Química Orgânica Avançada (QP-021), Unicamp Igor D. Jurberg Aula 9 Orbitais de fragmentos e a geometria das moléculas Livros: A) Jean, Y.; Volatron, F.; (traduzido e editado por Burdett, J.) "An Introduction to Molecular Orbitals" Oxford University Press: New York, 1993. B) Ahn, N. T.; "Frontier Orbitals: A practical Manual" John Wiley & Sons: Chichester, 2007. C) Leforestier, C.; "Introduction à la Chimie Quantique" Dunod: Paris, 2005. D) Anslyn, E. V.; Dougherty, D. A.; "Modern Physical Organic Chemistry" University Science Books: Herndon, 2006. 1 Problemas conformacionais A consideração das interações entre OMs dentro de um mesmo composto permite explicar em diversos casos as geometrias experimentais observadas. Estudo de casos: o etanal, o propeno, o butadieno e o éter de metilvinila Acetaldeido: Sabemos que a conformação mais estável do acetaldeído é a eclipsada. Este resultado é um pouco surpreendente se compararmos com o etano, por exemplo, cuja conformação mais estável é a alternada. O H HH HO H H H eclipsada H O H H O H H H H alternada 2 Problemas Conformacionais Acetaldeido: Explicação pela interação dos OMs dos fragmentos Me e CHO: Interação (1): H alternada H eclipsada O H H HH Me Interação (2): (4) CO (3) H alternada H eclipsada H CO (2) Me (1) H Interação (3): (1): Interação à 4e, desestabilizante (2) e (3): Interações a 2e, estabilizante (4): Indiferente, não há elétrons envolvidos H alternada H eclipsada 3 Problemas conformacionais Propeno: A simetria dos orbitais e * de uma carbonila são as mesmas de um alceno. Assim, um corolário do estudo anterior é que a conformação do propeno eclipsado é mais estável que o alternado. H H H H H eclipsado H H H H H alternado mais estavel Isso é verdade apenas para o propeno! Para outros substituintes, interação estérica é muito mais desestabilizante que a estabilização de efeitos eletrônicos (cf. interações alílicas, A1,3) 4 Problemas conformacionais Butadieno O butadieno pode ser considerado pela união de dois fragmentos de etileno. Existem diversas configurações possíveis para o butadieno em função do ângulo de rotação Q. As principais são a s-cis e s-trans. Q s-cis 1* 1 (3) (2) (1) 2* s-trans (2) e (3) Interações a 2e, estabilizantes: 2 menos estabilizante (1) Interação a 4e, desestabilizante: Assim, a configuração mais estável é a s-trans desestabilização A. J. Devaquet, R. E. Townshend, W. J. Hehre, JACS 1976, 98, 4068. 5 Problemas conformacionais Éter de metilvinila O FRAGMENTO OMe: Me Analise idêntica ao do butadieno: O Me mais estavel 4e desestabilizante 2e estabilizante Em contraste com o butadieno, a configuração mais estável para o éter de metilvinila é a s-cis. 6 Problemas conformacionais O efeito anomérico: O efeito anomérico diz respeito a derivados halogenados do ciclohexano no qual um grupo CH2 é substituido por um átomo eletronegativo (O ou S). Observa-se que em um halogenociclohexano, o halogênio prefere se colocar na posição equatorial, enquanto que quando um dos vizinhos CH2 é substituido por um átomo de O, a conformação mais estável é a que o halogênio se põe na posição axial. X X H O H X H X "Efeito anomérico" O H A) W. A. Bonner, JACS 1951, 73, 2659. B) E. Lielel, C. A. Giza, JOC 1968, 33, 3574. C) C. V. Holland, D. Horton, J. S. Jewel JOC 1967, 32, 1818. D) G. A. Jeffrey, J. H. Yates, JACS 1979, 101, 820. 7 Problemas conformacionais O efeito anomérico: A origem desse efeito vem da interação entre o átomo de O e a ligação C-X. O átomo de O possui dois pares de elétrons livres ocupando os orbitais 2p e n, que não são degenerados. OA 2p 2p R R n O orbital hibrido n O halogênio X é eletronegativo, assim a ligação C-X possui um orbital sCX de baixa energia que poderá interagir com os dois pares livres de elétrons do oxigênio em 2p e n. A interação com 2p (OA mais próximo em energia) será especialmente estabilizante no caso do C-X axial. s*CX s*CX 2p H X H 2p H H H n H H X axial recobrimento 2p-sCX n H n (atras) X H H H H X equatorial recobrimento 2p-sCX s*CX s*CX 2p 2p n grande diferença de energia 8 Problemas conformacionais O efeito anomérico: s*CX 2p s*CX H X H 2p H H H n H H H X axial recobrimento 2p-sCX n n (atras) X H H H H s*CX s*CX 2p 2p n X equatorial recobrimento 2p-sCX grande diferença de energia Uma consequência visível no comprimento das ligações: A C-X é alongada e C-O é encolhida. s CX X sCX C 2p 2p + s CX O C-X alongada C-O diminuida 9 Problemas conformacionais Deslocalisação de pares livres de elétrons: um estudo de caso do N2F2 Os pares livres de elétrons não ligantes podem ter um papel importante sobre as conformações. Um exemplo representativo desse efeito é dado pela molécula N2F2. F N sNF F N F N sNF N nN estabilização importante F F F N sNF sNF N nN F estabilização mais fraca nN N sNF Assim, o isômero cis é favorecido 10 Problemas conformacionais A hiperconjugação Até o presente, consideramos apenas o recobrimento entre orbitais , que dão origem aos fenômenos de conjugação. Quando o recobrimento entre orbitais envolve um do tipo s, chamamos o fenômeno associado de hiperconjugação. A hiperconjugação de orbitais é responsável por explicar a estabilidade e reatividade de muitos sistemas. Exs.: efeito anomérico, efeito gauche, efeito de estabilização b do silício, explica a barreira de rotação do etano, a estabilidade relativa de carbocátions e radicais, a facilidade de transposições sigmatropicas [3,3] e a facilidade de reações SN2 com haletos de alila e propargila, etc.. 11 Problemas conformacionais A hiperconjugação A estabilização de cátions O dicátion C2H4+2: não existe no estado estável, mas é um bom modelo teórico para o estudo da hiperconjugação O que poderíamos esperar? A perda da ligação produziria uma estrutura alternada com fraca barreira de rotação da ordem de 12 kcal.mol-1 e a ligação C-C iria aumentar Cálculos quânticos mostram que as duas hipóteses não acontecem. A conformação é alternada, mas a barreira de rotação é alta: 28 kcal.mol-1 e a ligação C-C não é tão longa quanto poderiamos esperar: 1.40 Å (bem abaixo da ligação C-C simples, tipicamente 1.50Å). Essas distorções são explicadas pela hiperconjugação A) L. Libit, R. Roffmann, J. Am. Chem. Soc. 1974, 96, 1370. B) K. Lammertsma, M. Barzaghi, G. A. Olah, J. A. Pople, J. Kos, P. v. R. Schleyer, J. Am. Chem. Soc. 1983, 105, 5252. C) R. H.Nobes, M. W. Wong, L. Radom, Chem. Phys. Lett. 1987, 136, 299. 12 Problemas conformacionais A hiperconjugação O dicátion Vamos estudar os fragmentos CH2+, que compõe o dicátion C2H42+: C2H42+: 2 conformações possiveis H H np 2+ 2+ H H H H 140 pm H H AS 2+ H H H SA z y xz / yz ns eclipsada H x SS SS SA AS SS SS CH2 alternada sCH2 13 Problemas conformacionais O dicátion C2H4+: Recobrimento sCH2-sCH2: Interação a 4e desestabilizante para conf. eclipsada, recobrimento ns-ns estabilizante a 2e para conf. eclipsada. (de toda forma, distância H-H é grande). Recobrimento CH2-np 0e np np 4e CH2 CH2 CH2 CH2 2e ns ns 4e sCH2 sCH2 2e Interações estabilizantes a 2e favorecem conformação alternada np np 14 Problemas conformacionais O cátion C2H5+: H H H H H H H H conformação A O cátion etila será estudado considerado dois fragmentos radicalares: um CH2+ e um CH3. H H conformação B Fragmento CH2+ Fragmento CH3 x y np z ns ns xCH3 yCH3 sCH3 CH2 sCH2 Conformação A Conformação B R. Hoffmann, L. Radom, J. A. Pople, P. v. R. Schleyer, W. J. Hehre, L. Salem. J. Am. Chem. Soc. 1972, 94, 6221. 15 Problemas conformacionais O cátion C2H5+: Conformação A Conformação B npx npy 2e 2e 4e yCH3 xCH3 xCH2 xCH3 4e yCH3 yCH2 Qualquer que seja a conformação considerada, as interações entre os fragmentos são as mesmas, de acordo com o eixo considerado x ou y. Isso explica porque, nesse caso, a rotação em torno da ligação C-C é permitida. A doação eletrônica de iCH3 a npi se traduz pelo reforço da ligação C-C e a diminuição da distância interatômica (1.44Å em comparação com uma C-C normal de 1.50Å). Uma outra consequência desse fenômeno é o enfraquecimento das ligações C-H e o aumento do comprimento de ligação, uma vez que parte da densidade eletrônica é doada. 16 Problemas conformacionais O cátion tertio-butila e adamantila: H H3C H3C H3C CH3 2-Me-propano 1.528 A 1.530A CH3 CH3 Cation tertio-butila 1.431 A H 110° Adamantano 1.608A 100.6° Cation Adamantila 17 Como estabilizar espécies instáveis? O princípio é simples: deve-se compreender as razões de um composto ser instável e depois imaginar transformações apropriadas (substituição, complexação, etc..) de maneira a eliminar esses fatores desfavoráveis. Exemplo: o ciclobutadieno 2, 3 1 4 elétrons , antiaromático segundo Hückel Instabilidade cinética: 2 elétrons não apariados Intabilidade termodinâmica: metade de seus elétrons não são estabilizantes (não ligantes) 18 Como estabilizar espécies instáveis? Exemplo: o ciclobutadieno 1a solução: complexar o ciclobutadieno com um complexo metálico Me Me Me Ph Ph Me Ni Cl Ph Cl Ph Cl Cl Ni Fe CO Me Me OC CO Me Me d8-Fe(CO)3 : z Fe CO CO y z y y OC z z x x dz y x dx dx - y 2 2 dyz dxz dxy x 2 3 y z x 2 - y2 3, dz2 também possuem simetria para interagir, mesma consideração para 2. Consequência da complexação: não há mais elétrons não apariados 19 Como estabilizar espécies instáveis? Exemplo: o ciclobutadieno 2a solução: Adicionar substituintes A degeneração de 2 e 3 pode ser retirada devido a presença de substituintes no ciclobutadieno. EDG EWG EWG EDG 2 3 - Ganho de estabilidade termodinâmica: ambos OF do ciclobutadieno são abaixados - Ganho de estabilidade cinética ganha: somente elétrons apariados agora 20 Ataques nucleofílicos sobre a carbonila - Durante muito tempo no passado, acreditou-se que nucleofilos se aproximavam perpendicularmente a carbonila, de maneira a garantir o melhor recobrimento com o OA do carbono. Isso não é verdade! Nu Não! 90° O - O estudo cristalográfico de inúmeras aminocetonas revelou que o par livre de elétrons do nitrogênio aponta sempre para a carbonila em ângulos superiores a 90°, em média ~107°, que ficou conhecido como ângulo de Bürgi-Dunitz N SIM! 107° O Interpretação: Nu Nu O Com Interação destrutiva O Sem interação destrutiva Bürgi, H. B.; Dunitz, J. D.; Lehn, J. M.; Wipff, G.; Tetrahedron 1974, 30, 1563. 21 Ataques nucleofílicos sobre a carbonila Exemplos: Me Me Me Me NaBH4 O O OH N O Me Porque redução ao lado do grupo mais volumoso é preferencial? Me Me O + N Me 79% HO N Me 21% com impedimento estérico Me Me Resposta: Pense nas trajetórias dos nucleófilos Me Me O O O sem impedimento estérico N O N Me Me O CO2Me O O O OMe CO2Me O O CO2Me O O O OMe CO2Me O 22