O REGIONALISMO PÓS-LIBERAL E O RESGATE DA AGENDA DO
DESENVOLVIMENTO
Guilherme Augusto Guimarães Ferreira1
RESUMO: O fim da Guerra Fria iniciou o processo de acentuação do que chamamos de
globalização que, em nível mundial, possibilitou que temas ligado ao âmbito econômico e
social passassem a dividir a agenda internacional com os tradicionais estudos de defesa e
segurança, predominantes antes de 1989. Nesse contexto, tendo por marco as experiências
europeias na segunda metade do século XX, evidenciou-se o fortalecimento dos processos de
regionalismo como opção ao desenvolvimento. Fenômeno esse que, na atualidade, opera sob a
lógica que Sanahuja denomina regionalismo pós-liberal, caracterizado pelo resgate das
preocupações com a promoção do desenvolvimento, com um maior papel dos atores estatais,
com ênfase na criação de instituições e políticas comuns e uma abertura da agenda às
dimensões sociais da integração, sobretudo às questões ligadas à redução da pobreza e da
desigualdade e a promoção da justiça social. Dessa forma, o objetivo deste é apresentar o
regionalismo pós-liberal na América latina e como esse fenômeno resgata as preocupações
com um projeto de desenvolvimento independente e autônomo para a região.
PALAVRAS-CHAVE: Regionalismo Pós-liberal. Desenvolvimento. América Latina.
INTRODUÇÃO
No existe una única forma de hacer integración. Como constelación de políticas
públicas, la integración regional, sus objetivos, su estructura institucional y la
definición de quiénes participan en su concepción e implementación son objeto de
lucha política. Asimismo, determinadas políticas públicas de integración regional
plasman en medidas concretas la opción por un modelo determinado. (VAZQUEZ,
2011, p.166).
Os processos de integração regional, enquanto objeto de estudo, surgem das análises
acadêmicas, nos anos 1950, da criação da Comunidade Econômica do Carvão e do Aço
(CECA), na Europa pós-Segunda Guerra, que tinha por característica fundamental a união,
sob uma autoridade comum, da produção de carvão e aço dos países que se enfrentaram nas
grandes guerras, notadamente, França e Alemanha.
1
Mestrando pelo PPGRI San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP). Bacharel em Relações
Internacionais pela UNESP – Franca. E-mail: [email protected].
As histórias dos processos de integração, tanto na Europa quanto na América Latina,
entretanto, datam de períodos anteriores. As iniciativas de unificação do continente europeu
remontam à experiência do Sacro Império Romano-Germânico, enquanto que o projeto
integracionista na América Latina começa a ser desenhado por volta do séc. XVIII, com os
movimentos independentistas. É com Bolívar e José Martin que a unidade da região,
sobretudo da América espanhola, passa a ser entendida como uma estratégia de emancipação
política frente à coroa da Espanha.
Desde então, esse processo passou por diversas transformações, assumindo um caráter
desenvolvimentista nos anos pós-II Guerra, incorporando os preceitos neoliberais a partir dos
anos 1990 e da nova ordem mundial instaurada no pós-1989 e, por fim, dando sinais de uma
ressignificação do processo de integração, em que as demandas sociais passaram a
protagonizar a agenda.
Tendo isso em vista, o argumento aqui apresentado é que esse processo de
ressignificação pelo qual a integração regional passou, sobretudo a partir dos anos 2000,
fenômeno denominado por Sanahuja (2010) de regionalismo pós-liberal, resgatou as
preocupações com a agenda do desenvolvimento, tendo por marca um maior papel dos atores
estatais, a ênfase na criação de instituições e políticas comuns e uma abertura da agenda às
dimensões sociais da integração, sobretudo às questões ligadas à redução da pobreza e da
desigualdade e a promoção da justiça social.
O Trabalho se estrutura em quatro principais seções. Na primeira, o objetivo é
apresentar o desenvolvimento da integração regional nos anos 1950 sob a lógica do
regionalismo autônomo, em que predominaram as idéias da CEPAL e as políticas de
industrialização via substituição de importação.
Na segunda seção, faz-se a apresentação do regionalismo na América latina durante os
anos 1990, sob a égide do regionalismo aberto e do neoliberalismo. A intenção é mostrar
como os governos liberais e as políticas propostas pelo “Consenso de Washington” moldaram
os processos de integração, dotando-os de um caráter exclusivamente comercial, onde o
Estado e as demandas sociais tinham pouco, ou quase nenhum espaço.
Após, apresentamos as reflexões sobre o regionalismo pós-liberal. Quer-se, nessa
seção, mostrar a ressignificação pela qual passou o regionalismo na América Latina,
majoritariamente com os governos progressistas, e suas conseqüências para os processos de
integração regional.
Pro fim, faz-se uma breve leitura do MERCOSUL a partir dessa óptica, mostrando
suas principais transformações, numa tentativa de ilustrar o argumento de que o regionalismo
pós-liberal resgatou a agenda do desenvolvimento nos processos de integração regional na
América latina.
O REGIONALISMO AUTÔNOMO DOS ANOS 1950
Os processos de integração regional desenvolvidos na América Latina sob a lógica do
regionalismo
autônomo2
trataram-se,
sobretudo,
de
projetos
com
características
desenvolvimentistas. Foi motivado, sobremaneira, pela nova ordem econômica mundial
instalada no pós-II Guerra Mundial, majoritariamente pelas políticas de reconstrução das
economias centrais. (BRICEÑO RUIZ, 2007).
Os Estados centrais conduziram políticas, com o fim da Guerra, de caráter
protecionistas, numa estratégia de salvaguardar os mercados nacionais e reconstruir suas
economias devastadas pelo conflito. Essas políticas geraram uma enorme defasagem entre os
preços nacionais e os internacionais, forçando os países centrais, historicamente importadores
de produtos agrícolas, a apoiarem a sua produção nacional, e aos países periféricos,
importadores de produtos manufaturados, a industrialização.
A integração regional foi motivada, para além da conjuntura comercial exposta acima,
pelo discurso de fortalecimento da América Latina propagado pelos governos nacionaldesenvolvimentistas da época, que almejavam uma maior inserção no sistema internacional
estratificado da Guerra Fria, e pelo aprofundamento da integração européia com a assinatura
dos Tratados de Roma, em 1957, que impuseram a urgência da criação de uma alternativa
para as economias latino-americanas, já que a criação da Comunidade Econômica Europeia
Na literatura, o regionalismo dos anos 1950 é também chamado de “Velho Regionalismo” e “Regionalismo
Fechado”. No entanto, neste trabalho optou-se pela nomenclatura “Regionalismo Autônomo”, conforme
proposta do professor Briceño Ruiz, por ter como locus específico a América latina: “La calificación de
‘autonómica’ parece explicar de manera más clara las convicciones y las metas de los gobiernos que
impulsaban la integración. La expresíon regionalismo cerrado, en cambio, es inexata porque la propuesta
cepalista no excluía de forma absoluta a apertura a los mercados mundiales, circunstancia que se consideraba
uma etapa por la que la región tendría que transitar uma vez que sus bienes lograran ser competitivos em los
mercados latinoamericanos”. (BRICEÑO RUIZ, 2007, p.21).
2
(CEE) significava um bloqueio às importações dos produtos latino-americanos. (BRICEÑO
RUIZ, 2007).
O núcleo central da idealização dos processos de integração foi baseado pelas teorias
desenvolvidas pela Comissão Econômica para América Latina (CEPAL), que via a integração
regional como mecanismo para a promoção do desenvolvimento na região. O professor
Marcio Bobik Braga apresenta-nos três principais argumentos dos cepalinos na defesa da
integração regional:
[...] i) a necessidade de se estabelecer maior racionalidade econômica ao processo de
substituição de importações; ii) a necessidade de um planejamento regional cujo
objetivo fosse a criação de mecanismos que possibilitavam um desenvolvimento
comercial e industrial com equidade e iii) a adoção de estratégias para o
estabelecimento de uma política comercial no contexto das novas relações
econômicas e políticas internacionais que se consolidavam na época. (BRAGA,
2007, p.55).
Os cepalinos entendiam que as dificuldades encontradas pelas exportações eram
conseqüências das políticas protecionistas postas em prática nos países centrais, sobretudo
ligadas aos produtos agrícolas, protagonista na pauta de exportações da região. Dessa forma, a
alternativa para superar essa estrutura dependente da demanda internacional por produtos
primários era de promover uma política de industrialização baseada na substituição de
importações, em que os recursos arrecadados com a venda dos bens primários deveriam ser
utilizados na aquisição de bens de capital para fomento da indústria. Nessa lógica, os blocos
econômicos assumiriam protagonismo, na medida em que possibilitariam a exploração das
economias de escala, compensariam as demandas internacionais de importações e
diversificariam a pauta de exportações da região:
(...) o mercado comum corresponde ao empenho em criar uma nova modalidade para
intercâmbio latino-americano adequado a duas grandes exigências: a da
industrialização e a de atenuar a vulnerabilidade externa desses países. (...) A
realização progressiva do mercado comum permitirá que ele vá sendo
gradativamente transformado, com as grandes vantagens que poderão advir de uma
organização mais racional do sistema produtivo, mediante a qual se aproveite com
maior eficácia a potencialidade da terra e na qual a indústria, rompendo os limites
estreitos do mercado nacional, adquira dimensões mais econômicas e, por sua maior
produtividade, possa aumentar sua já ponderável contribuição atual para o padrão de
vida latino-americano. (CEPAL, 2000, p.352 apud OLIVEIRA, 2014, p.11)
A industrialização da região pensada na dinâmica do bloco econômico possibilitaria,
ainda, uma especialização industrial de cada Estado participante, aumentando a
competitividade dos produtos no mercado internacional. No entanto, tal especialização
deveria ser operacionalizada a partir de um planejamento regional, na medida em que era
preciso evitar a concentração industrial em áreas focalizadas, fator que ampliaria as
desigualdades entre os participantes do processo integracionista. Nas palavras de Alessandra
Oliveira:
Desta maneira, com a implantação da integração, estas nações poderiam beneficiarse com a intensificação das trocas comerciais recíprocas e dar um impulso ao
processo de industrialização. Com o mercado comum, os países, ao invés de
implantar indústrias substitutivas a toda sorte, poderiam cada um deles se
especializar naquelas que considerassem mais convenientes, de acordo com suas
possibilidades de mercado. E, em contrapartida, importariam de outros países latinoamericanos, os demais produtos industrializados, que não conseguissem adquirir do
resto do mundo por conta do crescimento lento das exportações primárias.
(OLIVEIRA, 2014, p.11).
Podemos destacar duas iniciativas integracionistas pensadas nessa lógica: O Pacto
Andino, de 1969, e a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), de 1980. Não
cabe aqui desenvolver um estudo detalhado de cada iniciativa, mas vale ressaltar que ambas
foram estratégias de integração com o objetivo claro de conquistar elevados graus de
autonomia e de promover suas próprias políticas de desenvolvimento. Daniela Perrota nos
aponta suas características fundamentais:

El Estado mantiene el rol de conducción de la política de integración,
regula y articula las relaciones sociales y mercantiles;

El esquema de integración comercial al que se aspira llegar es, en la
mayoría de los casos, el de un mercado común: esto es, lograr La libertad de
movimiento de bienes, personas y capitales;

La integración regional se basa en un esquema gradual y que tenga en
cuenta situaciones de asimetría;

Los arreglos institucionales presentan rasgos de supranacionalidad, em
concordancia con los objetivos de los diferentes acuerdos. (PERROTA, 2010, p.09).
Esse modelo, no entanto, apresentou sinais de fracasso. Embora alguns autores o
atribuam às limitações do modelo de industrialização por substituição de importações pensado
pela CEPAL, Briceño Ruiz argumenta ao contrário, que o fracasso deveu-se à não
implantação do projeto cepalino na sua totalidade. (BRICEÑO RUIZ, 2007). Esbarrou,
segundo o autor, na tentativa de conciliação, por parte dos governos participantes, de um
projeto de industrialização nacional e um regional, contraditórios por natureza.
A integração foi debilitada, ainda, pela ausência de políticas de infraestrutura que
dessem suporte à industrialização, pela instabilidade macroeconômica que afetou os mercados
financeiros e os preços das commodities, principal fonte de recursos para o financiamento da
política industrial e por ter ido de encontro aos interesses dos empresariados nacionais que,
diante da situação, acionaram seus governos e articularam entraves à continuidade do
processo integracionista. Vásquez resume:
Predominó una combinación de las ideas cepalistas y las tendencias comercialistas,
que pudieron ser en cierta medida compatibles hasta que pusieron en cuestión la
continuidad de los procesos nacionales de industrialización. En tanto éstos entraron
en contradicción con la industrialización concebida regionalmente por la CEPAL,
los gobiernos optaron por priorizar los primeros, a partir de una perspectiva
fuertemente centrada en las demandas domésticas y en el corto plazo. (VAZQUEZ,
2011, p.168).
Percebe-se, portanto, que os projetos de integração do regionalismo autônomo tinham
em sua centralidade a agenda do desenvolvimento e o Estado, responsável primeiro por
cumpri-la. Não se concebeu a integração regional como um mecanismo puramente de
liberalização e imposição da lógica do mercado, como o regionalismo aberto, apresentado a
seguir. Mas sim, de uma concepção integracionista que tinha no Estado seu principal ator e o
desenvolvimento autônomo, focalizado nas políticas de industrialização, como seu objetivo
central.
O REGIONALISMO ABERTO DOS ANOS 1990
Se fossemos resumir a atividade política e econômica dos anos 1990 na América
Latina em um termo, este seria neoliberalismo. O neoliberalismo teve sua origem na
Inglaterra em 1944, com as publicações de Friedrich Hayek3, mas ganhou materialidade
política a partir dos governos de Margaret Thatcher, no Reino Unido e de Ronald Reagan, nos
EUA, assim como nos de Helmut Khol e Poul Schluter, na Alemanha e Dinamarca,
respectivamente.
3
VER: HAYEK, Friedrich. A. O caminho para a servidão. Lisboa: Edições 70, 2009.
De maneira geral, esses governos adotaram políticas de contração da emissão
monetária, de elevação das taxas de juros, de redução os impostos sobre os altos rendimentos,
de abolição dos controles do mercado financeiro, de criação de índices de desemprego
massivos, de corte dos gastos sociais e de implementação de um amplo programa de
privatizações. Conforme sintetizado por Perry Anderson, “Trata-se de um ataque apaixonado
contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciadas
como uma ameaça letal à liberdade, não somente econômica, mas também política”.
(ANDERSON, 1998, p.9).
Na América latina, esse modelo passou a ser implementado por Pinochet, Menem,
Perez e Fujimori nos governos de Chile, Argentina, Venezuela e Peru, respectivamente, numa
resposta ao agravamento das dívidas internacionais dos anos 1980, contraídas nas décadas
anteriores. Cenário este em que os governos supracitados recorreram ao Banco Mundial e ao
Fundo Monetário Internacional (FMI) que, em troca de financiamentos, exigiam políticas que
garantissem o controle das contas públicas e a abertura das economias aos mercados
internacionais, ancoradas no Consenso de Washington4. Embora essas políticas não tenham
sido implementadas de maneira homogênea em toda a América latina, variando em sua
temporalidade e intensidade, eles apresentaram elementos comuns, como aponta Soares:
Numerosos países da região trataram de introduzir maiores elementos de ortodoxia
em suas políticas econômicas, mas o fizeram com distintos graus de intensidade. No
entanto, quase todas elas colocaram como objetivos comuns os seguintes: a)
aumentar o grau de abertura da economia para o exterior, a fim de lograr um maior
grau de competitividade de suas atividades produtivas; b) racionalizar a participação
do Estado na economia, liberalizar os mercados, os preços e as atividades
produtivas; c) estabilizar o comportamento dos preços e de outras variáveis
macroeconômicas. (SOARES, 2009, p.24.)
É neste cenário, portanto, que o regionalismo aberto vai se desenhar, no marco da
ordem econômica pós 1989, onde os processos de integração se constituíram como
instrumento para enfrentar a globalização econômica e financeira. Tratava-se de um
trampolim para integrar as economias participantes ao mercado mundial.
4
Conceito utilizado para sintetizar as políticas liberalizantes propostas pelas Instituições de Bretton Woods. Em
síntese, a proposta é a de que o desenvolvimento seria alcançado por meio de privatizações, controle das contas
públicas, desregulamentação e abertura da economia aos mercados internacionais.
Operou-se, dessa forma, ações de liberalização comercial, flexibilização e
desregulamentação da economia e retirada de barreiras tarifárias, em complementaridade com
a experiência de abertura liberal no âmbito do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT),
posteriormente Organização Mundial do Comércio (OMC). Como afirma o Banco
Interamericano de Desenvolvimento: “se inserta en um marco de reforma de políticas que
fondamentaba la economia de mercado en un ambiente institucional democrático y
moderno.” ( BID, 2012, p.37 apud PERROTA, 2013, p.227).
Consolidou-se sob um discurso de que o debate da industrialização por substituição de
importações, tal qual proposto pela CEPAL nos anos 1950, estava superado. Era preciso,
segundo as concepções dos governos, promover a competitividade internacional e a
modernização tecnológica:
Esta nueva etapa de la integración latinoamericana contrasta com la fase anterior
por el extraordinario crecimiento del intercambio y el éxito em cumplir las metas de
alcanzar zonas de libre comercio y uniones aduaneiras. El nuevo ímpetu em la
integración regional suele atribuirse a la adopción de programas neoliberales por
parte de la mayoría de los países de la región, que habrían operado como “um
factor endógeno propicio para el proceso de integración”. La liberalización
comercial y desregulación econômica, parte integral de los programas de reforma
estructural aplicados em la región, habrían permitido superar las dificultades
experimentadas por los esquemas de integración debido a posturas nacionalistas y
ultraproteccionistas. Así, la nueva estrategia de integración abandona los objetivos
autonomistas de un crecimiento económico hacia adentro y la meta de reducir la
dependencia de la región, para optar por una estrategia ofensiva de inserción em la
economia mundial. (BRICEÑO RUIZ, 2007, p.110).
Segundo Briceño Ruiz (2007), o regionalismo aberto ocorreu devido a dois grupos de
causas: endógenas e exógenas. As causas endógenas foram a democratização e o apoio que os
grupos sociais, sobretudo o empresariado, deram aos projetos integracionistas. A
democratização possibilitou a superação dos discursos de segurança nacional das ditaduras
militares, criando um consenso de que era preciso operar medidas de abertura dos mercados.
O empresariado, ao contrário do período de 1950, demonstrou apoio à abertura econômica e à
criação de zonas de livre comércio, pois viram a integração como uma estratégia de adaptar o
setor privado às novas exigências dos mercados e passar a competir em escala global.
Os principais fatores exógenos, por sua vez, foram as transformações na economia
mundial e um sentimento de marginalização da região nos assuntos internacionais, que
colocaram o regionalismo como estratégia de inserção global:
La conclusión de la Guerra Fría y la disolución de la Union Soviética redujeron la
preponderância de los temas militares y de seguridad em la agenda global. En el
mundo de la post Guerra Fría se há producido um proceso de comercialización de
las relaciones internacionales como resultado de la globalización de la produucción
y las finazas mundiales. De igual manera, se há ampliado el concepto de comercio
internacional, que no solo incluye el intercambio de mercancias sino también los
servicios, las inversiones y aspectos relacionados com el trabajo y el medio
ambiente. Finalmente, se há producido uma politización de las relaciones
comerciales debido a la creciente incidencia de consideraciones de poder em la
administración del comercio exterior.
De forma paralela, se observa el renacer del regionalismo em todas as partes del
planeta, lo que crea expectativasde uma división de la economía mundial en
grandes bloques econômicos, y estos câmbios incrementan el temos de uma possible
marginalización de América Latina y Caribe em el orden mundial naciente. Como
en épocas anteriores, la integración aparece de nuevo como una opción para
enfrentar de manera conjunta los peligros externos. La integración se concibe como
un medio para lograr uma inserción más eficiente em la economía mundial
globalizada y para fortalecer el poder de negociación de la región frente el resto del
mundo. (BRICEÑO RUIZ, 2007, p.110).
Muitas foram as iniciativas criadas sob a lógica do regionalismo aberto na América
Latina. Podemos destacar: o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA), firmado
entre Canadá, México e Estados Unidos em 1994; a proposta estadunidense de criação de uma
Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), também em 1994; a experiência do Mercado
Comum Centro-Americano (MCCA); o então Mercado Comum do Caribe, hoje Comunidade
do Caribe (CARICOM); e o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), de 1991.
Para além das especificidades de cada projeto, foi ponto comum um discurso que
enfatizava a integração combinada com a abertura comercial, com o objetivo claro de uma
inserção rápida, e com menor custo, na economia internacional. Evidenciou-se, assim, que as
estratégias se limitaram a um projeto comercial, onde a desoneração tarifária e a abertura
indiscriminada dos mercados protagonizavam.
Demonstra-se o exposto acima no exemplo do MERCOSUL. Ao analisarmos o Artigo
1º do Tratado de Assunção, marco legal de criação do bloco de integração sul-americano, que
seus mecanismo limitaram-se às questões relacionadas à livre circulação de mercadorias, bens
e serviços e coordenação de políticas macroeconômicas que visem apenas as condições de
concorrência:
TRATADO DE ASSUNÇÃO
Artigo 1º - Os Estados Partes decidem constituir um Mercado Comum, que deverá
estar estabelecido a 31 de dezembro de 1994, e que se denominará "Mercado
Comum do Sul" (MERCOSUL).
Este Mercado Comum implica:
A livre circulação de bens serviços e fatores produtivos entre os países, através,
entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários restrições não tarifárias à
circulação de mercado de qualquer outra medida de efeito equivalente;
O estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política
comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e a
coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais;
A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados Partes – de
comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e de capitais, de
serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem -, a
fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados Partes; e
O compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas
pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração. (MERCOSUL,
1991)
O mesmo é exposto na proposta da ALCA, cujas recomendações contidas no projeto
Briceño Ruiz nos apresenta:

Eliminacíon de subsídios a las exportaciones.

Reciprocidad em el acceso a los mercados.

Membresía em la Organización Mundial del Comercio.

Discipina fiscal.

Progreso em la protección de la propriedad intelectual.

Abolición de las barreras al comercio de bienes y servicios.

Trato nacional a las inversiones extranjeras.

Convergencia de objetivos comerciales com Estados Unidos. (BRICEÑO
RUIZ, 2007, p.146).
Nos anos 2000, contudo, ocorreram algumas transformações no quadro político latinoamericano e mundial ameaçando, em alguns casos extinguindo, as iniciativas de integração
regional baseadas no regionalismo aberto. Em nível regional, devido às crises brasileira e
argentina, de 1998 e 2001, respectivamente, houve o desaparecimento de um aparente
consenso em apoiar a integração nos mecanismo de mercado e, simultaneamente, governos de
esquerda foram eleitos na região. Em nível internacional, os atentados aos EUA em 11 de
setembro de 2001, a guerra ao terror e a paralisação das negociações liberalizantes na OMC,
deslocaram o foco da diplomacia estadunidense, relaxando as pressões nas negociações da
ALCA, principal competidora dos projetos latino-americanos.
Somado a esses fatores, a IV Cúpula das Américas, realizada em 2005, na Argentina,
consolidou o rechaço ao projeto da ALCA, reafirmando um novo momento do regionalismo
na América Latina, que abordaremos a seguir.
O REGIONALISMO PÓS-LIBERAL
O início do Séc. XXI marca um fenômeno impar na América Latina, o que alguns
especialistas chamam de “Onda Rosa”. Fabrício Silva a descreve:
A “onda rosa” se iniciou ainda na década de 1990, com a eleição de Hugo Chávez
em 1998. Chávez, fundador do personalista Movimento V República (MVR),
chegou ao poder em meio ao colapso das instituições e partidos “tradicionais”. Na
sequência, Ricardo Lagos, oriundo do Partido Socialista do Chile (PSCh), foi eleito
em 2000, representando uma inflexão à esquerda na Concertação, aliança que
governava o país desde o retorno à democracia em 1990. Em 2002, Luiz Inácio Lula
da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), foi eleito no Brasil. Na Argentina,
Néstor Kirchner foi eleito presidente em 2003, e procurou governar como parte
integrante desse giro à esquerda – apesar das evidentes dificuldades em se
considerar de esquerda um governante oriundo do peronismo. Tabaré Vázquez, da
Frente Ampla (FA), venceu as eleições uruguaias em 2004. Em 2005, Evo Morales,
do Movimento ao Socialismo (MAS) da Bolívia, venceu as segundas eleições que
disputou, como culminância da crise político-social vivenciada pelo país nos anos
anteriores. No ano seguinte, Rafael Correa chegou ao poder no Equador, após fundar
um movimento com o intuito de concorrer às eleições presidenciais, o Pátria Altiva e
Soberana (PAÍS na sigla em espanhol), também em meio a um colapso de
instituições e partidos “tradicionais”. No mesmo ano, Daniel Ortega e sua Frente
Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) regressaram ao poder na Nicarágua,
dessa vez por meios eleitorais. O ativista social Fernando Lugo chegou ao poder no
Paraguai em 2008 encabeçando uma frente de movimentos sociais, sindicatos e
partidos de oposição, encerrando uma hegemonia de seis décadas dos colorados. Por
fim, no ano seguinte Mauricio Funes, da Frente Farabundo Martí para a Libertação
Nacional (FMLN), chegou ao poder em El Salvador. (SILVA, 2010, p.03).
O autor considera que esse fenômeno foi possibilitado por dois principais fatores: o
fim da Guerra Fria e a redemocratização. O pós-1989 representou o fim de um modelo de
esquerda universal, inspirada na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), dando
espaço para que os partidos do continente, ainda que de origem marxista, pudessem se adaptar
às especificidades nacionais. Da mesma forma, a redemocratização da América Latina,
operada a partir dos anos 1980, possibilitou que essa esquerda, agora organizada em partidos,
já apta ao jogo democrático, competisse pelo poder político na região:
Além disso, num sentido “mínimo”, essas esquerdas se afirmaram democratas e
aceitaram participar do “jogo democrático” – mais do que alguns analistas e/ou
adversários políticos gostariam de admitir. Com isso, se afastaram da imagem
comumente associada a esquerdas de todos os quadrantes, em especial as do
subcontinente. As esquerdas latino-americanas atuais aceitaram a democracia em
seus aspectos representativos, entraram na disputa democrática, e foram aceitas
como adversários pelos seus contendores (algo difícil até pouco tempo na região).
Assim, essas esquerdas se adaptaram à (re)democratização vivenciada no
subcontinente, podendo aproveitar-se de suas possibilidades – que se mostraram, ao
fim e ao cabo, mais frutíferas do que alguns setores críticos mais recalcitrantes
tendem a admitir. (SILVA, 2010, p.07).
Para além das especificidades do fenômeno, o fato é que os então novos governos de
esquerda impuseram uma ressignificação à integração regional, que passou a ser encarada
como instrumento do Estado para o desenvolvimento, dotada de uma agenda em que as
dimensões sociais protagonizavam, entendida enquanto uma estratégia para ampliar a
autonomia da região frente o sistema internacional:
Emerge así una agenda que da más peso a las dimensiones sociales, políticas y de
seguridad, y a políticas comunes en campos como la energía o la infraestructura,
frente al énfasis en la liberalización comercial del regionalismo
abierto.(SANAHUJA, 2010, p.88).
Produto de uma conjuntura marcada pela falência do modelo neoliberal, pela extinção
do consenso de apoiar a integração nos mecanismos de mercado, pela crença no Estado como
regulador da economia e promotor do desenvolvimento por meio de políticas ativas de gastos
públicos e geração de emprego, esse novo regionalismo é chamado por José Sanahuja de
Regionalismo Pós-Liberal (SANAHUJA, 2010).
Desenha-se, sobretudo, como um instrumento para a construção de um espaço
comercial e como um mecanismo para construir e aplicar uma política social regional. Os
processos de integração regional passam, assim, a ser caracterizados por:
a) La primacía de la agenda política, y una menor atención a la agenda
económica y comercial, lo que no es ajeno a la llegada al poder de distintos
gobiernos de izquierda, al tono marcadamente nacionalista de esos
gobiernos, y a los intentos de ejercer un mayor liderazgo en la región por
parte de algunos países, en particular Venezuela y Brasil.
b) El retorno de la «agenda de desarrollo», en el marco de las agendas
económicas del «pos-Consenso de Washington», con políticas que
pretenden distanciarse de las estrategias del regionalismo abierto,
centradas en la liberalización comercial.
c) Un mayor papel de los actores estatales, frente al protagonismo de los
actores privados y las fuerzas del mercado del modelo anterior.
d) Un énfasis mayor en la agenda «positiva» de la integración, centrada en
la creación de instituciones y políticas comunes y en una cooperación más
intensa en ámbitos no comerciales, lo que, como se indicará, ha dado lugar
a la ampliación de los mecanismos de cooperación «sur-sur», o la aparición
de una agenda renovada de paz y seguridad.
e) Mayor preocupación por las dimensiones sociales y las asimetrías en
cuanto a niveles de desarrollo, y la vinculación entre la integración regional
y la reducción de la pobreza y la desigualdad, en un contexto político en el
que la justicia social ha adquirido mayor peso en la agenda política de la
región.
f) Mayor preocupación por los «cuellos de botella» y las carencias de la
infraestructura regional, con el objeto de mejorar la articulación de los
mercados regionales y, al tiempo, facilitar el acceso a mercados externos.
g) Más énfasis en la seguridad
complementariedades en este campo.
energética
y
la
búsqueda
de
h) La búsqueda de fórmulas para promover una mayor participación y la
legitimación social de los procesos de integración. (SANAHUJA, 2010,
p.95).
Em resumo, o regionalismo pós-liberal vai se distinguir por apresentar uma agenda
positiva para a integração, onde as demandas políticas tem primazia sobre as comerciais, o
Estado exerce maior papel frente os atores privados (protagonistas nos anos 1990) e existe
uma preocupação com a participação e legitimação social. Vale destacar, também, a exclusão
dos Estados Unidos e do Canadá nas iniciativas de integração.
O regionalismo pós-liberal traz consigo, ainda, uma forte influência dos projetos
bolivarianos, em que, por meio do resgate da valorização da América Latina, busca-se a
defesa da soberania, iniciativas de integração que trabalhem efetivamente na promoção do
desenvolvimento e que possibilite uma maior autonomia, tanto regional, quanto nacional, no
sistema internacional. E, ainda que em princípio pareça contraditório ter objetivos que reúnam
o nacional e o regional, Sanahuja (2012) alerta para uma das características do regionalismo
pós-liberal: ser resultado e mecanismo de fortalecimento do nacional.
Dentre as iniciativas de integração regional que operaram nessa nova lógica, tem
destaque a União de Nações Sul-americanas (UNASUL), a Aliança Bolivariana para as
Américas (ALBA) e os movimentos de reforma do MERCOSUL, apresentado a seguir.
UMA ANÁLISE DO MERCADO COMUM DO SUL
O MERCOSUL tem sua origem em 1991, quando na América Latina as iniciativas de
integração regional eram pensadas sob a lógica do regionalismo aberto, tendo por
característica central a liberalização comercial, onde a necessidade de conformação com o
mundo pós-1989, em que o comércio era a dinâmica central, impôs um projeto que limitou a
concepção de desenvolvimento ao crescimento econômico, conforme já apresentado.
Os anos 2000 e o fenômeno o regionalismo pós-liberal, descrito acima, inaugurou um
período de transição e de reformas do projeto de integração mercosulino, onde uma
concepção de desenvolvimento mais ampla tem dado espaço a iniciativas que se propõem
pensar mecanismos de construção de uma integração que não se limite ao âmbito comercial.
No entanto, não há um modelo a ser seguido, o que acarreta numa maior politização das
agendas, por um lado, mas por outro, dificulta a geração de consensos. (SANAHUJA, 2010).
O marco primeiro dessas mudanças foi, em alguma medida, o lançamento do
“Consenso de Buenos Aires” por Brasil e Argentina, em contraponto ao “Consenso de
Washington”, em 2003. De maneira geral, trata-se de um manifesto que rompe com as
propostas de políticas neoliberais, propondo uma agenda de defesa de políticas
macroeconômicas e microeconômicas que tenham centralidade na geração de emprego e nas
questões sociais. Gardini resume que “El documento afirmo el derecho de los pueblos al
desarrollo y la centralidade del Estado em las políticas públicas, y enfatizo los valores de
integración así como la necessidad de participación de la sociedad civil.” (GARDINI, 2011,
p.75).
De toda forma, no que diz respeito especificamente ao MERCOSUL, as principais
mudanças se centraram: na criação do Instituto Social do MERCOSUL; na criação do Fundo
para Convergência Estrutural do MERCOSUL; na abertura do Parlamento do MERCOSUL; e
na criação das Reuniões Especializadas.
O Instituto Social do MERCOSUL (ISM) foi criado em 2007 mediante a demanda de
hierarquizar a dimensão social da integração regional apresentada pela Reunião de Ministros
de Autoridades de Desenvolvimento Social do MERCOSUL (RMADS). Em efeito, a
instauração do Instituto como instrumento técnico-político que apoiasse os tais propósitos da
RMADS, exigiu não só definições na ordem programática e normativa, mas também
comprometeu a explicitação do marco conceitual que orienta a tarefa do orgão na área social.
A declaração abaixo, oriunda de uma das reuniões do RMADS, explicita a importância do
ISM:
Assumir a dimensão social da integração baseada em um desenvolvimento
econômico da distribuição equitativa, tendente a garantir o desenvolvimento humano
integral, que reconhece o indivíduo como cidadão sujeito de direitos civis, políticos,
sociais, culturais e econômicos. Desta maneira, a Dimensão Social da integração
regional se configura como um espaço inclusivo que fortalece os direitos cidadãos e
a democracia. (RMDS, 2006).
O Fundo para Convergência Estrutural do MERCOSUL (FOCEM), criado em 2004, é
um instrumento financeiro que tem por finalidade aprofundar o processo de integração
regional no Cone Sul, por meio da redução das assimetrias, do incentivo à competitividade e
do estímulo à coesão social entre os países-membros do bloco, diante da necessidade de maior
integração das economias da região e de maior investimento nas economias menores
participantes do projeto de integração regional.
. O FOCEM apresenta características redistributivas entre as economias do bloco que,
em momentos passados, seriam imponderáveis, fortalecendo vínculos institucionais
complementares e profundos entre agentes estatais e policy makers dos Estados Parte.
(PINTO, 2012).
O projeto de criação do Parlamento do MERCOSUL (Parlasul) foi apresentado pelos
governos Kirchner e Lula, no início dos anos 200. Trata-se de uma iniciativa que tem por
objetivo fortalecer a participação e a legitimidade social no processo de integração, nos
moldes do modelo europeu, a partir da transformação da Comissão Parlamentar Conjunta
(CPC), órgão consultivo criado pelo Protocolo de Ouro Preto, em um parlamento com
eleições diretas e competência decisória. Existem, no entanto, divergências no que tange seu
funcionamento, seu regime de representação, suas competências e seu papel institucional,
discordâncias estas que atrasaram o projeto e postergara as primeiras eleições diretas,
inicialmente previstas para 2011.
As Reuniões Especializadas são órgãos consultivos, criados ao longo dos anos 2000,
vinculados ao Grupo Mercado Comum (CMC), que tem por objetivo discutir as implicações
da integração e propor políticas públicas comuns para as mais diversas áreas da integração,
sobretudo, àquelas que ficaram à margem da agenda comercial. Temos a titulo de exemplo: a
Reunião Especializada da Mulher (REM); Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar
(REAF); a Reunião Especializada de Autoridades de Aplicação em Matéria de drogas,
prevenção de seu uso indevido e reabilitação de dependentes de drogas; a Reunião
Especializada de Cooperativas; a Reunião Especializada sobre Infraestrutura; entre outras.
Para além das particularidades de cada reunião e de cada área temática, as Reuniões
Especializadas representam o reconhecimento, por parte do MERCOSUL, de que a integração
regional não se limita aos aspectos comerciais e, de que é preciso pensar políticas públicas
comuns para a promoção do desenvolvimento da região, considerando as mais variadas
demandas das sociedades.
Nota-se, assim, que o MERCOSUL passou por uma transformação drástica, ao menos
em termos de discurso. Embora, como já nos alerta Gardini (2011), existem inúmeras
diferenças entre os discursos e as práticas nos processos de integração na América latina,
essas transformações foram materializadas nas iniciativas mostradas acima, evidenciando que
existe um movimento de inclusão das questões do desenvolvimento na agenda do
MERCOSUL, superando o modelo baseado nas políticas de liberalização comercial, com o
horizonte em um projeto social de integração para a região.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho elucida importantes considerações acerca da dinâmica do regionalismo
na América Latina, sobretudo no tocante à agenda dos processos de integração. Nos anos
1950, conforme já apresentado, as iniciativas foram marcadas pelas políticas de
industrialização e pela utilização de instrumentos protecionistas comerciais. A nova ordem
econômica do pós-guerra, as políticas econômicas de reconstrução dos Estados centrais, o
aprofundamento da integração no continente europeu e a disseminação de um discurso de
fortalecimento e unificação da América Latina impuseram a urgência da integração, que tinha
nas políticas de industrialização por substituição de importação seu núcleo central, conforme
teorizado pela CEPAL.
Nota-se que durante o regionalismo autônomo o Estado teve papel fundamental na
condução da política de integração e a agenda foi composta pelas preocupações com a
industrialização, num projeto de criação de um complexo produtivo complementar na região,
a partir de um planejamento industrial comum, na tentativa de assegurar, se não a eliminação,
a diminuição das assimetrias entre os Estados participantes, e evitar a concentração dos
complexos industriais em áreas focalizadas.
Nos anos 1990, por sua vez, a integração regional na América Latina foi apoiada nos
mecanismos de mercado e nas políticas de liberalização comercial, entendendo a integração
como um instrumento para enfrentar a globalização econômica e financeira, um meio para
integrar os mercados mundiais.
Implantaram-se políticas de liberalização comercial e de desregulação da econômica,
ancoradas no “Consenso de Washington”. No tocante à agenda, as demandas econômicas
protagonizaram. O Estado, antes ator central, deu lugar ao mercado na condução da
integração:
No novo processo de integração, o Estado passa a desempenhar papel diferente
daquele que se ocupou no antigo regionalismo, quando era responsável pela
implementação das políticas para o desenvolvimento da América Latina. Nesta fase
atual, segundo o relatório da CEPAL, ele passa a exercer a função de gerar
estruturas flexíveis de coordenação empresarial, a fim de facilitar a intermediação da
transferência de tecnologia, a criação de redes de informação e abertura de canais ou
foros de intercâmbio. (OLIVEIRA, 2014, p.15).
Nos anos 2000 o regionalismo passa por uma redefinição. O Estado, ator coadjuvante
nos anos de regionalismo aberto, assumiu a liderança do processo integracionista, adotando-o
como mecanismo para a promoção do desenvolvimento.
Verificou-se, assim, uma nova caracterização do regionalismo. A agenda política
passou a ter prioridade sobre a econômica e comercial, ocorreu um distanciamento das
políticas propostas pelo “Consenso de Washington” e as dimensões sociais foram
incorporadas ao processo de integração:
A diferencia de la década precedente, signada por la narrativa neoliberal asociada al
llamado “consenso de Washington”, junto con la reducción del rol del Estado a
favor de un protagonismo de los actores del mercado, la década actual se ha
caracterizado, de acuerdo a algunos análisis, por tres “retornos” distintivos, el
“retorno” a un fortalecimiento del Estado; el “retorno” a la politización de las
relaciones regionales, y el “retorno” a una agenda desarrollista marcadamente
asociada a un nuevo impulso de una agenda social y de una serie de políticas
consecuentes por parte del Estado, tanto en el ámbito específicamente social como
en las esferas económica y política. (SERBIN, MARTÍNEZ e RAMANZINI
JÚNIOR, 2012, p.11).
O
regionalismo
pós-liberal
realizou,
portanto,
o
resgate
da
agenda
do
desenvolvimento, ampliando sua concepção. Nos anos 1950, pensar desenvolvimento era,
sobremaneira, pensar políticas de industrialização. Nos anos 1990, por sua vez, o conceito de
desenvolvimento era associado à renda, e por isso a importância de vincular a integração à
liberalização comercial. Por fim, sob a égide do regionalismo pós-liberal, o conceito de
desenvolvimento ganha novas dimensões e passa a ser entendido como um processo que
envolve as dimensões sociais e econômicas de forma indissociável.
Essa nova concepção de desenvolvimento materializou-se nas novas iniciativas de
integração, como UNASUL, e no desenvolvimento de novas estratégias por parte de
processos de integração regionais antigos, como apresentado na breve análise do
MERCOSUL, realizada acima.
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