7º Curso Teórico-Prático de Ultra-sonografia Clínica para Gastrenterologistas - Baço BAÇO Anatomia O baço é um órgão linfático encapsulado, ricamente vascularizado, que levanta algumas dificuldades ao acesso ecográfico. I - Dimensões Tem aproximadamente 12 cm de comprimento, 8 cm de largura e 4 cm de espessura. Os critérios ecográficos de normalidade são ligeiramente superiores aos descritos na anatomia. II- Localização e relações anatómicas O baço localiza-se no espaço supra-mesocólico, na loca sub-frénica esquerda, completamente coberto pela grelha costal (figura 1). Figura 1 Ocupa a loca esplénica, delimitada por (figura 2 e 3): - Hemidiafragma esquerdo (e pulmão esquerdo - PE)superior, posterior e lateralmente; - Rim esquerdo (R)inferior e posteriormente; - Estômago (E)anterior e medialmente; - Ângulo esplénico (C)inferior e medialmente. A cauda do pâncreas estende-se até ao hilo esplénico, ou mais precisamente, até a um ponto anterior e inferior ao hilo. Estes limites deixam antever a dificuldade de acesso ecográfico. Como na abordagem ecográfica de outros órgãos, as relações com orgãos ocos são prejudiciais e as relações com orgãos sólidos melhoram a observação. PE Figura 2 Sílvia Leite, Rolando Pinho, Eduardo Pereira Pág. 61 7º Curso Teórico-Prático de Ultra-sonografia Clínica para Gastrenterologistas - Baço Figura 3 III- Morfologia ( figura 4) 1) 2) 3) 4) Tem a forma de um tetraedro irregular, com: uma face postero-lateral ou diafragmática; uma face postero-medial ou renal; uma face antero-medial ou gástrica; uma face antero-inferior ou cólica. O rim esquerdo, o estômago e o ângulo esplénico deixam impressões na superfície do baço, nas respectivas faces. Os vasos hilares estão localizados entre o estômago e o rim. O eixo principal é oblíquo para baixo, para a frente e lateralmente, variando, contudo, em função do biótipo do paciente. Em indivíduos pícnicos o baço tem localização alta, profunda, quase horizontal, estando o seu hilo próximo da cauda do pâncreas. Aproxima-se, também, do lobo esquerdo do fígado, este prolongado para a esquerda. Sílvia Leite, Rolando Pinho, Eduardo Pereira Figura 4 Pág. 62 7º Curso Teórico-Prático de Ultra-sonografia Clínica para Gastrenterologistas - Baço Em indivíduos longilíneos o baço tem localização mais baixa, superficial, quase vertical. O hilo está mais afastado da cauda do pâncreas. Está mais afastado do lobo esquerdo do fígado, que é mais pequeno e, aproxima-se do ângulo esplénico. 1) A face postero-lateral ou diafragmática; Esta face é convexa e regular. Relaciona-se superior, posterior e lateralmente com: - o diafragma; - o fundo de saco costo-diafragmático; - o pulmão esquerdo; - a parede torácica, onde o baço adquire o eixo da 10ª costela. A face diafragmática corresponde, na região postero-lateral do tórax, ao 8º, 9º ou 10º espaços intercostais. Estes espaços poderão servir à observação ecográfica do baço por via intercostal. 2) Face postero-medial ou renal Esta face, côncava para baixo e medialmente, tem o nome e apresenta uma impressão na sua superfície da sua relação principal. Relaciona-se inferior, medial e posteriormente com a parte supero-lateral do rim esquerdo e da glândula supra-renal. 3) Face antero-medial ou gástrica Côncava para a frente e medialmente, esta face relaciona-se com a face posterior do estômago. Apresenta o hilo esplénico, relaciona-se com a cauda do pâncreas pelo epíplon pancreato-esplénico e com a grande curvatura do estômago pelo epíplon gastro-esplénico. Destas relações destaca-se a presença do estômago (prejudicial ao exame ecográfico) e a possibilidade de observação da cauda do pâncreas por via trans-esplénica. 4) Face antero-inferior ou cólica Descreve-se esta face como a base do baço. Relaciona-se com o ângulo esplénico, também um obstáculo aos ultrassons. Eco-Anatomia A - Estudo ecográfico (figura 5) Posição do doente 1) O decúbito dorsal, com o membro superior esquerdo elevado acima da cabeça, geralmente permite uma boa exploração do hipocôndrio esquerdo. 2) Pode-se tentar optimizar as condições para os cortes US, colocando o doente em decúbito lateral direito e efectuando diferentes graus de inspiração. 3) Ocasionalmente, pode ser benéfico o decúbito ventral ou a posição de pé. Sílvia Leite, Rolando Pinho, Eduardo Pereira Pág. 63 7º Curso Teórico-Prático de Ultra-sonografia Clínica para Gastrenterologistas - Baço Identificação do baço O baço localiza-se entre a linha axilar média e posterior. Deve-se colocar o transdutor num espaço intercostal a este nível e alinhá-lo paralelo às costelas. Cortes ecográficos Geralmente realizam-se sucessivamente cortes intercostais longitudinais e transversais esquerdos, que são geralmente suficientes. Os cortes aqui chamados de longitudinais e transversais, são na realidade ligeiramente oblíquos devido à posição das costelas dificultando a realização de cortes longitudinais e transversais standard. Podem-se realizar cortes subcostais esquerdos, para a exploração das esplenomegalias, não permitindo geralmente uma boa visualização do baço normal. Em indivíduos normais, a distância da sonda ao baço, localizado profundamente no espaço subfrénico, torna difícil a sua observação, podendo ser necessários cortes complementares noutras posições, como explicado acima, ou cortes lombares na goteira lombar esquerda, para visualização do pólo inferior do baço. Figura 5 B - Estudo dos cortes ecográficos 1º Cortes longitudinais (figura 6) Imagina-se o baço em secção longitudinal e coloca-se o transdutor vertical de forma a obter a melhor visualização possível. Depois angula-se o transdutor desde um corte posterior onde o baço é mais pequeno. Seguidamente, vai-se direccionando o feixe para a frente, passando pelos vasos hilares e continuando até o baço se tornar novamente mais pequeno e desaparecer. Figura 6 Sílvia Leite, Rolando Pinho, Eduardo Pereira Pág. 64 7º Curso Teórico-Prático de Ultra-sonografia Clínica para Gastrenterologistas - Baço 2º Cortes transversais Roda-se o transdutor, sob visão directa, desde a posição longitudinal para cortes transversais. Realizam-se, angulando o transdutor, cortes desde a posição mais cefálica até à base. O baço normal é difícil de observar na totalidade, qualquer que seja o corte utilizado. Eco-estrutura esplénica Tem uma eco-estrutura densa, ligeiramente menos que a do fígado e homogénea, observando-se 4 elementos heterogéneos não patológicos: - Os vasos intra-parenquimatosos justa-hilares; - As sombras costais; - Sombras tangenciais, sobretudo no pólo superior, relacionadas com artefactos de refracção, variando com a incidência do feixe ultrassónico e os movimentos respiratórios; - A gordura hilar que origina uma imagem hiperecogénica ao nível do hilo. Tamanho do baço As medidas do baço normal são ligeiramente superiores às descritas na anatomia. Weill considera que o diâmetro antero-posterior (largura) não deve ultrapassar 12 cm, o transversal (perpendicular / espessura) 8 cm e o crâniocaudal (bipolar / longitudinal / comprimento) 14 cm. Em exames de rotina é suficiente efectuar medição de 2 dimensões do baço. Define-se o baço em corte longitudinal e efectua-se a medição, a nível da região hilar, do diâmetro longitudinal e perpendicular (figura 7). A esplenomegalia é manifestação de numerosas patologias e é facilmente detectada na ecografia. Figura 7 Critérios de normalidade Os critérios de normalidade do baço são: - Aspecto côncavo da face medial; - Eco-estrutura homogénea; - Presença de, pelo menos, 2 diâmetros normais. Aspectos particulares - A presença de ascite descola o baço do diafragma e origina uma imagem arciforme anecogénica entre o diafragma e a superfície diafragmática do baço (sinal da lua crescente). Sílvia Leite, Rolando Pinho, Eduardo Pereira Pág. 65 7º Curso Teórico-Prático de Ultra-sonografia Clínica para Gastrenterologistas - Baço - São por vezes observados baços acessórios. Em cerca de 2% dos casos observam-se cortes com expansões esplénicas marginais ligadas ao baço por uma simples ponte parênquimatosa. Outros são totalmente autónomos podendo encontrar-se, a maioria na região hilar, por trás do pâncreas e nos epíplons. Em doentes esplenectomizados estes baços acessórios podem sofrer hipertrofia compensadora e ser sede de patologia, nomeadamente mecânica. - Os baços ectópicos são acessíveis ao exame ecográfico. Deve pensarse sempre na sua possibilidade perante a ausência ecográfica do baço no local habitual e perante sintomatologia que evoque esta entidade. A asplenia é rara. Conclusão O conhecimento dos dados ecográficos é importante: - No âmbito das esplenomegalias onde o exame ecográfico é o exame de escolha para completar o exame físico. - No traumatismo abdominal e torácico esquerdo. A ecografia esplénica permite diagnosticar a presença de líquido livre (sinal da lua crescente) e de lesões parenquimatosas. A sua utilização sistemática permite evitar a realização de paracenteses diagnosticas nestas situações, seguir a evolução de lacerações benignas do baço e evitar assim esplenectomias desnecessárias, sobretudo nas crianças. PATOLOGIAS MAIS FREQUENTES Sílvia Leite, Rolando Pinho, Eduardo Pereira Pág. 66 7º Curso Teórico-Prático de Ultrassonografia Clínica para Gastrenterologistas - Grandes vasos abdominais GRANDES VASOS ABDOMINAIS AORTA Anatomia A aorta entra no abdómen através do hiato aórtico do diafragma situado à frente da 12ª vértebra torácica, caminhando no retroperitoneu numa posição anterior e ligeiramente à esquerda dos corpos vertebrais. Na região superior do abdómen assume uma localização posterior e ligeiramente à esquerda da junção esofago-gástrica (Fig. 1). À frente está em relação com o ligamento arciforme médio do diafragma e lateralmente é flanqueada pelos pilares diafragmáticos. Abaixo dos pilares localiza-se imediatamente à esquerda da veia cava inferior e atrás do tronco celíaco, artéria mesentérica superior, artéria mesentérica inferior, veia renal esquerda, vasos gonadais e raiz do mesentério (Figs. 2 e 3). Ao nível de L4 bifurca-se nas artérias ilíacas comuns (Fig. 4), as quais seguem um trajecto ligeiramente anterior às veias ilíacas, bifurcando-se nas artérias ilíacas interna e externa. Ecografia aórtica Figura 1: corte longitudinal da aorta Figura 3: corte transversal da aorta José Manuel Pontes Figura 2: corte longitudinal da aorta Figura 4: bifurcação aorto-ilíaca Pág. 67 7º Curso Teórico-Prático de Ultrassonografia Clínica para Gastrenterologistas - Grandes vasos abdominais A avaliação da aorta deve integrar a exploração ecográfica abdominal de rotina, independentemente da indicação que motivou o exame. A exploração ecográfica é realizada por via anterior, utilizando cortes ou janelas acústicas mais favoráveis para a observação. A sonda, de 2.5 a 5 MHz, é posicionada ligeiramente à esquerda da linha média do abdómen. Em alguns casos a abordagem anterior da aorta pode ser dificultada pela obesidade ou interposição de gás intestinal. A exploração em decúbito lateral direito com a sonda no flanco esquerdo poderá ajudar a ultrapassar essas dificuldades. A aorta apresenta-se ecograficamente como uma estrutura tubular hipoecogénica com paredes ecogénicas (Figs. 2, 3 e 4), localizada imediatamente à esquerda da linha média. Na exploração ecográfica a aorta deverá ser visualizada em toda a sua extensão desde a travessia diafragmática até à bifurcação ilíaca. Devem ser efectuados cortes nos planos longitudinal e transversal, medindo-se os diâmetros antero-posterior e transversal. As indicações da ecografia aórtica incluem a dor abdominal, a massa abdominal pulsátil, o sopro abdominal e a insuficiência hemodinâmica no sistema arterial dos membros inferiores. Os objectivos da ecografia aórtica são os seguintes: - visualização de toda a aorta abdominal e seus ramos principais; medição do calibre; avaliação da regularidade da parede; detecção de estenoses ateromatosas, aneurismas, dissecções e outros processos patológicos; avaliação de orgãos e estruturas adjacentes. Calibre O calibre da aorta decresce do sentido cranial para o caudal na maioria dos indivíduos, considerando-se o limite superior do normal 3 cm. A medição do seu calibre a nível imediatamente abaixo da emergência da artéria mesentérica superior é a que obtém melhor reprodutibilidade. Entre os 25 e os 71 anos de idade ocorre um aumento médio de 25 % no calibre da aorta, considerando-se aos 75 anos o calibre máximo normal de 3.7 cm. Deve ter-se em conta a variabilidade intra e inter-observador na medição do calibre da aorta, que pode atingir os 10 %. Eco-Doppler da aorta A técnica de exploração Doppler da aorta é semelhante à da exploração ecográfica anteriormente descrita. A escala de velocidades de fluxo deve ser adaptada à gama de velocidades na aorta, da ordem de 1 m/s. O traçado de velocidades apresenta habitualmente um aspecto trifásico com um padrão de alta resistência: aumento súbito da velocidade anterógrada durante a sístole seguido de uma descida rápida da velocidade, que culmina com um período breve de fluxo inverso (Fig. 5). Durante o resto da diástole pode ocorrer um fluxo anterógrado lento, mais marcado na região superior da aorta abdominal, e que traduz a componente destinada às artérias viscerais José Manuel Pontes Pág. 68 7º Curso Teórico-Prático de Ultrassonografia Clínica para Gastrenterologistas - Grandes vasos abdominais designadamente as renais. Ao nível da bifurcação aorto-ilíaca verifica-se frequentemente fluxo turbulento. Figura 5: traçado Doppler espectral da aorta Os objectivos da exploração Doppler da aorta são os seguintes: - avaliação da permeabilidade da aorta em toda a sua extensão e ramos principais (Doppler a cores); detecção de estenoses ateromatosas, aneurismas, dissecções e outros processos patológicos através da demonstração da alteração do fluxo intraluminal (Doppler a cores); caracterização dessas anomalias de fluxo por Doppler pulsado (espectral) definição do tipo de fluxo nos vasos explorados (alta ou baixa resistência), sugerindo um processo patológico a favor ou contra a corrente sanguínea. O estudo Doppler permite confirmar facilmente a permeabilidade da aorta e dos seus principais ramos. Em caso de estenose, a análise Doppler espectral mostra: - aumento da pulsatilidade proximal à estenose; aumento do índice de pulsatilidade e do índice de resistência; aumento da velocidade sistólica máxima na estenose; aumento da velocidade diastólica máxima na estenose; turbulência imediatamente após a estenose; atenuação da onda distal à estenose Ramos da aorta abdominal Os principais ramos da aorta abdominal que se identificam habitualmente na ecografia são o tronco celíaco, as artérias renais, a artéria mesentérica superior e as artérias ilíacas comuns (Figs. 2-4, 6-11). O tronco celíaco é o primeiro ramo principal da aorta abdominal, bifurcando-se nas José Manuel Pontes Pág. 69 7º Curso Teórico-Prático de Ultrassonografia Clínica para Gastrenterologistas - Grandes vasos abdominais artérias hepática e esplénica a cerca de 3 cm da emergência da aorta. A artéria gástrica esquerda é por vezes visível, assumindo um trajecto ascendente. A interposição de gás intestinal pode ser obviada pela compressão da parede abdominal com a sonda ecográfica. A exploração dos ramos da aorta abdominal pode ser facilitada pela utilização do Doppler a cores. Figura 6 Figura 7: TC em corte transversal Figura 8: Doppler a cores do TC em corte transversal Figura 10: Doppler a cores e espectral da artéria hepática José Manuel Pontes Figura 9: TC em corte longitudinal Figura 11: AMS em corte transversal Pág. 70 7º Curso Teórico-Prático de Ultrassonografia Clínica para Gastrenterologistas - Grandes vasos abdominais Tronco celíaco O tronco celíaco (TC) emerge da parede anterior da aorta ao nível do bordo superior do pâncreas. Em corte transversal apresenta uma forma em Y ou em “gaivota” (Figs 7 e 8). O ângulo em relação à aorta é variável, podendo ser perpendicular e anterior, oblíquo para cima e para a frente ou mais raramente para a frente e para baixo. A velocidade sistólica máxima na origem do TC pode atingir os 2 m/s (na aorta é da ordem de 1 m/s). Observam-se, frequentemente, fluxos turbulentos no TC como resultado do ângulo relativo com o eixo da aorta, da diferença considerável dos respectivos calibres e da presença do ligamento arciforme. No TC e seus ramos o padrão de fluxo sanguíneo é de baixa resistência: baixo índice de resistência (IR=Vp-VD/Vp) e de pulsatilidade (IP=Vp-VD/Vm), sendo Vp=velocidade máxima, VD=velocidade mínima, Vm=velocidade média de fluxo). Este padrão de fluxo caracteriza-se por um fluxo anterógrado contínuo ao longo do ciclo cardíaco e por um padrão de velocidade mais variável através do vaso sanguíneo abarcado pela linha espectral. Após as refeições a velocidade sistólica e diastólica máximas aumentam significativamente. Os ramos do TC são (Figs. 7-9): - a artéria gástrica esquerda (ou coronária estomáquica), com orientação para cima e para a esquerda. É de difícil visualização ecográfica, podendo nalguns casos nascer directamente da artéria hepática comum ou da artéria esplénica. - a artéria hepática comum, que se dirige horizontalmente para a frente e para a direita (Fig. 10). Segue à frente da veia porta, dividindo-se nos ramos direito e esquerdo. - a artéria esplénica, de maior calibre, com orientação para a esquerda e para trás. Caminha num trajecto sinuoso ao longo do bordo superior do pâncreas, chegando ao hilo do baço onde se divide em vários ramos. As principais variantes anatómicas incluem a origem da artéria hepática esquerda directamente da artéria gástrica esquerda, bem como a artéria hepática direita nascendo da artéria mesentérica superior (11% dos indivíduos), facilmente identificável pela ecografia em cortes dirigidos sobre a região proximal da AMS. Artéria mesentérica superior A AMS nasce da face anterior da aorta cerca de 1 cm abaixo do TC. Apresenta um segmento curto que se dirige obliquamente para a frente, seguindo-se um segmento longo dirigindo-se para baixo sensivelmente paralelo à aorta (Figs. 9 e 11). Na primeira parte do seu trajecto a AMS localiza-se atrás do pâncreas, cruzando a veia renal esquerda que passa na pinça mesentérica. Esta disposição anatómica pode originar uma compressão desta veia (síndrome “nutcracker”). A AMS localiza-se sempre à esquerda da veia mesentérica superior, à excepção de casos de anomalia embrionária de rotação do tubo digestivo ou do mesentério. A AMS dá origem à artéria José Manuel Pontes Pág. 71 7º Curso Teórico-Prático de Ultrassonografia Clínica para Gastrenterologistas - Grandes vasos abdominais pancreática inferior, à artéria pancreatico-duodenal inferior, aos ramos iliais, ilio-colicos e cólicos. A AMS apresenta no indivíduo em jejum um traçado Doppler espectral tri-fásico, com refluxo protodiastólico. Este aspecto altera-se no decorrer da refeição como resultado da abertura de capilares, diminuição das resistências e aumento do débito esplâncnico, verificando-se então o aparecimento de um fluxo diastólico mais ou menos elevado. A isquémia intestinal pode apresentar manifestações clínicas muito variadas, sendo por isso o seu diagnóstico frequentemente difícil. Deve-se a um compromisso da irrigação intestinal, requerendo um grau de obstrução considerável do tronco celíaco e da AMS. A ecografia e o Doppler podem ajudar a estabelecer o diagnóstico, embora sejam incertas a sensibilidade e a especificidade destes métodos. Artéria mesentérica inferior Mais difícil de identificar na ecografia, a artéria mesentérica inferior pode ser visualizada ao nível da emergência mediante o uso do Doppler a cores. Nasce habitualmente da face anterior da aorta, ligeiramente à esquerda, a cerca de 5 cm da bifurcação aorto-ilíaca. Artérias renais A exploração dos rins e dos seus pedículos vasculares requer, frequentemente, o uso de sondas de baixa frequência (sectoriais de 3.5 MHz ou de varrimento faseado a 2 MHz em caso de atenuação acústica em profundidade). Na maioria dos casos para a exploração das artérias renais torna-se necessária a utilização de Doppler a cores. A administração de um agente de contraste pode melhorar a qualidade do exame. Para evidenciar a emergência e o tronco das 2 artérias renais podem utilizar-se diferentes vias de abordagem. Os cortes epigástricos são eficazes nos indivíduos magros, mas podem ser prejudicados por interposição gasosa (sobretudo à esquerda). A abordagem lateral com o paciente em decúbito lateral oposto ao rim que se pretende explorar proporciona um ângulo mais propício à exploração Doppler. Para exploração da artéria renal direita a abordagem mais favorável é habitualmente a antero-lateral/transhepática, sendo a via posterolateral mais adequada para a artéria renal esquerda. A exploração das artérias renais inclui várias etapas: - à direita: exame e medição do rim direito em modo B por via anterolateral direita; avaliação por Doppler espectral dos vasos interlobares do rim direito; procura da artéria renal direita em corte axial com 3 medições espectrais do fluxo (ao nível do ostium renal, segmento retro-cava e bifurcação da artéria); e procura de outras artérias renais direitas em cortes sagitais. - à esquerda: exame do rim esquerdo em modo B por via lateral ou postero-lateral esquerda; 2 determinações espectrais do fluxo a nível intrarenal; procura contra-lateral da artéria renal esquerda com 3 determinações espectrais do fluxo; pesquisa de artérias múltiplas. Ao nível das artérias renais o fluxo é de baixa resistência com uma velocidade sistólica máxima da ordem dos 80 a 100 cm/s. José Manuel Pontes Pág. 72 7º Curso Teórico-Prático de Ultrassonografia Clínica para Gastrenterologistas - Grandes vasos abdominais São frequentes variações anatómicas, com artérias renais múltiplas. Deve despistar-se a presença de estenoses das artérias renais. Artérias ilíacas comuns A aorta termina dando origem às artérias ilíacas comuns, que nascem ao nível do bordo inferior de L4, dirigindo-se para baixo e para fora. A artéria ilíaca comum esquerda localiza-se por fora da veia ilíaca esquerda, enquanto a artéria ilíaca comum direita cruza à frente da origem da veia cava inferior ou da terminação da veia ilíaca esquerda, antes de se posicionar à frente da veia ilíaca direita. VEIA CAVA INFERIOR Anatomia A veia cava inferior (VCI) resulta da união das veias ilíacas comuns ao nível de L5, localizando-se anteriormente e ligeiramente à direita da coluna vertebral. Depois de atravessar o diafragma, a VCI entra na aurícula direita ao nível de D8. Os seus principais ramos são as veias supra-hepáticas, as veias renais e as veias ilíacas comuns. As paredes da VCI são mais finas do que as da aorta. Ecografia A porção intra-hepática da VCI visualiza-se habitualmente utilizando o fígado como janela acústica (Fig. 13 e 15). O restante trajecto da VCI vê-se habitualmente de uma forma inconstante, apresentando-se a veia ora oval ora achatada, podendo ser ocultada pelo gás intestinal ou pelo panículo adiposo. As veias ilíacas comuns e as veias ilíacas externas podem visualizar-se de forma inconstante com as artérias correspondentes na face lateral do rebordo pélvico. O lúmen da VCI é habitualmente anecogénico, embora o fluxo lento possa torná-lo mais ecogénico. Pode também observar-se fluxo turbulento com redemoinhos como sucede na insuficiência cardíaca direita, na sobrecarga de líquidos e abaixo de obstruções da VCI. O aspecto da VCI varia com a respiração: durante a inspiração profunda diminui o retorno venoso e a VCI dilata-se, sucedendo o oposto durante a expiração. A manobra de Valsalva bloqueia o retorno venoso invertendo temporariamente o fluxo na VCI, com dilatação desta veia. A VCI transmite quer as pulsações cardíacas quer as ondas respiratórias (Fig. 14). O traçado de fluxo clássico tem uma forma em dentes de serra, tal como sucede nas veias supra-hepáticas (Fig. 16). A anomalia intraluminal da VCI mais frequente é a trombose que habitualmente se estende a partir de outras veias da pélvis, membros inferiores, fígado ou rins. A trombose da VCI diagnostica-se ecograficamente pela presença de um defeito de preenchimento intraluminal que geralmente provoca um aumento do diâmetro do vaso. A ecogenicidade do trombo José Manuel Pontes Pág. 73 7º Curso Teórico-Prático de Ultrassonografia Clínica para Gastrenterologistas - Grandes vasos abdominais depende do tempo de evolução, podendo os trombos crónicos apresentar calcificação. O doppler a cores é útil para confirmar a permeabilidade da VCI (Fig. 12). Se o trombo for iso ou hipoecogénico relativamente ao fígado, a ecografia com Doppler a cores permite confirmar o diagnóstico mostrando frequentemente cor em redor do trombo. Na insuficiência cardíaca congestiva ocorre aumento do diâmetro da VCI e dilatação das veias supra-hepáticas, com uma acentuação do padrão de fluxo Doppler normal. VCI Ao Figura 12: VCI em corte transversal Figura 13: VCI em corte longitudinal Figura 14: Fluxo fásico da VCI, variável com as diferentes fases do ciclo cardíaco Figura 15: Emergência das veias supra- Figura 16: Doppler a cores e espectral das hepáticas veias supra-hepáticas José Manuel Pontes Pág. 74 7º Curso Teórico-Prático de Ultrassonografia Clínica para Gastrenterologistas - Grandes vasos abdominais Ramos e tributárias da veia cava inferior Veias renais. A veia renal direita é bastante mais curta do que a esquerda no seu trajecto até à VCI. As veias renais visualizam-se habitualmente melhor no plano transversal. O Doppler é útil na avaliação de situações de trombose das veias renais, mostrando diminuição do fluxo. Existem variantes anatómicas como a veia renal esquerda retro-aórtica (2% dos indivíduos). Veias supra-hepáticas. Existem geralmente 3 veias supra-hepáticas (VSH) localizadas entre os segmentos hepáticos e que drenam em direcção posterior para a VCI próximo do diafragma (Fig.15). Na maior parte dos indivíduos as veias hepáticas esquerda e média juntam-se imediatamente antes da união com a VCI, existindo variantes congénitas só excepcionalmente detectáveis na ecografia. Os traçados Doppler espectral das VSH são geralmente trifásicos e pulsáteis devido à transmissão das pulsações cardíacas (Fig. 16). Este padrão desaparece em 20% dos doentes com cirrose e hipertensão portal. Na insuficiência cardíaca direita ocorre uma acentuação desse padrão. Veias ilíacas. As veias ilíacas comuns e as veias ilíacas externas seguem um trajecto posterior e lateral às respectivas artérias próximo da VCI. No Doppler espectral apresentam um padrão fásico respiratório, colapsando com a manobra de Valsalva e aumentando de calibre com a elevação dos membros inferiores. Na ecografia deve procurar-se identificar a junção das veias ilíacas com a VCI. José Manuel Pontes Pág. 75