ESTRUTURA GENÉTICA DE DUAS POPULAÇÕES SELVAGENS DO SURUBIM, Pseudoplatystoma corruscans, LOCALIZADAS NO RIO SÃO FRANCISCO IX JEPEX Hozana Leite Dantas1, Karine Kelly Cavalcanti Oliveira2, Suzianny Maria Cabral da Silva3, Ana Cristina de Aguiar Saldanha Pinheiro4 e Maria Raquel Moura Coimbra5 Introdução O gênero Pseudoplatystoma compreende os maiores peixes da família Pimelodidae, da ordem dos Siluriformes, e esses podem ser encontrados nas principais bacias hidrográficas sul-americanas [1]. Este gênero é constituído pelas espécies Pseudoplatystoma corruscans da bacia do Paraná e São Francisco, Pseudoplatystoma fasciatum da bacia do Paraná e Amazônica e Pseudoplatystoma tigrinum, somente da bacia Amazônica [2,3]. O Pseudoplatystoma corruscans, conhecido no vale do São Francisco como surubim, tem corpo alongado e roliço, com o flanco e o dorso cobertos por máculas arredondadas, que lhe conferem a denominação popular de pintado em algumas regiões [4]. No Brasil, os surubins são os peixes de água doce de maior valor comercial, considerados produtos nobres por apresentarem carne saborosa, com baixo teor de gordura e ausência de espinhas intramusculares [5]. A construção de hidrelétricas entre o médio e o submédio São Francisco associada a inundações, poluição, sobrepesca e à introdução de espécies exóticas podem alterar ecossistemas e ameaçam as espécies aquáticas nativas, especialmente aquelas que executam migração [6]. Devido a esses fatores, o surubim é uma das espécies de peixe mais ameaçadas, com estoques próximos ao colapso [7]. No mundo, cerca de 70% dos recursos pesqueiros estão sobreexplorados, em declínio ou se recuperando do declínio. A preservação de peixes de água doce tem sido tradicionalmente conduzida através de programas de repovoamento, em que a conservação da variação genética é um componente essencial [8]. Um ponto crítico sobre programas de repovoamento é que um grande número de reprodutores do ambiente natural, sem relação de parentesco, é necessário a fim de maximizar a variabilidade genética, diminuindo os impactos sobre a população natural [9]. Contudo, diversos fatores dificultam a utilização desse grande número de indivíduos, sendo viável a utilização de poucos indivíduos selvagens como estoque fundador [10]. Através da caracterização da distribuição geográfica das freqüências alélicas, a sub-estruturação populacional pode ser detectada, e populações locais identificadas, constituindo informações essenciais para guiar a construção do estoque fundador de programas de repovoamento. Um grande avanço nas pesquisas genéticas voltadas a aqüicultura foi dado com o emprego da tecnologia dos marcadores de DNA. Dentre esses marcadores moleculares, destacam-se os de microssatélite que possuem todas as características desejáveis a serem utilizadas em estudos de genética de populações, por apresentarem alto polimorfismo, serem co-dominantes e seletivamente neutros [11]. Um total de cinco loci de microssatélite está disponível na literatura para a espécie de surubim P. corruscans, fornecendo as ferramentas para a análise dos parâmetros genéticos de populações selvagens [12]. A genotipagem destes marcadores em populações naturais de surubim fornecerá dados essenciais para o trabalho de repovoamento da Bacia do São Francisco, de modo a permitir não só o aumento populacional, como também a manutenção do patrimônio genético desta espécie na bacia. O presente trabalho objetivou avaliar a estrutura genética de duas populações selvagens de surubim através da utilização de marcadores moleculares de microssatélite. Material e métodos ________________ 1. Bolsista Capes do Programa de Pós-Graduação em Recursos Pesqueiros e Aqüicultura. Universidade Federal Rural de Pernambuco. E-mail: [email protected] 2. Laboratório de Genética Aplicada, Departamento de Pesca e Aqüicultura, Universidade Federal Rural de Pernambuco. 3. Bolsista do CNPq do Programa de Pós-Graduação em Recursos Pesqueiros e Aqüicultura. Universidade Federal Rural de Pernambuco. 4. Mestre em Recursos Pesqueiros e Aqüicultura. 5. Professor Adjunto do Departamento de Pesca e Aqüicultura, Universidade Federal Rural de Pernambuco. E-mail: [email protected] A. Coleta das amostras e extração do DNA genômico Tecidos da nadadeira dorsal de 44 indivíduos de surubim foram coletados das populações localizadas no município de Remanso (BA) e Três Marias (MG) e em seguida, armazenados em etanol a 95%. O DNA foi extraído de acordo com o protocolo padrão com modificações [13]. As amostras foram digeridas utilizando-se TNES-Urea (125 mM de NaCl, 10 mM de Tris-HCl pH 7.5, 10 mM de EDTA, com concentração de 0.5% SDS) e 100μg/mL de Proteinase K. A purificação foi feita utilizando-se fenol, clorofórmio e álcool isoamílico. Foi utilizado etanol para precipitação do DNA e o precipitado foi ressuspendido em TE. B. Amplificação dos loci de microssatélite por PCR Foram usados cinco pares de primers descritos na literatura [12]. As reações de PCR foram conduzidas utilizando-se as seguintes condições: desnaturação a 94°C por 4 min; 35 ciclos sucessivos de desnaturação a 94°C por 30s, anelamento a 56°C (Pcor1, Pcor5 e Pcor21) ou 58°C (Pcor2 e Pcor10) por 30s, extensão a 72° C por 1 min e extensão final a 72° por 10 min. Cada reação continha 1U de Taq polimerase, 200µM de cada dNTP, 1X tampão de PCR (10 mM de Tris-HCL pH 8.3, 50 mM de KCl), 1,5mM de MgCl2, 1µM de cada primer e 20ng de DNA para um volume final de 10 µL. C. Eletroforese em gel de poliacrilamida Os produtos de PCR foram separados por eletroforese em gel de poliacrilamida vertical a 6%. A eletroforese durou em média 2 horas a 1500 V, 60MA e 55W. Foi utilizado um marcador de peso molecular de 10pb (Invitrogen) para estimar o tamanho dos alelos. Ao término da corrida, o gel de poliacrilamida foi fixado com ácido acético a 10%, seguido de coloração com nitrato de prata a 0,01% e revelado com carbonato de sódio a 3%. O registro da imagem foi feito em um scanner. As imagens foram processadas usando o Molecular Imaging Software Version 4.0 (©1994-2005 EASTMAN KODAK COMPANY, Rochester, New York, USA) para confirmação do tamanho das bandas. D. Análises estatísticas Os parâmetros de variabilidade genética avaliados no estudo foram calculados através do GENEPOP versão 1.2 [14], onde foram analisadas as heterozigosidades observada (Ho) e esperada (He), bem como, o coeficiente de endocruzamento (FIS), o índice de diversidade genética entre as populações (FST), os testes de equilíbrio de Hardy-Weinberg (HWE) e de desequilíbrio de ligação. A presença de alelos nulos foi avaliada pelo programa Micro-Checker [15]. O conteúdo de informação polimórfica (PIC) foi calculado de acordo com Botstein et al. [16]. selvagens de surubim está descrita na Tabela 1. O número médio de alelos encontrados para as populações estudadas foram 7,6 para Remanso e 8,4 para Três Marias. Em um trabalho realizado com 43 indivíduos de uma população natural de surubim da Bacia do Paraná o número médio de alelos encontrados foi de 11,8 [12]. A diferença do número médio de alelos entre as populações estudadas e a população da Bacia do Paraná pode ser justificada pela presença de alelos nulos. Esses alelos são resultantes de mutações ocorridas nas regiões do DNA-alvo, as quais impossibilitam a amplificação desse alelo [17]. Para a população de Remanso a média da heterozigosidade observada foi de 0,707 e a heterozigosidade esperada foi de 0,751. A população de Três Marias apresentou média da heterozigosidade observada de 0,682 e esperada de 0,727. Em Revaldaves et al. [9], a média da heterozigosidade observada foi de 0,563 e a da esperada foi de 0,814, os valores para a esperada encontram-se próximos aos do nosso trabalho, porém os valores para a observada apresentam-se inferiores comparados aos das populações desse estudo. Para ambos os trabalhos, os valores das heterozigosidades observadas foram inferiores aos das esperadas indicando um aumento no número de homozigotos. Os valores médios de FIS encontrados para as populações de Remanso e Três Marias foram 0,0474 e 0,0524 respectivamente. O índice de fixação FST obtido foi de 0,2310, indicando um grau de diferença entre as populações estudadas. O desvio do equilíbrio de Hardy-Weinberg (HWE) mostrou-se não significativos para quase todos os loci, exceto para o locus Pcor2 em ambas as populações. Esse desequilíbrio indica um déficit de heterozigotos que pode ter sido ocasionado pela presença de alelos nulos confirmada para o locus Pcor2 (Tabela 1). O conteúdo de informação polimórfica (PIC), apresentou valores altos com média de 0,7114 para a população de Remanso e 0,6873 para a população de Três Marias. Segundo a classificação de Botstein et al. [13], marcadores com valores de PIC superiores a 0,5 são considerados muito informativos, valores entre 0,25 e 0,50 mediamente informativos e valores inferiores a 0,25, pouco informativos. Referências [1] [2] [3] [4] [5] Resultados e Discussão A variabilidade genética das duas populações [6] BURGESS, W.E. An atlas of freshwater and marine catfishes: a preliminary survey of the Siluriformes. Neptune City: TFH Publications, 1989. 784p. WELCOMME, R. L. River Fisheries. FAO, Roma, 1985, 330p. (FAO Fisheries Technical Paper, 262). PETRERE, JR. M. A pesca de água doce no Brasil. Ciênc Hoje, 1995, 19, p. 28-33. BRITSKI, H.A.; SATO, Y. & ROSA, A.B.S. Manual de identificação de peixes da região de Três Marias: com chave de identificação para os peixes da bacia do São Francisco. Brasília: Câmara dos Deputados/Codevasf, 1984, 143p. KUBITZA, F.; CAMPOS, J.L. & BRUM, J.A. Surubim: produção intensiva no Projeto Pacu Ltda. e Agropeixe Ltda. Panor Aquicult, 1998, 49, p.25-32. GODINHO, H. P.; MIRANDA, M.T.; GODINHO, A.L. & SANTOS, J.E. 1997. Pesca e biologia do surubim Pseudoplatystoma coruscans no rio São Francisco. In: MIRANDA, M. O. T. DE (Org.). Surubim. Série Estudos Pesca 19. 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Isolation and characterization of microsatellite loci in Pseudoplatystoma corruscans [13] [14] [15] [16] [17] (Siluriformes: Pimelodidae) and cross-species amplification. Molecular Ecology Notes, 5: 463-465. SAMBROOK, J.; FRITSCH, E.F.; MANIATS, T. 1989. Molecular cloning: A Laboratory Manual, 2 Edição. Cold Spring Habor lab. Press, New York. RAYMOND M. & ROUSSET F. 1995. GENEPOP (version 1.2): population genetics software for exact tests and ecumenicism. Journal Heredity, 86, V. 3: 248-249. OOSTERHOUT, C.V.; WEETMAN, D. & HUTCHINSON, W.F. 2006. Estimation and adjustment of microsatellite null alleles in nonequilibrium populations. Molecular Ecology Notes 6: 255-256. BOTSTEIN D., WHITE R. P., SKOLNICK M. & DAVIS R. W. 1980. Construction of a genetic linkage map in man using restriction fragment length polymorphisms. Am J Anim Genet 32: 314–331. CALLEN, D. F.; THMPON, A. D.; SHEN, Y; PHILLIPS, H. A.; RICHARDS, R. I.; MULLEY, J. C. & SUTHERLAND, G. R. 1993.Incidence and Origin of Null Alleles in the (AC)n Microsatellite Markers. American Journal of Human Genetics v. 52, p. 922-927. Tabela 1. Variabilidade genética das duas populações selvagens para os cinco loci do Pseudoplatystoma corruscans. População Remanso Locus Pcor1 Pcor2 Pcor 5 Pcor10 Pcor21 n 44 44 43 44 44 A* 3 11 9 9 6 An** não sim não não não Ho* 0,5454 0,6818 0,7674 0,7272 0,8181 He* 0,5347 0,8894 0,8257 0,7533 0,7549 PIC*** 0,473688 0,867229 0,796189 0,710749 0,709298 HWE* ns * ns ns ns Três Marias An** Locus n A* Ho* He* PIC** HWE* não 42 4 0,4523 0,4713 0,424855 ns Pcor1 sim 42 11 0,6904 0,8812 0,858372 * Pcor2 não 43 12 0,8139 0,8768 0,853917 ns Pcor 5 não 36 9 0,6666 0,7112 0,669544 ns Pcor10 não 43 6 0,7906 0,6976 0,630228 ns Pcor21 n = número amostral; A = número de alelos; An = Presença de alelos nulos; Ho = heterozigosidade observada; He = heterozigosidade esperada; PIC = conteúdo de informação polimórfica. Fontes: *Genepop; **Micro-Cheker; *** Calculado de acordo com Botstein et al. (1980). HWE = Equilíbrio de Hardy-Weinberg, ns = não significante; * P<0,05