O papel da dispersão de sementes na estruturação genética de
populações fragmentadas de plantas.
MAÍNA BERTAGNA1
1
Depto de Genética e Evolução – IB – Unicamp, SP.
e-mail: [email protected]
Resumo
A fragmentação pode modificar a composição genética das espécies de plantas ao longo do
tempo. O elemento–chave para predizer os efeitos da fragmentação é o nível de fluxo gênico entre
as populações. Com altas taxas de fluxo gênico, pouca variabilidade genética será perdida nos
fragmentos em níveis individuais e na espécie como um todo. Por outro lado, se as taxas de fluxo
gênico são reduzidas abaixo dos níveis anteriores à fragmentação, então a estruturação genética
entre fragmentos aumentará e a variabilidade genética nos fragmentos diminuirá. A dispersão é um
dos componentes do fluxo gênico e seus mecanismos modelam a composição genética de espécies
de plantas. De um modo geral, em espécies fragmentadas com dispersão limitada de sementes é
muito provável haver uma heterogeneidade genética entre as populações de novas plântulas,
enquanto que espécies com uma dispersão de sementes mais ampla devem ter uma heterogeneidade
genética menor entre fragmentos. A utilização de marcadores moleculares está auxiliando estudos
que tentam demonstrar a extensão e a magnitude do fluxo gênico através da contribuição relativa da
dispersão de pólen e de sementes nas populações fragmentadas. Os poucos estudos feitos até o
momento mostraram que o papel da dispersão de sementes na estrutura genética de plantas
fragmentadas varia de espécie para a espécie, pois cada uma responde diferentemente ao meio no
qual ela vive, à sua interação com agentes dispersores e polinizadores e à fragmentação.
Palavras-chave: fragmentação, plantas, dispersão, estruturação genética.
Introdução
A fragmentação do habitat diminui o tamanho e potencialmente aumenta o isolamento de
populações dentro de fragmentos florestais. Ela também reduz a disponibilidade de locais de
colonização úteis para a fundação de novas populações. Espera-se que a fragmentação do habitat
diminua a variabilidade genética dentro das populações e aumente a diferenciação genética entre as
populações fragmentadas, afetando a viabilidade de cada uma a curto e a longo prazo (Young et al,
1996).
A diferenciação ou estruturação genética de populações de plantas se refere à distribuição da
variabilidade genética, destas populações, no espaço e no tempo. Em populações fragmentadas,
quanto maior a estruturação, mais diferentes geneticamente uma das outras elas serão. A
estruturação genética pode ser manifestada entre populações geograficamente distintas, dentro de
grupos locais de plantas, ou na progênie de indivíduos. Ela resulta da interação de forças evolutivas,
ou seja, da interação entre a mutação, migração, seleção natural e deriva genética, que por sua vez,
devem operar num contexto biológico e histórico de cada espécie de planta (Loveless & Hamrick,
1984).
A dispersão de pólen (polinização) e de sementes entre populações estabilizadas (fluxo
gênico) reduz a diferenciação genética entre populações e pode introduzir variabilidade genética
nova em populações receptoras (Wright, 1931 apud Nason, et al., 1997). Se duas populações trocam
genes a uma taxa alta, a ponto do recrutamento de uma população ser dependente da outra, então,
talvez seja melhor considerá-las como uma única população. Neste sentido, a dispersão
influenciaria não apenas a estrutura genética, mas também definiria os limites de cada população.
Com a fragmentação espera-se que haja uma redução do fluxo gênico entre populações,
diferenciando-as. Mas, esta redução dependerá dos mecanismos de dispersão de sementes e dos
tipos de polinização, pois ambos diferem quanto à distância de ação e à resposta à fragmentação.
A densidade influencia a quantidade de fluxo gênico e a estruturação genética entre
populações de plantas. A princípio, quanto maior a densidade, maior a quantidade de fluxo gênico e
menor a estruturação genética das populações. Wright (1943 e 1946) apud Nason et al. (1997)
descreveu o modelo de vizinhança para se entender a relação entre a dispersão de sementes e
polinização, a densidade da população e o efeito destes fatores na estrutura genética espacial.
Segundo o modelo, o tamanho da vizinhança ou o número de indivíduos dentro dela são
determinados pela extensão do fluxo gênico e pela densidade da população local. Quanto maiores as
distâncias do fluxo gênico, maior será o tamanho da vizinhança, menor a taxa de deriva genética e
portanto, menor a diferenciação genética entre vizinhanças. A fragmentação pode resultar em
mudanças dramáticas na densidade das plantas, reduzindo a vizinhança, pois o fluxo gênico entre
fragmentos vizinhos não depende somente da distância física entre eles, mas também do número
destes fragmentos. Quando as áreas de vizinhança são pequenas, as freqüências dos genes podem
variar entre os fragmentos vizinhos como um resultado da pressão de seleção local. Quando o
número de indivíduos dentro das vizinhanças é pequeno comparado ao número de indivíduos antes
da fragmentação, a deriva genética pode oprimir os efeitos de seleção fraca (Nason et al., 1997).
A fragmentação pode modificar imediatamente, a curto e a longo prazo a composição
genética das espécies de plantas. O elemento–chave para predizer os efeitos da fragmentação é o
nível de fluxo gênico entre as populações. Com altas taxas de fluxo gênico, pouca variabilidade
genética será perdida nos fragmentos em níveis individuais e na espécie como um todo. Por outro
lado, se as taxas de fluxo gênico são reduzidas abaixo dos níveis anteriores à fragmentação, então a
estruturação genética entre fragmentos aumentará e a variabilidade genética nos fragmentos
diminuirá (Hamrick, 2004).
Efeitos imediatos da fragmentação na estrutura genética
Os efeitos imediatos da fragmentação na composição genética de populações de plantas
estão diretamente relacionados à estrutura genética e demográfica pré-existentes e são determinados
tanto pela escala espacial como pelo padrão de fragmentação. A estrutura genética das populações
será alterada pela perda inicial de genes (efeito fundador) e pela fragmentação do habitat
propriamente dita. O grau de mudança devido à perda inicial de genes dependerá de como os
fragmentos são amostrados da paisagem, considerando não apenas o número absoluto de indivíduos
contidos dentro dos fragmentos, mas também a escala espacial da fragmentação relacionada à
estrutura genética pré-existente (Nason et al., 1997).
Imediatamente após a fragmentação, a estrutura genética como um todo representaria a
estrutura genética antes da fragmentação. Se a população original tinha pouca estruturação genética
espacial, os fragmentos espacialmente separados devem também mostrar pouca heterogeneidade.
Por outro lado, se a população original era altamente estruturada geneticamente, os fragmentos
remanescentes podem diferir na composição genética. Os alelos raros presentes na população
original podem ser perdidos, mas deve haver pouca perda de variabilidade genética (Nason et al.,
1997; Hamrick, 2004).
Potencialmente, os padrões de cruzamento podem ser rompidos, aumentando o
endocruzamento, exceto em casos onde os indivíduos estejam relacionados uns com os outros. Os
padrões de fluxo gênico podem ser mudados, em particular, a polinização e a dispersão de sementes
podem ser reduzidas como resultado da fragmentação.
A distribuição da variabilidade genética dentro e entre as populações remanescentes
dependerá da escala espacial da fragmentação em relação à área da vizinhança pré-existente. Se os
fragmentos contêm muitos vizinhos, então a diversidade genética será mais dividida dentro do que
entre os fragmentos, por outro lado, se os fragmentos são menores do que a área vizinha, então o
contrário será verdadeiro. Análises de isoenzimas sobre o padrão de dispersão de pólen e a estrutura
genética espacial de populações de florestas contínuas sugerem que a vizinhança de espécies
arbóreas tropicais é freqüentemente maior do que muitos fragmentos florestais (Nason et al., 1997).
Efeitos a curto prazo da fragmentação na estrutura genética
Os efeitos a curto prazo da fragmentação na estrutura genética de populações de plantas
ocorrem durante o processo de fragmentação, ou em uma ou duas gerações após a fragmentação. As
alterações na dinâmica da dispersão na paisagem fragmentada influenciarão o nível de autonomia
dos fragmentos. O termo dispersão, quando aplicado à maioria dos organismos, incorpora dois
fenômenos distintos, mas inter-relacionados, a migração e a colonização. A migração é definida
como o movimento dos indivíduos e a incorporação dos seus genes em populações estabilizadas. A
colonização, por sua vez, é definida como o movimento e o estabelecimento de indivíduos e seus
genes em habitas desocupados. Os efeitos da migração e da colonização no fluxo gênico e na
dinâmica das populações têm sido sujeitos a vários modelos durante toda a história da genética de
populações e da biologia evolutiva (MacCauley, 1991). Muitos destes modelos diferem sobre os
padrões de dispersão e movimento dos genes dentro e entre populações, assim as taxas de fluxo
gênico e a estrutura genética podem ser mais ou menos reais para as diferentes espécies (Hamrick &
Nason, 1996).
O modelo de ilhas de Wright (1931) assume que o fluxo gênico é igual e constante entre as
populações. Uma mutação introduzida na população será espalhada para todas as outras populações
durante a primeira geração com a mesma probabilidade de acordo com a taxa de fluxo gênico. No
equilíbrio entre a mutação e deriva genética, por geração, quatro ou mais migrantes deveriam anular
o efeito da deriva genética, que age a favor da diferenciação das populações. Quando uma
população é grande, o efeito da deriva genética é pequeno e são necessárias baixas taxas de
migração para que não haja perda de diversidade genética. Em pequenas populações são necessárias
taxas de migração de 20% ou mais para que não haja perda de diversidade genética. Do mesmo
modo, altas taxas de migração são necessárias se os imigrantes forem geneticamente
correlacionados, principalmente quando eles se originam de um número pequeno de plantas ou
populações vizinhas (Hamrick & Nason, 1996).
A fragmentação gera gargalos populacionais, ou seja, ao reduzir bruscamente o número de
indivíduos numa população, faz com que haja a deriva genética mais fortemente nas primeiras
gerações e consequentemente, perda de variabilidade genética. Rápidos aumentos nas taxas de
crescimento de espécies arbóreas pioneiras, em fragmentos recém-formados, poderiam aliviar as
conseqüências de gargalo populacional. Porém, é pouco provável que a regeneração de espécies
florestais primárias seja aumentada por mudanças bióticas e abióticas associadas à fragmentação.
Assim, a migração de indivíduos entre fragmentos via fluxo de pólen e sementes é muito importante
para o sucesso de recrutamentos e manutenção da variabilidade genética de espécies arbóreas
fragmentadas (Hamrick & Nason, 1996).
Efeito a longo prazo da fragmentação na estrutura genética
Os efeitos a longo prazo na estrutura genética de populações de plantas ocorrem em muitas
gerações após a fragmentação . As mudanças na composição genética das espécies fragmentadas
dependerão da presença e do comportamento dos polinizadores e dispersores de sementes, além da
relativa ocorrência de migração versus extinção e recolonização (Nason et al., 1997).
Em paisagens cujo fluxo gênico entre os fragmentos florestais é baixo, haverá a redução da
variabilidade genética e da heterozigosidade individual dentro dos fragmentos e o aumento da
variabilidade entre os fragmentos via deriva genética. O nível das extinções e da destruição de
fragmentos reduzirá ainda mais a diversidade genética de espécies por toda a área perturbada,
podendo resultar em perda de novos alelos e de complexos de genes localmente adaptados. Este
potencial para a erosão a longo prazo da variabilidade genética pode ser revertido apenas devido à
longa distância natural da imigração do pólen ou da semente, à recolonização individual, ou a
esforços de recuperação (Hamrick e Nason, 1996).
A extinção e a recolonização aumentarão a estruturação genética entre as populações se os
colonizadores forem de uma única população (Hamrick et al., 1993). A diferenciação será, além
disso, aumentada se os eventos de dispersão forem correlacionados, a partir de frutos com muitas
sementes, ou se as populações sobreviventes são monomórficas para diferentes combinações de
alelos devido à deriva genética (Nason et al., 1997).
A dispersão de sementes e estruturação genética
Estudos sobre os efeitos da fragmentação na estrutura genética e na dispersão de sementes
ainda são muito escassos. Porém, é sabido que os mecanismos de dispersão de sementes podem
modelar a composição e a estrutura genética das populações de plantas. De um modo geral, em
espécies com dispersão limitada de sementes (autocoria) é muito provável haver uma
heterogeneidade genética entre as populações de novas plântulas, enquanto que espécies com uma
dispersão de sementes mais ampla (anemocoria e zoocoria) devem ter uma heterogeneidade
genética menor entre fragmentos, devido ao fluxo gênico de sementes (Fleming e Heithaus, 1981;
Hamrick et al., 1993)).
A dispersão pela gravidade (autocoria), ou por cápsulas explosivas deposita as sementes
próximas aos pais. Sendo assim, ela aumenta a estrutura das populações e a homozigosidade,
reduzindo o tamanho efetivo (Ne) e promovendo a divergência entre as populações. Este efeito,
entretanto, poderia ser modificado pela dispersão secundária de sementes. As sementes dispersas
pelo vento (anemocoria) estão em maior concentração próximas aos pais, e conforme se aumenta a
distância, o gradiente de concentração destas sementes vai diminuindo, pois o movimento de
sementes dispersas pelo vento depende da velocidade, do tamanho, das características morfológicas
da semente e da altura da qual ela é lançada. Assim, este mecanismo de dispersão inibirá a
diferenciação local, mesmo com a migração de sementes a longas distâncias sendo limitada. Já a
dispersão por animais (zoocoria) envolve a digestão ou o transporte das sementes presas ao corpo
do animal. Devido ao transporte regular a longas distâncias, a estrutura genética entre as populações
é reduzida, promovendo a homogeneidade. Do mesmo modo, dentro das populações, a dispersão
por animais pode reduzir o agrupamento dos indivíduos e a estrutura das populações (Loveless &
Hamrick, 1984).
Estudos do comportamento de diferentes agentes dispersores de sementes, em paisagens
fragmentadas, podem auxiliar no entendimento do papel de cada dispersor no fluxo gênico entre
fragmentos e na manutenção da variabilidade genética dentro de cada fragmento. Já foi
demonstrado que a taxa de dispersão por aves e por mamíferos não voadores sofreu declínios mais
abruptos na dispersão de sementes entre os ecótonos floresta-pastagem, do que a taxa de dispersão
pelo vento ou por morcegos (Charles-Dominique, 1986; Foster et al., 1986). Estes estudos
concordaram com as observações de que a dispersão pelo vento pode realmente ser facilitada pela
fragmentação (Fore et al., 1992) e que os morcegos são conhecidos por viajarem a longas distâncias
e a atravessarem diversos habitats durante o forrageamento (Heiathus e Fleming, 1978).
Por outro lado, estudos encontraram que sementes de espécies arbóreas florestais maduras
foram dispersas por aves a mais de 300m da planta-mãe (Guevara e Laborde, 1993). Além disso,
algumas espécies de aves e mamíferos, que carregavam sementes de áreas florestadas, visitaram
muito locais com agricultura (Estrada et al., 1993).Outro estudo encontrou que algumas espécies de
aves tropicais usam numerosos fragmentos como parte de seu percurso de forrageio (Rolstad,
1991). Entretanto, há evidências de que aves frugívoras habitantes de sub-bosque, que são
importantes para muitas espécies de plantas arbóreas e arbustivas tropicais, podem ser física ou
comportamentalmente incapazes de se movimentar através de áreas, tanto naturais como artificiais,
sem cobertura florestal (Capparella, 1990 apud Nason et al., 1997).
Marcadores genéticos para a detecção de fluxo gênico
A distribuição da variabilidade genética em espécies de plantas tropicais pode fornecer
informações de como a polinização, a dispersão de sementes e a fecundidade estão atuando nas
populações. Entretanto, investigações sobre a distribuição e os níveis de variabilidade genética
freqüentemente tratam o padrão observado como um fenômeno estático e deste modo, é
desconhecido como as populações chegam aos níveis observados de diversidade genética. Isto é
particularmente verdade com relação à contribuição de determinantes ecológicos específicos para a
aquisição da diversidade genética (Erickson et al., 2004).
Apesar de ser possível inferir eventos como gargalos populacionais ou forte seleção na
história das populações é difícil de se determinar a reconstrução das contribuições de fatores
ecológicos que determinam a variação no sucesso reprodutivo e a contribuição de diferentes origens
do fluxo gênico e de endocruzamento (Erickson et al., 2004). Estudos estão sendo feitos a fim de
reconstruir determinantes ecológicos da estrutura genética como uma contribuição relativa da
dispersão de pólen e de sementes em populações de plantas (Ennos, 1994; El Mousadik e Petit,
1996). Estas tentativas são feitas a partir da reconstrução genealógica, ou análise de paternidade e
maternidade, que podem demonstrar a extensão e a magnitude do fluxo gênico com o auxílio de
marcadores moleculares.
A disponibilidade de numerosos marcadores moleculares permite estimar direta e
indiretamente o fluxo gênico via dispersão de pólen e de sementes. Apesar de as evidências ainda
serem relativamente escassas, duas generalizações podem ser feitas: as espécies diferem no seu
potencial para o movimento do gene e este potencial depende do sistema de cruzamento, dos
mecanismos de dispersão e das características da história de vida de cada espécie (Hamrick &
Nason, 1996).
A extensão do fluxo gênico entre populações difere para marcadores herdados
biparentalmente, maternalmente e paternalmente. As isoenzimas são marcadores genéticos de
herança nuclear, ou seja, elas são produtos da expressão de genes herdados tanto do pai quanto da
mãe. Já os marcadores organelares mostram predominantemente herança uniparental. O genoma do
cloroplasto (cpDNA) é geralmente herdado maternalmente nas angiospermas e herdado
paternalmente nas giminospermas; os genomas mitocondriais (mtDNA) são maternalmente
herdados na maioria das plantas, com a exceção de algumas gimnospermas (Ennos, 1994).
Podemos dizer que o fluxo gênico para marcadores herdados maternalmente será menor do
que para marcadores nucleares, pois os primeiros são carregados apenas por semente e os
marcadores nucleares são carregados de uma população para outra via pólen e semente. Assim,
podemos dizer que a extensão da diferenciação entre populações varia entre os marcadores
herdados nuclear, maternal e paternalmente para o mesmo conjunto de populações. Além disso, nas
populações de plantas, a extensão destas diferenças é provavelmente uma função da quantidade
relativa de fluxo gênico interpopulacional, tanto via pólen, quanto via semente. Assim, é possível
fazer uso de medidas simultâneas na diferenciação das populações com diferentes modos de
herança para obter estimativas de fluxo gênico (Ennos, 1994).
Alguns marcadores como isoenzimas, DNA de cloroplasto e RAPD estão sendo muito
utilizados sozinhos ou em conjunto para descrever a estruturação genética de espécies de plantas
fragmentadas, através de análises de paternidade e maternidade, para se estimar o fluxo gênico entre
populações fragmentadas. Cada marcador, com seu modo de herança, dará uma resposta a tais
estimativas e determinará a relação entre o fluxo de pólen e o de semente no conjunto de
fragmentos estudados. Assim, espera-se que haja menos estruturação genética em marcadores de
genes nucleares do que em marcadores de genes organelares, sugerindo o fluxo de pólen sobre o
fluxo de sementes. Entretanto, cada espécie de planta tem uma história pré e pós-fragmentação
dentro de cada fragmento, sendo assim, responde ao meio conforme suas adaptações a ele.
Para estimar o fluxo gênico por sementes (em angiospermas), os marcadores organelares DNA de cloroplasto e DNA mitocondrial - são os mais indicados. Em plantas o uso mais comum é
o DNA de cloroplasto. Estes marcadores também podem ser usados associados e simultaneamente
com marcadores herdados biparentalmente, como é o caso das isoenzimas e dos RAPDs.
As isoenzimas são marcadores codominantes, multi-alélicos e neutros. Os estudos
isoenzímicos podem ajudar a descrever os padrões de variabilidade genética dentro e entre as
populações e a obter estimativas estatísticas de sistemas de cruzamento de populações de plantas.
Além disso, os efeitos de fatores como a densidade populacional e a distribuição espacial na
estrutura genética podem ser examinados (Loveless e Hamrick, 1984; Hamrick e Loveless, 1986;
Hedrick, 1999). Do mesmo modo, os marcadores RAPD (Random Amplified Polymorphic DNA)
são extremamente úteis para caracterizar a paternidade da diversidade genética em espécies de
plantas. Apesar das limitações devido à natureza dominante, os marcadores RAPD podem ser
usados para se obter os índices de fixação e parâmetros de genética de populações quando análises
estatísticas apropriadas são utilizadas (Gomes et al., 2004).
O DNA de cloroplasto (cpDNA) pode ser associado à técnica da PCR-RFLP (Polymerase
Chain Reaction Restriction Fragment Length Polymorphism), revelando um grande número de
variações. Além disso, a diversidade intra-específica do cpDNA, quando relacionada a estudos de
história de vida, é muito maior para genes organelares haplóides herdados maternalmente do que
para genes nucleares diplóides (Palmé et al., 2003).
Aplicações práticas
Atualmente, alguns estudos tentam analisar o efeito da fragmentação na estruturação
genética de populações de plantas fragmentadas e inferir o nível de fluxo gênico entre estas
populações através de marcadores moleculares. A inferência do fluxo gênico fornece indica se a
polinização ou a dispersão de sementes está atuando igual ou diferentemente, no transporte de genes
entre fragmentos. Os dois estudos mostrados abaixo são exemplos de que tanto a polinização quanto
a dispersão, juntas, evitaram a diferenciação das populações fragmentadas das espécies estudadas,
demonstrando que cada espécie responde aos efeitos da fragmentação de um modo diferente, assim
como a participação dos agentes de dispersão e polinização também difere dentro delas.
Estudos com a espécie Sorbus aucuparia (Rosaceae, Maloideae), uma arvoreta que ocorre
no sul das terras altas da Escócia, tiveram como objetivo descrever a diversidade e a estrutura
genética e fazer inferências sobre o nível histórico de fluxo gênico que ocorriam entre as
populações altamente fragmentadas desta espécie. Para isso, foram utilizados marcadores
isoenzímicos e marcadores de DNA de cloroplasto para quantificar a variabilidade genética e
descrever a diferenciação interpopulacional entre as populações remanescentes da espécie em
questão. O modo de herança contrastante entre as isoenzimas, herdadas biparentalmente e o genoma
do cloroplasto, herdado maternalmente em S. aucuparia, foi útil para inferir a importância do pólen
e da migração no processo histórico de fluxo gênico nesta espécie (Bacles et al., 2004).
A espécie S. aucuparia é uma arvoreta pioneira em baixas altitudes e em altas altitudes faz
parte vegetação sucessional tardia. Suas flores são pequenas, hermafroditas e polinizadas
principalmente por moscas, mas ela também atrai besouros e abelhas. Os frutos são comidos por
aves, que são seus maiores dispersores.
Apesar da alta fragmentação, as populações remanescentes de S. aucuparia mantiveram
níveis substanciais de diversidade genética detectada tanto pelas isoenzimas quanto por DNA de
cloroplasto. Os níveis de diferenciação dos marcadores de herança biparental e materna indicaram
que a dispersão de pólen era da mesma magnitude que a dispersão de sementes. Este fato pode ser
explicado por uma alta dispersão de sementes por aves que se alimentam em fragmentos pequenos e
provavelmente se movem regularmente entre as populações isoladas destes fragmentos ou por um
baixo fluxo de pólen (Bacles et al., 2004).
Baccharis concinna (Asteraceae) é um arbusto endêmico, raro e dióico presente na Serra do
Cipó, na Cadeia do Espinhaço, Minas Gerais. Pequenas populações desta espécie são distribuídas
esparsamente ao longo de um gradiente altitudinal que se estende de 900 a 1500m nos campos
rupestres da Serra do Cipó. A fragmentação do habitat e a alta freqüência de fogo durante a prática
de agricultura foram afetando a dinâmica e a distribuição das populações de B. concinna. Assim, o
estudo propôs estudar como a variabilidade genética se distribuía entre e dentro das populações
desta espécie ao longo de um gradiente altitudinal, sabendo que as plantas fêmeas se encontravam
em maior proporção em altitudes mais baixas (até 1000m) e as plantas masculinas em altitudes
intermediárias e altas com a razão sexual de 1:1 (Gomes et al., 2204).
Neste trabalho foram estudadas seis populações da espécie B. concinna através de
marcadores RAPD. As populações mostram altos polimorfismos para estes marcadores, de 113
marcadores, aproximadamente 90% foram polimórficos para todas as populações. Foi encontrada
uma baixa variabilidade genética entre as populações (17.2%), indicando um intenso fluxo gênico.
Isto pode ser explicado pela dioicia, pela fertilização cruzada obrigatória e pela polinização e
dispersão pelo vento que ocorrem nesta espécie. O vento normalmente promove pouca polinização
e dispersão de sementes a longas distâncias, mas é suficiente para impedir a divergência entre as
populações (Loveless e Hamrick, 1984).
O fluxo gênico parece ter exercido um papel importante na persistência destas espécies,
provendo a inserção de novos genes nas populações de B. concinna, assim como o estabelecimento
de novas populações. Como as populações foram muito similares ao longo do gradiente altitudinal,
pode-se dizer que a distância pequena entre elas não foram suficientes para produzir altos níveis de
diferença genética pelos marcadores RAPD. Além disso, a falta de barreiras físicas facilitou o alto
fluxo gênico, tanto pelo pólen quanto pela semente, entre os fragmentos. Mas, a fragmentação
recente (cerca de 15 anos) pode ter exercido um papel mais fundamental na interpretação da
similaridade genética entre as populações fragmentadas de B. conccina do que altos níveis de fluxo
gênico (Gomes et al., 2004).
Conclusão
O entendimento de como a fragmentação do habitat afeta os processos ecológicos que
envolvem populações de animais e plantas e como isto pode influenciar as espécies e sua
persistência no habitat a longo prazo é um dos maiores desafios para os biólogos evolutivos,
ecólogos e biólogos da conservação.
A dispersão exerce um papel importante na manutenção da diversidade genética de espécies
de plantas que foram ou estão sendo fragmentadas, através do fluxo gênico. Se o movimento do
polinizador e do dispersor é restrito, a variabilidade genética deve ser dividida primariamente entre
os fragmentos do que dentro deles. Entretanto, se a paisagem fragmentada representar uma
metapopulação formada de subpopulações fragmentadas que interagem entre si, a variabilidade
genética deve ser dividida primariamente dentro dos fragmentos do que entre eles.
Não é sabido se os padrões de movimentos dos polinizadores e dispersores de sementes são
equivalentes em paisagens fragmentadas, habitats contínuos ou não perturbados. Os polinizadores e
os dispersores de sementes de certas espécies de plantas não podem se mover entre os fragmentos e,
como resultado, o fluxo gênico, que necessariamente mantém a diversidade genética e a
sobrevivência de espécies, pode ser reduzido. Por outro lado, o movimento do pólen e dos vetores
de sementes de outras espécies pode ser realmente aumentado na paisagem fragmentada,
prevenindo a perda da diversidade genética. Assim, não se sabe se a fragmentação do habitat afeta
positiva ou negativamente as taxas de fluxo gênico entre os fragmentos remanescentes.
Ainda não é muito claro como mudanças no tamanho e no grau de isolamento de fragmentos
afetam as taxa e os padrões espaciais de dispersão de plantas. Além disso, não é bem entendido
como as características das plantas como o status sucessional, forma de crescimento, requerimentos
ambientais e síndrome de dispersão (zoocoria, anemocoria e autocoria) afetam o número de
indivíduos das espécies dentro de fragmentos formados recentemente, assim como as subseqüentes
taxas de migração.
A organização da diversidade genética dentro e entre populações de plantas é muito
importante para o desenvolvimento de estratégias com objetivo de preservar a diversidade genética.
Uma vez que a proporção da diversidade genética encontrada dentro e entre as populações de
espécies de plantas com diferentes habilidades pode variar enormemente, estratégias de conservação
devem ser desenvolvidas com a habilidade de dispersão das espécies em mente (Hamrick & Nason,
1996).
Algumas considerações deveriam ser feitas se forem desenvolvidas estratégias de
conservação baseadas nas distribuições da diversidade genética observada. Os estudos genéticos nos
quais estas estratégias estão baseadas deveriam representar a maioria das espécies, caso contrário a
diferenciação entre as populações poderá ser subestimada. As características geneticamente
controladas, especialmente aquelas que sofrem uma pressão de seleção maior, podem exibir grande
diferenciação entre as populações. Quanto mais estas circunstâncias forem representativas das
espécies em questão, mais será necessária a preservação e a manutenção da diversidade genética das
espécies de plantas.
A manutenção da variabilidade genética de populações fragmentadas é essencial para
programas de conservação e para o sucesso das espécies a longo prazo, tentando manter os níveis de
diversidade da espécie antes da fragmentação. A diversidade genética está relacionada com as
características biológicas (modo de reprodução, interação com outras espécies) de cada espécie, ou
seja, se uma espécie é muito monomórfica ou polimórfica antes de ser fragmentada, programas de
conservação deveriam respeitar esses níveis de variabilidade.
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O papel da dispersão de sementes na estruturação