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Caros amigos,
Pode-se cogitar sustentabilidade planetária sem segurança alimentar? Até
quando os bem aquinhoados continuarão a ignorar o atual contingente de 1.020 bilhão de famintos e desnutridos? O que fazer para
acabar com os milhões de toneladas de alimentos perdidos e/ou desperdiçados todos os anos – tanto nos países ricos quanto nos em
desenvolvimento e nos pobres? Poderá o engenho humano suplantar
o desafio de produzir mais 70% de alimentos para o sustento dos 9,1
bilhões de habitantes do planeta em 2050? O mosaico de artigos
desta edição analisa a questão segurança alimentar e oferece subsídios
para a tomada de posição sobre tema tão atual e vital.
A atual crise alimentar não teria razão de ser se todos pudessem comprar
sua ração diária de sustento calórico. Afinal, a atividade agrícola
mundial produz alimentos (cereais, frutas, legumes, verduras, carne,
peixe, laticínios) em volume mais do que suficiente para o total de
bocas a alimentar. Por que, então, tantos famintos e subnutridos?
Fome e subnutrição são crias do atual modelo de desenvolvimento
via especulação financeira, eventos climáticos extremos (efeitos do aquecimento global), redução dos estoques de cereais destinados ao consumo humano, perdas e desperdícios de alimento desde os sítios de produção aos de consumo,
expansão dos agrocombustíveis que competem com a agricultura de alimentos e
aumento do custo dos derivados de petróleo. Terá a governança global pulso
e disposição para exorcizar esses “mensageiros do apocalipse”?
E o que dizer do atual apetite mundial pela carne bovina, cujo consumo crescente responde pela derrubada de florestas para criação
de pastagens, pelo aumento das emissões de gases de efeito estufa
(dióxido de carbono e metano) e pelo desastroso desvio de cereais
da mesa humana para a ração animal?
Segurança alimentar só existe quando todos têm acesso físico e econômico a alimento nutritivo e em quantidade suficiente para suprir
as exigências dietéticas diárias, satisfazer as preferências alimentares e garantir uma existência ativa e saudável. Embora esse objetivo seja exequível, o futuro da segurança alimentar, como apontam
os autores selecionados nesta edição, corre no fio da incerteza. Confira como os atuais desvios de rota podem ser equacionados através
do consenso político global. E faça a sua parte.
Helio Carneiro
Editor
A revista Cidadania & Meio Ambiente
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Mariana Simões
Revisão [email protected]
Colaboraram nesta edição
Débora Carvalho
Ed Miliband
Eric Aplyn
Jacques Diouf
José Eli da Veiga
Márcia Pimenta
Paul Singer
UNEP
Verónica Calderón
Visite o portal EcoDebate
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Uma ferramenta de incentivo ao
conhecimento e à reflexão através de
notícias, informações, artigos de opinião
e artigos técnicos, sempre discutindo
cidadania e meio ambiente,
de forma transversal e analítica.
A Revista Cidadania & Meio Ambiente não
se responsabiliza pelos conceitos e opiniões
emitidos em matérias e artigos assinados.
Editada e impressa no Brasil.
Nº 23 – 2009 - ANO IV
Capa: Refugiado eritreu no campo sudanês de Khashm el Girba
Foto: Daveblume
6
A crise alimentar ambiental
A crise de alimentos de 1998 fez disparar o preço de algumas commodities em 50 a 200%,
projetando 110 milhões de indivíduos na pobreza e aumentando em 44 milhões o contingente
de desnutridos. Conheça as causas e as soluções para este problema global. Por UNEP
12
Alimentos para o futuro
14
O Brasil e o desperdício de alimentos
20
Assim no mar como na Terra
23
O limite ecológico do mundo: onde vamos parar?
28
Transgênicos: poluição genética
30
Já somos demais?
32
Copenhage: o ponto de virada pra o clima
34
Os vetores da descarbonização
Se não forem tomadas as decisões políticas e estratégicas capazes de assegurar a todos os
habitantes do planeta alimento suficiente hoje e amanhã, nos arriscamos a ter a dispensa mundial
perigosamente vazia no futuro imediato e crise humanitária sem precedente. Por Jacques Diouf
Gigante do agronegócio e grande exportador de grãos, nosso país ocupa o décimo lugar
entre as nações que precisam equacionar um problema básico de segurança alimentar: o
desperdício de alimentos ao longo das cadeias produtiva e consumidora. Por Débora Carvalho
A sobrepesca, a pesca acidental, a poluição das águas costeiras e oceânicas, as mudanças
climáticas e a fragilidade das regulamentações internacionais para o setor pesqueiro anunciam o
colapso da vida marinha e ameaçam a sobrevivência de milhões de indivíduos. Por Márcia Pimenta
A sustentabilidade planetária depende da resolução das crises energética e alimentar: menos
transporte devorador de energias fósseis, menos consumo de carne bovina, melhor distribuição
dos alimentos e adeus ao esbanjamento consumista dos recursos terrestres. Por Paul Singer
As consequências imprevisíveis da dispersão de organismos vegetais geneticamente modificadas
(OGM) na natureza, na saúde humana, na economia e nos serviços dos ecossistemas já se
manifestam em todo o mundo. Confira o pesadelo que apenas engatinha. Por Eric Aplyn
O mundo terá 7 bilhões de habitantes em 2012, e 9,1 bilhão em 2050. Haverá espaço
suficiente e recursos para garantir sobrevivência e bem-estar à toda humanidade no atual
modelo econômico gerador das crises climática, alimentar e energética. Por Verónica Calderón
Para o ministro de Energia e Mudanças Climáticas do Reino Unido, a COP 15 não é
apenas mais uma negociação internacional. É o momento de se fazer a escolha que garanta
às próximas gerações uma Terra capaz de se regenerar e se sustentar. Por Ed Miliband
Vital para a mitigação das mudanças e das catástrofes climáticas, o rumo da descarbonização
global será decidido pelas vias que forem abertas para os países do Segundo Mundo não
ficarem na dependência de perversas transferências de tecnologia. Por José Eli da Veiga
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Refugiados ambientais de Darfur - Hdptcar
SEGURANÇAALIMENTAR
A crise alimentar ambiental
por UNEP
O
aumento dos preços dos alimentos nos últimos anos, após um
século de preços baixos, foi o mais marcante do último século
em sua magnitude, duração e na quantidade de commodities
cujos preços encareceram. A crise conseqüente fez subir o custo de algumas commodities em 50 a 200%, jogando110 milhões de indivíduos na
pobreza e aumentando em 44 milhões o contingente de desnutridos.
O aumento no preço dos alimentos resultou em impactos dramáticos no
cotidiano, com a escalada dos índices de mortalidade infantil, de subnutridos e dos que vivem na pobreza e gastam de 70 a 80% da renda diária em
comida. As principais causas da atual crise alimentar são os efeitos combinados da especulação nos estoques de alimentos, dos eventos climáticos extremos, do baixo estoque de cereais, do aumento da cultura de agrocombustíveis que compete com a agricultura alimentar e os altos preços do petróleo.
Embora os preços tenham sensivelmente baixado desde o pico de julho de
2008, ainda são, para muitas commodities vitais, mais elevados do que os
praticados em 2004. E as tensões sobre oferta e demanda pouco mudaram
nos últimos meses desde que os preços atingiram o clímax.
6
A falta de investimentos no desenvolvimento do setor agrícola teve papel crucial
neste nivelamento da produtividade. É incerto que os aumentos de produtividade
possam ser alcançados para manter o ritmo crescente na demanda por alimentos.
Além disso, as atuais projeções do imprescindível aumento de 50% na produção de
alimentos para sustentar a demanda até
2050 não levaram em conta as perdas de
produtividade e de solo resultantes da degradação ambiental.
O meio ambiente natural é a base da produção alimentar através da água, dos nutrientes, dos solos, do clima, das condições atmosféricas e dos insetos polinizadores e
controladores de pragas. A degradação do
solo, a expansão urbana e a conversão das
culturas alimentares e das terras agrícolas
em culturas não alimentares – caso da agricultura de biocombustíveis – podem reduzir as áreas produtoras de alimento em 8 a
20% por volta de 2050, caso não ocorram
outros meios de compensação. Além disso,
as mudanças climáticas começarão a se manifestar de forma crescente em 2050, podendo levar ao derretimento de vastas porções
das geleiras do Himalaia, à alteração dos padrões das monções, e provocando mais
inundações e secas sazonais nas terras agrícolas irrigadas da Ásia, que respondem por
25% da produção mundial de cereais.
Os efeitos combinados das mudanças climáticas, degradação do solo, perdas de colheita, escassez de água e infestações por
pragas podem levar a produtividade projeta-
Publick16
A demanda por alimento continuará a aumentar até 2050 como resultado do crescimento demográfico, que incorporará mais
2,7 bilhões de indivíduos, e do maior consumo de carne. A produção de alimentos em
escala mundial também aumentou substancialmente no último século como resultado
dos crescentes aumentos de produtividade
devido à irrigação,ao uso de fertilizantes e
também pela expansão das terras agrícolas, embora se tenha dado pouca atenção à
eficiência energética alimentar. No entanto, na última década, a produtividade dos
cereais quase se estabilizou, declinando no
setor pesqueiro. Para manter em 2050 a atual
proporção dietética de pescado, a produção do setor aquacultura exigirá um aumento da ordem de 56%, além de novas alternativas para garantir que os estoques naturais
de peixe possam alimentar a aquacultura.
crise aumentou
“oApreço
de algumas
commodities em
50 a 200%,
projetando 110
milhões
de indivíduos
na pobreza
e aumentando em
44 milhões
o contingente
de desnutridos.
”
da para a demanda de 2050 ser mais baixa em
5 a 25%. Os preços do petróleo majorados
podem elevar o custo dos fertilizantes e diminuir a produtividade mais adiante. Caso as
perdas de produtividade e de área agrícola
sejam apenas parcialmente compensadas, a
produção de alimentos poderá se tornar até
25% menor do que a demanda em 2050. O
que exigirá novas estratégias para se aumentar o aprovisionamento de alimentos.
Em consequência, poderão ocorrer duas
reações principais. A primeira: o aumento
de custo dos alimentos resultará em subnutridos e mal-nutridos adicionais e, também, em investimentos mais altos no setor
agrícola para compensar (em parte) as reduções de produtividade. A outra reação
pode ser uma adicional expansão agrícola
às custas de novas terras e da biodiversidade. A compensação convencional por
simples expansão das terras agricultáveis
em áreas de baixa produtividade alimentadas por chuva resultaria em perda acelerada de floresta, estepe e outros ecossistemas naturais, com os subseqüentes custos para a biodiversidade, perda adicional
dos serviços de ecossistema e mudanças
climáticas aceleradas. Mais de 80% de todas as aves e mamíferos em risco de extinção são ameaçados pelo uso insustentável do solo e pela expansão agrícola. A intensificação agrícola na Europa é a principal causa do declínio de quase 50% de aves
nas terras cultivadas da região nas últimas
três décadas.
Levando em conta esses efeitos, calcula-se
que o preço mundial dos alimentos ficará de
30 a 50% mais alto nas próximas décadas, e
com maior volatilidade. Não se pode precisar até que ponto os agricultores dos países em desenvolvimento reagirão aos efeitos dos preços, às mudanças em produtividade e à disponibilidade de terra cultivável.
Boa parte dos pequenos agricultores mundiais, particularmente na Ásia central e na
África, sofre as consequências da falta de
acesso a mercados e do alto custo de insumos como fertilizantes e sementes. A carência de infra-estrutura, de investimentos, de
instituições confiáveis (por exemplo, para
fornecimento de água) e a parca disponibilidade de financiamento ao pequeno produtor tornariam mais difícil o aumento da produção de alimentos nessas regiões mais necessitadas. Além disso, o comércio e a urbanização afetam as preferências do consumidor nos países em desenvolvimento. A rápida diversificação da dieta urbana não pode
ser acompanhada pela cadeia produtiva alimentar tradicional no interior de muitos países em desenvolvimento. Em consequência, pode ficar mais fácil e menos oneroso
importar alimentos para satisfazer a demanda por alimento diversificado do que
comprá-lo em fornecedores domésticos.
A crescente diferenciação regional em produção e demanda conduzirá muitos países
a uma maior dependência da importação. Ao
mesmo tempo, as mudanças climáticas poderiam aumentar a variabilidade na produção anual, levando futuramente a uma maior
volatilidade de preço e ao subseqüente risco especulativo. Sem a intervenção da instância política, os efeitos combinados da
redução de produção, maior volatilidade de
preços e alta vulnerabilidade às mudanças
climáticas, particularmente na África, poderiam resultar em aumento significativo do
Cidadania&MeioAmbiente
7
Não obstante, ao invés de focar somente no
aumento da produção, a segurança alimentar
pode ser ampliada pelo aumento da oferta,
via otimização da eficiência energética alimentar. Eficiência energética alimentar vem a
ser a habilidade em minimizar a perda energética na cadeia alimentar – da colheita e processamento ao consumo e reciclagem. Ao
otimizar essa cadeia, a oferta de alimentos
pode ser ampliada com menor dano ao meio
ambiente, fato semelhante ao que ocorre no
setor de geração de energia.
Isso pode ser conseguido, em primeira instância, com o desenvolvimento de alternativas para o cereal utilizado em ração animal –
via reciclagem das sobras e dos descartes
da indústria pesqueira. Esse cereal poupado poderia sustentar a demanda energética
do crescimento populacional projetado em
mais de 3 bilhões de indivíduos, e gerar um
acréscimo de 50% na aquacultura. Em segunda instância, a mitigação das mudanças
climáticas reduziria seus impactos, particularmente nos recursos de água do Himalaia
depois de 2050. Além disso, uma significativa guinada para a produção mais ecológica,
com reversão da degradação do solo, ajudaria a limitar a expansão de espécies invasoras, a conservar a biodiversidade e os
serviços de ecossistema, e a proteger a plataforma produtiva alimentar do planeta.
AUMENTAR
A OFERTA DE ALIMENTO
PELA REDUÇÃO DO DESPERDÍCIO
Seria aconselhável investigar os processos
de produção, de distribuição e os padrões
de consumo para determinar a eficiência
energética alimentar e a oferta potencial de
alimento, e não simplesmente aumentar a
produção alimentícia sem maior critério. Em
muitos países, os esforços para produzir alimento da mais alta qualidade para a
comercialização frequentemente resultam
inúteis simplesmente porque o alimento é
jogado fora. Essa realidade atinge 30 a 40%
dos alimentos produzidos, industrializados,
transportados, comercializados e levados
para casa pelos consumidores do Reino
Unido e dos EUA (Vidal, 2005). O atendimento da futura demanda global por alimento deve potencializar a eficientização das
atuais áreas de produção e de processos,
converter o alimento desperdiçado em ração animal e restaurar os ecossistemas que
sustentam a geração de nosso alimento.
8
MUDANÇAS HISTÓRICAS E PROJETADAS
NA COMPOSIÇÃO DA DIETA HUMANA E NO VALOR NUTRICIONAL
O PAPEL DA MUDANÇA NA DIETA
A produção global de cereais (inclusive trigo, arroz e milho) desempenha
papel crucial no aprovisionamento
mundial de alimentos, respondendo
por aproximadamente 50% do consumo calórico humano. Qualquer alteração na produção ou na utilização de cereais para o consumo não
humano terá efeito imediato no consumo calórico de grande parcela da
população mundial.
Como quase metade da produção
cerealífera mundial é destinada à ração animal, o proporcional de carne
na dieta humana influencia de modo
preponderante a demanda global por
alimentos (Keyzer et al., 2005). Como
as projeções indicam um aumento no
consumo de carne de 37,4 kg/pessoa/ano (em 2000) para mais de 52
kg/pessoa/ano, em 2050, (FAO,
2006), a demanda de cereais para a
produção mais intensiva de carne
pode substancialmente aumentar em
mais de 50% do total da produção
cerealífera (Keyzer et al., 2005).
(Fonte: FAO, 2008; FAOSTAT, 2009).
PERDAS DE ALIMENTOS
para diferentes commodities
Nos países em desenvolvimento, as perdas de alimento no campo (entre o plantio
e a colheita) podem alcançar 20–40% da colheita potencial em consequência das
pragas e doenças (Kader, 2005). As perdas pós-colheita variam grandemente dependendo das commodities , das regiões de produção e das estações do ano. Nos
EUA, as perdas com frutas frescas e legumes são estimadas entre 2% a 23%, segundo a commodity, com uma média geral de perda de 12% entre os pontos de
produção e de consumo.
Fonte: Kantor et al., 1999
contingente de indivíduos desnutridos –
para além dos atuais 963 milhões.
O desperdício de alimento não se resume
apenas ao uso ineficiente dos serviços de
ecossistema e dos recursos em combustíveis fósseis usados em sua produção, mas
igualmente contribui significativamente
para o efeito estufa ao chegar aos aterros
sanitários. Nos Estados Unidos, o desperdício orgânico é o segundo maior componente dos aterros sanitários – as maiores
fontes de emissões de metano. No Reino
Unido, os processos digestivos dos animais e seus excrementos liberam perto de
40% do total das emissões de metano
(Bloom, 2007). Por isso, a contribuição da
agricultura para a mudança climática deve
ser considerada na questão do aumento
da produção alimentícia global.
Deve-se encorajar a mudança na percepção
do desperdício de algo que precisa ser descartado para o de commodity com valor energético renovável para o setor agrícola e para
a indústria alimentícia. Os governos podem
prover sustentação e implementação à política ambiental através do despertar da
conscientização, da inovação e da transferência tecnológica, da integração com os
agricultores, e de políticas de apoio que façam avançar a administração e a reciclagem
dos rejeitos da agricultura e da produção de
alimentos em ração animal.
Também podem promover políticas que levem em conta o valor de serviços de ecossistema para assegurar que as exigências ecológicas também sejam brindadas, tal como o
volume de água nas reservas naturais para
manter seu próprio funcionamento.
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Amypalko
Perda de alimento também é desperdício de
água, já que grandes volumes do líquido
são usados na produção do alimento perdido. Indubitavelmente, as perdas na agricultura e na indústria alimentícia são, nos países em desenvolvimento, particularmente
altas entre o campo e a comercialização, sendo o desperdício (por exemplo, ingestão
calórica em excesso e obesidade) mais alto
nas nações mais industrializadas. A perda e/
ou a redução em outros serviços de
ecossistema primários (por exemplo, estrutura do solo e fertilidade; biodiversidade,
em particular as espécies polinizadoras; e a
diversidade genética para futuros aprimoramentos agrícolas) e a produção de gases
de efeito estufa (especialmente metano),
pela decomposição do alimento descartado, são importantes para a sustentabilidade
agrícola mundial a longo prazo.
QUANTOS INDIVÍDUOS PODEM SER ALIMENTADOS
COM OS CEREAIS DESTINADOS À RAÇÃO ANIMAL?
❚ Até 2050, 1.573 milhões de toneladas de cereais serão desviados da boca da
humanidade (FAO, 2006a), dos quais calcula-se que pelo menos 1,45 milhão
de toneladas será destinada à produção de ração animal. Estima-se, por baixo,
que cada tonelada de cereal contenha 3 milhões de kcal. Isto quer dizer que a
destinação anual de cereais para uso não alimentar humano representa 4.350
bilhões kcal. Se assumirmos que a necessidade de calorias diárias é de 3.000
kcal, aquele montante se traduzirá em aproximadamente 1 milhão de kcal/ano
necessário por pessoa.
❚ A partir da perspectiva calórica, a não destinação alimentar de cereais é
suficiente para cobrir as necessidades calóricas de aproximadamente 4,35 bilhões de indivíduos. Seria mais correto ajustarmos a realidade ao valor energético dos produtos de origem animal. Assumindo que todo cereal não consumido pela humanidade destina-se à produção de alimentos de origem animal;
assumindo que são necessários 3 kg de cereais para produzir 1 kg de produto
animal (FAO, 2006b); e que cada quilograma de produto animal apresenta
metade das calorias contidas em um quilograma de cereais (mais ou menos
1,500 kcal por quilo de carne), isto significa que cada quilograma de cereal
usado em ração animal renderá apenas 500 kcal para o consumo humano.
❚ Uma tonelada de cereal destinado à alimentação animal resultará em 0,5
milhão de kcal. Assim, a produção total de calorias a partir de grãos será de 787
bilhões kcal. Subtraindo esse total dos 4.350 bilhões do valor calórico dos grãos
destinados à ração animal, temos 3.563 bilhões de calorias. Assim, levando em
consideração o valor energético da carne produzida, a perda em calorias dos
cereais destinados à alimentação ao invés do consumo humano representa a
necessidade anual de calorias para mais de 3,5 bilhões de indivíduos.
FONTES ALTERNATIVAS DE ALIMENTO
❚ A escolha do alimento – onde ele existe – vem a ser um complexo pool de
tradições, religião, cultura, disponibilidade e possibilidade financeira. Embora
alguns desses aspectos também se apliquem à pecuária e à aquacultura, a
capacidade humana em alterar a fonte de alimento destinada ao gado e aos
peixes é provavelmente maior do que a da mudança de hábitos alimentares
pelos seres humanos, que não são tão facilmente controláveis.
❚ Como os produtos à base de cereal são crescentemente usados na ração
bovina – pelo menos 35-40% de todo o cereal produzido em 2008, com projeção de alcançar quase 45-50% antes de 2050 –, se o consumo de carne aumentar (FAO, 2003; 2006) será vital encontrar fontes alternativas de alimento
para substituir os cereais na ração de ruminantes e animais monogástricos.
Outras fontes de vegetais fibrosos, como palha, folhas e cascas de nozes estão
disponíveis em grandes quantidades. Encontrar meios de alimentar o rebanho
mundial constitui um desafio fundamental (Keyzer et al., 2005).
Cidadania&MeioAmbiente
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PERDA E DESPERDÍCIO DE ALIMENTOS
FATOS E DADOS
ESTADOS UNIDOS
Nos Estados Unidos, 30% de todos os alimentos – no valor
de US$48.3 bilhão (32.5 bilhões de euros) – são jogados
fora a cada ano. Estima-se, igualmente, que metade da
água utilizada para produzir todo aquele alimento também
seja desperdiçada, já que a agricultura é a maior consumidora dentre as atividades produtivas. As perdas no setor de
cultivo alcançam aproximadamente 15 a 35% em função da
atividade. O setor de varejo apresenta, comparativamente,
altas taxas de perda – por volta de 26% –, enquanto os
supermercados surpreendentemente só desperdiçam aproximadamente 1%. Ao todo, as perdas chegam ao redor de
US$90 bilhões a US$100 bilhões por ano (Jones, 2004,
citado em Lundqvist et alt., 2008).
ÁFRICA
Em muitos países africanos, as perdas de cereais alimentícios
no pós-colheita são estimadas em 25% do total colhido. Para
algumas culturas menos resistentes que os cereais – frutos,
verduras, legumes e tubérculos –, as perdas no pós-colheita
podem alcançar 50% (Voices Newsletter, 2006). Na África Oriental, as perdas econômicas no setor laticínios devido ao
desperdício pode alcançar uma média de até US$90 milhões/
ano (FAO, 2004). No Quênia, a cada ano, por volta de 95
milhões de litros de leite, no valor de US$22,4 milhões, são
perdidos. As perdas acumuladas na Tanzânia atingem aproximadamente 59,5 milhões de litros de leite por ano, acima
de 16% da produção leiteira total na estação seca e 25% na
estação de chuvas. Em Uganda, aproximadamente 27% de
todo o leite produzido são perdidos, o equivalente a US$23
milhões/ano (FAO, 2004).
de rúpias em produção agrícola são desperdiçados por ano na
Índia. (Rediff News, 2007, citado em Lundqvist et al., 2008).
EUROPA
Os domicílios do Reino Unido desperdiçam um volume estimado de 6,7 milhões de toneladas de comida todos os anos,
algo em torno de um terço dos 21,7 milhões de toneladas
compradas. Isto significa que aproximadamente 32% de todos
os alimentos adquiridos por ano não são ingeridos, sdos quais
5,9 milhões de toneladas ou 88% são atualmente recolhidos
pelas autoridades locais. A maior parte desse desperdício (4,1
milhões de toneladas ou 61%) poderia ser evitada e os alimentos consumidos se corretamente manipulados (WRAP, 2008;
Knight and Davis, 2007).
AUSTRÁLIA
Uma pesquisa realizada pelo Australia Institute em mais de
1.600 domicílios australianos, em 2004, concluiu que no país
$10,5 bilhões são gastos em artigos nunca usados ou jogados fora. O que perfaz mais do que $5,000/per capita/ano.
IMPACTOS AMBIENTAIS
DO DESPERDÍCIO DE ALIMENTOS
ÁSIA
O impacto do desperdício de alimentos não é apenas financeiro. Em termos ambientais ele conduz a:
❚ desperdício de substâncias químicas, como fertilizantes
e pesticidas;
❚ mais combustível usado em transporte; e
❚ mais comida apodrecida, o que gera mais metano – um
dos mais prejudiciais gases de efeito estufa (GEE) a contribuir para as mudanças climáticas. O metano é 23 vezes
mais potente do que CO2 como gás de efeito estufa.
As perdas com cereais e sementes oleaginosas são mais baixas,
aproximadamente 10 a 12%, segundo a Food Corporation of
Índia. Cerca de 23 milhões de toneladas de cereais alimentícios, 12 milhões de toneladas de frutas e 21 milhões de toneladas de legumes são perdidos a cada ano, com um valor total
calculado de 240 bilhões de rúpias. Uma recente estimativa do
Ministério de Processamento Alimentar indica que 580 bilhões
A imensa quantidade de alimentos que vai para aterros
sanitários contribui significativamente para o aquecimento
global. O WRAP (Waste and Resource Action Program)
estima que se o alimento não fosse descartado daquela
forma, o nível de abatimento de gases de efeito estufa
equivaleria à retirada de um em cada cinco automóveis
das estradas do Reino Unido (WRAP, 2007).
NOTA DO EDITOR
Os textos deste artigo são excertos do relatório The Environmental Food Crisis, cuja leitura aconselhamos para a compreensão do estado atual da
segurança alimentar no planeta. O texto integral pode ser baixado, em formato .pdf, no site http://www.grida.no/publications/rr/food-crisis
Nellemann, C., MacDevette, M., Manders, T., Eickhout, B., Svihus, B., Prins, A. G., Kaltenborn, B. P. (Eds). February 2009. The environmental food crisis
– The environment’s role in averting future food crises. A UNEP rapid response assessment. United Nations Environment Programme, GRID-Arendal,
www.grida.no
10
SETE OPÇÕES
PARA AUMENTAR A SEGURANÇA ALIMENTAR
A implementação da eficiência energética garante o atalho
para o aumento significativo do aprovisonamento alimentar
sem comprometer a sustentabilidade ambiental. Sete opções
são propostas para curto, médio e longo prazo.
OPÇÕES COM EFEITOS A CURTO PRAZO
1
PARA MINIMIZAR O RISCO DE PREÇOS ALTAMENTE VOLÁTEIS, DEVE-SE FIXAR UM PREÇO REGULADOR DAS COMMODITIES E CRIAR MAIORES ESTOQUES DE CEREAL, MECANISMOS QUE AGIRIAM COMO PÁRA-CHOQUE AOS MERCADOS
DAS COMMODITIES DE ALIMENTOS E AOS SUBSEQÜENTES RISCOS DA ESPECULAÇÃO NESSES MERCADOS.
Isso implica a reorganização da infra-estrutura do mercado de alimentos e das instituições com
o objetivo de regular o custo dos alimentos e prover redes de segurança alimentar capazes de
aliviar os impactos nos custos e em sua escassez, através de transferência direta e indireta, tal
como um fundo global capaz de garantir a sustentação ao microcrédito e, assim, dar fôlego à
produtividade do pequeno agricultor.
2
ENCORAJAR
A ELIMINAÇÃO DOS SUBSÍDIOS E DOS PROPORCIONAIS DE MISTURA AOS BIOCOMBUSTÍVEIS DE
PRIMEIRA GERAÇÃO, O QUE PROMOVERIA UMA GUINADA PARA A PRODUÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS COM BASE
EM DESCARTES (CASO NÃO COMPITA COM A PRODUÇÃO DE RAÇÃO ANIMAL), O QUE EVITARIA O DESVIO DAS
CULTURAS ALIMENTARES PARA A DE BIOCOMBUSTÍVEIS.
Isso inclui a eliminação de subsídios para as commodities agrícolas e para os insumos que exacerbam o desenvolvimento da crise alimentar, o investimento na implementação de sistemas
alimentares sustentáveis e a eficiência energética alimentar.
OPÇÕES COM EFEITOS A MÉDIO PRAZO
3
REDUZIR O USO DE CEREAIS E DE PESCADO NA RAÇÃO ANIMAL E DESENVOLVER ALTERNATIVAS PARA A ALIMENTAÇÃO DE ANIMAIS E DO PESCADO PRODUZIDO NA AQUACULTURA.
4
APOIAR OS AGRICULTORES NO DESENVOLVIMENTO DE SISTEMAS DE ECOAGRICULTURA DIVERSIFICADA E CONSISTENTE CAPAZES DE GARANTIR OS SERVIÇOS CRÍTICOS DE ECOSSISTEMA (SUPRIMENTO E REGULARIZAÇÃO DA ÁGUA,
HABITAT PARA PLANTAS E ANIMAIS SELVAGENS, DIVERSIDADE, POLINIZAÇÃO, CONTROLE DE PRAGAS, REGULAÇÃO
CLIMÁTICA), BEM COMO ALIMENTO ADEQUADO PARA SATISFAZER AS NECESSIDADES LOCAIS E DO CONSUMO.
Isso pode seja conseguido numa economia “verde” com o aumento da eficiência energética
alimentar através da utilização das sobras da indústria pesqueira, do recolhimento e da reciclagem das perdas e sobras do pós-colheita, e do desenvolvimento de novas tecnologias que
aumentariam a eficiência energética alimentar de 30 a 50% aos níveis da produtividade atual.
Também implica, quando possível, na realocação para o consumo humano do pescado atualmente direcionado à aquacultura.
Isso inclui a administração do regime pluviométrico e a rotação de culturas para minimizar a
dependência em insumos (fertilizantes industriais, defensivos e irrigação por aspersão), e o desenvolvimento, a implementação e o apoio a tecnologias ecológicas para os pequenos agricultores.
5
A AMPLIAÇÃO DO COMÉRCIO E O MAIOR ACESSO AO MERCADO PODEM SER ALCANÇADOS ATRAVÉS DO APRIMORAMENTO DA INFRA-ESTRUTURA E DA REDUÇÃO DAS BARREIRAS COMERCIAIS.
Porém, isto não implica em mercado livre, já que a regulação dos preços e os subsídios governamentais constituem cruciais redes de segurança e de investimentos para a produção. A ampliação do acesso ao mercado também deve brindar a redução dos conflitos armados e a corrupção
que impactam gravemente o comércio e a segurança alimentar.
OPÇÕES COM EFEITOS A LONGO PRAZO
6
7
LIMITAR O AQUECIMENTO GLOBAL ATRAVÉS DA PROMOÇÃO DE SISTEMAS DE PRODUÇÃO AGRÍCOLA “AMIGA DO
CLIMA” E DE POLÍTICAS DE USO DO SOLO EM ESCALA CAPAZ DE AJUDAR A MITIGAR AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS.
CONSCIENTIZAR PARA AS PRESSÕES DO CRESCENTE AUMENTO DEMOGRÁFICO E DOS PADRÕES DE CONSUMO EM
UM ECOSSISTEMA FUNCIONAL SUSTENTÁVEL.
Cidadania&MeioAmbiente
11
SEGURANÇAALIMENTAR
Foto:Daveblume
Alimentos para o futuro
A menos que sejam tomadas – já – as decisões políticas e estratégicas que assegurem a todos alimento suficiente hoje e amanhã,
nos arriscamos a ter a dispensa mundial perigosamente vazia no
futuro imediato. Confira o cenário preocupante que se delineia.
por Jacques Diouf
N
as próximas quatro décadas, a população mundial crescerá 2,3 bilhões de pessoas e ficará mais rica.
Satisfazer a demanda dos 9,1 bilhões de pessoas no planeta em 2050 exigirá produzir 70%
mais alimentos do que hoje. Portanto, a menos que tomemos, agora, as decisões adequadas, nos arriscamos a que, amanhã, a dispensa mundial esteja perigosamente vazia.
Sobretudo porque, nos próximos anos, o
sistema alimentar mundial deverá enfrentar o crescente desafio da mudança climática – que pode reduzir a produção agrícola potencial em até 21% no conjunto dos
países em desenvolvimento –, bem como
pragas e doenças transfronteiriças mais
graves de animais e plantas.
12
Ao mesmo tempo, haverá uma redução da
mão-de-obra agrícola – cerca de 600 milhões de pessoas trocarão o campo pela
cidade – e uma maior competição pelo uso
da terra e dos recursos naturais.
Nossa resposta a esses desafios determinará como poderemos alimentar o planeta no
futuro. Igualmente importante é garantir que
as pessoas estejam bem alimentadas hoje.
Isso supõe ajudar 1,020 bilhão de pessoas
subnutridas, atuando de forma decidida para
erradicar a fome completa e rapidamente.
Graças à Revolução Verde do século passado e dedicando 17% da ajuda internacional
ao desenvolvimento a projetos agrícolas e
rurais, o mundo pôde evitar a fome maciça
na Ásia e América Latina nos anos 70.
Ao enfrentar desafio semelhante, hoje, o
caminho a seguir precisa necessariamente
ser diferente. Além de impulsionar o investimento na agricultura, precisamos usar
com mais eficiência a energia, os insumos
químicos e os recursos naturais e focar mais
nas necessidades das famílias rurais que
vivem da agricultura.
Nesse sentido, um desafio importante será
o da água, já que precisamos ampliar a superfície irrigada usando proporcionalmente menos água. As chaves estão na captação, no armazenamento e em técnicas que
melhorem a eficiência do uso da água e mantenham a umidade do solo.
Os pequenos agricultores também precisam se capacitar para aprender novos métodos e tecnologias, e isso requer investimentos em educação e em extensão agrária. Muitos desses investimentos virão do
setor privado e dos próprios agricultores.
Mas para serem atrativos, também se deve
dedicar importantes quantidades de recursos públicos à infraestrutura, à educação,
à tecnologia e aos sistemas de extensão.
Aparte a simples agricultura de subsistência,
não faz sentido produzir alimentos a não ser
que haja estradas e veículos para levá-los aos
mercados, que efetivamente existam mercados
e que o produto possa ser armazenado e conservado. No entanto, nem o financiamento nem
as colheitas recordes serão capazes de assegurar por si só que todas as pessoas tenham
acesso aos alimentos de que precisam.
Se pessoas passam fome hoje, não é porque o mundo não produza comida suficiente, mas porque esses alimentos não são
produzidos pelos 70% das pessoas pobres
que dependem da agricultura e, paradoxalmente, não têm o suficiente para satisfazer
suas necessidades básicas de alimentação.
Portanto, alimentar o mundo em 2050 requererá também estratégias de redução da pobreza, redes de proteção social para produtores e consumidores e programas de desenvolvimento rural. Será necessário ter uma melhor governança e o estabelecimento de condições socioeconômicas que melhorem o
acesso a alimentos. Também é importante uma
reforma do sistema de comércio agrícola para
que ele seja não só livre, mas também justo.
Em 2050, o que comer deixará de ser um problema para muitos que já têm certa idade.
Porém, considero que é meu dever, assim
como é nosso dever como comunidade global, fazer tudo o que está ao nosso alcance
para desterrar o fantasma da fome para sempre e assegurar que nossos filhos e netos
possam comer dignamente e desfrutar de
uma vida saudável.
■
Foto: FAO News
Para produzir mais alimentos e de maior qualidade para uma população mais urbana, mais
rica e numerosa, a agricultura torna-se cada
vez mais intensiva em capital e em conhecimentos. Portanto, precisamos investir mais
em pesquisa e desenvolvimento, porque
praticamente todo incremento futuro da produção virá dos aumentos de rendimentos, e
não do aumento da área plantada.
Jacques Diouf, é diretor-geral da FAO
(Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação). Os temas abordados
por Diouf direcionaram a pauta da Cúpula
Mundial sobre Segurança Alimentar, que reuniu em Roma (16 a 18/11/2009) chefes de
Estados e de governo dos 192 Estados-membros da FAO. Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo (18/10/2009) e em
www.ecodebte.com.br (19/10/2009).
PAÍSES QUE ARRENDAM TERRAS INTERNACIONAIS
PARA SUSTENTAR E GARANTIR SUA PRODUÇÃO ALIMENTAR
Arrendamentos internacionais
de terras agricultáveis
Mil hectares
Cada quadrícula representa 50 mil ha. Totais abaixo deste limite são representados por uma quadrícula.
❚ O mundo está nitidamente dividido quanto à capacitação do uso da
ciência para promover a produtividade agrícola e alcançar a segurança alimentar e reduzir a pobreza e a fome.
❚ Para cada US$100 de produção agrícola, os países desenvolvidos gastam US$2,16 em pesquisa e desenvolvimento agrícola (P&D), enquanto
os países em desenvolvimento gastam apenas US$0,55 (IFPRI, 2008).
❚ O total de P&D agrícola investido pelos países em desenvolvimento aumentou de US$3,7 bilhão (1991) para US$4,4 bilhão (2000) – ou seja,
1,6% anualmente (IFPRI, 2008). Tal investimento foi majoritariamente concentrado na Ásia, região onde os investimentos anuais cresceram 3,3%.
Hoje, a Ásia responde por 42% do total de P&D agrícola investidos nos
países em desenvolvimento (China com 18%; Índia com 10%).
❚ Na África, os investimentos em P&D agrícola recuaram 0,4%/ano.
Embora o continente africano seja geograficamente grande, seu investimento em P&D agrícola é de apenas 13%.
❚ A América Latina responde por 33%, e o Brasil responde por 48%
dos investimentos realizados na região.
Fonte: GRAIN, 2008; Mongabay 2008. Cartógrafo/designer: Hugo Ahlenius, Nordpil. Gráfico publicado em 2009 em The Environmental Food Crisis - The Environment’s Role in
Averting Future Food Crises – Link: http://maps.grida.no/go/graphic/an-increasing-numberof-countries-are-leasing-land-abroad-to-sustain-and-secure-their-food-production
Cidadania&MeioAmbiente
13
SEGURANÇAALIMENTAR
O investimento em tecnologia
de ponta nas últimas décadas
colocou o Brasil entre os países mais
competitivos do agronegócio no
mercado internacional, mas não foi
suficiente para acabar com um
problema básico: o desperdício de
alimentos ao longo das cadeias
produtiva e de consumo.
por Débora Carvalho
+
Desperdício de alimento:
Brasil entre os 10
C
om a crise econômica internacional, a
estimativa da Organização das Nações
Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO)
é que, até o final de 2009, a América Latina
deve contabilizar 53 milhões de famintos.
Ao mesmo tempo, os países da região desperdiçam grandes volumes de alimentos,
que seriam suficientes para alimentar toda
a população carente. Para a FAO, a redução das perdas é uma solução para o aumento da oferta de comida. As causas primordiais desse prejuízo são maus hábitos
de alimentação e o gerenciamento inadequado, desde o plantio até a chegada do
produto à mesa do consumidor.
14
O Brasil está entre os 10 países que mais
desperdiçam comida no mundo. 35% de
toda a produção agrícola vão para o lixo.
Isso significa que mais de 10 milhões de
toneladas de alimentos poderiam estar na
mesa dos 54 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza. Segundo
dados do Serviço Social do Comércio
(Sesc), R$ 12 bilhões em alimentos são jogados fora diariamente, uma quantidade
suficiente para garantir café da manhã, almoço e jantar para 39 milhões de pessoas.
O descuido percebido no processo produtivo se repete na casa das pessoas. De acordo com o Instituto Akatu, organização não-
governamental dedicada a promover o consumo consciente, uma família brasileira desperdiça, em média, 20% dos alimentos que
compra no período de uma semana. Em valores, isso representa US$ 1 bilhão, dinheiro
suficiente para alimentar 500 mil famílias.
Além das pessoas que poderiam ser alimentadas com o que vai para o lixo, desperdiçar
significa prejuízo financeiro. Levantamento
da Secretaria de Abastecimento e Agricultura do Estado de São Paulo mostra que todos os alimentos não aproveitados ao longo da cadeia produtiva representam 1,4%
do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro,
um rombo de R$ 17,25 bilhões de reais no
faturamento do setor agropecuário.
“
De acordo com
um levantamento
do governo de
São Paulo, o
volume de perdas
da Companhia
de Entrepostos e
Armazéns Gerais
de São Paulo
(Ceagesp), o maior
mercado da
América Latina,
chega a 1%
de tudo o que
é vendido em um
dia, ou seja, mais
de 100 toneladas
diárias no lixo.
Foto: R. Motti
Em 2005, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) analisou os índices
de perdas do plantio à pré-colheita dos principais grãos cultivados no país, entre 1996
e 2002, tais como arroz, feijão, milho, soja e
trigo. Essa pesquisa aponta que a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab)
estimava perdas de grãos em cerca de 10%
da produção, o que correspondia a 9,8 milhões de toneladas, considerando números da safra 2000/2001.
O governo promete para 2010 um novo
estudo do panorama do desperdício na
lavoura, o que vai ajudar na formulação
de alternativas para resolver o problema.
“Já havia um contrato com uma universidade federal para começar o estudo no
ano passado, mas o projeto foi postergado por problemas contratuais’, explica o
superintendente de Armazenagem e Movimentação de Estoques da Conab, Milton Libardoni. Segundo ele, o governo
dispõe de um orçamento de R$ 500 mil para
começar o trabalho e está negociando
parcerias com 15 universidades em todo o
Brasil para uma pesquisa de perdas, que
deve ser iniciada em 2010.
”
O superintendente da Conab ressalta a necessidade de conhecer o problema para
combatê-lo. “As perdas existem, mas estamos usando índices estrangeiros. E o desperdício maior acontece na hora da colheita.
Caminhando na roça, é visível a produção
perdida’, comenta.
Uma alternativa apontada pelo superintendente da Conab – muito comum nos países
desenvolvidos – é o financiamento de armazéns nas próprias fazendas. Isso reduziria a manipulação do produto, que passaria a ser transportado apenas uma vez para
a indústria de beneficiamento ou para o varejo. “O problema é que isso é muito caro’,
afirma Libardoni. Hoje, é preciso levar a produção do campo para a armazenagem e daí
para o processamento.”
A falta de qualificação e tecnificação no
campo foi uma realidade apontada pela
pesquisa do IBGE, que avaliou as perdas
agrícolas. Segundo o estudo, o prejuízo
começa muito antes da perda física, relacionada ao produto que fica pelo caminho
antes da comercialização. No plantio, por
exemplo, foi verificado que o uso de sementes de baixa qualidade ou a escolha de
variedades não recomendadas para as condições de clima da região e a falta de preparo correto do solo podem representar perdas nas lavouras antes e depois do momento de colher os produtos.
Os pesquisadores apontaram, inclusive,
que é na fase de colheita que ocorrem as
maiores perdas e os motivos são diversos.
Um exemplo é a falta de regulação, operação e manutenção adequadas das colheitadeiras ou equívocos na identificação do
grau de maturação do produto. A partir
dessa pesquisa, é possível observar que
questões colocadas como desafios à mitigação desse desperdício ainda hoje são
citadas como entraves a serem resolvidos.
“Um problema também seria treinar o pessoal dos armazéns e os operadores de
colheitadeiras para reduzir prejuízos”, sugere Libardoni.
As dificuldades se repetem na pós-colheita. Falta infraestrutura na rede de armazenagem e no transporte da produção brasileira. Nessa fase, os estragos
podem ocorrer tanto do ponto de vista
físico, como da qualidade do produto.
Os pesquisadores do IBGE identificaram
que os danos mais expressivos se dão
nas commodities, com perdas ao longo
do transporte até a chegada aos portos.
Segundo o Ministério da Agricultura,
em 2008, o Brasil arrecadou US$ 71,9 bilhões com as exportações de produtos
agropecuários.
Para o consultor em Logística e Infraestrutura da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Luiz Antônio Fayet, os debates sobre o desperdício
revelam a ponta de um iceberg, formado
pelos fatores que minam a competitividade
do agronegócio brasileiro. Ele explica que
as pessoas se impressionam ao ver os grãos
à beira das estradas, caídos dos caminhões,
mas isso seria insignificante se comparado
às perdas financeiras no carregamento de
estoques. “Não existe perda zero, o prejuízo
físico tem uma variação de cerca de 5%. Mas
o custo e os problemas gerados pela falta
de infraestrutura acarretam prejuízos muito
maiores’, afirma Fayet.
Segundo o IBGE, a estimativa é de que 67%
das cargas brasileiras sejam deslocadas
pelo modal rodoviário, o menos vantajoso
para longas distâncias. Conforme estudo
de viabilidade econômica dos transportes
Cidadania&MeioAmbiente
15
de cargas, o modal rodoviário é
o mais adequado para as distâncias inferiores a 300 km, enquanto o ferroviário o é para
distâncias entre 300 km e 500
km; e o fluvial para distâncias
acima de 500 km.
Esse entrave se agravou ainda
mais com a mudança na geografia de produção que passou das
regiões Sul e Sudeste para o
Centro-Norte do país. Um exemplo é o valor pago pelo frete em
relação ao que o agricultor recebe pelo produto. Segundo
Fayet, em 2007 um produtor de
soja do município de Sorriso,
Mato Grosso, recebia R$ 23 pela
saca e gastava R$ 12 para levála até o porto, onde embarcaria
a carga para o mercado internacional. Ou seja, o gasto com o
escoamento representava mais
de 50% do valor recebido pelo
produtor. “Além do grão que é
desperdiçado, o Brasil fica impedido de crescer e de se tornar ainda mais competitivo”, comenta.
Foto: Milton Jung / CBNSP
o consumo anual de vegetais é
de 35 quilos por habitante. No
entanto, o desperdício chega a
37 quilos por habitante/ano.
“
Do total de desperdício no país,
■ 10% ocorrem na colheita;
■ 50% no manuseio e transporte dos alimentos;
■ 30% nas centrais de abastecimento; e
■ 10% ficam diluídos entre supermercados e consumidores.
Segundo o pesquisador da Embrapa, Antônio Gomes, o fim
desse problema tem vantagens
em diferentes aspectos. “Se o
Brasil reduzisse as perdas, poderia oferecer mais produtos
para o mercado interno, barateando os preços, e também exportar mais, sem a necessidade
de investimentos adicionais na
abertura de novas fronteiras
agrícolas’, argumenta Gomes.
Ele afirma que o índice de perdas é maior do que se consegue calcular, basta observar a quantidade
de lixo orgânico gerado nas centrais de
abastecimento das grandes capitais.
R$12 bilhões em alimentos
são jogados fora diariamente:
o suficiente para garantir café
da manhã, almoço e jantar
para 39 milhões de brasileiros.
No Paraná, governo, iniciativa privada, universidades e entidades ligadas ao agronegócio se juntaram para trabalhar contra o
desperdício. Há seis anos são organizados
concursos regionais e estaduais para premiar os agricultores que apresentam os
menores índices de perdas nas lavouras
até a colheita. O extensionista do Instituto
Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-PR), Luiz Vicentini,
explica que o objetivo é estimular produtores e operadores a realizarem com mais cuidado a tarefa da colheita. A meta é chegar o
mais próximo possível dos níveis de perdas aceitáveis para cada região, no caso
da soja, em média uma saca por hectare.
A apuração dos resultados é feita por técnicos da Emater e acadêmicos da Universidade Estadual de Maringá, que percorrem
as lavouras antes e depois da colheita, contabilizando e medindo o que foi desperdiçado. Na última edição do prêmio, o ganhador perdeu menos de 5 quilos por hectare. “Mais de 30 prêmios, como carros,
motocicletas e máquinas agrícolas são um
estímulo para as pessoas cuidarem melhor,
ajustarem as máquinas e reduzirem os prejuízos’, diz Vicentini.
16
Ele explica que a iniciativa começou em 1995,
quando os organizadores da Festa da Colheita da Soja – tradicional no estado – perceberam que, além da comemoração, poderiam mobilizar os produtores. “É importante
pensar nisso, porque desperdiçar significa
o lucro líquido do agricultor que vai embora. E a competição tem promovido uma mudança de cultura também nos mais de 200
colhedores que trabalham nas fazendas”,
ressalta o técnico. Ele lembra ainda que o
concurso paranaense é um exemplo que já
atraiu técnicos de outros estados produtores, principalmente do Centro-Oeste, para
conhecer e levar a ideia a outros lugares.
Mas o caminho do desperdício não se limita ao percurso da colheita até o transporte.
Quando se fala em frutas e hortaliças, produtos mais perecíveis, as perdas são ainda
maiores e ultrapassam os limites do campo, chegando ao varejo e às cozinhas brasileiras. Um estudo da FAO, de 2004, revela que o Brasil está entre os 10 países que
mais jogam comida no lixo, com perda média de 35% da produção agrícola. A Embrapa Agroindústria de Alimentos realizou
uma pesquisa focada nesse tipo de produtos e mostrou que o brasileiro joga fora
mais alimentos do que, efetivamente, leva
à mesa. Nas 10 principais capitais do país,
”
De acordo com um levantamento do governo de São Paulo, o volume de perdas da
Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), o maior mercado da América Latina, chega a 1% de tudo o
que é vendido em um dia, ou seja, mais de
100 toneladas diárias no lixo.
O pesquisador da Embrapa explica que o
problema começa no campo, mas culmina
no varejo. Colheita incorreta, transporte inadequado, embalo dos produtos em caixas
de madeira são exemplos de práticas que
resultam em uma realidade preocupante:
muitos produtos que saem do campo para
a cidade nem chegam a ser comercializados porque se perdem no caminho. Isso
significa que o custo para produzir aquele
alimento foi totalmente perdido. “Muitas
frutas, como laranja, abacaxi, são transportadas a granel em caminhões, que vão sacudindo na estrada e causando injúrias nos
vegetais que nem chegam às prateleiras’.
Antônio Gomes lembra que não existe uma
cadeia de frio para distribuir esse tipo de
produto. Ele argumenta que, em um país de
dimensões continentais como o Brasil e com
clima tropical intenso durante a maior parte
do ano, seria mais adequado que frutas, legumes e verduras saíssem das lavouras direto para o resfriamento. A temperatura precisaria ser mantida em baixos níveis durante
o transporte e o período de exposição no
varejo, o que não acontece no Brasil.
Outro problema apontado pelo pesquisador
é a falta de informação dos consumidores.
Não se trata apenas de saber aproveitar
melhor os produtos na hora de cozinhar, mas
sim da necessidade de cuidados também no
momento da compra. “É preciso educar o
consumidor. Se na hora de escolher o quiabo, você quebra a ponta, ninguém mais vai
querer esse produto. Se, ao escolher o tomate, o cliente amassa o vegetal, é mais uma
perda”, exemplifica Gomes.
Em meio a tantas formas de desperdício, a
alta conta gerada pelas perdas não fica diluída ao longo da cadeia. Segundo a Embrapa, agricultor e consumidor são os mais
prejudicados. Isso acontece porque o investimento para produzir, manipular e transportar o alimento já foi feito. Antes do produto se perder, a rede varejista faz uma previsão de perdas e repassa tanto ao preço
pago ao produtor, quanto ao que é cobrado do cliente. “O agricultor recebe menos
e o consumidor paga mais. É preciso rever esse processo, porque o varejo dilui o
prejuízo. Investir em produtividade tem
significado também aumentar o volume do
desperdício. Quanto mais produzimos,
mais jogamos fora. É preciso pensar com
mais seriedade em uma solução para as
perdas’, lamenta o pesquisador.
O Ministério da Agricultura possui uma regulamentação que classifica os vegetais e
estabelece regras para manter a qualidade,
mas, na prática, as normas não são cumpridas. “Governo e agentes do mercado precisam ser parceiros e fazer valer a lei”. Para o
pesquisador, a mudança desse quadro passa pela qualificação de todos os envolvidos
na cadeia produtiva, desde o trabalhador rural que colhe o alimento até os estoquistas e
funcionários dos pontos de varejo.
A redução do desperdício, no entanto, é uma
preocupação séria da rede varejista. A Associação Brasileira de Supermercados (Abras),
em parceria com outras entidades, faz todos
os anos uma avaliação de perdas. A pesquisa mostrou que, em 2007, mais de 82% dos
pontos de varejo pesquisados possuíam departamentos específicos para cuidar desse
assunto e 75% deles reconheciam ter investido em soluções. O levantamento, feito todos
os anos, busca identificar causas e avaliar o
custo-benefício para a implantação de programas de prevenção de perdas.
percentual ao final de três anos. O estudo
da Abras chama atenção para o fato de as
perdas de perecíveis terem reduzido em
2007, mas revela um aumento desse prejuízo com causas desconhecidas. Isso dificulta a formulação de iniciativas para combater o problema.
■
Em 2007, o índice médio de desperdício foi
de 2,15% do total comercializado, desse
volume 55% são produtos perecíveis. Apesar de permanecer crescendo desde 2004,
o ritmo de perdas no caso específico dos
perecíveis avançou apenas 0,2 ponto
Débora Carvalho - Reportagem publicada
pela revista Desafios, set/out 2009; pelo IHU
On-line [IHU On-line é editada pelo Instituto
Humanitas Unisinos (IHU) da Universidade do
Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) em São
Leopoldo,
RS]
e
pelo
portal
www.ecodebate.com.br (12/11/2009).
NOTA DO EDITOR: A perda e o desperdício de alimentos é um fenômeno em escala mundial, fato que sinaliza a premente
necessidade de se estruturar uma nova atitude frente à sustentabilidade alimentar. Com os instrumentos e as tecnologias
disponíveis para tratar a questão, pode-se minimizar o imoral desperdício que só faz aumentar o crescente contingente de
famintos e subnutridos em todo o planeta. O gráfico abaixo revela as proporções do problema em escala mundial.
PERDAS NA CADEIA ALIMENTAR: DO PLANTIO AO CONSUMO DOMÉSTICO
(ANTES DA CONVERSÃO DO ALIMENTO EM COMIDA)
Colheita de
comestíveis
4600 kcal
Perdas na Após
colheita colheita
4000 kcal
Alimento
p/animais
Carne e
laticínios
2800 kcal
Perdas e
desperdício
na distribuição Alimento
consumido
2000 kcal
Campo
Domicílio
Após descontar as perdas, as conversões e o desperdício nos vários estágios produtivos, restam apenas 2.800 kcal disponíveis para utilização (alimentos de origem
vegetal e animal). E, ao final da cadeia, uma média de 2.000 kcal – apenas 43% do
potencial comestível das colheitas – são disponibilizados para o consumo.
Fonte: Lundqvist et al., 2008
Cartógrafo/designer: Hugo Ahlenius, Nordpil. Gráfico publicado em 2009 em The Environmental Food Crisis - The Environment’s Role in Averting Future Food Crises – http://www.grida.no/
publications/rr/food-crisis/ – Link to website: http://maps.grida.no/go/graphic/losses-in-thefood-chain-from-field-to-household-consumption
Cidadania&MeioAmbiente
17
Foto: Dude Crush
SEGURANÇAALIMENTAR
Assim no mar,
como na terra
A sobrepesca, a pesca acidental, a poluição das águas
costeiras e oceânicas e a fragilidade das regulamentações
internacionais rígidas para a atividade pesqueira anunciam
o colapso da vida marinha e ameaçam a sobrevivência de
milhões de indivíduos. por Márcia Pimenta
O
mito da extensão infinita dos oceanos, como acontece com as grandes áreas de floresta, promove a
crença de que os recursos naturais destes
ecossistemas são infinitos. Porém, mais
importante do que o tamanho é a saúde do
ecossistema e sua capacidade de produtividade biológica, e no caso dos oceanos,
sua produtividade pesqueira.
Ao explorarmos estes recursos de modo
insustentável perdemos biodiversidade
e dinheiro, como advertiu Sigmar
Gabriel, Ministro para Meio Ambiente,
Conservação da Natureza e Segurança
Nuclear da Alemanha, na cerimônia de
abertura da 9ª Conferência das Partes
20
da Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB, em Bonn. Segundo ele, a
perda anual de espécies vegetais e animais custa 2 trilhões de Euros, ou seja,
6% do PIB mundial.
Segundo a FAO – Organização das Nações
Unidas para Agricultura e Alimentação – 76%
dos principais recursos pesqueiros estão explorados ao máximo, sobrepescados, em colapso ou em recuperação de colapso.
A vida marinha é um bom exemplo. Se nada
for feito, até 2050 não haverá mais pesca
comercial, segundo Gabriel. Podemos imaginar o que isto representa para o estoque
de alimentos, uma vez que bilhões de pessoas dependem da pesca como fonte de
proteína. A crise no setor fica evidente pela
situação de estagnação da pesca extrativa
mundial, em torno de 85 milhões de toneladas, ou, mesmo redução na produção, a
partir de meados de 1980.
A demanda crescente por barbatana coloca
21 espécies de tubarão e arraias na lista de
espécies em risco de extinção, segundo estudo organizado pela União Internacional
para Conservação da Natureza – IUCN. Retiradas do mar acima do nível de sustentabilidade também estão o peixe-espada, o bacalhau e o atum. Após ter sido quase extinto no Atlântico, o atum, preferido pelos que
apreciam sushis e sashimis, é agora alvo dos
enormes navios pesqueiros no Pacífico. Na
rio. E em menos de 30 dias o
próprio Lula revogou a MP,
não havendo previsão para a
votação do projeto de lei.
Argentina, os cardumes da
merluza comum, devido à falta
de controle do Estado e à pesca exagerada, levaram à redução de 70% da população adulta nos últimos 20 anos.
No Brasil, segundo o Programa de Levantamento Potencial Sustentável de Recursos
Vivos na Zona Econômica Exclusiva – REVIZEE os camarões, a sardinha-verdadeira,
cações, tubarões, arraias e a
corvina estão sendo capturados acima dos limites possíveis. A gestão equivocada dos
recursos pesqueiros pode ser
a chave para entender como
chegamos a esta situação.
passagem
“deUmaumúnica
arrastão remove
A alta recente dos preços dos
alimentos tende a aumentar
ainda mais a pressão sobre os
recursos pesqueiros que hoje
se encontram sobrexplotados
em todo o planeta. Mas o Brasil e o mundo não devem se
aproveitar da crise mundial por
alimentos para apresentar metas mirabolantes para atividade pesqueira que hoje já dá
sinais de exaustão, adverte
Neto. Segundo ele, a idéia é
preocupante já que para viabilizar o aumento da produção
corre-se o risco de promover
um regime de terra arrasada,
ampliando a insustentabilidade em larga escala na pesca e na
aqüicultura, e potencializando impactos
onde a sobrepesca não é a única agressão
a que estão sujeitos os oceanos.
até 20% da fauna e da flora
do fundo do mar.
José Dias Neto, Engenheiro de
Pesca e Coordenador Geral de
Autorização do Uso e Gestão da Fauna e
Recursos Pesqueiros da DBFLO/IBAMA,
argumenta que com o fim da Superintendência do Desenvolvimento da Pesca –
SUDEPE – em 1989, houve a divisão de
competências de gestão que ficou da seguinte forma:
Ÿ as espécies sobrexplotadas e as ameaçadas de sobrexplotação ficaram com o Ministério do Meio Ambiente (MMA); e
Ÿ as subexplotadas com o Departamento de Pesca e Aquicultura (DPA), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Assim deu-se a divisão do indivisível, já que
uma espécie subexplotada hoje passa rapidamente para a lista de sobrexplotadas, como
foi o caso do peixe-sapo e do caranguejo de
profundidade. Hoje, a Secretaria Especial de
Aquicultura e Pesca da Presidência da República (SEAP/PR) divide as atribuições com o
IBAMA, mas não por muito tempo.
O Professor José Angel Perez, pesquisador do Centro de Ciências Tecnológicas da Terra e do Mar (CTTMar) da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), em
Santa Catarina, também acredita que
“atualmente o cenário mais nocivo no
que tange à gestão pesqueira do Brasil
é a existência de divisão de atribuições
entre SEAP e IBAMA. Essa opinião é
unânime na academia e em outros setores. A questão passa a ser onde concentrar essa gestão”.
”
Perez sustenta que “a academia se divide
entre aqueles que querem modernizar a gestão e por isso acham que o Ministério pode
oportunizar isso. E outros que temem que
um Ministério fique ainda mais submetido à
pressão da indústria da pesca e, por conseguinte, preocupe-se pouco com “conservação” dos estoques naturais, já muito debilitados pela sobrepesca. É uma escolha difícil. Eu me enquadro entre os primeiros, pois
acho que hoje existem mecanismos de cobrança da sociedade, por exemplo, através
de comitês de gestão participativa e da presença do Ministério Público de olho nas
questões ambientais. Mas reconheço que
os riscos dessa escolha são reais”.
Neto defende que “o Brasil foi um dos pioneiros em colocar a gestão do uso dos recursos pesqueiros na área ambiental e, hoje,
o mundo toda caminha para tal. Assim, seria uma pena que o Brasil desse um passo
para trás”. Ele acrescenta que “os posicionamentos da SEAP têm se mostrado similares ao da ex-SUDEPE que consideravam
os recursos pesqueiros como recursos econômicos”. E lembra que “colocar sob um
mesmo comando as ações de fomento, promoção e apoio à cadeia produtiva, gestão
do uso dos recursos ambientais e a fiscalização, é o mesmo que “colocar a raposa
para vigiar o galinheiro””.
Apesar de toda a polêmica, o Presidente Lula
criou o Ministério da Pesca, através de MP
em 30/07, e 150 vagas para o novo Ministé-
PESCA
ACIDENTAL E EXAUSTÃO MARINHA
Também o desperdício contribui para a insustentabilidade desta atividade. Segundo o
Greenpeace, a pesca acidental, ou seja, aquela
que captura espécies diferentes daquela que
tinha como objetivo é responsável por ¼ do
total global de captura. Estes exemplares são
devolvidos ao mar mortos, ou quase mortos.
Uma única passagem de um arrastão remove
até 20 por cento da fauna e flora do fundo do
mar. As campanhas de pesca com os maiores
níveis de captura colateral são as do camarão, pois mais de 80% de cada captura pode
consistir em espécies marinhas diferentes do
camarão, que é o objetivo.
Com a vida marinha em estado terminal, os
oceanos não conseguirão responder aos
desafios das mudanças climáticas geradas
pela concentração de gases de efeito estufa. O CO2 absorvido pelos oceanos torna o
mar mais ácido, colocando em perigo os
corais e corroendo conchas, esqueletos de
estrela-do-mar, moluscos e outras criaturas marinhas. Nos últimos dois séculos, o
mar absorveu cerca de 1/3 de todas as emissões de CO2, modificando sua composição
bioquímica e tornando-se corrosivo.
Para tornar o panorama mais sombrio, o aumento populacional nas zonas costeiras de
Cidadania&MeioAmbiente
21
todo o mundo só tende a aumentar, principalmente em algumas regiões da Ásia, o que
trará mais impactos para este ecossistema.
Descarga no mar de esgotos sem tratamento,
excesso de nutrientes e agrotóxicos aplicados na agricultura, despejo de lixo, além de
sedimentos oriundos do desmatamento são
problemas que se somam à perda de habitats
costeiros como manguezais e áreas alagadas.
pesca têm um custo que a princípio não se
percebe. É o custo da perda da biodiversidade que, como alertou o ministro alemão,
custa caro para a sociedade. Pesquisas,
políticas públicas e fim dos subsídios que
deslocam para além do sustentável o ponto de equilíbrio, estimulando o sobreuso
das espécies ou mascarando os prejuízos
da atividade pesqueira, são fundamentais
AQUICULTURA:
PROBLEMA OU SOLUÇÃO?
Com os recursos pesqueiros sobrexplotados, as políticas públicas se direcionam para
a Aquicultura, que vem aumentando sua participação na produção e no consumo mundial ao responder por 43% de todo o pescado consumido no mundo. Segundo o relatório O estado da Aquicultura e da pesca
mundial/2006, da FAO, a atividade vem
crescendo mais rapidamente do que qualquer outra do setor de alimentos, a uma média
mundial anual de 8,8% por ano desde 1980.
Mas a pressão destas atividades sobre os
ecossistemas é grande! No Chile, recentemente, as fazendas de salmão foram atacadas pelo vírus da anemia infecciosa do salmão. Para combater a doença são necessárias doses maciças de antibióticos, podendo elevar a resistência aos antibióticos nos
seres humanos que consomem este pescado. Além disso, a criação destes peixes carnívoros não se mostra sustentável, já que
é necessário aproximadamente 5kg de peixe fresco para a produção de 900g de salmão criado em fazendas. O desenvolvimento em larga escala da cultura de camarões,
em algumas áreas, resulta em degradação
de áreas alagadas e manguezais, e também
causa poluição hídrica, salinização do solo
e das águas subterrâneas.
A insustentabilidade de atividades comerciais selvagens e o papel minimalista dos
governos nacionais na regulamentação da
22
Márcia Pimenta é jornalista com especialização em Gestão Ambiental, colaboradora e articulista do EcoDebate. Artigo publicado em
www.ecodebate.com.br (11/10/2008).
JoshBerglund19
A perda daquelas áreas torna a costa vulnerável em caso de fenômenos climáticos
extremos, debilita a capacidade dos recifes
de corais se recuperarem dos efeitos do
aquecimento do clima e reduz a já “cambaleante” produtividade dos ecossistemas
costeiros que fornecem meios de subsistência e alimento básico aos mais pobres.
O mais dramático é que toda esta degradação ocorre em uma região que corresponde à área mais produtiva do oceano, ou
seja, aquela até 100 km da linha costeira, a
uma profundidade de cerca de 200m.
para não ficarmos como expectadores passivos de um colapso anunciado em um
mundo onde a fome já é uma realidade para
milhões de pessoas.
■
Leilão de atum em Tsukiji, Japão, o maior mercado atacadista de peixe e
frutos do mar do mundo. Foto: JoshBerglund19
PRODUÇÃO MUNDIAL DE PESCA E DE AQUACULTURA
(milhões de toneladas)
Aquacultura em terra
Aquacultura no mar
Atividade pesqueira em terra
Atividade pesqueira no mar
❚ As projeções atuais para o setor da aquacultura sugerem que o crescimento do setor
ocorrido anteriormente não deverá ser mantido no futuro em virtude do limitado estoque de peixe disponível no oceano para alimentar a aquacultura (FAO, 2008).
❚ Os estoques de pequenos espécimes pelágicos constituem 37% do total capturado pela atividade pesqueira. Deste montante, 90% são transformados em produtos para consumo e em óleo de peixe. E os restantes 10% utilizados diretamente na
alimentação animal (Alder et al., 2008).
Fonte: FAO. 2009. FishSTAT Fishery Statistical Collections Global Aquaculture Production. http://www.fao.org/
fishery/statistics/global-aquaculture-production (Accessed January 22, 2009) FAO. 2009. FishSTAT Fishery
Statistical Collections Global Capture Production. http://www.fao.org/fishery/statistics/global-capture-production
(Accessed January 22, 2009). Cartógrafo/designer: Hugo Ahlenius, Nordpil. Gráfico publicado em 2005 em The
Environmental Food Crisis - The Environment's Role in Averting Future Food Crises – Link para o website: http:/
/www.grida.no/publications/rr/food-crisis/ Ÿ Link geral: http://maps.grida.no/go/graphic/carbon_cycle - a
young
O limite ecológico do mundo:
Onde vamos parar?
Entrevista com Paul Singer
IHU ON-LINE – QUAL A RELAÇÃO ENTRE A CRISE MUNDIAL DE ALIMENTOS E A PRODUÇÃO DOS BICOMBUSTÍVEIS?
Paul Singer – Estamos diante de uma crise mundial basicamente
ecológica, porque não estamos conseguindo mais atender às demandas economicamente solváveis. Hoje, existem milhões de pessoas, principalmente na China, na Índia e também no Brasil, que
melhoram seus padrões de vida e têm dinheiro para comer bife ao
invés de arroz, e eventualmente comprar carros. Isso significa o
aumento de demanda por derivados de petróleo e por alimentos.
Ora, alimentos de origem animal exigem cereais. O cereal que comeríamos é dado como ração ao boi, galinha ou porco, que depois
comeremos. Isso faz dobrar o gasto do trabalho humano, o uso da
terra, a necessidade de água, enfim, usa-se o dobro de recursos
naturais para obter o mesmo efeito – a alimentação.
Em relação aos automóveis, temos uma situação conhecida em
todo o mundo. Na Índia, inventaram o carro mais barato do mundo. Vivemos uma situação de demanda crescente de derivados de
petróleo. O automobilismo é, provavelmente, a razão imediata do
encarecimento do petróleo. Este nunca foi tão caro. O barril dele,
agora, está custando U$ 126. Mas a crise também está relacionada
ao encarecimento da carne, ao encarecimento dos laticínios e até
dos cereais, porque eles estão sendo hoje disputados pelos ani-
mais, por nós e pelos produtores de etanol, ou seja, os biocombustíveis, que têm ligação com a crise climática.
Ao mesmo tempo, a crise é de alimentos e energética, porque o encarecimento do petróleo passa para os alimentos. Usa-se petróleo para
mover os tratores e as máquinas que processam o que é produzido.
Então, na medida em que o petróleo e, portanto, os combustíveis aumentam bruscamente de preço, também os produtos que dele dependem aumentam de preço. São duas crises que, no fundo, são uma crise
só, porque não conseguimos aumentar a produção de petróleo na
medida em que estamos colocando automóveis em nossas cidades.
Com isso, aumenta o efeito estufa. O preço do petróleo está desse
tamanho porque, pela primeira vez na história, há demanda pelos seus
derivados, não tendo produção suficiente. Então, uma parte dos que
querem usar o petróleo agora já não pode pagar o preço. Isso é claro no
mercado: quando você tem demanda, o preço dispara. Conseqüentemente, a parte mais pobre dos demandantes é colocada para fora. Você
tem uma inflação de gasolina e outros derivados de petróleo e uma
inflação de alimentos que também faz a mesma coisa, ou seja, coloca
para fora do mercado os mais pobres, que estão, inclusive, sujeitos à
fome. Pelo que averiguei, já ocorreram motins de fome em 37 países; as
pessoas se levantam contra essa situação porque não têm o que comer
nem podem comprar alimentos básicos.
Cidadania&MeioAmbiente
23
DESENVOLVIMENTO & CONSUMO
Para o economista Paul
Singer, as crises alimentícia e energética são uma
só, porque o encarecimento do petróleo passa
para os alimentos. Também defende a revisão da
sistematização de distribuição de alimentos e afirma ser vital o desestímulo
ao consumo de carnes e
derivados.
Pedrobiondi
Carly&Arts
“
Pouco tem-se investido na agricultura da pequena propriedade que é
ecologicamente viável. A agricultura industrial é extremamente predatória
com os recursos naturais. O uso intensivo de agrotóxicos
envenena a terra, a atmosfera e a água.
IHU ON-LINE – POR
QUE NÃO ESSA CRISE NÃO FOI CONTROLADA
ANTES DE CHEGAR AO PONTO ATUAL?
P.S. – Boa pergunta! Em 1974, o Celso Furtado [1] escreveu um
livro chamado O mito do desenvolvimento (Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1974), em que sustentava a tese de que era um mito imaginar
que através do desenvolvimento econômico o mundo inteiro desfrutaria algum dia do padrão de consumo dos americanos. Ele
tinha certeza, assim como embasamento, para afirmar que tal fato
não aconteceria nunca. E que, portanto, o desenvolvimento não
se poderia gerar por falta de recursos naturais. Ele disse isso há 34
anos. Nessa época, eu li e achei que ele teve um ataque de
malthusianismo [2]. Isso porque Malthus, há 200 anos, dizia que a
Terra era finita, que os recursos naturais acabariam e que o aumento da população resultaria em fome etc., na medida em que estávamos indo para além da capacidade da Terra.
A tese de Malthus foi várias vezes refutada porque houve diversos avanços científicos que permitiram a utilização de recursos
naturais que na época dele não existiam. Em 1974, nós acreditávamos que o Celso estava um pouco pessimista demais porque, na
medida em que os recursos naturais se esgotavam, outros substitutos eram encontrados. No lugar do petróleo que está acabando,
nós desenvolveríamos biocombustíveis, energia eólica, energia
solar, e assim por diante. Só que o Celso estava certo e nós errados. Ele não estava sendo excessivamente pessimista. Chegou o
momento em que a pressão da demanda está muito mais forte do
que a capacidade de resolução propiciada pelo avanço científico
através de novas tecnologias, esses impasses.
IHU ON-LINE – O SENHOR AFIRMA QUE AS PESSOAS QUEREM TER O
PADRÃO DE VIDA DAS PROPAGANDAS E QUE, SE PASSARMOS A CONSUMIR O QUE OS AMERICANOS CONSOMEM VAMOS ROMPER OS LIMITES DA
NATUREZA.
O QUE ENTÃO FAZER PARA CONTER ESSA CRISE?
P.S – Quem está consumindo são os mais ricos; os outros não
estão podendo consumir. Se mais gente quiser comer derivados
da carne, ela irá subir mais ainda e os que tiverem menos dinheiro
irão ficar de fora. Não podemos cruzar os braços e ficar chorando. Em primeiro lugar, precisamos criar condições de usar da
melhor maneira possível aquilo que temos. Existem alternativas
para melhorar a produção agrícola. Nesse tempo todo, no entanto, não se investiu na agricultura da pequena propriedade que é
ecologicamente viável.
24
”
No mundo de hoje tem-se dois tipos de agricultura: a industrial,
praticada pelas grandes empresas capitalistas, e a camponesa,
que pratica uma tecnologia pré-industrial. A agricultura industrial
é extremamente predatória com os recursos naturais, o que já é
consenso científico. O uso intensivo de agrotóxicos envenena a
terra, a atmosfera , os lençóis freáticos e os rios. Enquanto isso, a
agricultura camponesa é respeitosa, pois não estraga nada. Então,
nós precisamos privilegiar a agricultura camponesa, mesclando
os conhecimentos tradicionais à ciência mais avançada.
1IHU ON-LINE – ACREDITA QUE A EXPANSÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR POSSA CONTER A CRISE ALIMENTÍCIA?
P.S. – Exatamente.
IHU ON-LINE – A CRISE ENERGÉTICA?
P.S. – Para a crise energética teremos de encontrar outras soluções. Uma delas é reduzir drasticamente o número de automóveis
em nossas cidades. Eles são poluentes, congestionantes e caóticos. Em São Paulo, houve um boom de automóveis. Estão vendendo a prazo: pode-se pagá-los em até oito anos. Obviamente,
nenhum automóvel dura oito anos, pois, nesse meio tempo, ele
desvaloriza. Enfim, é uma loucura! O fato concreto é que há uma
crise de trânsito em São Paulo. A cidade não anda, tem congestionamentos o dia todo e até em lugares onde ninguém imagina existir. Há ainda a poluição pelos automóveis, algo muito grave. Precisamos oferecer transporte mais racional e compatível com a natureza. Isso significa usar o metrô, a bicicleta.
Paris criou, por exemplo, ciclovias por toda a cidade. Em muitas cidades da Europa a municipalidade coloca bicicletas em pontos estratégicos, como nas estações de metrô. A pessoa sai do metrô e aluga
uma bicicleta por um preço muito barato e vai até onde precisa. Além
de não ser poluente, também é muito bom do ponto de vista da saúde.
Para solucionar em parte a crise energética precisamos reformular
inteiramente o transporte urbano, tornando-o não poluente e não
criando mais consumidores vorazes de combustíveis fósseis.
Por outro lado, é preciso criar, através de tributos e subsídios, um
desestímulo ao consumo de carnes e derivados. É necessário tornálos mais caros ainda, e fazer com que as pessoas voltem a se alimentar de vegetais. Não há outra saída. Os governos precisam fazer isso
para que os pobres possam comer. Não estou dizendo que devemos
virar vegetarianos – o que seria uma boa alternativa –, mas, pelo
CharlesFred
Marcuslyra
“
Para solucionar em parte a crise energética, precisamos reformular
o transporte urbano, tornando-o não poluente, reduzindo os vorazes consumidores
de combustíveis fósseis e estimulando um transporte racional e compatível
com a natureza, como metrô e bicicleta.
menos, não deveríamos comer carne todos os dias. Pertenço a uma
classe social que come carne no almoço e no jantar. Isso não será
mais possível. Acredito que, através de instrumentos tributários e
com educação alimentar a população possa ter uma dieta mais compatível com a disponibilidade atual de solo.
IHU ON-LINE – ACREDITA
QUE A POPULAÇÃO MUNDIAL QUE NÃO
”
consumidores de derivados de petróleo e fazem piorar as mudanças climáticas. É preciso reduzir todo o comércio internacional e
fazer apenas comércio internacional daquilo que não pode ser
produzido localmente. É um absurdo importar montanhas de coisas apenas pelo imperativo de preço. Nosso mundo está chegando ao limite ecológico. Os camponeses já perceberam isso há anos,
o que já é uma reivindicação da economia solidária européia. ■
PASSA FOME JÁ SE CONSCIENTIZOU DA DIMENSÃO DESSA CRISE E DE SUAS
CONSEQÜÊNCIAS?
IHU ON-LINE – A CRISE DOS ALIMENTOS JÁ É SENTIDA PELA ELEVAÇÃO DE PREÇOS. MAS O QUE FAZER PARA CONTER A CRISE DE FOME?
P.S. – Eu desejaria que ninguém passasse fome, o que é um direito
fundamental. Deixar uma criança subnutrida é um crime. Para isso, o
governo pode racionalizar os alimentos e distribuí-los de forma a
que todos possam pelo menos comer vegetais. Essa é a direção
para a qual devemos caminhar. Essa crise alimentar também advém
do fato de os chineses, que só comiam arroz, agora comem manteiga, queijo, iogurte e carne. Só que eles são um terço da população
mundial. Pensemos nisso! Os hindus também passaram a comer
carne, e os brasileiros aumentaram em 70% desse consumo. Também outros países consomemmuita carne. É preciso que todos comam menos carne. A ONU será o instrumento para sairmos dessa
crise. Nós teremos de transformá-la num governo mundial.
IHU ON-LINE – COMO A SOBERANIA ALIMENTAR PODE CONTRIBUIR
PARA CONTER ESSA CRISE?
P.S. – A soberania alimentar é desejável no sentido de não se ficar
na dependência de preços internacionais e de alimentos que chegam do outro lado do mundo, até porque isso é muito poluente.
Hoje, o comércio internacional está exagerado, a globalização levou o comércio internacional a níveis desnecessários. Não tem
sentido você importar da China brinquedos e outras coisas. Os
navios que trazem esses alimentos poluem muito, são grandes
bcb.org.br
Paul Israel Singer é graduado em Economia e Administração pela Universidade de São Paulo (USP),
onde também doutorou-se em Sociologia e obteve o
título de livre-docência. É professor da USP desde
1984, além de secretário de Economia Solidária do
Ministério do Trabalho e Emprego, e autor de inúmeros livros, entre os quais Globalização e desemprego:
diagnósticos e alternativas (São Paulo: Contexto,
1998), O Brasil na crise: perigos e oportunidades (São
Paulo: Contexto, 1999), Para entender o mundo financeiro (São Paulo:
Contexto, 2000) e Economia socialista (São Paulo: Perseu Abramo, 2000).
Entrevista publicada pelo IHU On-line em 16/05/2008 [IHU On-line é
publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos (IHU) da Universidade do
Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) em São Leopoldo, RS] e pelo portal
www.ecodebate.com.br (17/05/2008).
N OTA :
[1] Celso Monteiro Furtado foi um importante
economista brasileiro e um dos mais destacados intelectuais do país ao longo do século XX. Suas idéias sobre o desenvolvimento e o subdesenvolvimento divergiram das doutrinas econômicas dominantes
em sua época e estimularam a adoção de políticas
intervencionistas sobre o funcionamento da economia. Em 1946, ingressou no curso de doutoramento em economia da Universidade de ParisSorbonne, concluído em 1948, com uma tese sobre a economia brasileira
no período colonial. Em 1949, mudou-se para Santiago do Chile, integrando a recém-criada Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL),
órgão das Nações Unidas. Na década de 1950, Furtado presidiu o Grupo
Misto CEPAL-BNDES, que elaborou um estudo sobre a economia brasileira que serviria de base para o Plano de Metas do governo de Juscelino Kubitschek. Participou da criação, em 1959, da Superintendência
de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). Formação econômica do
Brasil, a mais consagrada obra de Celso Furtado, foi escrita nesse ano.
Em 1962, no governo João Goulart, foi nomeado o primeiro Ministro do
Planejamento. Com o golpe militar de 1964, teve seus direitos políticos
cassados por dez anos. Com a Anistia, em 1979, retornou ao Brasil. De
1986 a 1988, foi ministro da Cultura do governo José Sarney.
Agência Estado
P.S. – A população não precisa pensar. Se a carne estiver tão cara
a ponto de a população não conseguir pagá-la, ela terá de achar
um substituto e pode ser que a indústria encontre formas apetitosas de satisfazer a fome sem mais do que duplicar a produção de
cereais. Segundo um estudo da ONU, para produzir um quilo de
carne bovina são consumidos sete quilos de cereais. Precisamos
reorganizar nosso consumo alimentar de maneira a que todos tenham o que comer.
Cidadania&MeioAmbiente
25
.
MOTORISTA LEGAL É MOTORISTA CONSCIENTE
JAMAIS FALE OU
MANDE MENSAGENS
PELO CELULAR QUANDO
ESTIVER DIRIGINDO.
No trânsito é preciso ter sempre em mente o perigo
que você pode causar aos outros e a si mesmo. Por
isso, nada deve distrair a sua atenção. A conversa
no celular pode ficar para depois. Em primeiro lugar
vem a sua segurança e a de todos os passageiros.
Dirija com consciência.
www.eusoulegalnotransito.com.br
IRRI Images
SEGURANÇAALIMENTAR
TRANSGÊNICOS
poluição
genética
Não bastassem poluição ambiental, mudança climática, desmatamento,
pesticidas e agrotóxicos, abelhas e insetos que polinizam e atuam no
controle de pragas agora enfrentam um novo e letal desafio: as plantas
geneticamente modificadas (OGM). As consequências para a natureza e
para a economia já se manifestam em todo o mundo. Confira e proteja-se
por Eric Aplyn
O
IMPACTO DOS
OGMS
EM INSETOS BENÉFICOS
Por muitos anos, os agricultores orgânicos
se valeram da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt) para controlar algumas pragas. Com
o álibi de proteger o milho, o algodão, a batata e outras culturas dos predadores, as
empresas de biotecnologia se aproveitaram
da descoberta dos agricultores e incorporaram segmentos do código genético do Bt
no código genético de cereais, leguminosas e outras commodities. Só que tais empresas não revelam que os genes do Bt inseridos no DNA das plantas são extremamente diferentes dos do Bt original.
28
Em sua forma natural, a bactéria Bt contém
uma longa proteína cristalizada que deve
ser parcialmente digerida no estômago de
um inseto antes de liberar a toxina ativa
que esburaca o trato digestivo do inseto,
matando-o. Foi esta proteína tóxica da que
os biotecnólogos inseriram nas plantas.
Porém, esta toxina ativa só é criada nas
entranhas de certos insetos, e poucos organismos já foram a ela expostos. O efeito
que pode causar a liberação indiscriminada
da toxina ativa em organismos não originalmente alvo do Bt não foi pesquisado
pelos criadores de plantas Bt, e os dados
hoje disponíveis são alarmantes.
Por exemplo, os artrópodes ápteros e hexápodes – insetos não alados da ordem Collembola – que se alimentam de fungos e de
restos vegetais são ativos recicladores da
natureza, constituindo agente essencial
para o ciclo dos ecossistemas vegetais. Um
estudo apresentado à Agência de Proteção Ambiental dos EUA indica que o milho
Bt da Novartis prejudica os membros da
ordem Collembola (EPA MRID No. 434635).
Os insetos da ordem Neuroptera (o
crisopídeo, a crisopa e outros) são os principais predadores das pragas que atacam
o milho. Investigadores da Estação de Pes-
quisa Federal Suíça para Agroecologia e
Agricultura evidenciaram aumento da mortalidade ordem de dois-terços nas larvas
dos insetos Neuropetera alimentadas com
pragas criadas no milho Bt da Novartis em
comparação com larvas alimentadas com
milho não-transgênico (Hillbeck et al.,
1998). Verificou-se que após se banquetearem com o alimento transgênico, os insetos resistentes aos efeitos tóxicos do milho BT voavam para plantas não BT, onde
eram devorados pelos insetos Neuroptera
que, por sua vez, sucumbiam ao venenoso
BT embutido no organismo de suas presas. Desse modo prova-se que o
desmantelamento da cadeia ecológica vai
muito além das áreas plantadas com organismos transgênicos.
Na Tailândia, país no qual foram iniciados
os ensaios de cultivo do algodão Bt, da
Monsanto, em 1996, a comissão encarregada de fiscalizar os campos de provas constataram a morte de 40% das abelhas durante
o período de ensaio do novo algodão (Compeerapap, 1997). Infelizmente não se pôde
estabelecer a conexão entre a mortalidade
das abelhas e o Bt pela simples razão de que
nenhuma outra informação adicional ter sido
desde então disponibilizada.
As empresas de biotecnologia nem consideram tais possibilidades, subestimando a
probabilidade de “transferência horizontal
de genes.” No entanto, pesquisa recente
revelou que o fluxo de genes entre plantas
de cultivo e seus aparentados selvagens
pode ser mais alto que normalmente se imagina, fato que aumenta o risco de migração
de sequências genéticas produzidas em laboratório para outras plantas. Ainda mais
assustador é o relatório de pesquisadores
da Universidade de Indiana documentando
como um parasita genético que antes pertencia à família dos fermentos migrou sem
explicação para outras espécies vegetais
mais complexas e sem conexões com os fermentos (Palmer 1998).
canola geneticamente alterada teve de ser
destruído após comprovar-se que a canola-OGM polinizara plantas vizinhas. Um
jornal britânico citou o sentimento do gerente de provas da Perryfield Holdings, a
corporação responsável pelo ensaio: “Nós
esperamos ser processados”.
■
Além disso, numerosos casos de polinização cruzada com colheitas transgênicas foram informados no último ano, especialmente no Reino Unido, onde teste-piloto com
Eric Aplyn – Consultor independente e autor
do artigo More Dangers of Genetically Altered
Plants publicado em Synthesis/Regeneration 18
(Winter 1999). Tradução livre de Cidadania &
Meio Ambiente.
GENÉTICA
A atual economia com base em hidrocarboneto ainda é forte e embute um novo
tipo de Ameaça: a poluição genética, que
ocorre quando os genes criados laboratório se incorporam em versões naturais ou
cultivares da mesma planta, ou ainda em
espécies aparentadas.
Os perigos da poluição transgênica ainda não
são totalmente percebidos e compreendidos.
As pesquisas indicam que a disseminação
de cultivares resistentes a herbicidas colheitas muito provavelmente gerará “super ervas daninhas” resistentes a herbicidas. Os
pesquisadores também especulam a possibilidade da transferência dos genes de expressão Bt para plantas selvagens, fato que romperia seriamente os ciclos ecológicos, conferindo-lhes vantagem sobre os predadores que
os mantêm sobcontrole.
Hawkes, N. (1997). London Times. October 22.
Hilbeck, A., Baunigartner, M., Fried, P.M. & Bigler, F. (1998).
Effects of transgenic Bacillus thuringiensis corn-fed prey on
mortality and development time of immature Chysoperla
carnea (Neuroptera: Chrysopidae). Environmental
Entomology, 27(2), 480-487.
Palmer, J.D. Evolution Explosive invasion of plant
mitochondria by a group I intron. PNAS 95(24):14244-14249.
MORATÓRIA PARA OS ALIMENTOS TRANSGÊNICOS
A Academia Americana de Medicina Ambiental divulgou documento com posição sobre os alimentos
geneticamente modificados, afirmando que “os produtos transgênicos representam um sério risco a saúde”, ao mesmo tempo em que pede uma moratória imediata.
O jornal The Londres Times publicou que
o tempo de vida das joaninhas foi reduzido
à metade quando eles comeram afídeos
cevados em batatas geneticamente modificadas plantadas na Escócia. As joaninhas
também botaram menos ovos.
POLUIÇÃO
REFERÊNCIASS
Compeerapap, J. (1997). The Thai debate on biotechnology
and regulations. Biology and Development Monitor, 32, 13-15.
A Academia pede por:
Citando vários estudos realizados com animais, a
Academia dos EUA conclui: “Há mais do que uma
associação casual entre os alimentos transgênicos e
os efeitos adversos à saúde”. No documento, a Academia ainda alerta: “Os alimentos geneticamente
modificados representam um risco nas áreas da toxicologia, alergias, funções imunológicas, saúde reprodutiva, metabolismo, fisiologia e saúde genética.”
❚ Uma moratória sobre os alimentos geneticamente modificados, implementação de
testes de segurança de longo prazo imediatos e etiquetação dos alimentos transgênicos.
❚ Que os médicos alertem seus pacientes, a comunidade médica e o público para
evitar os alimentos geneticamente modificados.
❚ Que os médicos considerem o papel dos alimentos geneticamente modificados nas
doenças de seus pacientes.
❚ Mais estudos independentes de longo prazo que comecem a juntar dados para
investigar o papel dos alimentos transgênicos na saúde humana. “Vários estudos em
animais mostraram que os alimentos geneticamente modificados causam danos a vários sistemas orgânicos. Com essa evidência volumosa, é imperiosa uma moratória sobre
os alimentos transgênicos para a segurança de nossos pacientes e do público”, diz o
médico Amy Dean, chefe do Paraná e membro do Conselho da Academia nos EUA.
“Os médicos estão provavelmente vendo os efeitos em seus pacientes, mas precisam
saber como fazer as perguntas certas”, diz a dra. Jennifer Armstrong, presidente da
Academia. “Os alimentos geneticamente modificados mais comuns consumidos nos
EUA são soja, milho, canola e óleo de algodão”.
❚ O comunicado da Academia sobre alimentos geneticamente modificados pode ser
encontrado em http://aaemonline.org/gmopost.html. A American Academy of Environmental Medicine é uma associação internacional de médicos e outros profissionais dedicados a mostrar os aspectos clínicos da saúde ambiental. Mais informações
são disponíveis em www.aaemonline.org.
Fonte: Edinilson Takara – Agência Estadual de Notícias do Paraná.
Cidadania&MeioAmbiente
29
C R I S E A M B I E N T A L
Seremos 7 bilhões
de habitantes no mundo
em 2012 e 9 bilhões
em 2050. O problema
não é a fecundidade,
que já está diminuindo,
mas a má distribuição
de recursos e a
insustentabilidade do
modelo de desenvolvimento gerador das crises climática, alimentar
e energética. Há espaço suficiente e recursos para todos?
Augustograph
?
Já somos demais
por Verónica Calderón
E
m 2050 a Terra abrigará 9,1 bilhões. A
grande maioria dos novos habitantes
viverá nos países pobres. Segundo
cálculos da ONU, em 2050 a população espanhola será praticamente igual à de 2009, cerca de 42,8 milhões de habitantes. Muito longe do crescimento previsto para países como
Níger, Somália e Uganda, cujas populações
crescerão até 150% nos próximos 40 anos.
do mundo, a natalidade se reduzirá pela
metade. As previsões da ONU coincidem
em que a tendência se manterá. Prevê-se
que em 2050 a fertilidade mundial será de
apenas 1,85 filho por mulher. Sem os métodos anticoncepcionais, a população mundial cresceria para 11 bilhões de pessoas em
2050. Os controles de natalidade foram fundamentais, mas não são a única solução.
A população dos países desenvolvidos se
manterá praticamente igual e em alguns inclusive diminuirá. Em troca, os países mais
pobres do mundo terão um crescimento
acelerado. Dos 2,4 bilhões de pessoas a
mais que haverá no mundo em 2050, 98%
viverão em países pobres. Há espaço suficiente e recursos para todos?
Há mais de 200 anos, o inglês Thomas
Malthus já advertia eu seu célebre “Ensaio sobre o Princípio da População” que
os recursos naturais seriam insuficientes
para abastecer a população mundial.
As taxas de natalidade diminuíram 50% nos
últimos 30 anos, e espera-se que caiam ainda mais. Inclusive nos países mais pobres
30
A pesquisadora Rosamund McDougall,
diretora adjunta da ONG Fundo para uma
População Ótima (OPT na sigla em inglês),
adverte que
“uma população de mais de 9 bilhões de
indivíduos teria um impacto terrível so-
bre a Terra, e não só na qualidade de vida.
O volume de emissões de gases do efeito estufa tornaria impossível viver no
planeta em 20503 .
Quem então ocupará a Terra? A população
dos 49 países mais pobres do mundo se duplicará, de 840 milhões para 1,7 bilhão de pessoas, segundo aponta o relatório “Perspectiva
sobre a População Mundial”, divulgado em
2008 e elaborado pela Divisão de Pesquisa
Demográfica e População Mundial da ONU.
Os países desenvolvidos, em comparação,
não sofrerão uma mudança significativa em
sua população: de 1,23 bilhão de habitantes em 2009 para 1,28 bilhão em 2050. Inclusive Japão, Geórgia, Rússia e Alemanha
perderão 10% de suas populações.
O cientista e escritor britânico Fred Pearce opina
que o problema não é quantos somos, mas a
O consumo de uma pessoa nos EUA emite
20 toneladas de dióxido de carbono por
ano; o equivalente ao de dois europeus,
quatro chineses, 10 indianos ou 20 africanos. Oitenta por cento da população pagariam as consequências econômicas e
ambientais do consumo de 20%.
Stephen Pacala, diretor do Instituto Ambiental da Universidade Princeton (EUA),
calcula que os 500 mil habitantes mais ricos do mundo – cerca de 0,7% da população atual – são responsáveis por 50% das
emissões de CO2 no mundo.
E a situação só fará agravar-se nos próximos anos. Pierce adverte:
“O desafio é, na realidade, que os recursos sejam distribuídos de maneira mais
equitativa. Os efeitos sobre o meio ambiente são extremamente difíceis de reverter
através das taxas de natalidade. Mesmo
se reduzíssemos a zero a fertilidade no
mundo, as emissões de gases do efeito
estufa deveriam diminuir pelo menos 50%
até meados do século”.
OS
FAMINTOS DA
TERRA
Além dos efeitos da mudança climática, os
países menos desenvolvidos enfrentam a
fome, a causa direta ou indireta de 58% do
total de mortes do mundo, segundo um estudo da ONU divulgado em 2004. O Instituto de Recursos Mundiais (WRI na sigla em
inglês) advertiu na semana passada que em
2050 haverá mais 25 milhões de crianças
desnutridas no mundo, que se somarão as
150 milhões que atualmente padecem fome.
Os níveis de pobreza continuarão aumentando: entre 1981 e 2001 duplicou o número
de pessoas que viviam com menos de US$
1 por dia na África subsaariana: de 164 milhões para 316 milhões; e nos próximos 40
anos dois terços da população mundial viverão em países em desenvolvimento.
O fato é que hoje 1 bilhão de pessoas (um
sexto da população mundial) sofre fome. Em
2050 serão 1,7 bilhão, 18% da população
prevista para então. Além da degradação
ambiental, os conflitos e o baixo desenvolvimento causam a escassez de alimentos.
UM
Juan Falque
maneira como distribuímos os recursos:
“É evidente que o problema é o consumo excessivo dos países desenvolvidos
e não a superpopulação dos mais pobres”, afirma.
DESAFIO NADA NOVO
A chamada Revolução Verde conseguiu duplicar a produção de alimentos entre 1960 e
1990. E na atualidade ainda existem 60% de
terra fértil no mundo. Mas o que garante aos
países pobres um desenvolvimento sustentável nos próximos anos? Pearce e Pacala concordam que um bom início é o investimento.
“
Dos 2,4 bilhões
de pessoas a mais
que haverá no
mundo em 2050,
98% viverão
em países pobres.
”
Os agricultores africanos empregam o equivalente a 1% do fertilizante utilizado por um
agricultor em um país rico. E enquanto nos
países pobres se consome uma dieta baseada em vegetais, os ricos consomem comida
(carne) que come vegetais.
Para produzir um quilo de carne são necessários pelo menos 10 quilos de pasto. Um
americano médio consome 120 quilos de
carne por ano, enquanto nos países em desenvolvimento a média é de 28 quilos. A
falta de tecnologias que desenvolvam a
agricultura nos países menos desenvolvidos e os efeitos da crise econômica global
pioram as circunstâncias. Para Pacala:
“A cooperação marcaria uma diferença
significativa. As crises de fome se devem na maioria das vezes ao fraco desenvolvimento dos países e a uma produção insuficiente.”
A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO na sigla em inglês) advertiu, em 2008, que o gasto anual
em alimentos importados nos países mais
pobres poderia representar quatro vezes mais
do que em 2000. Observa o relatório:
“Para os consumidores mais pobres, que
aplicam 60% de seus recursos em alimentação, o aumento significa um golpe brutal em seus orçamentos.”
A FAO também salienta que para combater
a fome o mundo deveria produzir, em 2050,
70% mais alimentos do que hoje.
Em 2008, um relatório do Ministério do Desenvolvimento britânico calculou que a
redução da fome no mundo exigiria pelo
menos 900 milhões de libras (cerca de 987
milhões de euros) para garantir o desenvolvimento e as tecnologias necessárias
ao favorecimento da agricultura nos países mais pobres.
O orçamento da FAO, em 2008, foi de US$
870 milhões. Em 2009, subiu ligeiramente para
US$ 930 milhões. Ao comparar a cifra com os
US$ 700 bilhões que o governo americano
destinou para evitar a quebra do banco de
investimentos Bear Stearns, as hipotecárias
Freddie Mac e Fannie Mae e a seguradora
AIG em setembro do ano passado, o orçamento mundial dedicado a combater a fome
representa apenas 2% dessa cifra.
Os líderes reunidos na cúpula do G20 realizada em Pittsburgh em setembro passado
concordaram em destinar cerca de US$ 2
bilhões em ajudas para combater a fome no
mundo, mas um estudo publicado pelo Instituto Internacional para Pesquisa de Políticas Agrárias em outubro indica que é insuficiente. Gerard Nelson, um dos autores
do relatório, adverte:
“São necessários pelo menos US$ 7 bilhões ao ano para a pesquisa agropecuária e a melhora da infraestrutura
rural nos países. Se a política que privilegia os lucros perseverar, as consequências serão desastrosas”,
A prioridade para resolver a fome, uma grave consequência da má distribuição de recursos no mundo, também não é nova. Em
1972, numa entrevista a Dick Cavett sobre
as consequências da superpopulação, John
Lennon foi claro ao definir o primeiro passo:
“Temos comida e dinheiro suficientes
para alimentar a todos. Há espaço suficiente e alguns até vão para a lua”.
■
O artigo de Verónica Calderón foi publicado
originalmente no jornal espanhol El País e em
www.ecodebate.com.r (09/11/2009). Tradução:
Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Cidadania&MeioAmbiente
31
Copenhague:
o ponto de virada
para o clima
por Ed Miliband
T
endo chegado a uma cidade sitiada
por pessoas e papéis, já tenho certeza de uma coisa: Copenhague não
é apenas mais uma negociação internacional. É um momento de escolha crucial para
todos nós. E estou certo de que faremos a
escolha certa. Independentemente do sucesso das negociações, o mundo será muito diferente até o meio deste século.
Nossas escolhas determinarão como serão essas mudanças. Podemos escolher o
futuro que queremos para nós e nossos
filhos ou podemos deixar que escolham
um futuro menos positivo e mais sombrio.
Se formos bem-sucedidos no combate às
mudanças climáticas, o mundo terá sido
transformado pelos nossos esforços.
Nações terão trabalhado juntas para reduzir suas emissões de carbono. Teremos construído um sistema de energia
neutro em carbono com novos empregos e novo crescimento. Teremos criado
um variado leque de tecnologias de baixo carbono. Nossas economias terão
mais segurança energética. A cooperação terá vencido as rivalidades.
Se falharmos, o mundo já estará vivendo
um aumento de temperatura de 2ºC. E
estará irreversivelmente destinado a um
aumento de 4ºC e além. O mapa que o
MetOffice (1) lançou recentemente mostra que mundo inimaginável será este
com enchentes e secas tornando água e
alimento escassos para centenas de milhões de pessoas. A competição por recursos terá vencido a cooperação.
Essas são as escolhas que temos de fazer em Copenhague. Temos a tecnologia
e, apesar da recessão, a transformação
32
necessária do nosso sistema de energia é factível. A questão é se teremos vontade política coletiva suficiente.
As apostas não poderiam ser mais altas para
a humanidade. Por isso, Gordon Brown (2) foi
o primeiro de 130 líderes a confirmar sua presença em Copenhague.
Estamos entrando na segunda semana de
negociação e ainda há muito a fazer. A essência do acordo é clara. Ele precisa refletir a
responsabilidade do mundo industrializado
pelo carbono que já foi emitido. Mas é importante também olhar adiante as emissões que
virão do crescimento dos países emergentes.
Países industrializados devem concordar em
diminuir suas emissões. A União Europeia foi
a primeira a colocar uma oferta ambiciosa na
mesa. E nós agora temos ofertas substanciais dos maiores países desenvolvidos, com
Estados Unidos, Japão, Noruega e Rússia
anunciando propostas.
As economias emergentes também precisam
ser claras quanto às ações que irão realizar
para evitar emissões de carbono. Isso já está
acontecendo: Brasil, China, Indonésia, África do Sul e a República da Coreia já anunciaram o que irão fazer.
Nossa tarefa em Copenhague é assegurar que
todas essas ofertas se combinem para colocar
o mundo no caminho para manter o aquecimento global em menos de 2ºC. Juntos, precisamos
esticar nossas ofertas e colocar mais na mesa.
O Reino Unido está fazendo o esforço. Fomos o primeiro país a definir metas de redução com força legal, uma diminuição de 34%
até 2020 em relação aos níveis de 1990 e um
corte de 80% até 2050. O Reino Unido ainda
Independentemente do
sucesso das negociações,
o mundo será muito diferente
até o meio deste século.
fará mais como parte da União Europeia.
Como o primeiro-ministro disse na terçafeira, estamos fazendo o possível para que
a UE aumente sua oferta para 30%.
Países industrializados também precisam
apresentar propostas de financiamento de
curto e longo prazo para a criação de um
fundo de ações para que o mundo em desenvolvimento possa se adaptar às mudanças climáticas ou reduzir suas emissões.
Essa quantia deve chegar a US$ 100 bilhões em 2020. Isso tem o potencial de levar o crescimento de baixo carbono aos
países pobres, tirando milhões da pobreza.
Há muitos assuntos importantes a serem
discutidos, mas no coração do acordo está
isto: os países desenvolvidos precisam reduzir emissões, os emergentes devem agir
e o financiamento deve acontecer. A não
ser que isso seja acordado, haverá pouco
progresso em outras questões.
Para completar a escolha, um acordo político entre os líderes mundiais em Copenhague deve levar a um acordo com força legal
no mais tardar até meados de 2010.
Política, sempre nos lembra, é a arte do possível. Sucesso em Copenhague precisa mais
do que isso. Precisamos reunir vontade política suficiente para expandir o reino do possível. É isso que liderança política significa.
Está em nosso alcance, precisamos
apenas segurar.
■
(1) MetOffice – Organismo para previsão de condições meteorológicas e de mudanças climáticas para o Reino Unido e
mundo (www.metoffice.gov.uk/
(2) Gordon Brown – Primeiro-ministro britânico.
Ed Miliband, mestre em economia pela
London School of Economics, é o ministro de
Energia e Mudanças Climáticas do Reino Unido.
Cidadania&MeioAmbiente
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Ovejero1
P O N T O - D E - V I S T A
Os vetores da
descarbonização
O rumo da descarbonização global será influenciado pelas vias
que forem abertas para que os países do Segundo Mundo não
sejam dependentes de perversas transferências de tecnologia.
por José Eli da Veiga
S
e tratados entre quase 200 nações fossem realmente decisivos, o mundo estaria muito mais seguro do que ao término da
Guerra Fria. Porém, já são 40 os países com
potencial nuclear, embora não passassem de
meia dúzia quando foi adotado o Tratado de
Não Proliferação de Armas Nucleares (NPT).
Que chegou a ter 187 adesões até a retirada
da Coreia do Norte, em 2003.
“Mutatis mutandis”, a Convenção-Quadro
das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) tem 189 países signatários,
mas também não passam de 40 os responsáveis por mais de 90% das emissões de carbono. E praticamente todos estão no G20, a
melhor instância de governança global, que
junta 15 das maiores economias do mundo
às 27 da União Europeia, além da participação ex-officio do FMI e do Banco Mundial.
Então, se o G20 foi incapaz de chegar a um
acordo sobre o regime climático a vigorar
em 2012, pouco se pode esperar da algaravia que rábulas de 196 nações promoverão
em Copenhague de 7 a 18 de dezembro.
Pior: mesmo na hipótese da mais grata surpresa, o precedente da ameaça de um inverno nuclear permite supor que ela não impediria o longuíssimo verão carbônico decorrente da dependência de energias fósseis.
Prognóstico pessimista? Muito pelo contrário. Ele só realça que os vetores dos processos geopolíticos reais vão muito além de acordos globais. A biosfera não teria sobrevivido
se dependesse só de respeito ao velho NPT.
De modo similar, a descarbonização continuará por outras razões, seja qual for o desfecho da cúpula climática de Copenhague.
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A predisposição a se engajar na transição
ao baixo carbono tem sido primordialmente determinada pela preocupação de cada
nação com a sua própria segurança energética e pela confiança que pode ter em
sua capacidade científico-tecnológica para
aproveitar as oportunidades já vislumbradas da próxima onda longa de desenvolvimento do capitalismo.
Processo cada vez menos influenciado pelos setores econômicos e segmentos sociais que serão perdedores com o inexorável
encarecimento da emissão de carbono.
Algo que parece valer para todos, inclusive para os grandes emissores da semiperiferia, como é o caso do Brasil.
Todavia, ao contrário do que ocorre no Primeiro Mundo, os chamados emergentes não
têm como confiar na geração própria das
inovações necessárias à descarbonização.
Por isso, ainda vêm nessa transição mais
sacrifícios ao seu crescimento econômico
do que possíveis vantagens competitivas
em novos negócios e novos mercados.
A ressalva é importante, pois, dos 20 países
que mais contribuíram em termos absolutos
para o aumento de 60% das emissões globais de 1980 a 2006, entre 12 e 15 são emergentes, a depender de como se classifique
os tigres Coreia do Sul, Taiwan e Cingapura.
Somente cinco são indiscutivelmente do
pequeno clube dos ricos: Estados Unidos,
Japão, Austrália, Espanha e Canadá.
Por isso, o que mais influenciará o rumo da
descarbonização global serão as vias que
forem abertas aos países desse Segundo
Mundo para que não fiquem na dependência de perversas transferências de tecnologia. Que possam, ao contrário, se beneficiar de esquemas de cooperação na mon-
tagem de seus próprios sistemas de ciência, tecnologia e inovação.
A China tem mostrado muita clareza sobre
essa prioridade, principalmente em seus entendimentos bilaterais com os EUA. Certamente devido à sua imensa dependência do
carvão e por precisar muito da energia nuclear, busca saídas das mais pragmáticas para
uma equação energética muito difícil de ser
resolvida em uma sociedade cuja economia
não pode crescer menos de 8% ao ano.
Ao contrário do Brasil, onde a evolução da
atitude governamental só evidencia a ausência de estratégia nacional. Em grande
parte resultante do comodismo induzido
por uma das mais limpas matrizes energéticas do mundo. E também, é claro, por divergências ministeriais que refletem clivagens entre os segmentos mais organizados da sociedade civil.
Muito outros argumentos em favor dessa
tese – de que pouco importa o desfecho da
COP 15 para a transição ao baixo carbono –
estão no livro “Mundo em Transe: Do Aquecimento Global ao Ecodesenvolvimento”, a
ser lançado na Livraria Cultura (São Pulo)
exatamente no início do segundo tempo da
pelada de Copenhague: dia 14/12.
■
José Eli da Veiga – Professor titular da Faculdade de Economia (FEA) e orientador do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP; pesquisador
associado do “Capability & Sustainability Centre” da Universidade de Cambridge. Autor do
livro “A Emergência Socioambiental” (Senac,
2007) e co-autor, com Lia Zatz, de “Desenvolvimento Sustentável, que Bicho É Esse?”. Artigo publicado no jornal VALOR (09/06/2009).
Recomendamos visita à página do autor na web:
www.zeeli.pro.br
Cidadania&MeioAmbiente
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edição n° 23 da revista Cidadania & Meio Ambiente