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JOCASTA, A FÊMEA ILÍCITA: UMA LEITURA PSICANALÍTICA
DO CRIME DE INCESTO.
Rúbia de Jesus Braga*
Regina Coeli Aguiar Castelo Prudente**
RESUMO
A partir da tragédia do grego Sófocles, “Oedipus Rex”, Freud construiu sua
teoria do complexo de Édipo, considerado por ele como a pedra fundamental
do edifício da psicanálise e seus trabalhos acerca do inconsciente demonstram
como a história individual de cada sujeito está, na dimensão simbólica, em
estreita ligação com ele, constituindo assim o núcleo das neuroses. O mito
edípico, que na peça sofocliana se desenrola na cidade-estado grega de Tebas, é
marcado pelos dois grandes crimes humanos condenados com rigor: o parricídio
e o incesto com a mãe. Este trabalho propõe revisitar a tragédia grega e, à luz da
psicanálise, guiar um olhar para Jocasta, mãe e mais tarde esposa de Édipo. Na
trama, trata-se de uma personagem secundária, porém, deslocando Jocasta para
o centro da tragédia, a rainha tebana revela seu desejo criminoso.
Palavras-chave: Jocasta. Édipo. Mulher. Mãe. Crime.
ABSTRACT
Starting from the Greek Sofocles’ tragedy, “Oedipus Rex”, Freud constructed
the theory of Oedipus Complex, having considered as the foundational stone
of the Psychoanalysis and his works about the unconscious showed as the
individual history of each person is, in the symbolic dimension, directly linked
to it, becoming this the neurotic nucleus. The Oedipian myth, that in sofoclian
drama happen at Tebas, a Greece’s city, and is marked by the two strong human
crimes extremely doomed: the father’s murder and the incest with the mother.
This article suggest to visit again the Greek tragedy, and, under a luminosity of
Psychoanalysis, to guide a look at Jocasta, Oedipus’ bearer and then wife, she’s
considered a secondary character in the plot, but, lodging Jocasta at the center
of the tragedy, the Teban queen reveals her murdering wish.
Keywords: Jocasta. Oedipus. Woman. Mother. Crime.
* Graduanda em Psicologia no Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora.
** Mestre em Psicologia pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora.
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Rúbia de Jesus Braga, Regina Coeli Aguiar Castelo Prudente
JOCASTA: A FÊMEA ILÍCITA
“Como uma deusa/ você me mantém/ e as coisas que você me diz/
me levam além. Aqui nesse lugar/ não há rainha ou rei/ há uma
mulher e um homem/ trocando sonhos fora da lei.”
Rouge, Mende, Rush, Apllegate
Nos ensinamentos de Freud os dois grandes crimes humanos, perseguidos
e condenados com veemência nas primitivas comunidades, são o parricídio e
o incesto com a mãe (FREUD, 2006, v. XIII). Tais crimes foram herdados pela
humanidade como uma força mental que se atualiza na estrutura edípica e com
ela um sentimento de culpa obscuro que, em alguns casos, é capaz de provocar
um ato criminoso para conseqüentemente gerar uma punição – os sucessores
carregam a culpa dos predecessores.
A psicanálise foi levada aos campos da antropologia por Freud (2006,
v. XIII) em Totem e Tabu, para explicar as origens sociais, morais e religiosas,
tomando por essa via um caminho que fundamentasse a universalidade do
complexo de Édipo e a proibição do incesto, mostrando que a história individual
de cada sujeito não é mais do que a repetição da história da humanidade.
O mito edípico foi tratado por Freud pela primeira vez na carta 71 dirigida
à Fliess, em 15 de outubro de 1897, quando ele escreve sobre sua auto-análise e
reconhece-o em si mesmo: “Um único pensamento de valor genérico revelou-se
a mim. Verifiquei, também no meu caso, a paixão pela mãe e o ciúme do pai,
e agora considero isso como um evento universal do início da infância [...]” e
conclui: “Sendo assim, podemos entender a força avassaladora de Oedipus Rex
[...]”. (FREUD, 2006, v.I, p. 316). Numa nota de rodapé do discutido texto Três
ensaios sobre a teoria da sexualidade, Freud declara que o complexo de Édipo
“[...] é o traço que distingue os partidários da psicanálise de seus oponentes [...]”
(FREUD, 2006, v.VII, p. 214) e ao considerá-lo como a pedra fundamental da
psicanálise, situa-o no âmago da tragédia humana. Em 1916, na Conferência
XXI, intitulada O desenvolvimento da libido e as organizações sexuais, referese ao mesmo como o núcleo das neuroses estreitamente relacionado ao processo
e fim de uma análise. (FREUD, 2006, v. XVI)
No capítulo V do texto de 1900 em A interpretação dos sonhos, Freud
(2006, v. IV) descreve o complexo de Édipo tendo em mente a lenda Oedipus
Rex, conhecida tragédia grega, em que Édipo comete os dois grandes crimes: o
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parricídio e o incesto com a mãe.
Édipo Rei, a peça de Sófocles, considerada a maior de todas as tragédias
devido ao polêmico tema que abarca, passa em Tebas, cidade-estado grega, que
ganhou prestígio quando dominou Esparta em julho de 371 a.C. na batalha de
Leuctras, admitida como uma catástrofe pelos espartanos, mas foi destruída no
outono de 338 a.C. pelo exército macedônio, comandado por Alexandre, na
batalha de Queroneia. (HATZFELD, 1988).
Segundo Brandão (1997), Tebas foi fundada por Lábdaco, filho de Polidoro e neto de Cadmo. Lábdaco (seu antropônimo é com os pés voltados para
fora, semelhante à letra grega lambda –λ) governou Tebas por muito tempo e seu
filho Laio tornou-se seu sucessor no trono. Tragicamente, por ordem do destino
ou dos deuses, Édipo, seu neto, ocupou o trono de Tebas, mesmo ignorando sua
descendência e, consequentemente, seu direito à sucessão.
O nome grego Jocasta (‘Ιοκάστη – Iocaste) é um composto de íov
(íon=violeta) e do verbo καίειν (kaíein=queimar, brilhar), donde o antropônimo significaria “a que tem um brilho sombrio” (BRANDÃO, 1997, p.19) e na tradição homérica é chamada Epicasta. Jocasta tinha um irmão chamado Creonte
e era filha do tebano Meneceu (µενοεικής- Menoeikés “o que se deixa arrastar
por seus desejos”. (BRANDÃO, 1997, p.106).
De acordo com Brandão (1997), Jocasta tornou-se rainha de Tebas ao
casar-se com Laio e, depois da morte do marido, desposou Édipo, seu próprio
filho, tendo com ele dois filhos e duas filhas: Etéocles, Polinice, Antígona e
Ismene. O nome Édipo, do grego Oedipus, significa “pés inchados” (BRANDÃO,
1997, p.106) e, além da idade, esse teria sido mais um motivo para Jocasta têlo reconhecido como seu filho, quando chegou à Tebas como herói, após ter
derrotado a Esfinge que amedrontava a cidade.
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HISTÓRIA GENEALÓGICA DA REALEZA TEBANA (apud COHEN, 1993, p.56)
A tragédia grega “Oedipus Rex”, apresentada pela primeira vez em Atenas
em 430 a.C., inicia-se com uma maldição endereçada a Laio por Pêlops, de
quem raptou o filho Crísipo que era sua paixão da juventude. Pêlops condenou
Laio a morrer assassinado pelo próprio filho que haveria de nascer da união com
Jocasta. (SÓFOCLES, 2001).
Conforme a previsão do oráculo de Apolo, os destinos de Laio e de Édipo
foram consumados. (SÓFOCLES, 2001). E Jocasta, que crimes cometeu? Filicídio,
incesto e cumplicidade no parricídio.
Laio perfurou e amarrou os pés de Édipo, antes que o filho completasse
três dias de vida e pelas mãos de Jocasta o menino foi entregue a um pastor,
ordenando-lhe que o abandonasse no monte Citéron para morrer. (SÓFOCLES,
2001). Tal violência não é condenada, nem sequer julgada, visto que foi praticada
por reis cuja autoridade, naquela época, não era questionada. O rei e a rainha
a Lei.
Jocasta desejou matar o filho para que não se cumprisse o anúncio do
oráculo e assim preservar a vida de Laio, seu marido, a quem muito amava. Em
sua análise de Antígona, irmã e filha de Édipo, Lacan escreve: “O desejo da mãe
[...] é a origem de tudo. O desejo da mãe é o desejo fundador de toda estrutura
[...], mas ao mesmo tempo, é um desejo criminoso”. (LACAN, 1997, p.342). O
desejo criminoso de Jocasta se divide em dois tempos: matar o filho no primeiro
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e depois ter com ele uma relação incestuosa. “Fêmea ilícita”.1 O ato e a escolha
de Jocasta a coloca então numa fronteira entre a mãe e a mulher.
A maternidade – ou o substituto fálico – de Jocasta foi abandonada à
Thanatos e a mulher-rainha se volta para o que Eros tem a lhe oferecer. Os
sentimentos maternais foram dominados por seus impulsos libidinais que, para
Jocasta, também impediram a fatalidade prevista pelo oráculo délfico. Para a
mulher, “ser amada é uma necessidade mais forte que amar”. (FREUD, 2006, v.
XXII, p. 131).
Nesse sentido, com Soler (2005), tomando a posição freudiana, não
se poderia considerar que Jocasta abdicou do ter fálico efetivamente, pois,
colocando em evidência na sua escolha a segurança do próprio casamento,
reforça o axioma da exigência prínceps feminina do amor. Na conferência sobre
a feminilidade, Freud escreve: “Um casamento não se torna seguro enquanto a
esposa não consegue tornar seu marido também seu filho, e agir com relação
a ele como mãe”. (FREUD, 2006, v. XXII, p.132 -133). Essa exposição de Freud
cabe à rainha tebana – ela que foi esposa de marido gerado de marido e mãe
de filhos gerados de filho. (SÓFOCLES, 2001, p. 85).
Conforme Soler (2005), a solução de Freud para a evolução do ser
feminino como mãe, assegurada pelo casamento, não é compartilhada por Lacan
que, além de considerar uma posição reducionista, acrescenta uma camada de
sentido do lado masculino (aquele que se torna marido-filho) dizendo que “[...]
a Mãe permanece contaminando a mulher [...]”. (LACAN, 2003, p.531) e que
poderia ter como ressonância a recusa à paternidade, uma vez que o homem
seria colocado em posição de rivalidade com os filhos em relação aos cuidados
maternos, tendo ainda que se considerar que tais cuidados (investimentos
libidinais) da mãe têm, como a psicanálise afirma, características distintas entre o
filho e a filha, acentuando a falta fálica feminina, pois “[...] o filho intervém para
a mãe como ‘coisa erótica’, [...] o que Freud discerniu desde a origem”. (SOLER,
2005, p. 230).
As figuras da mãe e da mulher estão sempre presentes na vida do homem
e, segundo Freud, elas são inevitáveis, como demonstra no texto O tema dos
três escrínios lançando mão do mito das três Parcas:
1
Expressão usada durante o monólogo de Édipo na peça “Óidipous, filho de Laios”, apresentada pela
Cia Inconsciente durante o V Encontro da Internacional dos Fóruns – Escola de Psicanálise dos Fóruns do
Campo Lacaniano, em São Paulo, no dia 05 de julho de 2008. Transcrição e direção de Antonio Quinet. A
expressão foi tomada de empréstimo para compor o título do presente trabalho.
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[...] a mulher que o dá a luz, a mulher que é a sua companheira e
a mulher que o destrói; ou que elas são as três formas assumidas
pela figura da mãe no decorrer da vida de um homem – a própria
mãe, a amada que é escolhida segundo o modelo daquela, e por
fim, a Terra mãe, que mais uma vez o recebe. (FREUD, 2006, v.
XII, p. 325).
É a contaminação da mulher pela mãe a qual se referiu Lacan. Porém, a
força da estrutura edípica na sua dimensão simbólica, utilizada por Freud para
descrever a formação do psiquismo humano, mantém o homem temeroso de
realizar seus mais secretos desejos infantis voltados para o seu primeiro objeto
de amor: a mãe, mas uma exigência cultural impõe a barreira do incesto. Na
tragédia sofocliana, Édipo revela à Jocasta esse temor: “Não deveria amedrontarme a perspectiva de partilhar o tálamo de minha mãe?” (SÓFOCLES, 2001, p.
67). Jocasta, tentando evitar que Édipo conhecesse o horror da verdade que ela
ocultava, responde:
O medo em tempo algum é proveitoso ao homem. O acaso cego é
seu senhor inevitável e ele não tem sequer pressentimento claro de
coisa alguma; é mais sensato abandonarmo-nos até onde podemos
à fortuna instável. Não deve amedrontar-te, então, o pensamento
dessa união com tua mãe; muitos mortais em sonhos já subiram
ao leito materno. Vive melhor quem não se prende a tais receios.
(SÓFOCLES, 2001, p. 67).
Édipo, acreditando ser Mérope sua mãe, diz faltar-lhe meios de evitar tal
temor. Jocasta, evocando os deuses, implora para que Édipo desista de procurar
conhecer sua verdadeira origem, porém, sem se fazer ouvir. Ele é reconhecido
como o assassino de Laio, fazendo de Jocasta cúmplice no parricídio. Édipo era
inocente em sua busca da verdade, Jocasta não. E a verdade (toda) é revelada. Ela
se nomeou então: “Infeliz! Eis o nome que hoje mereces”. (SÓFOCLES, 2001,
p. 75), para depois cometer suicídio, enforcando-se. Diante do insuportável, do
Real, Jocasta passa ao ato, assumindo assim, a sua culpa.
Lacan, em uma de suas conferências (1974 apud FREITAS, 2006, p. 97),
afirma que o motivo do suicídio é “não mais querer saber de nada”, concluindo
que o suicídio seria então, uma “recusa ao saber” (FREITAS, 2006, p.97). Por
outro lado, Freud (2006), em O problema econômico do masoquismo ensina
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que “[...] a própria destruição de si mesmo pelo indivíduo não pode se realizar
sem uma satisfação libidinal”. (FREUD, 2006, v. XIX, p.188).
O último crime de Jocasta foi gozar do não-querer-saber. Fêmea ilícita.
Artigo recebido em: 11/09/2008
Aceito para publicação: 20/10/2008
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REFERÊNCIAS
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SOLER, C. O que Lacan dizia das mulheres. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
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