1. O HOMEM E SEUS CONSTITUTIVOS “Muitos milagres há, mas o mais portentoso é o homem” (Sófocles). CONCEPÇÃO BÍBLICA DO HOMEM Antigo Testamento – A concepção bíblica do ser humano foi formulada dentro de uma perspectiv a religiosa, que tem como pano de fundo a convicção de nossa origem transcendente em Deus. É assim que o Gênesis, que trata da origem do universo, nos ensina: “Assim Deus criou os seres humanos; ele os criou parecidos com Deus. Ele os criou homem e mulher” (Gn 1,27). Nos capítulos 1 e 2 do Gênesis – narrações da criação feitas por pessoas e em tempos distintos ( 1) – percebemos que em Deus temos a nossa origem, vocação e fim. O capítulo 1 ressalta a ima gem e semelhança, além da bênção do crescimento, multiplicação e domínio; o 2 trata de nossas dimensões: material e espiritual (cf. 2, 7), bem como da vocação à comunhão (cf. 2,18). Novo Testamento – Com o apóstolo Paulo, influenciado pela concepção grega (2), o entendimento a respeito da estrut ura fundamental do ser humano, é enriquecido, sobretudo por causa do seguinte texto: “Que Deus, que nos dá a paz, faça com que vocês sejam completamente dedicados a ele. Ele que ele conserve o espírito [pneûma], a alma [psique] e o corpo [soma] de vocês livres de toda mancha, para o dia em que vier o nosso Senhor Jesus Cristo” (I Ts 5,23). Essa tríade do ser humano no N.T não se refere a naturezas que se oponham, como pensava a cultura dualista grega, que condenava a matéria estigmatizando-a como obra do princípio do mal, e que de certo modo acabou influenciando a concepção cristãmedieval do ser humano, sobretudo na Idade Média (3). Apesar desse desvio posterior, desde o primeiro século a Igreja, sobretudo com São Paulo e São João, que aprofundaram o tema da Encarnação do Filho de Deus (cf. Jo 1,14), sustenta uma visão positiva em relação ao ser humano por completo, claro, incluindo aqui a discriminada carne, a matéria. Nos séculos II, III e IV, combatendo as grandes heresias, os concílios reafirmariam essa concepção defendendo a Encarnação do Verbo. APROFUNDE ESSA QUESTÃO NO CATECISMO: n. 456-483 Voltando ao assunto da estrutura do ser humano, a linguagem tripartida de Paulo quer apenas sali entar as características que há em nós, nossa situação existencial no itinerário da vida em direção a Deus. Entre o corpo, a alma e o espírito existe, portanto, uma integração harmônica, como ensina o Catecismo: “A pessoa humana, criada à imagem de Deus, é um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual. O relato bíblico exprime esta realidade com uma linguagem simbólica, ao afirmar que: O Senhor Deus modelou o homem com a argila do solo, insuflou nas suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente (Gn 2,7). Portanto, o homem na sua totalidade é querido por Deus” (CAT, 362). -–- (1) Gn 1,1 ao 2,4a (escrito no séc. VI a.C, é de fonte sacerdotal, acentuando mais a transcendência divina – um Deus distante que tudo cria mediante a palavra) e Gn 2,4b-24 (escrito no séc. XI a.C, é de fonte sacerdotal, acentuando mais a imanência divina – um Deus próximo que sopra, planta, modela, põe a mão na massa). (2) Conferir nota da Bíblia do Peregrino, Paulus, 2ª. Ed. p. 2841. (3) Antropologia Filosófica I. Henrique C.L.Vaz, S.J. Ed. Loyola, 1991, p. 59. -–1. Corpo O corpo ou a carne do ser humano é aquilo que geralmente chamamos de matéria. É nele que se expressa a nossa fragilidade e a transitoriedade de nossa existência. Mas ele não é simplesmente massa corporal semelhante aos animais, pois participa da dignidade da imagem de Deus (cf. CAT, 364). Matéria sim, mas animada pela alma espiritual e por isto mesmo “destinada a tornar-se, no Corpo de Cristo, o Templo do Espírito” (CAT, 364). Deus ama nossa carne e pelo Espírito há de vivificála (cf. Rm 8,11), como professamos no Símbolo dos Apóstolos: “Creio na ressurreição da carne”. 2. Alma “Muitas vezes o termo alma designa na Sagrada Escritura a vida humana ou a pessoa humana inteira. Mas designa também o que há de mais íntimo do homem e o que há nele de maior valor, aquilo que mais particularmente o faz ser imagem de Deus: “alma” significa o princípio espiritual no homem” (CAT, 363). O corpo nos é dado por nossos pais. Já a alma é criada diretamente por Deus e é imortal (cf. COMP. 70). Jacinta Turolo Garcia, explicando a visão antropológica de Santa Edith Stein, escreve: “A alma do homem é o vínculo que une o corpo ao espírito, particip ando tanto da vida sensível, quanto da vida espiritual. O homem não é animal, nem anjo. Em su a sensibilidade, não coincide com o animal, nem em sua espiritualidade, com o anjo” (4). 3. Espírito “Por vezes ocorre que a alma apareça distinta do espírito. Assim S. Paulo ora para que nosso ‘ser inteiro, o espírito, a alma e o corpo’, seja guardado irrepreensível na Vinda do Senhor’ (I Ts 5,23). A Igreja ensina que esta distinção não introduz uma dualidade na alma. ‘Espírito’ significa que o homem está ordenado desde a sua criação para o seu fim sobrenatural” (CAT, 367). Para Jacinta Turolo Garcia, a estrutura tríplice assim se explica: “no alto, o espírito, para fora, o corpo, no meio, a alma” (5). É preferível, porém, evitarmos o uso da expressão alma e espírito, pois dá uma ideia de separação. O modo mais apropriado é falarmos em alma espiritual, juntamente com o corpo, evitando, igualmente, separá-lo da alma espiritual. Finalizando, ensina o Compêndio do Catecismo: “A pessoa humana é um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual. O espírito e a matéria, no homem, formam uma única natureza” (n. 69). A NATUREZA DO SER HUMANO A condição originária do ser humano é a bondade e a amizade com o Criador (cf. Gn 1,31a). Esta é a sua essência, a sua natureza, que lhe permite a participação na vida divina. Em função dessa graça, no projeto divino, todas as dimensões da vida humana seriam fortalecidas . Nem sofrer, nem morrer (cf. Sb 2,23), tal era a sorte do homem enquanto vivesse em plena harmonia consigo, com seu semelhante, com a criação e com o Criador (cf. CAT, 376). Mas toda essa harmonia original infelizmente acabou sendo afetada por nossos primeiros pais quando o ser humano, tentado pelo diabo, deixou que se apagasse em seu coração a confiança em relação a seu Criador. Em Gênesis, mediante uma linguagem feita de imagens, está relatada a queda do homem e mulher, que consiste basicamente na desobediência ao Senhor e no desejo de se tornar “como Deus”, isto é, sem Deus e não segundo Deus (cf. COMP, 75; CAT, 398). -–(4) Edith Stein e a formação da pessoa humana. Ed. Loyola/Universidade Sagrado Coração, 2ª. Edição, p. 59. (5) Idem. APROFUNDE A VERDADE DO PECADO ORIGINAL NO CATECISMO: n. 385-412. -–O AT mostra claramente as consequências dramáticas desta opção feita pelo ser humano, opção por si mesmo: perda da graça original (cf. Rm 3,23) e medo de Deus (cf. Gn 3,910). Daí vieram a perda do domínio das faculdades espirituais da alma sobre o corpo, a quebra da harmonia entre homem e mulher (cf. CAT, 400), enfim, a morte entra na história humana, a dominação, corrupção, quebra de relações fraternas etc. A partir do NT entendemos que todos os homens estão implicados no pecado de Adão (cf. Rm 5,19). Há uma universalidade do pecado original, que nos é transmitido por nascença e afeta a todos. O Catecismo chama isso de “morte da alma” (n. 403), a privação da santidade e da justiça originais (cf. CAT, 405). AÇÃO DA GRAÇA E SEUS FRUTOS NA NOSSA NATUREZA Matéria : Cesar M. Lima ( Agencia Católicos em Células – Campo Grande / MS )