1 CRISE DE ABASTECIMENTO E MUDANÇAS TECNOLÓGICAS NA PRODUÇÃO DE PAPEL ONDULADO Maria Sylvia M. Saes 1 Raquel Nadal 2 Christian Luiz da Silva 3 RESUMO A indústria de papelão ondulado vive crise de abastecimento de recursos decorrentes de problemas de fornecimento da principal matéria-prima: a celulose de fibra longa. Esta celulose é feita a partir do pinus, que tem problemas sustentabilidade de recursos pelo baixo investimento em novas florestas, que vêm perdendo mercado para celulose de fibra curta, que é produzida a partir do Eucalipto. O Eucalipto brasileiro tem vantagem comparativa pelo menor tempo de maturação e abundância da árvore se comparada com o pinus. Devido a essa conjuntura observa-se que o esforço em estudos tecnológicos da indústria de Papel Ondulado visa substituir uma porcentagem da fibra longa por papéis reciclados e mesmo por celulose de fibra curta para fabricação do papel ondulado. Esse artigo teve como objetivo avaliar as mudanças tecnológicas ocorridas no sistema de fabricação de embalagens, especialmente papelão ondulado, em termos da matériaprima básica utilizada. A metodologia adotada foi a realização de uma pesquisa exploratória sobre o tema envolvendo entrevistas semi-estruturadas com representantes da atividade industrial de celulose fibra longa e de papelão ondulado com vistas a discutir as mudanças tecnológicas ocorridas e reflexos na dinâmica setorial. A discussão, em caráter preliminar, confirma a tendência de busca contínua de nova tecnologia para substituição de recursos escassos (pinus). O esforço conjunto das empresas na busca de ações tecnológicas e as estratégias cooperativas por meio de suas associações de classe consideram a questão 1 Economista e doutora em economia pela USP, professora do curso de administração da FEA/ USP. E-mail: E-mail: [email protected] 2 Graduanda da USP 3 Economista, doutor em engenharia de produção pela UFSC e pós-doutor em Administração pela USP; coordenador do mestrado em organizações e desenvolvimento pela UNIFAE. E-mail: [email protected] 2 tecnológica não como um diferencial competitivo entre as empresas mas como de sobrevivência da própria indústria nacional. Palavras-chave: tecnologia; papelão ondulado; abertura de mercado; florestas; sustentabilidade madereira INTRODUÇÃO A indústria de papel se confunde com a reciclagem de matéria-prima. Somente a partir da década de 1970, incrementou-se significativamente o uso de matéria-prima virgem (floresta) para fabricação de celulose e papel. A década de 1990 coloca novamente em discussão o tipo de matéria-prima utilizada em razão da crise de abastecimento de matéria-prima virgem. Com déficit florestal na década de 1990, oriundo do aumento da demanda maior que a oferta, fez com que se buscasse novamente alternativas de recursos. A busca de alternativas demanda novas tecnologias e inovações de produto, processo ou organizacional. Estas novas tecnologias colocam em questão o problema relativo a matéria-prima. A indústria de papelão ondulado enfrenta atualmente uma crise de abastecimento de recursos decorrentes de problemas de fornecimento da principal matéria-prima: a celulose de fibra longa. Esta celulose é fabricada no Brasil a partir da madeira do pinus, cuja floresta tem apresentado problemas de sustentabilidade de recursos pelo baixo investimento em novas florestas e pela substituição dessas pelas Florestas de Eucalipto, que dão origem a celulose de fibra curta. Observada a relativa escassez da celulose de fibra longa, avanços tecnológicos que visam substituir uma porcentagem dessas fibras por papéis reciclados e mesmo por celulose de fibra curta têm sido verificados na indústria de Papel Ondulado. O objetivo deste artigo busca avaliar as mudanças tecnológicas ocorridas no sistema de fabricação de embalagens, especialmente papelão ondulado, em termos da matéria-prima básica utilizada. A metodologia adotada baseia-se em pesquisa exploratória sobre o tema envolvendo entrevistas semi-estruturadas com representantes da atividade industrial de celulose fibra longa e de papelão ondulado com vistas a discutir às mudanças tecnológicas ocorridas e reflexos na dinâmica setorial. Fez-se um estudo de 3 correlação das variáveis tecnológicas a partir de dados históricos obtidos nas associações de classe (ABTCP e Bracelpa). O artigo está dividido em 3 partes. A primeira busca apresentar a Indústria de Papel Ondulado no Brasil e as restrições do crescimento desse mercado devido ao fornecimento de pinus. Na segunda, as relações de demanda e oferta do produto, o estreitamento das margens da indústria e finalmente, a substituição da celulose de fibra longa por outras fibras menos custosas. A opção tecnológica e uso de fillers também serão discutidos. Na terceira parte uma análise das tendências do mercado e as perspectivas da produção serão exploradas. Por fim, algumas considerações finais serão apresentadas tendo em vista o posicionamento da produção brasileira e o mercado internacional. 1 O SISTEMA AGROINDUSTRIAL DE PAPEL ONDULADO A indústria de papel ondulado é composta de segmentos que apresentam complexas relações verticais e horizontais entre si. 4 A complexidade deve-se principalmente à estrutura bastante diversa dos fornecedores de sua matéria-prima, que pode ser caracterizada por um mix de insumo nobre e reciclado. A parte nobre é a celulose de fibra longa que advém da floresta de pinus. Outra parte do insumo utilizado na indústria de papel ondulado é o papel reciclado, cada vez mais presente na composição do papel ondulado. Existe um numero reduzido de empresas no setor que integram no seu processo produtivo desde a floresta até as caixas de papelão. Este fato é decorrente da presença de grandes barreiras à entrada que são causadas pela especificidade do ativo “floresta”, além da alta escala com que essas indústrias operam, levando à necessidade de grandes investimentos iniciais. São elas: Klabin, Rigesa e Orsa e Trombini. Somente essas quatro empresas no Brasil produzem a folha de papel para a fabricação do Papelão Ondulado (Kraft) uma vez são as únicas que possuem o ativo “floresta”. Já o fornecimento de reciclado contrasta fortemente com a estrutura hierárquica acima descrita. O reciclado é adquirido de aparistas, os quais têm uma estrutura 4 A análise das relações verticais e horizontais é denominada de Sistema – rede. Conceito desenvolvido pelo Programa de Estudos dos Negócios dos Sistemas Agroindustriais – PENSA. 4 horizontal informal muito bem estruturada. A estrutura se inicia nos acordos informais entre funcionários de limpeza de residências e/ou de escritórios com os catadores de papel, passa por de pequenas empresas na sua maioria informais chamadas de “sucateiras” que adquirem o produto e o encaminham para os aparistas, os quais têm o contato com as empresas de papel ondulado. (Figura 1) Chapa Papelão Cartonagens Industrialização Papel Kraft Madeira 2o. Processamento Papelão Ondulado Industrialização Papel Reciclado Reciclagem Aparas de Papel Papel Kraft Mercado Interno e Externo Ind. Alimentícia Ind. Química e Derivados Embalagem Papelão Ind. Mat. Elétrico Comunicação Ind. Fumo Outras Embalagens Multipack Tetra Pack Kraftliner Branco .. . Fruticultura Floricultura Demais Papel Reciclado Mercado Interno e Externo FIGURA 1 – ESQUEMA SIMPLIFICADO DAS GRANDES FIRMAS DE PAPEL ONDULADO Ainda, além das grandes empresas integradas verticalmente, existem também as médias e pequenas empresas que adquirem das quatro grandes o Kraft que juntamente com o reciclado fabricam o ondulado. A onduladeira é o principal equipamento da fábrica: ondula a folha de papel e cola-a com duas outras folhas planas. Segundo a ABPO (2005), em 2003, 78 empresas do setor possuíam onduladeiras. Vale observar que estas empresas, além de compradoras do Kraft das empresas integradas podem também se tornar suas concorrentes em determinados mercado. 5 Finalmente, também participam dessa indústria as empresas de cartonagens que são empresas que adquirem chapas de papel ondulado para fabricação de caixas de papelão. A entrada nesse segmento é facilitada pelo baixo investimento, quando comparado as demais empresas fabricantes de embalagem e elas geralmente se especializam em segmentos de mercados de pequeno porte que, na maioria das vezes, não são interessantes para as empresas grande porte, as quais costumam trabalhar com grandes escalas. Por isso, as cartonagens dificilmente serão concorrentes das grandes, mas podem ser das médias empresas de papelão ondulado. Dadas as características acima, a indústria de papel ondulado pode ser considerada como um oligopólio com franja competitiva. Ao lado das seis maiores Klabin, Rigesa, Trombini, Orsa, N. Sra. da Penha e Ibéria, as quais detém aproximadamente 60% do mercado, convivem inúmeras empresas de médio e pequeno porte. A tecnologia de produção é de domínio público e há pouca diferenciação do produto que, aliado às baixas barreiras à entrada e à existência de capacidade ociosa, resultam em uma competição muito intensa. (Tabela 1). O IHH dessa indústria no Brasil em 2003 é de 952, o que indica presença de concentração moderada nesse mercado. Ainda, se calculado o CR4, pode-se perceber as quatro maiores empresas do setor dominam mais que a metade do mercado de Papelão Ondulado no Brasil. TABELA 1 - EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DE MERCADO DAS PRINCIPAIS CONCORRENTES 2000 2001 2002 2003 26,0% 25,0% 23,0% 22,0% 8,4% 9,4% 10,4% 11,7% 10,0% 10,3% 10,6% 10,5% 6,4% 6,5% 6,9% 7,0% Penha 5,2% 5,1% 5,0% 4,9% Ibéria 4,5% 4,8% 4,0% 3,8% Klabin Orsa Rigesa Trombini N. Sra da 6 Ainda, pode-se afirmar que essa indústria tem sofrido progressos constantes, os quais podem ser observados na melhoria da qualidade da matéria-prima e nos avanços da tecnologia dos equipamentos, dos processos de produção e das técnicas de impressão da embalagem de papelão ondulado. O rápido crescimento da informática, por exemplo, tem revolucionado essa indústria permitindo produções contínuas agilizando, dessa maneira, o trabalho de desenvolvimento das embalagens. Esse progresso tecnológico é o grande responsável pelo intenso crescimento na produção e na produtividade dessa indústria. A produção apresenta uma taxa de crescimento anual de 3,8% ao ano (Gráfico 1). 2,5 2,0 1,5 1,0 0,5 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 2004 GRÁFICO 1 - EVOLUÇÃO DA PRODUÇÃO DE PAPEL ONDULADO (EM MILHÕES DE TONELADAS) É relevante mencionar também que a evolução tecnológica nessa indústria proporcionou um aumento das taxas de produtividade por onduladeira (gráfico 2). Vale destacar que a queda ocorrida em 2003 foi resultado do mau desempenho de todo o setor e não de um retrocesso tecnológico. 20000,00 18000,00 16000,00 14000,00 12000,00 10000,00 8000,00 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 Produtividade por Onduladeira 7 GRÁFICO 2 - EVOLUÇÃO DA PRODUTIVIDADE POR ONDULADEIRA Entretanto, esta indústria tem restrições no que diz respeito ao crescimento do seu mercado observado o crescente déficit de pinus, do qual é extraída a celulose de fibra longa que constitui uma das principais materiais primas do papel ondulado. A silvicultura intensiva de pinus é um dos principais itens do setor florestal brasileiro responsável pela geração de uma receita anual de aproximadamente US$ 6,1 bilhões. A formação desse patrimônio florestal foi estimulada pela lei dos incentivos fiscais para o reflorestamento que vigorou por 20 anos, entre as décadas de 1960 e 1980. Com o término desse incentivo, ocorrido em 1987, houve um acentuado decréscimo na taxa de plantios florestais. Apesar disso, a industrialização de pinus seguiu gerando produtos manufaturados como chapas de vários tipos, móveis, que se tornaram importantes itens de exportação. Entretanto, a base florestal de pinus não cresceu na mesma proporção da demanda do mercado, criando defasagens crescentes. De acordo com a Sociedade Brasileira de Silvicultura (SBS), a demanda por madeira de Pinus que foi de 40 milhões de metros cúbicos em 2002, deve aumentar para 80 milhões de metros cúbicos em 2020, gerando um déficit estimado em torno de 34 milhões de metros cúbicos. O déficit crescente do fornecimento dessa madeira tem gerado crises de abastecimento nas indústrias dependentes dela, como é o caso da indústria de papelão ondulado. Em prol de solucionar este problema, cada vez mais a referida indústria tem buscado substituir a celulose de fibra longa por outros tipos de materiais fibrosos como aparas e celulose de Eucalipto (Figura 2) Estes apresentam um menor custo de oportunidade, em função da maior disponibilidade e, além disso, o Brasil apresenta uma vantagem comparativa no que diz respeito especificamente a celulose de eucalipto 5 . Jorna Revist Papelã Papéi s Cartolin Tissu Fibra Fibra Curtade matéria-prima (grandes extensões de florestas e áreas de reflorestamento) e reduzido ciclo de 5 Abundância maturação do eucalipto facilitado pelo tipo de solo e condições climáticas, além da detenção de um parque industrial PA de alta tecnologia. Papel Filler 8 FIGURA 2 – MUDANÇA DA COMPOSIÇÃO DA MATÉRIA PRIMA PARA REDUZIR CUSTOS A vantagem comparativa brasileira na produção de eucalipto é um dos motivos pelos quais a plantação de florestas de Pinus têm perdido espaço para as Florestas de Eucalipto (Gráfico 3), o que gera também uma crescente perda de mercado da celulose de fibra longa comparativamente a celulose de fibra curta. Se analisadas estatísticas 6 de anos anteriores pode-se concluir que cada vez é maior a porcentagem de mercado ocupada pela celulose de fibra curta (Gráfico 4). Leite (2003) apontou como principais vantagens comparativas do Brasil os seguintes pontos: solos e clima favoráveis; disponibilidade de terras ociosas; disponibilidade de mão-de-obra; conhecimento científico e tecnológico; produtividade; capacidade organizacional da iniciativa privada; experiências bem sucedidas com fomento; mercado; agregação de valor (cluster). Estes pontos foram discutidos por Silva (2002) e, apesar de positivos, não são suficientes para manter a capacidade competitiva da indústria nacional. A falta de planejamento de longo prazo e o baixo investimento florestal são fatores fundamentais no incremento da dificuldade competitiva da indústria brasileira a partir de meados da década de 1990. 6 De acordo com dados preliminares da Bracelpa referentes à 2004, foram produzidas no Brasil nove mil e quatrocentas toneladas de celulose. Deste total, a produção de celulose de fibra curta representa 79%, a de fibra longa 16% e os 5% restantes são relativos às pastas de alto rendimento. 9 100% 80% 60% 40% 20% 0% 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 1998 2000 2002 Eucaliptos Pinus GRÁFICO 3 – EVOLUÇÃO DA ÁREA PLANTADA DE PINUS VS. EUCALIPTO NO BRASIL 100% 80% 60% 40% 20% 98 02 20 19 90 86 82 94 19 19 19 78 Fibra Longa 19 19 70 66 62 58 74 19 19 19 19 19 54 19 19 50 0% Fibra Curta GRÁFICO 4 – EVOLUÇÃO DA PRODUÇÃO DE CELULOSE DE EUCALIPTO VS. PINUS NO BRASIL 10 Além da vantagem comparativa do Brasil em relação aos demais países na produção de Eucalipto, o tempo de maturação deste varia de 6 a 7 anos enquanto o pinus leva de 11 a 12 anos em média para crescer. Isto torna o custo da celulose de fibra curta, feita de eucalipto, menor do que a celulose de fibra longa, de pinus. Ainda, como observado anteriormente a escassez de pinus é outro responsável pelo aumento dos preços da fibra longa. Fica claro, pelo exposto acima, que a utilização da fibra curta tem um menor custo para os produtores (Gráfico 5). 700 650 600 550 500 29 /0 6 13 /04 /0 7/ 27 04 / 10 07 / -A 04 24 ug -A 04 u 07 g -S 04 e 21 p -S 04 e 05 p -0 -O 4 19 ct-0 -O 4 ct 02 -04 /1 1 16 /04 /1 1 30 /04 /1 14 1 -D /04 28 ec -D 04 ec 11 -04 /0 1 25 /05 /0 08 1 / -F 05 eb -0 5 450 Fibra Longa (USD / t) Fibra Curta (USD / t) GRÁFICO 5 – EVOLUÇÃO DOS PREÇOS DE CELULOSE DE EUCALIPTO VS. FIBRA LONGA Também, a escassez de florestas leva à tendência de se utilizar maior quantidade de papel reciclado, menos custoso por não se tratar de um ativo especifico (Gráfico 6). A estrutura de fornecimento de aparas para as Indústrias de Papelão ondulado, embora bem estruturada, gera um problema de falta de controle de qualidade do papel reciclado. Como não existe um trabalho anterior de separação do material, as aparas são freqüentemente encaminhadas com outros materiais que desqualificam e comprometem o processo de produção e a qualidade do produto final. Essa forma consolidada de compra de aparas tem sido apontada como um dos grandes problemas que restringem a capacidade competitiva da indústria. 11 2800000 2300000 1800000 1300000 800000 300000 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Consumo de APARAS (tons) Consumo PO - MERCADO INTERNO ( tons) "Spread" (Aparas - PO) GRÁFICO 6 – EVOLUÇÃO DO CONSUMO DE PO VS. APARAS Outro problema com que se defronta essa indústria é a concorrência pela matériaprima com as empresas moveleiras. Um fato interessante é o crescimento do MDF no mercado nacional. Em 1997 a produção de MDF foi de 30 mil m3, enquanto em 2000 foi de 381 m3. Já a produção de aglomerado em 1994 era de 758 mil m3, ante 1764 mil m3 em 2000. Observado o contexto de preços acima e ainda a previsão de consumo crescente de pinus, não só pela indústria de papel, mas também pela de móveis, tem gerado esforços tecnológicos constantes visando substituir uma porcentagem desta fibra longa por papéis reciclados e mesmo por celulose de fibra curta para fabricação do papel ondulado, sem que este perca qualidade. (Gráfico 7, 8). 3000 19,00% 2800 14,00% 2600 2400 9,00% 2200 2000 4,00% 1800 -1,00% 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 Porcentagem 19 99 20 00 Mil Tons 20 01 20 02 20 03 1600 12 GRÁFICO 7 – EVOLUÇÃO DA PRODUÇÃO DE PAPÉIS PARA EMBALAGENS VS. VARIAÇÃO DO CONSUMO DE APARAS NO BRASIL GRÁFICO 8 – EVOLUÇÃO MENSAL DO CONSUMO DE APARAS VS. OUTRAS FIBRAS 2 TECNOLOGIAS DE FIBRA LONGA E APARAS: TENDÊNCIAS DE MERCADO Conforme Fonseca e Zeidan (2002, p. 2) “a atividade de reciclagem de papel é, na realidade, complementar à produção de matérias-primas fibrosas virgens, que constitui o principal insumo de todo processo de fabricação de papel. A reciclagem dos papéis seria tecnicamente impossível após quatro a cinco ciclos sem a entrada constante de matérias-primas fibrosas virgens no processo”. Esta atividade representou, em 2000, 33% do total da produção brasileira de papel do país. Apesar da vantagem comparativa brasileira, obtida pelo menor tempo de maturação de uma árvore 7 , o destino da floresta é diversificado, conforme discutido na seção anterior, o que demanda alternativas para indústria de papel. A reciclagem de papel surge da necessidade da matéria-prima em contra-partida com o crescente desmatamento. Segundo M da FAO (2003), o desmatamento mundial na década de 1990 foi de 14,6 milhões (estimativa do desmatamento anual). Considerando que foram plantados 5,2 milhões (plantio ou replantio anual), o déficit foi de 9,4 milhões ha/ano (deficit anual), sendo que a América Latina representou 7 O eucalipto, por exemplo, que compõe a base florestal das empresas brasileiras, pode ser cortado em sete anos, enquanto no norte da Europa os pinheiros não levam menos de 30 a 40 anos para estarem prontos. Mesmo o eucalipto da Península Ibérica e do Chile, com uma maturação de 11 a 12 anos, não se obtém as mesmas vantagens do Brasil. 13 45,6% deste déficit. No Brasil, as plantações de Pinus e Eucalyptus representam 4,8 milhões há, com um plantio anual de 200 mil hectares, ou seja, um valor bem menor que o consumo. O déficit de pinus em 2001 já estava em torno de 5000 m3, e a perspectiva é de alcançar o déficit de aproximadamente 27000 m3 em 2020 (LEITE, 2003). Conforme Pires (2003) “Na medida em que se ampliava a fabricação de papel no país, a partir de matérias-primas virgens, estimulando um maior consumo, paralelamente se ampliava a atividade de reciclagem, consequência da maior disponibilidade de papéis recicláveis”. Pires continua explicitando uma relação complementar entre o material reciclado (como aparas) e matéria-prima virgem (pinus – celulose fibra longa): “A atividade de reciclagem de papel é, em realidade, complementar à produção de matérias-primas fibrosas virgens, que constitui a porta de entrada de todo o processo. O aproveitamento dos papéis descartados seria tecnicamente impossível após quatro ou cinco ciclos, sem a entrada constante de matérias-primas fibrosas virgens no processo”. Ou seja, o crescente uso de material reciclável é necessário, contudo serve para diminuir a pressão de demanda sobre a matéria-prima virgem, que continua sendo necessária em menor escala. Os papéis recicláveis são oriundos principalmente de convertedores, que são as aparas. Em 2002, em torno de 60% dos papéis recicláveis eram aparas de papelões ondulados, o que demonstra a importância relativa das aparas para este mercado de ondulados (BRACELPA, 2005). Além da importância dos reciclados, é válido ressaltar que a qualidade de aparas é remunerada. O preço da aparas depende do tipo da matéria-prima. Segundo Godinez (2003), a partir de dados da Bracelpa, a aparas de ondulados custava R$ 412/ ton em julho de 2003 enquanto a Branca Tipo I, mais próxima da matéria-prima virgem, custava R$ 1126/ ton. Esta diferença mostra, também, a distância entre aparas e matéria-prima virgem. Pode-se perceber pelo gráfico 9 que existe aparente relação de causalidade: o aumento de preços da aparas causa um aumento do preço da celulose de fibra longa e vice-versa. Quando há ausência de aparas no mercado, aumenta o seu preço, o que causa um aumento da procura por fibra longa e respectivamente seu aumento de preço e não o contrario. 14 3200,00 420,00 2800,00 370,00 2400,00 320,00 2000,00 270,00 1600,00 220,00 1200,00 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 PREÇO APARAS PREÇO CELULOSE FIBRA LONGA (R$) GRÁFICO 9 – EVOLUÇÃO ANUAL DO PREÇO DE APARAS E CELULOSE FIBRA LONGA O quadro 10 mostra que o aumento da quantidade produzida de PO, pode ser verificado pela evolução da produção de aparas e celulose de fibra longa, que o uso de aparas aumentou mais que proporcionalmente do que o uso de celulose de fibra longa. 3500000 3000000 2500000 2000000 1500000 1000000 19 90 19 91 19 92 19 93 19 94 19 95 19 96 19 97 19 98 19 99 20 00 20 01 20 02 20 03 20 04 500000 QTDE APARAS QTDE CELULOSE FIBRA LONGA QTDE de PO GRÁFICO 10 – EVOLUÇÃO ANUAL DA QUANTIDADE DE APARAS E CELULOSE FIBRA LONGA Calculando as elasticidades cruzadas de preço de aparas e quantidade de fibra longa, pode-se perceber que o valor é em torno de 0,40 (ver apêndice 1), ou seja, isso denota que as aparas e a celulose de fibra longa são bens substitutos. A 15 tendência de redução dos recursos oriundos de fibra longa indica o aumento do uso do substituto (aparas). CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo deste artigo foi avaliar as mudanças tecnológicas a partir da matériaprima utilizada. A partir das pesquisas em dados secundários, comprovadas pelo modelo econométrico e pela entrevista realizada com importante fabricante de papelão ondulado, pode-se verificar o uso crescente de aparas como matériasprimas pelo estrangulamento de fornecimento da matéria-prima para produção de papel e papelão. A tecnologia de uso de aparas não é somente industrial, mas também organizacional. Além de necessitar de máquinas para otimizar as aparas, há todo um complexo sistemas de coleta do material reciclado para desenvolvimento das aparas. Esse ponto é, em realidade, um dos gargalos para incremento do uso das aparas no Brasil, cujo uso do reciclável ainda é menor do que a existente em países europeus. O incremento da reciclagem depende de fatores que tornem o fluxo do material reciclável mais fluente, o que está acontecendo à medida que aumenta o déficit de matéria-prima virgem. Contudo, salienta-se que a substituição das aparas por matéria-prima virgem não é completa, já que se necessita o uso da última como mistura no processo produto. Entretanto, seguramente diminui a pressão do déficit de matéria-prima. Neste sentido, a mudança tecnológica, tanto organizacional quanto produtiva, em razão das limitações dos recursos produtivos, torna-se uma alteração do padrão competitivo deste mercado (FERRAZ et alli, 1997; COUTINHO e FERRAZ, 1995) e coloca os produtores em busca de incremento de sua capacidade produtiva. Sugere-se como continuidade deste trabalho um estudo comparativo da capacidade competitiva das empresas que detém o ativo “florestal” e que, portanto, ainda utilizam a tecnologia de matéria-prima virgem, comparando com as empresas que utilizam apenas aparas. 16 REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PAPELÃO ONDULADO (ABPO). Disponível em: http://www.abpo.org.br/entrada.htm. Acesso em: Maio 2005. BRACELPA. Disponível em: www.bracelpa.org.br. Acesso em: maio 2005. BRACCO, Adelina. Corrida contra relógio. Revista Celulose & Papel, São Paulo, v. 13, n. 55, p. 18-25, ago.-set.1996. CARNEIRO, Carlos Marx. Considerações sobre o Desenvolvimento do Setor Florestal. Seminário “A Questão Florestal e o Desenvolvimento”. Rio de Janeiro: BNDES, 2003. CORDEIRO, João. Celulose de Mercado e integração: perspectivas e desafios à indústria brasileira. Revista O Papel, São Paulo, v. 62, n. 7, p. 80-81, jul. 2001. CAPO, Patrícia. Setor precisa investir para não perder a condição de exportador em 2005. 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Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) – Setor Ciências Exatas, Universidade Federal de Santa Catarina. APENDICE 1 – CÁLCULO ELASTICIDADES CRUZADAS Dependent Variable: LPA Method: Least Squares Date: 05/31/05 Time: 14:06 18 Sample(adjusted): 1997 2004 Included observations: 8 after adjusting endpoints Convergence achieved after 4 iterations Variable Coefficie Std. Error t-Statistic Prob. nt LQCL 0.416691 0.081802 5.093892 0.0022 AR(1) 0.813124 0.252092 3.225501 0.0180 R-squared 0.665188 Mean dependent var Adjusted R- 0.609385 squared S.D. dependent var S.E. of regression 0.287855 Akaike info criterion Sum squared 0.497163 Schwarz criterion resid 5 0.46057 4 0.55959 8 0.57945 9 Log likelihood - F-statistic 0.238394 Durbin-Watson 5.26974 2.136954 8 Prob(F-statistic) stat Inverted AR Roots 11.9204 0.01359 0 .81 Preço das Aparas = 0.416691 Qtde de Celulose de fibra longa Aumento do preço de celulose de fibra longa ⇨Aumenta Qtde de aparas Dependent Variable: LPCL Method: Least Squares Date: 05/31/05 Time: 14:08 Sample(adjusted): 1997 2004 Included observations: 8 after adjusting endpoints Convergence achieved after 4 iterations 19 Variable Coefficie Std. Error t-Statistic Prob. nt LQA 0.499091 0.030927 16.13747 0.0000 AR(1) 0.771071 0.208999 3.689349 0.0102 R-squared 0.799591 Mean dependent var Adjusted R- 0.766190 squared S.D. dependent var S.E. of regression 0.186445 Akaike info criterion 6.99182 6 0.38558 4 0.30904 0 Sum squared 0.208571 Schwarz criterion resid 0.28918 0 Log likelihood 3.236161 F-statistic 23.9387 8 Durbin-Watson 2.143077 stat Inverted AR Roots Prob(F-statistic) 0.00273 1 .77 Preço de Celulose de fibra longa = 0.499091 Qtde de Aparas