com SILVA FILHO (1986), os desequilíbrios musculares decorrentes de hábitos bucais deletérios, denominados por LINO (1992) como fatores extrínsecos causadores de má-oclusão, durante o período de crescimento facial, têm-se mostrado capazes de perturbar o desenvolvimento normal da oclusão dentária, comprometendo a morfologia e a função deste intrincado sistema estomatognático. Para ela, as observações consolidam o acreditado conceito da relação direta forma-função. Como hábitos bucais deletérios potencialmente causadores da má-oclusão, podemos citar a respiração bucal, sucção de chupeta e/ou digital e pressionamento língual atípico e a fonação. Porém, a presença de condições favoráveis nem sempre significa o surgimento de má-oclusão, pois existem características individuais com relação ao desenvolvimento e crescimento que podem modificar o desenvolvimento e até certo ponto levar o indivíduo a um desenvolvimento normal. Deve-se considerar que 7 para haver uma deformação dentária é preciso levar em conta fatores como freqüência, intensidade, predisposição, duração, idade e condições de nutrição e saúde do indivíduo. (LINO, 1992) Para MOYERS (1991), a prevalência de todas as má-oclusões decíduas não é tão amplamente relatada como deveria. O hábito da sucção tem sido repetidamente implicado na origem de algumas má-oclusões. MOYERS (1991), acredita que o comportamento do músculo é adaptativo à morfologia esquelética e que o hábito persistente de sucção poderia desencadear amplamente as diferenças esqueléticas ou contribuir para elas. De acordo com PROFFIT (1995), a má-oclusão caracterizada associada com a sucção vem de uma combinação de pressão direta sobre os dentes e uma alteração no padrão de repouso das bochechas e da pressão dos lábios. Para o autor, apesar de quase toda criança apresentar o hábito não nutritivo da sucção, o prolongamento deste hábito pode levar a uma má-oclusão. Cita, porém, que, como regra geral, os hábitos de sucção durante a dentição decídua tem pouco efeito, ou nenhum efeito a longo prazo. Entretanto, se esses hábitos persistirem além da época do início da erupção dos dentes permanentes, o resultado será uma má-oclusão caracterizada por incisivos superiores separados e projetados, posicionamento lingual de incisivos inferiores, mordida aberta anterior e arco dentário superior estreito. MARCHESAN (1998), cita um estudo realizado por NEIVA & WERTZNER (1996) com crianças que tiveram uma amamentação natural por um período de 4 meses e que, após, fizeram uso de mamadeira por algum tempo e que apresentavam alterações das funções de sucção, mastigação e deglutição, além de alterações 8 anatômicas na região orofacial e na formação da arcada dentária, entre outras. Esse achado vai de encontro ao amplamente difundido pela bibliografia sobre os efeitos da amamentação natural, que proporcionaria um melhor equilíbrio das funções neurovegetativas (sucção, deglutição, mastigação e respiração), contribuindo para o desenvolvimento facial harmonioso. Para estes autores, além de alterar as funções neurovegetativas, a amamentação artificial feita de maneira inadequada (bico comum com furo aumentado) pode gerar alterações anatômicas na região orofacial como alterações de postura de lábios e língua, alterações na formação da arcada dentária, no palato, entre outras (STRAUBER, 1960, 1961). GARLINER (1966), também citado por MARCHESAN (1998), afirma que a máoclusão dental está relacionada às alterações miofuncionais orais, uma vez que os movimentos dos dentes na boca sofrem influência dos tecido moles, de modo que num desequilíbrio pode gerar uma má-oclusão. Para PAIVA (1997), a sucção do leite materno é completamente fisiológica, contribuindo para o desenvolvimento da musculatura perioral, da língua e dos músculos supra-hióideos predominantemente e aprimoramento dos maxilares. A alimentação artificial é ingerida rapidamente através do orifício criado, não levando a atividade muscular perioral como requerido na amamentação no peito, além de do ponto de vista psicológico não saciar as necessidades do bebê, facilitando o hábito de sucção do polegar muito precocemente, levando a diversas alteraçõe, como protusão maxilar, protrusão dos incisivos superiores (o que contribui para originar a mordida aberta e, conseqüentemente, a deglutição atípica e a interposição lingual, em decorrência das alterações que causam ao nível dos incisivos são fatores etiológicos 9 potenciais capazes de desencadear má-oclusão. Já em 1914, HELLMAN sugeriu uma associação entre amamentação na mamadeira e má-oclusão. Em 1950, HUMPHREYS e LEIGHTON não relataram nenhuma diferença significante na freqüência de uso da mamadeira entre crianças com más-oclusões anteroposteriores quando comparadas com o grupo controle, em uma pesquisa de 2711 crianças britânicas de 2 – 5,6 anos . Deve-se ressaltar, entretanto, que apesar da correlação entre hábitos viciosos e aleitamento natural ainda não estar bem definida, vários autores relatam o importante papel da amamentação sobre a futura instalação de hábitos deletérios. Segundo PETRELLI (1992), o hábito de sucção do polegar e de outros, como dedos, chupeta e mamadeira é que causa maiores alterações no equilíbrio do aparelho estomatgnático. O autor chama atenção, entretanto, para a sucção do polegar principalmente, que segundo estudos é um fator desencadeante de má-oclusão. Ao se deparar com um mau hábito bucal, deve-se levar em consideração a idade da criança, estágio no qual se encontra a troca de dentes, a oclusão e todas as funções envolvidas; além de procurar compreender a causa e as circunstâncias sob as quais o hábito foi desenvolvido. Intensidade, tempo e freqüência determinarão a má-oclusão, naturalmente associados a uma predisposição genética. PETRELLI (1992), associa o hábito de sucção do polegar ao hábito de sucção e/ou mordida do lábio, como agente etiológico de má-oclusão. "A mordida aberta, assim como a sobremordida, faz com que a criança tenha dificuldade na realização do selamento labial correto, criando uma pressão negativa, requerida para a deglutição normal. Com a finalidade de compensação, os músculos mentonianos tornam-se 10 hipertônicos, e a língua é projetada para a frente, para realizar o selamento labial. Isso faz com que se forme um ciclo, pois a mordida aberta, presente na região anterior, se acentua cada vez mais com o hábito de sucção do lábio. A pressão exercida pela língua, a cada deglutição, aumenta, também, significadamente, provocando cada vez mais a inclinação dos incisivos superiores para vestibular. Psicólogos acreditam que o ato de succionar os lábios causa a mesma sensação de prazer criada com a sucção do polegar, não deixando de ser um mecanismo liberador de tensão e ansiedade. PETRELLI (1992) também refere que a interposição da língua sobre os dentes anteriores durante a deglutição tem sido observada com freqüência em pacientes que apresentam mordida aberta anterior, existindo assim uma relação causa-efeito. Para o autor, a experiência clínica tem demonstrado que a interposição de língua é conseqüência de uma relação morfológica anormal e, portanto, de um fenômeno de adaptação. O autor ressalta ainda a importância da manutenção das vias aéreas, nariz e cavidades nasais, para o indivíduo, chamando a atenção para problemas respiratórios resultantes de alergias, hipertrofias de amígdalas e adenóides, entre outros que podem ser fatores ou predisponentes ao desenvolvimento de más-oclusões como a mordida aberta anterior, uma vez que promovem adaptações que incluem respiração bucal, postura inadequada de cabeça, retroposicionamento da mandíbula, abaixamento e protrusão da língua. Uma vez instalada a respiração bucal, serão grandes as possibilidades de as crianças virem a apresentar distúrbios miofuncionais, pois haverá uma alteração de 11 todo equilíbrio neuromuscular da face. Não ocorrendo a necessária massagem e pressionamento de ar junto a região buco-sinusal, sendo este um dos principais fatores estimuladores do crescimento e desenvolvimento do terço médio da face. O desenvolvimento facial poderá se agravar, dependendo da predisposição genética. MIOTERAPIA A terapia miofuncional, no trabalho com motricidade oral, atua nas desordens miofuncionais restabelecendo as funções de respiração, mastigação, deglutição, fala e sucção (se necessário). Pode-se também associar recursos mioterápicos, adequando força e movimento dos músculos a ela envolvidos, além de trabalhar a remoção de hábitos parafuncionais e postura. KRAKAUER (1995) propõe, nos casos de mordida aberta anterior, trabalho de resistência muscular e postura restabelecendo forma e função, com o trabalho integrado junto à Ortodontia. ALTMANN (1996) sugere técnicas miofuncionais no trabalho com respiração, postura, deglutição, mastigação tônus e alongamento. MARCHESAN (1994) propõe a discussão de possibilidades de trabalho mioterápico, levando em contra as características das alterações que cada paciente apresenta. Afirma que crianças com dentição decídua, com hábitos de sucção, chegam a fechar a mordida se não houver topo ou cruzamento, ao ser retirado o 12 hábito. Porém, "quando a mordida aberta permite o selamento labial, é mais importante o trabalho com a musculatura externa do que tentar posicionar a língua, pois, com a pressão correta dos lábios sobre os dentes, podemos favorecer o fechamento da mordida". (MOYERS, 1991) MARCHESAN sugere o estímulo à mastigação adequada, bilateral, de forma alternada que leva a uma melhor oclusão, ajudando o trabalho ortodôntico ou odontopediátrico. De acordo com MOYERS (1991), antes de se intervir em qualquer hábito deletério, o importante seria lembrar o papel de toda musculatura no desenvolvimento normal da oclusão e todos os hábitos na etiologia da má-loclusão. Os hábitos mais comuns que alteram a oclusão são: sucção do polegar, e/ou outros dedos, interposição lingual, onicofagia, morder os lábios e sucção de lábios. Para MOYERS (1991), duas considerações importantes devem ser levadas em conta, independente da correção dos hábitos orais: a razão e a primazia da máoclusão. No que diz respeito ao hábito de sucção digital, devemos considerar a face do indivíduo que apresenta o hábito, pois é a combinação entre hábito e crescimento facial que originam o problema clínico. Em alguns tipos faciais, pode exercer maiores danos que em outros. Na correção do hábito de sucção digital, é importante mostrar modelos e fotografias de bocas de crianças que apresentavam o hábito de sucção digital, apresentando também os resultados do tratamento, ensinando os métodos de tratamento e aprendendo mais sobre ela. "Sempre credite a criança o sucesso da terapia por sua ajuda; isso lhe dá autoconfiança e promove um favorável suporte 13 familiar. As crianças que vencem a "sucção de dedos" por elas próprias são pacientes agradecidos e reconhecidos dali para diante e muito amadurecidos psicologicamente durante o tratamento". A interposição lingual é um hábito que pode ser visto como um resíduo da sucção digital ou como um hábito somente, como afirma MOYERS (1991), e surge freqüentemente com uma história de amigdalite ou faringite. Tal tipo de hábito apresenta uma mordida aberta bem definida como conseqüência. Nestes casos procura-se adequar a deglutição do paciente e mostrar, através de sinais táteis, onde a língua deve está posicionada, além de adequar toda a musculatura. De acordo com MOYERS (1991), o efeito contínuo da postura anormal da língua provoca mais mordida aberta do que qualquer interposição lingual. A língua pode se posturar inadequadamente no período da mudança dos dentes, quando ela ocupa o espaço deixado pelos dentes, promovendo, muitas vezes, leves mordidas abertas, sendo uma de origem endógena. Quando a criança apresenta problemas nasorrespiratórios como amigdalites ou faringites, entre outros, pode também apresentar uma língua posturada inadequadamente, sendo esta postura adquirida. A sucção e mordida do lábio são vistos, geralmente, com excessivo transpasse horizontal e/ou vertical. Crianças que apresentam onicofagia podem ter má-oclusão, mas nenhum tipo específico está associado. Em 1906, ROGERS, citado por PROFFIT (1995) referiu a importância de exercícios musculares paralelo ao tratamento mecânico das más-oclusões. Para PROFFIT (1995), a mioterapia tem o propósito de criar uma função muscular orofacial 14 normal para auxiliar o crescimento e desenvolvimento de uma oclusão normal. A coordenação normal da função é a principal razão da mioterapia. De acordo com PROFFIT (1995), os principais fundamentos da mioterapia seriam: - estudar o possível papel da disfunção muscular na etiologia e na manutenção da máoclusão; - se possível, remover hábitos orais viciosos, tonsilas faríngeas e/ou amigdalianas; - estabelecer o quanto antes a forma própria do arco e relação das cúspides; - remover, através de desgaste oclusal, qualquer interferência na dentição decídua; - iniciar adequada terapia com aparelhagem miofuncional adequada; - certificar-se de uma harmonia oclusal-funcional durante as atividades reflexas antes de terminar a terapia com aparelhagem. Com relação aos exercícios mioterápicos, PROFFIT (1995) refere que os músculos orbiculares e adjacentes e postura de mandíbula devem receber uma atenção específica, pois, se lábios não conseguirem fazer um vedamento adequado devido à má-oclusão, é melhor não iniciar o tratamento mioterápico sem que antes a alteração seja corrigida para que assim os lábios exerçam algum efeito contra os dentes. Quando a criança tem uma má postura do corpo deiicilmente conseguirá segurar a mandíbula numa posição favorável. JUNQUEIRA (1994), em seu trabalho com casos de mordida aberta anterior na dentição decídua, propõe orientação inicial com os pais para esclarecimento e retirada de hábitos deletérios e início da Fonoterapia com enfoque importante para o vedamento labial e conseqüentemente para a instalação da respiração nasal nos 15 casos de respiração bucal viciosa, diagnosticada por ortorrinolaringologista. Ressalta que existem controvérsias quanto à atuação fonoaudiológica nesse tipo de caso, creditando à falta de conhecimento por parte dos profissionais que normalmente atuam em casos de mordida aberta anterior na dentição decídua: odontopediatras, ortodontistas e ortopedia funcional dos maxilares, sobre a eficácia do trabalho miofuncional para o fechamento desta, embora haja concordância quanto a atuação conjunta (Fono e Odontopediatra), levando a resultados mais rápidos. Esses casos ainda são tratados por muitos profissionais através de aparelhos com o objetivo de retirar possíveis maus hábitos e orientação aos pais e pacientes. Outros profissionais ainda utilizam o desgaste de dentes para estabilizar a oclusão. Há um consenso porém, quanto ao atendimento mais precoce possível a fim de evitar complicações futuras (atraso na dentição permanente, recidivas ordônticas e para que o tratamento não seja muito longo). O tempo para o fechamento da mordida aberta anterior na dentição decídua irá depender, segundo JUNQUEIRA (1994), da idade, do biotipo do paciente, do grau de problema e se a intervenção é ou não com a ajuda de aparelhos. PETRELLI (1992), considera que o fato de os problemas funcionais (interposição de língua por exemplo) não terem efeito deletério sobre a oclusão antes da puberdade, representando padrões de adaptação, não justificaria exercícios mioterápicos como forma preventiva. Restringindo essa indicação apenas aos casos de problemas na fala, deglutição e mordida aberta presentes antes da fase da puberdade, paralelo ao acompanhamento ortodôntico. CONSIDERAÇÕES FINAIS 16 De acordo com o estudo realizado, podemos definir a oclusão como uma relação estática e funcional que os dentes guardam entre si, com os maxilares, com a musculatura peribucal, bem como o esqueleto craniofacial como um todo, levando em consideração os dentes, tamanho das bases apicais e a relação entre si. Enquanto que as más-oclusões podem caracterizar-se por um devsio morfológico da oclusão noemal, podendo acarretar problemas de ordem funcional e/ou estética (SILVA FILHO, 1986). Assim sendo, a mordida aberta anterior, que foi o objeto de estudo deste trabalho, é um tipo de má-oclusão que consiste num desvio no relacionamento vertical do arco maxilar e mandibular, onde há falta de contato entre os dentes ânterosuperiores com inferiores, enquanto os demais estão em oclusão (PETRELLI, 1992). Podemos perceber, durante o levantamento bibliográfico, que os autores estudados são unânimes em associar os hábitos orais (sucção digital, uso de chepeta e/ou mamadeira e respiração bucal) como fatores etiológicos da mordida aberta anterior. Dentre estes autores, podemos citar JUNQUEIRA, 1994; SILVA FILHO, 1986; LINO, 1992, e MOYERS, 1991. O tratamento fonoaudiológico com os casos de mordida aberta anterior visa restabelecer as funções e levar a uma resistência muscular e postura adequadas, levando ao equilíbrio da forma e função, como afirma KRAKAUER (1995). Dentre as funções, temos o importante trabalho a ser realizado com a 17 respiração, pois, como afirma JUNQUEIRA (1994), a respiração bucal consiste em um hábito que pode originar uma mordida aberta anterior, sendo importante o trabalho para o selamento labial. Nestes casos de respiração, não devemos descartar a avaliação otorrinolaringológica. A correta postura de lábios, ocuídos, pode favorecer o fechamento da mordida. Para MARCKESAN (1994), o estímulo à mastigação adequada, bilateral, de forma alternada leva a uma melhor oclusão. É importante ressaltar que o trabalho em conjunto com ortodentistas e odontopediatras, e otorrinolaringolistas, quando necessário, leva ao melhor resultado. Mesmo havendo controvérsia quanto ao trabalho fonoaudiológico, como relata JUNQUEIRA (1994), o trabalho conjunto leva a resultados mais rápidos. Devido à característica anatômica apresentada pelos portadores de mordida aberta anterior é comum encontrarmos projeção lingual durante a fala, alterando a ~ ~ emissão de certos sons, como /s/ /z/ /s/ /z/, sendo o sigmatismo anterior o mais comum, como afirma a maioria dos autores pesquisados ( MOLINA, 1995; HANSON, 1932: SEGÓVIA, 1988 e MOURA, 1994). Porém, segundo KRAKAUER (1995), tal sigmatismo pode estar sendo causado pela hipotonia lingual, muito comum em respiradores bucais. Contudo, estas alterações articulatórias podem ser superadas com o fechamento da mordida aberta anterior, que pode ser atingida com exercícios musculares paralelo ao tratamento mecânico na dentição decídua, como afrima PROFIT (1995). Assim, a intervenção fonoaudiológica nos casos de mordida aberta anterior, visa o trabalho muscular e funcional. Ao iniciar a fonoterapia e orientação inicial aos pais para esclarecimento e retirada de hábitos deletérios é um passo inicial 18 importante, bem como mostrar modelos de bocas e fotografias de crianças que apresentavam algum hábito, como sucção digital por exemplo, e seus resultados após o tratamento, levando a criança a acreditar no sucesso da fonoterapia, como defende MOYERS (1991). PADOVAN (1996) não recomenda agir de maneira agressiva para eliminar o hábito de sucção do polegar, mas tratá-lo usando a própria sucção. O trabalho fonaudiológico consiste em trabalho muscular usando as técnicas miofuncionais para adequar tônus e postura da musculatura orofacial e adequação das funções de mastigação, deglutição, respiração e fala. Devendo-se considerar o tipo facial, a existência ou não de topo ou cruzamento, o tipo de mordida (esquelética ou dentária) e o uso de aparelho. Apesar de controvérsias existentes com relação ao trabalho fonoaudiológico precoce, ainda na dentição decídua nos casos de mordida aberta anterior, concordamos com JUNQUEIRA (1994), que afirma ser importante o trabalho precoce para que o atraso na dentição permanente e recidivas ortodônticas sejam evitadas, assim como um tratamento muito longo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 19 1. ALTMANN, E. B. C. Fazendo exercícios miofuncionais com Elisa B. C. Altmann. São Paulo, Pró-Fono, 1996. 2. DOUGLAS, C. R. Fisiologia aplicada à prática odontológica. São Paulo, Pancast, 1988. 566 p. 3. HANSON, M. L. & BARRET, R. H. Fundamentos da Miologia Oral. Rio de Janeiro, Enelivros, 1932. 416p. 4. JUNQUEIRA, P. S. – A atuação fonoaudiológica nos casos de mordida aberta anterior na dentição decídua. In: Tópicos em Fonoaudiologia I. São Paulo, Lovise, 1994. p. 227-30. 5. KRAKAUER, L. H. – Alterações de Funções orais nos diversos tipos faciais. In: MARCHESAN, I. Q. et al. (orgs.), Tópicos em Fonoaudiologia II. São Paulo, Lovise, 1995. p. 147-54 6. MARCHESAN, I. Q. – O trabalho fonoaudiológico nas alterações do Sistema Estomatognático. In: Tópicos em Fonoaudiologia I. São Paulo, Lovise, 1994. p. 83-96. 7. ________________ . Uma visão compreensiva das práticas Fonoaudiológicas: uma visão da alimentação no crescimento e desenvolvimento craniofacial e nas alterações miofuncionais. São Paulo, Pancast, 1998. 238p. 8. MOLINA, O. F. 20 Fisiologia Craniomandibular (oclusão e ATM). São Paulo, Pancast, 1995. 667p. 9. MOURA, A. L. L. – O ceceio anterior em crianças de 3 a 7 anos. In: Tópicos em Fonoaudiologia I. São Paulo, Lovise, 1994. p.231-38. 10. MOYERS, R. E. Ortodontia. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1991. 669p. 11. NEIVA, F. C. B & WERTNEZ, H. F. – Descrição das alterações miofuncionais orais em crianças de 8:1 a 9:0. Pró-Fono Revista de Atualização Científica, 8(2): 36-44, 1996. 12. PADOVAN, B. A. E. – Reeducação mioterápica nas pressões atípicas de língua: diagnóstico e terapêutica. Ortodontia, 9 (1 – 2), 1976. 13. PAIVA, H. J. Oclusão – Noções e Conceitos básicos. Santos Livraria Editora, 1997. 336 p. 14. PETRELLI, E. Ortodontia para Fonoaudiologia. São Paulo, Lovise, 1992. 318p. 15. PROFFIT, W. R. Ortodontia contemporânea. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1995. 596p. 16. SEGÓVIA, M. L. Interrelaciones entre la Odontoestomatología y la Fonoaudiologia – La deglutición atípica. Editorial Medica Panamericana, 1988. 237p. 17. SILVA, R. C. R. – Pressões atípicas da língua. Jornal Brasileiro de Reabilitação, 3(11-12): 74-83, 1983. 18. SILVA FILHO, O. G.; OKADA, T; SANTOS, S. D. – Sucção digital – Abordagem multidisciplinar: Ortodontia X Psicologia X Fonoaudiologia. Estomat. Cult. 16(2), p.44-57, 1986. 19. TANIGUTE, C. C. – Desenvolvimento 21 das Funções Estomatognáticas. In: MARCHESAN, I. Q. – Fundamentos em Fonoaudiologia – Aspectos clínicos da motricidade oral. Cap. 1: 1-6. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1998. 22