UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE FACULDADE DE DIREITO, CIÊNCIAS ADMINISTRATIVA E ECONÔMICAS CURSO DE DIREITO Isaías Ribeiro da Silva Júnior A POSSIBILIDADE DA GUARDA COMPARTILHADA Governador Valadares 2009 ISAÍAS RIBEIRO DA SILVA JÚNIOR A POSSIBILIDADE DA GUARDA COMPARTILHADA Monografia para obtenção do grau de bacharel em Direito, apresentada à Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce, como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Sant Clair Campanha de Souza Governador Valadares 2009 Isaías Ribeiro da Silva Júnior A POSSIBILIDADE DA GUARDA COMPARTILHADA Monografia para obtenção do grau de bacharel em Direito, apresentada à Faculdade de Direito, Ciências Administrativas e Econômicas da Universidade Vale do Rio Doce, como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Sant Clair Campanha de Souza Governador Valadares, _____ de setembro de 2009. Banca examinadora: Sant Clair Campanha de Souza Prof.: – Orientador Universidade Vale do Rio Doce ______________________________________________ Prof.: Universidade Vale do Rio Doce _______________________________________________ Prof.: Universidade Vale do Rio Doce Dedico principalmente a Deus pela força nessa longa e árdua caminhada, que não me deixou desanimar, “a quem sou grande devedor”, à minha família e igreja que amo tanto, pelo incentivo e apoio de cada um deles na realização desse trabalho. AGRADECIMENTOS A DEUS pela oportunidade e pelo privilégio que me foi dado em compartilhar tamanha experiência e, ao freqüentar este curso, perceber e atentar para a relevância de temas que não faziam parte, em profundidade, de minha vida. A minha família pela paciência em tolerar a ausência em muitos momentos, mas foi por eles que hoje cheguei até aqui. A minha amada esposa Franciane, pela força em não desanimar, por estar ao meu lado todos os instantes. Aos meus filhos Samuel e Daniel, heranças dadas por Deus. O carinho especial aos meus pais, enfim a todos que me apoiaram, para conseguir chegar até o fim. Aos colegas de classe pela espontaneidade e alegria na troca de informações e materiais numa rara demonstração de amizade e solidariedade. Ao meu Orientador Prof. Sant Clair pelo incentivo, simpatia e presteza no auxílio às atividades e discussões sobre o andamento e normatização desta Monografia de Conclusão de Curso. RESUMO Preconiza o nosso Código Civil e a Constituição pátria que o poder familiar deve ser exercido igualmente por ambos os pais, estejam eles na constância do casamento ou da união estável ou até mesmo após o fim do relacionamento entre eles. Entretanto, o que ocorre na maioria dos casos concretos não condiz com o que está previsto na legislação brasileira, eis que, com o rompimento do relacionamento amoroso entre os genitores, o filho menor passa a ser responsabilidade de apenas um dos pais, na chamada guarda unilateral. Em razão disso, o genitor não-guardião tem o exercício de seu poder familiar restringido, acarretando desigualdade no exercício de tal poder - dever. Nesse contexto, temos a guarda compartilhada como um modelo novo de guarda capaz de garantir a co-responsabilidade de ambos os pais em relação à vida do filho mesmo após o fim do casamento ou da união estável. Este tipo de guarda assegura a continuidade de maneira equânime do poder familiar em relação a ambos os genitores. Palavras-chaves: poder familiar, guarda, guarda compartilhada. ABSTRACT Calls to our Civil Code and the Constitution that the homeland family power must be exercised equally by both parents, whether they are during a marriage or common-law marriage or even after the relationship between them. However, what occurs in most cases does not match what is provided in Brazilian law, behold, with disruption of the loving relationship between the parents, the minor child becomes the responsibility of only one parent, called the guard unilateral. For this reason, the parent with custody is not the exercise of their power restricted family, leading to inequality in the exercise of such power - duty. In this context, we have shared custody as a new model of care capable of co-responsibility of both parents in relation to the child even after the marriage or stable. This type of custody ensures the continuity of equitable way of family power in relation to both parents. Keywords: family power, custody, shared custody. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 2 A NOVA CONCEPÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA APÓS O ADVENTO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988 ..................................................... 2.1 A REGULAMENTAÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA ............................ 3 PODER FAMILIAR ................................................................................................... 3.1 ASPECTOS HISTÓRICOS ....................................................................................... 3.2 O CONTEÚDO DO PODER FAMILIAR ................................................................. 3.3 O EXERCÍCIO DO PODER FAMILIAR ................................................................. 3.4 MODALIDADES DE GUARDA .............................................................................. 3.4.1 GUARDA COMUM ............................................................................................... 3.4.2 GUARDA DELEGADA E DESMEMBRADA ..................................................... 3.4.3 GUARDA DERIVADA .......................................................................................... 3.4.4 GUARDA FÁTICA, ANINHAMENTO OU NIDAÇÃO ...................................... 3.4.5 GUARDA ALTERNADA, GUARDA DIVIDIDA, GUARDA ÚNICA OU EXCLUSIVA ................................................................................................................... 4 A GUARDA ................................................................................................................. 4.1 A VISÃO CIVILISTA DA GUARDA NO DIREITO BRASILEIRO 4.2 ESPÉCIES DE GUARDA NO DIREITO BRASILEIRO ......................................... 5 A GUARDA UNILATERAL E SEUS ASPECTOS ................................................. 6 A GUARDA COMPARTILHADA ............................................................................ 6.1 OS PRÓS E OS CONTRAS DA GUARDA COMPARTILHADA .......................... 7 CONCLUSÃO ............................................................................................................. REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 09 12 14 18 18 20 22 24 24 24 25 25 25 27 28 29 30 32 36 39 41 9 1. INTRODUÇÃO Este trabalho tem por escopo analisar o instituto da guarda compartilhada de filhos no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro. Partindo de aspectos como: a nova concepção do direito de família brasileiro após o advento da Constituição da República de 1988, a definição de guarda e os seus diferentes tipos, as relações da guarda com o poder familiar entre outros, busca-se demonstrar que a guarda de filhos é sempre um desafio que envolve não apenas a família, na figura de cada um de seus membros, como também o Estado. Posto isso, verifica-se que a guarda compartilhada vem representando a melhor forma para a boa convivência entre pais e filhos após a dissolução da sociedade conjugal ou da união estável, em virtude de suas especificidades e condizente com as alternativas atualmente concebidas. Com a promulgação da Constituição da República de 1988, assim como o princípio da liberdade, o princípio da igualdade entre o homem e a mulher também foi expressamente consagrado, princípio este de reflexos diretos nas relações conjugais e de suma importância nas relações entre pais e filhos. Nesse diapasão, a família passou a ter nova concepção pautada sob os laços da afetividade, da repersonalização, da funcionalização e da pluralidade. Tal modelo de família em nada coincide com o modelo conservador, patriarcal, hierárquico e matrimonializado inscritos no revogado Código Civil de 1916. Os princípios da igualdade e da liberdade emolduram as relações familiares, privilegiando-se os laços de solidariedade entre pais e filhos, de forma a consolidar os deveres dos pais em relação aos filhos. Lado outro, em razão dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana, que protegem, realizam e inserem a pessoa na realidade social, o instituto do poder familiar, substituto do pátrio poder, compete igualmente aos pais. Dessa forma, mesmo com a ruptura da sociedade conjugal ou da união estável, o exercício do poder familiar é mantido por ambos os pais, conforme preceitua o art. 1632 do Código Civil brasileiro vigente. A doutrina majoritária é incisiva ao criticar o inadequado uso da expressão “poder” familiar, vez que a acepção mais correta para o instituto em comento seria a de um poderdever, na medida em que os pais não dispõem de forma absoluta e irrestringível da vida de seus filhos. 10 É através deste poder-dever que os pais mantêm os filhos em sua companhia, proporcionando-lhes proteção, educação, afeto, amor, alimentos, enfim, dando-lhes condições para se desenvolverem e se tornarem cidadãos plenamente capazes de exercerem seus direitos e obrigações. Dessarte, temos que a guarda é elemento integrante do poder familiar, exercido pelos pais em igualdade de termos e condições sobre os filhos menores, enquanto estes estiverem vivendo sob o mesmo teto, quer seja na vigência do casamento, quer seja enquanto perdurar a união estável. Entretanto, quando há o fim do relacionamento entre os genitores, geralmente a guarda dos filhos é atribuída unicamente a um dos pais, e as decisões dela decorrentes passam a ser tomadas unilateralmente na maioria dos casos concretos, mesmo com a permanência do exercício do poder familiar em relação a ambos os pais. Ocorre que o exercício por ambos os pais, nesse caso, fica nitidamente prejudicado; ao guardião fica a responsabilidade pela prestação de assistência material, educacional e moral e ao não-guardião restam apenas os direitos de visita e de fiscalização da manutenção e educação dos filhos por parte daquele. Há o enfraquecimento dos poderes por parte do progenitor privado da guarda, vez que o outro a exercerá individualmente, configurando a chamada guarda unilateral. Como bem anota Claudete Carvalho Canezin: O ordenamento jurídico pátrio adota, em sua maioria, o sistema de guarda unilateral, em que a criança fica sob a guarda de um dos cônjuges, enquanto ao outro é concedido o direito de visita e é atribuída a obrigação financeira para o sustento e educação desses filhos. 1 Todavia, as transformações ocorridas, no que tange ao modelo familiar, alcançaram também os sistemas de guarda, já que os que hoje existem não se mostram suficientes para atender às novas demandas familiares. Sendo assim, vem ocorrendo a adoção de um novo sistema de guarda, qual seja, a guarda compartilhada, que inclui a participação conjunta de ambos os genitores na educação e cuidado de seus filhos, dividindo a responsabilidade sobre os mesmos e compartilhando as decisões importantes relativas à criação deles. Esse sistema é de relevante importância para o direito familiar brasileiro, pois busca atenuar o impacto negativo que a dissolução da sociedade conjugal ou da união estável exerce sobre o 1 CANEZIN, Claudete Carvalho. Da guarda compartilhada em oposição à guarda unilateral. Revista Brasileira de Direito de Família, Ano VI – n°28 – p. 6, fev/mar. 2005. 11 relacionamento entre pais e filhos, eis que mantém ambos os pais envolvidos de forma harmônica na criação dos menores, tornando permanente, ininterrupto e conjunto o papel parental na prática. Denise Duarte Bruno expõe de forma correta que: Mais do que direito, a convivência com ambos os genitores é um fator fundamental no desenvolvimento social e psicológico, tendo em vista que é através de nossas famílias de origem, representadas por nossos pais, que nos inserimos na estrutura social, bem como é primordialmente através da relação com ambos, pai e mãe, que construímos nossa subjetividade. 2 2 BRUNO, Denise Duarte. Guarda Compartilhada. Revista Brasileira de Direito de Família, n°12, p. 37, jan/fev/mar.2002. 12 2. A NOVA CONCEPÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA APÓS O ADVENTO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988 Consoante bem assinalado por Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers Ramos, a família é reconhecida como sendo uma entidade fundamental para a sobrevivência do ser humano, e, ainda, imprescindível à organização e manutenção do Estado, vez que configura um importante organismo ético, moral, religioso e social. Nesse sentido, referida autora destaca que: Como organismo social, que tem o seu fundamento na natureza e nas necessidades naturais da união sexual, na procriação, no amor mútuo, na assistência e na cooperação, que são as razões de sua existência, a família tem notável influência da religião, do costume e da moral, nos quais encontra grande parte de sua regulamentação. Antes de jurídico, a família é um organismo ético. 3 Quando do início da vigência do Código Civil de 1916, o matrimônio era a base da família, ou seja, a entidade familiar apenas se constituía com a celebração do matrimônio. Naquela oportunidade, o direito ocupava-se basicamente das relações familiares que compreendiam o casamento e o pátrio poder, sendo que o matrimônio era indissolúvel. De forma não diferente, desde a Constituição de 1934 até a atual Constituição, a família legítima era aquela constituída por meio do casamento. Entretanto, a Lei Maior promulgada em 1988 rompeu com essa antiga concepção, reconhecendo igualmente como família a união estável entre um homem e uma mulher, bem como a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes (art. 226, §3°, CF/88). E mais, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento da ADI n° 3300 MC/DF, relatada pelo Ministro Celso de Mello, externou o posicionamento de que seria possível a configuração da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Nesse julgado, não se concluiu definitivamente pela admissão da união estável homoafetiva, mas se demonstrou que a realidade social no Brasil e em todo o mundo seria capaz de acrescentá-la ao texto constitucional, por meio da interpretação conforme, um dos meios de controle de constitucionalidade do Supremo. A questão é da maior complexidade, e exige tempo para profunda reflexão e decisão. 3 RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. O poder familiar e a guarda compartilhada sob o enfoque dos novos paradigmas do direito de família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. 13 De acordo com o Código Civil de 1916, a mulher casada era considerada relativamente incapaz, sendo necessária a assistência do marido para o exercício de quaisquer atos da vida civil. Ao marido competia, ainda, a chefia da sociedade conjugal, na medida em que detinha com exclusividade o pátrio poder. Os direitos concedidos à mulher casada tinham cunho protecionista e lhe atribuíam nítido caráter de inferioridade na sociedade conjugal. As relações sem casamento eram moral, social e civilmente reprovadas, atingindo diretamente os filhos frutos dessa união “irregular”, que eram classificados à parte e conseqüentemente discriminados em função da situação jurídica dos pais, acarretando inclusive efeitos prejudiciais aos direitos de sucessão. Nas palavras de Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers Ramos: [...] Tratava-se de uma família hierarquizada, chefiando o marido a mulher e os filhos, no exercício do poder marital e do pátrio poder. Os filhos, enquanto menores, sujeitavam-se ao pátrio poder, dispensando-lhes a lei civil proteção traduzida nos deveres inerentes ao pátrio poder. A esposa, somente em 1962, com o Estatuto da Mulher Casada, deixou de ser relativamente incapaz e detinha o poder doméstico, que lhe conferia um papel pequeno na sociedade familiar. 4 A Constituição da República de 1988 trouxe inúmeras inovações na estrutura familiar. A família presente no antigo Código Civil de 1916 era fundada no casamento, havendo distinção quanto aos filhos, com característica essencialmente patrimonialista e patriarcal. Em contrapartida, a família contemporânea, agora regulada pelo Código Civil de 2002 – interpretado à luz da Constituição Federal de 1988 –, tem sua base fixada no amor, no afeto, na solidariedade e na promoção da dignidade de seus membros. Observa-se também o reconhecimento de outros modelos de entidades familiares além do casamento, conferindo direitos iguais a todos os filhos, sejam eles oriundos ou não do casamento, e igualdade entre o homem e a mulher. Sabe-se que tais alterações são resultantes da inevitável evolução da sociedade e do conseqüente acompanhamento da legislação. Conforme ressalta Basílio de Oliveira, citado por Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers Ramos (2005), “são significativas as mudanças e transformações do conceito de família, gerando novas vertentes de organizações familiares, ocorridas nas últimas décadas, com o já mencionado reconhecimento jurídico das uniões estáveis, e o incremento de famílias compostas por um único genitor (pai ou mãe) com o filho ou filhos cuja guarda assumiu (família monoparental).” 4 RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. O poder familiar e a guarda compartilhada sob o enfoque dos novos paradigmas do direito de família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.14. 14 Importante aspecto a ser considerado, também ressaltado pela autora ora citada, diz respeito à prevalência das relações estritamente pessoais e não-econômicas sobre as interações patrimoniais e econômicas no âmbito da família. Em decorrência, há o reconhecimento de um direito à realização individual, ou seja, na atualidade, o bem maior da família, como uma unidade, resulta do somatório do bem de cada um de seus membros. A Constituição de 1988 altera o objeto da tutela jurídica no âmbito familiar do antigo centro de produção dos valores culturais, éticos, religiosos e econômicos para o atual núcleo de desenvolvimento da personalidade dos filhos e de promoção da dignidade de seus membros. Nesse diapasão, Patrícia Pimentel de Oliveira Ramos afirma que: [...] não se pode admitir qualquer interpretação legal que privilegie um dos filhos em detrimento de outro, que vise tutelar o vínculo conjugal em sacrifício de algum dos cônjuges ou dos filhos, ou que estabeleça um afastamento de um dos genitores em virtude da separação conjugal ou dissolução da união estável. Tanto os direitos quanto os deveres deverão ser exercidos igualmente entre os consortes. Todos os filhos haverão de ser tratados de maneira igualitária, cabendo aos genitores assistilos e zelar por sua boa formação educacional e mora. 5 2.1. A REGULAMENTAÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA No dia 13 de junho de 2.008 foi sancionada a Lei 11.698, esta alterou os artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil, para instituir e disciplinar o instituto da Guarda Compartilhada. Tal instituto já havia sido aceito pela doutrina e abarcado na prática pela jurisprudência, foi pacificado em definitivo, através de reconhecimento pelo legislativo. Contudo, parcela da doutrina civilista vem apontando graves falhas da nova legislação, as quais implicariam na inviabilidade do uso dessa medida. Os alvos das críticas dirigidas à Lei nº 11.698/08 concentra-se no teor do atual artigo 1.584, § 2º, do Código Civil, segundo o qual "Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada". Desta forma, alguns autores, entendem que dispositivo acima citado será usado como uma regra preferencial quase obrigatória do exercício do poder familiar após a dissolução do casamento/união estável na hipótese de não haver acordo entre os genitores implicaria em um franco retrocesso no que tange à regra geral da guarda unilateral concedida a quem relevar 5 RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. O poder familiar e a guarda compartilhada sob o enfoque dos novos paradigmas do direito de família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.24. 15 possuir melhores condições, outrora encontrada no antigo art. 1.584, parágrafo único, do Codex, pois o litígio vivenciado pelos pais impossibilitaria por completo o sucesso daquela modalidade de guarda. O poder familiar, via de regra, dura por toda a menoridade e a sua suspensão ou destituição não desobriga ao genitor penalizado do dever de prestar alimentos, uma vez que tal imposição não pode prejudicar a criança. São ainda deveres dos pais expressos no Código Civil: Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I - dirigir-lhes a criação e educação; II - tê-los em sua companhia e guarda; III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; V - representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem parte, suprindo-lhes o consentimento; VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. Valho-me das palavras de Waldyr Grisard Filho para dar concretude ao artigo de lei supracitado: A guarda é a um só tempo, um direito, como de reter o filho no lar, conservando-o junto a si, o de reger sua conduta, o de reclamar de quem ilegalmente o detenha, o de proibir-lhe companhias nefastas e de freqüentar determinados lugares, o de fixar–lhe residência e domicílio e, a outro, um dever como de providenciar pela vida do filho, de velar por sua segurança e saúde e prover ao seu futuro. Uma vez descumpridos estes, sujeita-se o titular, relapso a sanções civis e penais, por abandono de família.6 Entretanto, o Judiciário tem corroborado de grande valia para que este instituto possa ser parte fundamental no ordenamento jurídico. Podemos citar no nosso Estado de Minas Gerias, a atuação do Tribunal de Justiça, que criou vários projetos no sentido de agilizar a justiça, destacamos o trabalho da Central de Conciliação, compreendida por profissionais capacitados, tais como Psicólogos e Assistentes Sociais, que atuam de forma fundamental para as partes tomem decisões racionais, e não para beneficio singular. A família é considerada a célula mater da sociedade. Onde se inicia basicamente a formação do caráter de cada individuo e se adquire os primeiros referencias morais e éticos de conduta. E são justamente, estes laços, que o legislador e os doutrinadores têm entendido que devam permanecer. O exercício do poder familiar poderá se extinguir pelo alcance de sua finalidade, ou seja, com a maioridade do filho, pela emancipação do filho menor ou pelo falecimento de seus sujeitos. Porém, poderá ocorrer a privação ou desmembramento do poder familiar por motivos diversos que vão desde o abandono, abuso de autoridade, prática de atos 6 GRISARD FILHO, Waldyr, Op. Cit , 2005. p. 45. 16 contrários a moral e aos bons costumes e maus tratos, previstos nos artigos 1.637 e 1.638 do Código Civil de 2002, conforme citados anteriormente. Tais medidas já eram previstas no Código Civil de 1916, sofrendo pequenas alterações no novo Código e tem sua regulamentação expressa no Estatuto da Criança e do Adolescente que trata o assunto de forma ainda mais minuciosa: Art. 129 - São medidas aplicáveis aos pais ou responsável: I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de promoção à família; II - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxilio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; III - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; IV - encaminhamento a cursos ou programas de orientação; V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar; VI - obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado; VII - advertência; VIII - perda da guarda; IX - destituição da tutela; X - suspensão ou destituição do pátrio poder. A guarda compartilhada é possível no Brasil com a previsão nos seguintes diplomas legais: Código Civil Brasileiro Art. 1.583 do No caso de dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal pela separação judicial por mútuo consentimento ou pelo divórcio direto consensual, observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos.7 Estatuto da Criança e do Adolescente: Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.8 Constituição Federal : Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.9 Apesar da cultura brasileira, que difere de outras, o instituto em tese, deverá ser mais aceito e praticado com o passar dos tempos e a adequação da sociedade, pois ainda na fase de projeto de Lei, a presente foi apresentada pelo Legislador de forma que seria um benefício 7 BRASIL. Código Civil (2002), Vademecum Saraiva, São Paulo: Saraiva, 4.ed.,2009. BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1968. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Vademecum Saraiva, São Paulo: Saraiva, 4 .ed., 2009. 9 BRASIL. Constituição Federal (1988), Vademecum Saraiva, São Paulo: Saraiva, 4.ed., 2009. 8 17 para toda família, principalmente a integridade da prole de forma direta e não simplesmente mais uma Lei criada de forma vácua. A jurisprudência brasileira apresenta diversos casos de deferimento de guarda compartilhada, dentre os quais foram relacionadas algumas ementas de decisões proferidas no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: EMENTA: GUARDA COMPARTILHADA. CABIMETO. Tendo em vista que o pai trabalha no mesmo prédio que a infante, possuindo um contato diário com a filha, imperioso se mostra que as visitas se realizem de forma livre, uma vez que a própria genitora transige com a possibilidade de ampliação das visitas. Agravo provido, por maioria, vencido o Relator.(SEGREDO DE JUSTIÇA) Agravo de Instrumento Nº 70018264713, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator Vencido: Sérgio de Vasconcellos Chaves, Redator do Acórdão: Maria Berenice dias, Julgado em 11/04/2007). 10 EMENTA: GUARDA DE CRIANÇA. ALTERALÇAO. RECENTE ACORDO FIRMADO ENTRE OS GENITORES. Tendo os litigantes recentemente estabelecido a guarda compartilhada em acordo devidamente homologado em juízo, descabe nova alteração de guarda para a genitora, de forma açodada, sem prévia realização de estudo social e de avaliação psicológica. Negado provimento ao agravo. (SEGREDO DE JUSTIÇA) – DECISÃO MONOCRÁTICA - (Agravo de Instrumento Nº 70018888537, Sétima CâmaraCível, Tribunal de Justiça do RS, Relatora: Maria Berenice Dias , Julgado em 12/03/2007).11 EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. SEPARAÇÃO JUDICIAL. ALTERAÇÃO LIMINAR DE GUARDA DOS FILHOS. INDEFERIMENTO. Mostra-se temerária alteração na guarda, mormente quando já se encontra a guarda compartilhada entre os genitores do menor. Ademais, há questões ainda a serem dirimidas perante o juízo de primeiro grau. Partindo-se do princípio que é o interesse do menor que deve ser resguardado, melhor é aguardar que elementos de convicção mais concretos venham aos autos. NEGADO PROVIMENTO EM MONOCRÁTICA. (SEGREDO DE JUSTIÇA), (Agravo de instrumento nº 70013731500, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 09/12/2005). 12 10 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento Nº 70018264713. Relator: Sérgio de Vasconcellos Chaves, 11 de abril de 2007. Disponível em: <www.trjrs.gov.br>. Acesso em: 10 de junho de 2009. 11 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento Nº 70018888537 Relatora: Maria Berenice Dias, 12 de março de 2007. Disponível em: <www.trjrs.gov.br>. Acesso em: 10 de junho de 2009. 12 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento Nº 70018888537 Relatora: Maria Berenice Dias, 12 de março de 2007. Disponível em: <www.trjrs.gov.br>. Acesso em: 10 de junho de 2007. 18 3. PODER FAMILIAR 3.1. ASPECTOS HISTÓRICOS O Direito de Família Brasileiro sofreu inúmeras influências do Direito Romano, atribuindo poderes ao pai, na condição de chefe da família a desempenhar um papel preponderante na proteção dos filhos. No Direito Romano, a família tinha estrutura eminentemente patriarcal, ou seja, era o pai a autoridade máxima, o poder pertencia a ele. A expressão pater não tinha o significado de paternidade, era atribuída a todo homem que exercesse um poder de autoridade frente a uma família, tendo esta sob seu domínio. O pai tinha poder pleno e ilimitado em relação à família, abarcando o extremo de poder até mesmo dispor da vida de seus filhos, se assim fosse de sua vontade. Como nos dizeres do autor Waldyr Grissard Filho: No Direito romano, o pátrio poder – coluna central da família patriarcal – era considerado como um poder análogo ao da propriedade, exercido pólo cabeça da família sobre todas as coisas e componentes do grupo, incluindo a esposa, os filhos, os escravos, as pessoas assemelhadas e toda outra que fosse compreendida pela grande família romana. O pátrio poder em Roma era ao mesmo tempo um patriarcado, uma magistratura, um sacerdócio, um senhorio da vida de das fazendas dos filhos, um poder absoluto sem limites e de duração prolongada, sem exemplo em outros povos. 13 A anterior legislação do direito de família brasileiro, conforme salientado, seguiu a tradição greco-romana. O Código Civil de 1916 modelou a família de forma patriarcal, matrimonializada e hierarquizada, utilizando a expressão pátrio poder para designar a autoridade exercida apenas pelo pai sobre os filhos. Nesse sentido, ressalta a profª Ana Carolina Brochado Teixeira: O antigo pátrio poder tinha como principal escopo a gerência do patrimônio dos filhos, além de sobrelevar seu aspecto formal, de representação ou assistência dos menores para a prática de atos jurídicos. Sua essência era marcadamente patrimonial, pois o processo educacional não tinha tanto relevo, uma vez que se perfazia na autoridade paterna e no dever de obediência do filho. Essa ascendência 13 GRISSARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 2.ed. revista, atualizada e ampliada – São Paulo: RT, 2002. 19 autoritária era natural e inquestionada, além de ser fundamentada na desigualdade paterno-filial. 14 Paulatinamente, devido a fatores sociológicos e filosóficos, essa acepção foi sendo substituída. A inafastável e incontroversa contribuição da figura materna no exercício da autoridade parental foi essencial para ocasionar a alteração da definição do pátrio poder. Nesse contexto de evolução, foi a Constituição da República de 1988 que proporcionou o maior vetor de mudança desse modelo. A Lei Maior passou a valorizar individualmente cada membro da família, levando à democratização do ambiente familiar, fundamentando-se nos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da liberdade, os quais, por razões lógicas, não comportam mais a utilização da expressão “pátrio poder”. Dessa forma, Fabíola Santos Albuquerque explicita: De objeto de direito o filho passa a ser sujeito de direito. Essa inversão reflete a modificação do conteúdo do poder familiar. A maneira de exercer esse poder sempre foi condicionada às vicissitudes pelas quais passou a família. [...] Com o passar dos tempos e à medida que ocorriam as quebras de paradigmas, por sua vez, trazidas e absorvidas no seio da estrutura familiar, verificava-se o abrandamento do quantum despótico, tanto em relação à mulher como em relação aos filhos. [...] 15 Conforme ressaltam Maria Aparecida Bernart Laux e Claudia Rodi (2003), a família era representada dentro de moldes rígidos pré-estabelecidos, onde a mulher ocupava lugar inferior. Com a crescente participação e contribuição feminina, a igualdade foi se instalando na realidade familiar e estabeleceu-se a paridade de direitos e de deveres dos cônjuges no âmbito familiar, consagrada pela Constituição da República de 1988. Houve, portanto, o reconhecimento da nova condição da mulher na família. Sendo assim, o atual Código Civil, em consonância com as disposições constitucionais – não poderia ser diferente – estabelece a igualdade de direitos e deveres dos pais, conforme consta no seu art.1631. Também, em relação aos filhos houve modificações com o advento da Constituição Cidadã de 1988, uma vez que esta imprimiu uma maior valorização da prole e de sua dignidade, com garantia de tratamento igualitário e livre de quaisquer discriminações. Dessa forma, todos os filhos devem ser tratados igualmente, independentemente de sua origem, ou seja, havidos dentro ou fora do matrimônio, ou da união estável, ou até mesmo em casos de adoção. Outro fator de suma importância é a conduta dos genitores. Aquele que 14 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, guarda e autoridade parental. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. Poder familiar nas famílias recompostas e o art.1636 do CC/2002. In: Afeto, Ética, Família e o Novo Código Civil Brasileiro, 2004, Belo Horizonte. Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família, Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 161-179. 15 20 pretender ficar com a guarda dos filhos menores deverá ter uma conduta moral aceitável pela sociedade, a fim de que sirva de exemplo e possa transmitir princípios e valores nobres, fundamentais a formação da personalidade e do caráter da criança ou adolescente. 3.2. O CONTEÚDO DO PODER FAMILIAR A fim de conceituar o instituto ora abordado, primeiramente, convém transcrever a definição de pátrio poder adotada no antigo Código Civil de 1916, qual seja, “o conjunto dos direitos que a lei confere ao pai sobre a pessoa e os bens de seus filhos legítimos, legitimados, naturais reconhecidos ou adotivos”. Tal concepção é notoriamente ultrapassada, eis que inspirada nos moldes patriarcal, patrimonialista e discriminatório dos filhos, vigentes à época do respectivo estatuto legal. Todavia, no curso da evolução legislativa que atualizou os contornos jurídicos do direito de família, a antiga denominação legal “pátrio poder” também foi alterada. A igualdade entre os cônjuges foi consagrada pela nossa Constituição, que reconheceu o aumento da esfera de atuação materna, vez que pai e mãe passaram a ter idênticas atribuições e, dessa forma, passaram a exercer a autoridade que lhes é conferida por força da relação paterno-filial em igualdade de condições. Dessa forma, o atual Código Civil, com o intuito de reafirmar a igualdade ampla prevista na Lei Maior, adotou a denominação poder familiar em substituição à expressão “pátrio poder”. O professor Caio Mário da Silva Pereira, assim define o poder familiar: “Complexo de direitos e deveres quanto à pessoa e bens do filho, exercidos pelos pais na mais estreita colaboração, e em igualdade de condições segundo o art.226,§5° da Constituição”. (PEREIRA, 1999, p.240) Nesse mesmo sentido, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers Ramos conceitua o instituto como sendo “um conjunto de prerrogativas legais reconhecidas aos pais para a criação, orientação e proteção dos filhos.”(RAMOS, 2005, p.28) Entretanto, a nova denominação adotada, não se limita tão-somente a repartir o poder entre os pais em iguais condições, mas sim em condicionar o interesse dos pais ao respeito do interesse dos filhos, ou melhor, salvaguardar o pleno e adequado desenvolvimento como pessoas que se encontram em formação. 21 Guilherme Gonçalves Strenger define que o poder familiar é “um direito-dever de que são investidos os pais, como titulares, no sentido de tutelar os interesses do filho e preservar suas condições existenciais”. (STRENGER, 2003, p.1230) E nessa mesma linha de raciocínio, segue Rolf Hanssen Madaleno: Prevalece, portanto, o interesse único do menor, detendo os pais, em igualdade de condições, o exercício do seu poder parental, como sujeitos ativos do dever constitucional de gerir os interesses dos menores, proporcionando-lhes as adequadas condições de sobrevivência e desenvolvimento. 16 O poder familiar é mais um múnus, em que ressaltam os deveres dos pais em relação aos filhos, e não um direito daqueles sobre estes. Nessa linha, Gustavo Tepedino afirma: [...] trata-se de situação jurídica subjetiva existencial, caracterizada pela atribuição aos pais do poder de interferência na esfera jurídica dos filhos menores, no interesse destes últimos, e não dos titulares do chamado poder jurídico.17 E no entendimento da profª Ana Carolina Brochado Teixeira temos que: [...] poder familiar seria um conjunto de direitos e deveres referentes à pessoa e ao patrimônio do menor não emancipado, a que os pais estão atrelados, sendo composto por um ro de deveres para com os filhos, principalmente os de cunho material, intelectual, além da gerência dos bens que possam ter. Assim, sobreporia o compêndio de deveres aos poderes. 18 Dessa forma, o poder familiar não pode ser reduzido a uma mera pretensão em favor dos pais, nem mesmo deflagrado como a submissão dos filhos à vontade dos pais. A interferência dos pais na esfera jurídica dos filhos é justificável apenas quando objetivar contribuir para a sua formação e desenvolvimento, não se caracterizando, portanto, vantagem juridicamente tutelada em prol dos titulares do poder familiar. E assim completa Gustavo Tepedino: Daqui resulta a crítica oposta por parte da doutrina mais atenta à utilização da expressão poder inserida na dicção do Código Civil de 2002, tanto na noção de pátrio poder como na de poder familiar, adotando-se, ao revés, a perspectiva da autoridade parental como um múnus, significado que transcende o interesse pessoal, numa visão dinâmica e dialética de seu exercício, de modo que os filhos 16 MADALENO, Rolf Hanssen. A guarda compartilhada pela ótica dos direitos fundamentais. Direitos Fundamentais do Direito de Família, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 341-357. 17 TEPEDINO, Gustavo. A disciplina da guarda e a autoridade parental na ordem civil-constitucional. In: Afeto, Ética, Família e o Novo Código Civil Brasileiro, 2004, Belo Horizonte. Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família, Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 305-324 18 TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, guarda e autoridade parental. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. 22 não são (nem poderiam ser) objeto da autoridade parental, alvitrando-se ao contrário uma dupla realização de interesses do filho e dos pais. 19 Waldyr Grissard Filho, ao abordar o instituto do poder familiar também segue nessa mesma direção ao lecionar que o poder familiar “não é um conjunto de direitos que se exerce no interesse exclusivo de seus titulares, o pai e a mãe, mas do exercício de um dever em atenção aos interesses dos filhos”. ( GRISSARD FILHO, 2002, p.37) 3.3. O EXERCÍCIO DO PODER FAMILIAR O poder familiar ou parental é exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, sendo possível a qualquer um deles recorrer ao Poder Judiciário para a solução de divergência, conforme preceitua o art.1631, § único do Código Civil de 2002 – até mesmo por força do art. 5°, XXXV da CF/88. Assim, como bem salienta Ana Carolina Brochado Teixeira, o poder familiar “subsiste enquanto os filhos forem menores, pelo simples fato de serem filhos, ou seja, em decorrência da parentalidade, seja ela estabelecida de que forma for. (TEIXEIRA, 2005, p. 105) Certamente, a superveniência de separação ou de divórcio dos pais não altera o poder parental em si, senão quanto ao direito de ter os filhos menores em sua companhia (art.1632 do CC/02). O atual Código Civil, em seu art.1634, estabelece as formas de manifestação do exercício do poder familiar quanto à pessoa dos filhos menores. Dentre eles, portanto, encontram-se: a guarda dos filhos, a responsabilidade sobre a criação e educação destes, o consentimento ao matrimônio, cuja denegação pode ser suprida judicialmente, a nomeação de tutor, a representação em caso de filho absolutamente incapaz, a assistência em relação ao filho relativamente incapaz, reclamá-los de quem ilegalmente os detenha e exigir obediência, respeito e serviços próprios de sua idade e condição. Este dispositivo legal demonstra que o poder familiar é caracterizado mais como um múnus legal do que propriamente um poder, eis que referido poder é função exercida no interesse dos filhos, em outras palavras, é a missão confiada aos pais para a regência da pessoa e dos bens dos filhos até o alcance da maioridade destes. 19 TEPEDINO, Gustavo. A disciplina da guarda e a autoridade parental na ordem civil-constitucional. In: Afeto, Ética, Família e o Novo Código Civil Brasileiro, 2004, Belo Horizonte. Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família, Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 305-324 23 Guilherme Gonçalves Strenger, em seu artigo afirma que: O poder familiar é um poder-dever que nasce de raízes naturais, mas não está a salvo de deparar-se no caminho com obstáculos que lhe reduzam as possibilidades ou até mesmo o sujeite à perda de todas as prerrogativas que lhe são inerentes. Estes deveres são aqueles presentes na Constituição, no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código Civil em suas inúmeras disposições. 20 Posto isso, consigna-se que o exercício do poder parental está sujeito à suspensão, à perda e à extinção. Aquela, a suspensão, é temporária e admite reintegração. É determinada por decisão judicial, quando o pai ou a mãe abusar de seu poder, faltar com os seus deveres ou arruinar os bens de seus filhos. Também poderá ocorrer a suspensão do poder familiar quando o pai ou a mãe for condenado(a) por sentença transitada em julgado em crime cuja pena exceda dois anos de prisão (art. 1637, parágrafo único, CC/02). Com relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069/90), na parte que trata do procedimento da perda e da suspensão do pátrio poder, o seu art. 157 prevê, ainda, que a suspensão do poder familiar poderá ser decretada liminar ou incidentalmente até o julgamento final da causa, quando houver motivo grave, ficando a criança ou adolescente confiada a pessoa idônea, mediante assinatura de termo de responsabilidade. Já a perda do poder familiar, que também só poderá ser determinada por decisão judicial, é medida de caráter definitivo, e ocorrerá quando um ou ambos os pais incidirem em falta grave aos deveres inerentes à autoridade parental, falta esta consistente no castigo imoderado do filho, abandono do mesmo ou prática de atos contrários à moral e aos bons costumes, nos termos do art. 1638 do Código Civil. O descumprimento dos deveres de sustento, guarda e educação também acarretam a perda do poder familiar, conforme preceitua o art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8.069/90). Obviamente exige dos pais um relacionamento saudável que permita esse contato, tanto que a guarda compartilhada não seria recomendada aos pais que possuem um relacionamento desequilibrado com histórico de agressão física Por fim, quanto à extinção do poder familiar, esta decorrerá da morte dos pais ou do filho, da cessação da menoridade do filho por qualquer dos motivos enumerados no art. 5° e parágrafo único do Código Civil, de sua adoção por outra família, e em razão de decisão judicial transitada em julgado nos termos do art. 1638, consoante dispõe o art. 1635, ambos do Código Civil. Importante salientar que o poder familiar não se extinguirá com a separação, 20 STRENGER, Guilherme e Gonçalves. Poder familiar – guarda e regulamentação de visitas. São Paulo: LTDA, 2003. 24 o divórcio ou a dissolução da união estável. Muito pelo contrário, conforme já demonstrado, a autoridade parental permanecerá em igualdade de condições para ambos os pais. 3.4 Modalidades de guarda O instituto da guarda, teve que se adaptar sofrendo algumas alterações em razão das várias situações vividas pela família dentro da sociedade. Assim, com a evolução do instituto, surgiram vários modelos de guarda. Waldyr Grisard Filho em sua obra, que trata sobre guarda compartilhada, analisa alguns modelos de guarda, os quais foram elucidados abaixo de forma sucinta: 3.4.1 Guarda Comum A guarda comum decorre do poder familiar originado com a maternidade, a paternidade e o convívio diário com os filhos, sendo justamente a guarda natural, esse tipo de guarda ocorre na constância do casamento ou da união estável. É tida também como guarda originária. 3.4.2 Guarda Delegada e Desmembrada A guarda desmembrada do poder familiar vem outorgar a guarda àquele que não detém o poder familiar para que haja a devida proteção do menor, é feita por meio do Juizado da Infância e da Adolescência, sendo uma intervenção do Estado. É ao mesmo tempo uma guarda delegada, pois é exercida em nome do Estado por quem não tem representação do menor ou adolescente. 3.4.3 Guarda Derivada 25 É proveniente daquele que exerce a tutela do menor, que pode ser exercido por particulares ou por um organismo oficial, seja de forma dativa, legítima ou testamentária. Tratando-se de uma modalidade de guarda que decorre de um outro instituto do Código Civil, pois, (artigos 1.729 a 1734 do CC). 3.4.4 Guarda Fática, Aninhamento ou Nidação Jurisprudencialmente verifica-se ser muito comum o reconhecimento de guardas originadas do fato. Tem origem quando alguém toma para si todas as responsabilidades e cuidados de uma criança ou adolescente sem haver qualquer vínculo da maternidade ou paternidade, que normalmente não é comunicado o Estado. Em razão desse último, não há como ser feito um acompanhamento ou avaliação da relação efetivamente, mas existindo a assistência e a educação é constatada o vínculo jurídico que só será desfeito por decisão judicial em benefício do menor. Porém o aninhamento ou nidação é parecido com o modelo de guarda alternada, a alternância é feita pelos pais que mudam temporariamente de casa, ao invés dos filhos, o que o difere é que, neste caso. É um modelo pouco prático e recebe também as mesmas críticas da guarda alternada por levar a prole a prejuízos semelhantes. 3.4.5 Guarda Alternada, Guarda Dividida, Guarda Única ou Exclusiva A guarda alternada é um modelo bastante criticado, pela forma que é aplicado. Consiste em fixar períodos em que a criança estará ora na companhia da mãe, ora na companhia do pai, vindo inclusive a cada período mudar de casa. Traz polêmica justamente no ponto em submeter a uma rotina instável, o menor a hábitos diferentes, padrões que implicam na formação da personalidade, mudanças de valores, pois gera uma instabilidade psíquica e emocional. Porém a guarda dividida, única ou exclusiva nada mais é do que o modelo tradicional, no qual a criança permanece apenas com um dos genitores, é o mais conhecido no direito brasileiro, em residência fixa, recebendo visitas periódicas do outro genitor. Além de não 26 priorizar o melhor interesse da criança, as ciências de saúde mental, ciências jurídicas e sociais criticam consideravelmente este modelo, pois ele permite um gradual afastamento entre pais e filhos, minando a relação com a distância e o pouco convívio. 27 4. GUARDA O verbo guardar significa preservar, tutelar, proteger, conservar, amparar, vigiar. Entretanto, a expressão “guarda” no âmbito do direito de família é muito mais ampla. Não significa apenas ato ou efeito de guardar, vai muito além, diz respeito à assunção de todos os encargos e responsabilidades atinentes ao interesse do menor. Gustavo Tepedino salienta que: Com relação à guarda, a própria expressão semântica parece ambivalente, indicando um sentido de guarda como ato de vigilância, sentinela que mais se afeiçoa ao olho unilateral do dono de uma coisa guardada, noção inadequada a uma perspectiva bilateral de diálogo e de troca, na educação e formação da personalidade do filho. 21 As autoras Maria Aparecida Bernart Laux e Claudia Rondi (2003) definem muito bem o instituto da guarda como sendo “o dever de proteção cometido aos pais, tutores e responsáveis sobre a criança e o adolescente, ou ainda, em certos casos, proteção dada aos maiores incapazes.” (LAUX; RONDI, 2003, p.177) E ainda, completam ressaltando que “na visão de Valdemar da Luz, guarda é a obrigação legal de prestar assistência material, moral e educacional ao menor sob o poder familiar por parte de seu responsável”. A guarda de filhos envolve direitos e deveres que competem indistintamente a ambos os pais, ora de proteção, ora de companhia dos filhos. Por se tratar de um dos elementos do poder familiar, a guarda deve ser entendida muito mais como um dever dos pais em relação aos filhos, do que uma prerrogativa daqueles em relação a estes. Waldyr Grissar Filho afirma que: È inquestionável que a guarda compreende o poder de reter o filho no lar, de tê-lo junto a si e de reger sua conduta. Na guarda está o dever de vigilância que, lenta e constantemente, atua decisivamente no desenvolvimento da personalidade do menor e na sua formação integral. 22 De acordo com o que preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art.33, a guarda cabe ao titular obrigado ao dever de prestar assistência material, educacional e 21 TEPEDINO, Gustavo. A disciplina da guarda e a autoridade parental na ordem civil-constitucional. In: Afeto, Ética, Família e o Novo Código Civil Brasileiro, 2004, Belo Horizonte. Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família, Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 305-324 22 GRISSARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 2.ed. revista, atualizada e ampliada – São Paulo: RT, 2002. 28 moral, atribuindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. Logo, a guarda deve ser sempre voltada para o interesse do menor e estará sempre sujeita às restrições legais que autorizam seu deferimento, ou seja, ela somente deverá ser conferida a pessoas idôneas, que não sejam portadoras de qualquer deficiência ou distúrbio de natureza psíquica ou comportamental. 4.1. A VISÃO CIVILISTA DA GUARDA NO DIREITO BRASILEIRO Conforme bem observam Maria Aparecida Bernart Laux e Claudia Rodi (2003), o novo Código Civil brasileiro, logo no primeiro artigo (art.1583) do Capítulo XI, do Subtítulo I – Do casamento, do Título I – Do direito pessoal, do Livro IV – Do direito de família, capítulo este que trabalha a proteção da pessoa dos filhos na relação conjugal, estabelece que, no caso de dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal pela separação judicial por mútuo consentimento ou pelo divórcio direto consensual, observar-se-á o que os cônjuges acordarem acerca da guarda dos seus filhos. Na hipótese da inocorrência de conciliação, a guarda será atribuída a quem revelar e comprovar que possui melhores condições de exercê-la (art.1584). Ainda, segundo as autoras acima mencionadas, Por outro lado, o juiz, verificando que os filhos não devem permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda dos mesmos à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, levando em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade [...] (LAUX; RODI, 2003, p.183) Importante ressaltar que nas questões relativas à guarda, o juiz pode decidir adotando em cada caso concreto a solução que reputar mais conveniente ou oportuna, sempre priorizando a correspondente finalidade, ou seja, considerando necessariamente o princípio do melhor interesse do menor. Preceitua os arts.1630 e 1631 do Código Civil atual que os filhos, enquanto menores, estão sujeitos ao poder familiar exercido por ambos os pais. Complementando a visão sistemática do Código Civil, o art.1634, II, assim dispõe: “Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores tê-los em sua companhia e guarda”. Significa dizer que a guarda dos filhos menores é um dos atributos do poder familiar, embora não seja elemento imprescindível para o seu exercício, uma vez que este conjunto de deveres imputados aos pais independe da 29 atribuição da guarda. Nesse sentido, a autora Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers Ramos explicita que a guarda “não é da essência do poder familiar, podendo ser do mesmo destacada e atribuída a somente um dos genitores ou até mesmo a terceiros [...]”. (RAMOS, 2005, p.55) Acerca desse entendimento, Waldyr Grissard Filho assinala que: A guarda é da natureza do pátrio poder, não da sua essência, tanto que transferida a terceiro não implica na transferência deste. Como atributo do pátrio poder, a guarda dele se separa, não se exaurindo nem se confundindo com ele, podendo uma existir sem o outro. 23 4.2. ESPÉCIES DE GUARDA NO DIREITO BRASILEIRO A regra prevalente é que na constância do casamento ou da união estável a guarda dos filhos menores, bem como todos os atributos do poder familiar, sejam exercidos conjuntamente pelos pais. Contudo, a grande dificuldade surge quando esses mesmos poderes são diluídos por conta da separação, do divórcio, ou da dissolução da união estável dos genitores, uma vez que em razão do rompimento dos pais haverá a fragmentação de um dos componentes do poder familiar, que é o direito de guarda. Nem sempre pais e filhos têm o privilégio da convivência recíproca, sucedendo, por vezes, a morte de um dos pais ou distúrbios no relacionamento dos mesmos, que impedem o prosseguimento da mútua convivência. Dessa forma, o domicílio familiar uno deixa de existir e, em seu lugar, passa a existir duas residências, ocasionando, na maioria dos casos concretos, a definição da custódia dos filhos para apenas um dos genitores, ou excepcionalmente na repartição dessa guarda. É possível encontrar vários termos distintos usados para definir o tipo de guarda exercida pelo guardião, porém, nesta empreitada, será analisada apenas a guarda compartilhada em contraposição à guarda unilateral. 23 GRISSARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 2.ed. revista, atualizada e ampliada – São Paulo: RT, 2002, pág. 40. 30 5. A GUARDA UNILATERAL E SEUS ASPECTOS A guarda unilateral pode decorrer da separação fática, judicial ou do divórcio dos pais, podendo advir também do abandono de um ou de ambos os genitores, do óbito de um deles e em razão da paternidade não revelada. Quando decorrente da ruptura da sociedade conjugal ou da dissolução da união estável, a guarda unilateral visa a evitar conflitos entre os pais sobre a vida e a educação da criança. Como bem assinala Claudete Carvalho Canezin (2005), a determinação sobre a qual dos pais será atribuída a referida guarda é feita por acordo pacífico dos pais ou, restando frustrada a conciliação, mediante decisão judicial, preponderando em qualquer caso o critério do interesse da criança para a escolha de quem será o seu guardião, remanescendo ao outro o direito de visita. No Brasil, entretanto, a jurisprudência tem preferencialmente concedido a guarda unilateral às mães, entendimento que enseja inúmeras críticas e contestações à primazia reconhecida à mãe em relação ao direito de ser sempre a detentora legítima da guarda. Na maioria dos casos, são elas que ficam com a guarda dos filhos, restando para o pai o direito de visita e vigilância. Dessa maneira, a princípio, o não-guardião não dispõe de um direito efetivo de atuação, nem mesmo goza de direito de veto em relação às decisões tomadas por aquele que detém a guarda. O não-guardião não participa diretamente da educação dos filhos, nem dispõe de um direito a ser ouvido pelo seu ex-cônjuge ou ex-companheiro em relação às questões importantes da educação do menor. Na oportunidade, mister salientar que o art. 5°, inciso XXXV, da Constituição dispõe que a lei não excluirá da apreciação do judiciário a lesão ou ameaça a direito, razão de se entender sempre cabível o ajuizamento de ação por parte do nãoguardião em defesa dos interesses do menor, por imperativo lógico. Assim, para o não-guardião, o exercício do poder familiar praticamente se resume ao pagamento da pensão alimentícia e aos direitos de visita e de fiscalização da guarda exercida pelo outro. Não há contato contínuo e permanente entre o filho e o genitor não-guardião, gerando, conseqüentemente, o afastamento físico dele do filho. Dessa forma, mesmo considerando que o não-guardião não perde o poder familiar em decorrência do fim do relacionamento com o guardião, os poderes de cada um dos genitores com a atribuição da guarda unilateral tornam-se desiguais. 31 Sabe-se que a falta de convivência entre o menor e o genitor não-guardião pode acarretar sérios desgastes emocionais ao menor, o que acaba por lhe proporcionar incomensuráveis prejuízos. Nas palavras da autora Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers Ramos: Na medida em que um dos pais é afastado do convívio com o filho em razão do exercício da guarda única, assegurada a visitação tão somente a cada quinze dias, menos oportunidade a criança terá de receber atenção, carinho, amor e educação por parte desse genitor. Menos chances a criança terá de demonstrar a esse genitor a problemática vivenciada na escola, nas ruas, e dentro de sua própria residência. 24 Dessa forma, por razões metodológicas, e por ser a guarda unilateral a espécie do instituto sob análise de maior aptidão para servir como base comparativa, passa-se então à análise do objeto final do presente estudo, qual seja, o inovador instituto da guarda compartilhada no direito de família brasileiro. 24 RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. O poder familiar e a guarda compartilhada sob o enfoque dos novos paradigmas do direito de família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.108. 32 6. A GUARDA COMPARTILHADA Como bem demonstrado no capítulo anterior, os sistemas de guarda não se mostram mais eficazes para atender às novas situações familiares vividas em face da separação dos casais. Nesse contexto, para dirimir os conflitos de forma satisfatória para ambos os genitores e, sobretudo, para preservar os filhos menores, a prática jurídica do direito de família brasileiro tem adotado um novo sistema de guarda que inclui a participação conjunta de ambos os pais na educação, formação e cuidado com os filhos menores. Segundo Claudete Carvalho Canezin, “é o chamado sistema de ‘guarda compartilhada”, agora previsto no ordenamento jurídico, passou a ser adotado em razão dos princípios constitucionais de igualdade entre homens e mulheres e da paternidade responsável. (CANEZIN, 2005, p.6) A guarda compartilhada surgiu com a finalidade de suprir as deficiências das outras espécies de guarda, em especial a unilateral. Nesta, perdura o tradicional sistema de visitas do pai e sua exclusão em relação às tomadas de decisões sobre a vida da criança, ficando tais decisões a cargo da mãe, guardiã única dos filhos na grande maioria dos casos. Entende-se que o afastamento quase que por completo de um dos genitores pode gerar relevantes prejuízos aos filhos, quer seja de ordem emocional, quer seja de ordem social. Nesse sentido, ressalta Waldyr Grissard Filho: Mostra-se a guarda compartilhada como único meio de assegurar uma estrita igualdade entre os genitores na condução dos filhos, aumentando a disponibilidade do relacionamento com o pai ou a mãe que deixa de morar com a família. Opõe-se, com vantagens, à guarda única, que frustra a adequada convivência do menor com o genitor não-guardião. 25 E ainda, conforme observa a autora Claudete Carvalho Canezin, Com o intuito de maximizar a efetivação dos direitos e deveres de pais e filhos na relação assistencial, assegurando ao menor um desenvolvimento saudável, correto e efetivo, a guarda compartilhada minimiza esse abismo que ocorre quando da ruptura da sociedade conjugal; se apenas um dos pais ficar com a guarda, dando ao outro somente o direito de visitas, embora permaneça com o poder familiar inalterado, este efetivamente dele não participará, sendo esta a guarda unilateral, cabendo ao outro apenas o direito de visita. 26 25 GRISSARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 2.ed. revista, atualizada e ampliada – São Paulo: RT, 2002, pág. 200. 26 CANEZIN, Claudete Carvalho. Da guarda compartilhada em oposição à guarda unilateral. Revista Brasileira de Direito de Família, Ano VI – n°28 – p. 6, fev/mar. 2005, pág. 10. 33 Dessa forma, a guarda compartilhada vem ganhando espaço na doutrina e jurisprudência, pois de acordo com a mesma, o genitor que não tem a guarda física não se limita a supervisionar a educação dos filhos, já que ambos os pais a exercem efetivamente, como detentores em conjunto de poder e autoridade equivalentes nas tomadas de decisões referentes aos filhos menores. Na guarda compartilhada, pai e mãe dividem a responsabilidade jurídica sobre os filhos, detendo ambos a guarda jurídica, apesar de a guarda física ser exercida por apenas um dos pais, e, dessa forma, ambos irão compartilhar das obrigações pelas decisões importantes relativas ao filho menor. Importante ressaltar que a guarda compartilhada permite que os filhos mantenham o seu relacionamento familiar, minimizando os efeitos da separação – em sentido lato –, convivendo com seus pais, de forma a evitar, assim, eventuais abalos no seu desenvolvimento moral, que geralmente são ocasionados pela ausência de um dos genitores. Conforme elucida Guilherme Gonçalves Strenger, “a importância da guarda conjunta reside no ato de se permitir ao menor o desfrute de uma convivência subordinada mais consentânea com a situação anterior de normalidade”. (STRENGER, 2003, p.1241) Segundo o entendimento do professor Waldyr Grissard Filho: [...] a guarda compartilhada assume uma importância extraordinária, na medida em que valoriza o convívio do menor com seus dois pais, pois mantém, apesar da ruptura, o exercício em comum da autoridade parental e reserva, a cada um dos pais, o direito de participar das decisões importantes que se referem à criança. Seguindo a trilha aberta pelos diplomas internacionais e pela legislação alienígena mais avançada, o Direito brasileiro igualmente elegeu o interesse do menor como fundamental para reduzir os efeitos patológicos que o impacto negativo das situações familiares conflitivas provoca na formação da criança. 27 A autora Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers Ramos conclui nesse mesmo sentido ao afirmar que: [...] a guarda compartilhada, assim, pode significar um respeito ao tempo da criança, na medida em que possibilita o convívio permanente dos pais com os filhos, evitando traumas na criança pela ausência de um deles durante o período de seu crescimento e formação. 28 Entretanto, apesar de ser um modelo de guarda bem estruturado, o critério que prevalecerá no momento da decisão judicial será sempre o melhor interesse do menor. 27 GRISSARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 2.ed. revista, atualizada e ampliada – São Paulo: RT, 2002, pág. 142. 28 RAMOS, Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers. O poder familiar e a guarda compartilhada sob o enfoque dos novos paradigmas do direito de família. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.67. 34 O escopo da guarda compartilhada é o de garantir que ambos os genitores mantenham um contato permanente, equilibrado, assíduo e co-responsável com seus filhos, afastando tanto a exclusão quanto a omissão daquele que não está com a guarda naquele momento, ou seja, a guarda compartilhada pretende nada mais nada menos que assegurar a continuidade da autoridade dos pais. Por certo, este novo instituto também estimula uma maior cooperação entre os pais, possibilita a convivência igualitária da criança com ambos e favorece a comunicação entre todos os membros da família. Contudo, como assinala Claudete Carvalho Canezin: Para que o exercício da guarda compartilhada possa funcionar, importa que os pais revelem capacidade de cooperação e de educar, em conjunto, o filho menor, esquecendo todos os conflitos interpessoais, já que somente é possível o exercício desse modelo quando existe, entre os genitores, uma relação marcada pela harmonia e pelo respeito, sem disputa e nem conflito. 29 Holf Hansen Madaleno resssalta que: [...] Importante, portanto, para o desate da guarda compartilhada será a cooperação dos pais, não existindo espaço para aquelas situações de completa dissensão dos genitores, sendo imperiosa a existência de uma relação pacificada dos pais, e um desejo mútuo de contribuírem para a sadia educação, e formação de seus filhos, especialmente por se apresentarem psicologicamente traumatizados pela separação de seus pais. 30 Assim sendo, não se pode deixar de ressaltar que o modelo da guarda compartilhada não deve ser imposto como solução única para todos os casos. Muito pelo contrário, caberá sempre a análise do caso concreto, devendo ser esta uma opção possível de ser adotada, desde que atenda ao princípio do melhor interesse da criança e que haja uma relação equilibrada e harmônica entre os genitores. Nessa linha, entende Claudete Carvalho Canezin, Comprovada a existência de um campo favorável, caberá ao órgão judicial aquilatar, com seu poder discricionário, se a situação concreta se revela favorável à aplicação do instituto. Para tanto, faz-se necessária a ocorrência de dois requisitos: que o ambiente factual seja propício e a solução encontrada seja a que melhor atenda aos interesses dos filhos. Os elementos factuais recolhidos deverão demonstrar, à evidência, que a adoção da guarda compartilhada atende ao melhor interesse da criança. 31 29 CANEZIN, Claudete Carvalho. Da guarda compartilhada em oposição à guarda unilateral. Revista Brasileira de Direito de Família, Ano VI – n°28 – p. 6, fev/mar. 2005, pág. 14. 30 MADALENO, Rolf Hanssen. A guarda compartilhada pela ótica dos direitos fundamentais. Direitos Fundamentais do Direito de Família, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 353. 31 CANEZIN, Claudete Carvalho. Da guarda compartilhada em oposição à guarda unilateral. Revista Brasileira de Direito de Família, Ano VI – n°28 – p. 6, fev/mar. 2005, pág. 19. 35 No Brasil, existe a teórica igualdade de condições entre ambos os pais para o exercício do poder familiar, vez que a autoridade parental não é retirada do genitor não-guardião, que continua podendo, juntamente com o guardião, tomar decisões acerca do futuro do filho menor. Assim, conforme manifesta Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers Ramos “a titularidade e o exercício da autoridade parental, uma vez existentes na esfera jurídica, constituem regra geral, de modo que qualquer modificação nesta regra configura exceção, prevista em lei, que exige pronunciamento específico”. (RAMOS, 2005, p.68) Dessa forma, conforme já trabalhado, o poder familiar somente será retirado do genitor por descumprimento grave dos deveres inerentes a ele, e tal medida deverá ser oriunda de um processo judicial ou decorrente de sanção penal imposta por um Juízo Criminal em conseqüência da prática de crime cometido contra o filho. Fora essas hipóteses, o não-guardião está em plena igualdade jurídica para o exercício do poder familiar, eis que a ruptura do casal não anula os laços jurídicos da filiação, ficando privado tão-somente do contato diário com o filho menor, em razão de não ter a guarda do filho. Contudo, o que ocorre na prática é que o não-guardião deixa de participar da vida da criança, passando o guardião único a exercer, no mundo fático do menor, a exclusividade aparente do poder familiar, tomando todas as decisões importantes sobre o futuro da criança sem consultar o não-guardião. A guarda compartilhada vem possibilitar que o princípio da igualdade de condições entre os pais deixe de ser apenas teórico e passe a fazer parte da vida deles quando da ruptura dos laços conjugais ou da dissolução da união estável. Patrícia Pimentel de Oliveira Chambers Ramos, neste tipo de guarda, assevera que “os pais têm efetiva e equivalente autoridade legal, não só para tomar decisões importantes quanto ao bem-estar de seus filhos, como também de conviver com esses filhos em igualdade de condições.” (RAMOS, 2005, p.64) Apesar de comprovada a existência de um campo favorável para a guarda compartilhada, em nosso ordenamento jurídico não há norma expressa que a regule. Nada obstante, é lícito e possível em nosso direito, como meio de assegurar uma estrita igualdade entre os genitores na condução e criação dos filhos, na medida em que aumenta a disponibilidade do relacionamento do genitor não-guardião. Nestes termos, assinala o professor Waldyr Grissar Filho: 36 Embora não seja usual na prática forense, a guarda compartilhada mostra-se lícita e possível em nosso Direito [...] Quando o modelo vigente não mais atende às expectativas sociais, quando a realidade cotidiana, ao outorgar sistematicamente a guarda única, nega o princípio constitucional da equitatividade no exercício da autoridade parental e à criança o direito a ter dois pais, é tempo de quebrar o gesso das estruturas moldadas à exclusão de elementos estranhos ao seu objeto. 32 Ademais, mister salientar que é de grande importância a instituição legislativa expressa e específica da guarda compartilhada, eis que o mero reconhecimento desta guarda é de grande valia para o pleno exercício do poder parental e do direito do menor de conviver com ambos os pais. 6.1. OS PRÓS E OS CONTRAS DA GUARDA COMPARTILHADA O professor Waldyr Grissard Filho (2002), em seu livro intitulado “Guarda Compartilhada – Um novo modelo de responsabilidade parental”, destacou um capítulo em que faz uma análise acerca das vantagens e desvantagens da guarda compartilhada. Para esse autor, as vantagens do modelo superam as desvantagens, razão pela qual deve-se procurar adotar tal modelo sempre que possível, levando-se em consideração o princípio do melhor interesse do menor e as peculiaridades do caso concreto. Neste tópico, passa-se a uma breve análise dos prós e contras da guarda compartilhada referidos pelo autor ora citado. Como a primeira das vantagens da guarda compartilhada, Waldyr Grissard Filho (2002) entende ser a diminuição da angústia produzida pelos sentimentos de rejeição e de perda do genitor não-guardião, como geralmente ocorre na guarda unilateral. Nestes termos, elucida o autor: [...] norteado pela continuidade das relações pais-filhos e a não-exposição do menor aos (devastadores) conflitos parentais, os arranjos de co-educação e criação só aumentam o acesso a seus dois genitores, o que ajuda a minorar os sentimentos de perda e rejeição dos filhos, tornando-os, conseqüentemente, bem mais ajustados emocionalmente. 33 (GRISSARD FILHO, 2002, p.171) 32 GRISSARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 2.ed. revista, atualizada e ampliada – São Paulo: RT, 2002, pág. 200. 33 GRISSARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 2.ed. revista, atualizada e ampliada – São Paulo: RT, 2002, pág. 171. 37 A segunda vantagem apontada pelo autor é que “a guarda compartilhada eleva o grau de satisfação de pais e filhos e elimina os conflitos de lealdade – a necessidade de escolher entre seus dois pais”. Pois, conforme observa Waldyr Grissard Filho, esse modelo de guarda “mantém intacta a vida cotidiana dos filhos do divórcio, dando continuidade ao relacionamento próximo e amoroso com os dois genitores, sem exigir dos filhos que optem por um deles”. (GRISSARD FILHO, 2002, p.172) Como terceira vantagem, Waldyr Grissard Filho destaca que: Em relação aos pais a guarda compartilhada oferece múltiplas vantagens. Além de mantê-los guardadores e lhes proporcionar a tomada de decisões conjuntas relativas ao destino dos filhos, compartilhando o trabalho e as responsabilidades, privilegiando a continuidade das relações entre cada um deles e seus filhos, minimiza o conflito parental, diminui os sentimentos de culpa e frustração por não cuidar de seus filhos, ajuda-os a atingir os objetivos de trabalharem em prol dos melhores interesses morais e materiais da prole. Compartilhar o cuidado aos filhos significa conceder aos pais mais espaço para suas outras atividades.[...] (GRISSARD FILHO, 2002, p.175) Quanto às desvantagens da guarda compartilhada, o professor ressalta que, “pais em conflito constante, não cooperativos, sem diálogo, insatisfeitos, que agem em paralelo e sabotam um ao outro contaminam o tipo de educação que proporcionam a seus filhos e, nesses casos, os arranjos de guarda compartilhada podem ser muito lesivos aos filhos”. (GRISSARD FILHO, 2002, p.177) Alguns autores destacam também como desvantagem do referido instituto a instabilidade na vida cotidiana dos filhos gerada por duplicidade de autoridade e por instabilidade decorrente das mudanças constantes de ambientes físicos e que a proteção do melhor interesse criança vai muito além de alimentação, educação e saúde, mas inclui a preservação e manutenção dos laços afetivos com os genitores de forma justa e igualitária. Entretanto, o que esses autores estão criticando é a guarda alternada e não a guarda compartilhada. Neste modelo de guarda, o filho menor possui residência habitual, fixa, única e não alternada, onde ele encontra um ponto de referência, o que lhe proporciona estabilidade emocional. Não há que se falar em confusão na mente do menor, e nem em instabilidade, insegurança do menor, como pode ocorrer na guarda alternada em razão da constante modificação de residência e de autoridade devido à alteração da guarda de período a período. O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição Federal já asseguram à criança e ao adolescente o direito de liberdade, o respeito à dignidade humana, como pessoas que se encontram em desenvolvimento e formação, sendo inclusive sujeitos de direitos civis. Contudo, o Estado deve estar preparado para dar o suporte legal que a guarda compartilhada 38 necessita, para que assim venha a ser consolidada no ordenamento jurídico brasileiro. Além disso, é necessária a sua divulgação e a consciência daqueles que conciliam a famílias, seja seus patronos ou o magistrado, desta forma a cultura dos pais mudam, e tenham consciência de tal possibilidade e o bem que ela pode fazer à família e à criança Diante disso, conclui Waldyr Grissard Filho: Quando os pais [...] privilegiam a continuidade das suas relações com as crianças e as protegem de seus conflitos parentais, há toda uma vantagem em atribuir efeitos jurídicos à atitude de cooperação dos pais, entusiasmando a ambos a compartilhar direitos e responsabilidades na proteção e na educação dos filhos. (GRISSARD FILHO, 2002, p.181) 39 7. CONCLUSÃO Conforme reiteradamente demonstrado, a constante e infindável evolução da sociedade cria a necessidade de elaboração de meios jurídicos suficientes e eficazes de apaziguar os conflitos e solucionar os anseios do povo. Por oportuno, lembra-se do brocardo “o direito é a tartaruga e a sociedade é a lebre”. Nesse sentido, percebe-se que o legislador nacional deverá acompanhar e consolidar as inovações advindas do intenso e peculiar convívio humano, de modo a introduzir no direito de família, regulamentado pelo Código Civil Brasileiro, novas peculiriedades advindas do desenvolvimento social e cultural da sociedade, que por muitas vezes já acolhidos na doutrinária e jurisprudencialmente. Em assim sendo, resta claro que a guarda compartilhada tornou-se um meio alternativo capaz de garantir a perenidade do exercício do poder familiar por ambos os genitores. Ademais, sabe-se que os outros tipos de guarda admitidos não se mostram cem por cento eficazes na solução de problemas decorrentes do término da relação afetiva entre os genitores, quer seja pela adequada tutela do menor, quer seja por aspectos psicológicos e afetivos do mesmo. O princípio da igualdade entre homem e mulher, consagrado pela Constituição Federal de 1988 em seu art.5°, inciso I, proporcionou o equânime exercício de direitos e obrigações decorrentes da paternidade/maternidade por ambos os genitores, tendência esta expressamente disposta na primeira parte do art. 229 do texto Constitucional. Nesse contexto, verifica-se a benéfica alteração da ultrapassada expressão “pátrio poder” para “poder parental”, vez que não mais o pai será o único detentor do poder sobre a família, e sim o casal será o responsável em igualdade de condições, conforme imperiosa conclusão do art. 226, §5º da Constituição e os arts. 1630 a 1638 do Código Civil Brasileiro. Outra nova mudança positiva relacionada ao menor é o novo entendimento de que o poder familiar seria um múnus, isto é, um poder-dever a cargo dos pais de proverem todos os cuidados necessários ao pleno desenvolvimento do filho menor que se encontra em formação, ante o atual texto constitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Civil de 2002. Importante ressaltar, que referida mudança foi possível em virtude da inclusão dos princípios da liberdade e da dignidade da pessoa humana na Constituição pátria. Tais 40 princípios estenderam tanto para a mulher quanto para a criança os direitos até então abrangidos somente pelo pai, ou seja, a mulher e os filhos não estavam mais submetidos ao pleno poder do pai, cada um dos membros da família passou a ter seus direitos reconhecidos e protegidos. Concomitantemente, a interpretação jurisprudencial tem adotado uma posição de vanguarda, no sentido de não mais conceder preferencialmente a guarda à mãe da criança, por razões outrora ultrapassadas. A visão contemporânea do direito de família é a de se poder atribuir a qualquer dos genitores, seja ao pai ou seja à mãe, a guarda do filho menor, em defesa dos interesses deste. Atualmente, o que prevalece é o princípio do melhor interesse do menor. Por outro lado, a guarda unilateral, que é ainda muito usada na maioria dos casos concretos, vem sendo incisivamente criticada pelos doutrinadores, em função dos grandes e graves problemas que acarreta ao menor. Essa espécie de guarda, acaba por privar o filho de conviver com o genitor não-guardião, eis que geralmente este genitor exerce apenas direito de visita e de vigilância, sendo impossibilitado de exercer plenamente o poder parental outorgado a ele pelo Estado. Por fim, conclui-se que a guarda compartilhada tem se mostrado um real instrumento de manutenção do exercício do poder familiar e, em decorrência, uma maneira de manter o convívio do menor sob a guarda de ambos os pais, independentemente do local aonde venha a residir, seja com o pai ou com a mãe. Ademais, não se vislumbra outra espécie de guarda capaz de produzir os mesmos benéficos efeitos que a guarda compartilhada tem o condão de oferecer ao menor, ressalvadas as peculiaridades do caso concreto. Caberá também uma mudança radical na sociedade, de forma positiva, mudando os seus conceitos, ora ultrapassados, será uma parcela fundamental para que as decisões não venham tão somente a serem impostas pelo Poder Judiciário, mas sim, venha a trazer um litígio de forma harmônica, principalmente em se tratando da formação da nossa geração futura, em que a prole tenha-se onde se espelhar, seus genitores, que mesmo vivendo separado, deu-lhes caráter e dignidade e não somente uma ajuda de custo para viver. As Leis não têm efeitos somente na letra ou um código morto, a sociedade deve se organizar junto aos ordenamentos Jurídicos, lutando pelos direitos. Esta tese traz uma grande sociedade, “a família”, não se pode banalizar uma instituição como esta, a união do casal pode se acabar, no entanto, os laços de afeto e amor devem prevalecer sem que haja juízo de valores, mas que venha preponderar o que venha ser mais benéfica a sua prole. 41 REFERÊNCIAS Lei 11.698 ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. Poder familiar nas famílias recompostas e o art.1636 do CC/2002. In: Afeto, Ética, Família e o Novo Código Civil Brasileiro, 2004, Belo Horizonte. Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família, Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 161-179. BRASIL. Legislação Complementar. Lei 11.698 de 13 de junho de 2.008: Senado, 2008. Altera os artigos 1.583 e 1.584 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, BRASIL. Código Civil. 2 ed. Brasília: Senado, 2003. BRASIL. Código Civil de 1916 e legislação em vigor. Organização, seleção e notas por Theotonio Negrão, com a colaboração de José Roberto Ferreira Gouvêa. 21. ed. Atual até 16 de janeiro de 2002. São Paulo: Saraiva, 2002. BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília; Senado, 1988. BRASIL. Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 13 jul. 1990. BRUNO, Denise Duarte. 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