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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO
CURSO DE PSICOLOGIA
ADOLESCÊNCIA MARCADA POR SITUAÇÕES DE
VULNERABILIDADE E EXCLUSÃO SOCIAL
FABIANA GARLET BOSSE
Ijuí – RS
2012
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FABIANA GARLET BOSSE
ADOLESCÊNCIA MARCADA POR SITUAÇÕES DE
VULNERABILIDADE E EXCLUSÃO SOCIAL
Trabalho de Conclusão do Curso de
Graduação em Psicologia apresentado como
requisito parcial à obtenção do título de
Psicólogo da Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul –
Unijuí.
Orientadora: Flavia Flach
Ijuí – RS
2012
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FABIANA GARLET BOSSE
A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova o Trabalho de Conclusão de Curso
“ADOLESCÊNCIA MARCADA POR SITUAÇÕES DE VULNERABILIDADE E
EXCLUSÃO SOCIAL”, como requisito parcial à obtenção do título de Psicólogo da
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí.
Trabalho de Conclusão de Curso definido e aprovado em: _______________________
Comissão Examinadora:
__________________________________________
Flávia Flach – Professora Orientadora
___________________________________________________
Elisiane Felzke Schonardie – Professora Convidada
3
AGRADECIMENTOS
Ao meu pai, que neste momento tão importante de minha
vida se encontra junto a Deus e que muito me ajudou
durante essa caminhada.
Ao meu marido e meu filho, que sempre se fizeram
presentes, me acompanhando, apoiando minhas decisões
e, acima de tudo, entendendo minhas ausências durante
essa jornada de estudo.
À minha mãe e meu irmão que, mesmo distantes,
demonstravam estar ao meu lado acompanhando-me em
cada conquista.
Aos meus amigos e colegas que sempre estiveram à minha
volta nessa trajetória.
À minha orientadora, pela disponibilidade de ajuda na
elaboração desta Monografia.
4
RESUMO
O presente Trabalho de Conclusão de Curso trata da temática da adolescência marcada por
situações de vulnerabilidade e exclusão social. Dedicamo-nos a pesquisar, inicialmente, dois
conceitos: a vulnerabilidade e a exclusão social. Para tanto, utilizaremos o embasamento
teórico das Ciências Sociais e da Psicologia Social. Em um segundo momento, abordaremos a
definição de adolescência a partir do embasamento teórico psicanalítico, perpassando
elementos como: o processo de identificação, as mudanças corporais, os grupos de
pertencimento e a relação com a figura paterna enquanto lei. A partir disso, articularemos as
possíveis causas e consequências da vulnerabilidade e exclusão social na adolescência,
destacando, entre elas, a violência, o ato infracional, a drogadição e a prostituição.
Palavras-chave: Adolescência. Exclusão social. Vulnerabilidade.
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ABSTRACT
This final thesis deals with the themes of adolescence marked by vulnerability and social
exclusion. We are dedicated to research, initially, two concepts: vulnerability and social
exclusion. To do so, we’ll use the theoretical foundation of the Social Sciences and Social
Psychology. In a second step, we’ll discuss the definition of adolescence from the theoretical
psychoanalysis, going through such elements as: the identification process, body changes,
groups belonging and relationship with the father figure while law. From this, will link the
possible causes and consequences of vulnerability and social exclusion during adolescence,
highlighting, among them, violence, misdemeanors, drug addiction and prostitution.
Keywords: Adolescence. Social exclusion. Vulnerability.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 7
CAPÍTULO 1 CONCEITO DE VULNERABILIDADE E EXCLUSÃO SOCIAL ............ 9
1.1 VULNERABILIDADE ......................................................................................................... 9
1.2 EXCLUSÃO SOCIAL ........................................................................................................ 12
CAPÍTULO 2 ADOLESCÊNCIA .......................................................................................... 16
CAPÍTULO 3 POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS DA VULNERABILIDADE E
EXCLUSÃO SOCIAL NA ADOLESCÊNCIA..................................................................... 23
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 30
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 31
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INTRODUÇÃO
Este estudo consiste em um Trabalho de Pesquisa Supervisionado para a conclusão
do curso de Graduação em Psicologia pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do
Rio Grande do Sul (Unijuí). Constitui-se em uma pesquisa bibliográfica, com base
principalmente na teoria psicanalítica e na Psicologia Social, sobre as possíveis consequências
da vulnerabilidade e da exclusão social na adolescência.
A problemática desta pesquisa surgiu a partir de observações realizadas em uma
experiência de prática de estágio de Ênfase em Processos Sociais junto a um Centro de
Referência Especializado de Assistência Social (Creas), que atende indivíduos em situação de
vulnerabilidade e exclusão social. A partir do trabalho desenvolvido nesta instituição,
percebeu-se a importância da adolescência enquanto etapa constitutiva do sujeito,
principalmente no momento em que nos deparamos com um grupo de adolescentes que se
encontrava em situação de vulnerabilidade e exclusão social e que apresentava fragilidades
psíquicas e materiais.
Para pensarmos de que forma a exclusão e a vulnerabilidade incidem sobre a
adolescência destes sujeitos, organizamos esta pesquisa em três capítulos.
No primeiro serão abordadas questões pertinentes aos conceitos de vulnerabilidade e
exclusão social, na proposta de situar e caracterizar determinadas condições de vida e as
possibilidades de cada sujeito. Para isso será empregada a fundamentação teórica das Ciências
Sociais e da Psicologia Social que sustenta essa investigação.
O segundo capítulo será dedicado à definição de adolescência com embasamento
teórico psicanalítico, com a finalidade de pensar o processo do “adolescer”, explorando
questões como: a identificação, as mudanças corporais, os grupos de pertencimento e a função
paterna enquanto lei.
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Por fim, o terceiro capítulo será dedicado a pensar sobre as possíveis causas e
consequências da vulnerabilidade e da exclusão social na adolescência, considerando que,
entre elas, podemos destacar a violência, o ato infracional, a drogadição e a prostituição.
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CAPÍTULO 1 CONCEITO DE VULNERABILIDADE E EXCLUSÃO SOCIAL
Para pensarmos a respeito das consequências da vulnerabilidade e da exclusão social
na adolescência, é importante, neste primeiro capítulo, trabalharmos alguns conceitos que
norteiam esta pesquisa. Iniciaremos tratando da vulnerabilidade e da exclusão social e suas
respectivas características.
1.1 VULNERABILIDADE
Segundo Ayres (1999), a vulnerabilidade social é um conceito que tem sua origem na
área dos Direitos Humanos referindo-se a indivíduos ou grupos fragilizados, jurídica ou
politicamente, na promoção, proteção ou garantia de seu direito à cidadania.
O termo vulnerabilidade difundiu-se na década de 80 no campo da saúde pública
para tratar a epidemia da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids), doença do sistema
imunológico humano causada pelo vírus da imunodeficiência humana HIV, que foi atingindo
vários grupos de maneiras diversas e em diferentes países. Segundo Adorno (2001), este
termo desencadeou movimentos sociais que contribuíram para pensar a relação entre o vírus
da Aids e a realidade socioeconômica, buscando explicar quais grupos sociais e indivíduos
poderiam ser mais ou menos vulneráveis ao desenvolvimento desta epidemia. Sendo assim,
nesse contexto os movimentos que surgiram ocorreram em prol de quais seriam as diferentes
situações de vulnerabilidade em que se encontravam esses indivíduos.
É importante abordarmos essa perspectiva histórica, pois nos leva às questões que
hoje procedem dessa articulação, principalmente no que diz respeito a organizações de grupos
vulneráveis e/ou de risco. Os termos grupos de risco e populações de risco passaram, então, a
ser designados pela expressão vulneráveis. A partir da década de 80 o conceito passa a ser
amplamente usado em outras perspectivas sociais, mais especificamente quando se tratava de
jovens/adolescentes em conflito com a lei ou envoltos em situações de violência.
Conforme Adorno (2001), o termo vulnerabilidade é direcionado à exclusão
econômica e social. Neste caso considera-se que um indivíduo ou grupo torna-se vulnerável
quando ocorre uma situação que o leva a quebrar seus vínculos sociais com o trabalho, família
ou círculo de relações. Tratando-se do trabalho enquanto condição de emprego, sujeitos
encontram-se vulneráveis por não possuírem condições favoráveis para se integrar ao
mercado de trabalho, como escolaridade e qualificação profissional.
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Tratando-se, pois, de um contexto social, a leitura que podemos fazer da
vulnerabilidade e da exclusão social é que ambos os conceitos estão vinculados à
desigualdade social. Estes termos são lados de um mesmo processo, pois repercutem sobre o
acesso à informação, a serviços e à disponibilidade de recursos para a recuperação dos
sujeitos – recursos econômicos, culturais e psíquicos.
[...] O termo vulnerabilidade carrega em si a idéia de procurar compreender
primeiramente todo um conjunto de elementos que caracterizam as condições de
vida e as possibilidades de uma pessoa ou de um grupo – a rede de serviços
disponíveis, como escolas e unidades de saúde, os programas de cultura, lazer e de
formação profissional, ou seja, as ações do Estado que promovem justiça e cidadania
entre eles – e avaliar em que medida essas pessoas têm acesso a tudo isso. Ele
representa, portanto, não apenas uma nova forma de expressar um velho problema,
mas principalmente uma busca para acabar com velhos preconceitos e permitir a
construção de uma nova mentalidade, uma nova maneira de perceber e tratar os
grupos sociais e avaliar suas condições de vida, de proteção social e de segurança. É
uma busca por mudança no modo de encarar as populações-alvo dos programas
sociais (ADORNO, 2001, p. 12).
Segundo Abramovay (2002), os estudos apontam algumas características acerca do
conceito de vulnerabilidade, podendo-se destacar a falta de vínculos afetivos na família e nos
demais espaços de socialização; a passagem abrupta da infância à vida adulta; a falta de
acesso à educação, trabalho, saúde, lazer, alimentação e cultura; a ausência de recursos
materiais mínimos para sobrevivência; a inserção precoce no mundo do trabalho; a falta de
perspectivas de entrada no mercado formal de trabalho; a entrada em trabalhos
desqualificados; a exploração do trabalho infantil; a carência de perspectivas profissionais e
projetos para o futuro; o alto índice de reprovação e/ou evasão escolar; a oferta de integração
ao consumo de drogas e de bens; o uso de armas; o tráfico de drogas, entre outros.
Então, a partir do que foi exposto até agora, o termo vulnerabilidade está implicado
diretamente às circunstâncias de vida e contempla uma pluralidade de realidades sociais. Esse
conceito não se refere, necessariamente, às condições de pobreza, mas ao risco e exposição a
alguma coisa atinente ao sociocultural e ao socioeconômico.
Abordar o conceito de vulnerabilidade nos faz analisar outros fatores, ou seja, o
individual, o social e o institucional, tornando-se, assim, uma ferramenta de leitura para
avaliar as suscetibilidades e compreender, da mesma forma, as situações que tornam os
indivíduos mais vulneráveis ou não às adversidades. O que está em questão são as estratégias
que os sujeitos/indivíduos enfrentam e fazem uso nas dificuldades para poder responder
socialmente de algum lugar.
11
Podemos entender ainda a vulnerabilidade social como:
[...] o resultado negativo da relação entre a disponibilidade dos recursos materiais ou
simbólicos dos atores, sejam eles indivíduos ou grupos, e o acesso à estrutura de
oportunidades sociais econômicas culturais que provêm do Estado, do mercado e da
sociedade. Esse resultado se traduz em debilidades ou desvantagens para o
desempenho e mobilidade social dos atores (VIGNOLI; FILGUEIRA, 2001 apud
ABRAMOVAY, 2002, p. 13.)
Este discurso faz referência a elementos essenciais à conformação de situações de
vulnerabilidade dos indivíduos, famílias ou comunidades, como recursos materiais ou
simbólicos que permitem aos diversos indivíduos se desenvolverem em sociedade. A ausência
desses elementos caracteriza a situação de vulnerabilidade social.
Existem elementos que são constituídos pelos recursos materiais ou socioculturais
que permitem que os indivíduos se desenvolvam na sociedade, pois englobam os insumos
fundamentais como, por exemplo, trabalho, lazer, cultura e educação. As estruturas de
oportunidades são concedidas pelo mercado, Estado e sociedade. Se isso acontece de forma
discrepante, como o não acesso aos recursos fundamentais, fomenta, com certeza, entre os
indivíduos, sentimentos de desencanto e frustração, o que colabora para a erosão dos laços de
solidariedade. Logo, a vulnerabilidade social está ligada diretamente à privação (ausência de
renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros) e/ou à fragilização dos
vínculos afetivos.
De acordo com Kaztman (2001), as situações de vulnerabilidade social devem ser
analisadas a partir da existência, ou não, por parte dos indivíduos ou das famílias, de “ativos”
disponíveis e capazes de enfrentar determinadas situações de risco. Ativos físicos, que
envolveriam todos os meios essenciais para a busca de bem-estar; ativos humanos, que
incluiriam o trabalho como ativo principal e o valor agregado ao mesmo pelos investimentos
em saúde e educação, os quais implicariam maior ou menor capacidade física para o trabalho,
qualificação; e ativos sociais, que incluiriam as redes de reciprocidade, confiança, contatos e
acesso à informação.
Para Abramovay (2002), a vulnerabilidade social é definida como situação em que os
recursos e habilidades de um dado grupo social são insuficientes e inadequados para lidar com
as oportunidades oferecidas pela sociedade. Essas oportunidades constituem uma forma de
ascender a maiores níveis de bem-estar ou diminuir probabilidades de deterioração das
condições de vida de determinados atores sociais.
12
Conforme Adorno (2001), a vulnerabilidade social diz respeito à própria estrutura da
sociedade, de direitos e acessos desiguais. Ele destaca ainda que este termo é usualmente
empregado pelos movimentos sociais e de direitos humanos, o que pode significar que os
vocábulos vulnerabilidade e exclusão se encontrem e entrecruzem para falar de indivíduos e
de grupos que enfrentam problemas na sociedade, como a dificuldade de acesso a serviços
sociais ou à saúde, à escola, à justiça.
Em resumo, o conceito ou a condição de vulnerabilidade está associado a alguns
elementos, como a inserção e estabilidade no mercado de trabalho, a debilidade das relações
sociais e o grau de regularidade de acesso aos serviços públicos ou outras formas de proteção
social. É baseada nesses argumentos que a vulnerabilidade social apresenta um caráter
multifacetado, abarcando inúmeras dimensões, a partir das quais se pode identificar situações
peculiares dos indivíduos, famílias ou comunidades. Essas dimensões estão ligadas tanto às
características próprias dos indivíduos ou grupos quanto àquelas relativas ao meio social no
qual estão inseridos.
Partindo do conceito de vulnerabilidade de que todo e qualquer sujeito está
vulnerável a algo, independente de seu contexto social, articularemos o conceito de exclusão
social. Ambos se entrelaçam em determinados pontos deste capítulo, e se complementam
levando em consideração a situação e a condição em que cada sujeito se encontra.
1.2 EXCLUSÃO SOCIAL
Há mais ou menos duas décadas vêm se acentuando as discussões que envolvem o
termo exclusão social, muito utilizado em diversas áreas do conhecimento. Segundo Sawaia
(1999, p. 9), “Ao que parece, ela refere-se a um processo complexo e multifacetado, dotado
de contornos materiais, políticos, relacionais e subjetivos”.
Para Sawaia (1999), entretanto, esse caráter ambíguo, multifacetado e contraditório
do termo exclusão é efeito da própria complexidade do seu processo histórico-social.
Ambíguo porque é indeterminado, impreciso e pode ser compreendido em mais de um
sentido; multifacetado porque contém inúmeras facetas e pode se referir a diversos assuntos e
situações; e contraditório porque se refere à lógica dialética da negação, aquilo que pode ser
contestado, recusável.
O termo exclusão é geralmente empregado para designar uma gama de pessoas e de
situações, como: idosos, deficientes, mulheres, crianças e jovens, negros, loucos, índios,
homossexuais, minorias étnicas, desempregados, vagabundos, mendigos, etc. Também é
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considerado como sinônimo de pobreza, de marginalidade, de discriminação, de desigualdade,
de injustiça e de exploração social (CASTEL, 1998, p. 540).
No processo de construção do conceito de exclusão social, outras concepções e
categorias têm se diferenciado, no entanto acabam por integrar o “vocabulário” da exclusão:
desvinculação, desfiliação, desqualificação, precariedade, vulnerabilidade, marginalização,
discriminação e segregação1 social.
Há uma somatória, uma concentração de critérios sociais de discriminação,
estigmatização2 e exclusão de certos grupos. Para, no entanto, compreendermos do que se
trata a exclusão, precisamos analisar quatro dimensões – social, política, econômica e cultural
– em que indivíduos, grupos, comunidades ou países estão posicionados em situação de maior
ou menor inserção, experimentando, assim, processos de exclusão.
Tratando-se de processos de exclusão, Wanderley (1999, p. 21-22) aponta diferentes
matrizes psicológicas e sociológicas para contextualizar esses conceitos: a desqualificação,
que, segundo o autor, é um “processo relacionado a fracassos e sucessos da integração”,
“produto de uma construção social” e “problema de integração normativa e funcional de
indivíduos, que passa essencialmente pelo emprego”; a desinserção é o processo inverso à
integração, em que, porém, a exclusão se dá simbolicamente; “é o sistema de valores de uma
sociedade que define os fora de norma como não tendo valor ou utilidade social”; a
desafiliação significa “uma ruptura de pertencimento, de vínculo social, fenômeno que, no
indivíduo, é marcado como experiências de rupturas e estados de desequilíbrios,
instabilidade”; trata-se de uma ausência de inscrição do sujeito em estruturas sociais
carregadas de sentido; a apartação social é quando o outro é um “ser aparte”, não
estabelecendo nenhum tipo de semelhança.
Castel (1998) usa a noção de desfiliação para determinar os processos de exclusão,
caracterizando-a por um modo particular de dissociação social, ruptura de vínculo social e de
pertencimento, ou seja, de relações sociais desprovidas de sentido, de projeto de consistência.
Segundo ele, é o termo que melhor se encaixa, pois a exclusão é vista como uma desfiliação
do indivíduo da sociedade, podendo o mesmo chegar à total alienação e isolamento social.
“[...] o que chamei de desfiliação [...] não equivale necessariamente a uma ausência completa
1
Segregação é o ato de separar ou isolar contato, de algo ou alguém. A segregação pode acontecer entre raças,
em um sentido urbano, na sociedade, e essas separações podem ocorrer por diversos motivos, como riqueza,
educação, religião, nacionalidade, etc. (Dicionário On-line de Português).
2
Estigmatizar é definir o estigma social como uma marca física ou social de conotação negativa ou que leva o
portador dessa “marca” a ser marginalizado ou excluído de algumas situações sociais, apresentando forte
impacto no valor atribuído a uma determinada identidade social (Ronzani, 2006).
14
de vínculos, mas também à ausência de inscrição do sujeito em estruturas portadoras de um
sentido” (CASTEL, 1998, p. 536).
De acordo com Castel (1991), a ideia de exclusão social marca um estado de carência
ou privação material, de segregação, de discriminação e de vulnerabilidade em alguma esfera.
À exclusão associa-se um processo de desvinculação social/espacial, porém o excluído não
escolhe a sua condição; ela se dá numa evolução temporal como resultado das mudanças na
sociedade.
Para Castel (1991), a exclusão pode acontecer sob várias formas. Uma delas é a
econômica, que talvez seja a mais grave, pois pode gerar e/ou agravar outros tipos de
exclusão, como a cultural, a territorial e a étnica. A exclusão cultural priva o indivíduo de
obter uma escolaridade, que é o instrumento para maiores chances de um emprego com
melhor remuneração, assim como de ter acesso a informações que o habilitem a exercer sua
cidadania de forma plena. A exclusão territorial afasta o cidadão do convívio com o restante
da sociedade, do emprego, da escola e, até, da terra produtiva. A exclusão étnica provoca
comportamento de revolta entre os indivíduos, classificando-os como seres inferiores e
diferentes, impedindo que usufruam plenamente dos bens de consumo, da escola, de serviços
de saúde e do convívio sadio e produtivo na comunidade.
Todas estas formas de exclusão levam a um conjunto de vulnerabilidades que opera
como obstáculo difícil de superar e afeta no sujeito o sentido de existência, pois se traduz na
falta de oportunidades, de instrução, de atenção e de poder exercer sua cidadania.
Em determinadas situações de exclusão percebe-se uma elevada privação de recursos
em âmbito material, social e simbólico. Segundo Fernandes (1995, p. 17), no plano simbólico
“tende ser excluído todo aquele que é rejeitado de certo universo simbólico de representações,
de um concreto mundo de trocas e transações sociais”. Esse apontamento da exclusão
demonstra no indivíduo um sentimento de inutilidade relacionado a sua própria incapacidade
de superar os obstáculos.
A pobreza é uma das dimensões mais apontadas na exclusão social. Ao definir o
conceito de pobreza, porém, percebe-se que exclusão e pobreza têm conceitos distintos, o que
significa dizer que ser pobre não é estar excluído.
Como podemos conceituar pobreza? “Nascer pobre” – condição de proletário
assalariado – não quer dizer, necessariamente, de um lugar de impossibilidades. Se pensarmos
que para todos os cidadãos existe a garantia de direitos e de condições dignas de vida,
conforme a Constituição Federal (Brasil, 1988), e que a pobreza pode ser caracterizada como
a falta de acesso aos bens e serviços essenciais, compreendemos que nem todos usufruem dos
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mesmos direitos previstos em lei, apontando para um quadro de exclusão e desigualdade
social de trabalho, renda, educação, entre outros. Assim, podemos afirmar que os excluídos
são todos aqueles indivíduos ou sujeitos de um determinado grupo, ou coletivo,
impossibilitados de terem acesso e garantia de direitos, mas, principalmente, privados de
alguma ação e representação dentro da sociedade.
[...] pobreza contemporânea tem sido percebida como um fenômeno
multidimensional atingindo tanto os clássicos pobres (indigentes, subnutridos,
analfabetos...) quantos outros segmentos da população pauperizados pela precária
inserção no mercado de trabalho (migrantes discriminados, por exemplo). Não é
resultado apenas da ausência de renda; incluem-se aí outros fatores como os
precários acessos aos serviços públicos e, especialmente, a ausência de poder. Nesta
direção o novo conceito de pobreza se associa ao de exclusão, vinculando-se às
desigualdades existentes e especialmente no que diz respeito às privações de poder.
A exclusão social tem que ser pensada também a partir da questão da democracia
(WANDERLEY, 1999, p. 23).
Um sujeito excluído é aquele que não consegue traçar uma identidade (social) no
trabalho, na família ou na comunidade, tornando-se excluído das relações sociais e do mundo
das representações a elas associadas.
A partir do estudo desses conceitos, faz-se necessário, nesse momento,
aprofundarmos um terceiro elemento importante para esta pesquisa, que é o processo da
adolescência.
16
CAPÍTULO 2 ADOLESCÊNCIA
A adolescência constitui-se em um conceito construído historicamente na
Modernidade, baseado num processo relativo a um período particular na vida de cada
indivíduo, situado entre a infância e a idade adulta. A palavra adolescência vem do latim
“adolescer”, que significa “fazer-se homem/mulher” ou “crescer na maturidade” (MUUSS,
1976), e que somente a partir do final do século 19 foi vista como uma etapa distinta do
desenvolvimento humano.
Atualmente, a adolescência caracteriza-se como uma fase entre a infância e a idade
adulta, na qual há muitas transformações tanto físicas quanto psicológicas, que possibilitam o
aparecimento dos questionamentos acerca dos modelos e padrões infantis. De acordo com a
Organização Mundial de Saúde (OMS, 1965), a adolescência compreende o período entre os
11 e 19 anos de idade, desencadeado por mudanças corporais provenientes da maturação
fisiológica. É definida como uma fase biopsicossocial, em que ocorrem modificações
corporais e de adaptação a novas estruturas psicológicas e ambientais, que conduzem o
indivíduo da infância à idade adulta. É um tempo em que acontecem grandes modificações
físicas, psicológicas e sociais que afetam o adolescente. É na adolescência que o sujeito toma
consciência das alterações em seu corpo, gerando um ciclo de desorganização e reorganização
do sistema psíquico.
A adolescência é uma das formações culturais mais fortes e enigmáticas da
contemporaneidade. Cada época e cultura possuem suas próprias definições desse período.
Segundo Rangel (1999), “cada sociedade elege um modo e um momento de transformar uma
criança em um ser adulto. Em nossa sociedade construímos um padrão de sociabilidade que
passou a incluir, em tempo recente uma fase intermediária chamada adolescência”; em outras
culturas este tempo de adolescer não existe; passa-se da infância à idade adulta por meio de
rituais de iniciação. Os rituais femininos são marcados inicialmente por um longo período de
reclusão que se inicia após a primeira menstruação e os masculinos por uma busca pelo
conhecimento, domínio das emoções e força física, etc.
O estudo da adolescência na Psicanálise teve início em 1905, após a publicação do
capítulo “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, no qual a puberdade foi descrita por
Freud como “um tempo no qual as mudanças que se dão na vida sexual infantil encontram
sua forma final”. Os principais acontecimentos deste tempo compreendem a submissão das
zonas erógenas para a primazia da zona genital, estabelecimento de novos objetos sexuais
diferentes para meninos e meninas e a busca de novos alvos sexuais fora da família (ANNA
17
FREUD, 1995, p. 64).
Com bases nos escritos de Freud (1905), a adolescência está
relacionada ao “reencontro com o objeto”3, uma vez que é na adolescência que ocorre o
amadurecimento das zonas erógenas genitais, o que é considerado por autor o ápice do
processo de desenvolvimento psicossexual. Textos posteriores escritos mostram que o
reencontro com o objeto na adolescência consiste em um retorno das fantasias edípicas e a
busca de novos caminhos para a pulsão4 (COUTINHO, 2004).
Para Macedo (2004), é comum que a adolescência seja impulsionada pela puberdade,
no entanto isso não é regra. Para Corso (2002), a puberdade compreende a recapitulação,
reedição do Complexo de Édipo, quando o período anterior, o de latência,5 constitui-se de
uma grande economia de sofrimentos e conflitos, possibilitando o início da relação ao mundo
extrafamiliar.
Segundo Lacan (1998),6 o Complexo de Édipo é uma das principais crises
subjetivantes para a constituição psíquica do sujeito. Assim, a operação de alienação – o
Estádio do Espelho,7 que antecede o Édipo – é o primeiro tempo (necessário) que permite a
possibilidade de haver transmissão simbólica e, portanto, o advento do sujeito. O sujeito,
porém, de fato, só se constituirá como tal saindo da alienação quando se der o segundo tempo
(lógico) do processo de constituição, nomeado pelo autor de operação de separação. Trata-se
da entrada do pai, enquanto simbólico, que permite a ruptura da alienação da criança ao
Desejo8 do Outro.9 A criança é então desalojada do lugar de falo imaginário do Outro
materno, percebendo que essa mãe não lhe pertence completamente, posto que seu desejo
orienta-se para além da criança, para o pai. Instaura-se assim um vazio, uma falta. A partir
dessa falta, a criança advém como sujeito do desejo. Surge, então, a necessidade de inventar,
de desejar (fantasia). Assim, o sujeito só aparece quando essa falta dá lugar ao desejo, que é a
marca de que a operação de separação aconteceu.
3
O reencontro com o objeto inclui um confronto com a diferença sexual e o encontro com um parceiro amoroso.
A pulsão refere-se a um estado de tensão que busca, por intermédio de um objeto, a supressão deste estado.
Freud (1916) define pulsão como um conceito situado na fronteira entre o mental e o somático, como o
representante psíquico dos estímulos que se originam no corpo.
5
O período de latência, segundo Freud (1905), compreende um intervalo no desenvolvimento da sexualidade
infantil dos 5 aos 10 anos.
6
Seminário 4 – As Relações de Objeto.
7
Expressão criada por Jacques Lacan, em 1936, para designar um momento psíquico da evolução humana,
situado entre os 6 e os 18 meses, durante o qual a criança antecipa o domínio sobre a sua unidade corporal por
meio de uma identificação com a imagem do semelhante e da percepção da sua própria imagem num espelho
(Lacan, 1936).
8
Desejo: falta inscrita na palavra e efeito do significante sobre o ser falante, e que, por conseguinte, é sempre o
desejo do outro.
9
Outro: a Psicanálise situa como sendo o lugar que determina a alteridade para o sujeito, e inicialmente é a mãe
quem faz o papel de “grande Outro” para a criança. Mais tarde, substitutos imaginários surgem.
4
18
A esse segundo momento, marcado pela introdução de outro elemento na relação
mãe-bebê, Lacan(1998) se refere como a instauração da metáfora paterna ou do Nome-do-Pai
no Inconsciente. A introdução do pai que, para a Psicanálise, exerce uma função simbólica e
não real, se dá no tempo denominado por Lacan como castração, que é marcado pelo registro
do Simbólico e pela intervenção do pai como operador da separação do infans do campo
psíquico do Outro. Em suma, a Metáfora Paterna significa o recalque pelo desejo da mãe e se
dá numa operação de linguagem em que, verdadeiramente, o sujeito se constitui, ou seja, num
discurso organizado pelo social.
A partir de então o pai, ou aquele que exerce essa função, passa, aos olhos da
criança, a ser o possuidor do falo, ou seja, aquele para quem o desejo da mãe é direcionado,
convertendo-se assim em ideal de identificação. A função do pai, no entanto, só pode se
realizar se for mediada pela palavra da mãe, ou seja, cabe a ela permitir que essa separação
aconteça.
O Nome-do-Pai traz à criança certa estabilização psíquica devido a um trabalho de
sustentação dos três registros que ele lhe oferece: uma simbolização da falta, uma resposta ao
real da angústia de castração e uma contenção imaginária para o corpo (KUPFER;
BERNARDINO, 2009). O pai entra como lei que vem dar à criança, e mais tarde ao
adolescente, o continente necessário para que ele se estruture como um sujeito social.
Araújo (2006) destaca que o exercício da função paterna pressupõe muito mais do
que a simples presença masculina na relação com o bebê. Essa função, para a autora, se
localiza no espaço de subjetivação do exercício do poder, entendido como representação da
lei, como representação simbólica do mundo. A existência da função paterna possibilita à
criança e ao adolescente a interiorização de uma série de regras morais que são fundamentais
para o convívio social, ou seja, ela, enquanto representante da lei, tem a função de remeter os
adolescentes à tradição e às significações que possam contribuir para uma ressignificação e
estruturação do sujeito, dando-lhe um lugar na sociedade.
De acordo com Melman (1995), neste momento é que se modifica o olhar do
adolescente sobre os pais, pois se no período de latência eles serviam como modelos ideais, na
adolescência ele os descobre em carne e osso, em sua sexualidade, descobrindo-os também
em seus limites.
Rassial (1997, p. 76) afirma que o “adolescente por sua vez, é confrontado com a
distância entre a realidade de seus pais, que ele começa a perceber como sujeitos comuns,
com seus conflitos, seus limites, seus desejos, e os pais idealizados na infância”. Segundo o
autor, o adolescente está sempre em risco de “entrar em pane”, porque ele precisa realizar
19
uma série de “operações fundadoras”. É como se o sujeito se encontrasse ante a um hiato no
qual, de um lado, está a sua condição infantil e identificações familiares e, do outro, novas e
atraentes possibilidades identificatórias disseminadas no social. Desta forma, o adolescente
ocupa uma “posição no intervalo”, na qual, por não ser mais criança e tampouco adulto,
atravessa um período de indecisão subjetiva e de incerteza social que adquire as
características de uma verdadeira crise psíquica (Rassial, 1997, p. 70).
Melman (1995) apresenta a adolescência como um período de crise psíquica, a qual é
caracterizada pelas modificações do estatuto social, ou seja, o convite urgente e obrigatório
para que adote um novo papel e assuma novos encargos e funções na sociedade. A partir deste
convite o adolescente encontra um vazio ocasionado pela falta de um instrumento que
assegure a autoridade da sua palavra, ou seja, uma solidão em relação ao Outro. Este
sentimento de solidão é manifestado em relação a esse lugar, não sabendo o que este lugar
espera ou quer dele.
Conforme Oliveira (2001 apud BARRETO et al., 2004, p. 11), a definição de
adolescente pode ser entendida mais como “um trabalho psíquico do que como uma faixa
etária, pois a sua durabilidade não dependerá da faixa etária, mas sim do tempo específico
de cada sujeito para realização dessa operação subjetiva”.
Desta forma, a adolescência deve ser entendida como um período e um processo
psicossociológico de transição entre a infância e a fase adulta e que depende das
circunstâncias sociais e históricas para a formação do sujeito. Sendo assim, o indivíduo é
convidado a participar, dinamicamente, da construção de seu projeto de vida. Neste processo,
a identidade,10 a sexualidade, o grupo de amigos, os valores, a experiência e a experimentação
de novos papéis, tornam-se importantes nas relações do adolescente com o seu mundo.
Coutinho (2004, p. 104) relata a adolescência como “um trabalho psíquico que
acompanha as transformações da puberdade impostas pelo corpo biológico, bem como
convocação do social para que o sujeito encontre para si um lugar no socius”. Considerar a
adolescência como operação psíquica proporciona a liberação do conceito de adolescência da
ideia de etapa cronológica (RUFFINO, 1995).
Para Rassial (1999), a puberdade fisiológica perturba a imagem do corpo construída
na infância. Para o autor, a adolescência constitui um período em que o sujeito tem de se
reapropriar da imagem do corpo transformada, posto que esta imagem é afetada em quatro
10
Identificação: processo psicológico pelo qual um sujeito assimila um aspecto, uma propriedade, um atributo do
outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo desse outro (LAPLANCHE; PONTALIS, 2004,
p. 226).
20
modos complementares: primeiramente pela modificação de seus atributos (pilosidade, seios,
silhuetas); em segundo lugar por seus funcionamentos (genitalidade, menstruação, mudança
da voz, marcha, etc.); em terceiro lugar por sua semelhança com o corpo do adulto e, mais
precisamente, do genitor do mesmo sexo; e em quarto por sua importância para o olhar do
adolescente ou do adulto do outro sexo.
Segundo Jerusalinsky (2004), a partir do momento em que o corpo começa a sofrer
transformações da puberdade, o adolescente precisa carregar seu corpo no plano simbólico
que lhe é atribuído, na direção que a cultura lhe impõe, o que pode caracterizar um peso
fenomenal para este indivíduo. Para Macedo (2004), deparar-se com o não saber a respeito de
si mesmo e do seu corpo, e suportar essas dúvidas, não são tarefas fáceis, sendo mais
complicado, ainda, quando a realidade que se apresenta não corresponde aos seus ideais,
exigindo que o jovem dê conta de sua impotência ante a essas mudanças.
Em relação às transformações físicas da puberdade, Macedo (2004) afirma que:
[...] impulsionam as transformações psíquicas. Dessa forma, em meio a um turbilhão
de desejos, sentimentos e medos, os jovens fazem uma profunda revisão do seu
mundo interno e das suas experiências infantis, buscando dar conta às
transformações físicas da puberdade e da demanda de trabalho psíquico que invade
seu território. “Este difícil processo de busca de si mesmo é o elemento condutor na
transição da identidade infantil para a adulta” (2004, p. 16).
É necessário, então, restituir, neste momento, uma imagem para se identificar, pois
os pais são destituídos da posição imaginária de idealização, deixando esse lugar vazio e
necessário de ser preenchido dentro da comunidade, com os grupos. Na adolescência, a
identificação é a condição para o estabelecimento de um elo social.
Assim, Melman relata que:
[...] ocorre a criação de neo grupos, neo comunidades, de bandos onde se pode
cultivar uma identidade e uma similaridade perfeitas, graças aos traços de tipo
específico que particularizam cada um dos pertencentes desse bando, traços de
vestimenta, físicos ou de linguagem; bando onde cada um seria irmão do outro e
finalmente seria realizada essa sociedade que assegura, entre seus participantes, uma
igualdade perfeita (1995, p. 13).
Nestes grupos o adolescente encontra apoio, amparo; passa a adquirir símbolos, atos
e objetos que fazem com que sejam reconhecidos como membros deste grupo,
proporcionando um espaço entre “iguais”, quando indivíduos vivenciam o mesmo conflito.
21
Ao ser recebido em um grupo, o adolescente se apropria das características desse,
podendo mudar seus hábitos, comportamentos e até a aparência, sendo essa a sua condição de
pertencimento. Neste momento, a identidade do grupo pode prevalecer sobre a identidade
individual.
Vale ressaltar que nossa sociedade vem subvertendo o conceito de adolescência tal
como concebido na Modernidade, ou seja, como uma etapa intermediária de amadurecimento
e desenvolvimento, que envolve uma preparação para a entrada no mundo adulto. Além disso,
a propagação dos valores concernentes à cultura do consumo favorece os processos de
institucionalização do curso da vida e de idealização da adolescência nas relações sociais.
Segundo Castro (1999), o que os adolescentes consomem é, na maioria das vezes,
objetos que servem para enfeitar o corpo e estabelecer imagens e estilos que se transformam
em marcas de reconhecimento ou de pertencimento a um determinado grupo social, modos de
ser ou maneiras de pensar:
[...] mostram-se atentos à imagem que têm, não tratam a roupa e o corpo de uma
forma ingênua e desavisada. Têm consciência de que esta pode permitir o trânsito
pelos espaços que querem freqüentar, ou impedir a circulação. O jovem da
atualidade não absorve um estilo por tradição, mas faz uma escolha de estilos (p.
131).
Segundo Kehl (1998), em nossa sociedade, ao mesmo tempo em que os adolescentes
constituíram um poderoso mercado consumidor, a adolescência passou a ser um marcante
argumento de marketing a serviço da indústria cultural e de lazer; um verdadeiro imperativo
categórico.
Calligaris, por sua vez,
[...] afirma que os estilos e looks que caracterizam os grupos adolescentes, suas
marcas identitárias (dark, punk, clubber, etc.), são rapidamente transformadas em
mercadorias e comercializadas. Há um interesse de marketing em definir e cristalizar
tais grupos em tribos de forma que cada grupo, e a adolescência em geral, se
transformam em uma espécie de franchising que pode ser proposta à idealização e ao
investimento de todo o mundo, em qualquer faixa etária (2000, p. 58).
Articulando as práticas sociais da cultura do consumo e da transformação da
adolescência em bem de consumo e estilo de vida, fica fácil concluir que a adolescência foi
elevada a um ideal cultural. Segundo Castro (1999), porém, é a cultura de consumo que, de
alguma forma, dá sustentação à idealização da adolescência garantindo um novo status de
cidadania, mediante uma promoção de visibilidade e pertencimento social.
22
Assim, o processo que transformou a adolescência em um estilo de vida pelo qual
todos anseiam, parece garantir uma forma de pertencimento moldado à cultura do ter, que se
articula às práticas sociais do consumo. Dessa maneira, diante das incertezas e inseguranças
do mundo contemporâneo, a idealização da adolescência, sustentada em uma cultura do
consumo, parece ser uma das configurações possíveis do laço social.
Além do imperativo do consumo, há outras mudanças que se impõem no mundo
contemporâneo e que interferem na subjetividade da adolescência, como a fragilidade
simbólica, ocasionada pela queda de tradições ou perda de vínculos familiares e
enfraquecimento do nome, a referência de filiação entre outras.
Apresentado desta forma, como podemos pensar o lugar em que se encontram os
adolescentes que, além de não corresponderem ao ideal social de consumo, estão em situação
de vulnerabilidade e/ou exclusão social? Que consequências isso traz para sua organização
psíquica e para o lugar que ocupam na sociedade?
23
CAPÍTULO
3
POSSÍVEIS
CONSEQUÊNCIAS
DA
VULNERABILIDADE
E
EXCLUSÃO SOCIAL NA ADOLESCÊNCIA.
Conforme o que foi trabalhado ao final do capítulo anterior, os rituais da sociedade
contemporânea encontram-se como que pulverizados, fragilizados simbolicamente –
proporcionando aos adolescentes apenas fragmentos de segurança. Assim, eles não os
preparam para os momentos de passagem e de mudança, e dificultam a transmissão da
herança de uma geração à outra. No contexto atual, os adolescentes seriam levados a se
tornarem seus próprios produtores de significações, construindo-as, em certo sentido, num
tipo de colagem, por meio de seus próprios recursos e sob o impulso das circunstâncias, das
necessidades imediatas e das influências recebidas do social.
Assim, podemos dizer que a vulnerabilidade e a exclusão social estão diretamente
ligadas ao momento subjetivo da adolescência, pois são fenômenos que interferem na busca
de uma identidade social. Para a sociedade contemporânea, a adolescência é uma etapa da
vida marcada por complexas demandas resultantes de inegáveis exigências de investimentos
por parte do sujeito. De acordo Lerner (2007), o marco e a condição para a produção de
subjetividade ocorrem pelo intercâmbio social. A “qualidade” dos investimentos parentais é,
portanto, muito importante no que diz respeito ao processo de estruturação do eu e, também,
no estabelecimento de condições para vir a ser e estar no mundo.
De acordo com Castro (1999) é necessário levarmos em consideração que para a
sociedade atual o adolescente ideal é aquele que constrói sua subjetividade inserida no
contexto social, quando a integração se dá relacionada ao poder de consumir, por meio de
seus hábitos de vestir (camisetas, tênis e bonés de marcas), objetos pessoais (brincos,
correntes, relógio, celulares) e modos de se relacionar ou comunicar-se com os outros
(facebook, orkut, msn), estabelecendo uma identidade de status que lhe garante o direito de
existir, conforme discutido no segundo capítulo.
[...] vêem um mercado onde tudo e todos tornaram-se objetos de consumo, inclusive
a própria vida disposta por todos para salvar o boné, o tênis, o celular e todas a
quinquilharias ofertadas como supostos objetos propiciadores nada mais nada menos
do que da felicidade (ANGELO, 2007, p. 35)
Independente de classe social, podemos asseverar que a “crise adolescente” é
vivenciada por todos os sujeitos. Para alguns essa passagem vai de encontro com o que é
proposto enquanto ideal sociocultural; para outros, que se encontram fora desse ideal, em uma
24
situação de exclusão e/ou vulnerabilidade que vivenciam conflitos familiares, falta de
oportunidades, de recursos materiais e simbólicos, essa “crise” pode deixar marcas de
constituição subjetivas. Destaca-se aqui que muitos desses adolescentes não têm assegurada
uma organização simbólica11 consistente no interior de seu contexto familiar, no qual se
verifica a fragilidade dos primeiros modelos identificatórios.
A imagem que o sujeito constrói de si mesmo depende de sua organização psíquica,
de sua capacidade de realizar seus objetivos e satisfazer seus desejos, mas também depende
fundamentalmente do reconhecimento dos outros. Para Takeuti (2002), a imagem de si
depende do outro, de seu reconhecimento, fatores que resultam da experiência social de cada
sujeito com as pessoas a sua volta.
Perante as ambivalências emocionais, somadas as fragilidades dos vínculos sociais
contemporâneos, constatamos que o tempo de constituição adolescente implica um conjunto
de recursos, sejam eles subjetivos, simbólicos ou materiais. Nesta direção, podemos nos
questionar: Como ocorrem as possíveis consequências da vulnerabilidade e da exclusão social
na sociedade?
Diante disso, é possível perceber que a dificuldade encontrada pelos adolescentes
está articulada em certo sentido à fragilidade da função paterna, que deixa o adolescente sem
referencial simbólico e psíquico para responder por si. É na adolescência, portanto, que o
sujeito procura nomes (instituições, grupos, referências de lei) que possam inscrevê-lo no
social. Na ausência dos referenciais simbólicos o adolescente muitas vezes acaba
transgredindo. É justamente nessa perspectiva que podemos abordar as possíveis
consequências da vulnerabilidade e da exclusão social, da violência e do ato infracional, pois
expressam a necessidade de um pai que fracassou em sua transmissão da lei simbólica.
Para Rosa (2004), o que transborda nos atos violentos juvenis pode estar associado
ao desamparo do qual este padece na atualidade, uma vez que o tipo de estrutura discursiva
que rege o laço social não resguarda o sujeito. É como se o adolescente contemporâneo
estivesse mais exposto ao encontro com o real, impossibilitado, pela ausência de suportes
simbólicos no contexto cultural, de produzir bordas capazes de transformar o traumático. As
condições supracitadas, bem como a ausência de acesso ao mínimo de dignidade e cidadania,
conduzem grande parte dos adolescentes ao lugar da vulnerabilidade e da exclusão.
11
Ordem simbólica que estrutura a realidade interna humana. O sujeito humano se constituiu a partir de sua
inserção em uma ordem simbólica preestabelecida (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001).
25
Atualmente, pode-se pensar que o envolvimento dos jovens com a violência leva-os
às drogas, ao vandalismo e à delinquência. Isso se estabelece a partir de uma correlação direta
com o desenvolvimento dos afetos de desamparo e de um eu inconsistente, o eu que se
apresenta inconstante e vulnerável às influências pulsionais e externas. Estes estariam
associados a um processo social e psíquico, a um nível mais extenso presente nas sociedades
contemporâneas, referente a uma simbolização ineficiente e aos seus efeitos no campo das
identificações juvenis.
Segundo Mayer (2001), o tipo de recurso escolhido pelo adolescente para suprimir a
sua dor ou para atingir a sua satisfação dependerá do contexto, do momento e daquilo que, na
experiência individual, tenha mostrado maior eficácia.
[...] as experiências, tornam-se mudanças nas repercussões dos investimentos do
adolescente. O grupo de amigos, por exemplo, torna-se uma grande fonte de
identificação, por meio do qual as atividades cotidianas compartilhadas podem
revelar uma tentativa conjunta de elaborar impasses relativos ao laço social
contemporâneo (CAIROLI; GAUER, 2009, p. 210).
Para Knobel (1981), os adolescentes buscam inserir-se nos grupos de amigos que têm
em comum alguma identificação, o que lhe dá o reconhecimento como sujeito. O grupo
apresenta-se ao adolescente como um reforço necessário para os aspectos mutáveis do ego
que se produzem neste período da vida. O adolescente identifica-se com determinado grupo
que se enquadra em sua condição e, a partir daí, passa a adotar suas regras. Segundo o autor, a
necessidade de intelectualizar e fantasiar do adolescente é consequência do que a realidade
impõe ao ter de renunciar ao corpo infantil, ao seu papel e aos pais da infância, que podem ser
considerados como mecanismos defensivos ante a estas situações de perda tão dolorosas.
De acordo com Rosa (2004), ao analisar o discurso sobre a violência juvenil na
contemporaneidade, percebe-se um investimento exagerado por parte da sociedade em relação
aos adolescentes, como se todos eles fossem violentos, transgressores e “drogados”. Segundo
a autora, na adolescência o espaço social serve como pilar para que novas operações se
processem, a fim de que as reedições das inscrições juvenis alcancem legitimidade e
autoridade ao sujeito. Neste contexto de passagem do cenário familiar para o cenário social,
os atos violentos são, muitas vezes, tentativas do jovem de se constituir, prescindindo do
Outro.
Rosa Junior (2006) assevera que:
26
[...] a fragilidade das referências paternas; a falta de perspectivas em relação aos
seus ideais – a ponto de demonstrar quase uma absoluta incapacidade de esboçar um
horizonte de futuro qualquer; a privação de acesso aos objetos de consumo, tendo
como resposta o furto ou a depredação como uma espécie de tentativa, ainda que às
avessas, de exercer um poder, jogam-lhes em situações sociais ultrajantes. Assim,
demarcam um profundo sentimento de desamparo, que muitas vezes se materializa
na angústia de buscar reconhecimento e visibilidade social a qualquer preço, onde a
violência se apresenta como uma via possível para suportar a dor da própria
existência (2006, p. 56).
O ato delinquente, antes de tudo, é uma tentativa dentre tantas outras de reinventar o
espaço, de aprovar novas regras. Para o autor, o ato de roubar está para o sujeito como uma
forma de ordem simbólica, pois não seria o produto ou o objeto roubado o que lhe daria
satisfação, e sim o ato exercido. “Ele tem o valor de qualquer objeto parcial, que não
preenche a pulsão, mas a reedita” (RASSIAL, 1999, p. 61).
No mesmo sentido, Oliveira (2001) entende a passagem ao ato delinquente como um
atalho na busca de reconhecimento, efetuada em situações em que os recursos simbólicos
foram recusados. Assim, a autora defende que a associação para o crime e a participação em
gangues também se constituem como estratégias para obtenção de reconhecimento social,
ainda que pela negatividade. Sendo assim, imagina-se que a violência e a prática de atos
infracionais participam dos processos de identificação que acabam por constituir a identidade
do adolescente.
No contexto da violência e do ato infracional fica claro que os recursos simbólicos
falharam como inscrição psíquica. Quando a palavra não faz mais efeito o que resta é o ato, e
um discurso sem palavras.
Para além da violência e do ato infracional, podemos pensar a drogadição como uma
das possíveis consequências da vulnerabilidade, pois esta incide diretamente no ideal de
consumo e nos conflitos psíquicos da adolescência. Ela não deixa de ser uma espécie de
transgressão sobre o próprio corpo; em outras palavras, diz do ato de consumir e ser
consumido. Além da questão da fragilidade psíquica, é uma busca imperativa de consumo, de
alívio e uma resposta ao laço social.
[...] Não é sem frequência que se percebe que a droga, nas diversas faces em que se
mostra, cumpre uma importante função organizadora da subjetividade, permitindo
certa unicidade, certa estabilidade, sempre prestes a se dissolver. Assim, por
paradoxal que pareçam essas palavras a droga é capaz de apaziguar e dar descanso
(CRUZ, 2003, p. 28).
27
No texto de Cruz (2003) encontramos uma interessante comparação do mercado de
consumo capitalista com o status quo alcançado pelo tráfico de drogas. Alguns ideais sociais
combinam-se nesta perspectiva; por exemplo, o ideal de liberdade, de dignidade e de
subsistência. As drogas levam os jovens a combinar reinvindicações sociais com o submundo
da criminalidade. Acabam encontrando nas drogas um lugar de existência social e a liberdade
tão almejada e vendida pelo discurso da sociedade contemporânea. Na tentativa de alcançar
seus anseios e exigências externas, porém, legitimam a submissão à violência e à exclusão
social. Assim como na violência, o uso de drogas representa, por vezes, um auxílio para os
adolescentes que não encontram referenciais na família e no social para superar suas inibições
e frustrações.
[...] os adolescentes buscam, no mundo do crime, uma imagem de brilho que lhes foi
negada, um lugar de evidências que, de outro modo, parece não estar ao seu alcance.
Ficam encantados com a imagem do bandido que mora por ali, que também veio do
nada, mas já conquistou um lugar nas páginas policiais. Engancham o próprio corpo
nessa imagem que, supostamente, garante a possibilidade de ser alguém, ainda que
por um curto tempo e lhes custe a vida. Parece dizer que a existência não tem,
mesmo, muito valor (BASTOS, 2007, p. 74)
As “cenas” contemporâneas da violência e do tráfico, por mais chocantes que possam
parecer para nós, têm outro valor para os jovens. São cenas sedutoras que os convocam ao
limite do corpo. O tráfico e a drogadição apresentam-se numa atmosfera de perigo e poder,
justamente pelas suas facetas de transgressão,12 usadas como artifícios para se fazer ver e
sentir; são estratégias de valores e de convocação de uma lei que se fez ausente como
inscrição simbólica. Desta forma, expor-se ao risco constante é uma marca adolescente, mas,
não deixa de ser, também, uma denúncia da fragilidade dos vínculos sociais contemporâneos.
Cruz (2003) nos diz que são estes recursos que permitem aos jovens alguma condição
subjetiva de existência ainda que pela inserção em cenas e grupos considerados excluídos. O
autor expõe mais:
[...] Crianças e adolescentes jogados a tão restritos campos de subjetivação
encontram um tempo outro, um tempo do apagamento. [...] É freqüente, por
exemplo, passarem os dias intoxicados. É freqüente também que estabeleçam
relações baseadas numa sexualização precoce de seus corpos. Corpos jovens têm
significativo valor de troca em nossa sociedade. A oferta do corpo permitirá, de
alguma forma, uma espécie de inclusão, uma possibilidade de circulação e mesmo
de acesso a bens (CRUZ, 2003, p. 22).
12
Para Cruz (2003), a transgressão adolescente é um sintoma social diferente da perversão, pois questiona a lei,
mas não a desconhece.
28
A partir da drogadição, podemos abordar como consequência da vulnerabilidade e
exclusão social a prostituição, essa associada a uma situação de drogadição devido à
exploração de seu próprio corpo, como objeto sexual em busca de recursos financeiros para
sustentar o vício da droga. A prostituição em si é uma condição vulnerável por se tratar de um
contexto do qual o adolescente está propenso a passar, como: gravidez não planejada, aborto,
doença sexualmente transmissíveis (DST), entre outros.
Tanto a drogadição quanto a prostituição passam pelo corpo. É sobre ele que se
transgride justamente este corpo como ideal da sociedade – o corpo perfeito que se desdobra
em clones, plásticas, tatuagens, carros, roupas, piercings, sucesso, saúde, ou seja, um corpo
exibido como espetáculo. A sociedade contemporânea faz dele um objeto de posse e troca; em
resumo, um objeto de consumo que marca a cena central do laço social. Nesta perspectiva, os
fenômenos sociais da violência, drogadição, prostituição, que encontramos no caminho da
vulnerabilidade e da exclusão, dizem de certas marcas subjetivas de nossa época.
“Adolescentes que sustentam uma forma de inscrição em que o sujeito, desprovido dos mais
básicos recursos, não somente de subsistência, mas também psíquicos, encontra, por meio de
seu corpo, uma forma de estabelecer troca e ser reconhecido por um outro semelhante”
(CRUZ, 2003, p. 23).
O mesmo autor nos faz refletir que certas populações são, de certa forma,
marginalizadas não só de nossos ideais, mas também de dignidade e subsistência, combinam
faces do que há de mais legítimo e mais abominável em nossa sociedade: “Combinam
reivindicações sociais com o tráfico, religião com delinqüência, busca de liberdade a partir
da submissão a violência” (CRUZ, 2003, p. 29).
O sujeito, de certo modo, é coisificado ou apagado do lócus. O discurso
contemporâneo exclui o estranho, o diferente, e segrega-o como desviante ou ainda como
“enfraquecido”. Não é incomum remeter os adolescentes a um lugar de culpabilização do seu
desvio e, por consequência, do seu destino – drogado, marginal, prostituta, malandro e assim
por diante. O endereçamento do discurso adolescente se dá no mesmo patamar daquilo que o
social lhe ofereceu, ou seja, lançar-se num impossível13 para conseguir dizer algo.
13
O impossível como valor de troca e ganho: o risco, a morte, o limite do corpo. A partir do impossível tem-se
um lugar de reconhecimento. Buscar no inapropriado, no desconhecido e no proibido um endereçamento que
lhes dê algum retorno, seja de uma Lei real, no cumprimento de medidas socioeducativas, perda de liberdade
(LA), ou internação para desintoxicação. E para, além disso, ser vítima de humilhação, mortificação,
autodestruição e até mesmo numa gravidez adolescente ou contaminação por doenças.
29
Estes jovens desgraçados demonstraram, mesmo sem saber, que há uma criança
carente de lei, carente de vínculos, carente de ideais, carente de diálogo com a vida, ou seja,
carente de uma realidade que escreveria um compromisso de respeito com o próximo
(NAZAR, 2007, p. 45).
Concluindo, podemos afirmar que não existe subjetividade que se inscreva fora do
laço social, este que pressupõe valores e, como expressa Cruz (2003, p. 34), “laço que se
estabelece na medida que há uma partilha mínima de valores (moral) e cujas regras venham
basear-se na compreensão de um pacto”. A sociedade é responsável por seus excluídos e o
sujeito é responsável pelo seu sofrimento. Aqui, nesta pesquisa, não se trata de outra coisa
senão de sintomas sociais de uma sociedade banhada por valores capitalistas, de bens de
consumo, do corpo como um ideal de perfeição e da felicidade a qualquer preço. Não nos
estranha que as consequências da vulnerabilidade e a exclusão sejam, na verdade, uma espécie
de resposta ao sintoma contemporâneo.
30
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebemos, durante este trabalho de pesquisa, que há distintas maneiras de ser
adolescente, dependendo da classe social, das diferenças regionais, religiosas, de grupo,
porém todos vivem momentos de passagem, de transição de uma etapa à outra. Esse período,
muitas vezes, é marcado por exigências ou demandas difíceis de serem cumpridas, tanto em
relação à família quanto aos ideais impostos pelo social.
A fragilidade dos recursos simbólicos, marca da contemporaneidade, como vimos,
põe os jovens em uma situação de desamparo psíquico. A combinação desse fator com os
processos de vulnerabilidade e de exclusão social, remete estes sujeitos aos seus próprios
limites de ser e estar no mundo. A violência, o ato infracional, a drogadição e a prostituição,
parecem se inscrever como saídas possíveis de fazer laço no social. Uma tentativa de encontro
com um Outro que lhes dê um mínimo de reconhecimento.
O trabalho teórico em torno dos conceitos de vulnerabilidade, exclusão social e sobre
a adolescência, foi a saída encontrada para a busca da resposta para a nossa pergunta inicial:
Quais seriam as consequências dos processos de vulnerabilidade e de exclusão social sobre a
adolescência?
A nossa indagação primeira, neste estudo, se depara com um interessante desafio.
Como articular conceitos oriundos das Ciências Sociais, da Psicologia Social e da Teoria
Psicanalítica? Assim, esta pesquisa bibliográfica foi organizada na busca de teorias que
pudessem sustentar/apresentar possibilidades de resposta, sabendo, no entanto, que estas não
são definitivas e nem fechadas. Os próprios termos – vulnerabilidade e exclusão social –
possuem nuances conforme a área, o contexto e a época.
Esse é apenas o início de um trabalho de escrita. Dele fica uma série de questões,
como, por exemplo: Como trabalhamos com esse adolescente que se encontra à margem do
social, que escolhe caminhos outros na busca de uma forma de reconhecimento?
31
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