THE CHIMNEY SWEEPER: UM MERGULHO NO
LADO ESCURO DO ROMANTISMO
“Melhor matar uma criança no berço do que acalentar desejos insatisfeitos”.
The Marriage of Heaven and Hell (1793)
William Blake
DOMINGOS, Fabiana Maceno
POLIDORIO, Valdomiro
RESUMO: O Romantismo iniciou-se numa fase na qual a Inglaterra e toda a Europa
sofria uma transformação político-social a qual incidiu numa profunda influencia na
produção artística da época. Como conseqüência, as manifestações literárias passaram a
se apresentar de uma maneira cada vez mais subjetiva e passional. Por conseguinte, um
painel foi construído que retratava o temor a respeito do destino da civilização e se
mantinha estático em face aos fatos que chocaram e mudaram todo este contexto. Entre
todos os artistas que emergiram no final do século XVIII, William Blake surgiu como um
poeta e artista plástico que conseguiu unir brilhantemente os sentimentos e as imagens
em suas obras. Com uma magnífica sensibilidade, Blake utilizou elementos que
transcenderam a materialidade e foi capaz de compor um cenário emocional imaginário,
mas ainda assim retratou a realidade da época. A maioria de suas obras eram compostas
por contrastes e denotavam a união de elementos antagônicos. Com isto,o autor
conseguia produzir alegorias dos sentimentos com uma forma densa e profunda. Este
artigo propõe concisamente, a analise do poema The Chimney Sweeper através da
construção de seus aspectos literários enfatizando a influencia do contexto histórico do
momento de composição do poema. O trabalho explora informações sobre a historia
política e artística do mundo ocidental do século XVIII e aborda as características do
movimento literário chamado Romantismo promovendo uma relação entre a obra de
Blake e o período político-social pos-revolução vivido pela Inglaterra.
PALAVRAS-CHAVE:Literatura, William Blake, Romantismo.
ABSTRACT: Romanticism begins in a phasis in which England and all Europe were
suffering political-social transformation that incited a deep influence in the artistic
production of that time. As a consequence, the literary manisfestations started to be
present in a more and more subjective and passional way. Thus, a pane was made that
portrayed in conflict that was afraid about the destiny of civilization and stood astonished
in front of the facts that shocked and changed all its context. Among all the artists who
emerged at the end of the XVIII century, William Blake emerged as a poet and plastic
artist and he could lock brilliantly the feelings and the images in his works. With a
magnific sensibility, Blake used elements that transcended the materiality and so he was
able to compose an emotional imaginary scenery but retracted the reality of the time.
Most of his works was composed by contrasts and worked with the union of antagonistic
elements, the author could make allegories of the feelings in a dens and deep way. This
article propose concisely, the analysis of the poem The Chimney Sweeper through its
literary constructive aspects emphasizing the influence of historical context of the time to
the composition of the poem. The work explores information about artistic and politic
history of the western world of XVIII century and approaches the characters of the
literary movement called Romanticism promoting a relationship between Blake’s work
and social-political post-revolutions period lived by England.
KEY-WORDS: Literature, William Blake, Romanticism.
Para que seja possível uma análise mais elaborada de um poema Romântico é
necessário que se busque algumas informações que dizem respeito ao movimento
Romântico como um todo. Iniciado entre 1797 e 1810, na Alemanha e posteriormente
difundido em toda a Europa, o Romantismo teve seus reflexos tanto na literatura e na
música com o também nas artes plásticas.
Com este novo estilo, começa a entrar em cena o individualismo, o subjetivismo,
a imaginação e o sentimento, a emoção e a sensibilidade que lentamente substituem a
razão, centro de tudo de até então.
Como pano de fundo de toda esta revolução artística emergem também alguns
movimentos revolucionários político-sociais que transformam a estrutura da sociedade
européia e favorecem a divisão de classes. O mundo ocidental sofre alterações em sua
organização e a industrialização vai substituindo o feudalismo provocando diversos
problemas sociais.
Recém-saída de uma guerra vitoriosa contra Napoleão, a Inglaterra vê ameaçada
sua paz interna. O país está passando da estrutura agrária para a industrial.
Milhares de pessoas deixam os campos para buscar a sobrevivência nas cidades.
Aí chegando, porém, têm que se submeter a condições de trabalho subumanas,
que não poupam nem mulheres nem crianças. E tudo isso por um salário
miserável, que não lhes proporciona mais que piores condições de moradia e
alimentação. ( CEVASCO,1993:43)
O poema analisado no presente ensaio retrata exatamente as situações provocadas
por um período histórico caótico vivido pela Inglaterra em que a necessidade e a pobreza
obrigam crianças a trabalhar arduamente para auxiliar no sustento da família.
The Chimney Sweeper
1 A little black thing along the snow
2 Crying “ weep, weep in tones of woe!”
3 “Where are thy father and mother? Say?”
4 “They are both gone up to the church to pray.”
5 “Because I was happy upon the heath,
6 And smil’d among the winter’s snow;
7 They clothed me in the clothes of death,
8 And taught me to sing the notes of woe.
9 “ And because I am happy, & dance & sing,
10 They think they have done me no injury,
11 And are gone to praise God & his Priest & King,
12 Who make up a heaven of our misery”.
Escrito por William Blake (1757-1827) entre 1790 e 1792, The Chimney Sweeper
aborda a exploração do trabalho infantil, a miséria que fazia com que os pais das famílias
pobres encaminhassem seus filhos pequenos para um trabalho pesado, perigoso e malremunerado. Limpar chaminés era um oficio bastante comum no final do século XVIII e
na fria Inglaterra, cabia às franzinas crianças pobres realizá-lo.
Filho de um pequeno comerciante, Blake nasceu em Londres e desde criança
demonstrava interesse pela leitura e pelo desenho. O autor foi o primeiro dos grandes
poetas Românticos ingleses, como também pintor, impressor e um dos maiores
gravadores da história inglesa.
Em suas artes visuais, Blake se utilizava de recursos que chocam e encantam
mesclando anjos e demônios, céu e inferno num mundo imaginário que o leva a ser
considerado místico. No entanto, embora bastante espiritualizada, a obra de Blake não é
isenta de crítica tampouco insensível aos problemas externos.
Para Blake a repressão era um mal, embora a ausência de repressão não fosse por
ele interpretada de um ponto de vista psicológico, à maneira moderna, mas de um
ângulo místico. Muitas de suas idéias parecem brotar já integralmente formadas
das suas intuições, embora fosse muito mais lido do que vulgarmente se julga, e
apesar da forte influência que sobre a sua obra exerceram alguns pensadores
místicos. ( EVANS, 1976:72)
Em The Chimney Sweeper, o autor mergulha no sentimento que envolve uma
criança limpadora de chaminé, não apenas relatando o que com ela se passava, mas
procurando desvendar que atmosfera a circundava, quais os efeitos que a necessidade
deste trabalho duro acarretava e qual a visão que a mesma tinha da condição em que se
encontrava.
A primeira das três estrofes é escrita em terceira pessoa e o eu-lírico parece ser um
narrador-observador que questiona a situação por ele observada. A descrição é feita de
uma maneira emotiva e a impressão dada ao leitor é a de que este eu-lírico se compadece,
se entristece e se indigna com a vida levada por esta criança.
No verso 2, a anáfora proporcionada pela repetição de “weep, weep” pode ser
entendida como uma onomatopéia de choro, caracterizada em português por “snif, snif”.
O questionamento acerca da solidão da criança é apresentado pelo eu-lírico sob a forma
de interrogação: onde estariam seus pais? E a resposta é dada de maneira bastante
antagônica: os pais estariam rezando enquanto a criança estava arduamente trabalhando.
Estariam eles rezando pela melhoria de vida que resultaria na retirada deste filho da
escravidão? Estariam eles pedindo perdão pela obrigatoriedade deste filho trabalhar frente
ás necessidade? O pronome utilizado ao longo do poema they não nos possibilita afirmar
que o eu-lírico refere-se aos pais ou aqueles que o trabalho da criança exploram.
Na segunda estrofe, o eu-lírico passa a narrar em primeira pessoa e podemos
constatar mais uma vez a ambigüidade do pronome they que não nos permite identificar
ao certo a quem o eu-lírico se refere.
Embora o contexto histórico favoreça uma relação entre este pronome e entre
“explorador X explorado”, “rico X pobre” e com isso o eu-lírico se referiria aqueles que
deteriam o poder e a riqueza, o pronome they pode também referir-se aos pais que o
obrigam a “ vestir as roupas da morte” e a “cantar as notas da dor”. Mesmo disfarçando e
parecendo feliz, o eu-lírico sente-se humilhado e oprimido.
Não seria a única vez em que o autor teria se utilizado desta temática, Blake em
Songs of Innocence e Songs of Experience relata as duas faces da experiência, do ponto
de vista da criança - cuja inocência é o estagio ideal - e do adulto, em que predominam a
mesquinhez e a repressão. O autor, em muitas de suas obras, revela-se totalmente avesso
à qualquer tipo de repressão.
More usually, however, Blake is wrestling with the psychological and moral
problems of us all, those that are inescapable in family life and in the contact of
old with young and men with women (...) For Blake the father (and any God in
which he saw the image of the father was a figure of oppression and jealousy,
and the mother was obliged to join the father in his terrified and tyrannous
control of the child. ( FORD, 1957:71)
Os “es comerciais” (&) presentes nos versos 9 e 11 a já mencionada revolução
burguesa que acontecia neste período. Com a ascensão da indústria e consequentemente
do comércio, é compreensível que Blake tivesse se utilizado deste símbolo para ironizar a
disparidade vigente entre as classes sociais.
Um símbolo visual muito contribui para a significação de um poema. Portanto,
nem mesmo os menores detalhes podem passar despercebidos pois trazem consigo uma
infinidade de intenções. A própria chaminé usada por Blake neste poema pode representar
além daquilo que previamente conhecemos por uma chaminé. Um túnel escuro, sujo de
difícil respiração pode ser muito mais que o interior desta cavidade presente na maioria
das casas de luxo. Tal escuridão alegoriza toda uma atmosfera fria e miserável de uma
vida a margem da sociedade.
The image is literal and concrete in its implications, no matter what thoughts or feelings
it may arouse, the symbol, on the other hand, is literal, and at the same time abstract in its
implications. The symbol always communicates a second meaning along with its literal
meaning (…) A symbol, then, is a highly dramatic and economical way for a poet
express his meaning. ( WOODS, 1958:13)
Nesta mesma estrofe, no verso 11, encontramos três vocábulos grafados em letra
maiúscula: God, Priest e King, e mais uma vez podemos destacar a presença de tais
elementos como representantes de opressão e suposta superioridade, unidos novamente
por “&”, ou seja, visando riqueza e não virtude.
A sociedade burguesa pos Revolução Francesa cria os primeiros artistas
profissionais. Ao mesmo tempo - e paradoxalmente - data daí também a
inadaptacão do artista, tornado inútil num mundo regido pelos critérios do
utilitarismo e pelo avanço da ciência, da indústria e da tecnologia (...) Diante
desta realidade, onde o trabalho da mão tem a maquina como concorrente, o
poeta, atônito, ainda não se deu conta de que sem a mão a maquina não pode
funcionar. O poeta pressente mudanças, impactado. (CARA, 1982:29)
É interessante o contraste que o verso 12 proporciona ao unir na mesma frase as
palavras paraíso e miséria.O paraíso tanto pode ser material proveniente do dinheiro
quanto o imaginário, religioso o qual se espera após a morte. Entretanto, ambos os
sentidos carregam um tom irônico que em nada favorece o eu-lírico. Mais uma vez fica
ressaltado o descaso com o qual é vista a situação desta criança, afinal, é no mínimo
intrigante que se reze ou se coloque o Pastor ou o Rei em posição mais importante que o
sofrimento vivido por ela.
O eu-lírico vê nestas entidades a culpa de sua miséria e parece discordar que em
algum momento o culto a elas pudesse ajudá-lo de alguma forma. O fato de sorrir e cantar
não o caracteriza como uma pessoa feliz e por mais que acreditem não tê-lo prejudicado,
as marcas que o mesmo carregará são aquelas de alguém que não teve seu “grito” ouvido.
O eu-lírico sofre, de uma forma contida e oprimida pois é fraco em relação aquilo que o
cerca. E uma dor interna que parece não poder ser exposta, e um clamor abafado pela
pobreza, pela forca dos poderosos, e por que não dizer pela autoridade dos pais.
Toda a emoção literária não pode ser dissociada das pinturas de Blake pois ambas
possuem expressões que se diferenciam por representarem muito profundamente a dor
humana. Para ele, as “marcas de fraqueza e as marcas de aflição” são inerentes ao ser
humano.
É interessante como o autor trabalha o interior usando recursos externos tais quais
a expressão facial (em suas pinturas) ou a própria fala indignada do eu-lírico em seus
poemas. Os poemas de William Blake não pertencem ao passado, mas cabem
perfeitamente em nosso presente e visualizam um futuro pois simbolizam a busca do
homem por sua individualidade, sua dignidade e sua razão de existir.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARA, Salete de Almeida. A Poesia Lírica, 2ª Edição . São Paulo: Ática, 1986.
CEVASCO, Maria Elisa; Siqueira, Valter Lellis. Rumos da Literatura Inglesa, 4ª Edição.
São Paulo: Ática, 1993.
EVANS, Ifor. Historia da Literatura Inglesa, 4ª Edição. Lisboa: Edições 70,1976.
FORD, Boris. The Pelican Guide to English Literature - From Blake to Byron.
Middlesex, England: Penguin Books Ltd.,1957.
GOLDSTEIN, Norma. Versos, Sons, Ritmos, 13ª Edição. São Paulo: Ática, 2002.
WOODS, George B. Versification in English Poetry. New Jersey, USA: Scott, Foresman
and Company, 1958.
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