MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE SINOP/MT
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA
DE SINOP/MT
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelos procuradores da
República signatários, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, por
força do disposto no art. 129, inciso I, da Constituição Federal, e com lastro
empírico nos anexos laudos, oferecer
DENÚNCIA
em face de
JOSEPH LEPORE, estrangeiro dos Estados Unidos da
América (EUA), titular do passaporte nº 210435882, casado, piloto de
aeronave, natural de Bari/Itália, nascido aos 27/07/1964, filho de Antonio
Lepore e de Anna Lepore, residente em 3 Ventura Lane, Bay Shore, New York
11206, EUA; e de
JAN PAUL PALADINO, estrangeiro dos EUA, titular do
passaporte nº 018060940, casado, piloto de aeronave, natural do Brooklyn,
New York/EUA, nascido aos 08/04/1972, filho de Hector Paladino e de Isabel
Paladino, residente em 297, Westhampton Beach, New York 11978, EUA;
pelos fatos delituosos adiante perfilados.
O DESASTRE
Aos 29 de setembro de 2006, um avião Boeing/737-800,
prefixo PR-GTD, da companhia Gol Transportes Aéreos S/A, colidiu em pleno
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vôo, sob o céu do Mato Grosso, com um jato Embraer/Legacy 600, prefixo
N600XL, recém adquirido pela empresa americana Excel Air Service, dando
causa ao maior e mais lamentável acidente da história da aviação brasileira.
Conforme noticiado amplamente pela imprensa, a aeronave da
companhia Gol - doravante referida apenas pelo prefixo PR-GTD- fazia o vôo
1907, oriundo de Manaus/AM, com destino a Brasília/DF, ao passo que o jato
executivo Legacy 600 -à frente tratado somente pelo prefixo N600XL- vinha de
São José dos Campos, em direção a Manaus/AM, onde pousaria para, no dia
seguinte, partir rumo ao exterior.
A aeronave N600XL era pilotada pelos denunciados JOSEPH
LEPORE (piloto em comando) e JAN PAUL PALADINO (co-piloto),
empregados da Excel Air Service. Além deles, encontravam-se a bordo outras
cinco pessoas, sendo dois sócios dessa empresa, dois funcionários da
Embraer e um jornalista americano. O avião PR-GTD, por sua vez, era
ocupado por cento e cinqüenta e quatro pessoas, sendo seis tripulantes e
cento e quarenta e oito passageiros.
Precisamente às 19 horas, 56 minutos e 54 segundos UTC1, as
duas aeronaves passaram, uma pela outra, a 37.000 pés de altitude, no
espaço correspondente ao norte do Estado de Mato Grosso, próximo ao
Município de Peixoto de Azevedo. No cruzamento, a ponta da asa esquerda
(winglet) do aparelho N600XL tocou o equipamento PR-GTD, provocando
danos que acarretaram a desestabilização e a vertiginosa queda deste último.
Todas as cento e cinqüenta e quatro pessoas que se encontravam a bordo
faleceram, conforme comprovam os laudos cadavéricos autuados no apenso
VIII do inquérito policial. O Brasil entrou em luto oficial por três dias.
1
UTC é a sigla para Tempo Universal Coordenado. Todas as referências a horário, nesta peça, são expressas
em UTC, por se tratar do padrão internacionalmente utilizado nas comunicações aeronáuticas e, por decorrência,
na maior parte dos documentos e laudos encartados no inquérito policial. Para obtenção do horário de Brasília,
basta subtrair, do UTC, três unidades de hora.
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Já a aeronave N600XL, embora avariada, logrou executar uma
aterrissagem de emergência na base aérea da Serra do Cachimbo, ao sul do
Estado do Pará. Felizmente, as seis pessoas que estavam em seu interior
saíram ilesas.
DA DENÚNCIA OFERTADA EM 28 DE MAIO DE 2007
Em 28 de maio de 2007 foi oferecida denúncia contra os dois
pilotos acima referidos e quatro controladores de voo: LUCIVANDO TIBÚRCIO
DE ALENCAR, LEANDRO JOSÉ SANTOS DE BARROS, FELIPE SANTOS
DOS REIS e JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS, como incursos no
art. 261, § 3º, c/c art. 263, com pena cominada pelo art. 258, c/c art. 121, § 4º
(inobservância de regra técnica de profissão), todos do Código Penal Brasileiro,
salvo quanto ao último controlador de voo, que foi denunciado por dois crimes
dolosos de atentado contra a segurança de transporte aéreo, em concurso
formal (art. 70 do CP): um, na modalidade fundamental (art. 261, caput, CP),
quanto à periclitação da aeronave N600XL; outro, qualificado por cento e
cinqüenta e quatro mortes (art. 261, § 1º, c/c art. 263, CP), em relação ao avião
sinistrado de prefixo PR-GTD.
Aos denunciados JOSEPH LEPORE e JAN PAUL PALADINO
foram imputadas as seguintes condutas:
a) conduzir equivocadamente, e em desconformidade com o
plano de vôo, a aeronave N600XL, mantendo nível de cruzeiro reservado para
o sentido de deslocamento contrário àquele que seguiam;
b) desativar por imperícia o transponder, que nesse estado só
permaneceu porque também negligenciaram sua conferência e a dos diversos
sinais de desligamento exibidos no painel;
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c) não adotar as precauções regulamentares quando da falha
de comunicação (o co-piloto) e omitir-se nessas mesmas precauções (o piloto)
Ao denunciado FELIPE SANTOS DOS REIS foi imputada a
imperícia na emissão da autorização incompleta de vôo, omitindo as mudanças
de níveis de cruzeiro, no que concorreu para o equívoco dos pilotos da
aeronave N600XL, incrementando, ilicitamente, riscos de acidente.
Aos denunciados LUCIVANDO TIBÚRCIO DE ALENCAR e
LEANDRO JOSÉ SANTOS DE BARROS foi imputada a negligência no
cumprimento das normas que regem o exercício de sua profissão quanto aos
procedimentos previstos para os casos de falha de comunicação e de
transponder.
Ao denunciado JOMARCELO FERNANDES DOS SANTOS,
que tinha conhecimento da discrepância de altitude e, portanto, do perigo de
colisão, foram imputadas:
a) a omissão dolosa de corrigir a altitude da aeronave N600XL,
sabendo-a em patamar impróprio para a rota programada;
b)
a
omissão
dolosa
na
adoção
das
providências
regulamentares para falha de transponder;
Não obstante a denúncia já oferecida, o Centro de Investigação
e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos – CENIPA apresentou, em 08 de
dezembro de 2008, relatório final do referido acidente aeronáutico, e o Perito
Roberto Peterka, em novembro de 2008 e em março de 2009, analisando os
dados disponíveis no ação penal acima referida e o relatório final do CENIPA,
elaborou dois laudos periciais que descortinam a ocorrência de mais duas
condutas que também foram causa do acidente ocorrido em 29 de setembro de
2006 e que serão abaixo analisadas.
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AS CAUSAS PENALMENTE RELEVANTES
A. FALSA INFORMAÇÃO SOBRE AUTORIZAÇÃO PARA VOAR EM ESPAÇO
AÉREO COM SEPARAÇÃO VERTICAL REDUZIDA (RVSM) E DA OMISSÃO
EM REPORTAR ESSA CONDIÇÃO AO CONTROLE DE TRAFEGO AÉREO
O plano de voo, elaborado com base no planejamento do voo,
é a notificação ao Centro de Tráfego Aéreo de informações específicas
relacionadas com um vôo planejado ou com parte de um vôo de uma
aeronave.
Conforme item 4.3.2 do Instrução do Comando da Aeronáutica
nº 100-12 (ou simplesmente ICA 100-12), que dispõe sobre “Regras do Ar e
Serviços de Tráfego Aéreo” e consubstancia o mais importante diploma
normativo atinente ao tema, “um plano de vôo deverá conter as seguintes
informações: a) identificação da aeronave; b) regras de vôo e tipos de vôo; c)
números, tipo (s) de aeronave (s) e categoria da esteira de turbulência; d)
equipamento; e) aeródromo de partida; f) hora estimada de calços fora (vide
NOTA); g) velocidade (s) de cruzeiro; h) nível (is) de cruzeiro; i) rota que será
seguida; j) aeródromo de destino e duração total prevista; k) aeródromo (s) de
alternativa; l) autonomia; m) número total de pessoas a bordo; n) equipamento
de emergência e de sobrevivência; e o) outros dados”.
Tais dados são importantes para a efetividade e eficiência do
controle de tráfego aéreo, que deve ter pleno conhecimento das condições da
aeronave que terá o voo autorizado.
O plano de voo é de responsabilidade do piloto em comando,
embora possa ser apresentado por representante seu, conforme
item 2
(Definições) e 3.4 do ICA 100-12:
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PLANO DE VÔO APRESENTADO
Plano de Vôo tal como fora apresentado pelo piloto, ou seu
representante, ao órgão dos serviços de tráfego aéreo, sem
qualquer modificação posterior.
3.4 RESPONSABILIDADES QUANTO AO CUMPRIMENTO
DAS REGRAS DO AR
3.4.1 RESPONSABILIDADE DO PILOTO EM COMANDO
O piloto em comando, quer esteja manobrando os comandos
ou não, será responsável para que a operação se realize de
acordo com as Regras do Ar, podendo delas se desviar
somente quando absolutamente necessário ao atendimento de
exigências de segurança. (grifo nosso)
Os órgãos de tráfego aéreo, por sua vez, tem por obrigação
regulamentar confiar nos dados fornecidos pelo piloto ou seu representante,
conforme estabelece o item 3.4.2.3 do mesmo normativo:
3.4.2.3
Os órgãos ATS considerarão, por ocasião do
recebimento
do
plano
de
vôo,
que
as
condições
verificadas pelo piloto em comando atendem às exigências
da regulamentação em vigor para o tipo de vôo a ser
realizado.
No caso em tela, o plano de voo foi apresentado, a pedido dos
pilotos, pelo setor de apoio ao cliente da EMBRAER como cortesia à empresa
Excel Air, que adquiriu o Jato Legacy 600, prefixo N600XL, no dia anterior ao
acidente.
Esse plano de voo, entretanto, continha informação falsa sobre
as condições da aeronave, uma vez que informava que a mesma atendia os
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requisitos para voar em espaço aéreo sob condição de separação vertical
reduzida, conhecido pela sigla em inglês RVSM.
Conforme o apêndice G do Regulamento Brasileiro de
Homologação Aeronáutica 911 (RBHA 91), que é similar ao General Operating
and Flight Rules 91 (FAR 91) dos EUA e trata sobre voo RVSM, “dentro de um
espaço aéreo RVSM, o controle de tráfego aéreo (ATC) separa verticalmente
as aeronaves por um mínimo de 1000 pés entre os níveis de vôo (FL) 290 e FL
410 inclusive. Espaço aéreo RVSM é um espaço aéreo de qualificação
especial; o operador e a aeronave usada pelo operador necessitam ser
aprovados pelo DAC”.
Conforme detalhado pelo Sr. Perito do Instituto Nacional de
Criminalística, no laudo de nº 118/2007-DPER/INC/DPF, às fls. 860 e 861 dos
autos, no item V.1.1 – Plano de Vôo da aeronave N600XL (Anexo 03), a letra
“W” inserida no campo 10 indicava “aeronave habilitada para vôo em espaço
aéreo RVSM”. A aeronave N600XL, entretanto, não preenchia os requisitos
para voar RVSM, conforme exporemos a seguir, o que obrigava o controle de
tráfego aéreo a manter separação de 2000 pés de altitude entre essa aeronave
e as demais, conforme item 1.6 do Anexo ao Suplemento da Publicação de
Informações Aeronáuticas (AIP) N194/04, outra legislação que trata do mesmo
assunto (voo RVSM) e dispõe:
1.5 Aeronaves não aprovadas RVSM, também, poderão voar
no espaço aéreo RVSM, se atendidas as condicionantes
dispostas nesta regulamentação
1.6 Será aplicada a separação vertical mínima de 2000 pés
entre as aeronaves não aprovadas RVSM e entre estas e as
demais aeronaves.
(...)
1 A origem dos RBHA's está no Código Brasileiro de Aeronáutica (§1º do art. 66). Os RBHA's são editados através de
Resolução da ANAC, seguindo os preceitos estabelecidos pela OACI (Organização da Aviação Civil Internacional) e
são semelhantes aos já publicados no exterior, entre eles o FAR do FAA (EUA); o JAR (Grâ-Bretanha); da Nova
Zelândia, etc. Os RBHA's estão sendo atualizados e renomeados para RBAC (Regulamento Brasileiro da Aviação
Civil).
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1.8.1. Somente os operadores de aeronaves aprovadas
RVSM deverão indicar seu “status” de aprovação RVSM,
inserindo a letra W no item 10 do formulário de plano de vôo,
independentemente do nível de vôo solicitado.
(...)
1.9 VÔO DE AERONAVE DE ESTADO, HUMANITÁRIO,
MANUTENÇÃO OU DE PRIMEIRA ENTREGA QUE NÃO
SEJA APROVADO RVSM.
1.9.1 As aeronaves de estado, os vôos de primeira entrega,
manutenção
e
humanitários,
em
vôos
domésticos
ou
internacionais, serão autorizadas a operar em espaço aéreo
RVSM, ainda que as aeronaves utilizadas não sejam
aprovadas RVSM.
1.9.1 Para os efeitos desta regulamentação e considerada (o):
a) Aeronave de Estado - aquela utilizada em serviços militar,
alfandegário e policial (em conformidade com a Convenção de
Aviação Civil Internacional);
b) Vôo de manutenção - a aeronave que estiver retomando
para a base de manutenção para efetuar reparos em seu
sistema altimétrico. a fim de readquirir a capacidade de voar em
espaço aéreo RVSM ou se o vôo ocorrer depois que a aeronave
tiver realizado a manutenção. a fim de verificar se está pronta
para retornar a operação RVSM;
c) Vôo de primeira entrega - a entrega de uma aeronave.
após ter sido vendida ao seu novo operador; e
d) Vôo humanitário - a aeronave transportando ou destinada a
transportar enfermo ou lesionado em estado grave que
necessite de assistência médica urgente. ou órgão vital
destinado a transplante em corpo humano.
1.9.2 Esses operadores, caso tenham a intenção de ingressar
no
Espaço
Aéreo
RVSM.
deverão
inserir
o
texto
STSINONRVSM no item 18 do formulário de Plano de Vôo.
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Para que uma aeronave possa voar em espaço RVSM deve
preencher os requisitos previstos no item 91.537 do já referido RBHA 91, que
dispõe:
91.537 – OPERAÇÕES EM ESPAÇO AÉREO DESIGNADO
COMO
RVSM
(REDUCED
VERTICAL
SEPARATION
MINIMUM)
[(a) Exceto como previsto no parágrafo (b) desta seção,
nenhuma pessoa pode operar uma aeronave civil brasileira em
espaço aéreo designado como RVSM a menos que:
(1) o operador e a aeronave do operador atendam aos
requisitos do apêndice G deste regulamento; e
(2) o operador esteja autorizado pelo DAC a conduzir tais
operações.
(b) O DAC pode autorizar um desvio dos requisitos desta seção
de acordo com a seção 5 do apêndice G deste RBHA.]
A seção 3 do apêndice G deste normativo (Autorização do
Operador), por sua vez, estabelece:
(a) A autorização para um operador conduzir vôo num espaço
aéreo onde o RVSM é aplicado é emitida nas especificações
operativas1 ou através de uma carta de autorização, como
aplicável. Para emitir a autorização o DAC deve verificar se a
aeronave do operador foi aprovada de acordo com a Seção 2
deste apêndice e se o operador atende a esta seção.
Assim, no caso de empresas aéreas, a autorização dá-se pela
inclusão da aeronave adquirida nas especificações operativas da empresa,
1 ESPECIFICAÇÕES OPERATIVAS (E.O) - IAC 119-1001B: seção 2.8 - Conjunto de atributos da empresa, aprovados
pela Autoridade Aeronáutica, que especifica as prerrogativas e limitações dessa empresa quanto à operação e
manutenção das suas aeronaves.
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enquanto que, para um operador pessoa física, a autorização dá-se por uma
carta de autorização.
Conforme podemos concluir da recomendação à Excelair
Service contida na fl. 16 do relatório final do CENIPA, a empresa adquirente da
aeronave N600XL não contemplava, em suas especificações operativas, o
referido jato Legacy:
À Empresa EXCELAIRE SERVICE, INC recomenda-se:
(...)
RSV (A) 74/A/07 – CENIPA, em 24/09/2007 - Revisar e
atualizar o Manual Geral de Operações da Empresa (MGO),
bem como as Especificações Operativas da EXCELAIRE,
tendo em vista a aquisição de aeronaves EMB-135BJ.
Assim, se a Excelair não havia incluído a recém adquirida
aeronave N600XL nas suas especificações operativas, consequentemente a
mesma não tinha autorização para voar RVSM e deveria ter sido mantida a
2.000 pés de distâncias das demais aeronaves, o que teria evitado o trágico
acidente.
Adicionalmente, a própria definição de aeronave de primeira
entrega (AIP Brasil item 1.9.1) já caracteriza o Legacy como não RVSM, pois
está sendo entregue a um novo operador. Era de propriedade da EMBRAER e
passou a ser da EXCELAIRE.
Importante salientar que a aerovia UZ6, onde ocorreu o
acidente, que é uma “via de mão dupla”. Nesta última, o fluxo é organizado por
altitudes. Os níveis de vôo pares (F360, F380, F400 etc) são reservados para o
sentido Brasília-Manaus. Já o sentido inverso (Manaus-Brasília) ocupa os
níveis ímpares (F370, F390, F410 etc.)1.
1
O rigor impõe observar que todos os níveis de vôo, por serem múltiplos de 10, são pares. Por isso, a dicotomia
par/ímpar, determinante do sentido do tráfego na aerovia UZ6, há de aplicar-se apenas aos dois primeiros dígitos.
Nesse diapasão, o nível F370, por exemplo, deve ser reputado ímpar, porque os dois primeiros algarismos formam
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Conforme expôs o nobre Perito na página 32 do parecer
técnico que segue em anexo:
Quando o Gol 1907 solicitou alteração no seu nível de vôo – do
FL410 para o FL370 – antes de decolar de Manaus, o Legacy
N600XL já se encontrava em vôo e portanto, o Controle de
Tráfego Aéreo conhecedor da sua condição NÃO RVSM, somente
poderia disponibilizar para o GOL1907, o nível de vôo FL350 ou o
próprio FL410, já que, esperava-se que o Legacy estivesse
ocupando o FL380. Mesmo ele mantendo – como manteve – o
FL370, haveria espaço vertical para ambas as aeronaves se
cruzarem com segurança.
A ilustração que acompanha o laudo é bastante didática:
TRECHO TERES / MANAUS
O piloto JOSEPH LEPORE prestou, por representante,
informação falsa sobre a autorização da aeronave N600XL voar RVSM e o
mesmo piloto e o co-piloto da aeronave, JAN PAUL PALADINO, quedaram-se
o número 37.
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inertes quanto às suas obrigações de reportarem sua condição de NONRVSM
em todas as chamadas mantidas com o Controle de Tráfego Aéreo, conforme
previsto no já referido Anexo ao Suplemento da Publicação de Informações
Aeronáuticas (AIP) N194/04:
1.14 A fraseologia entre controlador e piloto a ser utilizada no
espaço aéreo RVSM será a seguinte:
TIPO DE MENSAGEM
FRASEOLOGIA
Para o piloto reportar “status”
de aeronave não aprovada
RVSM:
I. na chamada inicial, em
qualquer freqüência, dentro do
espaço aéreo RVSM;
II. em todas as solicitações
para mudanças de níveis de
de
chamada)
vôo para aqueles situados no (código
Negativo RVSM
espaço aéreo RVSM;
III. em todos os cotejamentos
para autorizações de níveis de (call sign) Negative RVSM
vôo para aqueles situados no
espaço aéreo RVSM; e
IV. em todos os cotejamentos
das autorizações de nível de
vôo envolvendo o trânsito
vertical através dos fl 290 ou fl
410.
Para o piloto de uma aeronave
de estado, de vôo humanitário,
de vôo de manutenção ou de
vôo de primeira entrega não
aprovada RVSM reportar o
“status” de não aprovação
RVSM da aeronave, em
resposta à frase (código de
chamada) confirme aprovação
RVSM.
(código
de
chamada)
Negativo RVSM (aeronave de
estado / vôo humanitário / vôo
de primeira entrega vôo de
manutenção, se aplicável).
(call sign) Negative RVSM
(state aircraft/ humanitarian
flight/
first
delivery/
maintenance
flight,
if
applicable).
(...)
1.15 A fraseologia entre órgãos ATC a ser aplicada no espaço
aéreo RVSM será a seguinte:
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TIPO DE MENSAGEM
FRASEOLOGIA
(código
de
chamada)
Negativo RVSM ou negativo
RVSM aeronave humanitário/
entrega/
Para
suplementar primeira
manutenção)
informação
prevista
no
sistema de tratamento de
plano
de
vôo
e
de (call sign) Negative RVSM or
Negative RVSM state aircraft /
tratamento radar.
humanitarian
flight
first
delivery flight/ maintenance
flight.
Novamente trazemos a manifestação do nobre Perito Roberto
Peterka (p. 29 do parecer técnico):
“Para
suplementar
informação
prevista
no
sistema
de
tratamento de plano de vôo ...” indica claramente que o piloto
do Legacy estava obrigado a informar a condição da aeronave
NÃO APROVADA PARA VÔO RVSM desde o primeiro contato
com o Serviço de Solo de São José dos Campos, quando
solicitou a autorização para dar partida nos motores; logo após
quando contatou a Torre de Controle, seguido pelo contato
com o Controle de Saída e, finalmente, todos os contatos com
o controle de Brasília.
Essa mensagem OBRIGATÓRIA suplementando informações
constantes no Plano de Vôo apresentado, NÃO FOI EMITIDA EM
NENHUM MOMENTO pela tripulação do Legacy, como fica claro
na audição da gravação de cabine (CVR) ou transcrição dos
contatos mantidos entre a aeronave e os controles de vôo.
O Controle de vôo assumiu que a informação prestada no
Plano de Vôo e não suplementada pela tripulação estava correta
e tratou a aeronave como se aprovada para voar em condições
RVSM fosse. Com a inserção da letra “W” no item 10 do plano de
vôo – não suplementada pela tripulação com nenhuma outra
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informação – não cabia ao Órgão de tráfego questionar se a
aeronave estava ou não aprovada para esse vôo específico.
B.
DO
NÃO
LIGAMENTO
DO
TRAFFIC ALERT AND
COLLISION
AVOIDANCE SYSTEM (TCAS)
Sistema de Alerta de Tráfego e Prevenção de Colisão (TCAS –
Trafic Alert and Colision Avoidance System), como se pode extrair do próprio
nome, é um instrumento que provê informações ao piloto acerca da existência
de outras aeronaves nas proximidades de modo a evitar colisão. Em situações
críticas, quando o risco de colisão é iminente, o TCAS emite resoluções de
alertas e manobras evasivas capazes de garantir uma distância segura.
Tal equipamento, que é alimentado pelo transponder da
aeronave, por negligência e imperícia dos réus, não foi ligado durante o voo, o
que resultou na morte de 154 passageiros.
Enquanto o transponder foi desligado minutos antes da colisão,
conforme denúncia já oferecida em 28 de maio de 2007, o TCAS sequer foi
ligado, conforme comprovam os laudos que seguem anexos.
Importante referir que, se o transponder não fosse desligado, o
acidente poderia ter sido evitado já que os controladores de voo perceberiam a
altitude indevida em que a aeronave trafegava e o TCAS do PR-GTD, que
comprovadamente estava ligado, captaria a aeronave N600XL e emitiria
resoluções de alertas e de manobras evasivas. Se o TCAS, por sua vez,
também estivesse ligado, o próprio sistema da aeronave informaria a existência
de tráfego em sentido contrário. Assim, percebe-se que ambas condutas são
independentes e resultaram, por si só, na queda da aeronave PR-GTD.
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Agindo dessa forma, o piloto JOSEPH LEPORE e o co-piloto
JAN PAUL PALADINO incidiram no art. 261, § 3º, c/c art. 263, com pena
cominada pelo art. 258, c/c art. 121, § 4º (inobservância de regra técnica de
profissão), todos do Código Penal Brasileiro.
DO JULGAMENTO CONJUNTO
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer que a presente
denúncia seja recebida e devidamente processada para que, ao final, seja
julgada junto com a ação penal nº 2007.36.03.002400-5, que resultou da
denúncia oferecida em 28 de maio de 2007 contra os referidos denunciados e
outros quatro controladores de voo.
Tal providência de mostra necessária uma vez que, embora
sejam várias as condutas imputadas, o crime foi único. Dessa forma, resultaria
em indesejável bis in idem duas condenações em processos diferentes pelo
mesmo crime (exposição a perigo a aeronave PR-GTD).
Registre-se que, em caso de crime único, não há aplicação o
procedimento de unificação de penas, conforme extrai-se do artigo 111 da Lei
de Execução Penal (L. 7.210/84):
Art. 111. Quando houver condenação por mais de um crime,
no
mesmo
processo
ou
em
processos
distintos,
a
determinação do regime de cumprimento será feita pelo
resultado da soma ou unificação das penas, observada,
quando for o caso, a detração ou remição.
Parágrafo único. Sobrevindo condenação no curso da
execução, somar-se-á a pena ao restante da que está sendo
cumprida, para determinação do regime.
Procuradoria da República no Município de Sinop/MT
Av. das Figueiras 1852 – Centro – Sinop – Cep 78.550-000
Fone: (66) 3531-2087 - www.prmt.mpf.gov.br
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
O aditamento da denúncia também é medida que não se
mostra adequada neste momento, uma vez que a ação penal já em andamento
está prestes a ser enviada ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região em razão
de apelação interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra decisão
de absolvição sumária.
Diante do exposto, enquanto a ação penal já proposta tramita
no TRF, impõe-se a citação dos acusados nesta nova ação para que
apresentem defesa escrita, de modo a buscar a uniformidade de andamento
entre as duas ações e, finalmente, o julgamento concomitante.
Caso V. Exma não entenda dessa forma, requer que a
presente peça seja recebida como aditamento da denúncia oferecida na ação
penal nº 2007.36.03.002400-5.
PEDIDO
Face ao exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer:
1. sejam os denunciados citados, regularmente processados e,
ao final, depois de ouvidas as testemunhas abaixo arroladas, condenados nas
penas que lhes couberem.
2. sejam solicitadas aos Estados Unidos da América, pela via
diplomática, documentos equivalentes a FAC e CAC, referentes aos
denunciados estrangeiros, bem como sejam aplicados os cabíveis mecanismos
de cooperação jurídica internacional previstos no Decreto nº 3.810/2001, para
agilização do processo.
Desde já, para fins de prova, postula pela intimação dos
denunciados para juntada dos seguintes documentos:
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Av. das Figueiras 1852 – Centro – Sinop – Cep 78.550-000
Fone: (66) 3531-2087 - www.prmt.mpf.gov.br
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
1. De ambos pilotos:
a. Programa de Treinamento da EXCELAIRE aprovado pela
FAA da época do acidente.
2. de JOSEPH LEPORE:
a. comprovante de aprovação em treinamento de transição,
conforme exigência do item 321 (b.2.) do RBHA 135 e do seu correspondente
americano (FAR 135);
b. comprovante de 15 horas de voo em EMB145, conforme
exigência do item 248 do FAR 135;
c.
comprovante
de
aprovação
em
curso
de
tráfego
internacional, conforme exigência do item 711 (c.2.ii) do RBHA 91 e do seu
correspondente americano (FAR 91);
3. de JAN PAUL PALADINO:
a. comprovante de aprovação no treinamento inicial, conforme
exigência do item 321 (b.1.) do RBHA 135 e do seu correspondente americano
(FAR 135);
b. comprovante de aprovação no curso de treinamento de
diferenças entre o EMB-145 e o Legacy (EMB-135-BJ), conforme exigência da
Instrução de Aviação Civil (IAC) 121-1007
c.
comprovante
de
aprovação
em
curso
de
tráfego
internacional, conforme exigência do item 711 (c.2.ii) do RBHA 91 e do seu
correspondente americano (FAR 91).
Sinop/MT, 22 de maio de 2009.
ANALÍCIA ORTEGA HARTZ TRINDADE
THIAGO LEMOS DE ANDRADE
PROCURADORA DA REPÚBLICA
PROCURADOR DA REPÚBLICA
Procuradoria da República no Município de Sinop/MT
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Fone: (66) 3531-2087 - www.prmt.mpf.gov.br
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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
ROL DE TESTEMUNHAS:
1) Roberto Peterka, perito, fones (11) 4104.3445 e (11) 9244.89.35, que
comparecerá
à
audiência
a
ser
designada
neste
Juízo
independentemente de intimação;
2) Brigadeiro do Ar Jorge Kersul Filho, chefe do CENIPA;
3) Daniel Robert Bachmann, funcionário da Embraer, residente na rua dos
Atuns, nº 54, apto 122 – Bairro Jardim Aquarius, São José dos Campos/
SP e com endereço comercial na Av. Brigadeiro Faria Lima, 2170, Bairro
Aeroporto, São José dos Campos/SP, Fone: (12) 3911.27.90.
Procuradoria da República no Município de Sinop/MT
Av. das Figueiras 1852 – Centro – Sinop – Cep 78.550-000
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