1 UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE- UNESC CURSO DE DIREITO CAROLINA LUCHINA GIORDANI ACESSO À JUSTIÇA E OS CRITÉRIOS PARA DEFINIÇÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO NA DIMENSÃO DO PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA: UM ESTUDO DO CASO MARIA DA PENHA NO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS CRICIÚMA, JUNHO DE 2009 2 CAROLINA LUCHINA GIORDANI ACESSO À JUSTIÇA E OS CRITÉRIOS PARA DEFINIÇÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO NA DIMENSÃO DO PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA: UM ESTUDO DO CASO MARIA DA PENHA NO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS Trabalho de Conclusão do Curso, apresentado para obtenção do grau de bacharel no Curso de Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC. Orientadora: Profª. Mônica Ovinski de Camargo. CRICIÚMA, JUNHO DE 2009 3 CAROLINA LUCHINA GIORDANI ACESSO À JUSTIÇA E OS CRITÉRIOS PARA DEFINIÇÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO NA DIMENSÃO DO PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA: UM ESTUDO DO CASO MARIA DA PENHA NO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS Trabalho de Conclusão de Curso aprovado pela Banca Examinadora para obtenção do Grau de Bacharel, no Curso de Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC. Criciúma, 22 de junho de 2009. BANCA EXAMINADORA Profa. Mônica Ovinski de Carmargo – Mestre- (UNESC) - Orientadora Prof. André Viana Custódio – Doutor – (UNESC) Profa. Sheila Martignago Saleh – Mestre – (UNESC) 4 Dedico este trabalho a todos aqueles que de alguma forma me apoiaram, através de uma palavra de conforto, pela paciência, ou mesmo pelo simples fato de estarem, mesmo que em pensamento, torcendo pelo meu êxito. 5 AGRADECIMENTOS Primeiramente agradeço a Deus por ter me dado força e determinação, principalmente nas horas mais difíceis, que Dele precisei. Sou grata à minha família, mas principalmente aos meus pais, cuja importância é insigne, já que foram eles que me proporcionaram tudo que hoje tenho, mais que isso, o que hoje sou. Agradeço, ainda, ao meu namorado Rafael, pelas horas de paciência, pelas palavras de conforto, pela confiança que sempre depositou em mim. Às minhas amigas, sobretudo as de longa data, aquelas que conhecem a minha essência, e que igualmente são responsáveis pela formação do meu caráter. Agradeço pela sua incessante preocupação, pela crença no meu sucesso. Agradeço, ainda, aos colegas de faculdade, aqueles que mais do que ninguém compartilharam comigo seus receios, suas preocupações, mas sempre com o bom humor, necessário para superar todas as situações. À minha orientadora, professora Mônica, pela sua disponibilidade, dedicação e paciência em me auxiliar na confecção desta monografia, muito obrigada. Sou grata a todos os educadores, todos os responsáveis por minha caminhada no Curso de Direito. Aos professores André e Sheila, obrigada por aceitarem ser a minha banca examinadora. Por fim, agradeço a todos os demais que de alguma maneira fizeram eu seguir em frente, sem desistir da caminhada. 6 RESUMO O Brasil assumiu obrigações junto a organismos internacionais de proteção dos Direitos Humanos, através da ratificação de Tratados e Convenções, notadamente quanto à garantia processual da razoável duração do processo. Entretanto, é manifesta a morosidade da justiça brasileira, tornando fato corriqueiro a lentidão na tramitação dos processos no Judiciário do país, mormente pelo grau de abstração do princípio em si. Nesse sentido, o objetivo do presente estudo foi analisar os critérios utilizados pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, para definir o prazo razoável da duração do processo criminal em que era vítima Maria da Penha. Para cumprir com a finalidade proposta, o trabalho dividiu-se em três capítulos, em que, primeiramente, estudou-se de forma aprofundada o princípio do acesso à justiça, bem assim um de seus postulados básicos, a razoável duração do processo, no âmbito dos direitos humanos. Na seqüência, pesquisou-se a competência e o funcionamento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, com a enumeração dos ritos e as questões procedimentais, no âmbito da justiça internacional. Por fim, cuidou o último capítulo da análise dos critérios e fundamentos utilizados pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos para se definir a razoável duração do processo no caso específico de Maria da Penha Maia Fernandes, bem como as conclusões de referido órgão sobre o tema. Para tanto, aplicou-se o método dedutivo, utilizando-se da pesquisa do tipo qualitativa e teórico. Dessa forma, diante da inexistência de critérios para se definir o prazo razoável no plano interno da justiça brasileira, faz-se importante o estudo de referido caso, na medida em que poderão ser utilizados de forma análoga os limites estabelecidos no âmbito da justiça internacional. Realizou-se, portanto, um estudo sobre a garantia da razoável duração do processo, analisando-se jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão jurisdicional do Sistema Interamericano. Os resultados apontam para a importância da atuação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos no sentido de censurar o Estado brasileiro nos casos de violações, fazendo recomendações para que haja cumprimento das obrigações assumidas internacionalmente. A pesquisa, contudo, revela o descaso do Brasil na proteção da garantia de prestação da tutela jurisdicional de forma tempestiva, em que pese os inúmeros esforços no sentido de dar efetividade ao princípio, já que atualmente não há legislação que fixe de forma concreta prazos para os variados ritos processuais, nas diversas áreas, o que reforça o grau de abstração do princípio, fazendo com que seja comumente desrespeitado. A violação dos direitos humanos por parte do Estado faz com que os organismos internacionais assumam o papel no sentido de proteger tais direitos, posicionando-se para fazer valer as obrigações internacionais assumidas. Palavras-chave: Acesso à justiça. Prazo Razoável. Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Maria da Penha. 7 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS § - Parágrafo Art.- Artigo Arts. - Artigos Inc. - Inciso CADH - Convenção Americana de Direitos Humanos CEDH - Convenção Européia de Direitos Humanos CEJIL - Centro pela Justiça e o Direito Internacional CF/88 - Constituição da República Federativa do Brasil CIDH - Comissão Interamericana de Direitos Humanos CLADEM - Comitê Latino- Americano e do Caribe para Defesa dos Direitos da Mulher. CNJ - Conselho Nacional de Justiça CPC - Código de Processo Civil CPP - Código de Processo Penal CRTEDH - Corte Européia de Direitos Humanos CRTIDH - Corte Interamericana de Direitos Humanos DADDH- Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem DUDH- Declaração Universal dos Direitos Humanos EC - Emenda Constitucional OEA - Organização dos Estados Americanos ONU- Organização das Nações Unidas PSJCR – Pacto de São José da Costa Rica SIDH - Sistema Interamericano de Direitos Humanos TEDH - Tribunal Europeu de Direitos Humanos 8 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO................................................................................................................. 9 2 A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO NO MARCO DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS, COMO PRESSUPOSTO DE ACESSO À JUSTIÇA: APONTAMENTOS GERAIS............................................................................................ 11 2.1 Direitos humanos a partir da Segunda Grande Guerra: aspectos destacados .......... 12 2.2 Acesso à justiça como direito humano e fundamental ................................................ 16 2.3 A razoável duração do processo como meio de concretização do acesso à justiça..... 20 2.4 Prazo razoável: o reconhecimento de um direito humano fundamental.................... 23 3 DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO DO SIDH................................................... 28 3.1 Sistemas de proteção dos direitos humanos: o sistema global como gênese da consolidação dos planos regionais ..................................................................................... 29 3.2 O SIDH ......................................................................................................................... 32 3.2.1 A CIDH e seus procedimentos de atuação................................................................ 35 3.3 A jurisprudência da CRTIDH em relação ao prazo razoável .................................... 43 4 CRITÉRIOS ESPECÍFICOS UTILIZADOS PARA DEFINIÇÃO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO NO CASO MARIA DA PENHA ...................................... 49 4.1 Breve histórico do caso Maria da Penha: a repercussão na sociedade civil............... 49 4.2 O caso Maria da Penha no SIDH: aspectos gerais da petição e tramitação no âmbito da CIDH e suas conclusões acerca do prazo razoável ...................................................... 53 4.3 Aspectos específicos do prazo razoável nas Leis e nos relatórios do CNJ: avanços e inovações ............................................................................................................................ 59 5 CONCLUSÃO................................................................................................................. 69 REFERÊNCIAS................................................................................................................. 71 ANEXO .............................................................................................................................. 77 9 1 INTRODUÇÃO A morosidade da justiça não é um problema atual. A lentidão do Poder Judiciário na prestação da tutela jurisdicional acabou por desacreditar a sua atuação, sendo, inclusive, considerado por muitos, uma instituição falida. Buscou-se, assim, nos últimos anos reconhecer como direito de toda pessoa não só o acesso à justiça, mas sim que a prestação jurisdicional fosse feita de forma tempestiva. Como exemplo deste movimento, tem-se o Pacto de São José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil em 1992, que traz consigo um rol de direitos a serem protegidos pelo Estado, inclusive, o direito de uma duração razoável do processo. No ano de 1998 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão competente para aplicar o citado Pacto, recebeu denúncia em que se atribuía ao Estado brasileiro a violação de referida garantia no processamento da ação criminal aforada pelo Ministério Público do Ceará em face de Marco Heredia Viveiros, ex-marido de Maria da Penha Maia Fernandes. Diante desse contexto, o objetivo deste estudo é analisar os critérios utilizados pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos para se definir o prazo razoável da duração do processo no caso em que era vítima a Sra. Maria da Penha. Dessa forma, diante da inexistência de critérios para se definir o prazo razoável no plano interno da justiça brasileira, faz-se importante o estudo de referido caso, na medida em que poderão ser utilizados de forma análoga os limites estabelecidos no âmbito da justiça internacional. Para cumprir com o objetivo proposto, o trabalho se divide em três capítulos, em que, primeiramente, estudar-se-á de forma aprofundada o princípio do acesso à justiça, bem assim um de seus postulados básicos, a razoável duração do processo, no âmbito dos direitos humanos. Na seqüência, pesquisar-se-á a competência e o funcionamento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, com a enumeração dos ritos e as questões procedimentais, no âmbito da justiça internacional. Por fim, cuidará o último capítulo da análise dos critérios e fundamentos utilizados pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos para se definir a razoável duração do processo no caso específico de Maria da Penha Maia Fernandes, bem como as conclusões de referido órgão sobre o tema. Para tanto, será aplicado o método predominantemente dedutivo, utilizando-se da pesquisa do tipo qualitativa e teórica. Empregar-se-á a metodologia de levantamento bibliográfico, examinando a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, para que ao final, com as bases firmadas, fazer-se uma análise concreta sobre o caso Maria da 10 Penha, baseado no relatório n. 54/01, caso n. 12.501, elaborado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O caso Maria da Penha foi escolhido por ter demonstrado sua insigne importância com relação ao tema escolhido: duração razoável do processo. Ademais, teve ele grande repercussão na imprensa, sendo levado a conhecimento de muitos cidadãos brasileiros e resultando na soma de esforços que elaborou a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06). O objeto deste trabalho traz esperança àqueles que tinham a impressão de que os abusos cometidos pelo Estado estariam imunes de qualquer censura, notadamente quanto à morosidade recorrente do Poder Judiciário na prestação jurisdicional. 11 2 A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO NO MARCO DOS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS, COMO PRESSUPOSTO DE ACESSO À JUSTIÇA: APONTAMENTOS GERAIS O problema de morosidade na justiça é um dos fatores que vem preocupando, não somente os juristas e aplicadores da lei, como aqueles buscam diariamente o Judiciário para a solução de seus litígios. O fato é que, muitas vezes, com a lentidão do processo, o objetivo pretendido com o ajuizamento da ação resta superado ante a demora na prestação jurisdicional. Assim, aguardar por uma decisão definitiva pode ser uma longa e tortuosa caminhada no Judiciário brasileiro, fazendo com que, cada vez mais, as pessoas fiquem desacreditadas com a ação deste poder estatal. A demora na prestação jurisdicional, portanto, pode ser compreendida como umas das barreiras, dentre tantas a serem transpostas, ao acesso efetivo à justiça. Deste modo, o Brasil, no ano de 1992, ratificou o Pacto de San Jose da Costa Rica (PSJCR), que dentre outras garantias judiciais, prevê em seu artigo (art.) 8º.1 que toda pessoa tem direito de ser ouvida, dentro de um prazo razoável. Frise-se, portanto, que o direito já havia sido assegurado pelo Tratado acima citado, mesmo antes da Emenda Constitucional (EC) de número 45, no ano de 2004, que incluiu o inciso (inc.) LXXVIII, no art. 5º da Constituição Federal (CF/88), repetindo os termos do tratado internacional ao incluir a garantia da duração razoável do processo no rol dos direitos fundamentais previstos no dispositivo.1 Mas, o que caracteriza o prazo razoável na prestação jurisdicional? Aqui se faz necessário um breve esclarecimento sobre a discussão que tem sido travada em torno da hierarquia dos tratados internacionais na ordem jurídica interna do país. Segundo Flávia Piovesan, há distinção, no Brasil, com relação aos tratados de direitos humanos, e os demais: aqueles, de acordo com o art. 5º, §2º da CF/88, possuem “hierarquia constitucional”, ao passo que estes, possuem hierarquia infraconstitucional (2008, p. 6768). Para a autora, referida norma constitucional considera os tratados que versam sobre direitos humanos, de conteúdo constitucional, e a EC n. 45/04, que acrescentou o §3º ao art. 5º na CF/88 veio “[...] reforçar tal natureza, ao adicionar um lastro formalmente constitucional aos tratados de direitos humanos no âmbito jurídico interno” (2008, p. 72). Com a EC, restou firmado que os tratados de direitos humanos que fossem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, por três quintos dos votos dos seus membros, em dois turnos, seriam equiparados às emendas constitucionais. Nesta senda, Piovesan resume a idéia: “[...] com o advento do §3º do art. 5º surgem duas categorias de tratados internacionais de proteção de direitos humanos: a) os materialmente constitucionais; e b) os material e formalmente constitucionais” (2008, p. 76). Note-se que para a autora todos os tratados que versam sobre direitos humanos possuem conteúdo constitucional, podendo, de acordo com a nova prerrogativa dada pelo §3º, tornarem-se formalmente constitucionais (2008, p. 76). 1 12 No afã de se definir este conceito, no caso concreto, que de tanto carregado de abstrações, é necessário percorrer o caminho traçado pelos direitos humanos no pós-guerra, a partir de sua internacionalização, quando ganham destaque, delineando assim, seu reconhecimento mundial e suas conquistas. Assim, para se chegar a uma análise concreta sobre o tema, importante dissecar conceitos, demonstrar as conquistas e o reconhecimento de direitos, sejam eles fundamentais e humanos, como o de um prazo razoável, um dos fundamentos básicos do direito de uma prestação jurisdicional passível de concretização. 2.1 Direitos humanos a partir da Segunda Grande Guerra: aspectos destacados O tema direitos humanos vem sendo objeto de grandes discussões, notadamente após a 2ª Guerra Mundial. A ideologia do “nazismo”2, cujas proporções alcançadas foram avassaladoras, cuidou de violar a maior quantidade de direitos até então reconhecidos que estiveram em seu alcance. Introduzindo a discussão que cerca a afirmação dos direitos humanos ao longo da história, Fábio Konder Comparato menciona como ponto cume o reconhecimento da igualdade dos seres humanos, em que pese as grandes diferenças que os determinam, sejam elas raciais, de classes ou mesmo de sexo, o que significa que a todos se deve o respeito, e que nenhum deles pode se considerar superior aos seus demais (2004, p. 1).3 Bobbio, Matteuci e Pasquino, em seu Dicionário de Política, fazendo alusão ao termo “Nacional-socialismo” explicam: “O Nacional- socialismo, assim como Hitler, foi produto da Primeira Guerra Mundial[...]” Esclarecem os autores que a ideologia teve suas bases em “[...] posições ideológicas, principalmente no campo do racismo e do anti-semitismo, o que foi sobremaneira comprovado pela criminosa eliminação de milhões de judeus[...]” (2000, p. 809-811) . 3 Para o autor, o reconhecimento gradativo da dignidade humana na área religiosa, filosófica e científica, ilustra claramente a evolução e as conquistas dos direitos humanos. No âmbito da religião, a determinação da posição de eminência do ser humano, surgiu com o monoteísmo. Isto porque, segundo a fé, há um só Deus, superior a todas as coisas, cuja autoridade deu a todos os homens, poder sobre todas as coisas (2004, p. 1-2). Marcos José Gomes Corrêa também atribui a importância ao cristianismo ao fato de que para a religião o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, daí porque se reconhece a “[...] sua sacralidade e a unidade do gênero humano [...]” (2007, p. 25). Comparato ainda suscita que em sede de filosofia a preeminência do homem é desvendada através da questão principal desta área: “Que é homem?” Isto é, o próprio ser humano utiliza-se de si como objeto de estudo, o que caracteriza a sua racionalidade, dom de exclusividade da pessoa humana. Já no campo científico, a afirmação da dignidade deu-se com o desenvolvimento da teoria da evolução, de Charles Darwin, onde se reconhece que o homem é o “[...] ápice de toda a cadeia evolutiva das espécies vivas. A própria dinâmica da evolução vital se organiza em função do homem” (2004, p. 4). 2 13 Importante antes de se chegar ao conceito concreto de direitos humanos distinguilos dos direitos fundamentais, que embora sejam comumente utilizados como sinônimos, a doutrina reconhece a distinção entre os institutos. Para Ingo W. Sarlet, a diferença está calcada no fato de que direitos fundamentais são os direitos identificados e “positivados” no âmbito do ordenamento jurídico interno de cada Estado nacional, ou seja, nas Constituições de cada país, ao passo que direitos humanos são aqueles reconhecidos no plano internacional, não guardando quaisquer relações com as normas jurídicas internas às quais estejam os cidadãos submetidos. Ou seja, reconhece-se a característica da pessoa, como ser humano, independentemente do ordenamento jurídico ao qual se encontra sujeito (1998, p. 31). O termo direitos humanos é considerado de todo mais “amplo”, cujo alcance, em princípio, não se consegue delimitar, ao passo que os direitos fundamentais, previstos expressamente nas ordens jurídicas dos países, são limitados tanto no espaço, território, como no tempo (SARLET, 1998, p. 32). Isto é, direitos humanos são direitos legitimados a todas as pessoas, independentemente do momento (OLIVEIRA, SIQUEIRA JR., 2007, p. 44). Deste modo, em que pese os direitos fundamentais estarem expressos em “[...]Constituições, Leis e Tratados Internacionais[...]”, o que, em tese, caracteriza maior instrumentalidade para sua concretização, ainda assim não refletem o rol de direitos humanos até então reconhecidos, mesmo que não o tenham sido em alguns estados nacionais, já que são estes “[...] direitos essenciais ao ser humano” (ANNONI, 2003, p. 16). Nesta linha, SARLET conclui que os termos não podem ser considerados “[...] excludentes ou incompatíveis [...]”, e sim cujos aspectos encontram-se ligados, embora se costume diferenciá-los, notadamente, pelo seu campo de abrangência e atuação (1998, p. 35). Percebe-se, portanto, que o rol de direitos humanos é mais extenso que aquele que elenca os diretos fundamentais, esta afirmação pode ser compreendida através da passagem de Anonni: Isto porque são considerados direitos humanos todos os direitos fundamentais expressos em convenções internacionais específicas ou gerais, no âmbito global ou regional em normas não- convencionais, quer o conteúdo seja de primeira, segunda, terceira ou quarta geração4 (2003, p. 31). Na doutrina de Ingo Wolfgang Sarlet para melhor compreensão do tema, direitos fundamentais, o autor faz uma breve explanação sobre as dimensões também denominadas “[...] gerações [...]”, e que usualmente são vinculadas ao tema direitos humanos. Para o autor, a primeira geração é marcada pelo reconhecimento destes direitos, que se deu notadamente nas primeiras Constituições positivadas, quando a ideologia liberal passou a ser difundida no séc. XVIII, cuja característica principal era o individualismo e a não-intervenção estatal. Assim, considerados direitos “[...] negativos [...]”, sobressaem-se neste rol “[...] direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei [...]”, que em momento posterior foram complementados por outras 4 14 Assim, sejam eles direitos humanos ou fundamentais, cediço é que não se pode confundi-los, embora a linha que os separa seja tênue, uma vez que a distinção possui caráter importante, mormente sob o enfoque dos mecanismos para proteção e garantia dos mesmos. Direitos humanos podem ser considerados, portanto, um conjunto sistematizado de direitos e garantias da pessoa humana, com o fim de respeitar a dignidade5 que a ela é inerente, desenvolvendo para tanto “[...] condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana [...]”, utilizando, inclusive, mecanismos necessários à proteção contra qualquer atividade decisória do Estado6 (MORAES, 2007, p. 20). São disposições mínimas, para que a pessoa viva com dignidade. (OLIVEIRA, SIQUEIRA JR., 2007, p. 51). Nas palavras de Marcos José Corrêa, “[...] são o conjunto de direitos que torna possível a existência da pessoa humana e o seu pleno desenvolvimento” (2007, p. 23). Pode-se resumir que direitos humanos, embora ainda não chancelados pela tutela jurídica interna dos Estados, são aquelas garantias básicas, de onde surge a idéia de que a todos devem ser proporcionadas, uma vez que na condição de seres humanos, dotados de liberdades, como as “[...] liberdades de expressão coletivas (liberdades de expressão, imprensa, manifestação, reunião, associação, etc) e pelos direitos de participação política, tais como o direito de voto e a capacidade eleitoral passiva[...]”. Já os direitos de segunda dimensão foram conquistados tendo em vista os problemas tanto sociais como econômicos ocasionados pela era da Revolução Industrial, cuja conseqüência foi a forte reivindicação “[...] e o reconhecimento progressivo de direitos atribuindo ao Estado comportamento ativo na realização da justiça social.” De cunho notoriamente positivo, neste período houve afirmação de direitos como “[...] assistência social, saúde, educação, trabalho, etc [...]”, os quais demonstraram que o mundo passava por um momento de mudança, “[...] das liberdades formais abstratas [...]” para as liberdades passíveis de concretização. Em sede de segunda geração, ainda encontram-se elencadas neste rol, nas palavras de Sarlet “[...] as denominadas liberdades sociais [...]”, do que dão conta os exemplos da liberdade de sindicalização, do direito de greve, bem como do reconhecimento de direitos fundamentais aos trabalhadores, tais como o direito a férias e ao repouso semanal remunerado, a garantia de um salário mínimo[...]” O Estado, neste momento, passa a ter papel mais ativo. Por sua vez, a terceira geração de direitos, assim considerados como “[...] direitos de fraternidade ou de solidariedade [...]”, é marcada pela mudança no foco de seus titulares, cuja principal característica foi a sua transição do homem para “[...] grupos humanos [...]”. Incluídos neste conjunto de direitos reconhecidos, estão o direito “[...] à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida [...]”. São direitos de terceira geração aqueles de caráter coletivo. A tendência para o reconhecimento de direitos de uma quarta dimensão é suscitada pelo autor, citando para tanto Paulo Bonavides, mentor desta última fase de desenvolvimento dos direitos, caracterizada por direitos à democracia direta, bem assim o pluralismo e informação, sendo a conseqüência da globalização dos direitos fundamentais. (SARLET, 1998, p. 48-53) 5 Sobre a dignidade da pessoa, Daniel Sarmento esclarece que o princípio traduz a superioridade da pessoa, enquanto indivíduo, sobre o Estado. “A consagração do princípio importa no reconhecimento de que a pessoa é o fim, e o Estado não mais do que um meio para a garantia e promoção dos seus direitos fundamentais” (2004, p. 111). 6 Neste sentido, o autor pontua que o surgimento dos direitos humanos se deu com o anseio de delimitar os abusos cometidos pelo Estado e seus dirigentes, bem assim pelo reconhecimento de igualdade e legalidade (2007, p. 1). E conclui que o reconhecimento destes direitos é elemento necessário para que se propague o respeito da “[...] dignidade humana, garantir a limitação do poder e visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana” (2007, p. 2). 15 dignidade, possuindo direito de condições mínimas, sobretudo eficazes, para o desenvolvimento, enquanto pessoa. Nesta linha, o grande marco da sua reconstrução, e o sentido desta palavra caracteriza justamente este período da história, foi com o fim da 2ª Grande Guerra. Com a Segunda Guerra Mundial, novas discussões estabeleceram-se entre os países, gerando assim esperança aos povos. Entretanto, o receio da eclosão de um novo holocausto não estava vencido. Isto porque o mundo encontrava-se rumo à divisão estabelecida pela ascensão de duas grandes potências, demarcadas por ideologias opostas. Ademais, nesse momento, as novas descobertas científicas marcaram “[...] um clima de disputa, de tensão” (ANNONI, 2003, p. 16-17). Flávia Piovesan acrescenta que o movimento no sentido de internacionalização dos direitos humanos deu-se neste período, uma vez que comandado por Hitler, o nazismo foi caracterizado pela “descartabilidade” do ser humano, limitando direitos inerentes à pessoa humana, a determinado grupo de pessoas, raça ariana. Ou seja, para esta nova ideologia a titularidade de direitos ficou delimitada a certa coletividade, excluindo-se os demais que a ela não se adequavam (2000, p. 17-18). Assim, os horrores cometidos pela ideologia difundida por Hitler foi terreno fértil para que surgissem novas reivindicações, no sentido de reafirmação e ampliação de direitos, daí porque comumente utiliza-se a expressão “reconstrução”, cuja ideologia nazista até então limitava e violava desenfreadamente. Nas palavras de Piovesan: “Se a 2ª Guerra Mundial significou a ruptura com os direitos humanos, o pós-guerra deveria significar a sua reconstrução” (2000, p. 18). Ainda de acordo com Piovesan, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), firmada em 10 de dezembro do ano de 1948, tem papel fundamental, porquanto considerada referência em sede de reconstrução destes direitos (2000, p. 18).7 Este processo teve inicio em 1945, quando cinqüenta e um países assinaram a Carta de Fundação da Organização das Nações Unidas, culminando assim, com a aprovação da DUDH, em 1948. Para a Professora foi no pós-guerra que ocorreu a afirmação da concepção de universalidade e indivisibilidade no âmbito da reconstrução dos direitos humanos. Quanto ao primeiro no sentido de que os direitos teriam alcance em nível universal, haja vista o reconhecimento de que para ser sujeito de direitos, dotado de dignidade, bastava ser humano. Deste modo, a proteção dos direitos humanos não se limita à ordem jurídica interna dos países, ocorrendo certa “relativização” da soberania absoluta do Estado, o que possibilita a intervenção nos casos de violação destes direitos. Do mesmo modo, firmou-se a idéia de que o cidadão, porquanto sujeito de direitos, teria garantia de proteção também na esfera internacional. Concernente à segunda característica pode-se afirmar que os direitos humanos compõem um todo indivisível, disto decorre a idéia de que violando determinada geração de direitos, estar-se-ia violando todos os demais direitos até então reconhecidos (2000, p. 18). 7 16 As Nações Unidas foram criadas “[...] com a vocação de se tornarem a organização da sociedade política mundial, à qual deveriam pertencer, portanto, necessariamente, todas as nações do globo empenhadas na defesa da dignidade humana” (COMPARATO, 2004, p. 210). Desta forma, foi no pós-guerra, cujo medo e a sombra de duas guerras de proporções avassaladoras haviam deixado marcas profundas de desrespeito aos direitos básicos das pessoas, como vida e liberdade, que renasce o anseio no sentido de reafirmação dos direitos humanos, quando até então sua aplicação havia sido limitada e violada. 2.2 Acesso à justiça como direito humano e fundamental Com o crescente reconhecimento de novos direitos, tanto no âmbito interno como no plano internacional, em que pese a sua afirmação, necessário se faz o desenvolvimento de instrumentos para que se possa concretizá-los. Neste sentido, a partir do momento em que o Estado reconhece determinado direito, vincula-se à obrigação no sentido de protegê-lo de qualquer ameaça. Assim, o cidadão em iminente ou atual ameaça ou violação destes direitos, serve-se de um poder estatal para solucionar a questão: o Poder Judiciário. Neste sentido, a expressão “acesso à justiça” passa a ter grande importância na concretização destes direitos. Mauro Cappelletti afirma que há grande dificuldade para se conceituar o tema, no entanto, entende que ao se falar em acesso à justiça, remete-se à idéia de que o Estado deve ser “[...] igualmente acessível a todos [...]”, ao passo que a tutela jurisdicional prestada deve ser justa, tanto de forma individual, como social (1988, p. 8).8 Marinoni acrescenta que o acesso à justiça é imprescindível para que se chegue à idéia de Estado. Isto porque, “[...] não há como pensar em proibição da tutela privada, e Cappelletti, em sua obra Acesso à justiça, faz um delineamento sobre o tema ao longo da história, pontuando que no período dos séculos dezoito e dezenove, marcados pela ascensão da burguesia, o direito de ação, na busca pelo Estado para solução dos litígios entre os particulares, era visto sob a ótica, tão somente, individualista. Isto porque, esta garantia era tida como um direito “natural”, ou seja, direito inerente a todo ser humano, que o detinha antes mesmo da organização estatal, razão pela qual, o Estado, neste sentido, mantinha-se inerte, prescindindo de qualquer ato seu para que este direito fosse efetivado. No entanto afirma que com o passar do tempo, os Estados Liberais desenvolveram-se, “[...] em tamanho e complexidade [...]”, quando então entram em cena os direitos humanos, com as mudanças, notadamente pela transição de um pensamento individual, para o coletivo- quando houve reconhecimento de direitos sociais que “[...] são, antes de tudo, os necessários para tornar efetivos, quer dizer, realmente acessíveis a todos, os direitos antes proclamados.” Ou seja, o Estado agora toma uma posição ativa, no afã de garantir “[...] o gozo de todos esses direitos sociais básicos” (1988, p. 9-11). 8 17 assim, em Estado, sem se viabilizar a todos a possibilidade de efetivo acesso ao Poder Judiciário” (2008, p. 186). A idéia de acesso à justiça está vinculada a um direito, tanto do autor como do réu, de gozar de uma “[...] prestação estatal imprescindível para a efetiva participação do cidadão na vida social” (MARINONI, 2008, p. 308). O autor aduz que acesso à justiça vincula-se ao direito de “[...] ir a juízo [...]”, discorrendo que os problemas sociais e econômicos não podem ser barreiras para que se o concretize, seja sob a ótica do autor ou do réu. Entender o contrário seria impedir o cidadão de gozar do direito de uma “[...] prestação social indispensável [...]” de viver em paz no seio da sociedade (2008, p. 308).9 José Renato Nalini aponta que o tema deixou o plano meramente teórico, para adentrar no âmbito constitucional. Desta forma, o que se vê é um movimento no sentido de não só abrir, mas expandir a entrada de qualquer cidadão ao Poder Judiciário, notadamente àqueles cujas dificuldades financeiras são mais acentuadas (1994, p. 2). Entretanto, este acesso não possui o condão apenas de ensejar a entrada do cidadão no Poder Judiciário para que exponha seus problemas. Esta garantia tem por finalidade que o indivíduo, uma vez tendo apresentado as razões de seu pedido, terá mecanismos para que a prestação jurisdicional “[...] restaure o seu direito lesado ou simplesmente declare se possui ou não esse pretenso direito” (ARAÚJO, 2001, p. 34). Assim, cabendo ao Estado a obrigação de pacificar o meio social, incumbe-o, inclusive, a criação de meios para que qualquer cidadão possa se valer, para que se possa chegar até ele, com o fim de solucionar seus litígios. Não há qualquer razão para que se reconheçam outros direitos, sem a criação de instrumentos para torná-los efetivos. Neste sentido, o acesso à justiça é tido como “[...] requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos [...]”, para que o Estado não só reconheça direitos, mas também que os garanta de forma concreta (CAPPELLETTI, 1988, p. 12). Corroborando este entendimento, nas palavras de Danielle Annoni: Para o autor o direito de ação está intimamente ligado com o acesso à justiça: “O direito de ação passou a enfrentar um novo questionamento não apenas porque se percebeu que o exercício da ação poderia ser comprometido por obstáculos sociais e econômicos, mas também porque se tomou consciência de que os direitos voltados a garantir uma nova forma de sociedade, identificados nas Constituições modernas, apenas poderiam ser concretizados se garantido um real- e não um ilusório- acesso à justiça. Nessa linha, o direito de ação passou a ser pensado sob o slogan de “direito de acesso à justiça”, perdendo a característica de instituto indiferente à realidade social” (MARINONI, 2008, p. 185-186). 9 18 Não é de se admirar, desta forma, que o direito ao acesso à justiça tenha adquirido particular importância ao longo das últimas décadas, deixando simplesmente de fazer parte do rol dos direitos reconhecidos como essenciais ao homem, mas sim, passando a ser reconhecido como o mais fundamental deles, no sentido de que torna possível sua materialização (2003, p. 114). E conclui: “Assim, a eficácia dos direitos humanos é resultado direto das instâncias jurisdicionais, por meio dos mecanismos processuais previstos para tanto” (2003, p. 116). O direito ao acesso à justiça não só é conhecido como um direito fundamental e humano, mas a sua imprescindibilidade surge na medida em que, é por meio dele, que o indivíduo pode concretizar outros direitos a si inerentes. Ou seja, de nada adiantaria o esforço e as lutas travadas para a reconstrução e o reconhecimento de novos direitos, se não há por parte do Estado a promoção de mecanismos hábeis para que o indivíduo possa deles se servir na exigência de seus direitos. Annoni, entretanto, discorda que o direito de acesso à justiça se resume apenas como acesso ao Poder Judiciário, isto é, como um direito de pedir uma solução de determinado litígio. Mas acrescenta que, em seu bojo, encontram-se elencadas garantias como “[...] direito de justiça, direito de ser ouvido e atendido, prontamente, seu pedido pela reparação do direito violado, ou por uma indenização, no caso de não se poder restabelecer a situação anterior” (2003, p. 118).10 A garantia de acesso à justiça ficou reconhecida como direito fundamental através do art. 5º, em seu inc. XXXV, da CF/88, que prevê: “XXXV- a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito;” (BRASIL, 2009 A). Até mesmo no plano internacional, referida garantia restou expressamente tratada, consoante se vê no art. 6º, §1º da Convenção Européia de Direitos Humanos (CEDH): 6.1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou A autora aponta uma série de garantias como forma de concretização do acesso à justiça, e entende que a transgressão de qualquer uma delas, viola diretamente o referido direito. São exemplos como “[...] igualdade entre as partes, a possibilidade de apresentar e questionar os meios de prova, interpor recurso, exigir uma execução de sentença [...]” (2003, p. 118). O entendimento da autora é fruto do reconhecimento da indivisibilidade dos direitos humanos, já que o acesso à justiça é reconhecido como tal. 10 19 parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça (CONSELHO EUROPEU, 2008). Do mesmo modo, na Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), tratado do qual o Brasil é signatário desde 1992, também conhecido como PSJCR, referida garantia foi afirmada no art. 8º, §1º: Artigo 8º- Garantias judiciais §1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza (Organização dos Estados Americanos (OEA), 2008). Deste modo o Estado brasileiro obrigou-se tanto no plano interno, por meio de inclusão no rol de direitos fundamentais na CF/88, como no âmbito internacional, através da ratificação do PSJCR, o qual, dentre outras garantias, prevê o acesso à jurisdição. Importante ainda frisar que, embora a doutrina ao tratar de acesso à justiça o faça com alusão ao direito de ação, isto é, o direito de petição em busca do Poder Judiciário na solução de um litígio, é inegável que este direito, uma vez que reconhecido a todos os cidadãos, também se aplica quando o litigante encontra-se no pólo passivo da demanda, atuando como réu. Isto porque, para que exerça seu direito de defesa também necessitará de meios eficazes para que faça em sua excelência. Deste modo, não basta apenas que se abram as portas do Judiciário a todos os cidadãos, se não há instrumentos e meios que façam com que a prestação jurisdicional seja feita de forma justa, igualitária, ou seja, enquanto houver deficiência11 em vários de seus setores, não se pode falar em acesso à justiça efetivo. José Henrique Mouta Araújo exemplifica alguns obstáculos para que haja um efetivo acesso à justiça: o custo do processo, durante a fase preparatória, momento em que o cidadão busca assessoria jurídica; custas processuais e até mesmo as despesas referentes à produção de provas durante a instrução; duração do processo, que reflete a lentidão do aparato do Poder Judiciário na prestação jurisdicional; a possibilidade financeira das partes, que representa considerável problema ao acesso, a partir do momento em que aqueles que detêm maiores recursos financeiros encontram-se em situação mais vantajosa sobre os que não os possuem, ou até mesmo a vantagem processual, que se manifesta através do que denomina litigante “[...] habitual [...]” ou “[....] comum [...]”. Neste sentido, Cappelletti pontua que litigantes habituais são aqueles que têm certa relação íntima com o “[...] sistema judicial [...]”, isto é, maior experiência em casos judiciais que os litigantes “[...] comuns [...]” (1988, p. 25). Araújo ainda acrescenta como entrave ao efetivo acesso, a falta de qualificação dos serventuários da justiça, bem como o acúmulo de processos sob a responsabilidade dos magistrados, alertando que, neste último caso, necessário se faz constante aperfeiçoamento dos julgadores, para que as mudanças intensas no ordenamento 11 20 2.3 A razoável duração do processo como meio de concretização do acesso à justiça O tempo de duração do processo vem sendo objeto de grandes preocupações entre os juristas, notadamente pelo fato de ser considerado um dos obstáculos para que se chegue a uma tutela jurisdicional efetiva. Isto é, a morosidade na justiça tem sido considerada um dos entraves a ser ultrapassado, no objetivo de se ter um acesso à justiça concreto.12 Certo é que um dos fenômenos naturais que deixa o ser humano mais intrigado é o tempo (TUCCI, 1997, p. 17). Falar de tempo, segundo Fabiano Carvalho, significa tratar de “[...] transcurso, sucessão dos anos, dos dias, das horas”. Para o ser humano, o tempo reflete a idéia de passado, presente e futuro, isto é, define a “[...] medida de duração de algo que pode ser observado” (2005, p. 218). O tempo, no âmbito da lide é fator “[...] indispensável [...]” para que o julgador possa formular sua conclusão sobre o caso sub judice, isto é, trata-se de um “[...] problema de jurisdição”, e para tanto se deve cuidar para que o réu não aja de modo temerário a retardar mais a solução do feito (MARINONI, 2008, p. 189). Deste modo, o tempo influencia diretamente na solução dos litígios dos cidadãos, razão pela qual, a EC de n. 45, de 2004, repetindo garantia já inserida no ordenamento jurídico13, incluiu o direito à razoável duração do processo através do inc. LXXVIII, no art. 5º da CF/88: “LXXVIII- a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação;” (BRASIL, 2009 A). Desta forma, referida emenda, incluiu o direito à razoável duração do processo no rol dos direitos fundamentais dispostos na CF/88. jurídico, aliadas à saturação de processos, não seja mais um empecilho ao acesso à justiça. Conclui ainda que a longa instrução probatória e os diversos meios de recursos previstos são instrumentos que muitas vezes beneficiam “[...] mais ao réu do que ao autor [...]”, ao passo que contribuem mais para a morosidade do processo (2001, p. 47-60). 12 Neste sentido ver Mauro Cappelletti, Acesso à justiça e outros. 13 Mesmo antes da EC de n. 45 de 2004, o Brasil já havia ratificado os termos da CADH, conhecida como PSJCR, no ano de 1992, que dentre outras garantias processuais, prevê a razoável duração do processo. Isto é, esta inclusão no rol dos direitos fundamentais através da EC. 45/04, apenas repetiu uma garantia, cuja proteção já caberia ao Estado desde então, através da incorporação de referido tratado no ordenamento jurídico interno, desde o momento em que houve a sua ratificação. 21 No entanto, é certo que a expressão “razoável” é um termo cujos limites não se pode precisar, porquanto se tratar de uma definição cujo alcance é “[...] indeterminado e aberto” (SPALDING, 2005, p. 37). Para se chegar a uma definição sobre o prazo razoável que um processo deve durar, necessário se faz examinar o caso concreto, nas suas peculiaridades (CARVALHO, 2005, p. 218). Para Flávia de Almeida M. Zanferdini, a razoabilidade do tempo referente ao curso do litígio no Judiciário é caracterizada não pela rapidez que a tutela é concedida, mas sim, quando garantida tal tutela, levando-se em conta prazos fixados em lei, ou, na falta destes, a dificuldade para se obter a solução da lide (2003, p. 15).14 “Caso a caso, levando em conta a proporção entre tempo e a complexidade da causa, com bom senso, chegar-se-á ao que é ‘razoável’ ” (CÔRTES, MAGALHÃES, 2006, p.87). Não se trata apenas de não obedecer aos prazos fixados em lei, razão pela qual se tem pautado alguns critérios para se definir o razoável, observando a natureza e complexidade da causa, o comportamento dos litigantes e das autoridades competentes (CARVALHO, 2005, p. 219). [...] pode-se preliminarmente conceituar o direito de acesso à justiça em um prazo razoável como sendo a prestação jurisdicional que não se demora no tempo, que cumpre os prazos previamente estabelecidos pelo próprio ordenamento jurídico de cada Estado. É, ainda, a que não se retarda com diligências protelatórias, com delongas burocráticas, com dilações, indevidas. É, portanto, a prestação jurisdicional efetiva, pronta e segura, que não fere ainda mais o direito dos indivíduos com a angústia da espera e a imobilidade e a impotência em face da nãoresposta do Poder Judiciário (ANNONI, 2006, p. 208). Sobre o critério dos prazos fixados em lei, a autora faz uma importante ressalva, concluindo que estes, ao contrário do que vêm entendendo alguns estudiosos, não é o tempo mínimo para realização dos atos processuais, mas sim o limite, dentro do qual os atos devem ser realizados, devendo ser reduzidos tanto mais quanto possível, em casos que envolvem pouca complexidade ao deslinde da questão ( ANNONI, 2006, p. 310). Isto é, os prazos fixados em lei servem como balizas, na medida em que o trâmite processual deve respeitar tais limites. Alessandra Mendes Spalding exemplifica que para se chegar à definição de razoabilidade em um processo cujo rito é o ordinário, deveriam ser somados todos os prazos fixados, desde o momento em que se deu o ajuizamento da demanda, até o momento da decisão final proferida pelo juízo de primeiro grau (2005, p. 37). 14 22 Pedro Miranda de Oliveira acrescenta: “Quando se fala do direito do cidadão ao acesso à justiça, não basta que se assegure o acesso aos tribunais e, conseqüentemente, o direito ao processo” (2007, p. 695). O autor entende que a lei, no âmbito processual, deverá estabelecer meios para garantir os direitos dos cidadãos de maneira “[...] efetiva, adequada e tempestiva” (2007, p. 695). Dizer que a toda pessoa é garantido o direito de uma tutela rápida e efetiva, é entender que o cumprimento da prestação jurisdicional, atendidos tais requisitos, dar-se-á de forma amplamente ajustada a todos os cidadãos (MARINONI, 1994, p. 57). Em outras palavras, o julgamento do processo de forma tardia manifesta uma prestação jurisdicional “[...] deficiente e injusta” (RODRIGUES, 2005, p. 285). O autor resume sua idéia com clareza: Vencida a etapa do acesso ao Poder Judiciário, resta o não- acesso pela denegação de justiça, entendida como a ausência de mecanismos processuais capazes de garantir uma prestação jurisdicional efetiva- e ela só é efetiva quando o tempo para sua efetivação é compatível com o objeto e os objetivos da demanda (2005, p. 285). Isto porque quanto mais tardia for a decisão proferida, tanto mais “[...] fraco e ilusório [...]” será o seu resultado (TUCCI, 1997, p. 65). Para Cappelletti esta demora “[...] aumenta os custos paras as partes e pressiona os economicamente fracos a abandonar suas causas, ou a aceitar acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam direito” (1988, p. 20). Tais considerações são de suma importância, uma vez que não basta que se possibilite ao cidadão o acesso ao Poder Judiciário, se a partir do momento em que dele se utiliza para buscar a reparação de um bem tutelado pelo Estado, não encontra previsão do momento em que irá receber a tutela jurisdicional definitiva. “Em outras palavras, o direito fundamental do povo de acesso à jurisdição (CF/88, art. 5o, XXXV), envolve o direito de obter do Estado uma decisão jurisdicional em prazo razoável” (DIAS, 2005, p. 166). Ora, a partir do momento em que a decisão do litígio afasta-se cada vez mais do momento em que o pleito foi formulado, levam-se as partes, muitas vezes, a uma solução injusta, quando o objetivo já está há muito superado. 23 Danielle Annoni considera que “[...] a demora em se obter a resposta pretendida materializa-se no principal obstáculo de acesso à justiça lato sensu15, em especial, no direito de acesso à justiça em um prazo razoável” (2006, p. 183). A ausência de acesso à jurisdição supera os limites das dificuldades encontradas ao acesso ao Poder Judiciário àqueles desprovidos de recursos para prover as despesas de sua causa. A concessão do benefício da assistência judiciária, a promoção de advogados dativos e até mesmo a dispensa do recolhimento de custas processuais são mecanismos que nada solucionam as dificuldades que se apresentam, uma vez que a morosidade na prestação jurisdicional gera outros danos, estes que não são alcançados pelas benesses anteriormente citadas (RODRIGUES, 2005, p. 286). Tucci, em boa medida, quando fala sobre o descumprimento dos prazos judiciais faz alusão às palavras do antigo Conselheiro De La Bruyere, lembrando que “[...] a demora na administração da justiça, constitui, na verdade, pura denegação de justiça!” (1997, p. 15). Assim para que haja um acesso à justiça efetivo, necessária a promoção de uma tutela tempestiva, dentro de um prazo razoável, para que esta lentidão recorrente na máquina judiciária não acarrete outros danos, além daquele a qual se busca a reparação, dano este que muitas vezes não pode ser suportado, cujos efeitos podem ser irreversíveis. 2.4 Prazo razoável: o reconhecimento de um direito humano fundamental Como visto, a tempestividade na prestação jurisdicional é requisito fundamental, sem o qual, não se pode falar em acesso à justiça efetivo. A inclusão de referida garantia no art. 5º, em seu inc. LXXVIII na CF/88, através da EC de nº 45, de 2004, veio reforçar a garantia da razoável duração do processo, outrora reconhecida no PSJCR, já que a inseriu também no rol dos direitos fundamentais até então reconhecidos. “A direito de acesso à justiça pode ser classificado como o acesso à justiça strictu sensu, de um lado, no qual se encontra o direito de petição, e o direito de acesso à justiça lato sensu, de outro, que se refere a todas as demais garantias derivadas desse acesso. A primeira garantia trata do simples direito de acionar o Poder Judiciário de determinado Estado em busca de uma resposta. [...] O direito de acesso à justiça contemporâneo consiste em um direito lato sensu, composto de conteúdo material (direito de ação) e de recursos efetivos (garantias processuais), que permitam assegurar todos os direitos, bem como de exigir do Estado seu cumprimento ou reparação ”(ANNONI, 2006, p. 170-171). 15 24 A expressão prazo razoável foi citada pela primeira vez16 na CEDH, através de seu artigo 6º.1, sendo posteriormente refletida no artigo 8º.1, da CADH (ANNONI, 2006, p. 178). Para Danielle Annoni foi através da CEDH que a garantia da duração razoável do processo foi reconhecida como um direito ”[...] subjetivo, humano e fundamental, de todos os membros da coletividade” (2003, p. 134). Referido direito ficou estabelecido no artigo 6º. 1 da CEDH, que prevê: 6.1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça (CONSELHO EUROPEU, 2008). Por sua vez, em momento posterior (1969), o art. 8º que dispõe sobre as garantias judiciais, igualmente, na CADH reproduziu a garantia de referido direito: 8. 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza (OEA, 2008). Embora de forma não expressa ao prazo razoável, ainda, no seu art. 25.1, o PSJCR, dispõe sobre a rapidez nos procedimentos, buscando combater a morosidade na prestação jurisdicional: 25.1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais (OEA, 2008). Para Annoni, desde a Carta Magna, de 1215, já havia o clamor por uma justiça “[...] imparcial e rápida [...]”. Isso é perceptível através da leitura da cláusula 29 de referida declaração que dispunha: “Nenhum homem livre deverá no futuro ser detido, preso ou privado de sua propriedade, liberdade ou costumes, ou marginalizado, exilado ou vitimizado de nenhum outro modo, nem atacado, senão em virtude de julgamento legal por seus pares [júri popular] ou pelo direito local. A ninguém será vendido, negado ou retardado o direito à justiça”. Neste sentido, entende que o dispositivo garantia o acesso à justiça, salvaguardando inclusive sua gratuidade, eficácia e rapidez ( 2006, p. 79-80). 16 25 No âmbito internacional, uma vez que a garantia da duração razoável do processo encontra-se expressa em convenções e tratados, há forte tendência de se definir referida expressão, já que, como já citado, o termo encontra-se carregado de alto teor de abstração. Deste modo, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) tem influenciado outros tribunais internacionais através de sua jurisprudência, haja vista ter desenvolvido critérios para a definição do prazo razoável. Isto se deu pelo motivo de ser pioneiro na análise de casos que discutem o acesso à jurisdição em um prazo razoável, desde a década de 60, inclusive tendo julgado e condenado a Alemanha, na década de 70, pela violação de garantias expressas na CEDH (1950), principalmente aquelas descritas no art. 6º. 1 (ANNONI, 2006, p. 230). Assim, os órgãos do Sistema Interamericano de Direitos Humanos (SIDH), notadamente a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CRTIDH), têm utilizado, em casos análogos, o entendimento do TEDH para se chegar ao razoável, que fixa os seguintes critérios para definição do tema: a complexidade do caso, a conduta das partes envolvidas na lide, bem assim a conduta das autoridades competentes na análise e deslinde do litígio. Concernente ao primeiro requisito, Danielle Annoni dispõe que: “Tanto os aspectos legais como as circunstâncias fáticas do caso são levados em consideração” (2006, p. 219). Isto é, analisando referido critério, há que concluir se a demora na prestação jurisdicional se deu por culpa do agente público, ou pelo sistema jurisdicional, ou, ainda, se o tempo despendido se fazia necessário para o deslinde da questão (ANNONI, 2006, p. 221). Já quanto ao segundo critério de análise, analisa-se tanto a conduta do autor, ou do Estado, nos casos de Ação Penal, quanto da parte adversa, o réu. Quanto ao último, verifica-se que o uso de todos os meios de recursos para sua defesa não constitui em excesso aos olhos do Tribunal. Entretanto, o Estado deverá ser diligente ao verificar se o acusado não utiliza meios para procrastinar o feito, dificultando seu andamento, sendo que nestes casos, a conduta deve ser coibida (ANNONI, 2006, p. 222). Nesta linha de pensamento, a autora faz um breve esclarecimento, buscando dirimir qualquer dúvida que possa surgir na leitura deste item em sua tese. A utilização de mecanismos com o fim de concretizar o direito da ampla defesa e do contraditório parece, em um primeiro momento, ser uma das causas que leva à demora da duração do processo. Entretanto, elucida que jamais referido “[...] impasse [...]” foi discutido pelos órgãos julgadores da CADH, uma vez que, utilizando a jurisprudência do TEDH, buscam definir o 26 prazo razoável, concluindo que “[...] prazo razoável é aquele que não é excessivo, que não se prende no tempo indevido, que não ofende direito maior, constituindo-se em denegação de justiça” (2006, p. 226). Neste caso, não há qualquer conflito de direitos. Isto porque, dentro da definição do que é razoável, sendo a tempestividade forma de concretização de uma ordem jurídica justa, já se encontra abrangida a idéia de que, neste sentido, todas as garantias processuais até então reconhecidas devem ser asseguradas, sob pena de incorrer justamente em um nãoacesso. No tocante à conduta das autoridades competentes ao caso, Danielle Annoni, assenta que o termo autoridade abrange “[...] o magistrado, o escrivão, o delegado de polícia, o oficial de justiça, o cartorário, o qualquer outro prestador de serviço que possa ou tenha influenciado na duração do processo” (2006, p. 223). Neste sentido, também elenca algumas atividades que contribuem para a morosidade na prestação jurisdicional. São elas: a) a permissão pela autoridade da estagnação do procedimento; b) a omissão do magistrado frente à procrastinação do feito por um das partes; c) o atraso do processo devido a exigências desnecessárias, como perícia e oitiva de testemunhas sem relevância para o caso; o próprio não- cumprimento, pela autoridade judicial, dos prazos processuais d) definidos por lei, o que caracteriza a inércia ou ineficácia do sistema em responder à demanda judicial (2006, p. 225). Para Aury Lopes Jr. a problemática, no entanto, permanece, já que o TEDH, bem assim a própria CRTIDH, nunca estabeleceram o limite de tempo para a duração do processo, o que significa dizer que para se discernir se houve ou não extrapolação de prazo, será necessário o arbítrio do julgador (2008, p. 146). Ainda assim, o reconhecimento do prazo razoável como direito humano possui grande importância. Isto porque diante do princípio da indivisibilidade, ao violar o direito de um processo sem dilações indevidas, violam-se todos os demais direitos e garantias judiciais afirmados. Daí decorre a afirmação de que, a demora na prestação jurisdicional, nada mais é do que denegação de justiça. 17 Deste modo, no âmbito internacional, diversos foram os movimentos no sentido de criar mecanismos para garantir a duração razoável do processo e coibir práticas estatais 17 Sobre o assunto, ver ANNONI, 2006, p. 179. 27 que prolonguem de forma indevida o seu andamento. Isto porque a morosidade na justiça há muito é o centro das preocupações nas reformas legislativas dos Estados. Na busca pela proteção dos direitos humanos, tal qual a razoável duração do processo, desenvolveram-se sistemas internacionais, buscando dar maior eficácia aos direitos humanos assentados em tratados e convenções, e através de seus órgãos internos têm procurado promover tais garantias, colocando, inclusive, alguns países no banco dos réus, fazendo com que reparem danos àqueles cujos direitos foram desrespeitados. 28 3 DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO DO SIDH Como anteriormente ressaltado, foi no pós- guerra que a preocupação com os direitos humanos ganhou impacto, inspirando os países a firmarem acordos internacionais, buscando promover a paz e demais direitos inerentes ao homem até ali violados. Os horrores cometidos na 2ª Guerra Mundial abriram os olhos para aqueles que até então consideravam o Estado soberano, o qual era isento de qualquer responsabilização por atos de seus agentes. As barbáries ocorridas na 2ª Grande Guerra impulsionaram movimentos que ansiavam pela paz, e desta forma, buscou-se adotar medidas que pudessem erradicar toda e qualquer forma de conduta que trouxesse o clima de tensão e violação de direitos, características que marcaram guerras de proporções mundiais. Para tanto as nações iniciaram um processo de internacionalização dos direitos do ser humano, postos de lado principalmente no contexto daquele conflito, e passam a firmar acordos e estabelecer declarações visando esclarecer objetivos pretendidos pelos países a partir de então, enaltecendo e reconhecendo expressamente os direitos reconhecidos a todas as pessoas, os quais não poderiam ser violados, sob pena de responsabilização, sobretudo do Estado.18 Neste sentido desenvolvem-se diversos mecanismos dos quais pode a vítima se valer para ver respeitado um direito seu usurpado. O direito internacional dos direitos humanos tem como característica principal firmar declarações e convenções entre diversos países, sejam eles de uma mesma região ou no âmbito universal, comprometendo-se a promover o respeito internacional daqueles direitos inalienáveis, reconhecidos como inerentes a toda e qualquer pessoa, podendo, inclusive, serem adotados, em casos de violação, meios de coerção e responsabilização do Estado. Os sistemas internacionais de proteção aos direitos humanos demonstram a evolução do reconhecimento destas garantias no plano internacional, concretizado os esforços imprimidos no propósito de frear as barbaridades vivenciadas nos conflitos anteriores. Carol Proner explica que este anseio pela internacionalização foi impulsionado pelo fato de que as maiores transgressões de direitos se dava por parte do próprio Estado (2002, p. 67). 18 29 3.1 Sistemas de proteção dos direitos humanos: o sistema global como gênese da consolidação dos planos regionais No âmbito dos sistemas que buscam a proteção dos direitos humanos podem-se citar cinco mais importantes: O Sistema Universal, formado no bojo da Organização das Nações Unidas (ONU)19, o Sistema Europeu, o SIDH, o Sistema Africano e o Sistema Árabe. O primeiro trata-se do sistema global de proteção de direitos humanos, ao passo que os demais são os sistemas regionais, onde países que compartilham de culturas semelhantes, territórios estabelecidos em áreas geográficas próximas, passaram, com base nos princípios ditados pela ONU, a firmar acordos entre si, na busca pela efetiva promoção e garantia dos direitos humanos.20 No presente estudo, a pesquisa limitar-se-á à análise dos Sistemas Global e o Regional, quanto a este último, o SIDH. Isto porque, quanto ao primeiro, inegável sua contribuição na estruturação dos demais sistemas regionais. Já o SIDH apresenta sua importância, mormente por sua íntima ligação com o objeto de estudo, o qual será abordado de forma mais específica no capítulo 4: o caso Maria da Penha. Segundo Danielle Annoni os principais acordos que nutrem a proteção no âmbito internacional dos direitos do homem é a DUDH (1948), o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966) e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos (1966), complementando estes últimos, aquela primeira, porquanto reforçam as obrigações assumidas pelas Nações (2003, p. 63). Em 1944, os Estados Unidos, China, Grã- Bretanha e União Soviética uniram-se em Dumbarton Oaks, em Washington DC, buscando desenvolver os pilares do órgão (ONU), e os objetivos lá obtidos consubstanciaram na consolidação desta organização. Já no ano seguinte, em 1945, 50 (cinqüenta) países juntaram-se em São Francisco, na Conferência das Carol Proner lembra que a criação do órgão deu-se principalmente pela reunião de esforços dos países que ganharam a 2ª Guerra Mundial, os quais buscaram estabelecer um “[...] governo global [...]” objetivando a manutenção da paz entre as nações, mas, sobretudo, prevenindo o desencadeamento de outras guerras (2002, p. 70). 20 Sobre a coexistência dos mecanismos global e os regionais, Flávia Piovesan faz uma importante nota acerca do tema: “Logo, os sistemas global e regional não são dicotômicos, mas ao revés, são complementares. Inspirados pelos valores e princípios da Declaração Universal, compõem o universo instrumental de proteção de direitos humanos, no plano internacional. Em face deste complexo universo de instrumentos internacionais, cabe ao indivíduo, que sofreu violação de direito, a escolha do aparato mais favorável, tendo em vista que, eventualmente, direitos idênticos são tutelados por dois ou mais instrumentos de alcance global ou regional, ou ainda, de alcance geral ou especial [...] O propósito da coexistência de distintos instrumentos jurídicosgarantindo os mesmos direitos- é, pois, no sentido de ampliar e fortalecer a proteção dos direitos humanos” (2000, p. 24-25). 19 30 Nações Unidas, e acordando acerca dos parâmetros preteritamente estabelecidos na reunião de Dumbarton Oaks, conceberam a Constituição das Nações Unidas (PRONER, 2002, p. 70-71). Annoni lembra que embora a DUDH, aprovada de forma unânime junto a Assembléia Geral da ONU21, tratar-se de um rol de princípios, não trazendo, contudo, deveres aos países que a assinaram, impulsionou outros tantos sistemas regionais para promoção e proteção dos direitos humanos, sobretudo o Europeu e o SIDH (2003, p. 64). A autora explica que as disposições da DUDH embasam-se sobre quatro hastes: sendo que num primeiro momento “[...] abrange os direitos e liberdades individuais, como direito à vida, à dignidade, à segurança”. Por sua vez, o segundo pilar de sustentação (artigos 12 a 17) baseia-se nos direitos de cada pessoa de forma individual, e sua relação com a sociedade. São direitos como “[...] contrair o matrimônio e fundar uma família, direito à propriedade [...]”. Os direitos políticos encaixam-se no terceiro grupo (artigos 18 a 21), estando entre eles o direito ao voto. Por último encontram-se os direitos econômicos, sociais e culturais (artigos 22 a 27), dentre os quais estão o direito ao trabalho, à liberdade sindical e à educação (2003, p. 66-67). Neste sentido, pode-se extrair que o documento que deu impulso e trouxe a idéia de proteção internacional no âmbito nos direitos humanos foi a DUDH, que embora não criasse obrigações aos Estados, vinculando-os juridicamente, foi o primeiro de grandes passos, dando início a uma nova fase, diferentemente daquela vivenciada nos tempos dos conflitos da 2ª Grande Guerra.22 Pode-se citar entre os principais organismos que fazem parte das Nações Unidas a Assembléia Geral das Nações Unidas, o Conselho Econômico e Social e o Secretariado das Nações Unidas, dentre os quais, cada um possui uma incumbência determinada no âmbito da proteção dos direitos do ser humano (PRONER, 2002, p. 85). Segundo a autora, a Assembléia tem função notadamente deliberativa, emitindo recomendações aos Estados na busca de promover os direitos reconhecidos a todas as pessoas, indistintamente. Estas resoluções não podem ser consideradas tais como as decisões judiciais, Segundo Mônica O. de Camargo, o Brasil demonstrou, neste momento, participação importante através da colaboração de Austregésilo de Athayde como membro da comissão que desenvolveu a DUDH, o qual agiu de forma notável nos debates, “[...] seja na proposição de emendas ou no senso ponderado que expressou em suas intervenções, aliada à labuta incessante pela convergência de interesses e posições tão díspares, como as que estavam em jogo.” A autora, ainda, ressalta que a insigne atuação de Austregésilo foi observada por todos os países representados na solenidade, sendo, inclusive, aprovado, de comum acordo entre os lá presentes, para o papel de orador da solenidade que aprovou a DUDH (2005, p. 128) 22 Danielle Annoni resume a idéia, demonstrando a importância do instrumento: “Essa declaração, como bem constou em seu preâmbulo teve por objetivo reafirmar a fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher, promovendo o progresso social e melhores condições de vida, assegurando a todos a manutenção do jus libertatis” (2003, p. 64). 21 31 ou seja, não possuem, pois, possibilidade de execução. Junto a este órgão, o Conselho Econômico e Social recomenda aos países medidas com o objetivo de garantir os direitos humanos, recebendo os informes dos participantes da organização e também de outros órgãos da própria ONU. Compete-lhe, ainda, a verificação do cumprimento de recomendações. Por sua vez, e não diferentemente, ao Secretariado cabe receber os informes, repassando àqueles cuja competência para garantia dos direitos humanos foram incumbidos, bem assim informar o Conselho de Segurança da ONU sobre qualquer assunto que, a seu critério, interfira na paz e na segurança mundial (2002, p. 85). O Conselho de Segurança atua como órgão de execução. Tem como objetivo a manutenção da paz e da segurança internacional. Compõe-se de quinze membros e funciona como órgão de última instância. Em alguns casos adota medidas contundentes para obrigar os Estados a cumprirem suas obrigações internacionais de respeito à manutenção dos direitos humanos. Já o Tribunal Internacional de Justiça constitui o principal órgão judicial das Nações Unidas (PRONER, 2002, p. 86). A Comissão de Direitos Humanos23 auxilia o Conselho Econômico e Social, com competência para desenvolver mecanismos na tarefa de receber as petições (ANNONI, 2003, p. 68). Carol Proner explica, ainda, que a Comissão desenvolveu projetos da DUDH, bem assim como os de seus complementares, o Pacto de Direitos Civis e Políticos e o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, além de outros referentes ao tema de direitos humanos, possuindo, ainda, incumbência estabelecida pela Resolução n. 1503, de 17/05/1970, que prevê meios aptos a conhecerem denúncias, concernente à violação de direitos do ser humano. Neste sentido, a Comissão, se aceita a denúncia elaborada, pode enviá-la ao Conselho Econômico, o qual fará recomendações ao país acusado (2002, p. 87). No presente estudo, não será analisado de forma profunda o funcionamento do Sistema Global, já que o único objetivo de tratá-lo seria demonstrar a sua contribuição para a consolidação dos demais sistemas regionais, através de diretrizes apontadas pela DUDH. Assim, o SIDH passará a ser analisado a seguir. Carol Proner explica que no tratado há dispositivos que autorizam a criação de “[...] comissões, subcomissões e grupos de trabalho [...]” os quais são desenvolvidos para ajudarem aqueles organismos anteriormente citados (2002, p. 86). 23 32 3.2 O SIDH O SIDH tem como finalidade a cooperação dos países americanos, na garantia dos direitos humanos, nesta região do globo. Formado principalmente por quatro instrumentos: a Declaração Americana de Direitos Humanos (DADDH), a Carta da OEA, a CADH e o Protocolo de San Salvador, vincula os membros na proteção dos direitos humanos através de dois sistemas. O primeiro deles é o da OEA e o segundo é o da CADH, dentre os quais são membros somente alguns países da América (ANNONI, 2003, p. 87-88). Danielle Annoni esclarece que no primeiro sistema são usados os princípios contidos na Carta da OEA e na DADDH (2003, p. 88). A origem do sistema interamericano, que em 1948 passou a ser chamado de Organização dos Estados Americanos, pode ser encontrada no Congresso do Panamá, realizado em 1826, momento em que Simon Bolívar estudava a possibilidade de criação de uma confederação de Estados Latino- americanos. [...] Mesmo frustradas as expectativas integracionistas, as reuniões continuaram acontecendo periodicamente a partir de 1880, quando foi criada a União Internacional das Repúblicas Americanas, na Primeira Conferência Internacional Americana, em Washington DC[...] Somente na 9ª Conferência Interamericana, realizada em Bogotá, em maio de 1948, é que foi adotada a Carta da OEA, mais tarde reformada pelo “Protocolo de Buenos Aires”, em 1967 e ainda pelo “Protocolo de Cartagena das Índias”, em 1985 (PRONER, 2002, p. 95-96). Segundo Proner, a Carta da OEA declara os objetivos primordiais a serem seguidos, bem assim os princípios, sempre em busca pela paz. Já a DADDH, aprovada no mesmo ano, traz um rol mais delimitado dos direitos humanos a serem protegidos, ao contrário daquele, de característica genérica (2002, p. 96-97). Basicamente, os direitos trazidos pela CADH, em vista às peculiaridades dos países americanos, mormente os latinos, são os de primeira geração24 tais como direitos à vida, à liberdade25 (ANNONI, 2003, p. 89). A CADH foi assinada em San José, na Costa Rica, no ano de 1969. Daí porque comumente conhecida como PSJCR. Oportuno salientar que só entrou em vigor em 1978. Sobre o item ver Nota de Rodapé n. 4. Flávia Piovesan ainda traz um rol exemplificando os direitos contemplados pela CADH: “[...] o direito à personalidade jurídica, [...] o direito a não ser submetido à escravidão, [...] o direito a um julgamento justo, o direito à compensação em caso de erro judiciário, o direito à privacidade, o direito à liberdade de consciência e religião, o direito à liberdade de pensamento e expressão, o direito à resposta, o direito à liberdade de associação, o direito ao nome, o direito à nacionalidade, o direito à liberdade de movimento e residência, o direito de participar do governo, o direito à liberdade perante a lei e o direito à proteção judicial” (2000, p. 30). 24 25 33 Segundo Flávia Piovesan, o Brasil foi um dos países que ratificou o PSJCR mais “[...] tardiamente [...] ” (2000, p. 30).26 A autora esclarece, ainda, que o PSJCR traz um mecanismo para supervisão e efetivação dos direitos humanos lá reconhecidos, formado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e pela CRTIDH (2000, p. 32-33). “A competência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos alcança todos os Estados- Partes da Convenção Americana, em relação aos direitos humanos nela consagrados”, bem assim com relação àqueles membros da OEA, no tocante à Carta respectiva (PIOVESAN, 2000, p. 33). Nascida em 1959, na cidade de Santiago, a CIDH passou a realizar seus trabalhos no ano seguinte, através da elaboração do seu Estatuto e designação dos seus componentes pelo Conselho da OEA, tendo como funções primordiais a “[...] investigação, conciliação e persecução em juízo de alegadas violações aos direitos humanos protegidos também no sistema da Convenção” (ANNONI, 2003, p. 92-93). É composta por sete membros, com mandato de quatro anos, os quais possuem capacidade de se reelegeram apenas uma vez. Isto é, há um presidente, o seu vice, secretário executivo, cujo ônus é o de receber as petições e dar início ao processo frente à CIDH. O exercício de suas tarefas é realizado em oito semanas anuais, com possibilidade de reuniões suplementares, sendo que os encontros são realizados privativamente, e a presença da maioria absoluta dos membros é imprescindível (PRONER, 2002, p. 101-102). Assim é de competência da CIDH o recebimento de petições que dão conta das violações dos direitos, analisando então os casos relatados.27 Por outro lado, o segundo mecanismo dentro do SIDH de responsabilização por transgressão aos princípios estabelecidos nos tratados firmados pelos Estados-membros é a CRTIDH, que também tem função consultiva, mas seu diferencial é a competência jurisdicional. Em 1964 o país sofreu o Golpe Militar, sendo dominado pelo regime autoritário, cujo fim somente se deu em 1988, com a publicação da CF/88. Para que o regime se estabelecesse com excelência no exercício de controle sobre a sociedade, houve aprimoramento dos instrumentos para a atuação do poder de polícia com o objetivo de conter todo e qualquer movimento oposto ao poderio dos militares, o que acabou por influir nos direitos de liberdade individual (CAMARGO, 2005, p. 155). Assim, pode-se compreender que a demora na ratificação do Pacto teve como um dos motivos o momento pelo qual passava o país, tomado pela ditadura militar, cuja característica principal era repressão, em todas as suas formas, não dando margem a nenhuma liberdade que pudesse ser manifestada em desacordo com o pensamento autoritário vigente na época. 27 O sistema de processamento de petições no âmbito de violação dos direitos trazidos nos tratados será melhor analisado no item 2.2, onde se verificará passo a passo os trâmites dentro da CIDH. Por ora basta apenas esclarecer a função do órgão e algumas de suas características. 26 34 Isto se dá pelo fato de que a decisões emitidas pelo órgão “[...] podem gerar a condenação internacional de um Estado pela violação de direitos humanos” (PRONER, 2002, p. 108). Possui um presidente e seu vice, eleitos pelos períodos de seis anos, com possibilidade de uma reeleição. Esses membros representam a CRTIDH, dirigem sessões ou trabalhos e desenvolvem um relatório a cada seis meses, dando conta de tudo o que foi realizado neste ínterim. Composta ainda por sete juízes, cuja incumbência é de “[...] notificação das sentenças, pareceres consultivos e demais decisões da Corte, lavratura das atas realizadas, assistência às reuniões, auxílio no trâmite de correspondências perante a Corte, administração e execução de tarefas solicitadas pelo presidente ou pela Corte [...]” entre outras (PRONER, 2002, p. 109). A CRTIDH ainda possui função consultiva, conforme disposição do artigo 64 da CADH , onde qualquer membro da OEA, mesmo sem a ratificação daquele acordo, pode 28 requerer que se manifeste sob forma de parecer acerca de qualquer dispositivo, fazendo interpretações, seja ele do PSJCR ou outro acordo que trate sobre direitos humanos, no âmbito dos países americanos (PIOVESAN, 2000, p. 43-44). Já com relação à competência jurisdicional, a CRTIDH somente analisará um caso sobre violação de direitos humanos, se levado junto a si pela CIDH (ANNONI, 2003, p. 105). Ao contrário do Sistema Europeu, onde o indivíduo tem acesso direto ao Tribunal (ANNONI, 2003, p. 83), no SIDH somente a CIDH pode levar o caso para análise pela CRTIDH. Apresentado o caso à Secretaria da CRTIDH, o Secretário notifica o presidente, os juízes, a CIDH e as partes envolvidas, aos Estados participantes da OEA e até o Secretário – Geral desta organização sobre o recebimento do caso. Após, o Presidente da CRTIDH analisa os requisitos de admissibilidade, caso em que havendo vícios poderá solicitar emendas, dentro de vinte dias. O país denunciado tem quatro meses para apresentar defesa, através de contestação, seguindo então da fase de audiências. Durante a instrução, tanto a CIDH como o Estado têm direito de fazer provas (ANNONI, 2003, p. 105). A autora conclui: Art. 64. §1. Os Estados Membros da Organização poderão consultar a Corte sobre a interpretação desta Convenção ou de outros tratados concernentes à proteção dos diretos humanos nos Estados americanos,. Também poderão consultá-la, no que lhes compete, os órgãos enumerados no capítulo X da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires (OEA, 2009). 28 35 As sentenças da Corte Interamericana possuem efeito de coisa julgada entre as partes, vinculando-as em litígio e servindo de embasamento jurisprudencial para casos similares. Assim, a Corte Interamericana de Direitos Humanos orienta-se pela interpretação dada em outros casos semelhantes, no julgamento de um novo caso, que enseje a responsabilização do Estado por violação de direitos humanos (2003, p. 106). Sobre assunto, acrescenta Flávia Piovesan que a sentença ainda vale como título executivo, vinculando o Estado. Mas alerta que a jurisdição da CRTIDH é facultativa (2000, p. 45). Nesta linha de pensamento, o Estado-membro terá que fazer declaração expressa no sentido de aceitar a competência da CRTIDH para interpretar e efetivar as disposições da CADH. O Brasil o fez em dezembro de 1998, por meio do Decreto Legislativo 89 de 03.12.98 (PIOVESAN, 2000, p. 40). Assim pelo seu desenvolvimento e instrumentos que façam valer as preposições dos seus tratados, o SIDH é considerado um dos principais aparatos internacionais em sede de promoção e proteção dos direitos do ser humano. Importante ressaltar que embora a doutrina reconheça que a jurisprudência americana no âmbito da justiça internacional ainda seja nova29 não se pode olvidar a importância de seus julgamentos e manifestações. Aliado a isto, o Estado brasileiro reconheceu a competência da CRTIDH, possibilitando que o órgão decidisse casos em que estivesse envolvido, fazendo valer tanto mais o direito internacional dos direitos humanos no Brasil, vinculando-se às decisões do órgão. 3.2.1 A CIDH e seus procedimentos de atuação Consoante preteritamente ressaltado, a CIDH tem um papel de destaque no plano do SIDH, porquanto junto à CRTIDH formam o principal conjunto de órgãos para responsabilização dos Estados- Partes quando se trata de transgressão de direitos humanos. Incumbida de receber as petições e averiguar casos de violação de direitos humanos, a CIDH tem sido considerada como um órgão de função “central” 30 dentro do SIDH.31 29 Sobre este assunto ver Piovesan, 2000, p. 52. Sobre o assunto ver Maria Beatriz Galli e Ariel E. Dulitzky, 2000, p. 53-80. 31 “É importante destacar que a Comissão, assim como a Corte, tem faculdades para supervisionar obrigações internacionais decorrentes de outros tratados e convenções regionais e globais (da ONU), que tenham entrado em vigor posteriormente à Convenção Americana” (GALLI, DULITZKY, 2000, p. 64). 30 36 A petição encaminhada à CIDH tem como fundamento o fato de que ao país, aceitando as disposições contidas em tratados, cabe respeitar os termos lá contidos, podendo, quando invocado por um organismo internacional de inspeção, ser responsabilizado pela transgressão dos direitos humanos no âmbito de seu território (GALLI, DULITZKY, 2000, p. 56). Segundo os autores, suas competências encontram-se estabelecidas na Carta da OEA, na CADH, bem como através de seu Estatuto e Regulamento (2000, p. 62). Danielle Annoni explica que a CIDH, antes da entrada em vigor da CADH em 1978, possuía funções de “[...] consulta e controle dos direitos humanos no âmbito da OEA”, competência esta que foi sendo expandida na medida em que começou a atuar de forma imediata nos casos de violação das garantias reconhecidas a toda pessoa. A autora esclarece que a competência da CIDH baseava-se na DADDH, quando então, através da CADH teve sua função modificada e dilatada (2006, p. 123-124). Nas palavras de Galli e Dulitzky a CIDH tem competência no plano “[...] promocional, consultivo, e de proteção dos direitos humanos” (2000, p. 63). Os autores esclarecem que no tocante à primeira função, a promocional, o órgão auxilia os países a promover o desenvolvimento de “[...] consciência sobre a importância dos direitos humanos entre os povos das Américas”. A competência pode se concretizar através de “[...] estudos e relatórios no campo dos direitos humanos, do desempenho de um papel educativo em seminários e conferências, ou da execução de funções quase- legislativas, referentes a redações e projetos de convenções sobre direitos humanos” (2000, p. 63). No tocante à proteção dos direitos, a CIDH ainda averigua casos de violação, fazendo visitas aos Estados, desenvolvendo relatórios sobre a sua ocorrência ou não no local, nomeando, inclusive, Relatores Especiais com função de agir sobre assuntos determinados, sendo competente para analisar as petições de notificação dos casos em que há violação dos direitos humanos, assim como seu processamento (GALLI, DULITZKY, 2000, p. 64). Danielle Annoni também acrescenta que este trabalho de visita in loco pode ser desenvolvido juntamente com alguns Grupos Especiais de Trabalho da Comissão de Direitos Humanos da ONU, e tratam principalmente de “[...] violações ao direito à vida, à integridade física, à liberdade, em seu sentido amplo” (2006, p. 132). As visitas duram normalmente duas semanas (MERTUS, et. all, 1997, p. 91). “O relatório da Comissão sobre suas visitas in loco pode abordar de forma ampla vários aspectos da situação de direitos humanos no país, e pode fazer recomendações mais 37 severas sobre o que deveria ser feito para remediar e prevenir as violações” (MERTUS, et. all, 1997, p. 91). As funções da CIDH estão estabelecidas no art. 41 da CADH: Artigo 41- A Comissão tem a função principal de promover a observância e a defesa dos Direitos Humanos e, no exercício de seu mandato, tem as seguintes funções e atribuições: §1. Estimular a consciência dos direitos humanos nos povos da América. §2. Formular recomendações aos governos dos Estados Membros, quando considerar conveniente, no sentido de que adotem medidas progressivas em prol dos direitos humanos no âmbito de suas leis internas e seus preceitos constitucionais, bem como disposições apropriadas para promover o devido respeito a esses direitos. §3. Preparar estudos ou relatórios que considerar convenientes para o desempenho de suas funções. §4. Solicitar aos governos dos Estados Membros que lhe proporcionem informações sobre as medidas que adotarem em matéria de direitos humanos. §5. Atender às consultas que, por meio da Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos, lhe formularem os Estados Membros sobre questões relacionadas com os direitos humanos e, dentro de suas possibilidades, prestar-lhes o assessoramento que lhes solicitarem. §6. Atuar com respeito às petições e outras comunicações, no exercício de suas autoridades, de conformidade com o disposto nos "artigos 44 a 51" desta Convenção. §7. Apresentar um relatório anual à Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA, 2009). Sobre o assunto, nas palavras de Galli e Dulitzky: O procedimento de trâmite da denúncia perante a Comissão apresenta, em geral, menos formalismo jurídico do que nos sistemas de Justiça nacionais. Um exemplo disso é o fato de a parte peticionária não necessitar constituir um advogado para apresentar uma denúncia de um caso individual para a Comissão. A denúncia pode ser apresentada pela própria vítima, seu familiar, ou alguém que a represente (2000, p. 67). Com relação ao procedimento de denúncias individuais, Carol Proner salienta o papel de importância do Secretário da Comissão na seleção das petições trazidas, cuja incumbência é a de analisá-las, buscando as primeiras informações, com o objetivo de concluir pelo prosseguimento ou não dos demais trâmites dentro da CIDH. Neste sentido, compila provas e averigua a situação relatada. Em seguida é dada ao Estado denunciado a prerrogativa de resposta, quando então o instrumento encontra-se apto de ser analisado pela própria CIDH (2002, p. 118). A legitimidade para apresentar os casos está disposta no art. 44 do PSJCR: 38 Artigo 44 - Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidades não governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados Membros da Organização, pode apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação desta Convenção por um Estado Membro (OEA, 2009). As organizações de direitos humanos podem encaminhar as denúncias de violação de direitos humanos, prescindindo, neste caso, de autorização vítima ou mesmo de seus parentes (GALLI, DULITZKY, 2000, p. 67). Os autores ainda lembram que a petição deve ser escrita, sendo que em alguns casos já foram aceitas petições orais, ou mesmo por telefone (GALLI, DULITZKY, 2000, p. 67). “A denúncia deve alegar violações de direitos individuais ou de grupos de indivíduos sob efeito das normas da Convenção Americana de Direitos Humanos e/ou Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem (Declaração Americana)” (MERTUS, et. all, 1997, p. 86). Deve conter a descrição dos artigos que foram transgredidos, bem como o nome da vítima da violação, e de autoridade governamental que esteja ciente da ocorrência (GALLI, DULITZKY, 2000, p. 67). A denúncia ainda deve trazer além do nome, “[...] a nacionalidade, a profissão e o endereço da(s) pessoa(s) que estiver (em) apresentando a denúncia ou de seu(s) representante(s) legal (is)”. Primando pela segurança, os peticionários podem quedar-se anônimos (MERTUS, et. all, 1997, p. 86). A CIDH analisa, ainda, os requisitos para o início do trâmite processual, a natureza do conteúdo trazido na denúncia, a “jurisdição” e se o momento da violação deu-se preteritamente à aceitação dos termos do PSJCR (GALLI, DULITZKY, 2000, p. 67). Quanto aos requisitos de admissibilidade do pleito, o rol encontra-se engajado no art. 46 da CADH: Artigo 46 - §1. Para que uma petição ou comunicação apresentada de acordo com os "artigos 44 ou 45" seja admitida pela Comissão será necessário: a) Que hajam sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna, de acordo com os princípios de Direito Internacional geralmente reconhecidos. b) Que seja apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva. c) Que a matéria da petição ou comunicação não esteja pendente de outro processo de solução internacional. d) Que, no caso do "artigo 44", a petição contenha o nome, a nacionalidade, a profissão, o domicílio e a assinatura da pessoa ou pessoas ou do representante legal da entidade que submeter a petição (OEA, 2009). 39 No tocante ao requisito de esgotamento dos recursos internos, Galli e Dulitzky dispõem que o fundamento da condição é o fato de que o direito internacional foi estabelecido de forma “[...] subsidiária [...]” ao doméstico, donde surge o propósito de o país solucionar o caso internamente, sem que haja provocação de uma organização internacional. Havendo impossibilidade de o denunciante demonstrar a superação do requisito, cabe ao Governo provar que não foram utilizados os recursos disponíveis no plano interno. Silenciando o Estado sobre os recursos disponíveis os quais poderiam ser utilizados, a Comissão poderá interpretar como “[...] renúncia tácita do Estado ao requisito do esgotamento dos recursos” (2000, p. 72).32 Os autores ainda sugerem que estes mecanismos domésticos sejam eficientes no objetivo de restaurar a situação de lesão aos direitos do(s) indivíduo(s) (2000, p. 73).33 O prazo estabelecido de seis meses está sujeito ao cumprimento do requisito anterior, qual seja, o esgotamento dos recursos domésticos, cabendo ao Governo denunciado suscitar o escoamento deste tempo, cuja importância da “[...] subsidiariedade da jurisdição internacional [...]” lhe toca, donde se conclui que a Comissão não pode reconhecer esta preliminar sem provocação (RAMOS, 2002, p. 231). Danielle Annoni elenca três hipóteses em que a prova da satisfação dos requisitos de esgotamento dos recursos domésticos e do prazo para a apresentação são dispensadas: a) não existir na legislação interna do Estado o devido processo legal para proteção do direito que se alega ter sido ou estar sendo violado; ter sido negado à suposta vítima ou aos seus representantes o acesso à justiça, b) ou ter-lhes impedido seu esgotamento; existir atraso injustificado da decisão dos recursos interpostos (2006, p. 128). c) Com relação ao requisito de litispendência, André de Carvalho Ramos esclarece que, embora haja prerrogativa dos indivíduos em utilizar tanto o sistema regional como o A CIDH em seu Relatório n. 38/02, no caso Damião Ximenes Lopes contra o Brasil, petição n. 12.237, analisando os requisitos de admissibilidade da denúncia efetuada, manifestou-se neste sentido, entendendo que houve “[...] renúncia tácita [....]” com relação à invocação do requisito de esgotamento dos recursos internos, porquanto o Estado sequer manifestou-se sobre o assunto, o que, segundo, jurisprudência da CRTIDH, caracteriza sua abdicação desta forma de defesa (CIDH, 2009 A). Para melhor entender o caso, a denúncia atribuía ao Brasil responsabilidade pela morte de Damião Ximenes Lopes enquanto internado na Casa de Repouso de Guararapes para tratamento psiquiátrico já que era deficiente mental. A denunciante, irmã de Damião X. Lopes, afirmou que passados dois dias de internação, a mãe da vítima, ao visitá-la, percebeu sinais que denotavam práticas de tortura, que dentre outros, encontrava-se, inclusive, amarrado pelas mãos, vindo ele, algumas horas após, a falecer (CIDH, 2009 A). 33 É importante lembrar que conforme as palavras de Galli e Dulitsky: “Em geral, a maioria das denúncias apresentadas à Comissão Interamericana fundamentam-se em tais exceções, tendo em vista as falhas estruturais no acesso dos indivíduos aos sistemas de justiça dos países da América Latina, e a impunidade da maioria dos casos de violações de direitos humanos” (2000, p. 74). 32 40 universal na busca pela proteção dos direitos humanos, tais sistemas não poderão ser acionados concomitantemente, porquanto a proibição contida no dispositivo “[....] se justifica em prol da ‘segurança jurídica e da coerência’ entre as decisões dos diversos órgãos internacionais de proteção de direitos humanos” (2002, 231-232). Passada a fase de admissibilidade, o órgão solicitará que o Estado acusado das violações forneça esclarecimentos dentro de um prazo fixado, que embora variável nas diferentes situações, é estabelecido sempre com o objetivo de primar pela rapidez do trâmite (ANNONI, 2006, p. 128). O procedimento perante à CIDH está descrito no art. 48 do PSJCR: Artigo 48 - §1. A Comissão, ao receber uma petição ou comunicação na qual se alegue a violação de qualquer dos direitos consagrados nesta Convenção, procederá da seguinte maneira: a) Se reconhecer a admissibilidade da petição ou comunicação, solicitará informações ao Governo do Estado ao qual pertença a autoridade apontada como responsável pela violação alegada e transcreverá as partes pertinentes da petição ou comunicação. As referidas informações devem ser enviadas dentro de um prazo razoável, fixado pela Comissão ao considerar as circunstâncias de cada caso. b) Recebidas as informações, ou transcorrido o prazo fixado sem que sejam elas recebidas, verificará se existem ou subsistem os motivos da petição ou comunicação. No caso de não existirem ou não subsistirem, mandará arquivar o expediente. c) Poderá também declarar a inadmissibilidade ou a improcedência da petição ou comunicação, com base em informação ou prova supervenientes. d) Se o expediente não houver sido arquivado, e com o fim de comprovar os fatos, a Comissão procederá, com conhecimento das partes, a um exame do assunto exposto na petição ou comunicação. Se for necessário e conveniente, a Comissão procederá a uma investigação para cuja eficaz realização solicitará, e os Estados interessados lhe proporcionarão, todas as facilidades necessárias. e) Poderá pedir aos Estados interessados qualquer informação pertinente e receberá, se isso for solicitado, as exposições verbais ou escritas que apresentarem os interessados; e f) Por-se-á à disposição das partes interessadas, a fim de chegar a uma solução amistosa do assunto, fundada no respeito aos direitos reconhecidos nesta Convenção. g) Entretanto, em casos graves e urgentes, pode ser realizada uma investigação, mediante prévio consentimento do Estado em cujo território se alegue houver sido cometida a violação, tão somente com a apresentação de uma petição ou comunicação que reúna todos os requisitos formais de admissibilidade (OEA, 2009). Em caso de o Estado quedar-se silente neste momento, a CIDH poderá fazer suas recomendações (MERTUS, et. all, 1997, p. 86). Isto é, neste momento a CIDH averiguará se os fundamentos que ensejaram o encaminhamento da denúncia ainda existem, e em caso negativo poderá haver arquivamento do pleito. Por outro lado, mantendo-se a situação, poderá continuar a análise, com o objetivo de elaboração de um relatório (ANNONI, 2006, p. 128). 41 Por sua vez, a possibilidade de conciliação do feito está prevista no art. 48, “f” do PSJCR. Esse mecanismo visa à composição amistosa entre as partes, antes que o trâmite de processamento da denúncia termine, ocasionando uma penalização “[...] moral [...]” ao Governo que é propalar o relatório final elaborado pela CIDH através do Relatório Anual da CIDH, difundido através da Assembléia Geral da OEA (GALLI, DULITZKY, 2000, p. 7677). “No Sistema Interamericano os ‘acordos amigáveis’ devem conter compromissos sérios de compensação da violação de direitos humanos; caso contrário a Comissão rejeitará o acordo” (MERTUS, et. all, 1997, p. 86). O art. 49 do mesmo acordo prevê a situação: Artigo 49 - Se se houver chegado a uma solução amistosa de acordo com as disposições do inciso 1, "f", do artigo 48, a Comissão redigirá um relatório que será encaminhado ao peticionário e os Estados Membros nesta Convenção e posteriormente transmitido, para sua publicação, ao Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos. O referido relatório conterá uma breve exposição dos fatos e da solução alcançada. Se qualquer das partes no caso o solicitar, ser-lhe-á proporcionada a mais ampla informação possível (OEA, 2009). Logrado êxito em compor a situação, a CIDH fará um relatório, descrevendo os fatos e a solução amistosa, enviando-o, posteriormente, ao denunciante, aos demais EstadosPartes da OEA, bem assim como ao Secretário- Geral da OEA (ANNONI, 2006, p. 129). Não havendo conciliação segue-se o procedimento. Com as informações prestadas pelo Estado, dá-se vista ao denunciante para que elabore suas notas e diga as provas que deseja produzir dentro de trinta dias. Logo em seguida, após o recebimento das informações encaminhadas pelo denunciante, abre-se por igual prazo ao Governo possibilidade de elaboração de considerações finais (GALLI, DULITZKY, 2000, p. 68). Sobre a instrução, os autores discorrem que a CIDH tem concordado na produção de qualquer meio de prova no afã de se apurar a verdade da situação alegada “[...] incluindo documentos públicos ou privados, testemunhas, presunções e indícios, além de outros elementos probatórios” (2000, p. 69). Do mesmo modo, é a CIDH quem estabelecerá sobre a quem compete o ônus da prova, lembrando que tal incumbência tem maior peso para o Governo, porquanto tem mais facilidade em obter “[...] documentos oficiais, em relação à parte peticionaria”. Havendo inércia neste sentido por parte do Estado denunciado, o órgão pode interpretá-la em seu 42 desfavor, presumindo como verdadeiras as informações contidas na denúncia de violação de direitos humanos (GALLI, DULITZKY, 2000, p. 70). A CIDH em posse das informações prestadas faz recomendações, deliberando se há ou não a violação alegada pelo peticionário (MERTUS, et. all, 1997, p. 87). Decidindo a CIDH pela inexistência da transgressão narrada na denúncia, o peticionário não possui nenhum recurso hábil, ainda que a deliberação não tenha sido tomada de forma unânime (RAMOS, 2002, p. 235). Após a decisão, a CIDH divulga a conclusão, enviando um relatório ao peticionário e ao Governo denunciado, possuindo este último prazo de três meses para acatar a decisão e solucionar a questão. Caso contrário, não acolhendo as recomendações feitas, o órgão poderá voltar a analisar o caso, publicando o segundo relatório, citando, inclusive, nesta segunda oportunidade, a inércia do Estado no acolhimento de suas deliberações (MERTUS, et. all, 1997, p. 87-88). O desacatamento pelo Estado com relação ao conteúdo do primeiro relatório, poderá ainda culminar no encaminhamento do caso à CRTIDH. Entretanto, importante lembrar que a jurisdição do tribunal é facultativa no âmbito do SIDH, o que faz com que a CIDH passe à fase de elaboração do segundo relatório (ANNONI, 2006, p. 130). Danielle Annoni descreve que este segundo relatório, de forma semelhante ao primeiro, também contém recomendações ao Governo, incluindo, ainda, a fixação de prazo para que sejam tomadas providências na restauração dos direitos violados (2006, p. 130). Neste último caso, ainda que o Estado não aja para reparar a violação cometida, não havendo, inclusive, meios para submeter o caso à CRTIDH, o único procedimento de que dispõe a CIDH é encaminhar um relatório anual à Assembléia Geral da OEA, descrevendo as recomendações elaboradas e não cumpridas pelo Governo denunciado (RAMOS, 2002, p. 238). Critica-se esta falta de sanção do poder de decisão da CIDH, porquanto o máximo que se pode chegar é à divulgação destas recomendações “[...] que só podem ser reforçadas por pressões externas” (MERTUS, et. all, 1997, p. 88). Outro problema apontado é a morosidade no procedimento já que são inúmeros casos recebidos no âmbito da CIDH descrevendo violações de direitos humanos, levando até dois anos após o recebimento da petição para realização das audiências, isto é, o trâmite leva pelo menos dois anos (MERTUS, et. all, 1997, p. 89). 43 Como se pode ver não há meios para sancionar os Estados denunciados no âmbito da CIDH. Neste sentido alguns autores34 têm feito menção ao Comitê de Ministros35, como no Sistema Europeu, o qual poderia analisar o caso e havendo inadimplência do Governo acerca das medidas recomendadas, competia-lhe penalizá-lo através de sua expulsão do Conselho Europeu. Entretanto, não há qualquer meio da CIDH fazer o ofensor cumprir com as medidas a si aconselhadas, já que o órgão jurisdicional, a CRTIDH, no caso do SIDH possui sua adesão facultativa aos membros. A CIDH, portanto, possui seu papel limitado, já que não lhe foram outorgados meios, além do submetimento da denúncia à CRTIDH nos casos em que há reconhecimento de sua jurisdição pelo país, para fazer valer suas recomendações no sentido de cessar a violação e proteger os direitos humanos. Pode-se considerar um entrave a ser superado, mesmo porque é importante lembrar que, ao contrário do Sistema Europeu os indivíduos não possuem acesso direto ao órgão jurisdicional, devendo, necessariamente passar pelo crivo da CIDH, a qual em alguns casos igualmente nada pode fazer, sem que o Estado tenha aderido à competência da CRTIDH. 3.3 A jurisprudência da CRTIDH em relação ao prazo razoável A CRTIDH é o órgão de caráter jurisdicional dentro SIDH. Desta forma a partir de suas decisões de responsabilização dos Estados no âmbito dos direitos humanos é possível condená-los, buscando a reparação das garantias violadas. Assim, submetendo a CIDH um caso perante à CRTIDH será proferida uma sentença sobre o assunto, a qual ainda poderá ser utilizada como fundamento de outras decisões em casos semelhantes. 34 Ver Danielle Annoni, 2006, p. 130 e outros. Comitê de Ministros decidia sobre o mérito do caso, estabelecendo, ainda, um prazo no qual o Estado requerido deveria tomar as medidas reparatórias necessárias. Caso tais medidas não fossem tomadas pelo Estado, deveria o Comitê reanalisar a questão, estabelecendo novas obrigações ao Estado inadimplente. No limite, poderia ser estabelecida a suspensão ou mesmo expulsão do Estado infrator do Conselho da Europa, que são duas sanções possíveis, previstas pelo descumprimento das decisões do sistema europeu de direitos humanos”(RAMOS, 2002, p. 201). 35“O 44 No âmbito da garantia da duração do processo em um prazo razoável a CRTIDH já se manifestou sobre o assunto. Danielle Annoni cita três casos de importância da jurisprudência do órgão no tocante à definição da garantia: Caso Genie Lacayo vs Nicarágua, Suarez Rosero vs Equador e Loayza Tamayo vs Perú (2006, p. 232-236). No tocante ao primeiro caso, o jovem Genie Lacayo de 16(dezesseis) anos de idade, em 28 de outubro de 1990, dirigia-se para casa, na cidade de Manágua (Nicarágua) em seu veículo, quando teve seu automóvel baleado por efetivos militares. Genie Lacayo não morreu na hora, entretanto, foi abandonado, vindo a falecer, tendo como causa a hemorragia (CRTIDH, 2009, p. 4 A) “De acuerdo com el informe de balística, el automóvil presentaba 19 impactos de bala, ocurridos todos ellos cuando estaba em movimiento y três disparos fueron hechos a corta distancia cuando estaba ya detenido”36 (CRTIDH, 2009, p. 4 A). A denúncia perante à CIDH foi recebida em 15/02/91, tendo sido o caso submetido pelo órgão à CRTIDH em 06/01/94, com trâmite de duração de quase quatro anos. Dentre outras violações a CIDH buscou a responsabilização do Estado Nicaraguense pela violação do art. 8º do PSJCR que trata das garantias judiciais, entre elas o direito de duração razoável do processo. Em suas alegações, em 03/10/96, a CIDH manifestou-se sobre as provas até então produzidas: Que hay abundante evidencia que demuestra que la actividade de las autoridades de Nicaragua estuvo orientada precisamente a evitar el êxito de La investigación y a garantizar la impunidade de los autores del crimen37 (CRTIDH, 2009, p. 13 A). Assim buscava a CIDH comprovar que o Governo da Nicarágua não usou de meios efetivos a concluir o processo, asseverando inclusive que houve ações no sentido de obstaculizar a justiça na resolução do caso. Com relação à violação do direito de razoável duração do processo, a CRTIDH utilizou para definir o conceito dentro do caso de Genie Lacayo os três critérios também usados pela Corte Européia de Direitos Humanos: 1) a complexidade do caso; 2) a atividade processual do interessado; e 3) a conduta judicial das autoridades competentes. Tradução livre: “De acordo com o informe de balística, o automóvel apresentava 19 impactos de bala, ocorridos enquanto estava em movimento, e três disparos foram feitos a curta distância, quando já estava detido”. 37 Tradução livre: “Que há abundante evidência que demonstra que a atividade das autoridades da Nicarágua esteve orientada precisamente com o fim de evitar o êxito da investigação e garantir a impunidade dos autores do crime”. 36 45 Por lo que respecta al primer elemento, es claro que el asunto que se examina es bastante complejo, ya que dada la gran repercusión de la muerte del joven Genie Lacayo, las investigaciones fueron muy extensas y las pruebas muy amplias (supra 69). Todo ello podría justificar que el proceso respectivo, que adicionalmente ha tenido muchos incidentes e instancias, se haya prolongado más que otros de características distintas38 (CRTIDH, 2009, p. 21 A). Em sua decisão, no tocante ao segundo critério, quanto à atividade do interessado, a CRTIDH, ainda, entendeu que o pai da vítima, Sr. Raymond Genie Peñalba, enquanto acusador, não tomou nenhuma atitude que possa ter obstacularizado o trâmite do processo judicial, utilizando apenas os recursos que estiveram ao seu alcance, previstos na lei do país acusado (2009, p. 21-22 A). Por outro lado, quanto ao último requisito, a CRTIDH decidiu que: [...] no se han producido dilaciones excesivas em las diversas etapas del proceso, com excepción de la última fase todavia pendiente (supra 71), es decir, del recurso de casación ante la Corte Suprema de Justicia interpuesto por La parte acusadora el 29 de agosto de 1994, admitido por dicho Tribunal el 31 seguiente y que, no obstante las diversas solicitudes de lãs partes, todavia no há sido resuelto. Incluso considerando la complejidade del asunto, así como las excusas, impedimentos y sustitución de los magistrados de la Corte Suprema de Justicia, el plazo de más de dos años que ha transcurrido desde la admisión del citado recurso de casación no es razonable y por consiguiente este Tribunal debe considerarlo violatorio del artículo 8.1 de la Convención 39(2009, p. 22 A). A CRTIDH, ainda, acrescentou que utiliza para definir o razoável verificando todo o trâmite do processo. Ou seja, mesmo desconsiderando o tempo de investigações, computando-se-o a partir do momento em que o juiz lavrou o auto de abertura do processo, em 23/07/91, até aquele momento, quando da decisão da CRTIDH sobre o caso, passaram-se mais de cinco anos, não tendo ainda sido proferida sentença definitiva, concluindo, pois, que este lapso temporal transcende o razoável, conforme previsão do art. 8º do PSJCR (2009, p. 22 A). Tradução livre: “Quanto ao primeiro elemento, é claro que o assunto que se examina é bastante complexo, já que dada a grande repercussão da morte do jovem Genie Lacayo, as investigações foram muito extensas e as provas muito amplas (supra 69). Tudo isto poderia justificar que o processo respectivo, que adicionalmente havia tido muitos incidentes e instâncias, tenha-se prolongado mais que outros de características distintas”. 39 Tradução livre: “[...] não foram produzidas dilações excessivas nas diversas etapas do processo, com exceção da última fase pendente (supra 71), isto é, a do recurso de cassação perante a Corte Suprema de Justiça interposto pela parte acusadora em 29 de agosto de 1994, admitido por referido Tribunal no dia 31 seguinte, e que, não obstante, as diversas solicitações das partes, todavia não foi resolvido. Considerando, ainda, a complexidade do assunto, assim como os pretextos, obstáculos e substituição dos magistrados da Corte Suprema de Justiça, o prazo de mais de dois anos que transcorreu desde a admissão do citado recurso de cassação não é razoável e, por conseguinte este Tribunal deve considerá-lo violatório do art. 8. 1 da Convenção”. 38 46 Entendendo que houve violação do art. 8 da CADH, a CRTIDH responsabilizou o Governo da Nicarágua, fixando, inclusive, o pagamento de indenização no patamar de $20.000,00(vinte mil dólares) em favor do pai do jovem Genie Lacayo, com prazo de até seis meses para seu efetivo cumprimento. Outro caso de destaque, segundo Annoni é o de Suarez Rosero. A denúncia dando conta do fato foi apresentada perante à CIDH em 18/03/1994 (CRTIDH, 2009, p. 3 B), tendo sido submetida à CRTIDH em 22/12/95 (CRTIDH, 2009, p. 4 B). O Sr. Suarez Rosero foi preso em 23/06/92, na cidade de Quito (Equador), tendo como origem uma denúncia feita noticiando que dois indivíduos, conduzindo um veículo “Trooper”, estariam queimando drogas, com objetivo de encobrimento do crime de tráfico de drogas. A detenção foi feita sem que houvesse ordem judicial para tanto (CRTIDH, 2009, p. 11 B) Suarez Rosero foi colocado em uma cela de aproximadamente quinze metros quadrados, ocupada por dezessete pessoas, não teve acesso a um defensor, ficando incomunicável por diversos dias (CRTIDH, 2009, p. 12 B). Jamais soube quem foi o denunciante do fato, sendo, inclusive, ameaçado e torturado para que confessasse seu envolvimento no crime (CRTIDH, 2009, p. 8 B). Sua prisão preventiva durou quase de quatro anos, sendo que a pena máxima para o crime de encobridor, do qual estava sendo acusado, segundo a legislação do Equador, é de dois anos (CRTIDH, 2009, p. 23 B) Dentre outras considerações a CIDH denunciou a violação por parte do Governo Equatoriano dos arts. 8º e 25, no tocante à garantia do prazo razoável de duração do processo e a um recurso simples e rápido. Quanto a este último a CIDH manifestou-se: “[...] el recurso de hábeas corpus interpuesto por el señor Suárez Rosero el 29 de marzo de 1993 fue resuelto por el Presidente de la Corte Suprema de Justicia del Ecuador el 10 de junio de 1994, es decir, más de 14 meses después de su interposición40 [...]” (CRTIDH, 2009, p. 20 B). Não tendo o Governo Equatoriano impugnado referida manifestação, a CRTIDH entendeu que houve violação de artigo 25 do Pacto (2009, p. 20-21 B). Tradução livre: “[...] o recurso de habeas corpus interposto pelo senhor Suárez Rosero em 29 de março de 1993 foi decidido pelo Presidente da Corte Suprema de Justiça do Equador em 10 de junho de 1994, isto é, mais de 14 meses depois de sua interposição.” 40 47 A CRTIDH, ainda, com o fim de verificar o tempo de duração do processo, fixou como ponto inicial a data da apreensão do Sr. Rosero, que se deu em 23/06/92 até o momento em que se proferiu sentença definitiva, que neste caso foi em 09/09/96. Incluiu, ainda, neste cômputo, eventuais recursos interpostos (2009, p. 22 B). Utilizando daqueles três critérios estabelecidos na jurisprudência da CRTEDH, a CRTIDH manifestou-se da seguinte forma: [...] al realizar um estúdio global del procedimiento em la jurisdicción interna contra el señor Suárez Rosero, la Corte advierte que dicho procedimiento duró más de 50 meses. En opinión de la Corte, este período excede en mucho el principio de plazo razonable consagrado en la Convención Americana. Asimismo, la Corte estima que el hecho de que un tribunal ecuatoriano haya declarado cupable al señor Suárez Rosero del delito de encubrimiento no justifica que hubiese sido privado de libertad por más de três años y diez meses, cuando la ley ecuatoriana establecía un máximo de dos años como pena para esse delito41 (2009, p. 23 B). Por estas razões o Tribunal decidiu que houve igualmente violação do art. 8.1 do PSJCR, de ter sido o Sr. Rosero “[...] juzgado dentro de um plazo razonable o ser puesto em libertad42 [...] ” (2009, p. 23 B), inclusive determinando o pagamento de indenização à vítima e seus familiares. Já no caso da Sra. Loayza Tamayo, a professora foi presa em fevereiro de 1993, em Lima (Peru) junto com um parente seu, tendo em vista uma denúncia feita pela Sra. Angélica Torres Garcia, sendo detida sem ordem judicial competente, ficando incomunicável por diversos dias (CRTIDH, 2009, p. 2-3 C), inclusive vítima de tortura, maus tratos e ameaças (CRTIDH, 2009, p. 20 C). Foi processada pelo crime de deserção à pátria pelo Fórum Privativo Militar, sendo colocada para julgamento frente ao Tribunal Especial da Marinha, que em 05/03/93 a absolveu. Já em 02/04/93, o Conselho de Guerra Especial da Marinha, veio a condená-la. Na data de 11/08/93 o Conselho Supremo da Justiça Militar, entendendo inoportuno o recurso de nulidade interposto, absolveu-a, e determinou a remessa do feito à justiça comum para análise do delito de terrorismo. Continuou a Sra. Tamayo detida durante a sentença proferida pelo Conselho Supremo da Justiça Militar e a determinação de detenção proferida em 08/10/93, no foro comum. Neste último, foi novamente submetida a julgamento, desta vez pelo delito de Tradução livre: “[...] ao realizar um estudo global do procedimento na jurisdição interna contra o senhor Suarez Rosero, a Corte adverte que referido procedimento durou mais de 50 meses. Na opinião da Corte, este período excede em muito o princípio do prazo razoável consagrado na Convenção Americana. Assim mesmo, a Corte estima que o fato de que um tribunal equatoriano tenha declarado culpado o senhor Suárez Rosero do delito de encobrimento não justifica que se o houvesse sido privado da liberdade por mais de três anos e dez meses, quando a lei equatoriana estabelecia um máximo de dois anos como pena para este delito”. 42 Tradução livre: “[…] julgado dentro de um prazo razoável ou ser posto em liberdade”. 41 48 terrorismo, e embora tenha sido levantado pela acusada a preliminar de coisa julgada, em 10/10/94 o “Tribunal Especial Sem Rosto da Justiça Comum”, repeliu a alegação da Sra. Tamayo, e condenou-a à pena de prisão de 20(vinte) anos (CRTIDH, 2009, p. 3 C) A CIDH recebeu a denúncia em 06/05/93, submetendo o caso à CRTIDH em 12/01/95. Segundo suas alegações, a CIDH manifestou-se no sentido de que, dentre outros direitos, houveram violações das seguintes garantias judiciais: direito de ser julgado por um tribunal imparcial e independente, direito à presunção de inocência, direito de igualdade processual, direito de defesa, direito de não depor contra si mesma e o fazer sem qualquer coação e o direito de não ser julgado pelo mesmo fato duas vezes (CRTIDH, 2009, p. 29 C). Danielle Annoni entende que a importância deste caso é o fato de que a garantia de um prazo razoável sequer fora citada pela CIDH em suas alegações, haja vista que as violações ocorridas com relação às demais garantias eram de tamanha seriedade, que a demora na prestação jurisdicional prescindia de referência no caso, sendo certo que também o tivesse sido desrespeitada pelo Governo Peruano (2006, p. 235). Estas decisões demonstram a atuação da CRTIDH e seus procedimentos nos casos em que se noticia violação da garantia da razoável duração do processo. É importante salientar ainda que, como órgão jurisdicional, incumbido de poder decisório, suas decisões têm o condão de influir em casos posteriores, em que se cogite a violação do mesmo direito. Aliás, não somente a CRTIDH utiliza os seus arestos, mas a própria CIDH, em suas recomendações, pode fundamentar as conclusões com a jurisprudência da CRTIDH, compartilhando do entendimento. Daí a importância das sentenças proferidas pelo órgão judicial no SIDH, como tendência para interpretação de outros casos submetidos a sua jurisdição. 49 4 CRITÉRIOS ESPECÍFICOS UTILIZADOS PARA DEFINIÇÃO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO NO CASO MARIA DA PENHA A justiça internacional mostrou sua importância e eficácia com relação ao Estado brasileiro em um dos casos encaminhado até a CIDH. A análise do caso ocorrido com a Srª. Maria da Penha não só a beneficiou, assim como o fez com outras tantas vítimas dos abusos e excessos cometidos pelo Governo em desrespeito aos direitos humanos, tendo em vista a repercussão do caso no Brasil até os dias atuais. Na petição apresentada perante à CIDH, dentre outras alegações, houve a sustentação da responsabilidade do Estado brasileiro por violação do princípio da razoável duração do processo. Não diferentemente dos demais casos, o órgão utilizou os critérios estabelecidos pela jurisprudência da CRTIDH na difícil tarefa de concretizar a definição do “razoável” no fato colocado sob sua análise. O caso n. 12.051 está calcado no fato de que trata, também, sobre a morosidade da justiça brasileira, bem assim por ter sido um caso muito abordado pela imprensa, levando a conhecimento de todos os cidadãos brasileiros. São situações como esta em que ante a deficiência da prestação jurisdicional, o próprio Estado atua como agente causador do dano e acaba por infringir normas do ordenamento jurídico, estando, inclusive, sujeito à reparação de seu erro. 4.1 Breve histórico do caso Maria da Penha: a repercussão na sociedade civil Primeiramente, para que se possa entender e chegar à concreta análise da situação no âmbito da justiça internacional é necessário percorrer a história do caso no plano interno. A biofarmacêutica Maria da Penha conheceu seu agressor no final da década de 70, momento em que tanto ele quanto ela faziam mestrado na USP- Universidade de São Paulo (COSTA, 2009). 50 Segundo Maria da Penha, em uma entrevista dada ao Congresso em Foco43, Marco Antonio Heredia Viveiros, então seu marido, demonstrou sua verdadeira personalidade dois ou três anos após o casamento, quando já havia adquirido nacionalidade brasileira, porquanto Colombiano, através de constituição de família (COSTA, 2009). Contou, ainda, na entrevista que antes de iniciarem as agressões físicas, Marco Heredia a agredia psicologicamente. Segundo ela, o ofensor agia com o intuito de rebaixá-la Em maio de 1983 Maria da Penha, até então vivendo com o marido e três filhas, trabalhando à época no Instituto de Previdência do Ceará, e contando com trinta e oito anos, foi atingida por um disparo de arma de fogo proferido pelo Sr. Heredia, no momento em que dormia (SANTOS, 2009, p. 290-292). O agressor naquele momento buscou afastar qualquer suspeita atribuindo o evento a um possível ladrão no interior da casa (AGENDE, 2009). A atitude de Heredia culminou na paraplegia irreversível de Maria da Penha. Não satisfeito com o dano causado a sua esposa, após duas semanas houve nova investida do Sr. Marco em busca de consumar o homicídio de sua mulher, quando tentou eletrocutá-la no momento em que tomava banho (AGENDE, 2009). Conforme Relatório de n. 54/01, elaborado pela CIDH, em que relata as alegações dos denunciantes em sua petição de denúncia: Asseguram que o Senhor Heredia Viveiros agiu premeditadamente, pois semanas antes da agressão tentou convencer a esposa de fazer um seguro de vida a favor dele e, cinco dias antes de agredi-la, procurou obrigá-la a assinar um documento de venda do carro, de propriedade dela, sem que constasse do documento o nome do comprador (CIDH, 2009 B) Em um artigo publicado no Congresso em Foco, citou-se uma parte de uma entrevista feita com Maria da Penha: “Culminou tudo com a tentativa de homicídio. Ali foi uma coisa que ficou mais fácil para fazer a denúncia. Imagina como seria difícil denunciar uma violência psicológica!” (COSTA, 2009). “O Congresso em Foco é um site jornalístico que faz uma cobertura analítica, independente e crítica do Congresso Nacional e dos principais fatos políticos da capital federal. Seu objetivo central é auxiliar o (e)leitor a acompanhar o desempenho dos representantes eleitos, contribuindo assim para melhorar a qualidade da representação política no país”. O objetivo do site é, igualmente, manter o leitor atualizado em relação a outros assuntos que não só provenientes do Congresso Nacional, tanto de cunho nacional, como global (CONGRESSO EM FOCO, 2009). 43 51 Em janeiro de 1984 a vítima depôs na polícia sobre o caso e em outubro daquele mesmo ano o Ministério Público ofereceu ação penal em desfavor de Marco Heredia (SANTOS, 2009, p. 292). Já em 1986, houve recebimento da denúncia pelo juízo, quando em 1991, oito anos depois das agressões serem perpetradas, por decisão do júri popular, o réu foi condenado a quinze anos de prisão. Na ocasião a defesa recorreu da decisão, através de recurso de apelação (SANTOS, 2009, p. 292). Em decisão, o Tribunal de Justiça do Ceará, no mês de abril do ano de 1995, pediu novo julgamento do caso, ficando o primeiro anulado por decisão do Tribunal de Alçada Criminal do Ceará em maio daquele mesmo ano, quando somente em março de 1996 houve novo julgamento, com a condenação do ofensor em dez anos e seis meses de prisão, sendo interposto novo recurso pela defesa (SANTOS, 2009, p. 292). Oportuno salientar que neste momento o Sr. Heredia permanecia em liberdade enquanto o recurso não era julgado (COSTA, 2009). Já no ano seguinte, em 1997, a CIDH recebeu a petição de denúncia (SANTOS, 2009, p. 292). A denúncia foi uma colaboração entre a vítima, o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e Comitê Latino- Americano e do Caribe para Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM). Em 1999 ocorreu a primeira advertência da CIDH ao Estado brasileiro e no ano seguinte o órgão elaborou o relatório n. 54/01 que abordava o caso. No ano de 2001 foi novamente encaminhado o relatório ao Governo brasileiro para que no prazo de trinta dias tomasse providências sobre a situação, sendo que naquele mesmo ano houve aceitação das denúncias efetuadas, publicando-se o relatório em questão (SANTOS, 2009, p. 292). Foi somente em 2002, no mês de outubro, que o agressor foi finalmente preso, cumprindo dois anos em regime fechado, progredindo para o aberto, posto em liberdade já no ano de 2004 (COSTA, 2009). Neste ínterim, a biofarmacêutica escreveu um livro, cujo título denota o conteúdo principal da obra: “Sobrevivi...posso contar”. Nele relata toda a história de violência a qual foi submetida pelo seu marido. Na entrevista fornecida ao Congresso em Foco, a consideração da vítima é necessária para resumir um dos maiores problemas enfrentados no caso concreto: “A maior barreira foi o próprio Poder Judiciário, onde foram usados artifícios para protelar o processo. Tanto é que demorou 19 anos e seis meses” (COSTA, 2009). 52 Em que pese a demora na prestação jurisdicional, levar o caso até a CIDH possibilitou uma melhor visualização das deficiências contidas no âmbito da justiça brasileira, o que fez com que o órgão determinasse uma série de medidas a serem tomadas pelo Governo brasileiro, no objetivo de solucionar além do caso apresentado, outros tantos semelhantes, cujos benefícios lhes alcançariam com a execução das recomendações feitas no âmbito da justiça internacional. O caso Maria da Penha, que era na sua essência um problema da violência contra as mulheres, reabriu discussão sobre um problema já conhecido na justiça brasileira: a morosidade. Ainda que não fosse o objeto principal da denúncia, diante de outras tantas violações de direitos ocorridas no caso concreto, a análise do caso teve importância também nesse quesito. Algumas pesquisas realizadas, concernente aos dados referentes à violência contra a mulher, eixo principal do caso Maria da Penha, aliado ao binômio celeridade/efetividade das medidas existentes, apontam problemas enfrentados antes da edição da lei cujo nome leva o da própria Maria da Penha. Exemplo disso é o relatório elaborado sobre Violência do Gênero no Brasil, em novembro de 1999, elaborado pelo CLADEM, que constata que com a entrada em vigor da Lei dos Juizados Especiais de n. 9.099/95, que disciplina os crimes de menor potencial ofensivo, dentre eles as lesões corporais leves e as ameaças, crimes que mais comumente são praticados contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, passaram a ter uma tramitação mais rápida, porquanto o objetivo principal da lei é a conciliação entre as partes, pondo fim ao processo, sem que o agente tenha qualquer antecedente criminal (CLADEM, 2009). A duração dos processos nos crimes de violência familiar sofre variações relacionadas ao rito processual cabível ao tipo de crime. Nos cobertos pela Lei 9.099/95, por exemplo, a lesão corporal leve e a ameaça, os processos duram, em média, 02 meses nos casos em que há conciliação e cerca de 06 meses quando o processo é suspenso, demonstrando, assim, que dificilmente chegam a julgamento. Para os crimes apenados com mais de 1(um) ano, a duração dos processos varia de região para região, durando de 02 a 11 anos (CLADEM, 2009) Entretanto, a par do reconhecimento de que o rito da Lei 9.099/95 concedeu maior “celeridade” no julgamento desses casos, tal celeridade veio acompanhada da banalização da violência contra a mulher. Isso é observado no mesmo relatório, no qual o CLADEM criticou a referida legislação, que na época atendia a maioria dos delitos de violência doméstica, possuindo como penalidade máxima um ano de prisão, e tendo como objetivo principal a conciliação entre as partes, acabando por suspender usualmente o processo, tratando de forma 53 corriqueira este tipo de delito, o que beneficiava o acusado, que por sua vez era condenado a penas mínimas e ainda agraciado com a ausência de antecedentes criminais (CLADEM, 2009). Ou seja, se por um lado houve o benefício da celeridade dos julgamentos dos casos, por outro lado houve demarcado prejuízo na importância que deveria ser dada a esta modalidade de violência, que passou a ser resolvida, no mais das vezes, com o pagamento de cestas básicas. O relatório citou ainda que esta lentidão na justiça brasileira contribui para separar cada vez mais a população do Poder Judiciário, apontando que em pesquisa realizada no ano anterior, em que pese a maioria de processos referentes a estupro terem tido tempo de duração de no máximo três anos, alguns casos excederam o período de oito anos, isto se contabilizar o início do prazo desde o inquérito policial, até o trânsito em julgado da decisão final (CLADEM, 2009). A história de Maria da Penha é emblemática pelo fato de que demonstra a deficiência do Poder Judiciário com relação à agilidade, o que por muitas vezes desencadeia a falta de efetividade das medidas, e não concretude de direitos. Ainda que seja um problema histórico, a morosidade da justiça não pode se tornar corriqueira, e as recomendações feitas pela CIDH ao Governo brasileiro enfatizam esta idéia. 4.2 O caso Maria da Penha no SIDH: aspectos gerais da petição e tramitação no âmbito da CIDH e suas conclusões acerca do prazo razoável Encaminhado até a CIDH, órgão responsável por receber as petições de denúncia de violação de direitos, o caso de Maria da Penha Maia Fernandes denunciou o Estado brasileiro por diversos atos que culminavam não só a violação de direitos de uma só pessoa, mas de tantas outras que eram afetadas pelos mesmos. Isto é, a história de Maria da Penha não era um fato isolado, mas somente a ponta de um iceberg de grandes problemas que o país enfrentava, notadamente quanto à lentidão do Poder Judiciário em resolver as lides a si apresentadas. Assim, em 20 de agosto de 1998, a CIDH recebeu a denúncia do caso Maria da Penha, do CEJIL e do CLADEM, que dentre outras acusações ao Governo brasileiro, delataram que o Brasil havia se tornado omisso sobre o caso, durante quinze anos, porquanto 54 havia deixado de concretizar meios para “[...] processar e punir [...]” o Sr. Heredia (CIDH, 2009 B). Os peticionários apresentaram ao órgão queixa no sentido de que o Brasil agia de forma negligente no que concerne à efetivação de medidas, em se tratando de processamento do caso no Judiciário. Mesmo após o recebimento da denúncia pela CIDH, tendo apresentado-a ao Estado brasileiro para manifestações, este se quedou inerte. Em que pese as investidas do órgão neste sentido nas datas de 19/10/1998, 04/08/1999 e 07/08/2000, o Governo brasileiro permaneceu silente, não se manifestando nem sobre a admissibilidade da denúncia, nem quanto à questão de fundo (CIDH, 2009 B). Em um primeiro momento a CIDH apresentou a denúncia ao Governo para que transmitisse informações sobre o caso. Com o silêncio, houve solicitação dos peticionários no sentido de que o silêncio do Estado fosse interpretado em seu prejuízo, quando então o órgão novamente inovou o pedido anterior, inclusive com o alerta da possibilidade de aplicação da medida, o que não incutiu efeito algum, ficando o Estado mais uma vez sem manifestar-se (CIDH, 2009 B). Em sua última investida a CIDH buscou então uma solução amigável entre as partes. No entanto, não houve manifestação das mesmas neste sentido, caracterizando então o desinteresse (CIDH, 2009 B). Com relação aos requisitos de admissibilidade da petição, a CIDH entendeu que possuía competência para analisar o caso, já que os direitos invocados na denúncia encontravam-se elencados na CADH e outros instrumentos no âmbito do SIDH. A CIDH considerou, inclusive, que, muito embora a origem da agressão tenha se dado no ano de 1983, sob a égide da DADDH, pelo fato de as agressões terem sido continuadas, mormente quando à alegação de desrespeito às garantias processuais, entendeu legitimada a aplicação da CADH, implementada em momento posterior, já que o Estado brasileiro teria agido de forma a causar uma contínua denegação de justiça em desfavor da vítima Maria da Penha (CIDH, 2009 B). A CIDH, no mesmo relatório, manifestou-se sobre o requisito de esgotamento dos recursos internos: [...] a Convenção também estabelece em seu artigo 46(2)(c) que, quando houver atraso injustificado na decisão dos recursos internos, a disposição não se aplicará. Conforme assinalou a Corte Interamericana, esta é uma norma a cuja invocação o Estado pode renunciar de maneira expressa ou tácita e, para que seja oportuna, deve ser suscitada nas primeiras etapas do procedimento, podendo-se na falta disso presumir a renúncia tácita do Estado interessado a valer-se da mesma. 31. O Estado brasileiro não respondeu às repetidas comunicações com as quais lhe foi transmitida a petição e, por conseguinte, tampouco invocou essa exceção. A Comissão considera que esse silêncio do Estado constitui, neste caso, uma renúncia tácita [...] (CIDH, 2009 B). 55 O órgão, ainda, salientou no documento o fato de que a justiça brasileira estava há mais de quinze anos sem apresentar sentença definitiva sobre o caso, entendendo, desta forma, que houve uma demora sem justificativa no seu processamento (CIDH, 2009 B). Aliado ao requisito anterior restou vencido aquele referente ao prazo de seis meses para apresentação de denúncia junto ao órgão internacional, já que se utiliza como base para o cálculo a ciência do peticionário quando da decisão definitiva no âmbito interno do país, o que neste caso não havia ocorrido até aquele momento. A CIDH entendeu assim que a petição trazida junto à justiça internacional havia sido feita dentro de um “[...] prazo razoável [...]” (CIDH, 2009 B). Quanto ao requisito de ausência de duplicidade de procedimentos, a CIDH considerou que não havia qualquer informação de que o caso teria sido submetido à análise de outro órgão internacional (CIDH, 2009 B). Portando, a CIDH em seu Relatório de n. 54/01 após discorrer sobre as alegações dos denunciantes, não o fazendo com relação ao Estado ante o seu silêncio, analisou detidamente cada requisito de admissibilidade da petição, para então vencidos, passar a análise do fundo da questão apresentada. As provas utilizadas pela CIDH para que pudesse chegar a uma conclusão, eram, dentre outras: o livro publicado por Maria da Penha “Sobrevivi... posso contar”, um relatório elaborado pela Delegacia de Roubos e Furtos a investigação, a denúncia contra o agressor apresentada pelo Ministério Público, a primeira condenação pelo Júri (04/05/1991), a decisão em que o Tribunal de Justiça do Ceará anulava a condenação do Júri(04/05/1994), a decisão do Tribunal de Justiça do Ceará onde determinou a realização de novo julgamento por Tribunal de Júri(03/04/1995), a deliberação dos Jurados em novo julgamento(15/03/1996) (CIDH, 2009 B). Na análise do mérito, com relação à alegada violação das garantias processuais contidas no art. 8º da CADH, notadamente quanto ao direito de duração do processo em um prazo razoável, a CIDH optou por utilizar o entendimento consolidado pela CRTIDH. Utilizando a jurisprudência da CRTIDH, que emprega as decisões da CRTIDH para definir a expressão “prazo razoável”, a CIDH discorreu que devem ser levadas em conta as seguintes condições “[...] a complexidade do assunto, a atividade processual do interessado e a conduta das autoridades judiciais”. E concluiu que a definição deste conceito depende das peculiaridades de cada caso (CIDH, 2009 B). 56 O órgão, em seu relatório, considerou tanto as assertivas dos denunciantes como a inércia do Governo brasileiro com relação às solicitações de manifestação sobre o caso (CIDH, 2009 B). A Comissão conclui que desde a investigação policial em 1984, havia no processo elementos probatórios claros e determinantes para concluir o julgamento e que a atividade processual foi às vezes retardada por longos adiamentos das decisões, pela aceitação de recursos extemporâneos e por demoras injustificadas (CIDH, 2009 B). Ademais, a CIDH entendeu que a Srª. Maria da Penha, a vítima, sempre agiu de forma diligente no tocante a sua atividade dentro do processo na justiça interna, concluindo que “[...] nem as características do fato e da condição pessoal dos implicados no processo, nem o grau de complexidade da causa, nem a atividade processual da interessada [...]” poderiam ser considerados meios hábeis a ensejar a demora da prestação jurisdicional no caso concreto (CIDH, 2009 B). No Relatório foi alertado para o fato de que a partir do momento em que houve a tentativa de homicídio, dando início às investigações, levou-se oito anos para que fosse proferida a primeira sentença de condenação contra o acusado, Sr. Viveiros, arrastando o processo por mais cinco anos até que houvesse novo julgamento, ante a anulação daquele primeiro, e que até aquele momento, um novo recurso ainda não havia sido julgado (CIDH, 2009 B). Nesse sentido, a Comissão Interamericana observa que a demora judicial e a prolongada espera para decidir recursos de apelação demonstra uma conduta das autoridades judiciais que constitui uma violação do direito a obter o recurso rápido e efetivo estabelecido na Declaração e na Convenção. Durante todo o processo de 17 anos, o acusado de duas tentativas de homicídio contra sua esposa, continuou – e continua – em liberdade (CIDH, 2009 B). A CIDH entendeu, portanto, que a demora de dezessete anos até no sentido de proferir uma sentença definitiva, constituía uma “[...] ineficácia, negligência ou omissão [...]” dos agentes competentes, bem como atraso indevido no julgamento do agressor, estando, inclusive, em iminência de não haver a reparação da Srª. Maria da Penha (CIDH, 2009 B). Assim, no instrumento foram considerados os critérios para definição do “prazo razoável” conforme entendimento da CRTIDH, aplicados em outros casos análogos. A CIDH entendeu que diante das provas acostadas e as atividades dos interessados, não se justificaria a demora em proferir a decisão definitiva do caso, podendo acarretar, em última análise, na 57 impunidade, beneficiando o acusado, em detrimento da vítima que ficaria impossibilitada de buscar qualquer outra reparação. Uma consideração importante da CIDH é que no relatório o caso Maria da Penha foi considerado como uma situação modelo no Brasil, em que a ausência de medidas efetivas no sentido de processar e punir agressores, acaba por constituir em negligência do Governo no sentido de, igualmente, não acautelar estas condutas. Isto faz com que próprio Estado, aparentemente, demonstre ausência de interesse de erradicar tais violações. A CIDH entendeu, portanto, que houve violação do art. 8º da CADH por parte do Governo brasileiro pela demora indevida e “[...] tramitação negligente [...]” do caso Maria da Penha no âmbito da justiça interna (CIDH, 2009 B). Buscando evitar conseqüências ainda mais devassadoras, a CIDH em suas recomendações ao Governo, determinou que fosse finalizada de forma célere a tramitação do processo penal contra o agressor de Maria da Penha, efetivando medidas com o objetivo de serem apontados os responsáveis pelas demoras indevidas ocorridas no processo, responsabilizando-os através das vias cabíveis, incentivando, inclusive, o Estado brasileiro a reparar a vítima de forma “[...] simbólica e material [...]” (CIDH, 2009 B). Isto porque, diante da negligência no sentido de possibilitar-lhe um recurso célere e efetivo, impedindo o julgamento definitivo do caso por quinze anos, culminou essa demora com que a Sra. Maria da Penha deixasse de buscar reparação na esfera civil e fez a seguinte recomendação: “Simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar os direitos e garantias de devido processo;” (CIDH, 2009 B). Buscou a CIDH o incentivo ao Governo brasileiro de práticas a eliminar esta tolerância com relação aos atrasos nas tramitações processuais, não solucionando somente o caso em si, mas uma série de outras situações que existiam ou que poderiam apresentar-se ao Poder Judiciário. O Brasil, a partir da publicação do relatório, teve a prerrogativa de buscar cumprir tais recomendações, no objetivo de reparar as violações até então ocorridas, passando a criar mecanismos para tanto. A criação da Lei Maria da Penha foi uma conquista alcançada a partir da denúncia feita à CIDH, homenageando a peticionante do caso. A Lei 11.340, de sete de agosto de 2006, tem como objetivo coibir a violência doméstica contra a mulher, com fundamento na CF/88 e em outros instrumentos internacionais. A legislação aliou neste sentido, inclusive, uma busca pelo em combate à lentidão judiciária. 58 A citada Lei permite agora que o agressor seja preso em flagrante, podendo, inclusive, ter sua prisão preventiva decretada. Para dar mais celeridade aos processos foi criado o Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (ABATE, 2009), conforme seu art. 1º: Art. 1o Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar (BRASIL, 2009 B). Em notícia veiculada, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Ministério da Justiça acertaram um convênio no dia dez de março de 2008, que teve como objetivo a instalação desses Juizados Especiais até o final daquele ano em todos os estados brasileiros, para tratamento específico de casos de violência contra a mulher (BRÍGIDO, 2009). Tal medida busca concretizar referido mecanismo para dar maior efetividade às suas disposições. O art. 12 da Lei Maria da Penha, em seu inc. III prevê um prazo exíguo de até 48(quarenta e oito) horas para que seja remetido ao juiz o pedido da vítima, com o objetivo de se realizar as medidas acautelatórias urgentes: Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal: [...]III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência; (BRASIL, 2009 B). E do mesmo modo, determina que o juiz tem prazo idêntico para realizar quaisquer das medidas contidas nos incs. do art. 18 da Lei: Art. 18. Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas: I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência; II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso; III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis (BRASIL, 2009 B). Em seu art. 19, no §1º, está disposta a possibilidade de concessão imediata de medidas de proteção, prescindindo da oitiva das partes, ou até mesmo do Ministério Público. 59 Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida. § 1o As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado (BRASIL, 2009 B). Como se pode observar a Lei desenvolvida para enfrentar a violência doméstica contra as mulheres buscou não só criar medidas para tal fim, mas aliando a isto, previu meios para sua aplicação de forma mais célere, fixando prazos reduzidos às autoridades para decisões e deliberações, com vista a dar maior efetividade àquelas. Sobre o caso Maria da Penha na CIDH, observa-se, finalmente, que este órgão determinou que o Estado brasileiro efetuasse a reparação “material” para a vítima, fundamentado no dano causado pela demora injustificada do processo criminal em face do Sr. Heredia. Após esperar por quase sete anos Maria da Penha, em sete de março de 2008 recebeu do Governo Cearense uma indenização pecuniária no valor de R$60.000,00(sessenta mil reais). Segundo notícia publicada, a ministra Nilcéia Freire falou que referida indenização finalizaria as reparações devidas pelo Brasil a Maria da Penha (G1, 2008). Assim, gradativamente o Brasil tem buscado efetivar instrumentos para cumprir integralmente as recomendações feitas pela CIDH, o que evitou a remessa do caso à CRTIDH. 4.3 Aspectos específicos do prazo razoável nas Leis e nos relatórios do CNJ: avanços e inovações Como a preocupação com a morosidade da justiça não é um problema recente, principalmente no Brasil, diversas legislações foram criadas nestes últimos anos com o objetivo de dar efetividade ao princípio da razoável duração do processo, buscando dar maior celeridade na tramitação das lides. Danielle Annoni (2006) cita diversas leis criadas cujo objetivo, dentre tantos outros, seria a solução da intempestividade da tutela jurisdicional. Neste caso, tratar-se-á especificamente de leis que entraram em vigor em momento posterior ao Relatório elaborado sobre o caso Maria da Penha pela CIDH, marco deste trabalho. 60 Primeiramente, observam-se as inovações trazidas pela Lei nº 10.352 de 2001, dentre as quais é importante ressalvar aquela que instituiu o protocolo descentralizado nos tribunais. Esta Lei determinou que a data que vale é aquela do protocolo realizado na comarca de origem, e não mais aquele fixado pela secretaria do tribunal competente para analisar o recurso44. Neste caso, a autora lembra que: Além de economizar tempo das partes e dos respectivos advogados, a mudança legislativa possibilita que pessoas que não podiam arcar com as custas do deslocamento do advogado, ou mesmo do envio por correio mediante sedex, possam fazer uso dos recursos[...] (ANNONI, 2006, p. 267-268). Outra alteração importante que a legislação trouxe foi com relação a “[...] simplificação da uniformização da jurisprudência [...]”, isto é, poderá o recurso ser submetido ao Plenário, quando se tratar de matéria relevante ou que abriga controvérsia, evitando assim o desacordo nas decisões das Turmas e Câmaras do Tribunal, inclusive, possibilitando que qualquer juiz participante do julgamento peça vista dos autos para declarar-se sobre o assunto,45 o que em um primeiro momento pode atrasar o julgamento dos recursos, mas que, posteriormente, evitam-se recursos novos, seguindo-se aqueles, obstando manifestações divergentes em um mesmo Tribunal (ANNONI, 2006, p. 268). Por sua vez, a Lei 10.358, de 2001, elencou nova obrigação das partes e todos aqueles que participam do processo, de forma específica, no sentido de que devem cumprir: “[...] com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final” (BRASIL, 2009 D). Referida medida tem como escopo fundamental evitar qualquer atuação no sentido de protelar o processo, inclusive ficando sujeitos à multa, a ser fixada a critério do magistrado46. A legislação, ainda, estabeleceu a distribuição por dependência de processos conexos ou que Art. 547, § único: Os serviços de protocolo poderão, a critério do tribunal, ser descentralizados, mediante delegação a ofícios de justiça de primeiro grau (BRASIL, 2009 C). 45 "Art. 555. No julgamento de apelação ou de agravo, a decisão será tomada, na câmara ou turma, pelo voto de 3 (três) juízes. § 1o Ocorrendo relevante questão de direito, que faça conveniente prevenir ou compor divergência entre câmaras ou turmas do tribunal, poderá o relator propor seja o recurso julgado pelo órgão colegiado que o regimento indicar; reconhecendo o interesse público na assunção de competência, esse órgão colegiado julgará o recurso. § 2o A qualquer juiz integrante do órgão julgador é facultado pedir vista por uma sessão, se não estiver habilitado a proferir imediatamente o seu voto(BRASIL, 2009 C). 46 Parágrafo único: Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado (BRASIL, 2009 D). 44 61 possuam continência47. Segundo Annoni, acrescentando o dispositivo no Código de processo civil (CPC), o legislador buscou atender ao princípio da “[...] economia processual [...]” e obstar decisões conflitantes entre dois ou mais juízos (2006, p. 269). A Lei. 10.444 de 2002 trouxe profundas alterações no CPC. Com relação ao procedimento sumário48, o legislador preferiu atender à tempestividade da prestação jurisdicional com relação aos processos cujo valor da causa não seja superior a sessenta salários mínimos, dispensando, portanto, a possibilidade de ação declaratória incidental e demais intervenções de terceiro (ANNONI, 2006, p. 270-271). Ainda há a Lei 10.741, de 2003, qual seja, o Estatuto do Idoso49. Referida legislação traz dispositivo específico lembrando a atenção que o legislador quis dar ao direito da duração do processo em tempo razoável. Isto porque, o seu art. 7150 dispõe que a pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos, sendo ela parte ou terceiro interveniente, terá benefício de prioridade na tramitação do processo em que atuar, inclusive na execução de suas medidas judiciais. Seguindo a linha cronológica, outra alteração, esta sem dúvida considerada a de maior importância, foi com a EC n. 45 de 2004. Neste sentido, o constituinte buscou trazer para o rol dos direitos fundamentais elencados no art. 5º da CF/88, o inc. LXXVIII que assim consignou: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (BRASIL, 2009 A). Art. 253. Distribuir-se-ão por dependência as causas de qualquer natureza: I - quando se relacionarem, por conexão ou continência, com outra já ajuizada; (BRASIL, 2009 D). 48 Art. 280. No procedimento sumário não são admissíveis a ação declaratória incidental e a intervenção de terceiros, salvo a assistência, o recurso de terceiro prejudicado e a intervenção fundada em contrato de seguro (BRASIL, 2009 E). 49 Aqui, é necessário fazer observação compreendida até este momento. É notável que a violação de direitos, notadamente a da duração razoável do processo, parece atingir de forma inexorável e com maior intensidade as partes hipossuficientes. Isto é, usualmente percebe-se que quando se tratam de direitos de grupos, minorias, notadamente a parte economicamente mais fraca, a intempestividade da tutela jurisdicional toma sua forma mais devastadora. Esta compreensão é tida através da jurisprudência já estudada no capítulo anterior, bem como da análise de algumas legislações citadas. Neste último caso, o próprio legislador entendeu a sistemática do Judiciário: quando se tratam de interesses das partes hipossuficientes, ou há legislação específica protegendo-os dos abusos cometidos, ou incorre-se no sério risco de que o princípio constitucional não terá eficácia nestes casos. A realidade demonstra que, como quase em todas as situações, o poderio econômico oferece vários privilégios. Nesse sentido, percebe-se que, normalmente, nos casos em que as partes envolvidas sejam ambas economicamente fortes, tais como os que envolvem empresas, grandes corporações, as prestação jurisdicional é mais ágil. Ao contrário, a demora na tramitação dos processos é percebida quando, dentre os participantes, exista aquele economicamente mais fraco, e principalmente, quando se trata de solução de interesse primordialmente seu. Impressionantemente, não basta que a razoável duração do processo seja reconhecida como direito humano e fundamental, prevista na Carta Superior. Infelizmente percebe-se que, para ter sua eficácia, é necessário que o legislador tome posição, e preveja o princípio da razoável duração do processo claramente a determinados grupos. 50 Art. 71. É assegurada prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, em qualquer instância (BRASIL, 2009 F). 47 62 Entretanto, referida emenda foi além da positivação do princípio da razoável duração do processo de forma expressa como garantia fundamental. Annoni cita algumas modificações pela Emenda, sendo válido transcrevê-las: a) instituiu a continuidade jurisdicional, proibindo as férias coletivas em todas as Justiças (CF/88, art. 93, XII); b) exigiu a distribuição imediata dos processos, sinalizando em prol da informatização do acesso e do Judiciário (CF/88, arts. 93, XV, e 129, § 5º); c) permitiu delegar aos servidores a prática de atos administrativos, de mero expediente e sem caráter decisório (CF/88, art. 93, XIV); [...]; e) permitiu ao Supremo Tribunal Federal editar súmulas vinculantes, ou conferir efeito vinculante à súmulas já editas (CF/88, art. 103-A e EC 45/04, art. 8º); [...] (2006, p. 276-277). A autora também menciona além da positivação do princípio da razoável duração do processo no rol dos direitos fundamentais, o dispositivo que determina que “[...] o número de juízes deve ser proporcional à demanda e à população (CF/88, art. 93, XIII51)” (2006, p. 277). Portanto, algumas alterações trazidas pela EC n. 45/04 tiveram por escopo, senão a solução, ao menos, diminuir os casos de morosidade na justiça brasileira. Em momento anterior citou-se o fato de que a duração razoável do processo não é conceito de fácil definição. Com efeito, é necessário reconhecer que em que pese o legislador ter colocado o princípio como direito fundamental de todo cidadão, o fato é que ainda há um impasse a ser solucionado. Que prazo seria esse? Como analisar se a duração de determinado processo esteve dentro dos parâmetros da razoabilidade ou não? Atualmente não possui o país ainda nenhuma legislação que tenha dado efeitos concretos ao princípio constitucional, estabelecendo prazos definidos para cada tipo de procedimento, cabendo somente ao juiz analisar, caso a caso, segundo seu arbítrio, se entende que houve excesso no tempo de execução de atos, diligências judiciais, ou mesmo que as próprias partes tenham agido de forma a retardar o feito. Em vista a esta omissão, faz-se imprescindível mencionar um projeto de lei proposto pelo Conselho de Defesa Social de Estrela do Sul. Todas as referências a seguir fazem parte do Projeto de Lei de Sugestão n. 57, 200752. Referido projeto foi apresentado na data de dezoito de setembro de 2007, tendo como objetivo a regulamentação do art. 5º, LXXVIII da CF/88, que prevê a toda pessoa, no Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:[...] XIII o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população; (BRASIL, 2009 A). 52 Autor: Conselho de Defesa Social de Estrela do Sul – CONDESESUL. Ementa: Sugere Projeto de Lei para estabelecer prazo razoável para os julgamentos previstos na Constituição Federal (art. 5º, LXXVIII). Data de apresentação: 18/09/2007 51 63 plano administrativo e judicial, a razoável duração do processo e os instrumentos que assegurem a rapidez de sua tramitação. Segundo art. 2º da Lei proposta, os processos de cunho administrativo deverão ser julgados em até seis meses, sendo este tempo prorrogável uma única vez, de forma fundamentada, excetuados os casos previstos em lei específica, cujo prazo atribuam de forma diversa. O parágrafo primeiro de referido dispositivo prevê o prazo de três meses para o julgamento dos respectivos recursos, prorrogável por igual período, uma única vez. Já no parágrafo segundo, encontra-se consignado que, no caso de desrespeito destes prazos, provada que a culpa não se deu por parte do cidadão, o procedimento deverá ser cancelado, com decisão proferida em favor deste, podendo, inclusive, ser apurada responsabilidade dos funcionários envolvidos. No art. 3º, por sua vez, restou fixado o tempo de um ano para conclusão do processo penal ou de sua instrução, no caso de réu solto, reduzindo este prazo para seis meses, se o réu estiver preso. O tempo previsto no caput diminui pela metade no caso de julgamento dos recursos, em segundo grau, conforme preconiza o parágrafo único do dispositivo. O art. 4º cuidou dos prazos referentes ao julgamento dos processos judiciais na área cível, trabalhista e administrativa, estabelecendo o máximo de até dois anos para conclusão dos mesmos, e em até um ano para as decisões em sede de recurso, em segundo grau (parágrafo único). Por sua vez o processo eleitoral, seja ele administrativo ou judicial, deverá ser concluído ou sua instrução, em até um ano, conforme do art. 5º. Os respectivos recursos em 2º grau deverão ser decididos em tempo não superior à metade do tempo instituído no caput de referido artigo. O art. 6º cuidou de estabelecer a possibilidade de prorrogação dos prazos previstos nos arts. 3º, 4º e 5º uma única vez, de forma justificada. No caso de violação destes limites, caberá ao Juiz comunicar a Corregedoria, transmitindo as devidas motivações para tanto (parágrafo primeiro). O parágrafo segundo do artigo estabelece que de forma mensal os Juízes deverão informar à Corregedoria os processos em que ocorreu o escoamento dos prazos previstos na lei, a fim de que se possam tomar as medidas necessárias. Possuem prerrogativa as partes de informarem à Corregedoria local ou ao CNJ os casos em que são ultrapassados os prazos (parágrafo quarto). 64 Excedidos os prazos, não sendo o processo julgado em até um ano, deverá ser posto como prioridade de julgamento, dando-se ciência ao CNJ para caso de “[...] eventual correição extraordinária ou auditoria no órgão judicial” (parágrafo terceiro). O art. 7º do projeto prevê exceção ao tempo fixado nos artigos anteriores, isto é, motivos justificados como desinteresse das partes litigantes ou ocorrência de evento previsto em lei. O projeto ainda determinou prioridade às causas que tiverem como objeto os direitos sociais e fundamentais, com relação àquelas de cunho eminentemente patrimonial (art. 8º). O art. 9º, por fim, dispõe que nos casos de descumprimento dos prazos fixados, as partes poderão, nos casos em que assim o forem permitidos, escolherem pela via da arbitragem, a ser arcada pelo Estado, e independentemente de assim o optarem, poderão solicitar ao Tribunal que o Juiz Substituto decida o feito (parágrafo único). A justificativa apresentada pelo autor da sugestão é que o problema no Judiciário brasileiro não é a quantidade de processos, mas sim a sua não movimentação. Para o CONDESESUL é necessário estabelecer um parâmetro para o termo “razoável”, “[...] sob pena de tornar a norma sem eficácia alguma e com efeitos poéticos”. Entende, ainda, que a regulamentação concernente aos processos administrativos se faz necessária, já que muitas vezes os feitos judiciais advêm da ausência de solução no âmbito administrativo. Em seu voto, de 03/12/05, o Relator Deputado Silvio Lopes lembrou que, em que pese o inc. LXXVIII, do art. 5º da CF/88, de natureza programática, prever a adoção de meios para garantir a conclusão do processo em tempo razoável, não se podem fixar prazos para o encerramento dos mesmos, mormente pelas diversas características que os circundam, distinguindo-os entre si, mesmo porque a expressão “razoável” busca a agilidade do feito, segundo suas palavras, “[...] dentro do possível [...]”. O Deputado citou, ainda, que muitos mecanismos já foram desenvolvidos para atender ao princípio constitucional, tais como súmulas vinculantes, criação dos juizados especiais, bem assim a prioridade estabelecida no Estatuto do Idoso, razão pela qual, a fixação de prazos sugerida pelo Projeto Lei, foi considerada “[...] inoportuna [...]”. A Comissão de Legislação Participativa, em 05/12/2007 rejeitou a Sugestão n. 57/2007, seguindo o voto do Deputado. Inserir aqui a última tramitação do projeto. Finalmente, pode-se citar, ainda, as atuais modificações realizadas pelas Leis nº 11.689/08 e 11.719/08, ambas na esfera penal. A primeira de 09 de junho de 2008, que altera arts. do Código de Processo Penal (CPP), relativamente ao procedimento do Tribunal de Júri, 65 e a segunda de 20 de junho de 2008, que modifica, dentre outros, dispositivos relativos aos procedimentos penais. Referidas leis buscaram trazer diretrizes para o princípio do prazo razoável nesta esfera. A Lei n. 11.689/08 deu nova redação ao art. 41253 do CPP, dispondo que a primeira fase do rito de Tribunal de Júri (até o momento da pronúncia) deverá ser realizada em até noventa dias. Por sua vez, a Lei n. 11.719/08 acrescentou nova redação ao art. 40054, concernente ao procedimento comum, fixando prazo máximo de sessenta dias para conclusão da instrução e julgamento. Segundo Auri Lopes Jr., o prazo deve ser contado “[...] da data do recebimento da denúncia ou queixa” (2008, p. 151). Já com relação ao procedimento sumário, a legislação fixou um prazo de trinta dias para a conclusão da instrução, conforme se denota do art. 53155 do CPP, com redação nova dada por referida lei. Percebe-se, ainda, em todos os casos o legislador cuidou de expressar sua vontade no sentido de que, a fim de evitar protelações, determinou que a produção de provas deverá ocorrer em audiência única, ficando incumbido o juiz de dispensar aquelas que entender “[...] irrelevantes, impertinentes ou protelatórias [...]” (BRASIL, 2009 G) 56 . Outra manifestação deste anseio é demonstrada no dispositivo 411, §7º (objeto da Lei. 11.689/08), cuja redação semelhante foi atribuída ao art. 535 (referente à Lei n. 11.719/08), de que “Nenhum ato será adiado, salvo quando imprescindível à prova faltante, determinando o juiz a condução coercitiva de quem deva comparecer” (BRASIL, 2009 G). Assim, percebe-se que vários foram os esforços para dar cumprimento ao estabelecido na norma constitucional, ou mesmo antes, ao princípio previsto em tratado internacional a cujas normas se obrigou o país. Torna-se claro que a questão do tempo dentro do processo tem sido uma das grandes preocupações do legislador brasileiro, isto se pode concluir por meio de uma breve análise das leis editadas ao longo desses últimos anos, em que, de uma maneira ou de outra, Art. 412. O procedimento será concluído no prazo máximo de 90 (noventa) dias (BRASIL, 2009 G). Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado (BRASIL, 2009 H). 55 Art.531. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 30 (trinta) dias, procederse-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se, finalmente, ao debate (BRASIL, 2009 H). 56 Art. 411. […]§ 2o As provas serão produzidas em uma só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias (BRASIL, 2009 G). Idêntica redação foi conferida ao art. 400, §1º, assim como faz menção o art. 533 a este último dispositivo. 53 54 66 buscou-se criar e acrescentar dispositivos nos diplomas com o objetivo de cumprir o princípio da razoável duração do processo, ou seja, que a prestação jurisdicional seja ofertada de forma tempestiva. Segundo o Relatório Anual do CNJ, em quinze de dezembro de 2005, as principais autoridades dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário assinaram o “[...] Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano [...]” (CNJ, 2009 A, p. 7). O documento afirma que poucos problemas nacionais possuem tanto consenso no tocante aos diagnósticos quanto a questão judiciária: a morosidade dos processos judiciais e a baixa eficácia de suas decisões retardam o desenvolvimento nacional, desestimulam investimentos, propiciam inadimplência, geram impunidade e comprometem a credibilidade da democracia (CNJ, 2009 A, p. 7). Segundo o Relatório, a Reforma Judiciária, conforme ficou conhecida a EC 45/04, atribuiu ao CNJ o encargo de fiscalizar o Judiciário em suas atividades administrativas e financeiras (CNJ, 2009 A, p. 7-8)57. Neste sentido, a CF/88 concedeu ao CNJ o encargo de, anualmente, criar um relatório, a ser enviado ao Congresso Nacional, em que dentre outras descrições, deverá discorrer sobre a “[...] situação do Poder Judiciário [...]”, possuindo competência para aconselhar medidas a serem tomadas sobre o assunto (2009 A, p. 7). O relatório é dividido em três momentos. No primeiro, encontra-se a exposição da ordenação do CNJ, com a descrição de seus trabalhos internos. Já na segunda parte, o relatório dispõe como aprimorar a: “[...] prestação jurisdicional [...]” dentro do Judiciário, “[...] enfocando aspectos referentes à transparência, agilização, aproximação com a sociedade civil, modernização e reorganização administrativa”. Cumprindo com este objetivo, o CNJ elabora “[...] relatório estatístico [...]”, cujo conteúdo refere-se a valores decorrentes de receitas arrecadadas, bem assim os gastos, a quantidade de magistrados e funcionários que laboram neste campo, o volume de trabalho, dentre outros. Em um terceiro segmento do instrumento, o CNJ aconselha medidas que considera importante para melhoria das atividades no âmbito do Judiciário (CNJ, 2009 A, p. 8). Com as recomendações feitas no Relatório, o CNJ atribui, entre tantos outros objetivos, o de reduzir a lentidão do Poder Judiciário (2009 A, p. 8). No Relatório Anual de 2006 o CNJ consignou que as Corregedorias de Justiça foram aconselhadas a realizarem um estudo do tempo médio de tramitação dos processos nas diversas Unidades Jurisdicionais, “[...] levando em conta as especificidades de cada caso, Art. 103-B. [...]§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: [...] (BRASIL, 2009 A). 57 67 como competência, localização, número de magistrados e de servidores em atuação, número de computadores disponíveis, entre outras” (CNJ, 2009 B, p. 64). Outro estudo realizado pelo CNJ denomina-se “Justiça em Números”. Segundo a pesquisa, realizada da última vez em 200758, o seu objetivo foi aumentar o “[...] processo de conhecimento do Poder Judiciário, demonstrando não apenas por meio de dados estatísticos, mas principalmente mediante indicadores capazes de retratarem o desempenho dos tribunais” (CNJ, 2009 C, p. 4). Os materiais colhidos na pesquisa possuem o condão de reunir dados para traçar linhas para a administração dos diversos ramos do Poder Judiciário, além de mecanismos para favorecer na agilidade dos processos, compreendendo quais situações possuem maior grau de litigiosidade, solucionando os processos de forma mais célere (CNJ, 2009 C, p. 5). Os indicadores permitem que seja traçado um perfil da Justiça como um todo, e, por sua ampla abrangência de informações, permite a construção de métricas que avaliam os tribunais não somente no quesito litigiosidade, mas também nas matérias financeira e de acesso à justiça, além de relacionar esses dados com o perfil de cada região jurisdicional, como base nas informações sobre sua população e economia (CNJ, 2009, p. 6 C). As conclusões dessa pesquisa são fruto de um conjunto de dados disponibilizados pelos Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais do Trabalho e pelos respectivos Tribunais Superiores, respondendo eles, portanto, pelas informações prestadas, estando, inclusive, sujeitos, obrigatoriamente, ao seu fornecimento (CNJ, 2009 C, p. 7). Outra pesquisa feita pelo CNJ é o “Sistema de Justiça Aberta”, cujo início de reunião de dados se deu em março de 2008, a qual visou obter informações sobre a “[...] litigiosidade (processos no acervo, processos distribuídos, sentenças, etc.) e quantitativo pessoal (funcionários concursados, terceirizados, requisitados e outros)” (CNJ, 2009 C, p. 910). Entretanto, percebe-se que a pesquisa “Justiça em Números” possui maior abrangência do que o “Sistema de Justiça Aberta”. Isto porque a primeira, além da coleta dos dados referidos com relação à segunda pesquisa, também busca reunir informações sobre receitas, gastos, arrecadação, atendimentos à população, serviço de assistência judiciária, compreendendo a Justiça Estadual, Federal e Trabalhista. O “Sistema de Justiça Aberta”, por 58 A primeira versão dessa pesquisa é de 2003. 68 sua vez, resume seus estudos à Justiça Estadual em 1º grau, embora se aspire à inclusão das demais áreas (CNJ, 2009 C, p. 10). Segundo Relatório Anual de 2008, na gestão do Ministro Cesar Asfor Rocha, número superior a 50% dos processos julgados referiam-se a casos de representação por excesso de prazo (CNJ, 2009 D, p. 11). Houve assim a concordância de que a morosidade do Judiciário é um problema reconhecido por todos e, a partir disso, incumbiu-se o CNJ de realizar estudos, através de indicadores que demonstrem as atividades da justiça brasileira. Entretanto, é salutar frisar que em referidos relatórios não constam pesquisas específicas com relação ao tempo médio de duração dos processos, sendo, ainda, carente de conclusões sobre este assunto especificamente. Não retirando a importância das diversas pesquisas que vêm sendo realizadas para dar maior transparência às atividades do Poder Judiciário, resta evidente que a formulação de indicadores concretos sobre o tempo de duração dos feitos daria maior eficácia às recomendações feitas pelo CNJ, já que números neste caso tornam o problema visível e com contornos mais exatos, o que poderia impulsionar medidas mais eficazes na busca da solução do problema. Conclui-se, portanto, que o problema do acesso à justiça no Brasil e, notadamente, a questão da extrema morosidade do Poder Judiciário já foram evidenciadas pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Mas, mesmo assim, ainda não há uma base de dados disponíveis no país que dê contornos exatos ao problema e nem há parâmetros legais suficientes para concretizar o direito ao prazo razoável de duração dos processos. 69 5 CONCLUSÃO Como se pôde observar não se pode falar em acesso à justiça sem antes chegar ao princípio da duração razoável do processo. Observa-se que este é um dos pilares básicos daquele, e ambos são reconhecidos como direitos humanos, na medida em que há demora na prestação da justiça, estar-se-á violando inexoravelmente aquele primeiro. Não se pode falar em uma prestação jurisdicional efetiva, sem que a mesma seja feita dentro de um prazo razoável. Nos últimos anos várias foram as denúncias de casos perante à CIDH em que se atribuiu aos Governos a violação do princípio da razoável duração do processo. Enquanto direito humano, a razoável duração do processo é passível de proteção pelo Estado, o que significa dizer que violando ele referida garantia processual, está sujeito a medidas reparatórias. No caso Maria da Penha, submetido à CIDH em 1998, aferiu-se ao Governo Brasileiro negligência no sentido de punir de maneira efetiva o agressor da vítima, Sr. Marco Heredia Viveiros, em ação penal aforada pelo Ministério Público do Ceará. Isto porque a demora para se proferir uma sentença definitiva neste caso levou mais de quinze anos, o que, segundo a conclusão da CIDH, extrapolou os limites do razoável. Por estas razões, recomendou-se ao Brasil medidas reparatórias à pessoa da vítima, o que, gradativamente, foi sendo acolhido pelo Governo. Diversos foram os esforços dos poderes para que o princípio da razoável duração do processo se concretizasse. Leis foram editadas e dispositivos de legislações já vigentes foram modificados para fazer valer a garantia processual. Pesquisas foram encomendadas para uma melhor visualização da situação do país neste sentido. O CNJ, inclusive, ganhou atribuição específica no sentido de demonstrar, através de números, a efetividade da justiça, o seu grau de produtividade. Contudo, como se pôde perceber, atualmente não há qualquer legislação que especifique prazos para os variados ritos processuais. Além disso, não há ainda estudos que demonstrem a média de duração dos processos, em suas variadas características. A partir do estudo aqui desenvolvido abrem-se portas para outros tantos, mormente pela amplitude de abstração do princípio em si, o que significa dizer que ganha um significado distinto em cada caso. 70 A situação de Maria da Penha demonstrou o que não seria o razoável. E mais, o Governo não ficaria impune por sua inércia e omissão em punir o agressor da vítima. Ainda que a regra esteja carregada de abstração, não se pode falar em ineficácia, e isto se comprovou pelo estudo ora proposto. 71 REFERÊNCIAS ABATE, Alessandra. Maria da Penha: a lei ao lado da mulher. Globo. 7 março 2008 <http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2008/03/07/maria_da_penha_lei_ao_lado_da_mulher426131149.asp> Acesso em 18 abril 2009. AGENDE. Sobrevivi...o relato do caso Maria da Penha. Disponível em <http://www.agende.org.br/docs/File/convencoes/belem/docs/Caso%20maria%20da%20penh a.pdf> Acesso em 18 abril 2009. ANNONI, Danielle. Direitos Humanos & Acesso à Justiça ao Direito Internacional: responsabilidade internacional do Estado. Curitiba: Juruá, 2003. ______ O direito humano de acesso à justiça em um prazo razoável. 2006. 326 f. Tese (Doutorado em Direito). Área de concentração: Direito, Estado e Sociedade- Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. ARAÚJO, José Henrique Mouta. 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