O Aluno de Administração de Empresas, o Trabalho e a Construção da Carreira Profissional: Contribuições de um Estudo na Grande São Paulo Autoria: Beatriz Maria Braga Lacombe Resumo A preparação dos alunos de Administração de Empresas demanda a reflexão sobre a relação das pessoas com o seu trabalho e sobre o desenvolvimento das carreiras no contexto organizacional. Esta reflexão, que pode ser encorajada pelas Escolas de Administração, proporciona (a) a possibilidade de atender às demandas do mercado, se posicionar e de transitar no mercado de trabalho e (b) o entendimento das condições para o exercício de uma gestão mais humanizada, com foco nas pessoas. Partindo desse pressuposto uma pesquisa foi realizada com 385 alunos de 8 Escolas da Grande São Paulo – futuros gestores – para avaliar as suas percepções em relação ao mercado de trabalho e à carreira, que serão indicadores do entendimento que têm da dinâmica da gestão organizacional e da sua preparação para o mercado de trabalho. Os conceitos da carreira sem fronteiras foram utilizados para a pesquisa. Os resultados mostram que os alunos entendem a dificuldade do mercado de trabalho, reconhecem a necessidade de constante atualização do seu conhecimento e que a carreira e o sucesso profissional estão muito associados à organização e às suas determinações. Esses resultados sugerem novas questões a serem tratadas pelas Escolas de Administração e pela gestão das organizações. Introdução A relação do indivíduo com o seu trabalho e a construção da carreira profissional se tornaram temas centrais ao exercício do trabalho do administrador. Isso porque, em busca de competitividade, as organizações vêm reformulando muitos dos princípios orientadores da gestão de pessoas, mudando as relações entre as pessoas e a organização, entre as pessoas e o seu trabalho e, consequentemente, o desenvolvimento das carreiras organizacionais. Essas transformações na gestão vêm ressaltar a importância da atuação do indivíduo, que se torna responsável pelo planejamento e execução da tarefa e pela própria movimentação entre as posições disponíveis (a carreira), condições que demandam a necessidade de desenvolver habilidades como o auto-direcionamento, o aprendizado contínuo, a reflexividade, a criatividade e a flexibilidade, entre outras habilidades (Malvezzi, 2000). Ao administrador cabe o desafio de criar as condições onde as pessoas possam desenvolver essas habilidades e as suas carreiras. No entanto, a observação da prática sugere que a implantação desses processos de mudança no trabalho vêm privilegiando a adoção de medidas que flexibilizam a natureza do contrato estabelecido entre indivíduo e organização, ao mesmo tempo em que aumentam as pressões por resultados, trazendo às pessoas insegurança, medo e insatisfação (Freitas, 1999; Aktouf, 1996). Autores como Aktouf(1996) e Alvesson e Willmott (1998) sustentam que o ensino da Administração contribui para esta postura de descaso em relação às pessoas nas organizações pois ainda forma alunos com conhecimentos e técnicas por demais estreitos, que carecem de uma perspectiva mais ampla e crítica dos acontecimentos, que calculam em excesso, que carecem de reais capacidades de reflexão, que demonstram grande insensibilidade em relação aos valores sociais e humanos e que são preocupados demais com o curto prazo e com suas carreiras. E isso se deve ao fato de serem os currículos oferecidos pelas escolas caracterizados pela ênfase na aquisição de técnicas e pela negligência das habilidades interpessoais e de 1 comunicação. A constatação dessas práticas levam os autores a apontar que a responsabilidade do administrador é proporcionar às pessoas a identificação e realização, através de processos de auto-reflexão crítica, de valores e práticas alternativos, que são humanamente (e ecologicamente) mais realizadores e menos degradantes, condições que ressaltam, igualmente, a importância de uma postura de reflexão, tanto da parte da gestão quanto das pessoas, sobre a relação do indivíduo com o seu trabalho. Dessa maneira, pode-se dizer que a reflexão sobre a relação das pessoas com o seu trabalho e sobre os conceitos e mecanismos relacionados ao desenvolvimento das carreiras no contexto organizacional proporciona ao administrador (a) a possibilidade de atender às demandas do mercado, se posicionar e de transitar no mercado de trabalho e (b) as condições para o exercício de uma gestão mais humanizada, com foco nas pessoas. E, assim sendo, as percepções sobre a carreira e o trabalho indicarão como o administrador entende a sua própria relação com o trabalho (e das demais pessoas) e como entende a dinâmica da gestão no contexto organizacional atual. Partindo desse pressuposto e, na tentativa de trazer a discussão para o âmbito das Escolas de Administração, uma pesquisa foi realizada com alunos de 8 Escolas da Grande São Paulo – futuros gestores – para avaliar as suas percepções em relação ao mercado de trabalho e à carreira, que serão indicadores do entendimento que têm da dinâmica da gestão organizacional e da sua preparação para o mercado de trabalho. Este trabalho apresenta, após uma breve revisão conceitual sobre os conceitos relacionados ao trabalho e à carreira, os resultados dessa pesquisa. O mercado de trabalho, a construção das carreiras e o administrador A relação que o indivíduo estabelece com o seu trabalho, ou seja, os processos da construção da sua vida profissional, se revelam no desenvolvimento de sua carreira. Isso porque a carreira profissional compreende duas dimensões: a objetiva, que são as posições ocupadas pelo indivíduo ao longo de sua vida profissional e a subjetiva, que é a interpretação que a pessoa tem dessa sua movimentação, dentro de uma perspectiva ampla do seu projeto de vida (Hughes, 1957). Dessa maneira, pode-se dizer que a carreira é resultado das escolhas, decisões, interpretações e avaliações que o indivíduo faz, tendo em vista suas possibilidades e expectativas, bem como as do grupo social a que pertence. As transformações operacionalizadas nas organizações nas últimas décadas vêm ressaltar a importância da atuação do indivíduo no trabalho e, portanto, da avaliação que fez do seu trabalho e da sua carreira. Mudam significativamente as demandas sobre o indivíduo e as condições para o desenvolvimento de sua vida profissional, ou seja, mudam as possibilidades encontradas pelas pessoas para a construção de suas carreiras no contexto organizacional. Perde espaço a carreira organizacional da organização técnico-científica, que veio a ser associada, essencialmente, à ascensão na escala hierárquica, às promoções e aos benefícios crescentes. Isso porque, além de promover estruturas hierárquicas ‘inchadas’ e mais lentas, os critérios para a gestão e a movimentação das pessoas nem sempre privilegiavam qualidades como criatividade, iniciativa ou a reflexividade. Tal sistema de carreira, que Chanlat (1995) denomina de tradicional, apresentava caminhos pré-definidos, pouco flexíveis, e tem sido apontado na literatura como um instrumento que possibilita a manipulação das aspirações das pessoas que, ao querer ‘fazer carreira’, acabam por se tornar presas dos objetivos da organização e das determinações da administração (Pagés, 1987; Freitas, 1999). 2 Observa-se que a movimentação das pessoas passa a ser mais lateral do que vertical e que há maior ênfase à aquisição de conhecimentos e habilidades e ao desenvolvimento de atitudes, que se tornam critérios para a avaliação e para a recompensa. Dessa maneira, a gestão vem procurando promover e reconhecer a importância não apenas do conhecimento e do aprendizado, mas também da capacidade de avaliação, de reflexão e, consequentemente, de utilização desse conhecimento pelo indivíduo. Acentua-se a tendência a uma gestão mais individualizada, onde as ações tomadas incluem o desenho de trilhas de carreira flexíveis e negociadas individualmente, implementadas juntamente com sistemas de avaliação e remuneração que procuram refletir as diferenças entre as pessoas (Dutra, 2001). Essa nova dinâmica dá origem a um modelo de carreira denominado de sem fronteiras (Defillipi e Arthur, 1994), onde a carreira (a) deixa de ser circunscrita às fronteiras de uma organização e (b) passa a integrar todas as esferas da vida do indivíduo, como trabalho, família, lazer e convívio social. Para Defillipi e Arthur (1994), o indivíduo se torna o agente de sua vida profissional ao desenvolver três áreas de competências de carreira: • know-why, que são os valores, identidades e interesses que dão suporte e sentido às atividades desenvolvidas, ou seja, como os indivíduos entendem sua própria motivação, significado e identificação com a carreira; • know-how, competências relacionadas ao conhecimento, habilidades e atitudes no trabalho, que se refletem no desempenho e • know-whom, que são habilidades de networking ou relacionamento que o indivíduo estabelece ao longo de sua carreira. O desenvolvimento da competência do know-why – a reflexão sobre as motivações e valores – promove a apropriação do desenvolvimento da carreira pelo indivíduo. Nas carreiras da organização técnico-científica, o poder de decisão concentrava-se na empresa e o know-why se traduzia pela adesão, por parte do empregado, aos valores e crenças propostos pela organização. A construção de uma carreira sem fronteiras, ao contrário, demanda uma postura de constante identificação e avaliação das possibilidades, habilidades, valores e objetivos pelo indivíduo, a fim de possam se integrar, de forma coerente, a um plano de vida por ele traçado. Dessa maneira, a identificação do indivíduo com a organização deixa de ser essencial, abrindo espaço para que ele possa se identificar com o próprio trabalho, com a ocupação ou mesmo com outros aspectos da vida julgados relevantes, como a família ou o trabalho comunitário. Além disso, Defillipi e Arthur (1994) colocam que “...os contextos organizacionais emergentes demandam mudança contínua nas habilidades e conhecimentos das pessoas, incluindo a aquisição de novos conhecimentos [know-how] através de fornecedores, clientes ou outros arranjos inter-organizações” (Defillipi e Arthur, 1994, p. 312). O desenvolvimento da competência do know-how vem sendo enfatizado na literatura, uma vez que parece haver uma concordância entre acadêmicos e empresários (a) quanto à importância e ao papel desempenhado pelo conhecimento e pela técnica e (b) quanto à necessidade de se construir organizações que saibam aprender (learning organizations) no contexto que tem sido denominado flexível ou a era do conhecimento (Quinn, 1992). Quanto ao know-whom, a aquisição dessa competência pode ser relacionada ao conceito de capital social de Bourdieu (1998), uma vez que associa as oportunidades que o indivíduo pode obter para o desenvolvimento da carreira à rede de pessoas que ele encontra e conhece nos mais variados círculos (amizade, escola, empresa, associações profissionais, clubes e assim por diante), o que pressupõe a formação de um capital intangível e que deriva sua força do pertencimento aos diversos grupos. 3 O modelo da carreira sem fronteiras prevê maior fluidez para conceitos como mercado de trabalho e sucesso profissional, que passam a ser definidos em função das possibilidades que o indivíduo percebe e cria no seu contexto e dos objetivos a que ele se propõe (Mirvis e Hall, 1994). O desenvolvimento de carreiras sem fronteiras em organizações sem fronteiras pode ser visto como um movimento contínuo de criação e recriação mútuos do indivíduo com o seu mundo e do indivíduo com a organização. A indeterminação e a flexibilidade, características da organização do capitalismo da acumulação flexível colocam sobre o trabalhador a responsabilidade da criação do seu próprio trabalho, obrigando-o a tornar-se um agente ativo e a apropriar-se de seu destino dentro da empresa, a sua carreira. Ao fazê-lo, ele também está desenhando novas configurações e modos de trabalhar. Weick (2001) salienta a adaptabilidade e a imprevisibilidade dessas organizações, que incorporam o redesenho contínuo das tarefas e estruturas, criando relações de natureza fluida com resultados muitas vezes incertos, de tal modo que se pode dizer que tanto as organizações moldam o desenvolvimento das carreiras e das pessoas, como o inverso (Weick, 2001, p. 42). Daí decorre que a gestão da relação das pessoas com o seu trabalho e com as suas respectivas carreiras se torna um tema central ao administrador das organizações; diferentemente da gestão da organização técnico-científica, no entanto, o elemento-chave a ser buscado pela gestão passa a ser a reflexividade, que permite uma maior apropriação do trabalho e da carreira pelo indivíduo (maior grau de auto-determinação) e o exercício de trabalhos mais realizadores. Malvezzi (2000) sustenta que a gestão é responsável por criar as condições para que as pessoas possam exercer sua auto-determinação e auto-regulação, elementos que garantem, de um lado, o desempenho de trabalhos que refletem escolhas dos indivíduos e que permitem, por outro lado, a inovação, a criatividade, o aprendizado e bons resultados para a organização. Além disso, o desenvolvimento da capacidade de reflexão pode fazer o homem cada vez mais consciente de sua transitividade, de sua conectividade e do seu poder de transformar o mundo e se o trabalho é uma das formas pelas quais o homem se conecta ao mundo (Freire, 1974), então a exploração dos conceitos relacionados ao trabalho e à carreira e, em especial à carreira sem fronteiras, ao incentivar a reflexão e o questionamento necessários ao planejamento e desenvolvimento da vida profissional, se torna um elemento facilitador da integração do indivíduo com o seu mundo. A carreira sem fronteiras desenvolvida no contexto organizacional também tem sido alvo de críticas, uma vez que muitas organizações vêm adotando posturas de não-envolvimento e descompromisso em relação a seus empregados (Freitas, 1999), contribuindo para o aumento da insegurança e da fragilização psicológica das pessoas (Mirvis e Hall, 1994). Aktouf (1996) se junta a Legge (1995) e Alvesson e Willmott (1998), entre outros, para denunciar algumas teorias e práticas organizacionais que se utilizam da retórica que enfatiza a relevância da autonomia e do auto-controle apenas como meio de intensificação da pressão e da carga de trabalho sobre os trabalhadores, procurando torná-los “campeões de projetos”( Aktouf, 1996, p. 237) sem, no entanto, se preocupar em promover políticas (com ênfase na comunicação e no desenvolvimento das pessoas) que tornariam esses elementos, de um lado, fatores de competitividade para a organização e, de outro lado, fatores possibilitadores do exercício de um trabalho realizador para o indivíduo. Segundo o autor, “...a primeira tarefa do gestor do futuro será... desalienar, dar um sentido ao trabalho....fazer com que cada ato realizado no trabalho seja, tanto quanto possível, a expressão da vontade e do desejo daquele que o efetua. Deve permitir também uma consciência-conhecimento clara e completa do que se faz e da razão pela qual se faz” (Aktouf, 1996, p. 134). 4 Embora isso possa ver verdadeiro e que, para muitas organizações, o discurso da empregabilidade possa estar camuflando uma postura de descaso, o modelo da carreira sem fronteiras apresenta alguns aspectos que precisam ser levados em conta para que uma gestão focada nas pessoas possa ser exercida. Em primeiro lugar, ao propor a apropriação da carreira pelo indivíduo, o obriga a estabelecer uma relação de responsabilidade e de interconectividade com o seu mundo; na carreira da organização técnico-científica, a conectividade era mediada pela organização, dada a imposição das tarefas e o pouco espaço para exercer a autodeterminação pelo indivíduo. Em segundo, o modelo prevê o contínuo desenvolvimento de habilidades, o que pode efetivamente ampliar e auxiliar as oportunidades de trabalho. Finalmente, ao enfatizar a importância da rede de relacionamento, o modelo deixa subentendido um conceito mais amplo de mercado de trabalho que precisa ser continuamente monitorado e explorado pelas pessoas. Em suma, ao transferir a responsabilidade da carreira para o indivíduo, o modelo também demanda que cada um se posicione em relação a si, ao seu trabalho e ao seu mundo, o que permite a formação de julgamentos informados e não distorcidos por relações desiguais de poder, riqueza ou conhecimento (Alvesson e Willmott, 1998). Essas considerações trazem novos desafios ao administrador profissional e às Escolas de Administração e reforçam a idéia de que é preciso aprofundar a questão da construção da carreira do administrador para que ele possa, não apenas se posicionar no mercado de trabalho mas também melhor compreender os processos que terá que gerenciar, possibilitando o desenho e a adoção de políticas que favoreçam relações mais autênticas entre as pessoas e o trabalho realizado. A pesquisa A partir da suposição de que o paradigma emergente de gestão coloca novos papéis e demandas sobre o gestor e que estes estão refletidos na maneira como esse gestor pensa, vivencia e desenvolve a sua carreira profissional, foi realizada uma pesquisa que buscou avaliar a percepção sobre a carreira e o mercado de trabalho que têm os alunos formandos em Administração de Empresas na Grande São Paulo, fatores que seriam indicativos do grau de entendimento (pelos futuros administradores) do modelo de gestão organizacional emergente e de sua condição como gestor do próprio destino profissional. A revisão da literatura sugere que dois tipos de forças contrárias estão atuando na formação das percepções desses alunos sobre as suas carreiras. Por um lado, acredita-se que os jovens são mais propensos a aceitar e desenvolver carreiras sem fronteiras pois não desenvolveram os hábitos que podem ser associados ao modelo tradicional de carreira (Baker e Aldrich, 2001); os alunos de Administração têm que realizar estágios obrigatórios ou trabalham empregados durante o curso de graduação, o que os coloca em contato com o mundo do trabalho, de onde podem apreender regras explícitas e implícitas sobre a carreira organizacional; além disso, tiveram contato, durante o curso de graduação, com a literatura sobre o desenvolvimento da teoria e as transformações no contexto organizacional. Por outro lado, o modelo da carreira tradicional pode ter força pois a própria noção de carreira organizacional – a criação de normas e políticas para a movimentação das pessoas - surge em função da classe gerencial (Boerlijst, 1984); a figura do administrador profissional surgiu em função da organização (Chandler, 1977) e com a instituição dos planos de carreira, ele ganhou importância, promoções e prestígio dentro da empresa; com a institucionalização de áreas como a saúde, a educação, as artes, o lazer, etc em forma de organização, ele ganha destaque na comunidade (Mintzberg, 1975). Além disso, ‘fazer carreira’ em uma grande empresa parecia ser o sonho de muitos alunos de administração (Freitas, 1999). Metodologia da pesquisa 5 Para avaliar as percepções dos alunos, foram utilizados os elementos da carreira sem fronteiras apresentados na seção anterior. As variáveis analisadas, extraídas do modelo da carreira sem fronteiras proposto por Defillipi e Arthur (1994), são: (a) os fatores ambientais, representados pela definição do mercado de trabalho adotada como o cenário no qual a carreira será desenvolvida, que poderá ser comparada à definição ampla de mercado de trabalho, inferida de Defillipi e Arthur (1994) e de Arthur e Rousseau (1997). O reconhecimento do meio e das possibilidades que este oferece estarão refletidos nas definições adotadas, que indicarão o tipo de relação que os indivíduos pretendem estabelecer, sinalizando, dessa forma, o grau de entendimento das mudanças que estão sendo operacionalizadas nas organizações e em seu ambiente, assim como a compreensão das formas de criação e desenvolvimento dos negócios. A investigação das qualidades percebidas como necessárias para a entrada e manutenção no mercado de trabalho também dá indicações de como os alunos entendem o funcionamento do mercado de trabalho; (b) a auto-confiança percebida em relação à entrada no mercado de trabalho e ao desenvolvimento da carreira, que indicará a relação entre a força de determinação do mercado percebida e a própria força de determinação (auto-determinação). Essa relação se torna essencial na gestão das organizações e das carreiras, uma vez que percepções de elevado grau de auto-determinação favorecem a exploração e a criação de oportunidades (Bandura, 1982), delimitando maiores e melhores espaços de manobra para o indivíduo e a empresa; (c) os resultados esperados do trabalho, ou da ação tomada em relação ao trabalho, darão uma medida do grau em que as expectativas de carreira refletem os conceitos do modelo tradicional ou do modelo sem fronteiras. Sendo assim, os resultados esperados associados à manutenção do vínculo de emprego, à mobilidade vertical da carreira e à definição de sucesso profissional como o atingimento do topo da escala hierárquica demonstram baixo grau do entendimento das regras e são indicativos do surgimento de problemas para o exercício da profissão; (d) os objetivos, ou aspirações são indicações dos planos de carreira traçados pelos alunos e dos caminhos que pretendem trilhar para o desenvolvimento profissional, refletindo o grau de apropriação do desenvolvimento da carreira. A pesquisa, realizada em 1999, coletou informações de 385 alunos cursando o último semestre de Administração de Empresas em 8 escolas da Grande São Paulo. Foram contatadas várias escolas de administração da Grande São Paulo. Oito delas aceitaram participar da pesquisa. Dessas escolas, foi possível aplicar o questionário em 402 alunos. Todos os questionários foram examinados sendo que, devido a omissões e erros de preenchimento, apenas 385 foram considerados válidos ou completos, tornando-se a amostra da presente pesquisa. Essa amostra corresponde a mais de 10% da totalidade das escolas de administração da Grande São Paulo e constitui um grupo de alunos que representa mais de 5% de toda a população dos alunos graduados no ano de 1999 nessa região (MEC). Os dados foram coletados por meio de um questionário, que continha três questões fechadas e quatorze questões abertas, a fim de que os alunos pudessem expressar livremente as suas opiniões, crenças e expectativas em relação ao mercado de trabalho e à carreira. Nesse trabalho, serão apresentadas e analisadas as respostas dadas a dez questões (apenas a questão 4 era fechada): 1. “Que tipos de trabalho você acha que estão disponíveis para você e seus colegas?” 6 2. 3. 4. 5. 6. “Onde você tem procurado trabalho?” “Quais são as qualidades necessárias para se entrar no mercado de trabalho?” “Você se percebe capacitado para enfrentar o mercado de trabalho?” “Como você define carreira?” “Quais são os maiores obstáculos que você acha que vai enfrentar para conseguir o que deseja de sua carreira?” 7. “Como você define sucesso profissional?” 8. “Quais são os seus objetivos profissionais para os próximos anos?” 9. “Quais são os seus planos para atingir os seus objetivos?” 10. “Qual(is) é(são) o(s) papel(is) do administrador?” As questões 1,2, 3 e 4 procuraram avaliar as percepções sobre o mercado de trabalho; as questões 4 e 6 buscaram medir o grau de auto-determinação (ou auto-confiança) percebido; as questões 5, 6 e 7 investigam as definições de carreira e o que dela se espera. Nas questões 8 e 9, são avaliados os objetivos e planos de ação para conseguir os objetivos, que indicam como o aluno pretende gerenciar a carreira. A pergunta 10 buscou as percepções sobre os papéis que terão como administradores. Embora as respostas dadas às questões abertas fossem caracterizadas por uma diversidade grande, a tabulação das respostas procurou mapear as principais idéias oferecidas pelos alunos e para tanto, o procedimento utilizado pode ser dividido em duas etapas: na primeira, para cada aluno e para cada questão, as frases ou palavras utilizadas em cada resposta foram transcritas; na segunda, as frases e palavras semelhantes foram agrupadas e as frequências absoluta e relativa de cada frase ou palavra resultante (proporções do total) foram calculadas. Para a análise dos dados, a amostra foi particionada de acordo com o período, diurno ou noturno, que o aluno frequenta a escola. Essa divisão resulta da suposição de que a escolha do período do curso pode refletir necessidades distintas – os alunos que escolheram o curso noturno trabalham, em geral, como empregados, enquanto que os alunos do período diurno trabalham como estagiários – e, consequentemente, percepções também diferentes sobre a carreira e o mercado de trabalho podem ser formadas. A escolha desse critério também se deve ao crescimento expressivo das matrículas nos cursos noturnos no Brasil nos últimos anos: em 1999, 54% do total dos alunos matriculados no país estudavam à noite (MEC). Para avaliar se há diferenças significativas entre as percepções dos alunos dos cursos diurnos e noturnos, o teste estatístico utilizado foi a diferença entre proporções, sendo o nível de significância adotado, de 5%. Com esse critério, os valores para ‘z’ maiores que 1,96 indicam diferenças estatisticamente significativas entre as proporções. Apresentação dos resultados Os resultados da pesquisa mostram que os alunos classificaram o mercado como difícil, concorrido e exigente, sendo os trabalhos disponíveis, em sua maioria, descritos como “cargos iniciais em diversas áreas”, “cargos pouco promissores”, “trainees”, ou em “cargos áreas administrativas de qualquer empresa”. Os alunos responderam que procuram trabalho: Quadro 1 – Onde procuram trabalho Jornal Seção de estágios na escola Cursos diurnos 19,1 33,8 Cursos noturnos 23,7 13,7 Total dos Teste alunos estatístico (z) 22,1 -1,035 20,8 4,662 7 Nas empresas Internet Amigos 23,5 16,2 9,6 14,5 16,5 12,9 17,7 16,4 11,7 2,231 -0,073 -0,961 As qualidades necessárias para a entrada no mercado de trabalho mais frequentemente citadas (em % do total) foram: Quadro 2 – Qualidades necessárias para entrar no mercado de trabalho Cursos Cursos diurnos noturnos Conhecimento de línguas 54,4 63,1 Conhecimento de informática 36,8 34,9 Conhecimento da área 28,7 38,2 Habilidades de se relacionar bem com as pessoas, 50,7 26,1 trabalhar em equipes, comunicação Atitude empreendedora, iniciativa 35,3 26,5 Experiência anterior 16,2 22,5 Total dos Teste alunos estatístico (z) 60,0 -1,654 35,6 0,358 34,8 -1,866 34,8 3,098 29,6 20,3 1,805 -1,473 Quanto à percepção da capacidade de enfrentar o mercado de trabalho, os alunos apontaram as repostas indicadas no Quadro 3, que se segue: Quadro 3 – Capacidade para enfrentar o mercado de trabalho Cursos diurnos Muito 19,9 Acima de médio 45,6 Médio 28,7 Pouco 5,1 Muito pouco 0,7 Cursos noturnos 13,3 34,5 45,0 5,6 1,6 Total dos Teste alunos estatístico (z) 15,6 1,706 38,4 2,130 39,2 -3,131 5,5 -0,196 1,3 -0,721 As respostas mais frequentes para a definição de carreira são apresentadas no Quadro 4, que se segue: Quadro 4 – Definição de carreira Conciliação de fatores pessoais e profissionais: crescimento; prazer e remuneração; dedicação e experiência Crescimento profissional em uma organização Caminho profissional Meta a atingir Cursos diurnos Cursos noturnos Total dos Teste alunos estatístico (z) 21,3 22,1 21,8 -0,174 15,4 21,3 22,8 24,9 21,7 19,7 21,6 21,6 20,8 -2,157 -0,083 0,720 Quanto aos maiores obstáculos para o desenvolvimento da carreira, os alunos mencionaram com mais frequência: Quadro 5 – Obstáculos para conseguir o que deseja da carreira Cursos diurnos Extrema competitividade profissional 38,2 Aspectos políticos da organização: conflitos; dificuldade de acesso às pessoas; pessoas não confiáveis, 14,0 aplicabilidade aleatória das políticas Falta de tempo e dinheiro para a atualização 12,5 Entrar na empresa, poucas vagas 18,4 Cursos noturnos 25,7 Total dos Teste alunos estatístico (z) 30,1 2,562 20,5 18,2 -1,583 16,5 12,0 15,1 14,3 -1,04 1,698 8 As definições para sucesso profissional são apresentadas no Quadro 7 abaixo: Quadro 6 – Definição de sucesso profissional Atingir objetivo profissional Obter reconhecimento externo (chefe, colegas) Conciliar o que gosta com o que faz Obter remuneração compatível com o desempenho Cursos diurnos 22,1 24,3 21,3 23,5 Cursos noturnos 26,1 19,3 15,3 10,4 Total dos Teste alunos estatístico (z) 24,7 -0,880 21,0 1,148 17,4 1,500 15,1 3,431 Os objetivos profissionais declarados para os anos seguintes encontram-se no quadro abaixo: Quadro 7 – Objetivos para os próximos anos Referência ao vínculo de emprego: conseguir emprego, promoção, entrar em programa de trainee, etc Aperfeiçoamento profissional (cursos de espeicalização) Fazer pós-graduação Cursos diurnos 47,1 Cursos noturnos 46,6 19,9 17,6 38,6 30,1 Total dos Teste alunos estatístico (z) 46,8 0,088 31,9 25,7 -3,762 -2,677 Quanto aos planos de ação para se conseguir os objetivos, as respostas mais frequentes foram: Quadro 8 – Planos para conseguir objetivos Esforçar-se e dedicar-se ao trabalho Fazer cursos de especialização, línguas, informática Entrar em boa empresa Cursos diurnos 33,1 31,6 Cursos noturnos 38,2 33,3 13,3 8,0 Cursos diurnos 16 20 8 16 11 1 1 11 Cursos noturnos 15 10 15 1 9 13 13 1 Total dos Teste alunos estatístico (z) 36,4 -0,987 32,7 -0,343 9,8 1,664 Os alunos apontaram como papel(is) do administrador: Quadro 9 – Papel do administrador administrar e coordenar pessoas crescimento da organização resolver problemas, ser competente maximizar lucros gerir recursos atingir objetivos da organização organizar, controlar, dirigir, administrar gerenciar atividades e áreas Total dos Teste alunos estatístico (z) 16 0,1748 15 1,7712 11 -1,388 11 3,4017 10 0,4216 9 -2,975 8 -2,975 8 2,6631 Vale ressaltar que os dados aqui apresentados se referem aos resultados mais frequentemente mencionados para cada questão apresentada. Muitas outras respostas foram oferecidas pelos alunos, mas com frequências significativamente menores, não se podendo afirmar, portanto, que configuram uma tendência. Discussão dos resultados Para enfrentar o mercado de trabalho classificado como difícil e extremamente competitivo, os alunos procuram trabalho, principalmente nos jornais (22%). Nota-se, no entanto, que as seções de estágios das escolas são, especialmente para os alunos dos cursos diurnos, uma 9 fonte de trabalho importante. Como a referência à procura nas empresas – a terceira resposta mais encontrada – não foi mais detalhada, não se pode dizer se essa procura é feita nas empresas indicadas pelas seções de estágios ou se a procura é feita de uma forma mais proativa, com o envio de currículos para as empresas de maior interesse dos alunos. A referência à Internet pode estar apontando uma tendência de maior utilização desse meio no futuro e a busca de trabalho com amigos vem ressaltar a importância da competência do know-whom, de Defillipi e Arthur (1994). Os alunos reconhecem a importância de se desenvolver algumas habilidades para a entrada e manutenção no mercado de trabalho, tais como: (a) em relação à competência de know-how, o conhecimento específico da área em que se pretende atuar, de línguas e de informática e a constante atualização desses conhecimentos; habilidades de comunicação, de se relacionar com os outros, de trabalhar em equipes e a criatividade; atitudes de empreendedorismo, entusiasmo, proatividade, responsabilidade e flexibilidade; (b) para o know-why, indicaram a auto-motivação e a persistência; (c) o know-whom é destacado principalmente quando são somadas as frequências assinaladas a relacionar-se bem com os outros e a rede de relacionamentos e o QI (quem indica) da pessoa. A maior frequência de referências aos aspectos do know-how sugere que os alunos, em razão de também trabalharem ou fazerem estágios, reconhecem a existência de uma lacuna entre a teoria aprendida e a prática e que precisam buscar um aprendizado adicional e que, além disso, a velocidade das transformações lhes impõe a atualização constante dos conhecimentos. Entretanto, a maior referência aos aspectos do know-how pode estar indicando um comportamento apenas reativo aos requisitos do mercado de trabalho, ao invés da reflexão sobre os cenários e as próprias habilidades e necessidades. Em outras palavras, pode-se dizer que os alunos entendem que precisam aumentar e cultivar o seu conhecimento sobre a sua área de atuação mais como função do mercado de trabalho, do que como uma forma de ampliar e criar novas oportunidades e formas de prover a sua subsistência e a sua realização, aumentando o seu poder de autodeterminação. Quanto à auto-confiança, os quadros mostram que há uma predominância das respostas em torno das classificações “acima de médio” e “médio”, tendo os alunos dos cursos diurnos se mostrado mais auto-confiantes que os alunos dos cursos noturnos. São baixas as frequências dos alunos que se consideram “pouco” ou “muito pouco” capacitados, 5,5% e 1,3%, respectivamente. No entanto, quando perguntados sobre os maiores obstáculos que teriam que enfrentar, as referências mais citadas dizem respeito a fatores do ambiente, como a extrema competitividade entre os profissionais, a falta de oportunidades de emprego, os problemas políticos, de comunicação e de liderança enfrentadas dentro da empresa e a falta de tempo e dinheiro para a atualização necessária a um bom desempenho. Os obstáculos mencionados se referem, em geral, a fatores externos, cujo controle não está nas mãos deles, indicando percepções de um grau reduzido do poder de auto-determinação. Os alunos definem a carreira, predominantemente, como crescimento e como um caminho. Em relação ao crescimento, duas observações podem ser feitas: em primeiro lugar, o vínculo com a organização é explicitamente mencionado; em segundo, a referência não deixa claro se o crescimento está associado ao desenvolvimento de potencialidades do indivíduo ou a aumentos em renda, status e poder. As definições como caminho profissional ou meta profissional a atingir são pouco precisas, uma vez que não qualificam o caminho ou a meta, mas se assemelham à definição de carreira dada por Arthur e Rousseau (1996) para a carreira sem fronteiras. Merecem destaque o número expressivo de alunos que se refere à carreira de maneira ampla, compreendendo outros aspectos da vida como a “somatória de experiências”, 10 como a “conciliação de aspectos pessoais e profissionais”, como uma “parte importante da vida” ou como “tudo aquilo que se gosta. As definições dadas pelos alunos levam a crer, portanto, que a carreira profissional e o seu desenvolvimento são manejados de forma mais intuitiva do que estruturada, demonstrando pouca elaboração e reflexão sistematizada sobre o tema. As definições dadas ao sucesso profissional indicam que, embora acreditem ser importante conciliar o fazer e o gostar, precisam do reconhecimento externo, tanto em forma de salário como pela avaliação dos outros. Isso vem ilustrar como as duas dimensões da carreira se articulam também na definição de resultados esperados e no estabelecimento de objetivos valorizados. É por essa razão que o sucesso aparece relacionado à organização com muita frequência, ou seja, há a referência explícita ao elemento externo. Uma outra definição de sucesso muito citada foi o atingimento de um objetivo profissional, o que transmite a idéia de referência interna e externa ao mesmo tempo, uma vez que o objetivo (conforme mostram as respostas à questão seguinte) pode ser a promoção a um cargo de gerência ou a obtenção de um emprego melhor, por exemplo. Dessa maneira, as definições dadas pelos alunos para o sucesso profissional parecem reunir as definições de Schein (1993) e de Mirvis e Hall (1994): é visto como uma ocorrência pessoal (parâmetros internos), mas é balizado pelos outros (parâmetros externos). Quanto aos objetivos declarados, chamam a atenção as referências, em primeiro lugar, ao vínculo que têm ou pretendem ter com uma organização e, em segundo lugar, à necessidade de melhorar as próprias competências e habilidades, por meio de cursos de especialização, idiomas e pós-graduação. Isso sinaliza que: (a) embora os alunos reconheçam a necessidade do desenvolvimento das próprias potencialidades, ela parece estar muito mais associada à obtenção de um emprego e ao progresso dentro da empresa do que ao desenvolvimento da carreira, visto como algo integrado à sua vida pessoal e (b) a referência ao vínculo de emprego por quase a metade dos alunos respondentes confirma as suposições feitas a partir dos resultados obtidos nas questões sobre o mercado de trabalho, onde definições mais amplas e a identificação de outras oportunidades - que, de acordo com Defillipi e Arthur (1994), compõem o contexto para o desenvolvimento da carreira sem fronteiras - não aparecem com muita frequência e que a visão predominante que os alunos têm do mercado de trabalho diz respeito à empresa e à relação de emprego. Os planos assinalados para o atingimento dos objetivos fazem referência ao know-why – a busca constante, o esforço e a dedicação – e ao know-how – o aperfeiçoamento profissional, o que indica o reconhecimento de alguns dos elementos da carreira sem fronteiras e sinaliza o entendimento do poder da auto-determinação no atingimento de objetivos, ou seja, os alunos percebem que o esforço e o aprofundamento do conhecimento aumentam o seu próprio poder de determinar o rumo da carreira. O fato do aperfeiçoamento profissional ser mencionado como objetivo e plano de ação reforça a importância dada ao conhecimento, demonstrada nas repostas sobre o mercado de trabalho. A referência expressiva à dedicação ao trabalho e à aquisição de conhecimentos e competências técnicas coloca uma questão interessante: estarão essas competências substituindo o ‘jeitinho brasileiro’ para a condução e a resolução de problemas, negócios e da própria vida profissional? A questão sobre o papel do administrador foi a que apresentou maior diversidade nas respostas. Embora não constem do quadro 9, por apresentarem freqüências muito baixas, vale mencionar algumas das respostas dadas, como: “o administrador é o núcleo da organização, o mais importante...”, “tem que administrar com ética e responsabilidade”, “tem que promover 11 o desenvolvimento das pessoas”, “tem que fazer clientes satisfeitos”, “tem que ser adaptável ao mercado”, “papel empreendedor e inovador”, entre outras. Observa-se que as respostas mais freqüentemente mencionadas se referem às responsabilidades e atribuições que se pode denominar instrumentais, ou seja, que objetivam o crescimento dos lucros e da organização e que para isso, o administrador deve saber gerir recursos. Isso confirma a hipótese de muitos autores de que, embora algumas iniciativas venham sendo tomadas pelas escolas de Administração no Brasil - a revisão da estrutura curricular, a revisão das metodologias de ensino e a criação de parcerias com instituições de outros países - como tentativas de adequar o ensino às demandas do contexto, o conteúdo transmitido ainda promove muito mais a formação de estrategistas do que gestores capazes de trabalhar com a realidade de forma sistêmica (Fleury, 2000). Nicolini (2001) considera que as escolas não têm inovado muito e, nesse sentido, compara a base do ensino da Administração ao modelo fabril taylorista, que apresenta uma concepção fragmentada da administração, em disciplinas como Contabilidade, Marketing, Finanças, dissociadas umas das outras, e que acabam por formar alunos especializados em áreas específicas e restritas, treinados para receber, aceitar e memorizar o conteúdo ministrado, nem sempre adequado ao contexto brasileiro. Sem o estímulo à capacidade de reflexão e crítica, os alunos egressos dessas escolas estariam inadequadamente preparados para enfrentar as demandas do mercado de trabalho (Coelho, 2001) e para uma gestão mais focada nas pessoas. Dessa maneira, embora a resposta mais freqüente tenha sido referente à gestão de pessoas, “administrar e coordenar pessoas”, como não houve referências mais expressivas ao desenvolvimento e aos objetivos dessas pessoas, pode-se inferir que as pessoas estão sendo predominantemente pensadas como um recurso a ser utilizado da forma mais eficiente possível. Ademais, confirmando as respostas obtidas em outras questões, foi baixo número de respostas que se referiu à atuação do administrador fora de uma situação de emprego. Quanto às diferenças estatisticamente significativas entre os alunos do período diurno e noturno, vale comentar que as respostas mais frequentemente apontadas foram as mesmas para os dois grupos, variando apenas a ordem de indicação entre os grupos. São elas: • os alunos dos cursos diurnos relataram mais experiências no trabalho através de estágios; indicaram mais expressivamente a utilização das seções de estágios das escolas, a necessidade de ter habilidades de relacionamento e saber trabalhar em equipe para a entrada no mercado de trabalho; relataram um maior grau de auto-confiança em relação à entrada no mercado de trabalho, indicando que mais experiência prática lhes traria maior capacitação; assinalaram a competitividade do mercado como um obstáculo ao desenvolvimento da carreira; esperam mais desafios do trabalho, associam o sucesso mais significativamente à remuneração compatível ao desempenho e assinalaram também mais expressivamente o objetivo de adquirir experiência na área de atuação de interesse. • os alunos dos cursos noturnos trabalham mais como empregados; mencionaram mais expressivamente a necessidade de atualização para se sentirem mais capacitados frente ao mercado de trabalho; associam mais significativamente a carreira a uma organização e são menos auto-confiantes em relação às possibilidades de fazer o que desejam na carreira; assinalaram mais frequentemente que esperam ter o reconhecimento dos outros pelo trabalho e que têm por objetivo, o aperfeiçoamento profissional. Essas diferenças sugerem que há uma tendência, por parte dos alunos dos cursos noturnos, de avaliar o mercado e a carreira de maneira menos otimista, o que pode indicar que a experiência de trabalho como empregados ajuda a desenvolver atitudes mais críticas e a 12 reconhecer as necessidades do mercado; ademais, eles também percebem os problemas políticos que têm que enfrentar e que dificultam a forma como são recompensados. Os resultados da pesquisa sugerem um entendimento parcial (pelos alunos) da relação de reciprocidade, de criação e recriação mútuos, que o indivíduo pode estabelecer com o seu meio, como acontece na construção da carreira sem fronteiras, uma vez que os trabalhos que acreditam estar disponíveis são descritos como empregos ou cargos e o mercado de trabalho aparece como algo que está “lá fora”, difícil e exigente, impondo requisitos, muitas vezes, exagerados. Foram poucas as referências à exploração e construção de oportunidades nesse meio, até mesmo quando mencionaram a vontade ou a possibilidade de abrir um negócio próprio. Os significados atribuídos ao sucesso e à carreira profissionais que remetem ao vínculo com a organização são expressivos (em torno de 50% dos alunos em cada questão). Dessa maneira, o ambiente, referido como o mundo organizacional, adquire um elevado poder de determinação sobre o desenvolvimento da carreira: o desenvolvimento de habilidades é direcionado ao atendimento das exigências do mercado; os obstáculos existem no mercado e nas organizações; o sucesso também é definido em relação ao elemento externo. Esses resultados sugerem que a auto-confiança demonstrada se apóia mais na intuição e vontade, do que na reflexão e na avaliação da própria condição. Por outro lado, os resultados demonstram que os alunos vêm tomando consciência de que as condições para a construção de uma carreira com privilégios e status não estão mais presentes. Além disso, colocam muitas das expectativas de retorno ou reconhecimento do trabalho na organização ou em fatores que dela dependem, conforme se pode depreender dos conceitos sobre a carreira e o sucesso profissional. Nesse sentido, a organização se configura como a mediadora da relação indivíduo-meio, alterando o ciclo de reciprocidade da mesma. A mediação da organização abre espaço para que o desenvolvimento da carreira seja mais associado a um sistema de status e à aquisição de recompensas extrínsecas do que ao desenvolvimento das potencialidades do indivíduo. Considerações finais: A reflexão sobre a relação que as pessoas estabelecem com o seu trabalho e sobre os processos da construção da carreira profissional vêm se tornando pontos essenciais na gestão das organizações, colocando novas questões para o ensino da Administração. Na medida em que atribui ao indivíduo a maior responsabilidade pela carreira, o modelo da carreira sem fronteiras pode ser considerado um primeiro passo para se pensar as variáveis envolvidas no desenvolvimento da carreira organizacional. As críticas ao modelo, no entanto, sinalizam à gestão a necessidade de se buscar políticas mais adequadas para as pessoas. Os resultados da pesquisa aqui relatada indicam que, para os alunos de Administração, o trabalho e o desenvolvimento da carreira estão muito relacionados à organização, e que, embora alguns dos elementos da carreira sem fronteiras tenham sido apontados, a predominância da preocupação com o know-how sugere que a competência do know-why precisa ser melhor trabalhada para que os alunos possam se sentir mais sujeitos de sua vida profissional. Como a relação com o trabalho é mediada pela organização, desenvolver o know-why significa refletir sobre o trabalho, a carreira e conceitos como o sucesso profissional e avaliar o que pode ser esperado da organização e de si próprio, de maneira a poder negociar as trocas que vai estabelecer e, como gestor, poder implementar políticas adequadas à organização e às pessoas. A exploração mais cuidadosa do contexto em que pretendem atuar à luz das próprias habilidades e a ampliação do debate sobre os elementos essenciais à construção da carreira profissional podem ser uma contribuição nesse sentido. 13 Os resultados da pesquisa também sugerem alguns temas para pesquisas futuras para o estudo da carreira profissional. Em primeiro lugar, fica o questionamento da possibilidade efetiva de se construir carreiras sem fronteiras em um contexto organizacional, uma vez que o recebimento de recompensas – ou os retornos esperados, como o sucesso profissional – é determinado pela gestão e tem seu valor estabelecido em relação aos outros na organização (pares, chefes e subordinados, por exemplo). Em segundo lugar, como muitas das palavras mencionadas pelos alunos não foram detalhadas, pesquisas futuras poderiam se ocupar de melhor definir os conceitos relacionados à carreira e ao seu desenvolvimento. Por fim, os resultados apontam uma ambiguidade que pode estar ocorrendo na gestão das carreiras organizacionais e que merece pesquisa mais aprofundada: por um lado, a fim promover a flexibilidade e o desenvolvimento de habilidades nas pessoas, os gestores têm que recorrer ao discurso da empregabilidade; por outro lado, os próprios gestores não apenas associam muito frequentemente carreira e sucesso à organização, mas também reconhecem os obstáculos políticos que enfrentam (e que lhes tiram muito do poder de auto-determinação) e as dificuldades na atualização dos conhecimentos necessários. Vale ressaltar que a perspectiva da carreira sem fronteiras não apenas traz a necessidade de reflexão sobre alguns temas que, segundo Freitas (1999), são muito presentes nas escolas de Administração - a valorização do trabalho em grandes empresas e da ascensão na escala hierárquica e a importância da necessidade do comprometimento, do “vestir a camisa”, mas também propõe novos debates como a importância que assume e como pode ser promovida a auto-determinação na apropriação pelo indivíduo da carreira profissional, a investigação do contexto para a geração de oportunidades e a exploração das relações que o indivíduo pode desenvolver com o seu meio. Ainda, a importância da escola é apontada pelos alunos para a entrada no mercado de trabalho pois estabelece uma rede de relacionamento com as organizações, constituindo, dessa forma, um elemento facilitador da carreira. Ademais, a ampliação do debate sobre a carreira pode contribuir para uma gestão mais humanizada, que estabeleça políticas mais adequadas à construção de carreiras que reflitam as escolhas e onde o desenvolvimento e a autonomia das pessoas não sejam apenas elementos de um discurso gerencial que visa a intensificação do trabalho e um alto grau de comprometimento com a organização. A escola de Administração, enquanto formadora de muitos dos gestores das organizações, desempenha papel fundamental em relação à forma de condução dos negócios na sociedade contemporânea e, nesse sentido, o aprofundamento da discussão da sua contribuição para o desenvolvimento das competências de know-how, know-why e know-whom e para a construção da carreira sem fronteiras, poderá gerar novas abordagens sobre o problema da relação organização-indivíduo, uma vez que os significados atribuídos à construção da carreira podem ser indicativos do estilo de gestão que esse futuro administrador desempenhará. 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