UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
Harmonização Tributária No Processo de Integração:
Uma Visão do Mercosul
LIANA FERNANDES DE JESUS
Rio de Janeiro
2007.1
2
LIANA FERNANDES DE JESUS
Harmonização Tributária No Processo de Integração:
Uma Visão do Mercosul
Dissertação apresentada à Universidade
Estácio de Sá como requisito para
obtenção do grau de Mestre em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Theophilo
de Azeredo Santos
Rio de Janeiro
2007.1
3
LIANA FERNANDES DE JESUS
Harmonização Tributária No Processo de Integração:
Uma Visão do Mercosul
Dissertação apresentada à Universidade
Estácio de Sá como requisito para
obtenção do grau de Mestre em Direito.
Aprovada em _____ de ______________________ de _______.
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________
Prof. Dr. Theophilo de Azeredo Santos
Presidente
Universidade Estácio de Sá
______________________________________________________________
Prof. Dr.
Universidade Estácio de Sá
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Adilson Rodrigues Pires
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
4
Ao Professor Adilson Rodrigues Pires, pela
dedicação e amizade dedicada aos seus muitos
alunos.
5
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais por caminharem sempre ao meu lado na busca dos meus sonhos mais altos.
Ao Igor Trabuco Bandeira que vivenciou cada passo e cada página da minha longa
caminhada.
Ao meu orientador Professor Theophilo de Azeredo Santos, pelo carinho, paciência e
dedicação.
6
"O novo mundo deve estar constituído por nações
livres e independentes, unidas entre si por um corpo de
leis em comum que regulem seus relacionamentos
externos"
Simón Bolívar
“É surpreendente ver como o problema dos
espaços levou tanto tempo para aparecer como
problema histórico-político: ou o espaço era remetido à
natureza, à geografia física, ou era concebido como o
local de residência ou de expansão de um povo(...), o que
importava era o substrato ou as fronteiras. Seria preciso
fazer a história, os espaços – que seria ao mesmo tempo
uma história dos poderes ali exercidos – que estudasse
desde as grandes estratégias da geopolítica até as
pequenas táticas do habitat.”
Michel Foucault
7
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo apresentar e analisar a questão da harmonização
da legislação tributária no âmbito do Mercosul. Para alcançar tal projeto, fez-se necessário um
estudo que não apenas englobasse os aspectos tributários dos Estados-membros do bloco
regional em vias de consolidação, como também, em última análise, conseguisse demonstrar a
inserção do Mercado Comum do Sul no cenário mundial contemporâneo, evidenciando suas
vantagens e seus desafios. Logo, buscou-se enfatizar que o processo de integração impõe um
severo desafio para os países sul-americanos. Com perspectivas que ultrapassam a mera união
limítrofe, a harmonização dos regramentos, em especial no campo do direito tributário,
aparece como fator intrigante e essencial na busca de um razoável equilíbrio regional.
Harmonização essa, que ainda se mostra distante do objetivado quando da assinatura do
Tratado de Assunção, mas que se acredita de possível concretização, como será demonstrado.
PALAVRAS-CHAVE: Mercosul; harmonização tributária; direito tributário.
8
ABSTRACT
The present reference work endeavors both to portray and to scrutinize the tax
legislation synchronization’s issue in the MERCOSUR scope. In order to achieve the target it
is vital to draw a survey, which could concern not only the regional trade bloc member
countries tax aspects (that are about to be consolidated) plus and as an ultimate consideration
a meticulous inquiry capable of put on show the Southern Common Market (MERCOSUR)
incorporation in the current worldwide outlook, what would demonstrate its advantages as
well as its challenges. Therefore this paper mostly seeks to emphasize that the integration
procedure imposes a sharp defy to South America countries. Coveting approaches that
overtake the mere limitrophe association, the harmonization policy particularly in Tax Law
field, emerges as a fascinating and necessary aspect in the search of a reasonable local
steadiness. Nevertheless the so-called harmonization is still far away from what was
deliberated when the former member states signed the Treaty of Asunción although it is
completely possible to trust in its perfect accomplishment, as it will be carefully validated in
this study.
KEY WORDS: MERCOSUR; taxable harmonization; tax Law.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACE
Acordo de Complementação Econômica
ANFAVEA
Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores
ALADI
Associação Latino-Americana de Integração
ALCA
Área de Livre Comércio das Américas
BIRD
Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento
CCM
Comissão de Comércio do Mercosul
CMC
Conselho Mercado Comum
GAAT
Acordo Geral sobre tarifas Aduaneiras e Comércio
GMC
Grupo Mercado Comum
Mercosul
Mercado Comum do Sul
NAFTA
North American Free Trade Agreement
OMC
Organização Mundial do Comércio
ONU
Organização das Nações Unidas
OCTA
Organização para Cooperação do Tratado Amazônico
PAC
Política Agrícola Comum
PIB
Produto Interno Bruto
SH
Sistema harmonizado
TEC
Tarifa Externa Comum
UE
União Européia
ZLC
Zona de Livre Comércio
10
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................13
2 MERCOSUL: A HARMONIZAÇÃO LEGISLATIVA COMO EXIGÊNCIA
MUNDIAL ............................................................................................................18
2.1 DIREITO COMUNITÁRIO ............................................................................19
2.2 HARMONIZAÇÃO LEGISLATIVA ............................................................ 23
2.3 ALGUNS CENÁRIOS PARA O MERCOSUL ............................................. 26
3 O PANORAMA DO MERCOSUL .................................................................... 32
3.1 O MERCOSUL JURÍDICO ........................................................................... 38
3.2 O SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NO MERCOSUL ... 40
3.2.1 Tribunal Arbitral Permanente de Revisão do Mercosul ................... 42
3.3 OS ÓRGÃOS DO MERCOSUL: A AUSÊNCIA DE UMA ESTRUTURA
SUPRAESTATAL .................................................................................................... 45
4 INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS ..................... 50
4.1 INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS NA ARGENTINA ....................... 55
4.2 INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS NO PARAGUAI ......................... 57
4.3 INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS NA VENEZUELA ...................... 57
4.4 INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS NO URUGUAI ............................ 59
4.5 INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS NO BRASIL ................................ 60
4.5.1 Tratados em Matéria Tributária no Direito Brasileiro .................... 62
5 A RELEVÂNCIA DA QUESTÃO TRIBUTÁRIA NO MERCOSUL ............ 67
5.1 PRINCIPAIS ASPECTOS DO TRATADO DE ASSUNÇÃO ...................... 75
5.2 CÓDIGO ADUANEIRO DO MERCOSUL .................................................. 76
5.2.1 Conceito de Reciprocidade .................................................................. 76
11
5.2.2 Cláusula da Nação Mais Favorecida .................................................. 77
5.2.3 Programa de Liberação Comercial ................................................... 77
5.2.4 Regime de Origem dos Produtos ........................................................ 77
5.2.5 Cláusulas de Salvaguarda ................................................................... 79
5.3 O SISTEMA TRIBUTÁRIO DOS ESTADOS-MEMBROS DO MERCOSUL
................................................................................................................................... 80
5.3.1 O Sistema Tributário Argentino ........................................................ 80
5.3.2 O Sistema Tributário Brasileiro ......................................................... 81
5.3.3 O Sistema Tributário Paraguaio ........................................................ 82
5.3.4 O Sistema Tributário Uruguaio ......................................................... 83
5.3.5 O Sistema Tributário Venezuelano .................................................... 84
5.3.6 O Sistema Tributário nos Países Associados .................................... 86
6 HARMONIZAÇÃO DO DIREITO TRIBUTÁRIO NO MERCOSUL ......... 87
6.1 PERSPECTIVAS DE HARMONIZAÇÃO ................................................... 91
6.2 PRINCÍPIOS APLICÁVEIS À HARMONIZAÇÃO TRIBUTÁRIA ........... 94
6.3 HARMONIZAÇÃO DOS TRIBUTOS ADUANEIROS ............................... 95
6.4 HARMONIZAÇÃO DOS TRIBUTOS SOBRE PATRIMÔNIO E
RENDA ..................................................................................................................... 99
6.5 HARMONIZAÇÃO DOS TRIBUTOS SOBRE CIRCULAÇÃO E
CONSUMO ............................................................................................................ 101
6.6 HARMONIZAÇÃO DOS INCENTIVOS FISCAIS .................................... 104
7 O FUTURO DA INTEGRAÇÃO REGIONAL – DO FENÔMENO AO
RISCO ................................................................................................................ 106
7.1 O COMÉRCIO INTERNACIONAL MULTILATERAL ............................ 107
7.2 A QUESTÃO DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA ............................. 111
12
7.3 A POLÍTICA VENEZUELANA .................................................................. 114
7.4 A NOVA ORDEM EMPRESARIAL ........................................................... 119
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 121
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 127
13
1. INTRODUÇÃO
O Mercado Comum do Sul, mais conhecido pela sigla Mercosul, guardadas as
diferenças de escala, reflete, em linhas gerais, os acontecimentos e as tendências presentes no
contexto internacional.
Tamanho projeto esbarra em inúmeros desafios dentre os quais cabe verificar se certos
movimentos de regionalização funcionam como estratégias defensivas de determinados
grupos de países que buscam, além de um melhor posicionamento, se “abrigar” das
intempéries prevalecentes na atual situação financeira mundial ou simplesmente uma maior
competitividade no cenário internacional resguardando e desenvolvendo as economias
internas.
O presente estudo não tem como objetivo apresentar as vantagens e desvantagens de
um bloco econômico, nem tão pouco delinear um painel de perspectivas de desenvolvimento.
A proposta é, antes de qualquer outra situação de relevância, trazer à tona uma série de
discussões acerca da necessidade de harmonização da legislação, especificamente tributária,
entre os países integrantes do Mercosul, bem como, em última instância, apontar para um
fortalecimento das relações internas do bloco, solidificando, conseqüentemente, sua postura
no cenário internacional, tornando-o competitivo sem, contudo, ameaçar os sistemas
econômicos dos países membros.
Certo, portanto, é que a integração está longe de configurar um fim em si mesma. Ela
é um instrumento de política comercial e de desenvolvimento para se alcançar objetivos cada
vez maiores. A integração, no cenário do Mercosul, não é a fusão de entidades nacionais em
nome do bem comum, mas sim a soma de forças voltadas para o fortalecimento da região no
mercado internacional.
14
Logo, é imprescindível perceber que para o incremento e a efetividade do processo de
integração do Mercosul necessita-se da vontade política acompanhada da harmonização em
matéria tributária, elemento este estabelecido no próprio Tratado de Assunção como meio de
alcançar seu fim maior: a constituição de um mercado comum, conforme será apresentado no
capítulo primeiro.
O capítulo seguinte deste ensaio tem a responsabilidade de introduzir os problemas e
dificuldades encontradas na implantação do Mercado Comum. Neste ponto, serão
apresentados os primeiros questionamentos sobre matéria tributária, demonstrando um quadro
da realidade fática e jurídica na qual encontramos o Mercosul nos dias atuais, e ainda, das
questões que tangenciam, no plano mundial, os principais aspectos do tema harmonização
tributária.
Necessário, conquanto, apresentar, ainda que de forma superficial, alguns contornos
do Mercosul, seus pontos fortes e contrastantes, situá-lo em seu contexto histórico,
distinguindo os momentos relevantes de seu desenvolvimento, e para tal tarefa é dedicado o
terceiro capítulo. Ressalta-se que no citado tópico, ainda que em linhas gerais, merece ser
contextualizada a nova ordem internacional econômica na qual se inclui o bloco mercosulista,
inserindo-se, assim, o pano de fundo necessário nas abordagens que serão empreendidas ao
longo do trabalho.
Os principais obstáculos ao sucesso da empreitada mercosulista, as diferenças
econômicas e estruturais de cada Estado-membro e a relevância da concepção de uma
legislação interna harmonizada serão discutidos no capítulo quatro. Por meio de um estudo
sobre a internalização dos tratados internacionais nos países membros, que a este ponto já será
suficiente para ajudar a traçar uma linha de raciocínio para compreender a “grande teia” que
forma a América Latina, serão destacadas distinções histórico-culturais que acirram e
dificultam um pouco mais a almejada integração.
15
Objetiva-se, assim, demonstrar que as vantagens de se participar de um processo de
integração como o Mercosul são evidentes para os países integrantes, pois a partir deste ponto
será fomentada a dinamização econômica, a consolidação do processo de liberalização
comercial e a atração de investimentos.
Antes de qualquer outra possível vantagem, afirma-se que o Mercosul é um
extraordinário fator de estreitamento da relação da região com o resto do mundo. Todavia,
para que todo esse processo colha frutos, precisamos de alguns ajustes, ajustes estes que
permeiam o campo do direito tributário e conseqüentemente a harmonização da legislação
específica por nós aqui proposta.
No quinto capítulo, a relevância da questão tributária passa ao centro do estudo. Serão
traçados os aspectos que aproximam e ao mesmo tempo afastam o sonho de fortalecimento do
bloco e que através de constantes alterações chamam a atenção de estudiosos para a
complexidade da realidade do cone sul.
O capítulo seis é dedicado exclusivamente ao tema da harmonização da legislação
tributária abordando e estabelecendo os diferentes ramos da tributação. Para isso, ressalta-se
que o Tratado de Assunção não cria um sistema tributário para o Mercosul, nem mesmo trata
da matéria de forma específica, mas aponta-o como meio, como uma alavanca impulsionadora
à consecução de objetivos diversos, dentre eles o mercado comum, devido à sua importância
estratégica.
O termo harmonização corresponde à aproximação entre as diversas legislações dos
países integrantes, eliminando gradativamente as diferenças substanciais para a concretização
de um mercado comum. Isto não quer dizer que todo e qualquer assunto deva ser
harmonizado, mas somente aqueles que configurem obstáculos ao processo de integração dos
membros.
16
Neste sentido, será demonstrado ao longo do trabalho, através de um apanhado sucinto
das legislações constitucionais tributárias dos países membros do Mercosul, que a tarefa de
aproximação é facilitada por semelhanças legislativas, entretanto, é bastante dificultada por
uma ausência de efetiva vontade política.
Por último e não menos importante, partindo-se de uma concretização do Mercado
Comum do Sul, serão estabelecidos critérios mínimos que possibilitem questionar os riscos
futuros advindos naturalmente de um processo de fortalecimento dos blocos regionais, onde
torna-se possível encontrar Estados atuando em conjunto no cenário internacional e não mais
individualmente, uma vez que estarão pensando e representando-se de forma coletiva.
A relevância do tema e sua justificativa para embasar um estudo acadêmico têm como
alicerce a contemporaneidade do assunto abordado, não apenas no panorama sul-americano,
mas principalmente quando se observa que as relações entre blocos econômicos ganham
maiores dimensões (econômicas e políticas) ao longo do tempo, tanto no âmbito regional
quanto no mundial.
Tomando como pontos de partida fundamentos teóricos e tratamentos doutrinários,
nem sempre convergentes, a questão da harmonização tributária no âmbito de uma América
Latina, a cada dia mais próxima e ao mesmo tempo mais tensa politicamente, acaba por
ganhar contornos apaixonantes que não mais questionam a viabilidade ou não do bloco
formado por países do cone sul, mas que, em última instância, acabam por traçar o perfil de
parcela de um continente que tenta sobreviver em um mundo dominado por verdadeiros
gigantes.
O presente trabalho, dentro da área de concentração Direito Público e Evolução Social,
na linha de pesquisa da relação jurídico-tributária, pretende encontrar mais que respostas aos
problemas que giram ao redor do tema Mercosul. Objetiva alcançar visões que levem o jurista
ao próprio questionamento do projeto de integração da América Latina nos moldes até então
17
desenvolvidos, e que se possa, ao menos, caminhar na direção de um futuro viável para o
Mercado Comum do Sul.
18
2. MERCOSUL: A HARMONIZAÇÃO LEGISLATIVA
COMO EXIGÊNCIA MUNDIAL
Os últimos quinze anos têm simbolizado um momento especial para as relações
econômicas da América Latina. Nesse período ocorreram mudanças substantivas nos
conceitos e nas práticas de integração, com papel crescente atribuído aos processos subregionais.
A criação do Mercado Comum do Sul objetivou fortalecer os países da região frente
aos países economicamente mais desenvolvidos, bem como aos outros blocos econômicos em
consolidação, partindo do pressuposto de que a capacidade negocial no cenário internacional é
sempre maior quando os Estados se unem.
Nesse contexto o Mercosul ocupa uma posição relevante no cenário internacional. A
constante busca pela consolidação formal e produtiva desse bloco permitiu o início de uma
série de negociações no plano externo, ultrapassando as fronteiras da América Latina, bem
como estabelecendo contatos com o restante dos países do hemisfério e com outras regiões e
países do mundo.
O projeto do Mercosul desenvolve-se, portanto, numa situação de crescente
participação de seus países integrantes nos fluxos comerciais mundiais. Sobretudo neste
ponto, verifica-se uma significativa tendência expansionista do comércio preferencial dos
Estados-membros e associados com países e blocos ocupantes de posições economicamente
mais relevantes.
O bloco, neste aspecto, é um novo centro institucional. Constitui uma solução, uma
estratégia razoável e eqüitativa para enfrentar problemas comuns que assombram a América
Latina do pós-guerra.
19
Embora seja merecedor de contornos mais rígidos, pode-se afirmar, quanto aos
aspectos institucionais, que o processo de integração se põe, ainda que lentamente, a
caminhar.
É possível afirmar, sem elencar muitos dados, que no contexto da Organização
Mundial do Comércio (OMC), tanto o Brasil como a Argentina são considerados global
traders (mercadores globais). Nesse sentido, o Mercosul representa uma estratégia conjunta
para ampliar a presença destes países no plano internacional.
2.1. DIREITO COMUNITÁRIO
As relações do bloco regional se caracterizam a partir da criação de uma unidade
comum, um mesmo centro de referência, o que implica na organização de interesses
compartilhados, figurando cada Estado como parte de um todo, como um organismo na busca
de um objetivo maior.
A existência de um direito comunitário como objeto da ciência do direito só foi
possível a partir do momento em que foram atribuídas competências próprias dos Estados
Nacionais às instituições supraestatais, gerando, por conseqüência, uma delimitação de
competência no plano interno e externo.
Os Estados, desta forma, independentemente da atribuição de parte de suas
competências a organismos supraestatais, permanecem soberanos e participam do poder de
decisão das organizações comunitárias1, onde exercem conjuntamente atribuições e
responsabilidades, as quais não teriam se, de outro modo, atuassem unicamente em escala
nacional.
1
Conforme faremos referência ao longo do trabalho, a integração gera organizações supraestatais em relação aos
Estados-membros, podendo estas terem personalidade jurídica de direito internacional ou não.
20
Podemos, sob esta ótica, afirmar que Comunidade é uma organização interestatal
autônoma, que pressupõe um ordenamento jurídico próprio a favor dos quais os Estadosmembros terão renunciado parte de sua soberania2. Não é, portanto, um poder estrangeiro aos
países membros, mas o exercício comum de certas atribuições que lhes são próprias. É um
direito nascido de fontes comunitárias, instrumento do interesse comum de todos os seus
integrantes.
Como nos diz Jorge Castro, é certo que os principais fatores de produção e
intercâmbio são facilmente transferidos através das fronteiras, dando a impressão que os
Estados-membros têm menos poder para regular tais trocas: “o declínio da soberania dos
Estados-Nação não significa que a soberania tenha desaparecido. A soberania tem uma nova
forma, composta de uma série de organismos nacionais e supranacionais, unidos sob uma
nova e única lógica”3.
O direito comunitário, partindo da ótica de que se trata de um direito comum a uma
Comunidade de Estados, apresenta, assim, caracteres que garantem sua aplicação na ordem
interna dos Estados-membros, sem que tal aplicabilidade represente, em última instância, uma
agressão ao exercício do poder soberano.
Trata-se, portanto, de um direito autônomo, quer pela sua ordem supraestatal, quer
pela sua finalidade na congruência de interesses comuns, que se insere como tal nas ordens
jurídicas internas, podendo até mesmo ser aplicado diretamente de acordo com as disposições
constitucionais de cada Estado-membro, exigindo uma aplicação uniforme em todo o espaço
da Comunidade de forma a facilitar a coesão e a segurança jurídica na concretização dos
objetivos ali almejados.
2
A questão da soberania, seu novo conceito e estrutura do poder de forma distinta daquela que nos impõem a
geografia ou a forma de organização do Poder do Estado, conjuga princípios e normas que passam a valorizar o
bem-estar da humanidade e do meio ambiente quando impostas e adotadas internacionalmente, inclusive indo de
encontro às legislações internas de cada Estado, e nos remete a um ideário democrático que transborda o
chamado Poder Soberano uno e indivisível, consagrado pela doutrina clássica.
3
CASTRO, Jorge. A política econômica nos processos de integração: globalização, integração e uma nova
concepção de soberania. In: BENECKE, Dieter; NASCIMENTO, Renata; FENDT, Roberto (Org.). Brasil na
arquitetura comercial global. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer, 2003, p. 173-182.
21
Assim, dentre os principais pressupostos do direito comunitário, é possível destacar
dois que possuem maior relevância e destaque quando do estudo do processo de integração,
adequando-se bem ao objetivo maior deste ensaio: a necessidade de harmonização legislativa,
mais especificamente da legislação tributária.
O primeiro pressuposto, de ordem política, é a democracia. Nesse sentido não há
direito comunitário autocrático, porque a organização comunitária exige participação e
representação por meio de organismos supraestatais criados à imagem e semelhança da
estrutura interna de cada Estado-membro. A ausência de tal pressuposto, em última instância,
acaba por impossibilitar a própria tomada de decisões comunitárias, à medida que se afasta o
ideário comum.
O segundo pressuposto, já anteriormente mencionado, é a própria ordem institucional
da Comunidade, e refere-se, portanto, à existência de organismos supraestatais que atuem por
meio da delegação de poderes dos Estados-membros.
Os princípios, em sua essência, representam o fundamento do direito comunitário.
Dessa forma, destacam-se os princípios da progressividade, da igualdade e da solidariedade.
O princípio da progressividade visa garantir uma integração gradual, por meio do
respeito mútuo das diferenças políticas e econômicas existentes entre os Estados-membros.
Evita-se, assim, criar determinados choques que acabem por inviabilizar o sucesso da
empreitada comunitária.
Já o princípio da igualdade visa assegurar a paridade de um Estado com o outro
quando no âmbito da Comunidade. Preza-se, em última análise, a própria guarda da soberania
nacional de cada Estado-membro, fazendo, por exemplo, prevalecer o interesse comunitário
em relação ao interesse particular.
O princípio da solidariedade dirige-se aos planos jurídico, econômico e social. Tem
plena aplicação em diversos domínios e circunstâncias, e mais expressamente no âmbito de
22
financiamento das despesas comunitárias, na medida em que as receitas do orçamento da
comunidade são geradas nos quadros de produção e consumo desenvolvidos nos territórios
dos Estados-membros. Assim contribuem em conjunto para suportar os custos de todas as
ações comunitárias, independente dos benefícios conquistados.
Diante do acima mencionado, uma das indagações que envolve maior preocupação,
quando do estudo do Mercosul, é justamente a configuração ou não de um direito
comunitário.
Assim, para o momento, está descartada a possível aceitação de um regime de
“Direito Comunitário”, pois o Protocolo de Ouro Preto não previu órgãos
supranacionais, nos moldes dos existentes da União Européia. O funcionamento
eficaz de um mercado comum implica a adoção, por parte das autoridades
comunitárias, de decisões que a Constituição atribuiu privativamente aos órgãos
nacionais, no sistema vigente, nos países-membros do Tratado de Assunção, aos
Poderes Legislativo e Judiciário. Será necessário, então, prever a possibilidade de
atribuir esses poderes ao conselho ou a outro órgão comunitário, reformulando-se,
também, as Constituições dos Estados-parte para o atendimento às necessidades de
harmonizar as legislações internas às peculiaridades do mercado comum4.
No mesmo sentido, André Lupi afirma ser o direito comunitário uma espécie existente
apenas na União Européia, sendo nesse aspecto dotado de superioridade hierárquica e autoaplicabilidade. Já no caso do Mercosul, as normas criadas para a sua regulamentação só valem
quando inseridas nos ordenamentos jurídicos internos, que, em se tratando de Brasil, como
será visto, tem processo legislativo bastante complexo5.
A ausência de características como a especificidade, a primazia da ordem jurídica
comunitária, bem como de uma estrutura supraestatal e da aplicabilidade direta das
disposições comunitárias, acaba por ser um fator que agrava e dificulta o processo integratório
e, por conseqüência, a concretização de uma prática jurídica harmonizada.
4
5
FIGUEIRAS, Marco Simão. Mercosul no contexto latino-americano. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1996, p. 119.
LUPI, André Lipp Pinto Bastos. Soberania, OMC e Mercosul. São Paulo: Aduaneiras, 2001, p.224-225.
23
2.2. HARMONIZAÇÃO LEGISLATIVA
A integração comunitária supõe que os Estados-membros realizem, em seus
ordenamentos internos, a harmonização e a necessária compatibilização das normas jurídicas
para fazer com que o processo de integração seja verdadeiramente efetivado, tal como prevê o
artigo 1º. do Tratado de Assunção6.
O Tratado de Assunção refere-se, apenas, à coordenação e harmonização, não fazendo
qualquer referência à uniformização.
No cenário da integração, a coordenação envolve mais as negociações e o
comprometimento em tratar determinado assunto, do que efetivamente trabalhar direcionada à
realização de transformações próprias do processo de integração. Nesse sentido, significa
eliminar contrastes existentes entre os ordenamentos jurídicos internos dos Estados-membros
sem, no entanto, comportar alteração de conteúdo.
A harmonização é mais profunda. Sua utilização leva, em última instância, à
aproximação das diferentes legislações, podendo no futuro chegar-se à uniformização. Assim,
quando da harmonização de duas ou mais normas, procura-se eliminar tudo o que se opõe,
para que as mesmas produzam efeitos similares quando da sua aplicação. Tal aproximação
não ocorre em caráter geral, devendo ser efetivada nos setores fundamentais ao sucesso do
processo integratório.
6
Tratado de Assunção, Artigo 1º. – Os Estados-partes decidem constituir um Mercado Comum, que deverá estar
estabelecido a 31 de dezembro de 1994, e que se denominará “Mercado Comum do Sul” (MERCOSUL). Este
Mercado Comum implica: A livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre
outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não-tarifárias à circulação de mercado de qualquer
outra medida de efeito equivalente; O estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política
comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e à coordenação de posições em
foros econômico-comerciais regionais e internacionais; A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais
entre os Estados-partes – de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetário, cambial e de capitais, de
serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem –, a fim de assegurar condições
adequadas de concorrência entre os Estados-partes; e o compromisso dos Estados-partes de harmonizar suas
legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração.
24
Com o decorrer do tempo e acertada vontade política pode a harmonização dar ensejo
à uniformização, porém tal hipótese ainda encontra-se em um futuro bastante distante, sendo
certo que tal metodologia não é a mais adequada quando da implementação da integração,
pois acaba por desconsiderar aspectos econômicos e culturais dos países-membros dos
organismos em formação.
Em virtude do caráter intergovernamental dos órgãos do Mercosul, conforme será
demonstrado ao longo do trabalho, dotados de capacidade decisória, a harmonização das
legislações fica restrita às decisões do Conselho do Mercado Comum e à convenção dos
Estados-membros.
Neste mesmo sentido, de acordo com o artigo 14, inciso II do Protocolo de Ouro
Preto7, o Grupo Mercado Comum tem a possibilidade de tomar a iniciativa de propor ao
Conselho projetos de decisão em matéria de harmonização das legislações. Ressalta-se, no
entanto, que a este órgão não é reservado nenhum tipo de iniciativa para a celebração de
convenções.
Existem duas razões para que o Conselho do Mercosul seja considerado o órgão
competente para promover a harmonização entre as legislações dos Estados-membros. A
primeira razão deriva do próprio artigo 1º. do Tratado de Assunção, que considera a
harmonização o instrumento para a constituição do mercado comum. A segunda, e não menos
importante, encontra-se no artigo 8º., inciso II do Protocolo de Ouro Preto8, o qual inclui,
entre as funções daquele órgão, a promoção das ações destinadas à conformação do mercado
comum.
7
Protocolo de Ouro Preto, Artigo 14 – São funções e atribuições do Grupo Mercado Comum: II. Propor projetos
de Decisão ao Conselho do Mercado Comum;
8
Protocolo de Ouro Preto, Artigo 8º. – São funções e atribuições do Conselho do Mercado Comum: II. Formular
políticas e promover as ações necessárias à conformação do mercado comum.
25
O Protocolo de Ouro Preto, em seu artigo 259, confere à Comissão Parlamentar
Conjunta do Mercosul a função de participar, como coadjuvante, na harmonização de
legislações.
Logo, no âmbito do Mercosul, existem dois métodos possíveis para se efetuar o
procedimento de harmonização das legislações: podem ser feitos por meio da celebração de
convenções entre os Estados-membros ou por meio das decisões do Conselho do Mercado
Comum.
Certo é que no cenário do Mercosul encerra, independentemente do procedimento
escolhido, inúmeros riscos que comprometem todo o sonho da integração.
Em relação à harmonização por meio de celebração de convenções, ressalta-se a
constante instabilidade política da América Latina. Nesse sentido, ao longo de nossa história,
nota-se que, quando parece oportuno, facilmente se rompem ou se prorrogam as negociações,
impedindo, assim, o caminhar do Mercosul.
No que tange às decisões do Conselho do Mercosul, faz-se importante evidenciar que
estas não são prontamente aplicáveis aos Estados-membros, necessitando, por isso, que cada
um deles adote um procedimento interno para a incorporação da decisão ao ordenamento
jurídico interno, o que mais uma vez esbarra na vontade e no interesse político do momento
vivenciado.
Harmonizar não significa, portanto, unificar legislações, mas criar condições para
reduzir os abismos existentes na capacidade competitiva e, principalmente, no fluxo de bens e
capitais em um mesmo processo de integração.
9
Protocolo de Ouro Preto, Artigo 25 – A Comissão Parlamentar Conjunta procurará acelerar os procedimentos
internos correspondentes nos Estados-partes para a pronta entrada em vigor das normas emanadas dos órgãos do
Mercosul previstos no Artigo 2º. deste Protocolo. Da mesma forma, coadjuvará na harmonização de legislações,
tal como requerido pelo avanço do processo de integração. Quando necessário, o Conselho do Mercado Comum
solicitará à Comissão Parlamentar Conjunta o exame de temas prioritários.
26
2.3. ALGUNS CENÁRIOS PARA O MERCOSUL
A participação dos países em processos regionais capacita e estimula os governos a
buscarem instrumentos que permitam a efetivação desta responsabilidade também no plano
mundial.
Sendo assim, a atuação conjunta em plano internacional ocorre de forma mais
eficiente, uma vez que reforça o poder de negociação de cada Estado-membro. Também está
correta a percepção de que os contatos entre diferentes sistemas de integração tendem a ser
mais fluidos do que entre países tomados individualmente, pois apresentam maior troca de
negociações10.
A significação internacional do Mercosul depende, por um lado, da medida em que
logre formular uma política externa comum e satisfatoriamente implementá-la e, por outro,
essa significação dependerá da alternativa de ordem mundial que venha a prevalecer.
No campo político, o Mercosul aparece como um extraordinário fator de estabilidade.
O Mercosul contribuiu de forma bastante eficaz para a consolidação do regime democrático
nos países-membros. A intensidade e a fluência dos contatos entre os cinco Estados-membros
pressupõem e reforçam, no plano interno, a convivência democrática. Dessa maneira, os
processos de integração internos e externos se formam a partir de um mesmo conjunto de
valores.
Nas condições internacionais discutidas no presente estudo, uma política externa
comum, por parte do Mercosul, se bem orientada, tenderia a acarretar ao menos dois grandes
benefícios, isto é, contribuir, relevantemente, para a constituição de uma ordem mundial
multipolar, bem como proporcionar aos países do Mercosul importantes benefícios
10
Nesse mesmo sentido, “La creación de vínculos entre los diferentes procesos de integracíon favorece la
estabilidad de la economía mundial. Todos aquellos aspectos de la economía que se fueron globalizando solos, y
sin ningún control, tienden a ser trabajados nuevamente con una perspectiva reguladora en el contexto de las
negociones entre grupos de integracíon.” FLORÊNCIO, Sergio Abreu e Lima; ARAÚJO, Ernesto. Mercosur,
proyecto, realidad y perspectivas. Brasília: Vest-con, 1997, p. 82.
27
econômicos e políticos, tanto no curso do processo de formação deste sistema como no
âmbito do sistema multipolar que venha a se constituir.
O primeiro grande embate do Mercosul se fará ao nível da consolidação da Área de
Livre Comércio das Américas (ALCA).
A estratégia mercosulista de política internacional atua em duas frentes, a saber: a)
rápida aproximação com a União Européia, estabelecendo uma Zona de Livre Comércio
capaz de minimizar a hegemonia norte-americana na região; b) avanço nas negociações com
o Pacto Andino, no sentido de ampliar a força dos países sul-americanos nas negociações da
ALCA.
Para o neoprotecionismo, ou regionalismo aberto, que ao buscar assegurar condições
capazes de elevar a competitividade de setores que, protegidos por certo tempo e
modernizados, podem adquirir uma competitividade futura, o cenário da multipolaridade
torna-se cada vez mais atrativo ao Mercosul. Assim, a integração deixa de ser apenas um
sistema a proporcionar mercado ampliado a seus sócios, para tornar-se um instrumento
fundamental de política externa.
Em 1992, o Conselho do Mercado Comum do Sul firmou com a Comissão das
Comunidades Européias um acordo interinstitucional, que abriu novas perspectivas de
aproximação no campo da cooperação técnica, bem como criou um mecanismo de diálogo e
de exploração das possibilidades de cooperação interinstitucional.
Tamanho interesse continuou a crescer, até que em dezembro do ano de 1995, o
Mercosul e a União Européia assinaram o “Acordo-Quadro Inter-regional de Cooperação”,
instrumento de transição para uma futura “Associação Inter-regional” entre os dois
agrupamentos regionais, cujo pilar básico seria a implementação de um programa de
liberalização progressiva dos fluxos comerciais recíprocos, tendo como natureza ampla
28
contemplar os objetivos de aproximação e cooperação nas mais variadas áreas (comércio,
meio ambiente, transportes, ciência e tecnologia e combate ao narcotráfico, entre outros).
Com base em inúmeros encontros entre os dois blocos, a Comissão Européia adotou,
em julho de 1998, recomendação ao Conselho de Cooperação (órgão político que
supervisiona o acordo) para a obtenção de mandato, a fim de negociar uma associação interregional com o Mercosul. O projeto aprovado contemplava o desenvolvimento de uma
parceria política, o reforço de atividades de cooperação e a criação de uma zona de livre
comércio que deveria considerar a sensibilidade de certos produtos e respeitar as regras da
OMC.
O debate em torno da recomendação gerou controvérsias na UE, verificando-se
oposição, sobretudo da França, que apresentou restrições relacionadas a uma eventual
abertura do mercado agrícola europeu a produtos do Mercosul. Alegou, igualmente,
problemas de estratégia geral das negociações da União Européia, que incluíam as futuras
negociações na OMC e a revisão de políticas comuns – entre as quais a Política Agrícola
Comum (PAC).
Embora a União Européia tenha sido a inspiradora do Mercosul, cabe reconhecer a
existência de profundas diferenças entre as duas organizações. O Mercosul preconiza a
instituição de um mercado comum, através de uma união aduaneira e da livre circulação dos
bens e das pessoas, enquanto a União Européia preconiza uma união econômica e monetária,
além da concretização da integração econômica e política.
São muito diferentes também os fatores que levaram à associação: na Europa, a
conjuntura do pós-guerra; no Cone Sul, a conjuntura da globalização e interdependência. Na
Europa, razões de ordem político-militar (controle do uso do carvão e do aço) e de ordem
econômica e social (pobreza e carência de produtos alimentares); na América do Sul, razões
de ordem essencialmente econômicas. Há ainda diferenças estruturais e orgânicas: o Mercosul
29
assenta-se no princípio da intergovernabilidade e da igualdade jurídica e funcional dos
Estados integrantes, enquanto a União Européia assenta-se no institucionalismo e no princípio
da proporcionalidade e da desigualdade funcional dos Estados-membros, com órgãos
representativos dos governos e órgãos próprios da organização.
A realidade geopolítica do mundo atual faz realçar os dois blocos regionais que
exibem maior extensão e profundidade no processo de integração – a União Européia já
consolidada, reforçada com a incorporação dos países do Leste Europeu, e o Mercosul, em
marcha acelerada para tornar-se irreversível, fortalecendo-se com o apoio do Chile e da
Bolívia, adotando, a partir de 1996, uma política de regionalismo aberto.
Outra ordem de benefícios decorrerá de uma mais estreita articulação do Mercosul
com a União Européia. A curto e médio prazos, atendendo a um nível médio de
competitividade européia que se aproxima daquele do Mercosul – as vantagens de certos
setores produtivos do Mercosul compensando as dos europeus em outros setores –, o
estreitamento, cada vez maior, da cooperação econômica entre os dois sistemas será
extremamente benéfico para ambos. Se pensarmos em longo prazo, a contribuição do
Mercosul para tal resultado terá gerado condições que assegurarão a relevância da
participação do Mercado Comum do Sul no cenário mundial, constituindo-se uma ordenação
multipolar do mundo.
Pelo lado empresarial, o fenômeno da globalização avança firmemente na medida em
que se ampliam os meios de comunicação e se generaliza o uso da informatização, levando as
relações comerciais e financeiras a não respeitarem fronteiras, nem barreiras, na realização de
negócios, acontecendo onde se apresentem as oportunidades. As negociações comerciais do
Mercosul com a União Européia dependem, essencialmente, das tratativas para acesso ao
mercado no setor agropecuário. A questão fundamental é a redução do protecionismo e da
30
questão dos subsídios concedidos pelos países desenvolvidos à produção e à exportação de
produtos agrícolas e pecuários.
Em 1996, Bolívia e Chile assinaram com o Mercosul acordos com o intuito de
estabelecer o arcabouço jurídico e institucional de cooperação e integração econômica e
física, que contribua para a criação de um espaço econômico ampliado, que tenda a facilitar a
livre circulação de bens e serviços e a plena utilização dos fatores produtivos. Isto formaria
uma área de livre comércio entre os Estados contratantes, expandindo e diversificando o
intercâmbio comercial mediante a eliminação das restrições tarifárias e não-tarifárias que
possam comprometer o comércio recíproco.
As negociações relativas ao Acordo de Livre Comércio entre o Mercosul e o Peru têm
como marco inicial o ano de 1995. No entanto, apenas em agosto de 2003, quando da visita
do Presidente do Brasil à Lima, o Acordo de Complementação Econômica entre o Mercosul e
o Peru (ACE-58) foi assinado. Assim, adquiriu o país a condição de Estado Associado,
podendo participar de reuniões da estrutura institucional do bloco, com vistas a promover o
aprofundamento da integração econômica.
Já em 18 de outubro de 2004, foi assinado o Acordo de Complementação Econômica
entre o Mercosul, Colômbia, Equador e Venezuela que estabelece os mecanismos para a
liberalização dos fluxos de comércio entre as partes.
As cláusulas de assimetria dos acordos referidos favorecem os países associados
porque permitem a redução gradual e progressiva das tarifas, dando oportunidade para o país
reformar seu sistema de produção, a fim de adaptá-lo às exigências das futuras negociações
com o Mercosul, fortalecendo a integração latino-americana.
Destacam-se nesse novo cenário mundial as relações entre o Mercosul e Cuba que
assinaram, em 21 de julho de 2006, acordo de complementação comercial pelo qual se
outorgam preferências tarifárias mútuas com o objetivo de aumentar o volume comercial. O
31
texto do acordo indica que seu objetivo é impulsionar o intercâmbio comercial das partes
através da redução ou eliminação dos encargos e demais restrições aplicadas à importação dos
produtos negociados. Na realidade, o pacto consolidará as preferências tarifárias previstas nos
quatro acordos de complementação econômica que Cuba já havia assinado, separadamente,
com cada um dos membros do Mercosul.
32
3. O PANORAMA DO MERCOSUL
As constantes transformações da economia mundial enfatizam a necessidade da
integração regional, da formação de blocos econômicos destinados a diminuir a concorrência
entre Estados e incrementar a concorrência entre as mais diversas regiões. A afirmativa de que
juntos somos mais competitivos fez com que o homem, ao longo da história, aprendesse a
viver em sociedade, e, hoje, em uma perspectiva um pouco mais moderna, trazemos à tona os
mecanismos de regionalização.
A iniciativa de integração latino-americana decorre de uma constante necessidade de
sobrevivência frente aos mercados externos, é a tentativa de equilíbrio, de fortalecimento
externo do âmbito interno dos países aí localizados. Nesse sentido, facilmente, se compreende
a histórica caminhada rumo à integração da América Latina11. Do ponto de vista do Mercosul,
afirmamos que iniciativas recentes, como a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e
a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), resultaram em um bom aprendizado
em direção ao passo mais largo: MERCOSUL.
Existem diversas formas de promover a integração regional. A mais simples delas é a
criação de uma Zona de Livre Comércio (ZLC), área em que as barreiras comerciais são
abolidas para a maior parte dos produtos. De qualquer modo, a ZLC é a maneira menos
profunda de se promover um processo integratório, uma vez que a integração se dá pela
economia sem ter uma contrapartida política. O exemplo aqui, por excelência, é o North
American Free Trade Agreement (NAFTA), ainda que este apresente algumas
particularidades em relação ao modelo clássico, como acordos especiais no que se refere às
11
Nesse sentido, ao tratar das perspectivas de integração da América Latina, ressalta Ricado Zuccehrino que
Bolívar, na sua Carta de Jamaica (1815), já imaginava a formação de uma só nação latino-americana, com um só
vínculo que ligasse os Estados-partes entre si e com o todo. ZUCCHERINO, Ricardo. Historia generale Del
pensamiento filosófico-político. Buenos Aires: Depalma, 1993, p. 343.
33
relações trabalhistas e ao meio ambiente, em geral por conta da pressão imposta por sindicatos
e empresas americanas.
O Tratado de Assunção, firmado entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai em 26 de
março de 1991, é o instrumento jurídico fundamental do Mercosul. Como resultado da
utilização dos instrumentos previstos no Tratado, cerca de 95% do comércio intra-Mercosul
realiza-se atualmente livre de barreiras tarifárias.
A Tarifa Externa Comum (TEC) encontra-se definida para praticamente todo o
universo tarifário do Mercosul, tendo sido implementada em grande parte a partir de 1º de
janeiro de 1995. Até o final do ano de 2006, tempo previsto para o término do período de
convergência ascendente ou descendente das tarifas nacionais que ainda se encontram em
regime de exceção, espera-se que a TEC esteja implementada para a totalidade do universo
tarifário.
A TEC supre a dificuldade de serem os espaços regionais criados sem igualdade de
condições anteriores, o que torna necessário o estabelecimento de um regime de exceções
para que as economias, situadas em diferentes estágios de desenvolvimento, consigam achar
um ponto de equilíbrio, podendo adaptar-se, então, ao novo regime de circulação de bens e
serviços.
O Mercosul adotou o modelo europeu da união aduaneira, que envolve um grau maior
de coordenação política. Esse modelo inclui uma ZLC, mas vai além, adotando uma tarifa
externa comum ao bloco. Isso significa que, nos produtos originados fora do bloco regional,
incide uma única tarifa de importação, uma tarifa comum a todos os países-membros. Esta
norma é importante porque começa a criar um nível de articulação entre a política de
comércio exterior e a política interna, em um pequeno passo rumo a uma integração política
maior. Então, quando o Mercosul optou por formar uma união aduaneira, ele já apontava de
maneira muito clara para um objetivo político mais amplo.
34
A criação do Mercosul surgiu, inicialmente, como zona de livre comércio, estimulada
pela liberalização tarifária gradual, linear e automática, acordada por seus Estados-partes
(Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, até aquela data). O segundo passo foi estabelecer os
primeiros contornos da União Aduaneira, com a entrada em vigor em 1º de janeiro de 1995 da
TEC. O rápido progresso obtido pelos países do Mercosul não se resume apenas a seus
associados e, nesse sentido, deve ser interpretado à luz do princípio de regionalismo aberto
defendido por seus fundadores. A integração regional do Mercosul não representa uma ação
diplomática isolada, visto que pretende constituir-se como resultado natural e necessário de
um longo processo de aproximação entre os países da América do Sul.
A criação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALAC), em 1960, sua
sucessão pela ALADI, em 1980, e o processo de integração entre Brasil e Argentina, iniciado
com a assinatura da Ata para a Integração Argentino-Brasileira, em 1986, constituem
antecedentes relevantes ao processo de implementação do bloco.
A configuração atual do Mercosul encontra seu marco institucional no Protocolo de
Ouro Preto, assinado pelos quatro países em dezembro de 1994. O Protocolo reconhece a
personalidade jurídica de direito internacional do bloco, atribuindo-lhe, assim, competência
para negociar, em nome próprio, acordos com terceiros países, grupos de países e organismos
internacionais. Hoje, a compatibilidade jurídica do Mercosul com a ALADI, o êxito comercial
da integração e o fato de ser uma entidade dotada de personalidade jurídica garantem a sua
condição de parceiro econômico relevante no plano internacional.
Configura o Mercosul um dos principais pólos de atração de investimentos do mundo.
As razões para este sucesso não são poucas: o Mercosul é ao mesmo tempo a quarta economia
mundial e a principal reserva de recursos naturais do planeta. Suas reservas de energia estão
entre as mais importantes, em especial as de minério e as hidroelétricas. Sua rede de
comunicações é desenvolvida e passa por constante processo de renovação. Mais de dois
35
milhões de quilômetros de estradas unem nossas principais cidades e nossas populações
viajam através de mais de seis mil aeroportos. As perspectivas futuras do setor das
comunicações são extremamente promissoras, pois, com a privatização das principais
empresas do ramo, abrem-se possibilidades de exploração de um mercado inúmeras vezes
maior.
O Mercosul é hoje um global trader12 e, como tal, tem todo o interesse em manter um
relacionamento externo amplo e variado. Seus países-membros têm se preocupado
constantemente em manter uma inserção comercial global, sem privilegiar um ou outro país, a
fim de garantir um escopo maior de atuação na cena internacional. Suas importações e
exportações distribuem-se, de forma equilibrada, entre as diversas economias do mundo.
Nesse sentido, é natural que o Mercosul pratique e respeite os princípios do regionalismo
aberto, na medida em que foi originalmente concebido, precisamente para aumentar e
melhorar a participação de suas quatro economias no mercado mundial.
A integração em curso dá cumprimento a um dispositivo incorporado no artigo 4º.,
parágrafo único da Constituição Brasileira13. É, portanto, ferramenta valiosa para a inserção
mais competitiva das economias latino-americanas no mercado internacional, em um quadro
em que se destacam a formação de grandes blocos econômicos atuando em todo o cenário
mundial.
Constituindo-se na mais ampla experiência de integração da América do Sul, o
Mercosul é, sem dúvida, uma das mais bem-sucedidas iniciativas diplomáticas na história
deste continente. Sua evolução positiva é um dos elementos centrais do quadro político de
entendimento e cooperação entre os países do Cone Sul. A expansão dos fluxos de comércio e
investimento intra-regionais passou a constituir importante instrumento para a promoção do
12
LAFER, Celso. Mercosul: desafios a vencer. São Paulo: CBRI, 1994, p. 9.
Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, Art. 4º. – A República Federativa do Brasil rege-se nas
suas relações internacionais pelos seguintes princípios: Parágrafo único – A República Federativa do Brasil
buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de
uma comunidade latino-americana de nações.
13
36
desenvolvimento dos países-membros. No plano internacional, o Mercosul afirmou-se como
um exemplo de cooperação entre nações de uma mesma região.
A questão da integração regional se insere na busca de respostas continentais para a
defesa dos interesses dos países latino-americanos, prejudicados historicamente pelas
condições de intercâmbio no mercado internacional.
Entretanto, com todos os problemas, existe um período conhecido como “Fase de
Ouro” do Mercosul, que vai de 1991, quando da formação do bloco, até 1998. Essa fase é
marcada por um aumento muito expressivo do comércio entre os países-membros, além de
uma melhora considerável no nível de articulação internacional desses países, que chegaram a
negociar junto a ALCA. No auge, em torno de 1998, as exportações do Brasil para o Mercosul
totalizam valores que beiram 20% do comércio exterior brasileiro.
Todavia, inseridos na globalização, a chamada “fase de ouro” foi interrompida por
uma sucessão de crises financeiras internacionais, que começaram no leste da Ásia, se
espalharam pela Rússia, chegando à América Latina, principalmente Brasil e Argentina, que
atrelavam suas moedas ao dólar.
Desde 1991, um novo cenário se criou. O plano anteriormente traçado necessitou de
inúmeras reformas, a força político-econômica do bloco também ganhou destaque. Com isso,
nada mais justo do que a inclusão de novos signatários, transformando o Mercosul em um
agente de grande competitividade no mercado internacional.
Chile e Bolívia tiveram suas adesões formalizadas em 1996. Em 18 de outubro de
2004, foi assinado um acordo de Complementação Econômica entre o Mercosul, Colômbia,
Equador e Venezuela que estabeleceu os mecanismos para a liberalização dos fluxos de
comércio entre os Estados-membros. Em agosto de 2003, foi assinado o Acordo de
Complementação Econômica entre o Mercosul e o Peru. Em termos bastante semelhantes aos
37
acordos anteriormente estabelecidos, este prevê a conformação de uma zona de livre comércio
entre as partes signatárias.
Nesse contexto mutável e associativo latino-americano, foi a Venezuela o primeiro
país a incorporar-se definitivamente ao Mercosul, em 4 de julho de 2006. Segundo dados
colhidos junto ao Itamaraty, o bloco passará a ter 250 milhões de habitantes, área de 12,7
milhões de quilômetros quadrados e um Produto Interno Bruto (PIB) de US$1 trilhão, 76% do
total da América do Sul.
Visando uma integração homogênea e paulatina, o cronograma oficial do Mercosul
prevê a abertura plena da economia brasileira para a Venezuela até 2010. Já a Venezuela
abrirá seus mercados aos brasileiros em janeiro de 2012. Para os dois países, entretanto,
“produtos sensíveis” poderão ser integrados à economia de livre comércio só em janeiro de
2014.
Entretanto, ainda que haja muitos atritos na relação Brasil-Argentina, a integração do
continente tem perspectivas maiores e os últimos anos têm sido marcados por uma série de
iniciativas brasileiras nessa área. A mais importante delas, e que vem acontecendo nos últimos
dez anos, é uma aproximação do Mercosul com a Comunidade Andina. A maior parte dos
membros da Comunidade Andina é também membro associado do Mercosul e goza de tarifas
preferenciais ao negociar com o Mercosul (benefício dos membros associados que não fazem
parte da TEC e nem das decisões políticas do bloco).
Ponto que deve ser ressaltado é a proximidade do México com o bloco mercosulista.
Depois que a Venezuela iniciou seu processo de adesão ao Mercosul como membro pleno, o
México voltou a consultar o bloco sobre a possibilidade de entrar para o Mercosul antes de
avançar no acordo de livre comércio. No entanto, resta realizar um calendário de redução das
tarifas de comércio entre o México e o Mercosul.
38
Certo é que para passar da condição de membro associado (com participação nas
reuniões políticas e com acordos de preferência comercial) para a de membro pleno (com
adesão à Tarifa Externa Comum), a Venezuela deixou de participar da Comunidade Andina e
assinou acordos com todos os países do bloco conjuntamente. No caso do México, a situação
é um pouco mais complicada, visto que o país assinou acordos de preferência comercial com
Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai separadamente e nenhum acordo foi assinado com a
Venezuela.
Outra iniciativa bastante relevante é a Organização para Cooperação do Tratado
Amazônico (OCTA). O Brasil participa deste Tratado de Cooperação Amazônica desde o
final dos anos 70, embora a Organização em si tenha sido constituída em 2004, pois amarra
um lado mais esquecido na integração regional latino-americana, que são o meio ambiente e a
saúde pública.
O progresso do Mercosul vive um impasse. Existe certo consenso de que o avanço do
Mercado Comum do Sul passa por uma coordenação política maior da economia: coordenar a
política cambial, a de combate à inflação, a de negociação da dívida externa. Só que isso não
é uma solução simples de ser implementada. A dúvida é se Brasil e Argentina seriam capazes
de chegar a esse nível de integração e vontade política.
3.1. O MERCOSUL JURÍDICO
A estrutura institucional do Mercado Comum do Sul foi definida, de forma transitória,
pelo Tratado de Assunção e, de forma permanente, a partir da assinatura do Protocolo de Ouro
Preto.
Essa estrutura orgânica possui características originais, que a diferenciam da de outros
modelos de integração, como, por exemplo, a União Européia. Em primeiro lugar, ela é
39
intergovernamental, o que significa que são sempre os governos que negociam entre si, não
existindo órgãos supraestatais. Por outro lado, as decisões no Mercosul são sempre tomadas
por consenso, não existindo a possibilidade de veto.
Os países do Mercosul, devido à tradição dos regimes políticos aqui implantados,
optaram pela instituição intergovernamental, ignorando a supraestatalidade. A diferença entre
um e outro instituto é substancial: nesta existe a conjugação de interesses comuns e uma
estrutura institucional autônoma e independente; por sua vez, na intergovernabilidade temos a
conjugação de interesses comuns e uma estrutura institucional não-dotada de autonomia e
independência, acarretando, desta forma, a ausência de defesa dos interesses comunitários,
por meio, principalmente, de um Tribunal de Justiça Supranacional. Resta esclarecer que o
fundamento maior da opção pela intergovernabilidade é político, isto é, uma opção para não
compartilhar a soberania.
Essas características têm significados e conseqüências importantes para o Mercosul.
Elas definem, por um lado, a natureza flexível e gradual do processo, que não se encontra
preso à rigidez de estruturas decisórias alheias à vontade ou à capacidade de compromisso dos
governos envolvidos. Uma decisão adotada pelo Mercosul, na medida em que é consensual,
reflete a disposição dos governos de todos os sócios em sua plena aplicação. No plano
jurídico, essa sistemática cria a necessidade de adotar procedimentos nacionais para
incorporação da norma acordada ao ordenamento jurídico nacional de cada Estado-parte,
conforme veremos mais adiante.
40
3.2. O SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NO MERCOSUL
O Tratado de Assunção de 1991 é um “acordo-quadro”, na medida em que não cria um
Mercado Comum, nem a conformação definitiva de sua estrutura institucional, mas apenas
define os objetivos do processo de integração e os mecanismos para alcançá-lo. O Mercosul é,
portanto, um processo que evolui em etapas conforme as necessidades que vão surgindo e as
situações específicas pelas quais passam seus Estados-membros.
Da natureza intergovernamental, como citada no tópico anterior, concluímos que as
normas elaboradas pelos órgãos do Mercosul não possuem validade nem aplicação automática
nos Estados-partes, carecendo, para tanto, de sua incorporação aos ordenamentos jurídicos
nacionais, por instrumentos e procedimentos traçados no âmbito interno, logo, com diferenças
substanciais entre os países-membros. Dessa maneira, torna-se extremamente relevante
mencionar que as normas do Mercosul, ao serem incorporadas ao ordenamento jurídico
interno de cada país, podem ser objeto de ações junto aos órgãos de cada Poder Judiciário
nacional.
Já para a solução de conflitos entre os Estados-partes, o Protocolo de Brasília criou
três fases de solução de conflitos: a negociação, a conciliação e a arbitragem. Os Estadospartes devem procurar resolver suas diferenças, antes de tudo, mediante negociações diretas.
Caso as negociações não obtenham êxito, qualquer dos Estados-partes na controvérsia poderá
submetê-la à consideração do Grupo Mercado Comum (GMC).
Se, ainda assim, a intervenção do GMC não for suficiente para dirimir a diferença, as
partes poderão recorrer ao Procedimento Arbitral, o qual tramitará ante um Tribunal Arbitral
Ad Hoc composto por três árbitros, designados a partir de listas depositadas previamente na
Secretaria Administrativa do Mercosul, localizada em Montevidéu. Este tribunal fixará sua
sede em algum dos Estados-partes e adotará suas próprias regras de procedimento, observadas
41
a garantia do contraditório e a celeridade processual. O Tribunal poderá julgar conforme o
direito (Tratado de Assunção, acordos derivados, decisões do Conselho do Mercado Comum,
resoluções do Grupo Mercado Comum, diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul e
disposições do Direito Internacional) ou, se solicitado pelas partes, poderá decidir pela
eqüidade.
Da decisão arbitral não cabe recurso e, caso não seja cumprido pelo Estado-membro
no prazo máximo estipulado pelos árbitros, acarretará a adoção de medidas compensatórias
temporárias, tais como a suspensão de concessões ou equivalentes.
As
duas
primeiras
etapas
desse
procedimento
revestem-se
de
caráter
intergovernamental: as próprias partes, primeiramente sozinhas e depois assistidas pelo Grupo
Mercado Comum, poderão chegar à solução amigável da questão. Já a solução arbitral não se
dará por consenso, mas estará a cargo de terceiros independentes, mediante laudo, que por ser
inapelável e obrigatório para os Estados-partes, tem força de coisa julgada. Diante disso, o
sistema de solução de controvérsias do Protocolo de Brasília aceita, de certo modo, a
supranacionalidade da sentença arbitral.
No que diz respeito a reclamações de particulares, o procedimento também foi
previsto no Protocolo de Brasília, reconhecendo que o objetivo visado pelo Tratado de
Assunção não será alcançado somente com a participação dos Estados, mas pressupõe a
participação dos operadores econômicos e investidores intra e extra-bloco, bem como dos
cidadãos dos Estados-membros.
Pelo disposto nesse capítulo, as pessoas físicas ou jurídicas que se sentirem afetadas
por uma sanção ou aplicação, por qualquer um dos Estados-partes, de medidas legais ou
administrativas de efeito restritivo, discriminatórias ou de concorrência desleal, deverão
iniciar o procedimento formalizando suas reclamações ante a Seção Nacional do Grupo
Mercado Comum do Estado-parte onde tenham residência habitual ou sede de negócios.
42
Ainda de acordo com o Protocolo de Brasília, se a Seção Nacional decidir patrocinar a
reclamação do particular, optará entre a negociação direta com a Seção Nacional do Grupo
Mercado Comum do Estado-parte ao qual se atribui a violação ou levará o caso, sem mais
consultas, diretamente a este, que poderá denegar a reclamação, se carecer dos requisitos
necessários, ou receber a reclamação, convocando a seguir grupo de especialistas para emitir
parecer sobre sua procedência. Comprovada a procedência, qualquer outro Estado-parte
poderá requerer a adoção de medidas corretivas ou a anulação das medidas questionadas.
Caso o requerimento não prospere, o Estado-parte poderá recorrer ao procedimento arbitral já
descrito nos parágrafos anteriores.
3.2.1. Tribunal Arbitral Permanente de Revisão do Mercosul
Partindo-se do sistema de solução de controvérsias instituído sob o Protocolo de
Brasília, faz-se necessário realizar uma análise deste mesmo mecanismo pautando-se em um
novo sistema intrabloco. Nesse sentido, com a entrada em vigor em 2004 do Protocolo de
Olivos, estabeleceu-se
no Mercado Comum do Sul o Tribunal Arbitral Permanente de
Revisão do Mercosul, com sede na cidade de Assunção. Com o objetivo de minimizar uma
das fontes de insegurança jurídica no grupo que era a falta de um tribunal permanente para
resolver questões práticas de maneira rápida e objetiva.
Destaca-se que a partir do citado protocolo as partes que compõem o Mercosul
poderão escolher livremente o foro a ser adotado: o regional ou o multilateral (OMC). No
entanto, ao optarem pelo foro regional este deverá ser a última decisão, não podendo a causa
ser levada posteriormente à OMC. Ressalta-se, no entanto, que a mencionada opção será
fixada de acordo com os critérios estabelecidos pelo Conselho Mercado Comum, em caráter
abstrato, não concreto.
43
Mantendo-se intacto o primeiro estágio do mecanismo de solução de controvérsias do
Protocolo de Brasília, conforme o art. 4º do novo diploma, as partes, obrigatoriamente,
tentarão a via direta de negociação de conflitos14. Esta negociação, contudo, poderá ser
complementada por Comissões Técnicas Especializadas15 que prestarão conhecimento técnico
já na primeira fase do litígio, encaminhando-se os resultados ao Grupo Mercado Comum, por
meio da Secretaria Administrativa do Mercosul.
Na segunda fase, por outro lado, encontram-se as primeiras alterações advindas do
Protocolo de Olivos. Diferentemente do procedimento explicitado anteriormente, que previa a
negociação coletiva por via do GMC, este estágio será possível de ser suprimido, podendo as
partes por esta via ou recorrer a Procedimento Arbitral.
Se houver preferência pela assistência do GMC, a lide será discutida pelas partes com
o auxílio de especialistas, sendo as custas repartidas pelas partes envolvidas em igual
proporção16.
Se um terceiro Estado, também membro do Mercosul, no entanto, realizar solicitação
de recurso ao Grupo Mercado Comum quando do término da negociação direta, desde que
devidamente fundamentada, deverá a mesma ser respeitada, sob pena de fundamentar-se
desequilíbrio nas relações internas. Em sentido contrário, se o procedimento arbitral já tiver
14
Protocolo de Olivos - Artigo 4º - Negociações - Os Estados partes numa controvérsia procurarão resolvê-la,
antes de tudo, mediante negociações diretas
15
Protocolo de Olivos – Artigo 2º - Estabelecimento dos mecanismos - 1.Quando se considere necessário,
poderão ser estabelecidos mecanismos expeditos para resolver divergências entre Estados partes sobre aspectos
técnicos regulados em instrumentos de políticas comerciais comuns.
2. As regras de funcionamento, o alcance desses mecanismos e a natureza dos pronunciamentos a serem emitidos
nos mesmos serão definidos e aprovados por Decisão do Conselho do Mercado Comum.
16
Protocolo de Olivos - artigo 6º - Procedimento opcional ante o GMC - 1. Se mediante as negociações diretas
não se alcançar um acordo ou se a controvérsia for solucionada apenas parcialmente, qualquer dos Estados partes
na controvérsia poderá iniciar diretamente o procedimento arbitral previsto no Capítulo VI.
2. Sem prejuízo do estabelecido no numeral anterior, os Estados partes na controvérsia poderão, de comum
acordo, submetê-la à consideração do Grupo Mercado Comum.
i) Nesse caso, o Grupo Mercado Comum avaliará a situação, dando oportunidade às partes na controvérsia para
que exponham suas respectivas posições, requerendo, quando considere necessário, o assessoramento de
especialistas selecionados da lista referida no artigo 43 do presente Protocolo.
ii) Os gastos relativos a esse assessoramento serão custeados em montantes iguais pelos Estados partes na
controvérsia ou na proporção que determine o Grupo Mercado Comum.
44
sido iniciado, só poderá ocorrer interrupção mediante o estabelecimento de acordo entre as
partes demandadas e o Estado solicitante.
Do GMC, serão emanadas dois tipos de decisão: as coercitivas dirigidas às partes
envolvidas no conflito; e as consultivas, para os Estados-membros que solicitem
posteriormente sua tutela sobre o caso litigado. O que, mais uma vez, aponta para a busca de
uma maior estabilidade nas relações intrabloco.
Na fase do Procedimento arbitral, propriamente dito, é possível perceber as
modificações realmente ocorridas a partir do Protocolo de Olivos. A grande diferença está no
fato de que o Mercosul estará recebendo não apenas um grau de solução de controvérsias,
como ocorria com o Tribunal Arbitral, mas sim, uma instância de recursos, qual seja o
Tribunal Permanente de Recursos, sendo este localizado em Assunção, capital paraguaia.
A primeira instância, que continuará ocorrendo no Tribunal Ad Hoc, será acionada
por requisição junto à Secretaria Administrativa do Mercosul, que notificará todas as partes
envolvidas. O número de árbitros também continuará o mesmo: serão indicados três árbitros
escolhidos de uma lista prévia, e ainda um suplente para o árbitro titular, também escolhido da
lista. Em comum acordo, será designado um árbitro terceiro para que presida o Tribunal.
Ressalta-se que uma vez recebida a Inicial, o Tribunal Arbitral, existindo grande
indício de existência de direito à parte, poderá proferir Medidas Provisórias com o intuito de
assegurar o direito ameaçado.
O Tribunal Arbitral de Recursos encontra-se previsto a partir do artigo 17 do
Protocolo de Olivos, podendo todos os Estados-membros do Mercosul ter acesso à sua
jurisdição, sendo esta uma possibilidade de revisão do laudo arbitral proferido em caráter Ad
Hoc.
O citado tribunal será composto por cinco árbitros, escolhidos por cada membro do
Mercosul para um mandato de dois anos, e um suplente para este. Logo, se no futuro novos
45
Estados vierem a aderir ao Mercado Comum do Sul, a composição do TPR será acrescida em
número. Esses árbitros podem ter seus mandatos renovados por duas vezes.
Vale mencionar que, em sua manifestação, o Tribunal Permanente de Recursos poderá
confirmar, modificar ou revogar completamente o laudo arbitral inicial. Frisa-se, também, que
tal manifestação terá vigência absoluta e fará Coisa Julgada material, sem possibilidade de
recurso.
Visando garantir o efetivo cumprimento dos Laudos Arbitrais, o Protocolo de Olivos
prevê medidas compensatórias que abrangeriam as sanções cabíveis aos ilícitos regionais.
Portanto, quando do descumprido de algum laudo, estas poderão ser invocadas pelo Estado
prejudicado independentemente de novo recurso aos tribunais. Vale ressaltar, por outro lado,
que, inicialmente, as sanções residirão no setor objeto da lide, porém, se estas forem
ineficazes, poderá a sanção abranger outros setores comerciais.
O Protocolo de Olivos prevê ainda, nos moldes já anteriormente mencionados em
conformidade com o previsto no Protocolo de Brasília, procedimento de tutela aos interesses
privados, provenientes de pessoas físicas ou jurídicas pertencentes ao Mercosul.
3.3. OS ÓRGÃOS DO MERCOSUL:
A AUSÊNCIA DE UMA ESTRUTURA
SUPRAESTATAL
Como demonstrado nos tópicos anteriores, o Mercosul optou por uma estrutura
institucional intergovernamental que conta com os seguintes órgãos:
a. Conselho do Mercado Comum – é o órgão superior do Mercosul e tem como
incumbência a condução política do processo de integração. É composto pelos
Ministros das Relações Exteriores e pelos Ministros da Economia. Ressalva-se
que sua presidência é rotativa entre os Estados-partes.
46
b. Grupo do Mercado Comum – é o órgão de execução do Mercosul. Tem como
atribuição zelar pelo cumprimento do Tratado de Assunção e dos acordos
estabelecidos pelo bloco. É integrado por quatro membros titulares e quatro
membros rotativos de cada país, sempre designados pelos respectivos
governos.
c. Comissão de Comércio do Mercosul – é o órgão auxiliar do Grupo Mercado
Comum. Tem competência para acompanhar e revisar os temas relacionados à
política comercial, velando pela aplicação dos tratados e acordos sobre a
matéria. É coordenado pelos Ministérios das Relações Exteriores.
d. Comissão Parlamentar Conjunta – é o órgão representativo dos parlamentos de
cada Estado-parte na esfera do Mercosul. Tem como principal função atuar no
âmbito interno de forma a concretizar as normas emanadas pelo grupo.
e. Foro Consultivo Econômico-Social – é o órgão representativo dos setores
econômicos e sociais dos Estados-partes. Tem função consultiva, atuando em
paralelo com o Grupo Mercado Comum.
f. Secretaria Administrativa do Mercosul – é o órgão de apoio operacional,
responsável pelas publicações e divulgações das decisões tomadas no âmbito
do bloco, bem como pela guarda da documentação do Mercosul.
g. Tribunal Arbitral Permanente de Revisão do Mercosul – é o órgão que visa
minimizar uma das fontes de insegurança jurídica no grupo que era a falta de
um tribunal permanente para resolver questões práticas de maneira rápida e
objetiva.
47
Nenhum dos seis órgãos tem caráter supraestatal. A própria Comissão Parlamentar
Conjunta é apenas um órgão representativo dos parlamentos nacionais nos domínios do
Mercosul.
Conforme leciona Ginesta, diante do quadro apresentado percebe-se a fragilidade da
estrutura do Mercado Comum do Sul, facilitando com isso a constante ingerência da vontade
política dos Estados-membros na manutenção do histórico protecionismo econômico existente
na América Latina em detrimento dos interesses globais do bloco, desgastando as relações no
âmbito interno e comprometendo sua imagem no âmbito externo17.
Até que ponto se faz necessária a presença de uma estrutura supraestatal para diminuir
as constantes crises e consolidar o Mercosul? Até que ponto podemos nos apropriar e adaptar
a estrutura criada pela União Européia à realidade do Mercosul?
Traçar tais limites é o objetivo deste tópico.
Podemos afirmar que a União Européia não é uma federação, tampouco uma mera
organização de cooperação entre governos. Os países que pertencem à União Européia, assim
como aqueles pertencentes ao Mercosul, continuam a ser soberanos e independentes. No
entanto, congregaram suas soberanias para juntos conquistarem áreas impossíveis de serem
mantidas isoladamente.
Diferentemente do definido no Tratado de Assunção para o Mercosul, a União
Européia preocupou-se com mecanismos passíveis de assegurar que os assuntos de interesse
comum pudessem ser decididos democraticamente ao nível europeu, razão pela qual foi
adotado o modelo supraestatal de tomada de decisões, envolvendo, em especial, três
instituições:
17
Segundo Jacques Ginesta, “em primer lugar, el sistema carece de toda base de supranacinalidad, es decir de
algún mecanismo por el cual puede imponerse al conjunto una decisión mayoritaria, conta la voluntad de alguns
de sus miembros. Los organismos intergubernamentales adoptan el esquema en los cuáles las decisiones pueden
ser bloqueadas por cualquiera de las partes; no habiendo forma de levantar ese veto, ma allá de la simple
negociación.” GINESTA, Jacques. El mercosur y su contexto regional e internacional:una introducción.
Porto Alegre: UFRGS, 1999, p. 129.
48
a. Parlamento Europeu – diretamente eleito pelos cidadãos da União Européia
para representar os seus interesses no bloco regional. Exprime, portanto, a
vontade democrática dos cidadãos dos países que compõem a União e
representa os seus interesses nas discussões com as outras instituições.
b. Conselho da União Européia – O Conselho é o principal órgão de tomada de
decisões da UE. Representa os Estados-membros e, em suas reuniões, participa
um ministro do governo nacional de cada um dos países da União Européia.
Cada ministro que participa num Conselho tem competência para vincular o
seu governo. Em outras palavras, a assinatura do ministro obriga todo o seu
governo a cumprir o acordado. Além disso, cada ministro que participa no
Conselho é responsável perante o seu Parlamento nacional e perante os
cidadãos que esse Parlamento representa. Está assim assegurada a legitimidade
democrática das decisões do Conselho.
c. Comissão Européia – A Comissão é independente dos governos nacionais.
Tem por missão representar e defender os interesses da União Européia no seu
todo. Elabora novas propostas de legislação européia, que apresenta ao
Parlamento Europeu e ao Conselho. É também o braço executivo da União
Européia.
No modelo criado pela União Européia, duas outras instituições desempenham um
papel fundamental: o Tribunal de Justiça18, cuja função é assegurar o cumprimento da
legislação européia, e o Tribunal de Contas, que fiscaliza o financiamento das atividades da
União.
18
Segundo José Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos, em Manual de Direito Comunitário (Lisboa:
Calouste Gulbenkian, 2004, p. 185), “o Tribunal de Luxemburgo é um verdadeiro tribunal – órgão inteiramente
independente das restantes instituições comunitárias e dos governos dos Estados-membros, com jurisdição
própria e competência exclusiva em determinadas matérias que aprecia com rigorosa conformidade do direito
comunitário. Para poder exercer plenamente e com a necessária independência o seu poder jurisdicional, o
Tribunal intervém a requerimento de qualquer das partes interessadas no litígio, julga sem recurso, algumas das
decisões têm força executória nos territórios dos Estados-membros, funciona com caráter de permanência e a
nacionalidade dos juízes do Tribunal de Justiça nada tem a ver com o exercício independente de suas funções”.
49
Resta esclarecer que os poderes e as responsabilidades destas instituições foram
estabelecidos pelos Tratados, que constituem a base para a atuação da União Européia
estando, também, consagradas as regras e os procedimentos que tais instituições devem
seguir.
Em relação à eficácia dos atos desses órgãos, a superioridade do modelo europeu
frente ao estabelecido no Tratado de Assunção, manifesta-se na supremacia das normas de
direito comunitário e na sua aplicabilidade direta nos Estados-membros da União Européia.
As normas de origem comunitária prevalecem sobre todas as normas internas contrárias,
inclusive constitucionais, diminuindo, assim, os riscos decorrentes das eternas mudanças
políticas desenvolvidas no modelo institucional do Mercosul.
Diante das constantes e recentes crises vividas pelo Mercosul, apropriar-se da estrutura
aplicada ao modelo europeu para modificar a estrutura institucional do Mercosul representa,
hoje, uma das possibilidades de manutenção do sonho de integração da América Latina.
50
4. INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS
A inserção, bem como a posição hierárquica das normas de direito internacional,
suscita inúmeras dificuldades e discussões. A aplicação, pelos órgãos nacionais, das normas
internacionais de origem convencional é questão que, como será visto, prescinde de exame
das relações entre a ordem jurídica interna e internacional de cada um dos Estados que
compõem o bloco mercosulista.
Ressalta-se que de acordo com a Convenção de Viena19 sobre direito dos tratados há
prevalência dos tratados no âmbito internacional, sendo este o principal meio de se
desenvolver a cooperação pacífica entre os Estados-nacionais.
As transformações mundiais recentes, o processo de globalização de países em blocos,
ao mesmo tempo em que elevam a importância do direito internacional, questionam o
conceito do exercício da soberania.
Na definição de Kelsen, o Direito Internacional é um complexo de normas que
regulam a conduta recíproca dos Estados, sujeitos específicos do Direito Internacional. O
Direito Tributário Internacional compreende o complexo das normas tributárias de conflitos,
quer sejam reveladas por fontes internas, quer por fontes internacionais20.
Têm-se distinguido o Direito Internacional Tributário e o Direito Tributário
Internacional, atendendo à origem e ao objeto dos seus preceitos: enquanto o primeiro seria
constituído por normas de origem internacional e tendesse a regular as relações entre Estados
em matéria tributária, o segundo seria constituído por normas internas, tendo como objetivo
disciplinar questões conexas por qualquer de seus elementos com mais de uma ordem
tributária.
19
A Convenção foi aberta à assinatura em Viena, em maio de 1969, entrando em vigor internacionalmente em 27
de janeiro de 1980.
20
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. portuguesa de Dr. João Baptista Machado. 6.ed. Coimbra:
Armênio Amado, 1984, p. 427.
51
Nas palavras de Alberto Xavier, é possível afirmar que o direito tributário
internacional tem por objeto situações internacionais, ou seja, situações da vida que têm
contato, por qualquer dos seus elementos, com mais de uma ordem jurídica21. A natureza da
situação, assim, decorre de sua conexão com mais de um ordenamento jurídico, configurando
uma situação de vida plurilocalizada.
Diante da distinção apresentada, é certo que o direito internacional tributário moderno
admite soluções liberais que não são aceitáveis no direito tributário internacional, como, por
exemplo, a solução de conflitos de leis por meio de remissão para leis estrangeiras, aplicáveis
e executáveis, como tal, em paridade com as leis do foro e o reconhecimento automático de
sentenças estrangeiras.
Por outro lado, em se tratando de hipótese de direito tributário internacional, nunca
será um concurso de normas tributárias resolvido pela remissão para uma lei estrangeira
competente, suscetível de aplicação pelos órgãos nacionais, uma vez que não admite o
reconhecimento automático de sentença estrangeira para o efeito de execução de créditos
tributários estrangeiros por tribunais nacionais.
Conforme Alberto Xavier ressalva ainda, a diferença entre as soluções aplicáveis aos
dois ramos do direito, aqui apresentados, deve ser mitigada. Sendo assim, por exemplo, para
aplicação das convenções contra a dupla tributação pelo país de foro, torna-se necessário
aplicar as leis estrangeiras que regulam os pressupostos de aplicação da norma convencional.
Em sentido oposto, reconhecendo tal distinção entre os direitos para fins meramente
didáticos, Heleno Torres22 afirma ser útil estabelecer tais parâmetros de interpretação e
aplicação das respectivas normas, quando do estudo do Direito Tributário na integração
regional, devendo ambos serem entendidos como especialidades da ciência do direito
tributário interno, autônomos didaticamente à medida em que não constituem um sistema de
21
XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 3.
TORRES, Heleno. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. São Paulo: Revista dos
Tribunais , 2001, p. 53.
22
52
normas organizado estruturalmente com função em princípios próprios que os definam como
objetos de estudo.
No que tange a soberania anteriormente mencionada, no direito internacional tributário
inexiste, em princípio, limites para o exercício de sua soberania fiscal. O poder de tributar
seria, então, recusado quando forem ultrapassados os limites de conexão, territorial ou
pessoal, entre o fato tributável e o Estado tributante. Perfeitamente plausível a definição de
que a residência da pessoa no território de um Estado legitima o poder tributário deste, no
mesmo sentido, quando da localização da fonte de produção ou de pagamento, bem como que
a soberania pessoal legitima ordens dadas em território nacional a nacionais de um país, ainda
que residentes em território estrangeiro.
É pertinente mencionar no panorama de distinção entre Direito Tributário
Internacional e Direito Internacional Tributário a questão da dupla tributação.
Dupla tributação é a tradução para o campo do direito tributário do chamado concurso
de normas, constituindo duas obrigações tributárias distintas em razão da identidade do fato
(mesmo objeto, sujeito, imposto, período tributário – para impostos periódicos) e da
pluralidade de normas pertencentes a ordenamentos distintos.
Sob este enfoque, contextualizando o acima narrado para o âmbito da formação do
Mercado Comum do Sul, é possível afirmar que as constituições dos Estados-membros do
Mercosul instituem os tratados de integração como uma verdadeira “Constituição Política da
Comunidade”23. Ressalta-se, no entanto, que a forma pela qual as convenções se inserem nas
ordens jurídicas nacionais é matéria cuja disciplina é objeto do direito constitucional de cada
país, conforme leciona Tércio Sampaio Ferraz24, onde, ao fazer referência à crescente
importância das relações internacionais, ressalta que para se definir o papel do tratado
23
Esse é o sentido enfatizado por Roberto Dromi (coord.) em Derecho Comunitario: regimen del Mercosur.
Buenos Aires, 1996, p. 41.
24
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 2.ed.
São Paulo: Atlas, 1994, p.239-240.
53
internacional na ordem interna dos países-membros deve ser consultado o sistema
constitucional adotada por cada Estado.
Podemos afirmar que não existem regras de direito internacional que instituam como
incorporar uma norma internacional em cada Estado, ainda que existam compromissos
internacionais que vislumbrem a incorporação25.
Diante deste quadro, é possível distinguir três sistemas básicos nos quais se
classificam as formas de inserção dos tratados internacionais nos ordenamentos jurídicos
internos. São os sistemas de recepção automática plena, transformação e recepção
semiplena26.
Segundo o sistema da recepção automática plena, bastaria que o tratado entrasse em
vigor na ordem internacional para que gerasse efeitos internos, necessitando-se apenas de
publicação oficial para que o mesmo viesse a atingir seus destinatários.
Já no sistema da transformação faz-se necessário que um ato legislativo incorpore a
norma de direito internacional ao ordenamento jurídico interno, separando-se nitidamente a
25
Protocolo de Ouro Preto de 17 de dezembro de 1994 – Capítulo IV – Aplicação Interna das Normas Emanadas
dos Órgãos do Mercosul
Artigo 38 – Os Estados-partes comprometem-se a adotar todas as medidas necessárias para assegurar, em seus
respectivos territórios, o cumprimento das normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no artigo 2º.
deste Protocolo.
Parágrafo único – Os Estados-partes informarão à Secretaria Administrativa do Mercosul as medidas adotadas
para esse fim.
Artigo 39 – Serão publicados no Boletim Oficial do Mercosul, em sua íntegra, nos idiomas espanhol e português,
o teor das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mercado Comum, das
Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul e dos Laudos Arbitrais de solução de controvérsias, bem como
de quaisquer atos aos quais o Conselho do Mercado Comum ou o Grupo Mercado Comum entendam necessário
atribuir publicidade oficial.
Artigo 40 – A fim de garantir a vigência simultânea nos Estados-partes das normas emanadas dos órgãos do
Mercosul previstos no Artigo 2º. deste Protocolo, deverá ser observado o seguinte procedimento:
i) Uma vez aprovada a norma, os Estados-partes adotarão as medidas necessárias para a sua incorporação ao
ordenamento jurídico nacional e comunicarão as mesmas à Secretaria Administrativa do Mercosul;
ii) Quando todos os Estados-partes tiverem informado sua incorporação aos respectivos ordenamentos jurídicos
internos, a Secretaria Administrativa do Mercosul comunicará o fato a cada Estado-parte;
iii) As normas entrarão em vigor simultaneamente nos Estados-partes 30 dias após a data da comunicação
efetuada pela Secretaria Administrativa do Mercosul, nos termos do item anterior. Com esse objetivo, os
Estados-partes, dentro do prazo acima, darão publicidade do início da vigência das referidas normas por
intermédio de seus respectivos diários oficiais.
26
RAMOS, Rui Moura. A Convenção Européia do Direito dos Tratados. In: Revista de Documentação e
Direito Comparado da Procuradoria-Geral da República Portuguesa, Boletim do Ministério da Justiça n.º 5.
Lisboa, 1981, p. 111-6.
54
vigência internacional da vigência interna. Tal sistema, em última análise, aponta para uma
total independência dos planos jurídicos nacional e internacional. Ausente o ato legislativo ou
executivo que represente a transformação do tratado, é automaticamente afastada sua vigência
no plano interno.
Logo, é possível identificar, quanto ao relacionamento entre os tratados internacionais
e a legislação interna, duas correntes doutrinárias, de um lado o monismo e do outro o
dualismo.
O preceito dualista está na origem desta distinção. Com efeito, à luz desta visão, as
normas de direito internacional nunca regulariam como tal as questões tributárias
internacionais, independentemente, portanto, da sua transformação em direito interno,
limitando a sua eficácia a disciplinar relações interestatais.
Para os dualistas não existe conflito entre a ordem internacional e a ordem interna.
São esferas distintas. As normas de direito internacional disciplinam as relações entre os
Estados. O direito interno rege as relações intraestatais sem conexão com elementos externos.
Dessa forma, um ato internacional somente terá força normativa em um Estado se for
referendado por ele.
No centro da concepção dualista podemos destacar a doutrina de Heleno Tôrres e
Paulo de Barros Carvalho, uma vez que tais juristas consideraram que o conteúdo de um
tratado internacional, qualquer que seja a matéria nele versada, apenas pode entrar em vigor
na ordem interna com a aprovação do Congresso Nacional, por meio de um decreto
legislativo27.
Os monistas, por sua vez, afirmam que o direito constitui uma unidade, um sistema, e
tanto o direito internacional quanto o direito interno integram este sistema. Nesse sentido, o
27
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 15.ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003,
p. 73; TORRES, Heleno. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001, p. 569.
55
direito internacional e o direito interno têm raízes na mesma ordem jurídica, baseada em uma
norma fundamental que daria origem a ambos.
Poderá ocorrer, ainda, que em um ordenamento jurídico interno não se verifique a
existência de cláusula geral de recepção, aplicável igualmente a todas as normas de direito
convencional. Por outro lado, no entanto, pode-se verificar a presença de normas que tratem
do fenômeno da recepção para uma ou outra matéria escolhida, caracterizando assim o
sistema de recepção semiplena.
Nessa linha de raciocínio, compreender a forma de incorporação dos tratados em
relação aos ordenamentos jurídicos internos de cada país membro é, em última instância, mais
uma vez, apontar para a plausibilidade, ou não, de se construir uma legislação harmonizada,
principalmente no que tange ao aspecto tributário, tema deste ensaio.
Em outras palavras, levando-se em consideração, principalmente o caso do Brasil,
como veremos a seguir, o pacto do Mercosul pode vir a repousar em terreno de constante
insegurança e perplexidade, vindo, inclusive, a desintegrar-se por falta de simetria entre as
Constituições dos países que o compõem.
4.1. INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS NA ARGENTINA
Antes mesmo da reforma constitucional Argentina, em 1994, a Suprema Corte de
Justiça deste país já previa a primazia dos tratados ante o eventual conflito com qualquer
norma interna. Assinalava, ainda, que a violação de um tratado poderia ocorrer tanto pela
edição de uma norma interna em sentido contrário, quanto pela omissão, ao não se estabelecer
uma disposição legislativa que tornasse possível o cumprimento da norma internacionalmente
fixada.
56
A Constituição Argentina permite a integração, o regionalismo e o comunitarismo,
sendo, portanto, tratados de integração os instrumentos indispensáveis para a concretização
destes elos. Nesse sentido, o seu artigo 75, inciso 2428, prevê expressamente a aprovação de
tratados de integração que deleguem competência de jurisdição a organizações supraestatais
em condições de reciprocidade e igualdade e que respeitem a ordem democrática e os direitos
humanos29.
Ressalta-se, no que tange aos tratados que tratam de direitos humanos30, que a
Constituição Argentina foi mais além, ao prever que estes possuem hierarquia de norma
constitucional, bem como que, submetidos a uma votação de 2/3 das casas legislativas, os
demais tratados podem também gozar de tal atributo.
28
Constituição da Argentina de 1994, Artigo 75 – Corresponde al Congreso: 24. Aprobar tratados de integración
que deleguen competencias y jurisdicción a organizaciones supraestatales en condiciones de reciprocidad e
igualdad, y que respeten el orden democrático y los derechos humanos. Las normas dictadas en su consecuencia
tienen jerarquía superior a las leyes. La aprobación de estos tratados con Estados de Latinoamérica requerirá la
mayoría absoluta de la totalidad de los miembros de cada Cámara. En el caso de tratados con otros Estados, el
Congreso de la Nación, con la mayoría absoluta de los miembros presentes de cada Cámara, declarará la
conveniencia de la aprobación del tratado y sólo podrá ser aprobado con el voto de la mayoría absoluta de la
totalidad de los miembros de cada Cámara, después de ciento veinte días del acto declarativo.La denuncia de los
tratados referidos a este inciso, exigirá la previa aprobación de la mayoría absoluta de la totalidad de los
miembros de cada Cámara.
29
La doctrina de la Corte es incorporada a la Constitución Nacional. En tal sentido, nuestra Ley Fundamental
dispone: los tratados tienen jerarquía superior las leyes; los tratados de derechos humanos están por encima de
las leyes y a la par de la Constitución; el Poder Ejecutivo no puede denunciar tales tratados sin la previa
aprobación del Congresso, con igual mayoría a la exigida para su constitucionalización; el Congresso puede
aprobar tratados de integración que delegem competencias y jurisdicción a organizaciones supraestatales, en
condiciones de reciprocidad e igualdad u respetando el orden democrático y los derechos humanos; las normas
dictadas por estas organizaciones tienn jerarquía superior a las leyes; la denuncia de estos tratados de integración
requiere mayoría especial de cada Cámara del Congresso. Idem, p. 42-3.
30
Constituição da Argentina de 1994, Artigo 75 – Corresponde al Congreso: 22. Aprobar o desechar tratados
concluidos con las demás naciones y con las organizaciones internacionales y los concordatos con la Santa Sede.
Los tratados y concordatos tienen jerarquía superior a las leyes. La Declaración Americana de los Derechos y
Deberes del Hombre; la Declaración Universal de Derechos Humanos; la Convención Americana sobre
Derechos Humanos; el Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales; el Pacto
Internacional de Derechos Civiles y Políticos y su Protocolo Facultativo; la Convención sobre la Prevención y la
Sanción del Delito de Genocidio; la Convención Internacional sobre la Eliminación de todas las Formas de
Discriminación Racial; la Convención sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminación contra la
Mujer; la Convención contra la Tortura y otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes; la
Convención sobre los Derechos del Niño; en las condiciones de su vigencia, tienen jerarquía constitucional, no
derogan artículo alguno de la primera parte de esta Constitución y deben entenderse complementarios de los
derechos y garantías por ella reconocidos. Sólo podrán ser denunciados, en su caso, por el Poder Ejecutivo
nacional, previa aprobación de las dos terceras partes de la totalidad de los miembros de cada Cámara.
Los demás tratados y convenciones sobre derechos humanos, luego de ser aprobados por el Congreso, requerirán
del voto de las dos terceras partes de la totalidad de los miembros de cada Cámara para gozar de la jerarquía
constitucional.
57
4.2. INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS NO PARAGUAI
Da mesma forma como ocorre na Argentina, a Constituição Paraguaia apresenta de
forma bem definida as questões relacionadas à submissão de uma ordem jurídica
supranacional e à hierarquia constitucional dos tratados.
Assim, conforme o previsto no artigo 14531 da Constituição Paraguaia, admite-se a
existência de uma ordem jurídica supranacional, desde que mantida as igualdades de
condições entre os Estados-partes.
No que se refere à supremacia dos tratados internacionais sobre o ordenamento
interno, a Constituição Paraguaia também tratou de disciplinar de forma expressa a matéria.
Assim, nos artigos 137 e 14132, não há dúvidas quanto à opção do constituinte pela hierarquia
dos tratados em relação às normas ditadas internamente, apontando para uma maior
estabilidade jurídica no plano do Mercosul, aqui estudado.
4.3. INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS NA VENEZUELA
31
Constituição do Paraguai de 1992, Artículo 145 – DEL ORDEN JURIDICO SUPRANACIONAL – La
República del Paraguay, en condiciones de igualdad con otros Estados, admite un orden jurídico supranacional
que garantice la vigencia de los derechos humanos, de la paz, de la justicia, de la cooperación y del desarrollo, en
lo político, económico, social y cultural. Dichas decisiones sólo podrán adoptarse por mayoría absoluta de cada
Cámara del Congreso.
32
Constituição do Paraguai de 1992, Artículo 137 – DE LA SUPREMACIA DE LA CONSTITUCION – La ley
suprema de la República es la Constitución. Esta, los tratados, convenios y acuerdos internacionales aprobados y
ratificados, las leyes dictadas por el Congreso y otras disposiciones jurídicas de inferior jerarquía, sancionadas en
consecuencia, integran el derecho positivo nacional en el orden de prelación enunciado.
Quienquiera que intente cambiar dicho orden, al margen de los procedimientos previstos en esta Constitución,
incurrirá en los delitos que se tipificarán y penarán en la ley. Esta Constitución no perderá su vigencia ni dejará
de observarse por actos de fuerza o fuera derogada por cualquier otro medio distinto del que ella dispone.
Carecen de validez todas las disposiciones o actos de autoridad opuestos a lo establecido en esta Constitución.
Constituição do Paraguai de 1992, Artículo 141 – DE LOS TRATADOS INTERNACIONALES – Los tratados
internacionales validamente celebrados, aprobados por ley del Congreso, y cuyos instrumentos de ratificación
fueran canjeados o depositados, forman parte del ordenamiento legal interno con la jerarquía que determina el
artículo 137.
58
Tal como ocorre nas Constituições Paraguaia e Argentina, a Constituição da
Venezuela, em seus artigos 152 e 15333, prevê que as relações internacionais pautadas na
igualdade e cooperação entre os Estados reflitam o exercício da soberania e do interesse
popular, privilegiando a integração latino-americana, inclusive mediante a criação de
organizações supranacionais.
Quanto à supremacia dos tratados internacionais sobre o ordenamento jurídico interno,
a Constituição Venezuelana é, da mesma forma que as anteriormente apresentadas, expressa
ao prever sua aplicação direta e imediata, bem como preferente ao ornamento jurídico interno.
No entanto, é omissa quanto à possibilidade de controle de constitucionalidade das citadas
normas, não fazendo, assim, referência quanto à posição dos tratados internacionais em
relação à norma constitucional34.
33
Constituição da Venezuela de 2000, Artículo 152 – Las relaciones internacionales de la República responden a
los fines del Estado en función del ejercicio de la soberanía y de los intereses del pueblo; ellas se rigen por los
principios de independencia, igualdad entre los Estados, libre determinación y no intervención en sus asuntos
internos, solución pacífica de los conflictos internacionales, cooperación, respeto de los derechos humanos y
solidaridad entre los pueblos en la lucha por su emancipación y el bienestar de la humanidad. La República
mantendrá la más firme y decidida defensa de estos principios y de la práctica democrática en todos los
organismos e instituciones internacionales.
Constituição da Venezuela de 2000, Artículo 153 – La República promoverá y favorecerá la integración
latinoamericana y caribeña, en aras de avanzar hacia la creación de una comunidad de naciones, defendiendo los
intereses económicos, sociales, culturales, políticos y ambientales de la región. La República podrá suscribir
tratados internacionales que conjuguen y coordinen esfuerzos para promover el desarrollo común de nuestras
naciones, y que garanticen el bienestar de los pueblos y la seguridad colectiva de sus habitantes. Para estos fines,
la República podrá atribuir a organizaciones supranacionales, mediante tratados, el ejercicio de las competencias
necesarias para llevar a cabo estos procesos de integración. Dentro de las políticas de integración y unión con
Latinoamérica y el Caribe, la República privilegiará relaciones con Iberoamérica, procurando sea una política
común de toda nuestra América Latina. Las normas que se adopten en el marco de los acuerdos de integración
serán consideradas parte integrante del ordenamiento legal vigente y de aplicación directa y preferente a la
legislación interna.
34
Constituição da Venezuela de 2000, Artículo 333 – Esta Constitución no perderá su vigencia si dejare de
observarse por acto de fuerza o porque fuere derogada por cualquier otro medio distinto al previsto en ella.
En tal eventualidad, todo ciudadano investido o ciudadana investida o no de autoridad, tendrá el deber de
colaborar en el restablecimiento de su efectiva vigencia.
Constituição da Venezuela de 2000, Artículo 334 – Todos los jueces o juezas de la República, en el ámbito de
sus competencias y conforme a lo previsto en esta Constitución y en la ley, están en la obligación de asegurar la
integridad de estaa Constitución. En caso de incompatibilidad entre esta Constitución y una ley u otra norma
jurídica, se aplicarán las disposiciones constitucionales, correspondiendo a los tribunales en cualquier causa, aún
de oficio, decidir lo conducente. Corresponde exclusivamente a la Sala Constitucional del Tribunal Supremo de
Justicia como jurisdicción constitucional, declarar la nulidad de las leyes y demás actos de los órganos que
ejercen el Poder Público dictados en ejecución directa e inmediata de la Constitución o que tengan rango de ley,
cuando colidan con aquella.
Constituição da Venezuela de 2000, Artículo 335 – El Tribunal Supremo de Justicia garantizará la supremacía y
efectividad de las normas y principios constitucionales; será el máximo y último intérprete de la Constitución y
velará por su uniforme interpretación y aplicación. Las interpretaciones que establezca la Sala Constitucional
59
4.4. INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS NO URUGUAI
O panorama constitucional do Uruguai sofre da mesma falta de definição no que tange
à possibilidade da submissão do ordenamento interno a uma ordem jurídica supranacional,
bem como com relação à hierarquia constitucional dos tratados internacionais.
O preceito constante do Artigo 6º.35 da Constituição Uruguaia, quanto à questão da
submissão jurídica a uma ordem supranacional, não se refere se quer à possibilidade de
formação de uma comunidade latino-americana. É, portanto, neste aspecto, ainda mais
obscura que a Constituição Brasileira em seu artigo 4º.
No que tange à hierarquia dos tratados no ordenamento jurídico interno, observamos
os artigos 83, 85, VII, e 25636 da Constituição da República Oriental do Uruguai. Logo, à
medida que a aprovação e incorporação dos tratados se perfazem com a edição de uma lei e
que esta lei está sujeita ao controle de constitucionalidade, pode-se afirmar a supremacia da
norma constitucional.
Neste diapasão, afere-se que a participação do Uruguai no Mercosul é passível de
sofrer as mesmas críticas que serão dirigidas ao Brasil, gerando insegurança quando da
primazia do direito constitucional em face do direito internacional.
sobre el contenido o alcance de las normas y principios constitucionales son vinculantes para las otras Salas del
Tribunal Supremo de Justicia y demás tribunales de la República.
35
Constituição da Venezuela de 2000, Artículo 6º. – En los tratados internacionales que celebren la República
propondrá la cláusula de que todas las diferencias que surjan entre las partes contratantes, serán decididas por el
arbitraje u otros medios pacíficos. La República procurará la integración social y económica de los Estados
Latinoamericanos, especialmente en lo que se refiere a la defensa común de sus productos y materias primas.
Asimismo, propenderá a la efectiva complementación de sus servicios públicos.
36
Constituição da Venezuela de 2000, Artículo 83 – El Poder Legislativo será ejercido por la Asamblea General.
Artículo 85 – A la Asamblea General compete: 7º.) Decretar la guerra y aprobar o reprobar por mayoría absoluta
de votos del total de componentes de cada Cámara, los tratados de paz, alianza, comercio y las convenciones o
contratos de cualquier naturaleza que celebre el Poder Ejecutivo con potencias extranjeras.; Artículo 256 – Las
leyes podrán ser declaradas inconstitucionales por razón de forma o de contenido, de acuerdo con lo que se
establece en los artículos siguientes.
60
4.5. INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS NO BRASIL
No Brasil, diferentemente do previsto na Constituição da Argentina e do Paraguai,
adota-se a teoria dualista, que encontra apoio em parte da doutrina e na jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, tribunal este que tem como incumbência constitucional a guarda
da Constituição (CF, art. 102, caput), o qual sustenta que as normas estrangeiras ingressam
em nosso ordenamento como normas infraconstitucionais ordinárias. Isto equivale a dizer que,
para essa linha de pensamento, os tratados internacionais têm status equiparado aos das leis
ordinárias federais37.
37
Nesse sentido, já decidiu o STF: Cr-Agr 8279 / at – Argentina – Ag.Reg.na Carta Rogatória; Relator(a): Min.
Celso de Mello – 17/06/1998 Órgão julgador: Tribunal Pleno – Publicação: DJ 10-08-2000 – Ementa: Mercosul
– carta rogatória passiva – denegação de exequatur – protocolo de medidas cautelares (Ouro Preto/MG) –
inaplicabilidade, por razões de ordem circunstancial – ato internacional cujo ciclo de incorporação, ao direito
interno do Brasil, ainda não se achava concluído à data da decisão denegatória do exequatur, proferida pelo
presidente do Supremo Tribunal Federal – relações entre o direito internacional, o direito comunitário e o direito
nacional do Brasil – princípios do efeito direto e da aplicabilidade imediata – ausência de sua previsão no
sistema constitucional brasileiro – inexistência de cláusula geral de recepção plena e automática de atos
internacionais, mesmo daqueles fundados em tratados de integração – recurso de agravo improvido. A recepção
dos tratados ou convenções internacionais em geral e dos acordos celebrados no âmbito do Mercosul está sujeita
à disciplina fixada na Constituição da República – a recepção de acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do
Mercosul está sujeita à mesma disciplina constitucional que rege o processo de incorporação, à ordem positiva
interna brasileira, dos tratados ou convenções internacionais em geral. É, pois, na Constituição da República, e
não em instrumentos normativos de caráter internacional, que reside a definição do item procedimental
pertinente à transposição, para o plano do direito positivo interno do Brasil, dos tratados, convenções ou acordos
– inclusive daqueles celebrados no contexto regional do Mercosul – concluídos pelo Estado Brasileiro.
Procedimento constitucional de incorporação de convenções internacionais em geral e de tratados de integração
(Mercosul) – a recepção dos tratados internacionais em geral e dos acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do
Mercosul depende, para efeito de sua ulterior execução no plano interno, de uma sucessão causal e ordenada de
atos revestidos de caráter político-jurídico, assim definidos: (a) aprovação, pelo Congresso Nacional, mediante
decreto legislativo, de tais convenções; (b) ratificação desses atos internacionais, pelo chefe de Estado, mediante
depósito do respectivo instrumento; (c) promulgação de tais acordos ou tratados, pelo Presidente da República,
mediante decreto, em ordem a viabilizar a produção dos seguintes efeitos básicos, essenciais à sua vigência
doméstica: (1) publicação oficial do texto do tratado e (2) executoriedade do ato de direito internacional público,
que passa, então – e somente então – a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. O princípio do
efeito direto (aptidão de a norma internacional repercutir, desde logo, em matéria de direitos e obrigações, na
esfera jurídica dos particulares) e o postulado da aplicabilidade imediata (que diz respeito à vigência automática
da norma internacional na ordem jurídica interna) traduzem diretrizes que não se acham consagradas e nem
positivadas no texto da Constituição da República, motivo pelo qual tais princípios não podem ser invocados
para legitimar a incidência, no plano do ordenamento doméstico brasileiro, de qualquer convenção internacional,
ainda que se cuide de tratado de integração, enquanto não se concluírem os diversos ciclos que compõem o seu
processo de incorporação ao sistema de direito interno do Brasil. Magistério da doutrina – sob a égide do modelo
constitucional brasileiro, mesmo cuidando-se de tratados de integração, ainda subsistem os clássicos mecanismos
institucionais de recepção das convenções internacionais em geral, não bastando, para afastá-los, a existência da
norma inscrita no art. 4º., parágrafo único, da Constituição da República, que possui conteúdo meramente
programático e cujo sentido não torna dispensável a atuação dos instrumentos constitucionais de transposição,
para a ordem jurídica doméstica, dos acordos, protocolos e convenções celebrados pelo Brasil no âmbito do
Mercosul.
61
Além disso, argumentam que um tratado internacional, referendado que é por decreto
legislativo aprovado por maioria simples, não pode se equiparar, nem muito menos revogar
uma norma constitucional, a qual exige maioria qualificada de 3/5 (três quintos) para ser
modificada (CF, art. 60, §2º.). O que acabaria por proporcionar, segundo esses, um abalo na
rigidez da Constituição, ou seja, uma via transversa para a modificação do texto constitucional
que exige procedimento especial.
Relevante ainda se faz mencionar que, ao se adotar a concepção dualista, podemos
trabalhar com a possibilidade de considerar os tratados internacionais passivos de controle de
constitucionalidade, seja quanto ao seu sentido expresso, seja quanto ao seu significado
material38.
Neste mesmo sentido, afirma-se que a concepção dualista tem como fundamento o
fato de que as normas estrangeiras não podem ser equiparadas às normas constitucionais, pois
tal procedimento afrontaria, em última análise, a soberania nacional – questão essa de
tamanha importância e já discutida nos capítulos antecedentes – e, em última hipótese,
acabaria por afrontar a ordem pública.
Por força desse entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal, a emenda
45/2004, intitulada reforma do judiciário, acrescentou o §3º. ao art. 5º. da CF, com a seguinte
redação: “§3º. – Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos
dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.
Ressalta-se que não é condição indispensável à aprovação pelo quorum qualificado,
mas requisito para que esses tratados ou convenções sobre direitos humanos possam ingressar
no ordenamento jurídico em posição hierárquica semelhante a das emendas constitucionais.
38
Constituição Brasileira de 1988, Artigo 102, inciso III, alínea b – Compete ao Supremo Tribunal Federal,
precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: II – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas
decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado
ou lei federal.
62
Assim, caso não seja obtida a votação em dois turnos em cada casa por três quintos de seus
membros, o tratado poderá ser aprovado, porém sem a prerrogativa da natureza constitucional
de suas disposições, consistindo, nessa circunstância, em emanação do poder constituinte
derivado.
Perante o quadro aqui apresentado, verifica-se que a participação do Brasil no
Mercosul carece ainda de definição constitucional em dois aspectos: a prevalência ou
primazia dos tratados internacionais, inclusive o próprio Tratado de Assunção, sobre o direito
federal infraconstitucional, em razão da ausência de uma norma capaz de solucionar o
conflito; e a possibilidade de o país submeter-se a uma ordem jurídica supranacional, em
razão da expressa submissão do tratado internacional em relação ao controle de
constitucionalidade.
4.5.1. Tratados em Matéria Tributária no Direito Brasileiro
No direito tributário brasileiro temos como peculiaridade o artigo 98 do CTN, que
estabelece que entre o Tratado Internacional, em matéria Tributária, e a lei interna haja uma
hierarquia. Há a hierarquia do tratado sobre a lei interna, ou seja, o tratado revoga, mas não é
revogado. Aqui se percebe uma controvérsia, muitos sustentam que o CTN não poderia conter
normas sobre recepção de normas internacionais, pois as validades das normas jurídicas
devem estar estabelecidas na Constituição Federal e não na lei de normas gerais. Logo, não
haveria hierarquia entre o tratado e a lei interna.
Certo, portanto, é afirmar que a mera circunstância da existência de um tratado
internacional que disponha sobre matéria tributária, já regulamentada no ordenamento interno
por si só, nos coloca diante de um conflito aparente de normas.
63
Quando diante de duas normas antinômicas, os critérios para a resolução da
contradição são:
- hierarquia: norma superior prevalece sobre norma inferior;
- especialidade: norma especial prevalece sobre norma geral;
- cronologia: norma posterior prevalece sobre norma anterior.
Se há hierarquia, para aqueles que entendem que o art. 98 do CTN pode estabelecer
essa hierarquia, não há controvérsias, pois prevalecerá sempre o tratado. Essa é a doutrina
majoritária.
Nesse sentido, o fato de a Constituição Federal trazer a regra geral quanto à inserção e
à hierarquia de tratados internacionais no sistema jurídico brasileiro não exclui a possibilidade
de que outro diploma legal trate a matéria de forma específica. O escalonamento legislativo
brasileiro, disposto no artigo 59 da Constituição Federal, mais especificamente em seu inciso
II, concretiza tal possibilidade.
Mas há outra corrente que nega esta hierarquia e que tenta resolver o problema pela
questão da especialidade, ou seja, o tratado geralmente é especial em relação à lei interna. Isto
porque a lei interna é a lei de incidência e o tratado geralmente é uma lei de isenção. Sendo
assim, prevalecerá, não por hierarquia, mas por especialidade, o tratado sobre a lei interna.
Problema efetivamente haverá se a norma interna conflitar com o preceito
anteriormente estabelecido no tratado, sendo, neste sentido, impossível a convivência de
ambos, ou seja, caso a lei interna previna comando diverso do fixado no tratado para situações
idênticas.
Resta esclarecer que, a eficácia dos tratados e sua inserção no ordenamento jurídico
pátrio são questões de natureza constitucional. Logo, não é um preceito infraconstitucional,
64
nos moldes do já citado artigo 98 do CTN, que irá ou não afirmar a primazia dos tratados
frente à ordem interna39.
Em sentido oposto, Alberto Xavier ressalta que o artigo 98 do CTN não menciona uma
supremacia do tratado em relação à legislação interna. Reflete, no entanto, um caso de
especialização, tal qual ocorre na relação estabelecida entre norma geral e norma especial
oriundas do ordenamento interno40.
O problema assume outro nível de discussão quando examinamos a eficácia dos
tratados no campo dos tributos estaduais e municipais. Discute-se na doutrina se o tratado
pode ou não dispor sobre isenções de tributos destes entes políticos, em face do que dispõe o
artigo 151, III, da Constituição Federal, que proíbe a União de tratar da matéria. A discussão,
na verdade, é ainda mais ampla, pois o que precisa ser realmente indagado é se os tratados
firmados pelo Brasil podem ou não interferir na incidência dos tributos estaduais e
municipais.
Não existe a figura da União na ordem internacional, a União é pessoa jurídica de
direito público interno, assim como os Estados e Municípios. A República Federativa do
Brasil é que existe na ordem internacional e é composta pelas vontades da União, Estados e
Municípios. Não se pode dizer que um país que adote o sistema federativo não pode acordar
matérias com outros países que, dentro do âmbito interno, sejam matérias dos Estados e
Municípios. Isto seria isolar os regimes federativos no âmbito da ordem internacional, pois
para formar o Mercosul, por exemplo, teríamos que convocar todos os prefeitos, governadores
e Presidente do Brasil, o que seria absurdo. Os Estados não aparecem na ordem internacional.
Eles possuem autonomia e não soberania41.
39
Para Carraza, em seu Curso de Direito Constitucional Tributário (São Paulo: Malheiros, 1997, p. 157), a
supremacia do direito internacional sobre o direito interno é inconcebível, afirmando ser inconstitucional o artigo
98 do CTN.
40
XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 123.
41
AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 178.
65
No regime presidencialista, o Presidente da República não é só o chefe do Poder
Executivo da União, ele é também chefe do Estado Federal, logo, advém da própria
organização do Estado brasileiro a possibilidade do tratado internacional conceder isenção de
tributo estadual e municipal, conforme entendimento pacificado no Superior Tribunal de
Justiça42.
Resumidamente, o fundamento da prevalência da norma dos tratados sobre a lei
interna estadual ou municipal não é a primazia dos tratados internacionais, mas a eficácia
tradicional dos tratados enquanto único modelo legislativo capaz de firmar normas de conduta
entre o Estado brasileiro e outros Estados soberanos.
As disposições adotadas pelos órgãos do Mercosul, cuja capacidade foi delineada
pelos próprios Estados-membros, não são diretamente aplicáveis no âmbito interno de cada
ente, necessitando de medidas de incorporação nos seus ordenamentos jurídicos, de acordo
com a legislação de cada um, o que por si só afasta sua efetividade e, mais uma vez, aponta
para a necessidade de harmonização de legislações.
42
Nesse sentido já decidiu o STJ: Resp 480563/RS; Recurso Especial 2002/0146332-5 – Relator(a) Min. Luiz
Fux – Órgão Julgador: Primeira Turma – 06/09/2005 – DJ 03.10.2005 – Tributário. ICMS. Isenção. Importação
de leite de país membro de tratado firmado com o Mercosul. Possibilidade. Lei estadual isencional: 1. Pacto de
tratamento paritário de produto oriundo do país alienígena em confronto com o produto nacional, com “isenção
de impostos, taxas e outros gravames internos” (art. 7º., do Decreto nº. 350/91, que deu validade ao Tratado do
Mercosul). 2. Pretensão de isenção de ICMS concedida ao leite pelo Estado com competência tributária para
fazê-la. 3. A exegese do tratado, considerado lei interna, à luz do art. 98, do CTN, ao estabelecer que a isenção
deve ser obedecida quanto aos gravames internos, confirma a jurisprudência do E. STJ, no sentido de que
“Embora o ICMS seja tributo de competência dos Estados e do Distrito Federal, é lícito à União, por tratado ou
convenção internacional, garantir que o produto estrangeiro tenha a mesma tributação do similar nacional.
Como os tratados internacionais têm força de lei federal, nem os regulamentos do ICMS nem os convênios
interestaduais têm poder para revogá-los. Colocadas essas premissas, verifica-se que a Súmula 575 do Supremo
Tribunal Federal, bem como as Súmulas 20 e 71 do Superior Tribunal de Justiça continuam com plena força”
(AgRg no AG n.º 438.449/RJ, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 07.04.2003). 4. O Tratado do Mercosul,
consoante o disposto no art. 7º., do Decreto nº. 350/91, estabelece o mesmo tratamento tributário quanto aos
produtos oriundos dos Estados-membros em matéria tributária e não limita que referido tratamento igualitário
ocorra somente quanto aos impostos federais, de competência da União. 5. Deveras, a Súmula nº. 71/STJ (“O
bacalhau importado de país signatário do GATT é isento do ICMS”) confirma a possibilidade de, em sede de
tratado internacional, operar-se o benefício fiscal concedido por qualquer Estado da federação, desde que
ocorrente o fato isentivo em unidade federada na qual se encarte a hipótese prevista no diploma multinacional. 6.
A Lei nº. 8.820/89, do Estado do Rio Grande do Sul, com a redação conferida pela Lei nº. 10.908/96, isenta do
ICMS o leite fluido, pasteurizado ou não, esterelizado ou reidratado, por isso que se estende o mesmo benefício
ao leite importado do Uruguai e comercializado nesta unidade da federação. 7. Decisão em consonância com a
doutrina do tema encontradiça in “Tributação no Mercosul”, RT, p. 67-9. 8. Recurso Especial provido.
66
Diante do sucintamente apresentado, afirmamos que, se o Mercosul ambiciona atingir
grau de integração próprio de um mercado comum, imprescindível será que passemos a
pensar não mais no direito interno como o foro capaz de disciplinar a inserção e a hierarquia
das normas originadas no processo de integração. Os modelos clássicos de recepção deverão
ser substituídos por modelos regionais que efetivem a proposta de integração, harmonizando,
e esta é mais uma vez a nossa proposta, as ordens jurídicas dos Estados-partes.
67
5. A RELEVÂNCIA DA QUESTÃO TRIBUTÁRIA NO MERCOSUL
O poder de tributar é uma das manifestações concretas acerca da soberania dos
Estados. A formação de espaços regionais, através de acordos que vão além dos limites da
regulamentação aduaneira ou dos tratados de bi-tributação, acaba por considerar a questão
tributária como um dos campos prioritários no momento da construção de um bloco
integrado.
Neste sentido, convém ressaltar que a formação de blocos econômicos entre Estados,
em última instância, condiciona os Estados-membros ao exercício de uma soberania
compartilhada. Esta situação faz com que se acredite na possibilidade de cessão de parcelas de
soberania dos Estados aos órgãos comunitários supraestatais, em prol de um bem maior: a
flexibilização dos movimentos de mercadorias, capitais e pessoas e, conseqüentemente, uma
maior atuação no mundo globalizado.
Podemos afirmar que o conceito de soberania vem sendo transformado ao longo das
últimas décadas devido ao fato de, atualmente, serem os Estados interdependentes, ainda que
soberanos, constituindo uma soberania diferenciada daquela anteriormente pautada,
caracterizada como “absoluta, ilimitada e indivisível”. Logo, a interpretação do conceito de
soberania deve sofrer uma flexibilização para viabilizar o movimento integracionista,
afirmando-se que as definições clássicas de soberania já não prevalecem no Estado de Direito
imposto pela nova ordem mundial.
Ives Gandra da Silva Martins, em livro de sua coordenação, também aponta para uma
mudança no perfil do Estado:
(...) o Estado Moderno está, em sua formulação clássica de soberania absoluta,
falido, devendo ceder campo a um Estado diferente no futuro. (...) na União
Européia, o Direito comunitário prevalece sobre o Direito local e os poderes
comunitários (Tribunal de Luxemburgo, Parlamento Europeu) têm mais força que os
poderes locais. Embora no exercício da soberania, as nações aderiram a tal espaço
plurinacional, mas, ao fazê-lo, abriram mão de sua soberania ampla para
submeterem-se a regras e comandos normativos da comunidade. Perderam, de rigor,
sua soberania para manter uma autonomia maior do que nas Federações clássicas,
68
criando uma autêntica Federação de países. Nada obstante as dificuldades, é o
primeiro passo para a universalização do Estado, que deve ser “Mínimo e
Universal”. (...) a universalização do Estado, em nível de poderes decisórios, seria
compatível com a autonomia dos Estados locais, aceitando-se a Federação Universal
de países e eliminando-se a Federação de cada país, que cria um poder intermediário
que, muitas vezes, se torna pesado e inútil43.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho44, ao afirmar que uma real soberania em favor dos
Estados-Nação é, hoje, inviável, uma vez que soberania significa um poder que não reconhece
outro a ele superior, seja no plano interestatal (independência), seja no plano interno
(supremacia), também defende a idéia da superação do Estado-Nação, com a conseqüente
necessidade de associação entre os Estados, e a necessidade de uma revisão da idéia de
soberania.
Nesse sentido, se esta supremacia interna é conservada pelos Estados-Nação, no plano
externo ela desapareceu, salvo, quiçá, para os Estados Unidos da América. Assim, o
imperativo de segurança obriga os Estados-membros a agregarem-se em unidades maiores,
mais fortes, inclusive para assegurarem a própria sobrevivência, novamente surgindo como
exemplo disto os Estados europeus. Por tudo isto, parece previsível a superação dos EstadosNação, sendo certo que estes não desaparecerão, mas virão a associar-se (ou integrar-se),
formando um ente novo.
Na opinião de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, esse “ente novo” será uma
“Comunidade de Estados”, de caráter federalista, que terá como lei suprema não uma
Constituição, mas um Tratado, o qual será adotado de acordo com as regras do direito
internacional e somente alterável de conformidade com estas.
Portanto, a soberania dos outros Estados e dos novos entes deve ser também um fator
de limitação da soberania individual, ou seja, o direito internacional deve tornar, de certo
modo, a soberania de cada Estado ainda mais relativa.
43
MARTINS, Ives Gandra. O Estado do Futuro. São Paulo: Pioneira, 1998, p.102-15.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. In: MARTINS, Ives Gandra. O Estado do Futuro. São Paulo:
Pioneira, 1998, p.102-13.
44
69
A vida da comunidade internacional termina por exigir que o Estado se acomode aos
supremos interesses da coletividade internacional, vendo-se obrigado, muitas vezes, em nome
da paz e do bem comum, a modificar até mesmo sua própria legislação constitucional. O
Estado não pode renegar sua qualidade de participante da atual comunidade de Estados, da
mesma forma como a comunidade internacional deve respeitar os direitos dos Estados
componentes.
Celso Ribeiro Bastos, nesse mesmo sentido, preconiza que:
O princípio da soberania é fortemente corroído pelo avanço da ordem jurídica
internacional. A todo instante reproduzem-se tratados, conferências, convenções,
que procuram traçar as diretrizes para uma convivência pacífica e para uma
colaboração permanente entre os Estados. Os múltiplos problemas do mundo
moderno, alimentação, energia, poluição, guerra nuclear, repressão ao crime
organizado, ultrapassam as barreiras do Estado, impondo-lhe, desde logo, uma
interdependência de fato. À pergunta de que se o termo soberania ainda é útil para
qualificar o poder ilimitado do Estado, deve ser dada uma resposta condicionada.
Estará caduco o conceito se por ele entendermos uma quantidade certa de poder que
não possa sofrer contraste ou restrição. Será termo atual se com ele estivermos
significando uma qualidade ou atributo da ordem jurídica estatal. Neste sentido, ela
– a ordem interna – ainda é soberana, porque, embora exercida com limitações, não
foi igualada por nenhuma ordem de direito interna, nem superada por nenhuma outra
externa45.
Com efeito, a integração e, conseqüentemente, a proposta de harmonização da
legislação tributária, afeta a soberania dos Estados-membros, pois o sistema tributário, tal
como será demonstrado neste capítulo, não só constitui a fonte de recursos públicos, como
também é instrumento contemporâneo de política econômico-social.
Logo, a incidência tributária é uma das principais questões a ser solucionada pela
política econômica no comércio internacional. Nesse sentido, procura-se que cada produto
seja tributado de acordo com a proteção ou a arrecadação necessária para atingir os efeitos do
nível de integração que se deseja obter.
Ao se falar em processo de integração, podemos destacar vários caminhos para se
exteriorizar a vontade dos Estados-membros, deixando claro que os efeitos são distintos com
a adoção de um ou outro. As espécies abaixo relacionadas ficam destinadas a livre escolha
45
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. São Paulo: Celso Bastos Editor,
2004, p. 106.
70
dos pactuantes, podendo as mesmas, de acordo com uma maior perspectiva de integração,
serem alteradas ao longo de todo o processo46.
A Zona de Livre Comércio envolve a eliminação e/ou redução das taxas em relação ao
comércio de bens entre os países-membros, como é o exemplo do Nafta. Constitui, assim, o
primeiro estágio no caminho para o estabelecimento de uma união aduaneira, onde certamente
serão mantidas as tarifas e regras comerciais para com os países não integrantes do bloco.
A União Aduaneira corresponde ao somatório do livre comércio e ao estabelecimento
de uma Tarifa Externa Comum (TEC) quando da relação dos Estados-membros com terceiros,
assim como ocorre na atual fase do Mercosul, sendo que, para este, a união aduaneira é
incompleta, pois apresenta lista de exceções à TEC.
Deve ser ressaltado que os países que compõem uma união aduaneira apresentam-se
no cenário internacional como uma unidade econômica. Dessa forma, a partir da adoção de
uma política comercial comum, a questão do desvio de comércio é solucionada, pois bens e
serviços importados para a região encontram condições idênticas de entrada, seja qual for o
país pelo qual estes venham a ingressar na área.
Já o Mercado Comum compreende uma intercessão dos dois conceitos anteriormente
apresentados, isto é, ocorre a unificação de políticas macroeconômicas com a finalidade de
estabelecer uma zona de livre concorrência e de pleno exercício da empresa. Os Estadosmembros ajustam suas diretrizes fiscais e comerciais, os parâmetros para taxas de juros e
câmbio, assim como outros tantos mecanismos necessários à consolidação do sistema de
integração.
De outra forma, além do mercado comum, somam-se à união econômica e política o
sistema monetário, a política externa e de defesa unificadas, modelo que vem sendo
46
CAMARGO, Cláudio Antonio de Paula. Fundamentos da harmonização tributária entre os Estados unitários e
os Estados federais do bloco mercosulista. In: Revista de Direito Tributário e de Finanças Públicas, nº. 53, p.
9-28. São Paulo: Revista dos Tribunais, nov-dez 2003, p. 241-2.
71
perseguido pela União Européia, a partir do estabelecimento de uma política macroeconômica
única.
Já a Confederação, grau de integração ainda não alcançado, é dificultada pela
necessidade da união econômica e política anterior e, ainda, da unificação de todos os direitos
existentes, além de se efetuar uma revisão dos sistemas governamentais. O que, no caso da
América Latina, parece ainda mais distante.
No que tange as etapas do processo de integração, vale ressaltar as palavras de
Lipovetzky47:
El establecimiento de un acuerdo para liberalizar ciertas ramas de mercancías,capital
y movimietos migratorios;
El establecimiento de una Zona de Libre Comercio que elimine barreras comerciales
formales, pero excluyendo cualquier forma de institución supranacional. Dentro de
la misma cada miembro mantiene su propia política comercial respecto de los
Estados no miembros; estatuyéndose apenas alguns servicios mínimos destinados a
facilitar el intercambio;
Ciertos tipos de Uníon Aduaneira, cuya característica consiste em el trabajo
conjunto de las adminsitraciones de Aduanas, que establecen equipos comunes para
negociar terceros Estados o bloques; y niveles de consulta y procedimientos también
comunes para reglar il intercambio; y
El Mercado Común, que es un nivel que si bien acumula los anteriores; también los
supera, añadiendo mercados de capital y fuerza de trabajo, lo que exige mayor
complementación em cuanto a organización; porque se incluyen aspectos como las
condiciones de trabajo, el adiestramiento, los sistemas de seguridad social; y las
políticas macroeconómicas comunes como el manejo de la propridad privada
(privatizaciones y explotaciones), del sistema financiero y las inversiones
extranjeras, afectando aspectos primordiales de cada sociedad, como los referidos a
los sistemas educativos, de seguridad social etc.
O Mercosul encontra-se, nos dias de hoje, em uma união aduaneira imperfeita. Tal
classificação se justifica pelo fato de existirem brechas na TEC, conforme anteriormente
mencionado, correspondendo esta a um elemento essencial para a concretização da união
aduaneira.
As distinções na TEC ocorrem por diversas razões, entre elas o acordo entre os sócios
– lista de exceções à TEC – visando um lapso temporal para que determinado segmento
econômico não seja inviabilizado, os quais, ainda, possuem limite ao benefício concedido. Por
47
LIPOVETZKY, Jaime César. Mercosur – estratégias para la integración – Mercado Común o Zona de
Libre Comercio?. Buenos Aires: Depalma, 1995, p. 50.
72
outras vezes, essas perfurações acabam por decorrer do protecionismo unilateral, dificuldade
comumente enfrentada nos casos de integração, afastando a visão unificada do atuar em
bloco.
Certo, no entanto, que a TEC, ainda que com as devidas críticas, acaba por tornar-se
um meio que, em longo prazo, é capaz de solucionar o principal obstáculo à concretização da
integração econômica, que são as assimetrias econômicas. A questão fica ainda mais
complexa quando, e este é o objetivo do presente ensaio, nos deparamos com as assimetrias
tributárias, não bastando para corroborar tal afirmativa fazer uma análise superficial dos
sistemas tributários dos países-membros, mas sim um estudo da possibilidade de
harmonização dos mesmos, amenizando disparidades que acabam por impedir a concretização
da integração econômica.
Outro problema a ser ressaltado em relação à TEC é a exigência da utilização dos
certificados de origem. A motivação do citado mecanismo é a de salvaguarda, pois impede
que terceiros países se beneficiem de políticas destinadas apenas aos Estados-membros do
bloco.
Dessa maneira, por uma questão meramente burocrática e que se distancia da dinâmica
exigida no processo integracionista, caso não ocorra a comprovação da TEC de uma
mercadoria que entre, por exemplo, pelo Uruguai destinada à Argentina, incidirá a dupla
tributação, um grave problema a ser enfrentado cada vez mais diretamente pelos países do
Mercosul48.
Fragilidade que merece também ser destacada em relação à TEC é a sua dupla
cobrança quando o bem é importado de um terceiro país. Dessa forma, o bem é tributado
quando do ingresso na área econômica integrada e novamente ao deslocar-se intrabloco, como
ainda ocorre na União Européia.
48
A lista de exceções à TEC refere-se a produtos comercializados com terceiros países. São produtos que ao
ingressarem no Mercosul não se submetem à incidência normativa da TEC, mas à tarifa aduaneira nacional,
interna de cada Estado-membro onde ingressou.
73
Vale neste aspecto ressaltar que com relação à dupla imposição da TEC, o Brasil
está disposto a dar concessões unilaterais aos sócios menores, Paraguai e Uruguai. Assim,
consiste a proposta brasileira na flexibilização das importações de insumos sem a aplicação da
dupla incidência da TEC, pensa-se, também, em reduzir o percentual de 60%, hoje
determinado como patamar mínimo de utilização de insumos originados nos países-membros
do bloco, para o percentual de 30% para o Uruguai e 25% para o Paraguai. 49
No entanto, o que o Paraguai e o Uruguai buscam é, certamente, muito mais
profundo: inclui uma postura mais efetiva na diminuição das assimetrias regionais, a prática
de políticas públicas voltadas à integração, a coordenação macroeconômica e o acesso aos
mercados em igualdade de condições com os países maiores, Brasil e Argentina, em especial.
Na prática, a integração entre Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela
avançou rapidamente nas relações comerciais, no primeiro período do bloco. Nos últimos
tempos, o aprofundamento ficou mais difícil. A integração do setor de serviços não progride.
Também não há mecanismos e, conseqüentemente, agilidade na solução de controvérsias. O
grande empenho é pela organização de um sistema arbitral, realmente neutro, capaz de
solucionar entraves, evitando que os avanços dependam apenas do diálogo político, como tem
sido até hoje.
A soberania fiscal é uma das facetas da soberania do Estado que, como mencionamos
no capítulo 2, acaba por sofrer limitações quando inserida em um processo de integração.
Evitar maiores agressões à soberania é um dos veículos que movem a harmonização das
legislações tributárias.
Nesse sentido, vale mencionar as palavras de Paulo Borba Casella:
Colocada a viabilidade da concepção da soberania como um conceito jurídico
passível de limitação, onde as regras modificando seu exercício poderiam ultrapassar
limites anteriormente colocados, sem extinguir o conceito, em termos gerais e
49
A postura brasileira citada traz consigo a necessidade de se compartilhar a receita aduaneira com os sócios de
menor desenvolvimento econômico, no entanto, ainda que se vise a criação de um mercado comum dotado de
certa homogeneidade, não encontra tal medida apoio político argentino e venezuelano.
74
abstratos, tais exigências se fazem tanto mais presentes e precisas em razão do nível
de cooperação econômica, harmonização jurídico-institucional e coordenação de
políticas, indispensáveis em contexto integrado, podendo-se conceber sem restrições
intelectuais, a mutação do conceito de Soberania do Estado e a adaptação desta às
necessidades de espaço supranacional, economicamente homogêneo e juridicamente
integrado. 50
Conforme leciona Hugo Gonzalez Cano51, “os processos de integração econômica
requerem certo grau de harmonização tributária, cuja intensidade se vincula com o tipo de
integração e etapa do processo vigente em cada caso”. Nesse sentido, verifica-se que a
questão da harmonização tributária não está restrita ao âmbito das relações internacionais
travadas pelo bloco em formação. Harmonizar implica, primordialmente, alterações no âmbito
interno de cada Estado-membro, com repercussão na organização do sistema tributário e na
divisão de receitas de cada país envolvido.
É evidente que as assimetrias tributárias existentes entre os países-membros do
Mercosul atribuem importância fundamental ao planejamento de investimentos e operações
que, por exemplo, empresas consideram quando da sua instalação em qualquer dos países
integrantes do bloco. Conforme veremos no capítulo seguinte, este fato é facilmente
percebido quando se verifica que nos países em desenvolvimento há uma forte tendência na
predominância dos impostos indiretos e regressivos (IVA, ICMS), o que acaba por contribuir
na manutenção de um processo inflacionário, à medida que a carga tributária passa a ser
suportada por aquele que consome bens e serviços, gerando distorções relativas às condições
de capacidade concorrencial e às condições de localização52.
Nesse sentido merecem destaque as palavras de Miguel Ángel Asensio:53
Si en general la armonizacíon debe apuntar a la supresión de las distorsiones que
impidem la liberación interregional de las corrientes de comercio, la misma que
abarcará el campo de los impuestos internos aplicados en los países miembros, pero
también otros campos como el de los incentivos tributarios a las exportaciones y a las
50
CASELLA, Pedro Borba. Mercosul: exigências e perspectivas. São Paulo: LTr, 1996, p. 227.
CANO, Hugo González. La armonización tributaria y la integración económica. Buenos Aires:
Interoceánicas, 1994, p. 885.
52
BORDIN, Luis Carlos Vitali; LAGEMANN, Eugenio. Tributação no Mercosul. In: Tributação em Revista,
ano 5, nº. 20 – abril/junho de 1997. São Paulo: Unafisco Sindical, 1997, p. 26.
53
ASENSIO, Miguel Ángel. Descentralización y Federalismo Fiscal: En la Unión Europea y El Mercosur.
Santa Fé: UNL, 2003, p. 45.
51
75
inversiones. Con referencia al primer campo, la diversidad de criterios y niveles de
tributación interna suele producir dos tipos de distorciones:
i) en las condiciones normales de competencia entre los productores ya establecidos
en la subregión;
ii) en las condiciones para la localización de nuevas inversiones propiciadas por la
ampliación del mercado, al nivel subregional.
La primeira distorción surge principalmente por la diversidad de impuestos internos
sobre bienes y servicios La segunda está más estrechamente relacionada con las
utilidades de los capitales extranjeros. Pero si a más largo plazo este impuesto se
trasladara a los precios, su efecto sería similar al de los impuestos sobre bienes y
servicios, y también afectaría las condiciones de competencia en el mercado
subregional.
Ainda citando Bordin e Lagemann, considerando que os impostos sobre consumo
recaem sobre os preços dos bens e serviços disponibilizados, é possível que se alterem os
fluxos comerciais dentro da região em integração. Fato é que tal prática vai de encontro ao
estabelecido no artigo 7º. do Tratado de Assunção, que estabelece entre os Estados-membros
o princípio da não-discriminação, podendo tal prática resultar, em última análise, em um
favorecimento de determinados setores e no enfraquecimento de outros, tendo em vista que o
tratamento nem sempre, diante dos conflitos políticos intra-bloco, aparece de forma
isonômica.
5.1. PRINCIPAIS ASPECTOS DO TRATADO DE ASSUNÇÃO
Resumidamente, os objetivos do Tratado de Assunção são os seguintes:

a inserção competitiva dos quatro países num mundo caracterizado pela
consolidação de blocos regionais de comércio e no qual a capacitação
tecnológica é item cada vez mais importante para o progresso econômico e
social;

a viabilização de economias de produção, permitindo a cada um dos paísesmembros ganhos de produtividade;
76

a ampliação dos fluxos de comércio e de investimento com o resto do mundo,
bem como a promoção da abertura econômica regional, favorecendo o livre
comércio;

a melhoria das condições de vida dos habitantes da região.
Com a análise dos objetivos acima elencados, perceberemos que o Tratado de
Assunção se enquadra claramente como um tratado de integração econômica. No entanto,
devemos ressaltar que o Mercosul tem perspectivas que ultrapassam o projeto de integração
econômica, pois em última instância é concebido através da necessidade de uma valoração da
democracia e da constante busca pela justiça social.
Entre os objetivos podemos mencionar, ainda, a ampliação dos mercados através da
integração como condição fundamental para se acelerar o desenvolvimento econômico com a
manutenção de um meio ambiente equilibrado; a adequada inserção internacional; a
integração da América Latina; a ampliação da oferta e qualidade dos bens e serviços; e a
melhoria das condições de vida dos habitantes da região.
5.2. CÓDIGO ADUANEIRO DO MERCOSUL
5.2.1. Conceito de Reciprocidade
O Tratado de Assunção estabeleceu que o mercado comum deverá estar fundado na
reciprocidade de direitos e obrigações entre os Estados-membros. Tal cláusula significa dizer
que se reconhece a equivalência de direitos e deveres de todos os participantes.
Nesse sentido, os Estados signatários reconheceram as diferenças pontuais de ritmo
para o Uruguai e o Paraguai, daí a afirmar que os direitos e obrigações são equivalentes e não
necessariamente iguais, consolidando a chamada isonomia material.
77
5.2.2. Cláusula da Nação Mais Favorecida
Compromete-se a estender automaticamente aos demais Estados do Tratado qualquer
vantagem, favor, franquia, imunidade ou privilégio, que conceda a um produto originário ou
que seja destinado a terceiros países não-membros da ALADI. Sua finalidade é evitar
qualquer discriminação ou desvantagem entre os Estados-membros.
5.2.3. Programa de Liberação Comercial
Tem como regime geral o acordo anterior entre o Brasil e a Argentina, o qual
estabelecia um processo de crescimento da preferência alfandegária do tipo progressivo,
linear e automático, até chegar a uma situação de “tarifa zero” em dezembro de 1994 para os
dois países e em dezembro de 1995 para o Paraguai e o Uruguai. Este regime geral,
entretanto, admite uma lista de exceções de produtos considerados “sensíveis” pelos
respectivos países.
Os produtos incluídos nessas listas estão sendo negociados caso a caso, fora do regime
geral de preferências, devendo desaparecer tais exceções ao término do prazo de transição
estabelecido. Podemos citar, entre outros, produtos advindos da indústria têxtil e confecções,
açúcar e derivados, legumes e hortaliças, frutas frescas e em conserva, leite e cereais, bem
como os da indústria automotiva.
5.2.4. Regime de Origem dos Produtos
78
O Anexo II do Tratado de Assunção define, fundamentalmente, quais as condições
para que os produtos sejam considerados originários ou não de um dos países participantes.
Entre outras, podemos citar as seguintes condições:
a) os produtos elaborados integralmente no território de qualquer um deles,
quando em sua elaboração forem utilizados exclusivamente materiais
originários dos Estados-membros;
b) os produtos em cuja elaboração se utilizem materiais não-originários dos
Estados integrantes, quando resultem de um processo de transformação
realizado no território de algum deles que lhes confira uma nova
individualidade, caracterizada pelo fato de estarem classificados na
Nomenclatura Aduaneira da Associação Latino-Americana de Integração em
posição diferente à dos mencionados materiais, exceto nos casos em que tais
Estados determinem que, ademais, se cumpra com o requisito previsto no
Artigo 2°. deste Anexo.
De acordo ainda com o mesmo artigo, serão considerados produzidos no território de
um Estado-membro:
-
os produtos dos reinos mineral, vegetal ou animal, incluindo os de caça e
pesca, extraídos, colhidos ou apanhados, nascidos e criados em seu território
ou em suas águas territoriais ou zona econômica exclusiva;
-
os produtos do mar extraídos fora de suas águas territoriais e zona econômica
exclusiva por barcos de sua bandeira ou arrendados por empresas estabelecidas
em seu território;
-
os produtos que resultem de operações ou processos efetuados em seu território
pelos quais adquiram a forma final em que serão comercializados.
79
Para que a importação dos produtos originários destes Estados possa beneficiar-se das
reduções de gravames e restrições outorgadas entre elas, na documentação correspondente às
exportações de tais produtos, deverá constar uma declaração que certifique o cumprimento
dos requisitos de origem estabelecidos.
5.2.5. Cláusulas de Salvaguarda
As cláusulas de salvaguarda para o Mercosul são estabelecidas quando a importação
de determinado produto causar dano ou ameaça de dano ao mercado de qualquer dos Estadosmembros.
Por outro lado, a determinação do dano ou ameaça de dano deverá ser analisada,
considerando os vários aspectos em conjunto, tais como o nível de produção e capacidade
utilizada, o nível de emprego e participação no mercado, não se constituindo nenhum dos
fatores, por si só, um critério decisivo para a determinação do dano.
Devido à profundidade no grau de integração pretendido pelo Mercosul e a brevidade
dos prazos previstos para sua concretização, são imprescindíveis a vontade política e a
cooperação das sociedades envolvidas, com a participação de todos os setores interessados no
processo.
Verifica-se, portanto, que, para que o Mercosul atue de forma plena, faz-se necessário
o desenvolvimento de uma política comercial, conjuntamente desenvolvida no âmbito externo
e interno.
Nesse sentido, a política tributária ocupa posição de destaque quando da
implementação de um Mercado Comum. A harmonização da política fiscal, levando-se em
conta a instabilidade cambial da região, é tema que gera profundas modificações
imediatamente percebidas no âmbito das relações comerciais.
80
5.3. O SISTEMA TRIBUTÁRIO DOS ESTADOS-MEMBROS DO MERCOSUL
Antes de ser iniciada a abordagem propriamente dita da harmonização tributária no
âmbito do Mercosul, faz-se necessário apresentar, de forma ainda que sucinta, o cenário
tributário dos países que integram o bloco econômico.
5.3.1. O Sistema Tributário Argentino
A Constituição Argentina, diferentemente da brasileira, não sistematizou o direito
tributário, tendo, no que tange esta matéria, além da divisão de competência, caráter
principiológico, não esgotando o tema em sua rigidez. O Sistema Tributário Argentino é
composto por três classes de tributos: impostos, taxas e contribuições de melhoria. A
Constituinte Argentina não dedicou nenhum capítulo ao Sistema Tributário, delegando ao
legislador ordinário a competência impositiva.
O artigo 7554 da Constituição Argentina classifica os tributos em diretos e indiretos e
de acordo com esta classificação distribui as competências tributárias.
Conforme o texto Constitucional, verifica-se que os impostos indiretos são de
competência concorrente entre as províncias e o Estado Federal, excetuando-se desta
distribuição somente impostos aduaneiros, que são de competência exclusiva do Estado
Federal. Entretanto, respeitando a competência tributária do Estado Federal e das províncias
com relação aos impostos indiretos, verificamos que o principal imposto sobre o consumo
argentino (IVA) é arrecadado pelo Estado Federal, o qual acabou por gerar uma assimetria a
54
Artículo 75 – Corresponde el Congresso
[...]2. Imponer contribuiciones indirectas como facultad concurrente com las provincias.
Imponer contribuciones directas, por tiempo determinado, proporcionalmente iguales em todo el território de la
Nación, siempre que la defensa, seguridad comum y bien general del Estado lo exijan. Las contribuciones
previstas em este inciso, com excepción de la parte o el total de lás que tengan asignación especifica, son
coparticipables.
81
partir do momento em que a arrecadação é distribuída entre o ente federal e as Províncias,
conforme será abordado no próximo capítulo.
Por outro lado, assim como o Brasil, possui inúmeros tributos, fato este que também é
explicado pela extensão territorial. Todavia, é o país pioneiro no estabelecimento do Imposto
Sobre Valor Agregado (IVA), possuindo também imposto específico sobre determinados
produtos.
5.3.2. O Sistema Tributário Brasileiro
O Brasil, no rol dos países sul-americanos, é aquele que trata exaustivamente de toda a
matéria tributária em sua Constituição, bem como aquele que possui a maior carga tributária
do grupo.
O sistema tributário brasileiro, apresentado inicialmente pela Constituição Federal de
1988, engloba cinco espécies tributárias: impostos, taxas, contribuições sociais, contribuições
de melhoria e empréstimo compulsório55. O sistema traçado na Carta Magna é
complementado pelo Código Tributário Nacional e pela legislação ordinária dos entes
federados, União, Estados e Municípios.
Assim, a atribuição constitucional da competência em matéria tributária compreende a
competência legislativa plena, ou seja, têm os entes federativos competência para determinar
as hipóteses de incidência, base de cálculo, alíquota, sujeito passivo e todos os outros
mecanismos que envolvem os procedimentos tributários, desde seu lançamento até a
fiscalização.
Ressalta-se, no entanto, que a Constituição prevê no seu artigo 154, I56, a competência
residual da União Federal para instituir outros impostos, desde que sejam não-cumulativos e
55
56
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 321.
Artigo 154, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988 - A União poderá instituir:
82
não possuam fato gerador ou bases de cálculo iguais àqueles previstos na Constituição
Federal.
O que mais chama a atenção no sistema brasileiro é a grande quantidade de tributos, o
grau de complexidade em que o sistema tributário encontra-se organizado e a forma de
distribuição da competência do imposto sobre consumo, ou seja, nas três esferas políticas,
onde encontramos o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) com a União Federal, o
Imposto sobre o Consumo de Mercadorias e Serviços (ICMS) com os Estados da Federação e
o Imposto sobre Serviços (ISS) com os Municípios.
Tal divisão vem, como será demonstrado no tópico pertinente, dentro do processo de
consolidação do Mercosul, causando inúmeros transtornos e dificultando, ainda mais, o
projeto de reforma tributária interno, pois corresponde ao maior acesso orçamentário dos
entes da federação, resultando em cifras tão altas que acabam por corresponder, muitas vezes,
pela quase totalidade do orçamento destinado a determinados municípios. Vale ressaltar que
este também se configura como o principal obstáculo a ser superado para que a reforma
tributária interna ocorra.
5.3.3. O Sistema Tributário Paraguaio
A Constituição Paraguaia, tal como a Argentina, é bastante sucinta em se tratando de
competência, princípios e isenções. Possui, portanto, um sistema tributário bastante
simplificado, tributando, assim como o Brasil, o consumo.
I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam nãocumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição.
83
O Estado Paraguaio é unitário57, sendo o seu território dividido em Departamentos,
Municípios e Distritos, os quais dentro dos limites da legislação ordinária e da Constituição
gozam de autonomia política, administrativa e normativa para tratar de assuntos referentes a
seus interesses58.
A Constituição Paraguaia não apresenta especificamente nenhum capítulo destinado
ao sistema tributário. Nesse sentido, aborda em linhas gerais somente alguns princípios
tributários, tais como: o princípio da legalidade59, da igualdade60, da vedação ao confisco e da
capacidade contributiva61.
A Reforma do Sistema Tributário Paraguaio ocorreu a partir da década de 90 com a
promulgação da Constituição de 1992 e com a edição da Lei nº. 125/91. Foi instituído, então,
o IVA, em substituição ao Imposto sobre as Vendas de Mercadorias. O imposto é nãocumulativo, sendo liquidado mensalmente computando-se a diferença entre os débitos e os
créditos fiscais, estando as exportações desoneradas, sendo permitido aos exportadores, ao
final, recuperar o crédito que esteja afetado direta ou indiretamente às operações fiscais que
realizam.
5.3.4. O Sistema Tributário Uruguaio
57
Artículo 1º. – La República del Paraguay es para siempre libre e independiente. Se constituye en Estado social
de derecho, unitario, indivisible y descentralizado en la forma que se establecen esta Constitución y las leyes.
58
Artículo 156.
59
Artículo 44 – Nadie estará obligado al pago de tributos ni a la prestación de servicios personales que no hayan
sido establecidos pó la ley. No se exigirán fianzas excesivas ni se impondrán multas desmedidas.
Artículo 179 – Todo tributo, cualquiera sea su naturaleza o denominacíon, será establecido exclusivamente por la
ley, respondiendo a princípios económicos y sociales justos, así como a políticas favorables al desarrollo
nacional. es tambíén ptivativo de la ley determinar la mátria imponible, los sujeitos obligados y el caráter del
sistema tributário.
60
Artículo 46 – Todos los habitantes de la república son iguales em dignidad y derechos. No se admiten
discriminaciones. El estado removerá los obstáculos e impdirá los factores que lás mantegnam o lás propicien.
61
Artículo 181 – La igualdad es la base del tributo. Ningún impuesto tendrá caráter confiscatório. Su creación y
su vigência atendrán a la capacidad contributiva de los habitantes y lás condiciones generales de la economia del
país.
84
O Uruguai, diferentemente do Brasil, possui poucos impostos. Como a Argentina,
adotou o IVA sobre o consumo, não-cumulativo, que possui como fatos geradores a
circulação e importação de bens e a prestação de serviços.
O Estado Uruguaio é unitário, e dividido para fins administrativos em departamentos.
A Constituição Uruguaia, datada de 1967, assim como as Constituições da Argentina e do
Paraguai, não destinou um capítulo para tratar do Sistema Tributário, abordando tão somente
princípios limitativos ao poder de tributar62.
A estrutura do Sistema Tributário Uruguaio, assim como a do Paraguai anteriormente
apresentada, é bastante simples, existindo três impostos gerais: imposto societário, imposto
sobre o valor agregado e imposto sobre o capital.
Com a reforma realizada a partir da década de 70, o Uruguai modificou seu Sistema
Tributário objetivando modernizá-lo e, conseqüentemente, adequá-lo às transformações
geradas pelo processo de globalização, substituindo uma série de impostos específicos e
outros sobre vendas pelo IVA.
Assim como o modelo paraguaio, o sistema adotado pelo Uruguai é bastante simples,
mas ao adotar o IVA fica mais próximo do ideal de harmonização necessário à consolidação
do Mercosul.
5.3.5. O Sistema Tributário Venezuelano
62
Artículo 298 – La ley, que requerirá la inicitiva del Poder Ejecutivo y por el voto de la maioria absoluta del
total de componentes de cada Câmara, podrá:
Sin incurrir em superposiciones impositivas, extender la esfera de aplicación de los tributos departamentales, asi
como ampliar las fuentes sobre las cuales éstos podrán recaer.
Destinar al desarrollo del interior del país y a la ejecución de las políticas de desentralización, uma alicuota de
los tributos nacionales recaudados fuera del departamento de Montevideo.
Exonerar temporariamente de tributos nacionales, asi como rebajar sus alícuotas, a las empresas que se instalaren
em el interior del país.
85
Historicamente a Venezuela tinha sua principal fonte tributária concentrada nos
derivados de petróleo e hidrocarbonetos, não apresentando, devido à simplicidade do sistema
e à escassez de fontes, maturidade no campo da tributação.
A Constituição Venezuelana, em seus artigos 316 e 31763, estabelece que toda pessoa
deve contribuir com os gastos públicos por meio do pagamento de tributos, impostos, taxas e
contribuições, respeitando sempre a capacidade econômica do sujeito passivo, visando, assim,
que o Estado possa cumprir com sua obrigação de proteger a economia nacional e estabelecer
um nível de vida adequado ao povo.
As mudanças ocorridas nos últimos anos no cenário mundial e na América Latina
exigiram da Venezuela uma gama de transformações que fossem capazes de alcançar,
efetivamente, o objetivo constitucional. Assim ocorreu com a propositura do IVA em 1989,
que paulatinamente foi se sobrepondo aos outros tributos que compunham o sistema
venezuelano.
Adotou-se, também, um sistema de contribuições especiais com o intuito de atender e
controlar os contribuintes de maior significação fiscal.
O ápice das transformações tributárias vivenciadas pela Venezuela ocorreu com a
promulgação da Constituição de 1999, que passou a ocupar posição considerável na estrutura
do país.
63
Artículo 316 – El sistema tributario procurará la justa distribución de las cargas publicas según la capacidad
económica del o la contribuyente, atendiendo al principio de progresividad, así como la protección de la
economía nacional y la elevación del nivel de vida de la población; para ello se sustentará en un sistema eficiente
para la recaudación de los tributos.
Artículo 317 – No podrá cobrarse impuestos, tasas, ni contribuciones que no estén establecidos en la ley, ni
concederse exenciones y rebajas, ni otras formas de incentivos fiscales, sino en los casos previstos por las leyes.
Ningún tributo puede tener efecto confiscatorio.
No podrán establecerse obligaciones tributarias pagaderas en servicios personales. La evasión fiscal, sin
perjuicio de otras sanciones establecidas por la ley, podrá ser castigada penalmente.
En el caso de los funcionarios públicos o funcionarias públicas se establecerá el doble de la pena.
Toda ley tributaria fijará su lapso de entrada en vigencia. En ausencia del mismo se entenderá fijado en sesenta
días continuos. Esta disposición no limita las facultades extraordinarias que acuerde el Ejecutivo Nacional en los
casos previstos por esta Constitución.
La administración tributaria nacional gozará de autonomía técnica, funcional y financiera de acuerdo con lo
aprobado por la Asamblea Nacional y su máxima autoridad será designada por el Presidente o Presidenta de la
República, de conformidad con las normas previstas en la ley.
86
5.3.6. O Sistema Tributário nos Países Associados
Com sistemas tributários simplificados, os países associados ao Mercosul: Bolívia,
Chile, Equador, Peru e Colômbia, adotam o sistema do IVA, Imposto sobre Valor Agregado,
o que por si só já facilita alguns ajustes que tendem a consolidar a perspectiva, aqui
defendida, de harmonização da legislação tributária no bloco regional.
Vale ressaltar que tais países disciplinam em suas constituições nacionais, assim como
ocorre no caso paraguaio e uruguaio em especial, somente regramentos gerais sobre
tributação, apresentando características de cunho principiológico, que visam resguardar a
segurança jurídica e a questão da capacidade contributiva, bem como regramentos que tratam
da competência em matéria tributária.
Dessa forma, em legislações específicas, tributam algumas atividades econômicas,
pautando-se suas alíquotas de acordo com sua importância no cenário interno de ente, bem
como algumas atividades específicas como as ligadas ao tabaco e aos combustíveis.
87
6. HARMONIZAÇÃO DO DIREITO TRIBUTÁRIO NO MERCOSUL
Segundo Leonardo Correia Lima Macedo, diante da constante necessidade de tributar
mercadorias transacionadas no comércio internacional, surgiu uma tendência mundial para o
estabelecimento de acordos e convenções destinados a padronizar e uniformizar a
identificação da mercadoria, a origem e a base de cálculo. Assim, o núcleo central da
perspectiva de harmonização da tributação no comércio internacional e mais especificamente
no Mercosul, tem por base os seguintes acordos internacionais: OMA – Convenção do
Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias; OMC – Acordo Sobre
a Implementação do Artigo VII do GATT, 1994 (Acordo de Valoração Aduaneira); OMC –
Acordo Sobre Regras de Origem; ALADI – Acordo de Complementação Econômica n.º18
(ACE18- Mercosul); Mercosul – Decisão do CMC n.º1/2004 – Regras de Origem.64
Harmonizar implica efetuar certas forças nos ordenamentos nacionais visando à
criação de semelhanças entre os países envolvidos, com o objetivo de obter os resultados
perseguidos. Perspectiva diferente adota-se ao tratar da uniformização, a qual tem como
objetivo tornar idênticos os ordenamentos dos Estados comprometidos com o processo de
integração.
Logo, em última instância, significa, na ótica pretendida pelo presente ensaio, criar
semelhanças entre as normas dos Estados-membros, de modo a facilitar a livre circulação de
bens, pessoas e fatores produtivos.
O processo de globalização, acelerado a partir dos anos 90, vem transformando
decisivamente a economia mundial. Tal globalização tem sido comumente associada a um
processo positivo de integração das economias mundiais, relacionado à flexibilização dos
movimentos de mercadorias, capitais e pessoas entre países.
64
MACEDO, Leonardo Correia Lima. Direito Tributário no Comércio Internacional. São Paulo: Lex Editora,
2005, p.48.
88
A obtenção de um mercado comum no Mercosul, livre das barreiras alfandegárias,
onde a mobilidade dos fatores e a informação possuam agilidade e baixo custo de transação,
tem como objetivo o aumento do bem-estar social e a melhor alocação dos recursos
econômicos.
A harmonização do direito tributário torna-se, desta forma, o processo mediante o qual
os governos dos países afetados por essas distorções buscarão acordar sobre a estrutura e o
nível de coerção de seus sistemas tributários, minimizando os efeitos da tributação sobre as
decisões de consumo e produção, independentemente da localização geográfica e da
nacionalidade.
Vale ressaltar, mais uma vez, que harmonização tributária não significa igualar
totalmente alíquotas e/ou bases tributárias em vários países e em todos os tributos. O que se
pretende é obter um mercado globalizado que seja consistente com o menor grau possível de
distorções. Nesse sentido, há necessidade de aproximar a legislação tributária pertinente entre
todos os países membros do Mercosul, devendo merecer maior destaque o estudo sobre os
aspectos constitucionais, guardadas as peculiaridades da estrutura política e administrativa de
cada Estado-membro.
Fabio Ulhoa Coelho, em seu Curso de Direito Comercial, afirma que:
Alguns autores consideram que a harmonização das legislações dos países
integrantes do mercado comum deve alcançar um arco bastante largo de regimes
jurídicos (...). No meu modo de entender a questão da harmonização pressuposta do
desenvolvimento do processo de integração refere-se a um capo normativo bem
restrito e delimitável. A construção do mercado comum, em suma, depende
fundamentalmente de um “direito-custo harmonizado”. Isto é, a integração
legislativa diz respeito às normas jurídicas que interferem direta ou indiretamente
nos custos da produção e demais atividades econômicas65.
A harmonização fiscal, em um contexto de integração, é uma das opções que de algum
modo minimizam distorções políticas, econômicas e tributárias para a concretização de um
mercado comum e, em última instância, de uma autêntica união econômica. Nesse sentido,
vale delimitar o alcance do termo distorção para englobar a existência de discriminação de
65
COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 61.
89
origem fiscal que altera as condições de concorrência em um mercado integrado, de tal sorte
que provoque modificações apreciadas nas relações comerciais.
A atividade de harmonização tributária implica a participação comunitária no
exercício do poder de tributar nos territórios dos Estados-membros. Afirma-se, assim, que a
harmonização é a adoção em nível comunitário de regras que tendem a assegurar o bom
funcionamento do mercado comum e que devem ser adaptadas às legislações nacionais por
meio de dois mecanismos principais: a adoção de uma norma comunitária de aplicação
obrigatória para os Estados-membros e a adaptação das normas internas ao direito
comunitário, evitando, sob este aspecto, a criação de novas distorções.
No mesmo sentido, Heleno Torres66 afirma que:
Funcionalmente falando, a harmonização se constitui num procedimento, numa
técnica jurídica voltada para a eliminação das disparidades existentes, que se
caracteriza pelo entrechoque de regras no pluralismo das ordens normativas insertas
e coordenadas no mesmo espaço territorial, o espaço de integração, com o fim de
estabelecer uma disciplina legislativa comum sobre matérias tributárias específicas,
para possibilitar a redução dos obstáculos e distorções econômicas não-passíveis de
imediata uniformização. Tudo isso confluindo na definição de critérios para o
regime impositivo e para a coordenação dos procedimentos administrativos de
arrecadação e de fiscalização, destinados a assegurar uma aplicação uniforme dos
impostos e a manter os níveis de arrecadação nos períodos seguintes.
Tal fato implica em afirmar que a titularidade do poder normativo, aqui especificado
em relação à matéria tributária, não pode mais anunciar uma expressão unilateral do Estadomembro. Ela deve expressar a vontade compartilhada entre os Estados e a Comunidade em
formação.
Conforme será observado nos tópicos seguintes, o setor que se projeta prioritariamente
à atividade de harmonização fiscal é aquele abrangido pelos impostos indiretos. Tal afirmativa
se dá justamente pelo fato de que estes têm uma maior incidência nas trocas internacionais e
são quantificados com facilidade. Nesse sentido estabeleceremos nossa posição em relação ao
Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
66
TORRES, Heleno. Mercosul e o conceito de harmonização na tributação das rendas das empresas. In:
Revistas dos Tribunais, ano 6, nº. 22, jan./mar. 1998. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1998, p. 261.
90
Adilson Rodrigues Pires, no sentido apresentado ao longo do presente ensaio, se alinha
ao afirmar que a harmonização:
(...) consiste em trabalho mais abrangente, envolvendo todas as pessoas afetadas
pelo mercado comunitário, quais sejam empresários, autoridades e, em sentido ainda
mais amplo, os juristas e doutrinadores, visto que a tarefa envolve interesses
corporativos e experiência e técnica.
A regra hoje deve ser superada pelo sistema. A unificação resultaria numa espécie
de camisa de força, na qual não caberia a complexidade da vida econômica atual,
enredada no processo de globalização, que interliga capital e interesses de várias
matizes em uma aplicada malha pela prevalência de normas comunitárias67.
Ressalta-se que a harmonização fiscal é um processo lento e contínuo, capaz de
respeitar as estruturas dos Estados-membros para obter um real funcionamento e
concretização dos objetivos perseguidos pelo mercado comum. É também um meio eficaz de
organizar a coexistência da diversidade de legislações existentes em um bloco integrado e,
neste sentido, mais uma vez merecem destaque as palavras do Professor Fabio Ulhoa Coelho
ao afirmar que a harmonização, ainda que levada a cabo por todos aqueles envolvidos no
processo de integração, deve limitar-se a um campo restrito e necessário ao funcionamento do
bloco.
Logo, no âmbito do Direito Internacional Público, a competência tributária dos
Estados-membros para o bom funcionamento e consolidação do bloco que visam integrar,
deve cingir-se às pessoas que com eles se relacionem. Para tanto, vale lembrar que se faz
necessária a adoção de regras de delimitação das potestades fiscais no plano internacional,
regras estas que podem sofrer variações de acordo com o imposto cuja harmonização é
objetivada68.
67
PIRES, Adilson Rodrigues. Harmonização tributária em processos de integração. In: Estudos de Direito
Tributário em Homenagem à Memória de Gilberto Ulhôa Canto. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 9.
68
COELHO, Sacha Calmon Navarro. Os impostos sobre o consumo no Mercosul. In: Revista dos Tribunais,
ano 2, nº. 5, out./dez. 1993. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1993, p. 89.
91
6.1. PERSPECTIVAS DE HARMONIZAÇÃO
Inicialmente devem ser ressaltados os motivos pelos quais se faz necessária a
harmonização tributária.
É importante frisar que com a harmonização procura-se, de maneira geral,
compatibilizar os sistemas tributários, efetuando modificações na legislação e nas práticas
pertinentes à matéria, com a finalidade de eliminar distorções, respeitando-se as identidades
nacionais, os valores éticos e a diversidade cultural e sócio-econômica dos povos, que
determinam, em grande parte, diferenças nos sistemas tributários.
Cabe destacar, então, que o principal objetivo da harmonização é chegar a sistemas
nacionais que permitam, ao mesmo tempo, conciliar os objetivos de integração econômica
com o respeito às identidades nacionais, não afetando a “intocada” soberania dos Estadosmembros.
Fato é que o sistema tributário pode se tornar um fator limitativo à integração
econômica. Como todo processo de integração econômica, ele requer certo grau de
harmonização tributária, cuja intensidade se vincula com o tipo de integração pretendida.
Nesse caso, quanto mais o processo se desenvolve, mais se deve avançar em termos de
harmonização tributária.
Na Comunidade Européia, os esforços no sentido da harmonização tributária após
1985 propiciaram a superação de uma fase de estagnação do processo de integração
econômica e o início de uma nova etapa, na qual se constituiu, em oito anos, o mercado único
sem fronteiras, com circulação livre de bens, serviços e fatores. Isto só foi possível porque os
avanços em termos de harmonização dos sistemas tributários evitaram que surgissem
distorções capazes de tornar politicamente insustentável o processo de integração em
desenvolvimento.
92
Para que se possa cumprir com o organograma estabelecido pelo Tratado de Assunção,
a realização de uma política tributária coordenada se faz extremamente necessária. Teríamos,
assim, subido o primeiro degrau em direção à harmonização.
Afirma-se, em acordo com a realidade em que se encontram os países mercosulistas,
que a harmonização está longe de ser uma tarefa fácil, dependendo, antes de qualquer coisa,
da vontade política dos governantes dos países-membros. As mesmas razões que a fazem
inerente ao sucesso do processo de integração fazem dela um campo de batalhas, traduzidas
em constantes negativas envolvidas com noção tão próxima quanto a de soberania ou ainda
relacionada à possível diminuição do produto da arrecadação interna.
Ao traçar, em linhas gerais, os objetivos do Mercosul, destacamos que este é gradual e
flexível, o mesmo pode ser dito em relação à necessidade de se implementar a harmonização
tributária.
Todos os projetos de coordenação política têm como custo alguma limitação da
soberania das partes envolvidas, devendo-se levar em conta as vantagens frente aos prejuízos
da citada perda. Essa limitação de soberania, que no campo do direito tributário pode ser
definida como perda parcial dos poderes tributários, pode ser sentida no âmbito interno e
externo.
No caso do Mercado Comum do Sul, tal obstáculo é potencializado, pois os dois
países de maior força econômica – Brasil e Argentina – somam às complexidades próprias da
harmonização os diferentes graus de compromisso com o processo de integração, pois, como
é sabido, os objetivos conflitantes são inúmeros.
Destaca-se, neste quadro, que, em última instância, a grande dificuldade para
viabilizar a harmonização tributária no Mercosul se encontra no Brasil, primeiro porque o
sistema tributário brasileiro está, em sua totalidade, previsto na Constituição e segundo por
93
sua tamanha complexidade, possuindo, inclusive, três níveis de competência para o imposto
sobre consumo, conforme será observado no momento pertinente.
Nesse sentido, vale ressaltar que o sucesso da integração é contabilizado pela
capacidade dos Estados-membros em superarem seus interesses nacionais em prol dos
interesses regionais, o que em outros campos, que não o tributário, vem sendo bastante
proveitoso.
Visando obter uma visão mais clara sobre o tema, destacamos alguns aspectos que
devem ser considerados quando do exame da importância de se estabelecer a harmonização
do sistema tributário dos Estados integrantes do Mercosul:

Evitar a dupla tributação, o que possivelmente só irá ocorrer no momento em
que houver a utilização de normas tributárias de diferentes países sem qualquer
restrição;

Evitar possíveis alterações nos mecanismos de concorrência que regem as
relações econômicas dentro do próprio bloco;

Evitar a não-tributação, pelas mesmas razões que se explicam a possibilidade
de dupla tributação;

Solidificar o mercado intra-regional, o que, mesmo com um volume não muito
expressivo, permite aos países integrantes do Mercosul uma maior liberdade
comercial e das conseqüentes vantagens;

Ampliar a capacidade de negociação do Mercosul, como bloco, com outras
regiões do globo69.
69
NOGUEIRA, Alberto. Mercosul, harmonização tributária e comércio intra-regional: raízes e perspectivas
(globalização e tributação). In: Revista de Ciências Sociais, v. 4, nº. 1, p. 7-37. Rio de Janeiro: UGF, junho de
1998, p. 30.
94
6.2. PRINCÍPIOS APLICÁVEIS À HARMONIZAÇÃO TRIBUTÁRIA
A criação de um mercado comum integrado, à medida que supõe e impõe uma
limitação ao poder de tributar e ao próprio exercício do poder financeiro, incide no
ordenamento interno dos Estados-membros. Nesse aspecto, imprescindível tratar, quando do
tema harmonização tributária, sobre os princípios que irão nortear os caminhos percorridos
pela aproximação das legislações pertinentes.
Assim, a nova concepção do conceito de soberania estatal supera os princípios
clássicos de inalienabilidade e indelegabilidade, possibilitando quando em um “mundo
integrado” o exercício conjunto de uma das facetas que estruturam o poder estatal. No
entanto, o ingresso de um Estado em um processo de integração não significa por si só uma
restrição ao exercício de sua soberania, mas, em última análise, este ingresso é em si mesmo a
expressão livre de uma vontade soberana.
A transferência de competências para o exercício compartilhado do poder de tributar
não implica, necessariamente, em uma limitação ou delegação da soberania estatal, mas sim,
por razões políticas e econômicas, em uma nova maneira de exercê-la.
Afirma-se, assim, que a Comunidade contém uma nova autonomia de poder e ação em
virtude de uma vontade comum dos Estados-membros.
Em se tratando de Mercosul, o princípio mais importante está consagrado no artigo 2º.
do Tratado de Assunção, in verbis: “O Mercado Comum estará fundado na reciprocidade de
direitos e obrigações entre os Estados”.
Tal dispositivo representa, em nível comunitário, a consagração do princípio da
isonomia, devendo, respeitadas as diferenças, serem os Estados-membros tratados no cenário
intra e extra bloco da mesma forma, sem quaisquer benefícios ou restrições que alterem sua
posição na Comunidade.
95
O artigo 7º. do Tratado de Assunção consagra o princípio da não-discriminação ao
dispor que: “Em matéria de impostos, taxas e outros gravames internos, os produtos
originados do território de um Estado-parte gozarão, nos outros Estados-partes, do mesmo
tratamento que se aplique ao produto nacional”.
A adoção da TEC, conforme mencionado nos capítulos anteriores, ao respeitar as
diferenças econômicas dos Estados-membros, nivelando e distribuindo de forma igualitária os
direitos próprios da inserção em um bloco como o Mercosul, consagra o princípio da nação
mais favorecida.
Ao optar pela adoção do princípio da nação mais favorecida, o Mercosul,
conseqüentemente, traz à tona o ideal de harmonização, reconhecendo que o bom
funcionamento de um bloco econômico somente se fará se houver respeito às particularidades
de cada país-membro ao atingir um tratamento fiscal semelhante, assim como é demonstrado
pela Lista de Exceção Tarifária.
6.3. HARMONIZAÇÃO DOS TRIBUTOS ADUANEIROS
Em se tratando de um projeto que visa à constituição de um mercado comum, a
harmonização dos tributos aduaneiros é a primeira etapa para a concretização da integração.
Nesse sentido, o objetivo concentra-se justamente na eliminação de barreiras alfandegárias
quando da realização de comércio intrabloco, por meio essencialmente do estabelecimento de
uma TEC.
A TEC, com base na harmonização dos tributos aduaneiros, essencialmente tributos
sobre importação, deve fixar todos os elementos hábeis da obrigação tributária,
harmonizando, desta forma, a política tarifária do bloco em formação.
96
Os objetivos pretendidos com a harmonização dos tributos aduaneiros se coadunam
com o previsto no artigo 5º. do Tratado de Assunção e no 19º. do Protocolo de Ouro Preto,
isto é:
Artigo 5º. – Durante o período de transição, os principais instrumentos para a
constituição do Mercado Comum são:
c – Uma tarifa externa comum, que incentiva a competitividade externa dos EstadosPartes.
Artigo 19 – São funções e atribuições da Comissão de Comércio do Mercosul:
II. Considerar e pronunciar-se sobre as solicitações apresentadas pelos EstadosPartes com respeito à aplicação e ao cumprimento da tarifa externa comum e dos
demais instrumentos de política comercial comum;
V. Tomar as decisões vinculadas à administração e à aplicação da tarifa externa
comum e dos instrumentos de política comercial comum acordados pelos EstadosPartes;
VII. Propor ao Grupo Mercado Comum novas normas ou modificações às normas
existentes referentes à matéria comercial e aduaneira do Mercosul;
VIII. Propor a revisão das alíquotas tarifárias de itens específicos da tarifa externa
comum, inclusive para contemplar casos referentes a novas atividades produtivas no
âmbito do Mercosul.
Afirma-se, portanto, que com relação ao Imposto de Importação, é necessário
estabelecer um tributo sobre a importação comum a todos os Estados-membros. Logo,
ressalvada a lista de exceções à TEC, é defeso aos países integrantes do Mercosul a incidência
de direitos aduaneiros no ingresso de mercadorias originárias do bloco, assim como deverão
estabelecer a mesma tributação para a manutenção de relações comerciais com terceiros
países.
Dessa maneira, com o intuito de evitar contradições e distorções no regime tributário
harmonizado, a Tarifa Externa Comum deve conter a nomenclatura das mercadorias
estabelecidas pelo bloco, as nomenclaturas dos Estados-partes, que serão subdivisões
daquelas anteriormente citadas, as alíquotas que incidirão sobre cada uma das mercadorias,
bem como aquelas aplicáveis às relações comerciais com países não integrantes do Mercosul
e as hipóteses em que serão aplicadas medidas de tributação preferencial ou incentivos fiscais.
Convém, por outro ângulo, ressaltar que, no tangente ao Imposto de Exportação, na
saída de mercadorias para um dos países parceiros, a forma como será realizada a
harmonização tributária não está tão clara.
97
Certo que o artigo 5º. do Tratado de Assunção não versou acerca da disciplina
aplicável ao Imposto de Exportação, ficando tal incumbência com o CMC, que estabeleceu na
Decisão nº. 10/1994 – harmonização para a aplicação e utilização de incentivos às
exportações pelos países do Mercosul – os seguintes termos:
Artículo 3º. – Los Estados-partes se abstedrán de utilizar incentivos de tipo
cambiario que impliquen el otorgamiento de subsidios, entendiéndose como ales,
sistemas de tipo de cambio múltiples u otros que discriminen en favor de
operaciones de exportación o importación o de determinados productos de
exportación o importación.
Artículo 4º. – Los Estados-partes podrán conceder créditos de fomentos y
financiamiento a sus exportaciones cuando los mismos sean otorgados en
condiciones, de plazos y tasas de interés, compatibles con las aceptadas
internacionalmente en operaciones equivalentes.
Articulo 5º. – Los Estados-partes podrán reintegrar, total o parcialmente, los
impuestos indirectos pagados por los exportadores o acumulados a lo largo de las
etapas anteriores de producción de los bienes exportados, conforme a las
disposiciones del Acuerdo General de Aranceles y Comercio (GATT). El nivel del
reintegro no excederá la incidencia de los impuestos indirectos sobre las ventas o
sobre el consumo efectivamente pagados por los exportadores o acumulados en las
etapas anteriores de producción.
Articulo 6º. – Los Estados Partes podrán eximir del pago de tributos internos
indirectos a los bienes destinados a la exportación. Articulo 12º - Los incentivos a
las exportaciones no serán aplicables al comercio intrazona, con las excepciones
enunciadas seguidamente:
a) financiamiento a las exportaciones de bienes de capital a largo plazo: podrá
otogarse bajo las condiciones expuestas en el Artículo 4º.
b) devolución o exención de impuestos indirectos: podrán reintegrarse o eximirse
en las condiciones previstas en los Arts. 50 y 60, hasta tanto queden
armonizadas las condiciones que garanticen un tratamiento tributario en forma
igualitaria a las producciones localizadas en el ámbito del Mercosur.
c) regímenes aduaneros especiales: podrán ser concedidos bajo las condiciones
establecidas en los Artículos 9, 10 y 11, para los insumos, partes o piezas
utilizados en la elaboración de bienes sujetos a las disposiciones de los párrafos
primero y segundo del Articulo 2 referido al Ámbito de Aplicación delRégimen
de Origen MERCOSUR. La Comisión de Comercio del MERCOSUR analizará
los alcances y limitaciones de la utilización de estos regímenes en el comercio
intraregional y propondrá los ajustes que resultaren necesarios para preservar la
protección derivada del Arancel Externo Común.
Em se tratando de Impostos Aduaneiros, os critérios são o do país de origem e do país
de destino. Pelo primeiro critério, a tributação é realizada no país onde são produzidas as
mercadorias. Pelo segundo, o do país de destino, a tributação é realizada no país em que as
mercadorias são consumidas. Neste último critério, não há, desde que inexistente barreiras
fiscais, interferência da tributação nos fluxos comerciais, pois independe da carga tributária
dos países em negociação.
98
Logo, a partir de uma análise simples da Decisão 10/94 do CMC, tal qual acontece na
União Européia, é mantido o regime de tributação no destino do comércio intrabloco, o que
implica em dizer que a carga tributária pode ser transferida para o local de consumo do bem
exportado.
Pelo que foi exposto até aqui, percebe-se que ao priorizar, em um primeiro momento,
a harmonização dos tributos aduaneiros, objetiva-se o próprio funcionamento do bloco
econômico em constituição, bem como a consagração do princípio da não-discriminação, já
anteriormente mencionado.
Ainda com relação à harmonização dos tributos aduaneiros, ressalta-se a importância
do Certificado de Origem, o que naturalmente aponta para a necessidade de comprovação da
origem de mercadorias comercializadas no Mercosul para a adoção de tratamento tarifário
preferencial.
Nesse sentido, de grande valia a lição de Edson Fernandes:
Mediante a comprovação da origem comunitária do produto ou mercadoria é que se
consumam os benefícios dados pelo estabelecimento de uma União Aduaneira. Por
isso nas transações comunitárias, para que não haja a incidência de gravames
aduaneiros, é preciso que seja demonstrado mediante documentação comprobatória,
que a origem assim definida na legislação comunitária, é de um dos cinco (alteração
nossa) membros do Mercosul70.
No entanto, convém ainda mencionar que, embora o Mercosul esteja caminhando no
sentido da harmonização tributária, hipóteses de bi-tributação continuam a enfraquecer as
relações mantidas no plano interno e externo do bloco econômico, o mesmo afirma-se em
relação às inúmeras ocorrências de evasão fiscal.
70
FERNANDES, Edison Carlos. Normas Tributárias do Mercosul. In: Direito Tributário do Mercosul. Rio de
Janeiro: Forense, 2000, p. 151.
99
6.4. HARMONIZAÇÃO DOS TRIBUTOS SOBRE PATRIMÔNIO E RENDA
Diferentemente do que ocorre com os tributos aduaneiros, a harmonização dos tributos
sobre patrimônio e renda configuram a última etapa do processo de integração no campo da
tributação.
No que tange a esta espécie tributária, os critérios mais adotados são o da residência e
o da fonte. O primeiro, da residência, objetiva tributar a totalidade das rendas e bens no
território do Estado tributado, independentemente da nacionalidade do sujeito passivo, bem
como de sua renda ou da localização dos seus bens. Já o segundo critério, da fonte, consiste
em tributar bens e rendas cujas localizações e fontes se encontrem no território do Estado
tributante, sem considerar o local de residência e a nacionalidade dos sujeitos passivos da
obrigação tributária.
Verifica-se que o critério da residência tende a predominar por satisfazer, em maior
escala, o princípio da igualdade, sendo adotado no modelo europeu de integração. Por outro
lado, no caso dos países em desenvolvimento, há preferência para a adoção do critério de
tributação na fonte.
Conforme mencionado, o critério de tributação na residência satisfaz, em maior grau,
o princípio da igualdade, porque alcança a totalidade dos bens e rendas do sujeito passivo.
Satisfaz, ainda no mesmo sentido, o princípio da neutralidade fiscal, uma vertente do
princípio da igualdade, ao anular os incentivos fiscais dos países que são importadores de
capitais e investimentos, o que implica, necessariamente, na diminuição do nível de evasão
fiscal.
É facilmente perceptível que a tributação do patrimônio e da renda possuiu papel
delicado quando inserido na ótica da formação de um Mercado Comum. Fato é que tais
espécies representam a principal fonte de recursos financeiros dos Estados-membros, o que,
100
por si só, dificulta o longo caminho para a harmonização. Nesse sentido, basta imaginar que,
se no Mercosul é possível apontar para a falta de vontade política na concretização dos
objetivos do Tratado de Assunção quando se enfoca questões sem cunho essencialmente
econômicos, mais árduo ainda é o percurso no campo da tributação sobre o patrimônio e a
renda.
Como objetivo de fazer prevalecer a igualdade de tratamento entre os Estadosmembros, a harmonização dos tributos sobre patrimônio e renda garante, em relação às
pessoas jurídicas, a distribuição dos investimentos empresariais, evitando, assim, a
concentração de riquezas em um ou outro país que tribute o lucro ou o patrimônio com cargas
mais baixas71.
Com relação às pessoas físicas, esta hipótese de harmonização tributária garante a
diminuição dos níveis de evasão fiscal, ou mesmo a transferência ou concentração de divisas
nos chamados paraísos fiscais.
No âmbito do Mercosul, no que tange ao processo de eliminação da bi-tributação, são
os Estados-membros livres para aplicarem as medidas que acharem convenientes. Nesse
sentido, não traz o Tratado de Assunção, até por consagrar o caráter intergovernamental do
bloco, medidas que priorizem a eliminação da pluritributação por medidas unilaterias
(isenções, deduções e etc.) ou multilaterais por meio da utilização de instrumentos próprios do
Direito Internacional (tratados), o que mais uma vez aponta para a necessidade de vontade
política.
Resta esclarecer, no que tange à harmonização dos tributos sobre patrimônio e renda,
ainda que de menor relevância no início do percurso que leva à concretização de um mercado
71
Heleno Torres, neste sentido, afirma: “A manutenção de divergências entre as legislações ficais, de certa
forma, mas não de modo decisivo, condiciona manobras empresariais para a alocação dos investimentos. Em
face desse inconveniente a neutralidade fiscal deve ser implementada de tal modo a impedir que as empresas,
para decidir sobre a melhor foma de organização (comercial), procurem tomar em consideração aspectos ficais,
prioritariamente, em particular o nível de pressão fiscal do país de interesse. TORRES, Heleno. Pluritributação
internacional sobre as rendas de empresas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 264.
101
comum, que não basta, no episódio concreto, a mera aproximação ou unificação de
legislações. Faz-se necessário, neste caso, a elaboração de uma política coordenada de
fiscalização.
6.5. HARMONIZAÇÃO DOS TRIBUTOS SOBRE CIRCULAÇÃO E CONSUMO
A tributação no perímetro interno dos Estados-membros possui ampla relevância em
um cenário de integração econômica, sendo certo que a incidência tributária determina o custo
do bem e estabelece a relação entre os produtos nacionais e importados, ainda que somente no
cenário intrabloco, o que já representa parcela considerável da arrecadação estatal.
No âmbito mundial e no Mercosul, em se tratando de tributos sobre circulação, o
Imposto sobre Valor Agregado (IVA) aparece como fator principal no cenário da tributação
indireta. Por conseguinte, iremos, então, realizar algumas considerações a respeito do citado
tributo.
O IVA, assim como todos os tributos aduaneiros, pode adotar o princípio da
arrecadação na origem ou da arrecadação no destino, sendo este último mais difusamente
aplicado.
De grande utilização no mundo todo, o IVA com base no princípio da imposição
exclusiva no país de destino, da mesma forma como acontece na União Européia, em que se
agravam as importações e se desagravam as exportações, finda por facilitar a harmonização
das legislações tributárias. Dessa maneira, o Imposto sobre Valor Agregado é considerado o
melhor tributo para fins de harmonização tributária em relação aos países-membros do grupo
em formação.
Nesse sentido, vale citar Enrique Jorge Reig:
El camino para esta armonización está iluminado por as pautas claras que ha dado el
Mercado Común Europeo y qye han sido adoptadas, seguiendo sus normas, em
numerosos otros acuerdos. Ellas se refieren a la unificacíon del tratamiento de bienes
102
y servicios importados com los similares nacionales, la eliminacíon de los impuestos
interiores que pesen sobre el valor de los bienes y servicios exportados y el
perfeccionamiento de los esquemas de impuestos para facilitar tales propósitos y,
adémas, para evitar el uso de impuestos que producen una traslación acumulativa
que impide medir com precisión la carga de impuestos a reitegrar em el momento
de exportación, así como el evitar en el IVA, por defectos de estruturación, la
possibilidad de tal traslación72.
A mais importante característica do sistema do IVA é a sua forma de cobrança nãocumulativa, abatendo-se em cada operação pela qual circula a mercadoria, o valor do imposto
suportado na etapa anterior. Proporciona-se, assim, uma igualdade de tributação incidindo em
cada etapa da produção somente o valor a esta agregado.
Visto por esse ângulo, é um sistema de imposição tributária sobre o valor agregado
geral e uniforme que, muito embora possua peculiaridades e distinções em cada um dos
países-membros, quando da tributação indireta, apresenta como característica comum a
incidência em cada etapa dos processos industriais, produtivos e de comercialização de forma
não-cumulativa, sendo, portanto, deduzido do débito fiscal o crédito tributário obtido com o
pagamento na etapa anterior.
Ressalta-se, além disso, conforme a visão de Heron Arzua73, que, devido ao mesmo
sistema não-cumulativo, o Imposto sobre Valor Agregado termina por incentivar a
especialização empresarial, na medida em que as indústrias procuram concentrar-se numa
gama menor de produtos, uma vez que não conseguem mais perceber grandes vantagens no
processo de produção vertical.
Caminhando neste mesmo sentido e seguindo as lições de José Ricardo Meirelles74,
verificamos, pelas características até agora mencionadas, que o IVA proporciona inúmeras
vantagens, dentre as quais podemos citar: a neutralidade com relação à organização
empresarial, o controle recíproco no interior de um mecanismo privilegiado contra a evasão
72
REIG, Enrique Jorge. Armonizacion tributaria dentro del Mercosur. In: Revista del Colégio de Abogados de
Buenos Aires, Tomo 52, nº. 3, dec./1992, p. 51.
73
ARZUA, Heron. Mercosul e a uniformização dos impostos sobre circulação de mercadorias. In: Revista
Dialética de Direito Tributário, nº. 56, maio/2000, p. 64.
74
MEIRELLES, José Ricardo. Impostos Indiretos no Mercosul e Integração. São Paulo: LTR, 2000, p.35.
103
fiscal e a redução das distorções fiscais relativas aos bens internacionalmente
comercializados.
No Mercosul vigora, em relação aos tributos sobre circulação e consumo, o regime do
Imposto sobre Valor Agregado, restando apenas o Brasil como exceção ao modelo adotado
pela Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela. No entanto, as diferenças das alíquotas nos
países que aditam o modelo de harmonização aqui proposto, faz com que as desigualdades no
tratamento tributário cresçam paulatinamente.
No caso do Brasil a tributação sobre circulação e consumo se dá em três diferentes
esferas de organização política, compreendendo o IPI no âmbito federal, o ICMS no âmbito
estadual e o ISS no plano municipal.
Vale mencionar, a título de ilustração, que mesmo que o Imposto sobre Valor
Agregado não seja adotado no Brasil, os impostos indiretos brasileiros apresentam
características semelhantes, ainda que os tributos sejam incidentes em três esferas políticas
diferenciadas.
Quanto ao aspecto espacial da hipótese de incidência tributária, em regra, é adotado o
critério de destino, ou seja, fica valendo aquele local onde é efetivada a venda do produto, a
realização da obra ou a prestação do serviço. No que tange ao aspecto temporal, que indica o
momento em que ocorreu o fato gerador da obrigação tributária, aponta-se para o momento
em que se realizou a negociação jurídica que importe a circulação do bem ou a prestação do
serviço.
Com relação ao sujeito passivo, os impostos indiretos possuem características bastante
peculiares. Nesse tipo de tributo, a carga impositiva é repassada no preço de venda do produto
ou serviço ao consumidor, em regra. Percebe-se, desta forma, que o contribuinte é, em
princípio, pessoa intimamente ligada ao aspecto material da hipótese de incidência,
104
contribuinte de direito, mas que a exação ao ser incluída no preço é transferida ao
consumidor, contribuinte de fato.
Nesse sentido, a simplicidade do IVA seria o primeiro grande passo na concretização
de uma política tributária harmonizada. Além disso, pode ser deduzido nas exportações e
necessita de uma fiscalização menos complexa para fins de diminuição dos casos de evasão
fiscal.
6.6. HARMONIZAÇÃO DOS INCENTIVOS FISCAIS
Harmonizar os incentivos fiscais concedidos por cada Estado-membro é tarefa árdua
no campo do estabelecimento de normas comunitárias. Tal afirmativa é pautada, mais uma
vez, no estabelecimento de políticas e medidas que, em princípio, podem parecer ir de
encontro à soberania nacional. Assim, a grande questão que aqui se faz presente é saber
justamente qual o limite de atuação do Estado sem comprometimento da constituição do
mercado comum.
Certamente, ao se falar em limitação da soberania estatal, no que se refere à concessão
de benefícios e incentivos fiscais, deve ser ressaltado que nem tudo é vedado, devendo
restringir-se a práticas que beneficiem determinados setores econômicos ou regiões em
detrimento de outras, talvez até de maior relevância para o fortalecimento do mercado
comum.
No Mercosul, a harmonização dos incentivos fiscais é bastante incipiente. As normas
que prevêem algum tipo de limitação à concessão de subsídios encontram-se dispersas na
legislação e tratados que formam o Mercosul. Não há assim, como ocorre na União Européia,
105
um órgão com poder para fiscalizar tais práticas e assegurar a imparcialidade na concorrência
intrabloco75.
75
Tratado de Roma, de 25 de março de 1957.
Artigo 92º.
1. Salvo disposição em contrário do presente Tratado, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em
que afetem as trocas comerciais entre os Estados-membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou
provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a
concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções.
2. São compatíveis com o mercado comum:
a) Os auxílios de natureza social atribuídos a consumidores individuais com a condição de serem concedidos
sem qualquer discriminação relacionada com a origem dos produtos;
b) Os auxílios destinados a remediar os danos causados por calamidades naturais ou por outros acontecimentos
extraordinários; e
c) Os auxílios atribuídos à economia de certas regiões da República Federal da Alemanha afetadas pela divisão
da Alemanha, desde que sejam necessários para compensar as desvantagens econômicas causadas por esta
divisão.
3. Podem ser considerados compatíveis com o mercado comum:
a) Os auxílios destinados a promover o desenvolvimento econômico de regiões em que o nível de vida seja
anormalmente baixo ou em que exista grave situação de sub-emprego;
b) Os auxílios destinados a fomentar a realização de um projeto importante de interesse europeu comum, ou a
sanar uma perturbação grave da economia de um Estado-membro;
c) Os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas atividades ou regiões econômicas, quando não
alterem as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum. Todavia, os auxílios à
construção naval existentes em 1º. de Janeiro de 1957, na medida em que apenas sirvam de compensação à
ausência de proteção aduaneira, serão progressivamente reduzidos nas mesmas condições que as aplicáveis à
eliminação dos direitos aduaneiros, sem prejuízo do disposto no presente Tratado no que respeita à política
comercial comum em relação a países terceiros;
d) Os auxílios destinados a promover a cultura e a conservação do patrimônio, quando não alterem as condições
das trocas comerciais e da concorrência na comunidade num sentido contrário ao interesse comum; e
e) As outras categorias de auxílio determinadas por decisão do Conselho, deliberando por maioria qualificada,
sob proposta da Comissão.
Artigo 93º.
1. A Comissão procederá, em cooperação com os Estados-membros, ao exame permanente dos regimes de
auxílios existentes nesses Estados. A Comissão proporá também aos Estados-membros as medidas adequadas
que sejam exigidas pelo desenvolvimento progressivo ou pelo funcionamento do mercado comum.
2. Se a Comissão, depois de ter notificado os interessados para apresentarem as suas observações, verificar que
um auxílio concedido por um estado ou proveniente de recursos estatais não é compatível com o mercado
comum nos termos do artigo 92º., ou que esse auxílio está a ser aplicado de forma abusiva, decidirá que o estado
em causa deve suprimir ou modificar esse auxílio no prazo que ela fixar.
Se o estado em causa não der cumprimento a esta decisão no prazo fixado, a Comissão ou qualquer outro estado
interessado podem recorrer diretamente ao Tribunal de Justiça, em derrogação do disposto nos artigos 169º. e
170º.
A pedido de qualquer Estado-membro, o Conselho, deliberando por unanimidade, pode decidir que um auxílio,
instituído ou a instituir por esse Estado, deve considerar-se compatível com o mercado comum, em derrogação
do disposto no artigo 92º., ou nos regulamentos previstos no artigo 94º., se circunstâncias excepcionais
justificarem tal decisão. Se, em relação e este auxílio, a Comissão tiver dado início ao procedimento previsto no
primeiro parágrafo deste número, o pedido do estado interessado dirigido ao Conselho terá por efeito suspender
o referido procedimento até que o Conselho se pronuncie sobre a questão.
Todavia, se o Conselho não se pronunciar no prazo de três meses a contar da data do pedido, a Comissão
decidirá.
3. Para que possa apresentar as suas observações, deve a Comissão ser informada atempadamente dos projetos
relativos à instituição ou alteração de quaisquer auxílios. Se a Comissão considerar que determinado projeto de
auxílio não é compatível com o mercado comum nos termos do artigo 92º., deve sem demora dar início ao
procedimento previsto no número anterior. O Estado-membro em causa não pode pôr em execução as medidas
projetadas antes de tal procedimento haver sido objeto de uma decisão final.
106
7. O FUTURO DA INTEGRAÇÃO REGIONAL – DO FENÔMENO AO RISCO
No cenário de integração econômica no qual se encontra inserido o Mercosul,
privilegiando-se a cooperação internacional, apresenta-se de forma fundamental a reativação
dos fluxos internacionais de comércio.
O tema apresentado neste capítulo é, então, voltado a uma análise do futuro da
integração regional, que começa a ganhar forma a partir do momento em que se verifica que
os novos atores internacionais passam a atuar, no cenário econômico e comercial mundial,
não mais como uma unidade estatal, mas por meio da representação de uma vontade coletiva,
ou, como já afirmado nos capítulos anteriores, na busca de um bem maior: sua sobrevivência
no mercado internacional.
De tal modo, fatores tais como o impacto do fortalecimento dos blocos regionais frente
ao comércio multilateral estabelecido pela Organização Mundial de Comércio 76, a questão das
indústrias automotivas no Brasil e na Argentina, a atual política venezuelana e a necessidade
de adaptação das empresas nacionais com vistas ao enfrentamento da nova ordem
internacional, ganham lugar de destaque quando da efetivação de uma política tributária
harmonizada.
Artigo 94º.
O Conselho, deliberando por maioria qualificada, sob proposta da Comissão, e após consulta do Parlamento
Europeu, pode adotar todos os regulamentos adequados à execução dos artigos 92º. e 93º. e fixar,
designadamente, as condições de aplicação do nº. 3 do artigo 93º. e as categorias de auxílios que ficam
dispensadas desse procedimento.
76
Segundo Minoru Nakada, as regras comerciais exclusivas existentes no comércio intra-regional irão, cada vez
mais, influenciar no relacionamento do comércio internacional. Desta forma, a análise legal do relacionamento
entre o regionalismo e o sistema multilateral de comércio se torna um tema fundamental para a construção de
uma ordem econômica mundial estável no futuro. NAKADA, Minuro. A OMC e o regionalismo. São Paulo:
Aduaneiras, 2002, p. 17.
107
7.1. O COMÉRCIO INTERNACIONAL MULTILATERAL
Após o término da Segunda Guerra Mundial, o fluxo de discussões a respeito das
relações comerciais internacionais ganhou enfoque multilateral, tomando corpo na Carta de
Havana, a qual instituiu a Organização Internacional do Comércio (OIC) e que jamais entrou
em vigor. Diante de tal fracasso, somente o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT),
de objetivos centrados basicamente na redução progressiva das tarifas alfandegárias, ainda
que por meio de um Protocolo de Aplicação Provisória (PAD), obteve sucesso e passou a ser
adotado.
Apesar de o GATT não apresentar a estrutura de uma organização internacional
formal, tal como se propunha a OIC, este acabou, por fim, se tornando o alicerce de tratativas
mais amplas que culminaram com a formação da Organização Mundial do Comércio (OMC),
em 1994.
As relações entre as disposições estabelecidas pelo GATT e pela OMC com aquelas
que estabelecem o Mercado Comum do Sul vêm sendo estudadas de forma mais profunda a
partir do momento em que é possível verificar, mais especificamente no campo do direito
tributário, os primeiros conflitos em matéria de regulamentação de um conjunto de regras
regionalizadas com um direito de cunho internacional.
Pensando de forma bastante simplória, é fato que é encontrado nos atos constitutivos
dos blocos econômicos, Mercosul e UE, para citar exemplos, disposições que vão de encontro
a regras e princípios anteriormente firmados nos acordos internacionais de cooperação
econômica, tal qual a OMC. Nesse sentido, o fortalecimento destes novos agentes
internacionais passa, em última instância, a comprometer o mecanismo político-econômico já
existente.
108
Com a progressiva consolidação da experiência comunitária, e, conseqüentemente, de
um exercício legislativo, ainda que insipiente no caso do Mercosul, aponta-se para o fato de
que a comunidade tende a proteger sua economia em crescimento, principalmente em
momentos de crise, mediante a adoção de regramentos que, eventualmente, colidem com os
princípios estabelecidos pelos organismos internacionais de regulamentação do comércio
internacional.
Fato é que os países integrantes de blocos econômicos regionalizados têm total
consciência de que, para alcançarem o objetivo do fortalecimento comercial no cenário
mundial, precisam resguardar-se de determinadas regras estabelecidas e já consagradas junto
ao GATT ou a OMC, o que, como fato isolado, gera conflitos no tratamento multilateral de
comércio.
É incontestável a afirmativa de que as negociações iniciadas sob a égide do GATT e
desenvolvidas após a criação da OMC obtiveram êxito. No entanto, limitações são
encontradas ainda hoje – tais como a necessidade de consenso para a tomada de decisões,
salvo exceções expressamente identificadas – e acabam por engessar, por uso de uma simples
vontade política, projetos que em prol de uns, a exemplo das nações menos favorecidas,
prejudicariam, em determinados aspectos, nações mais volumosas economicamente, como
aconteceu no ano de 2006 com a Rodada de Doha.
Assim, o fracasso de Doha acirra o ideário de uma política comercial multilateral em
clima de incerteza para os países agrícolas latino-americanos, e, aqui, com maior destaque
aqueles integrantes do Mercosul, que continuam sem poder contar com o acesso preferencial a
grandes mercados. Ressalta-se que um acordo nestes moldes, além de estimular o crescimento
econômico global, ajudaria a diminuir os índices de pobreza na periferia mundial e
beneficiaria o centro, na medida em que possibilitaria um maior fluxo de vendas de bens e
serviços.
109
Diante de tal cenário, percebe-se, na perspectiva da América Latina, que o fracasso das
últimas tratativas comerciais junto à OMC, pode ocasionar um acirramento das disputas
comerciais dentro do próprio órgão internacional. De fácil compreensão será, portanto, a
análise de uma postura futura do Mercosul em dar maior ênfase à cooperação econômica
bilateral com países em desenvolvimento, tais como Índia, China e os Estados africanos,
priorizando os esforços de cooperação sul-sul.
Com princípios que tangenciam a cláusula da nação mais favorecida, a obrigatoriedade
do limite tarifário e a eliminação das restrições quantitativas, admite, a Organização Mundial
de Comércio, exceções às regras que prevêem o livre comércio como, por exemplo (e este é o
maior interesse do tópico aqui desenvolvido) o fato de os acordos regionais poderem utilizarse de regras preferenciais intra-bloco, desde que respeitadas algumas condições, tal qual a de
que terceiros estados não tenham sua situação agravada em relação aos direitos de que
dispunham antes da formação do bloco, conforme consta do Artigo XXIV da Carta de
Havana.
Com efeito, visando minimizar as questões até aqui citadas, a partir da Rodada de
Tóquio (1973-1979), os países signatários do GATT adotaram a “cláusula de habilitação”,
que serve aos Estados em desenvolvimento, permitindo a estes que usufruam de sistemas
preferenciais para comércio estabelecidos entre si ou para si por Estados considerados
desenvolvidos.
Segundo Minoru Nakada77, em obra dedicada ao estudo da relação estabelecida entre a
OMC e os movimentos de integração regional:
A questão mais importante sob o ponto de vista do regionalismo é a de que o Art.
XXIV permite a formação da União Aduaneira e Área de Livre Comércio. (...)
Entretanto, o Art. XXIV é a chave que influenciará no se multilateralismo e o
regionalismo serão rivais e complementares. Mas, apesar do Art. XXIV ser a parte
que compõe a raiz desse sistema de comércio internacional, enfrenta, com o
crescimento do regionalismo na atualidade, o perigo de não poder prevenir o seu
abuso e, conseqüentemente, cria a possibilidade de estar enfraquecendo a eficácia do
acordo da OMC. Isto significa que as regras comerciais exclusivas existentes no
77
NAKADA, Minoru. A OMC e o Regionalismo. São Paulo: Aduaneiras, 2002, p. 17.
110
comércio intra-regional irão, cada vez mais, influenciar no relacionamento do
comércio internacional.
Faz-se necessário ressaltar que somente as zonas de livre comércio e as uniões
aduaneiras foram contempladas pelo GATT, Artigo XXIV, e pelo “Entendimento sobre a
Interpretação do Artigo XXIV do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994”, inserido no
Anexo 1º. do Acordo Constitutivo da Organização Mundial do Comércio (Decreto nº. 1.355,
de 30 de dezembro de 1994).
Mais uma vez, tendo como pano de fundo o cenário até aqui apresentado, parece que
outra possibilidade no horizonte do Mercosul é avançar nas negociações com a União
Européia. Percebe-se, nas recentes reuniões entre os negociadores dos dois blocos, que o
acordo de livre comércio entre europeus e sul-americanos tem margem para avançar
significativamente.
Por outro lado, os posicionamentos políticos do governo venezuelano, somado aos
problemas internos vividos por alguns dos países-membros, são fontes de preocupação para o
bloco europeu, que, certamente, tenderá a priorizar o estabelecimento de relações comerciais
com Estados que procurem resguardar o exercício direto da democracia e a estabilidade
política.
Tais afirmativas têm por base o fato de que, em março de 2006, o Mercosul enviou à
União Européia um documento contendo as propostas sul-americanas para o fechamento de
um possível acordo: cota livre de tarifas de 300 mil toneladas de carne bovina e de 250 mil
toneladas de carne de frango. Os montantes representam, respectivamente, o dobro e a mesma
quantidade do que os europeus ofereceram no âmbito da fracassada Rodada Doha. A resposta
européia veio em abril, com pedidos de abertura do setor de serviços e do mercado sulamericano para 353 produtos industriais prioritários dos exportadores do Velho Continente, o
que por sua vez pode levar à análise do já comentado enfraquecimento do comércio mundial
multilateral empreendido pela OMC.
111
Visto por este ângulo, o fenômeno aqui denominado regionalismo aponta para a
formação de opiniões variadas. Desta forma, em localidades onde não exista, em sentido
estrito, a ocorrência de progressos na liberalização do comércio internacional mundial, mas
sim o fortalecimento do comércio regional, será possível, por meio do incremento deste,
estabelecer um crescimento econômico regional e, conseqüentemente, complementar o
regramento da OMC. Em sentido oposto, se o já citado regionalismo ganhar ares
protecionistas em relação a terceiros países, os Estados então prejudicados poderão, a partir de
políticas também protecionistas, gerar conflitos que comprometam a ordem mundial
estabelecida.
Portanto, a grande questão da coexistência do Mercosul com o padrão normativo
estabelecido pela OMC exige a fixação conjunta de alíquotas dos impostos de importação aos
bens originários de terceiros países ou, ainda, dos tributos sobre circulação de bens e serviços
e dos incentivos fiscais.
Coordenar vontades políticas nem sempre convergentes é, hoje, o grande desafio da
OMC ao olhar para a existência de um mundo não apenas globalizado, mas, e a cada dia em
maior grau, um mundo regionalizado. Busca-se, assim, refletir sobre as relações entre o
direito dito comunitário e o direito internacional.
7.2. A QUESTÃO DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA
O estímulo à indústria de automóveis parecia ser uma boa idéia para incentivar o
crescimento econômico e para levar à criação de novos empregos.
Com este propósito, o governo brasileiro instituiu, por meio das medidas provisórias
nº. 1.024/95 e nº. 1.532/97 convertidas nas leis, respectivamente, nº. 9.449/97 e 9.440/97, o
112
regime automotivo específico para as regiões menos desenvolvidas e o regime automotivo
geral, que atinge praticamente apenas o sul e sudeste do país.
A ANFAVEA, associação que congrega as indústrias automobilísticas internacionais
atuantes no Brasil, foi sempre uma das poucas associações empresariais realmente eficientes
no país. Diante da postura do governo brasileiro em abrir o mercado doméstico para a
importação de automóveis, a ANFAVEA propôs abrir o mercado apenas para aquelas
montadoras que também estavam produzindo no Brasil, brecando a primeira iniciativa
governamental.
O incentivo às instalações de grandes complexos industriais para a fabricação de
automóveis e autopeças é concebido com uso de uma política de renúncia fiscal de tributos da
União, dentre os quais se destacam o Imposto sobre Produtos Industrializados, o Imposto de
Importação e o Imposto de Renda.
Assim, taxas de importação reduzidas foram o principal instrumento do governo
brasileiro no contexto do regime automotivo. De fato, tal política comercial criou uma
situação delicada frente ao governo argentino, que foi o primeiro a permitir um regime
especial para a indústria automotiva, tentando atrair o maior número possível de empresas que
quisessem montar fábricas no cenário do Mercosul.
Perante esta postura, acirrando ainda mais a questão da adoção de uma política
econômica integrada no Mercado Comum do Sul, o governo argentino reagiu rapidamente,
lançando um severo protesto contra as medidas brasileiras. Contudo, as montadoras
compreenderam a mensagem, a saber, que seria de bom alvitre não dirigir para a Argentina
mais do que uma fração razoável de seus investimentos. Constitui-se, desde então, a
negociação do regime político automotivo comum, um dos principais entraves ao processo
integracionista.
113
Vale ressaltar que, mesmo diante deste quadro de profunda incerteza no campo da
indústria automotiva, criado após a adoção de regramentos intra-Mercosul para a liberalização
do comércio, bem como da isenção tributária nas operações da Argentina para o Brasil e da
transferência de parcela das linhas de produção para aquele país, aumentou-se o volume de
exportação para o território brasileiro, chegando a atingir-se o patamar de metade da
produção.
A resolução insatisfatória da questão Brasil – Argentina acabou por acarretar um
maior protecionismo da indústria automobilística brasileira e, paralelamente, um grau ainda
mais elevado de incentivos fiscais, culminando com um aumento da TEC para o percentual de
35%.
Deve-se ainda ser mencionado que o Conselho do Mercado Comum criou, por meio da
Decisão de nº. 29/94, um Comitê Técnico Ad Hoc para elaborar o tão esperado regime
automotivo comum do Mercosul. Com pontos que disciplinam o livre comércio intra-zona, a
ausência de incentivos nacionais que impliquem em distorções na competitividade regional, o
regime de importação de veículos e o regime de transição dos regimes nacionais para o
comum mediante a harmonização de políticas econômicas e tributárias. A citada decisão, que
tinha o dia 1º de janeiro de 2000 para a sua entrada em vigor, permanece esquecida pelos
negociadores do bloco.
A questão da TEC delimitada em 35% vem sendo aceita e ajustada de acordo com os
interesses brasileiros e argentinos. Por outro lado, isto torna preocupante a situação do
Uruguai, Paraguai e Venezuela em relação ao cumprimento de tal patamar, sendo certo que
estes países não possuem produção suficiente nem sequer para o abastecimento de seus
mercados internos.
Entretanto, o exposto representa apenas uma parte do problema.
114
Tendo em foco a perspectiva de uma série de investimentos de grande visibilidade, os
governos estaduais e municipais brasileiros passaram a vivenciar a chamada “Guerra Fiscal”.
Através de uma série de concessões de incentivos fiscais, com o objetivo de atrair indústrias
automobilísticas, as empresas passaram a fazer jus a um pacote de vantagens que incluíam,
além da redução da carga tributária, a entrega de um grande terreno com uma localização
conveniente e até mesmo uma proposta de compra de ações pelos governos locais. A
concessão de tantos benefícios orientou, mais uma vez, as reclamações por parte dos
argentinos.
No que tange ao regramento da OMC, verifica-se que o regime automotivo brasileiro,
adotado após o ano de 1994, é incompatível com as regras da organização internacional, já
havendo manifestações contrárias de parcela dos países-membros, tais como o Japão e a
própria União Européia, junto ao órgão de Solução de Controvérsias, baseando-se as citadas
reclamações basicamente no Acordo sobre Medidas de Investimentos Relacionadas ao
Comércio e ao Acordo de Subsídios, ambos anexados ao anteriormente mencionado Acordo
Geral do GATT.
No entanto, é válido mencionar que o Uruguai, Paraguai e Venezuela possuem no
setor automotivo um parque industrial bastante insipiente, sendo a maior parte da sua
produção voltada para a exportação.
7.3. A POLÍTICA VENEZUELANA
A América do Sul vive um período recorde de regimes que se apóiam no ideário
democrático chegando ao poder. Entretanto, movimenta-se, inequivocamente, para uma
postura de esquerda, nem sempre pautada em princípios tão essencialmente democráticos.
115
Não raro esses movimentos concentram-se muito mais em personalidades do que em
estruturas partidárias.
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, é o que mais se aproxima de uma liderança
populista tradicional: tem apoio dos movimentos sociais, uma liderança carismática e base
militar. Evo Morales, da Bolívia, emergiu de movimentos sociais e construiu sua vitória à
margem dos partidos tradicionais. No Paraguai, o principal candidato contra o Partido
Colorado, que domina o poder há mais de 60 anos, é o bispo Fernando Lugo, filho da
Teologia da Libertação, que concorrerá por fora do sistema partidário consolidado com o seu
“Movimento de Resistência Cidadã”. Já no Brasil, Uruguai, Chile, Argentina e Equador, a
opção de esquerda passou por partidos que emergiram no cenário político após a
redemocratização.
Em seu discurso de posse, o presente da Venezuela Hugo Chávez anunciou uma nova
denominação para o Estado venezuelano, o qual agora deve ser chamado de República
Socialista da Venezuela. Inspirado nos ensinamentos de Marx, existe a intenção de
nacionalizar, de imediato, toda a economia, principalmente os setores estratégicos das
telecomunicações e da eletricidade, bem como avançar rumo a um controle efetivo do Banco
Central.
Paralelamente, ficou clara sua intenção de lançar-se numa ofensiva diplomática que
vai aumentar a sua influência em toda a região. Prometeu ajuda econômica à Nicarágua, agora
presidida pelo ex-líder sandinista Daniel Ortega. Apóia as posições políticas do Equador, face
à sua vizinha Colômbia.
A necessidade de se coordenar o discurso radical do governo venezuelano junto ao
projeto mercosulista de integração é também um dos grandes desafios a serem enfrentados
nos próximos anos.
116
Nesse sentido, merecem destaque as palavras de Dromi, Ekmekdjian e Rivera em obra
coletiva de Direito Comunitário, ao afirmarem que: 78
El sistema de Derecho Comunitário tiene como pressupuesto político la democracia.
Para que exista la Comunidad, se requiere um condicionamiento político que está
dado, precisamente, por la existencia de Estados nacionales soberanos con voluntad
de integrarse en una comunidad supranacional. Pero no cualquier Estado nacional
logra integrarse en una organización supranacional; solo es posible cuando los
Estados nacionales son essencialmente democráticos. No hay derecho comunitario
autocrático porque la organización comunitaria exige participación y representación,
com estructuras supraestatales nacidas a imagen y semejanza de la democracia
interior de casa Estado miembro. Si no hay democracia en el gobierno de lãs partes,
no la habrá en el todo, habrá associación, fusión, federación, pero no integración.
Diante de tamanha ameaça, ao pensarmos especificamente no caso brasileiro, tem-se a
estranha sensação de que “ruim com ele, pior sem ele”. Isto porque, apesar do efeito instigado
por Chávez já ter começado a provocar, na percepção de investidores em relação à América
Latina, certo aumento da instabilidade econômica e política da região, no que diz respeito ao
cumprimento de regras e contratos, a Venezuela é uma nação considerada como
extremamente estratégica pelo governo Lula, especialmente sob o ponto de vista do comércio
e da integração física. Sendo assim, neste aspecto, nada melhor que seja um sócio pleno do
Mercosul.
Ressalta-se, ainda, que para manter-se no bloco, tal e qual foi verificado ao longo do
trabalho, é necessário que sejam seguidas, pelos países-membros, certas normas previstas no
Tratado de Assunção e seus protocolos adicionais e, principalmente, a chamada cláusula
democrática, que prevê a expulsão do membro que vier a romper com os princípios
democráticos. Sendo assim, a melhor posição dos países-membros do Mercosul em relação à
nacionalização anunciada por Hugo Chávez é a de cautela; de esperar o desdobramento dos
acontecimentos, sem qualquer manifestação oficial, até mesmo porque se trata de um governo
legitimado por uma eleição.
78
DROMI, Roberto; EKMEKDJIAN, Miguel A.; RIVERA, Julio C. Derecho Comunitario: Regimen Del
Mercosur. Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1996, p. 49.
117
No entanto, a visão aqui defendida é de que a situação é preocupante e envolve não
apenas petróleo e gás, mas também investimentos em infra-estrutura. Partindo deste princípio,
teme-se que, com essa experiência socialista exótica, Chávez tente retardar a economia e o
crescimento venezuelano, levando, por conseqüência, a um maior engessamento do caminhar
do Mercado Comum do Sul.
Sendo assim, seria interessante que o Mercosul previsse a expulsão do país que romper
unilateralmente contratos, pois, desta forma, compromete-se toda a política externa do bloco
em formação, fazendo com que a imagem do Mercosul, em última instância, possa ser abalada
por conta de rumores que inflamem uma maior instabilidade política e econômica da região.
São de conhecimento público os caminhos pelos quais Hugo Chávez conseguiu chegar
ao poder na Venezuela, e está cada vez mais evidente onde ele realmente quer chegar: a uma
“república socialista”, com fechamento econômico e endurecimento político. Chávez combina
o fim da autonomia do Banco Central, reestatização e nacionalização de empresas, nãorenovação da concessão da RCTV (importante rede de televisão de oposição) e a perturbadora
perspectiva de reeleições ilimitadas para ele mesmo. Resultado: as Bolsas despencaram e os
investidores externos devem aguardar as formas pelas quais serão trilhados os novos rumos
governamentais, ainda mais, diante dos cenários da América Latina.
Enfatiza-se a apreensão com o atual contexto venezuelano o fato de Hugo Chávez ter
pedido ao Congresso Nacional plenos poderes para governar por decreto, afastando, assim, o
Poder Legislativo e, por fim, a própria Constituição, o que mais uma vez compromete a
cláusula democrática prevista no Protocolo de Ushuaia (1998), elaborado após tentativa de
Golpe no Paraguai.
Ainda que a Venezuela não esteja totalmente integrada ao Mercado Comum do Sul
como membro pleno, pois depende de prazo para se adequar às normas do bloco, bem como à
118
TEC, tem direito de voz dentro do grupo e no cenário internacional se posiciona como
membro efetivo, o que por si só aumenta a preocupação com a questão democrática.
No atual cenário latino americano, as negociações com a Bolívia e o Equador, bem
como a instabilidade política dos dois países face às recentes declarações de seus presidentes,
respectivamente, Evo Morales e Rafael Correa, tendentes à nacionalização econômica e com
propostas de reformas às constituições, os problemas do bloco se proliferam. Soma-se a tal
fato, o litígio criado entre o Uruguai e a Argentina, por causa das fábricas de celulose que
estão sendo instaladas em território uruguaio.79
Outros membros do bloco também possuem suas rusgas com países associados. Tais
quais as reticências provocadas na Bolívia diante da intenção do Brasil em construir duas
represas no Rio Madeira e, posteriormente, duas empresas hidroelétricas, pautando-se mais
uma vez na questão de possível desequilíbrio ambiental e prejuízos em relação à atividade
pesqueira, que é a base da economia na região.
O Equador, a seu tempo, denunciou as borrifadas aéreas com herbicida que a
Colômbia realiza em regiões fronteiriças para erradicar o cultivo de coca, afirmando que tal
conduta, ainda que eficaz no combate à plantação da coca, afeta também, em última análise, a
saúde dos cidadãos equatorianos, do gado e dos cultivos legalmente estabelecidos na
localidade.
79
Vale ressaltar que o Tribunal Arbitral do Mercosul acolheu a pretensão Uruguaia em demanda suscitada em
face da Argentina em razão dos cortes de rotas comerciais que garantiam a livre circulação de bens e serviços,
realizados em oposição à instalação de duas fábricas de celulose em território uruguaio. Os argentinos são contra
a construção das plantas da empresa finlandesa Botnia e a espanhola Ence nas mediações da cidade uruguaia
de Fray Bentos, localizada na ribeira do rio Uruguai, fronteira natural de ambos países por entender que tal
projeto constitui uma violação ao tratado do Rio Uruguai, que desde de 1975 rege a questão compartilhada deste
recurso natural. Para eles as indústrias de celulose são um motivo de contaminação de suas águas. Os
representantes do Uruguai e das citadas empresas, por outro lado, asseguram que não existe nenhum perigo
ambiental e que as fábricas significam uma importante fonte de trabalho para os uruguaios. Esta decisão é a
segunda sentença judicial nesse conflito. Anteriormente, a Corte Internacional de Justiça da Haia negou, em
julho de 2006, uma petição argentina para suspender a construção das empresas. Ressaltando-se que o governo
argentino até o presente momento não tomou as medidas impostas pelo Tribunal Arbitral do Mercosul. Parece
que o conflito ainda está longe de ser efetivamente solucionado.
119
A Argentina protesta, ainda, em face das salvaguardas impostas pelo Chile às
importações de leite e derivados para proteger sua indústria nacional, o que por sua vez
prejudica as exportações das indústrias argentinas.
Ou seja, o que o Mercosul pode vir a ganhar no comércio intra-regional com a
Venezuela, pode perder em investimentos do resto do mundo, no rastro das restrições ao
continente em razão do caminho político seguido pelo citado país.
7.4. A NOVA ORDEM EMPRESARIAL
O fortalecimento de um mercado regional advindo das relações intra-bloco, tal e qual
ocorre no Mercosul e na União Européia, bem como a liberação da circulação de mercadorias,
serviços e pessoas, indicam a necessidade de paulatina, mas não menos urgente, adaptação
das empresas localizadas na região, perfazendo regramentos que beiram suas organizações,
estruturas e capacidade produtiva.
Fato é que os sistemas de integração regional devem estabelecer metas para o
crescimento harmonioso das atividades econômicas envolvidas no processo de regionalização.
É este o aspecto, aqui, relevante. Ora, as empresas, agentes econômicos e motores dos
Estados-membros do bloco em formação, cujas dimensões anteriormente eram voltadas para o
mercado nacional, deverão adaptar-se a um mercado cada vez mais exigente e de consumo em
maior escala de crescimento.
Necessário se faz, portanto, que a partir do momento em que seja estabelecida uma
legislação tributária harmonizada para a região em desenvolvimento, ocorra imediatamente a
criação de instrumentos jurídicos aptos a fortalecer as empresas intra-bloco. Permitir a
combinação e a concentração de capital por meio de uma maior disponibilidade de benefícios
120
econômicos e da redução dos custos é um dos grandes desafios para o avanço negocial do
Mercosul.
Preocupante, neste quadro de integração, é a posição das pequenas e médias empresas.
Essas convivem na disputa de um mesmo setor econômico com empresas de elevada
produtividade, como aquelas vinculadas aos recursos naturais e a alguns insumos de uso
difundido, com outras que, de modo geral, se encontram longe da fronteira de eficiência
internacional exigida por um mercado comum em formação. Olhando na mesma direção, é
possível constatar uma maior concentração do volume de exportação em poucos agentes, o
que acaba por afirmar a existência de uma pequena presença exportadora entre as pequenas e
médias empresas (PMEs).
Nesse contexto, a adequação das pequenas e médias empresas a um padrão de
internacionalização se apresenta como uma parte importante do desafio de competitividade
que enfrentam hoje os países do bloco mercosulista, especialmente se olharmos sob o enfoque
dos casos de Brasil e Argentina, países onde tal desigualdade de perfil é de observação
facilitada.
Percebe-se, assim, que os obstáculos mais freqüentemente detectados são aqueles que
apontam para as restrições de financiamento de grande monta, a falta de informação e de
estrutura para estudar e se preparar para os mercados externos, bem como a dificuldade de,
com uma carga tributária excessiva, conseguir estabilidade suficiente para ganhar a confiança
do mercado cada vez mais exigente.
Diante dos graves problemas que são verificados na estrutura do Mercado Comum do
Sul, baseadas na constante adoção de um modelo protecionista, da permanência de
perfurações à Tarifa Externa Comum (TEC), acabam as empresas de menor estruturação
econômico-finaceira sofrendo os efeitos mais nocivos da integração produtiva e o
desenvolvimento regional.
121
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por tudo o que foi exposto ao longo deste ensaio, pode-se concluir, primeiramente,
que o Mercosul, embora seja uma realidade em funcionamento, está longe de alcançar os
objetivos elencados no Tratado de Assunção.
Os blocos regionais de comércio têm um papel a desempenhar na reestruturação da
ordem econômica mundial ao atuar simultaneamente como pontos de criação e desvio de
comércio. Influencia, assim, na alocação internacional de recursos, nas tomadas de decisões
dos grandes atores econômicos, na alocação de indústrias e no planejamento econômico
daqueles que integram o sistema de trocas mundial.
Neste sentido, constata-se que a vontade política dos governantes dos países-membros
se faz de suma importância. É preciso adequar a realidade latino-americana às novas nuances
da soberania, rever o aspecto da intergovernabilidade e o alcance da supranacionalidade no
quadro do Mercado Comum do Sul.
Por meio dos argumentos apresentados, se faz possível apontar três elementos que
figuram como essenciais à consolidação da integração econômica nos moldes exigidos pelo
cenário internacional: a primazia do direito comunitário sobre os diversos ramos dos direitos
nacionais, bem como a partilha de poder e o novo alcance do conceito de soberania; um órgão
judiciário de decisão supranacional, assegurando a interpretação e aplicação uniforme do
direito estabelecido para o bloco; a realização, com urgência, da harmonização tributária,
consolidando a imagem da parceria regional no âmbito internacional, evitando desgastes e,
conseqüentemente, um tratamento que respeite as desigualdades político-econômicas
existentes no âmbito do próprio Mercosul.
Em razão da forma orgânica intergovernamental adotada pelo Mercosul, observa-se
que as negociações intra-bloco são estabelecidas entre governos, predominando o aspecto
122
político. Deixam-se de lado, muitas vezes, os verdadeiros ideais integratórios em nome de
diferenças políticas, de interesses individuais que não condizem com características próprias
de um bloco econômico em formação.
Assim, é possível identificar, no cenário mercosulista, que as negociações possuem
grande grau de informalidade e de negociações bilatérias. Ressalta-se, ainda, face ao
desequilíbrio econômico da região, o predomínio dos interesses dos países com maior grau de
desenvolvimento: Argentina e Brasil, frente às questões apresentadas pelo Paraguai, Uruguai
e Venezuela.
Percebe-se, mais uma vez com o intuito de justificar tamanha disparidade, que a
situação dos países associados apresenta maior desequilíbrio, a saber, Equador, Peru,
Colômbia, Bolívia e Chile. Em relação a estes, o silêncio das negociações se faz ainda mais
eloqüente, pois a clara fragilidade econômica é reforçada pela instabilidade política.
Do até aqui considerado, ausente, portanto, a cultura comunitária, o interesse comum
que consiga mesclar interesses de cada Estado-membro, bem como uma maior utilização de
recursos econômicos frente aos diplomáticos e políticos na formação da vontade dos órgãos
que compõem o bloco.
Em última perspectiva, afirma-se que há uma falta de legitimidade do processo de
integração à medida que não existe uma estrutura institucional capaz de lidar com as
diferenças internas. Percebe-se, portanto, que onde não há consenso ou mesmo vontade
política, sobra arbitrariedade.
Contudo, não se pode esquecer que a questão aduaneira passa, primeiramente, pelo
estabelecimento de uma política fiscal e, caminhar para um consenso tributário entre países
com problemas tão graves e de dimensões tão diversas é, inicialmente, um grande desafio.
Necessário se faz a adequação da política fiscal interna de cada país. Na realidade, o
principal é que se estabeleçam instrumentos internos de apoio à atividade produtiva, passo,
123
este, que o Brasil já vem tentando resolver, ainda que em pequena escala, por meio da
realização de reforma tributária ampla. Certo, no entanto, que o incremento de políticas de
desenvolvimento da economia intra-bloco, como foi demonstrado, esbarra em inúmeros
outros interesses, dificultando os contornos pretendidos pelo Tratado de Assunção.
De tal forma, deve ser levada em consideração a implantação de um tribunal
supranacional, integrado por magistrados dos países signatários aos tratados internacionais,
bem como fazer valer as arbitragens já propugnadas em acordos firmados com os países
mercosulistas. Para a primeira alternativa, convém ressaltar a necessidade de emendar a Carta
Política brasileira e, ainda, contar com a inclusão do citado mecanismo nos ordenamentos
jurídicos da Argentina, Paraguai, Venezuela e Uruguai.
Tal problemática tem como fundamento o fato do Mercosul não produzir normas de
direito comunitário dotadas de efeito de aplicação direta entre os Estados-membros. Tais
normas necessitam, para serem validadas nos territórios dos países signatários do Tratado de
Assunção, de serem incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais, de acordo com os
procedimentos por eles estabelecidos, tal e qual foi enfocado em tópico específico no quarto
capítulo.
Lançar um olhar sobre a experiência européia é extremamente útil. A instituição do
Tribunal de Justiça europeu verificou-se quando as condições sócio-econômicas revelaram a
necessidade de estabelecer critérios que enfatizassem a segurança jurídica do bloco em
formação. Novas implantações ou ajustes no sistema jurídico do Mercosul deverão ser feitas
de forma amadurecida e adequadas às reais necessidades dos Estados-membros.
Assim, o desafio da harmonização tributária está em buscar um razoável equilíbrio
entre a soberania e a submissão do sistema estatal com a diminuição ou supressão das
barreiras alfandegárias.
124
O processo de construção de um mercado comum, desprovido de barreiras aduaneiras
entre os países que o compõem, de forma a permitir, efetivamente, a livre circulação de bens,
pessoas e serviços entre os Estados que o integram, leva, necessariamente, ao equacionamento
e à solução de barreiras técnicas, por meio do estabelecimento de regulamentos que
caminhem no sentido da aproximação das políticas tributárias.
É pacífica a necessidade de adaptação dos sistemas tributários à nova realidade
econômica, face à globalização. O expressivo crescimento da representatividade do bloco no
comércio exterior, aliado à sua força no mercado regional, exige uma maior dedicação dos
países membros na consolidação dos ideais de integração.
O objetivo de formar um mercado comum nos moldes do estabelecido no Tratado de
Assunção implica em liberdade de circulação de bens, serviços e capitais, bem como na
possibilidade de uma concorrência real e efetiva entre todos aqueles, Estados-membros ou
associados, que compõem o bloco econômico. Necessário, assim, eliminar barreiras
alfandegárias e não-alfandegárias, aplicar conscientemente o princípio da não-discriminação,
harmonizar as legislações, em especial, a tributária, e consagrar o princípio democrático.
Certo é que não haverá harmonização de políticas macroeconômicas sem a
estabilização das economias nacionais. Como dois dos eixos de toda política
macroeconômica, os sistemas fiscal e tributário são decisivos nos processos de integração,
tanto como instrumentos dos programas que visam superar desajustes econômicos típicos do
cenário
latino-americano, como para embasar a retomada de uma nova ótica
desenvolvimentista.
Pensando-se na construção de um âmbito propriamente comunitário, deverão
prosseguir os estudos tendentes à definição setorial e melhor adaptação da Tarifa Externa
Comum, à harmonização de normas técnicas que extrapolem os limites do campo do direito
tributário e à adoção de medidas que consigam, mesmo diante de diferenças econômicas tão
125
gritantes, garantir condições de concorrência, principalmente nas atividades ligadas à
agricultura e à pecuária.
Por outro lado, o processo de integração não solucionará, em primeiro plano, todos os
dilemas ligados aos problemas trazidos pelo desenvolvimento desequilibrado das economias
mundiais. Trata-se, somente, de um dos muitos caminhos que podem ser seguidos para
assegurar uma melhor alocação de políticas macroeconômicas e o bem-estar dos cidadãos da
região, bem como o fortalecimento da representatividade dos Estados-membros do bloco na
busca de objetivos antes individuais, no cenário internacional.
A harmonização, aqui tão amplamente defendida, apresenta-se como o melhor método
para se alcançar o mercado comum. Aliás, vale ressaltar, mais uma vez, que esta é a solução
indicada pelo próprio Tratado de Assunção, devendo ser utilizada como meio e não como fim,
podendo, em um futuro bastante distante, ser alcançada, inclusive, a uniformização.
O trabalho da harmonização, como exposto ao longo do presente trabalho, encontra-se
bastante facilitado pelo grau de semelhanças existentes entre os sistemas tributários dos países
integrantes do bloco mercosulista, representando a adoção do Imposto sobre Valor Agregado,
ponto nodal na questão.
Ademais, há que se afirmar, que em se tratando de impostos
indiretos, devem ser revistas, também, as isenções e benefícios concedidos aleatoriamente
pelos Estados, inclusive em suas diferentes esferas de organização política interna, tal como
ocorre no Brasil.
Problemas referentes à possibilidade de perda de arrecadação, derivados, em um
primeiro momento, da redução de subsídios estatais, serão suprimidos pela modernização dos
sistemas de controle e fiscalização então harmonizados, além do incremento da receita
decorrente da racionalização da tributação indireta, que ocupa lugar de destaque em todos os
países que compõem o Mercosul.
126
Em síntese, as divergências existentes entre os sistemas tributários impositivos
mostram que a organização da nova soberania de cada país, como conseqüência da criação de
um sistema tributário regional, é um processo de longo prazo. No entanto, ainda que de difícil
alcance, a harmonização tributária sempre será necessária como um instrumento que possa
garantir práticas leais de competição internacional e de sistemas impositivos, efetivamente
adequados à economia globalizada.
Não é possível afirmar se tamanhos objetivos serão alcançados pelo Mercado Comum
do Sul. Quando se depende da manifestação de uma vontade política, muitas vezes sem
qualquer compromisso com a questão regional, esbarrando-se, atualmente, em um contexto de
vaidades ou em regimes que tendem a um enfraquecimento do ideal democrático na América
Latina, pensar na harmonização da legislação tributária figura como um sonho possível e, ao
mesmo tempo, distante.
127
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Uma Visão do Mercosul - Universidade Estácio de Sá