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Cultura e Organização Social
In: PILETTI, N. Sociologia da Educação. São Paulo: Ática, 1995.
Todas as pessoas têm cultura. Melhor dizendo, todas as pessoas vivem de acordo com uma determinada
cultura. A cultura abrange a maneira de viver (agir, pensar e sentir) de um povo. Maneira de viver que pode ter
aspectos comuns e aspectos diferentes em relação à maneira de viver de outros povos. A forma de organização social
de um povo, portanto, também faz parte de sua cultura.
1. O que é cultura?
Todas as pessoas, ao longo de sua vida, adquirem conhecimentos (a língua materna, uma profissão, etc.),
crenças (religião, por exemplo), hábitos (modo de vestir, costumes alimentares, etc.), normas de comportamento (o
que se pode e o que não se pode fazer); e todos utilizam diversos instrumentos (lápis, caderno, enxadas, carros,
máquinas, etc.) para realizar suas atividades. Tais conhecimentos, crenças, hábitos, normas e instrumentos fazem
parte da cultura.
Cultura é a herança que determinada sociedade transmite a seus membros através da educação sistemática e
da convivência social.
Cada geração e cada indivíduo também contribuem para ampliar e modificar a cultura que recebem. É isso que
explica o progresso, as mudanças, que ocorrem com a sucessão das gerações.
A cultura pode ser material e não material.
Cultura material. Abrange os objetos manufaturados, os artefatos: ferramentas, prédios, móveis, meios de
transporte, estradas, pontes, cadernos, etc. Cultura material é todo e qualquer objeto resultante da transformação da
natureza pelo trabalho humano.
Cultura não material. Compreende a linguagem, as idéias, as crenças, os costumes e os hábitos de um povo. No
jogo de futebol, por exemplo, a cultura material abrange a bola, as traves, o campo, os uniformes dos jogadores, as
arquibancadas, etc. A cultura não material inclui as regras do jogo, a técnica dos jogadores, o comportamento dos
jogadores e da torcida, etc.
A cultura material e a não material estão interligadas, são interdependentes. É a cultura não material que
atribui significados aos objetos da cultura material. Suponhamos que o jogo de futebol deixe de existir. Sua cultura
material deixará de ter o significado que tinha antes: as traves poderão reduzir-se a simples pedaços de madeira, o
gramado poderá transformar-se em pasto para o gado, a bola poderá tornar-se um enfeite, etc.
Cultura como sistema de normas
É a cultura do grupo a que pertence que indica ao indivíduo como deve comportar-se, é a cultura que
estabelece os padrões de comportamento. Um padrão de comportamento é uma norma, isto é, uma expectativa ou
uma determinação de como o indivíduo deve agir dentro do grupo. Uma norma social ou cultural resulta da própria
história do povo ou do grupo social que a adota.
Vejamos alguns exemplos. Em nossa cultura é norma um homem beijar uma mulher, pais beijarem os filhos,
mas não um homem beijar outro homem; é norma cumprimentarmos outras pessoas estendendo a mão direita e não
a esquerda; é norma a procriação ocorrer em famílias constituídas pelo casamento; etc.
A simples observação dos exemplos leva-nos a duas conclusões:
• O que é norma numa sociedade pode não ser em outra.
• A norma só cabe em comportamentos possíveis e não necessários. Ou seja: não adianta estabelecer uma norma
prescrevendo o impossível, como, por exemplo, "você deve voar"; também se torna inútil a norma referente a
comportamentos necessários, naturais: "você deve comer", "você deve andar", etc. É natural e necessário que todos
se alimentem e andem, sem que haja norma para isso. A norma pode estabelecer maneiras de comer, tipos de
alimentos, modo conveniente de andar, etc.
As normas podem ser mais ou menos coercitivas, mais ou menos obrigatórias. Assim, podemos ter hábitos e
tradições populares, instituições e leis.
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Hábitos e tradições. As novas gerações absorvem costumes e hábitos das anteriores. Mas costumes e hábitos
podem ser modificados e sua não observância pode não implicar sanções sociais mais sérias. Por exemplo, existem
muitos hábitos ligados à alimentação e ao vestuário. Entretanto, se alguém comer com os dedos em vez de usar garfo,
ou vestir uma roupa considerada inadequada, provavelmente esses comportamentos não trarão maiores
conseqüências.
Instituições. Como vimos no capítulo anterior, as instituições constituem conjuntos organizados de normas. São
regras e procedimentos que obrigam mais do que simples hábitos e costumes. "Uma instituição é um sistema
organizado de relacionamentos sociais que incorporam certos valores e procedimentos comun$' e atendem a certas
necessidades básicas da sociedade". (HORTON, Paul B. e HUNT, Chester L. Sociologia. São Paulo, McGraw Hill, 1980,
p.43.)
Entre as instituições mais comuns, já estudamos a escola, a família, a Igreja e o Estado. Mas existem outras,
como a organização jurídica e o sistema econômico. O termo instituição também pode ser aplicado a conjuntos
menores de padrões de comportamento, como, por exemplo, pode-se falar em instituição do futebol, do carnaval, do
trabalho, etc.
Leis. São normas de cumprimento obrigatório, sob pena de punição pela autoridade competente. Referem-se
àqueles padrões de comportamento considerados mais importantes para o grupo. Assim, por exemplo, não há leis
determinando como o indivíduo deve portar-se à mesa na hora das refeições, mas há leis estabelecendo os
procedimentos exigidos no casamento, na educação, etc. Embora as leis resultem dos fatos e normas sociais, muitas
vezes atendem a interesses dos grupos dominantes dentro da sociedade. Assim, se quem faz as leis, numa
democracia, é o Poder Legislativo, nem todos os grupos sociais estão representados no poder que aprova as leis. No
Brasil, por exemplo, dificilmente um operário consegue chegar ao Congresso Nacional.
Subcultura
Um povo, como o brasileiro, por exemplo, não tem uma cultura uniforme e homogênea. Há diferenças regionais
em relação às maneiras de falar, de vestir, aos tipos de alimento, etc. Além das diferenças regionais, existem as
diferenças entre as diversas classes, provocadas pelas diferentes situações econômicas; existem as diferenças entre os
grupos de diversas origens, como os índios e os negros; etc. Cada uma dessas culturas particulares - do Sul do país,
dos negros, dos índios, de um grupo de imigrantes, etc. - forma uma subcultura dentro da cultura mais ampla, que é a
cultura brasileira.
A subcultura, embora apresente características diferentes, geralmente não se opõe à cultura dominante. Já a
contracultura, além de ser diferente dos padrões dominantes, contesta radicalmente esses padrões. O movimento
hippie, por exemplo, pode ser considerado contracultura, já que se opôs radicalmente a valores da cultura dominante,
como o trabalho, a castidade feminina, o patriotismo ostensivo, a acumulação de riquezas, etc.
2. Etnocentrismo X relativismo cultural
Etnocentrismo consiste em considerar o próprio grupo como o centro e suas normas como as corretas,
avaliando e julgando os demais grupos a partir dele. A cultura de nosso grupo, de nosso povo, é vista como superior.
As outras são consideradas tanto mais desenvolvidas quanto mais se aproximem da nossa. .
Um exemplo clássico de etnocentrismo é o dos colonizadores europeus, diante dos povos indígenas. Os
europeus consideravam-se "a civilização" e os índios eram tidos por bárbaros, primitivos, atrasados.
O etnocentrismo transforma a cultura do grupo em padrão de medida. Nossa religião é a verdadeira; nossa raça
é superior; nossa sociedade é mais desenvolvida; nosso país é o melhor do mundo; etc.
A maioria dos grupos são etnocêntricos. Somos treinados, consciente e inconscientemente, para ser
etnocêntricos e dificilmente conseguimos deixar de sê-lo. Podemos abandonar a idéia do etnocentrismo, mas na
prática do dia-a-dia agimos como se nosso grupo fosse o melhor.
De acordo com o relativismo cultural, por outro lado, cada aspecto ou característica de uma cultura refere-se a
seu ambiente, a seu grupo. Cada comportamento é bom ou mau, adequado ou inadequado, em relação à cultura em
que está inserido. Não podemos analisar e compreender os comportamentos de outros grupos e culturas com os
critérios, valores e motivos do nosso grupo e de nossa cultura.
Vejamos alguns exemplos: entre nós, a justiça pelas próprias mãos e a vingança são condenáveis, mas entre
algumas tribos esquimós são perfeitamente normais; as roupas de pele são adequadas em regiões frias e não nas
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zonas tropicais; há sociedades que estimulam a gravidez pré-conjugal, como prova de fertilidade, ao contrário da
nossa, que a condena; o beijo entre homens é comum na Rússia, mas não entre nós.
O relativismo cultural, portanto, opõe-se ao etnocentrismo. Não existe uma cultura que seja melhor e outra
pior. Cada cultura deve ser analisada a partir de si mesma, de sua história.
3. Formas de organização social
A organização social de um povo é um dos aspectos de sua cultura. No decorrer da história humana observamos
que foram adotadas formas diversas de organização social, com vistas a conseguir os meios que garantissem a
sobrevivência do grupo. Em alguns casos, a organização social proporcionou uma vida com mais ou menos as mesmas
condições a todos os membros do grupo social. Em outros, o controle da organização social por uma parte da
sociedade, geralmente minoritária, levou essa minoria a uma vida confortável, à custa da condenação da maioria a
uma vida sub-humana.
Entre as formas mais importantes do passado estão o comunismo primitivo, o escravismo e o feudalismo. No
século XX, embora tenham subsistido resquícios das formas anteriores, predominaram dois sistemas básicos: o
capitalismo e o socialismo.
Comunismo primitivo. Foi o estágio em que se produzia de acordo com as necessidades do grupo. Não havia
excedente, sobra. O que se produzia era resultado do trabalho de todo o grupo e era distribuído entre todos os seus
membros. Os meios de produção (a terra, por exemplo) eram propriedade social, ou seja, pertenciam a todo o grupo.
Escravismo. Com o crescimento dos grupos sociais e o aperfeiçoamento das técnicas e dos instrumentos de
trabalho, começou a haver excedente e alguns passaram a viver do controle desse excedente, tornando-se
proprietários dos meios de produção e passando a explorar o trabalho de outros. Além disso, com as guerras entre
grupos, o grupo derrotado era feito prisioneiro e passava a ser obrigado a trabalhar para os membros do grupo
vencedor. Surgiram, então, duas camadas sociais: a dos escravos, que trabalhavam, e a dos donos de escravos, que
viviam do trabalho de outras pessoas. Tal foi a organização social na Grécia e na Roma antigas, entre outros povos.
O surgimento do escravismo coincide com o momento em que o homem deixou de ser nômade para tornar-se
sedentário, deixou de se dedicar apenas à caça, à pesca e à coleta, para praticar a agricultura e o pastoreio. Nesse
momento começou a luta para manter a terra plantada em poder do grupo, contra ataques de outros grupos.
Feudalismo. Predominou durante a Idade Média, em que o poder central (do rei) era muito fraco e se
multiplicaram os domínios dos senhores feudais, cada um com seu feudo. O mecanismo de funcionamento do sistema
feudal consistia no compromisso de reciprocidade entre o senhor e o servo. Em troca de proteção, o servo prestava ao
senhor determinados serviços. Normalmente, os servos trabalhavam três dias por semana na terra do senhor e três
dias nas terras que cultivavam para seu sustento. O trabalho nas terras do senhor era o excedente, do qual o senhor
se apropriava e que usava para seu conforto ou para manter a guerra.
4. Sociedade capitalista
Com o desenvolvimento do comércio e o aumento da produção, no final da Idade Média, surgiram condições
propícias ao desenvolvimento do capitalismo. Os comerciantes, chamados burgueses por viverem em burgos ou
cidades, compravam as mercadorias a um preço e as vendiam a preços mais altos. Sobrava dinheiro, lucro, que
utilizavam para comprar mais mercadorias. Dessa forma, foram acumulando dinheiro e riquezas que passaram a
aplicar no próprio comércio e em pequenas indústrias, que aumentavam seu lucro. Surgiram os bancos,
que começaram a emprestar dinheiro a juro, obtendo mais lucros. A burguesia passou, então, a financiar as grandes
navegações, a trazer mercadorias do outro lado do Atlântico e do Pacífico, aumentando sempre mais seu lucro.
Ao dinheiro utilizado para fazer mais dinheiro chama-se capital. O que resulta a mais desse emprego de capital é
o lucro. O sistema econômico baseado na aplicação do capital com o objetivo de obter sempre mais lucro denominase capitalismo. A essa primeira fase do capitalismo chama-se capitalismo comercial, por que eram os comerciantes
burgueses que detinham o capital e porque o lucro resultava do comércio: comprava-se por um preço e vendia-se por
um preço superior.
A concentração de capital nas mãos dos comerciantes e os inventos da Revolução Industrial fizeram com que o
capitalismo avançasse para uma segunda fase: o capitalismo industrial. Em vez de comprar as mercadorias dos
artesãos, os comerciantes burgueses passaram a manter suas próprias oficinas. Dessa forma, não controlavam apenas
a comercialização, mas também a produção das mercadorias, gerando mais lucros.
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As oficinas dos burgueses foram crescendo, transformando-se em grandes fábricas, principalmente a partir da
Revolução Industrial, no século XVIII. Surgiu o trabalho assalariado e com ele uma nova mercadoria e uma nova fonte
de lucro: o trabalho passou a ser encarado como mercadoria pelo capitalista. Este tornou-se o detentor dos meios de
produção (dinheiro, fábricas, máquinas, etc.); o trabalhador ficou dono apenas de sua força de trabalho.
Daí, uma conclusão lógica: quanto menos o capitalista pagasse pelo trabalho do operário, mais sobraria para
ele, como excedente, como lucro. Formaram-se, então, as duas classes sociais opostas: de um lado a burguesia e do
outro o proletariado (nome originário de sua grande prole ou número de filhos), cada uma lutando por seus interesses.
Aumentando sua produção, o capitalista precisava vender sempre mais produtos. Precisava também comprar
matérias-primas a baixo custo, o que aumentaria seu ganho e suas vantagens em relação aos concorrentes.
Intensificou-se então a luta pelos mercados fornecedores de matérias-primas e pelos mercados consumidores. As
pequenas indústrias foram desaparecendo. Surgiram os grandes conglomerados industriais, os monopólios, que
atravessaram fronteiras, controlando povos e governos de países fornecedores de matérias-primas e consumidores de
produtos industrializados. É a terceira fase do capitalismo, a fase do capitalismo monopolista.
Características do capitalismo
Segundo Raymond Aron (1905-1983), em seu texto "A sociedade industrial"(In: FORACCHI, Marialice M., e
MARTINS, José de S. Sociologia e sociedade. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos, 1978, p. 114), o capitalismo
apresenta as cinco características mais importantes que seguem.
Os meios de produção são objetos de apropriação individual. No sistema capitalista, os meios de produção
(dinheiro, fábricas, terras, máquinas, etc.) são apropriados por indivíduos ou grupos particulares. Como conseqüência,
esses meios são utilizados para atender aos interesses dos grupos que detêm seu controle.
A regulagem da economia é descentralizada. Não há uma planificação global da economia - produção,
comércio e consumo – com base nas necessidades da população. É o próprio mercado que estabelece o equilíbrio
entre produção e consumo. Isto é, os que detêm os meios de produção procuram produzir aquilo que tem condições
de ser consumido. Se o povo deixa de comprar sapatos ou fogões, por exemplo, diminui a produção dessas
mercadorias; havendo um aumento de consumo, volta a haver um aumento de produção. Temos, portanto, a
seguinte situação: milhões de brasileiros nunca usaram sapatos. Não é porque não queiram usar, nem porque as
fábricas não tenham condições de produzir, já que milhões de pares de sapatos são exportados. É que o povo não tem
dinheiro para comprar sapatos. E se a população não tem dinheiro para comprar uma mercadoria, mesmo que tenha
necessidade dela, ou ela não é produzida ou é produzida para o mercado externo.
Existe separação entre empregadores e empregados. Entre a força de trabalho, vendida pelos empregados, e
os meios de produção, detidos pelos empregadores, surge a relação de assalariamento. Salário é o preço que o
capitalista paga pelo trabalho que compra. Teoricamente, o preço da mercadoria trabalho também é regulado pela lei
da oferta e da procura. Isto é: aumentando o número de pessoas que oferecem o seu trabalho, diminui o preço por
ele, o salário; diminuindo o número de indivíduos que querem trabalhar, aumentam os salários. Por isso, em épocas
de grande desemprego, os salários tendem a ser achatados: se o trabalhador não aceita, é despedido e outro toma o
seu lugar. Por isso, também, os capitalistas procuram montar suas indústrias onde há muita disponibilidade de mãode-obra. Havendo sempre um contingente de mão-de-obra disponível, à espera de uma oportunidade para trabalhar chamado exército industrial de reserva -, várias conseqüências ocorrerão: os salários serão mantidos baixos; os
trabalhadores terão pouca força para pressionar os patrões; a vida útil do trabalhador será reduzida, já que, depois de
certa idade, o operário é despedido e outro mais jovem ocupa o seu lugar, geralmente por um salário mais baixo.
O móvel predominante é a busca do lucro. A economia capitalista gira em torno do lucro. O capitalista procura
ganhar na compra da matéria-prima, na produção, através dos baixos salários, na venda das mercadorias, etc. Aqui; é
importante o conceito de mais-valia. Mais-valia é aquilo que o operário produz sem receber nada em troca, produz de
graça para o proprietário dos meios de produção. Vejamos um exemplo bem simples: Afonso trabalha numa fábrica
de cadeiras por um salário correspondente a CR$ 2.000,00 por dia; sua produção corresponde a duas cadeiras diárias;
cada cadeira é vendida pelo dono da fábrica por CR$ 2.000,00. Resultado: Afonso trabalha metade do dia para si e a
outra metade para o patrão, já que ele recebe apenas a metade do valor de sua produção. A outra metade, que fica
para o empregador, constitui a mais-valia.
Os preços flutuam de acordo com o mercado. É o que se chama de anarquia capitalista. Teoricamente, se
houver mais oferta de um produto, seu preço tende a cair; se houver mais procura do que oferta, seu preço tende a
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subir. Na prática, a coisa não é bem assim: o supermercado em geral está cheio de produtos e, nem por isso, os preços
baixam. A explicação é simples: dependendo das condições, o capitalista prefere vender menos mercadorias a preços
mais elevados do que vender uma quantidade maior de produtos a preços mais baixos. Além disso, o capitalista, se for
do seu interesse, também pode controlar artificialmente a oferta de produtos, retendo as mercadorias para forçar a
subida dos preços. O que interessa é o lucro e não as necessidades da população.
Críticas ao capitalismo
Raymond Aron (In: FORACCHI, Marialice M., e MARTINS,José de S. Op. cit., p. 115) seleciona as críticas mais
freqüentes ao capitalismo:
•
•
•
promove a exploração dos trabalhadores;
é um regime imoral, pois se baseia na procura do lucro; · leva a uma extrema desigualdade de rendas;
é dominado pela anarquia, ou seja, pela não planificação, pela não repartição voluntária dos recursos e rendas e, por
isso, está sempre sujeito a crises, já que os grupos mais fortes abocanham a maior parte dos recursos.
O capitalismo baseia-se no livre jogo das forças do mercado, na livre iniciativa, na concorrência, etc. A idéia por
trás disso é que são os mais capazes que conseguem vencer. Tal idéia, porém, é totalmente enganosa. A liberdade no
regime capitalista já foi definida como "a liberdade da raposa no galinheiro livre". Isto é: o mercado é manipulado e
controlado pelos monopólios; quem não tem os meios de produção não pode ter iniciativa, a não ser tentar conseguir
um lugar melhor ao sol; o que é muito difícil; na concorrência, os mais fortes engolem os mais fracos.
No campo social, as conseqüências do capitalismo estão à vista de todos, especialmente nos países
subdesenvolvidos: salários de fome, condições precárias de trabalho, desemprego, falta de assistência à saúde,
educação insuficiente e deficiente, condições miseráveis de vida, concentração dos recursos em poucas mãos,
desrespeito à pessoa humana. .
No campo político, o capitalismo transformou o Estado em instrumento de dominação de uma classe sobre
outras. Assim, nas lutas trabalhistas, entre empregadores e empregados, o governo geralmente toma o partido dos
patrões, reprimindo as manifestações dos trabalhadores, prendendo seus líderes, etc.
5. Sociedade socialista
"O socialismo, entendido como a preocupação por uma sociedade que suprime as desigualdades entre os
homens, é uma idéia que pode ser encontrada no passado remoto da História Universal" (SPINDEL, Arnaldo. O que é
socialismo. 7 ed., São Paulo, Brasiliense, 1981, p. 14.)
Mas foi só a partir dos séculos XVIII e XIX que as idéias socialistas começaram a ser formuladas de modo
sistemático, como tentativa de encontrar uma forma de organização da sociedade baseada na justiça social. A
primeira etapa do desenvolvimento socialista é chamada de socialismo utópico. Essa denominação deve-se ao fato de
seus escritos e propostas não se basearem numa análise científica da sociedade.
Entre os socialistas utópicos, podem ser citados os seguintes:
• Robert Owen (1771-1858). Empresário inglês que propôs a supressão da propriedade privada e a retribuição do
trabalho com bônus e não com dinheiro.
• Charles Fourier (1772-1837). Planejou os Falanstérios, cidades de trabalho em que cada um escolhia seu posto e
tudo era comum refeitório, moradias, etc.
• Louis Blanc (1811-1882). Como funcionário público, criou na França as Oficinas Nacionais, que eram fábricas
'socializadas.
• Henri de Saint-Simon (1760-1825). Propôs um governo dos trabalhadores, com a participação de operários
industriais, banqueiros e comerciantes. Aceitava a livre empresa e o lucro dos capitalistas, desde que estes
assumissem responsabilidades sociais.
• Pierre J. Proudhon (1809-1865). Definiu a propriedade como um roubo e o Estado como o braço armado da classe
dominante: "Quem quer que ponha as mãos em mim com a intenção de governar-me é um usurpador e um tirano.
Declaro-o meu inimigo". (Apud: HUNT E. K, e SHERMAN, H.J. História do pensamento econômico. 3 ed., Petrópolis,
Vozes, 1982, p. 87.)
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O socialismo alcançou grande impulso com o trabalho de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1903),
cuja obra deu início ao chamado socialismo científico. O ponto de partida foi o Manifesto do Partido Comunista,
publicado em 1848, e que termina com a famosa frase: "Proletários de todos os países, uni-vos!"
A principal obra de Marx é O Capital. Nela, o autor faz uma crítica minuciosa ao capitalismo, mostrando que
seria inevitável sua superação pelo socialismo como resultado da luta de classes, que é o motor da História.
Características do socialismo
Historicamente, o socialismo surgiu da crítica ao capitalismo. Por isso mesmo, suas características são opostas
às do sistema capitalista:
Apropriação coletiva dos meios de produção. No sistema socialista, os meios de produção (fábricas, terras,
máquinas) constituem propriedade coletiva. Isto não quer dizer que o indivíduo não tenha propriedades particulares
como um pequeno pedaço de terra, uma casa, etc. O grau de coletivização pode variar. O importante é que os meios
de produção sejam coletivos. A propriedade coletiva, em geral, é exercida pelo Estado.
Economia planificada centralizada. Isto é, o equilíbrio entre produção e consumo é mantido por planificação.
Crescendo a necessidade de um produto, aumenta-se a produção. Garante-se o consumo que satisfaça as
necessidades básicas da população: alimentação, saúde, educação, habitação, etc.
Não há patrões e empregados. Sendo as empresas de propriedade coletiva, seus diretores não usufruem do
trabalho dos demais empregados. Todos são igualmente funcionários. O salário é mais simbólico que real, já que o
Estado garante os serviços necessários à produção (habitação, saúde, educação, etc.), por preços também simbólicos
ou mesmo gratuitamente.
O móvel da economia é o bem da coletividade, sob a orientação dos planejadores da economia. Não existe
lucro, já que se procura atender às necessidades da população. O Estado aplica os recursos nos setores considerados
prioritários e pode colocar à venda mercadorias com preços inferiores ao custo, compensados por outros setores.
Os preços são controlados. Quem estabelece os preços é o governo, de tal forma que podem manter-se
estáveis por vários anos. Os preços nada têm a ver com a lei da oferta e da procura.
É importante notar que todas essas características se referem a uma forma ideal de socialismo, ainda não realizada
concretamente em nenhum país. Os países socialistas que, em diversos períodos históricos, procuraram implantar o
socialismo, como a ex-União Soviética e outros países do Leste europeu, a China, Cuba e muitos outros, representaram caminhos, às vezes diversos, na busca de uma sociedade verdadeiramente socialista.
Críticas ao socialismo
As principais críticas que se fazem ao regime socialista, nas formas concretas em que foi adotado em vários
países, referem-se a três pontos básicos:
1) os limites impostos à liberdade individual: o indivíduo estaria submetido ao interesse do Estado, seria
sufocado pelo domínio absoluto de quem domina o Estado, geralmente o Partido Comunista;
2) a burocratização do Estado, com a formação de uma nova classe dominante, constituída pelos líderes do
Partido, que substituiria a burguesia, detendo muitos privilégios à custa do trabalho da maioria da população;
3) apesar de grandes avanços em aspectos sociais, como moradia, saúde, educação, etc., tais países não seriam
democráticos, isto é, seus governantes não seriam escolhidos pelo povo, mas pelo Partido.
Concluindo, o que se pode dizer em relação,fi organização ideal da sociedade é que, enquanto no capitalismo o
que prevalece é a busca do lucro, com base no jogo das forças do mercado, no socialismo busca-se a construção de
uma sociedade igualitária, na qual os interesses coletivos sobrepõem-se aos interesses particulares.
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Resumo
1. A cultura abrange a maneira de agir, pensar e sentir de um povo. Pode ser:
a) material: artefatos;
b) não material: idéias, sentimentos, linguagem, costumes, etc.
2. A cultura é também definida como um sistema de normas, de padrões de comportamento. As
normas podem ser mais ou menos coercitivas:
a) hábitos e tradições: passam de uma geração a outra;
b) instituições: maior grau de coerção que os hábitos;
c) leis: sua transgressão acarreta punição social.
3. Subcultura é uma cultura particular dentro de uma cultura mais ampla. A contracultura, além de
ser diferente, opõe-se à cultura dominante.
4. Etnocentrismo é considerar o próprio grupo como o centro e o referencial único de avaliação
dos outros.
• Relativismo cultural consiste em compreender os padrões sociais como relativos ao grupo a
que pertencem.
5. Duas formas de organização social tornaram-se predominantes no século XX: o capitalismo e o
socialismo. No passado, predominaram as seguintes formas:
a) comunismo primitivo: estado de igualdade social;
b) escravismo: o trabalhador como mercadoria pertencente ao dono;
c) feudalismo: compromisso de lealdade entre senhores feudais e servos.
6. O capitalismo desenvolveu-se a partir da superação das relações feudais de produção, passando
por três fases: comercial, industrial e monopolista. Principais características do capitalismo:
a) apropriação individual dos meios de produção;
b) regulagem descentralizada da economia;
c) separação entre empregadores e empregados;
d) lucro como móvel predominante da economia;
e) flutuação dos preços de acordo com o mercado.
7. Idéias socialistas sempre existiram no decorrer da História. A partir dos séculos XVIII e XIX o
movimento socialista intensificou-se, com a contribuição dos socialistas utópicos e, a partir de
meados do século XIX, do socialismo científico. Principais características do socialismo:
a) apropriação coletiva dos meios de produção;
b) regulagem centralizada e planificada da economia;
c) inexistência de separação entre empregados e empregadores; d) bem da coletividade como
móvel da economia;
e) controle dos preços pelo governo.
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Texto para análise
Cidadão 100% norte-americano
O cidadão norte-americano desperta num leito construído segundo padrão originário do Oriente
Próximo, mas modificado na Europa Setentrional, antes de ser transmitido à América. Sai debaixo de
cobertas feitas de algodão, cuja planta se tornou doméstica na Índia; ou de linho ou de lã de carneiro, um e
outro domesticados no Oriente Próximo; ou de seda, cujo emprego foi descoberto na China. Todos estes
materiais foram fiados e tecidos por processos inventados no Oriente Próximo. Ao levantar da cama faz uso
dos mocassins que foram inventados pelos índios das florestas do Leste dos Estados Unidos e entra no
quarto de banho, cujos aparelhos são uma mistura de invenções européias e norte-americanas, umas e
outras recentes. Tira o pijama, que é vestuário inventado na Índia, e lava-se com sabão que foi inventado
pelos antigos gauleses; faz a barba que é um rito masoquístico que parece provir dos sumerianos ou do
antigo Egito.
Voltando ao quarto, o cidadão toma as roupas que estão sobre uma cadeira de tipo europeu
meridional e veste-se. As peças de seu vestuário têm a forma das vestes de pele originais dos nômades das
estepes asiáticas; seus sapatos são feitos de peles curtidas por um processo inventado no antigo Egito e
cortadas segundo um padrão proveniente das civilizações clássicas do Mediterrâneo; a tira de pano de
cores vivas que amarra ao pescoço é sobrevivência dos xales usados aos ombros pelos croatas do século
XVII. Antes de ir tomar seu breakfast, ele olha a rua através da vidraça feita de vidro inventado no Egito; e,
se estiver chovendo, calça galochas de borracha descoberta pelos índios da América Central e toma um
guarda-chuva inventado no sudoeste da Ásia. Seu chapéu é feito de feltro, material inventado nas estepes
asiáticas.
De caminho para o breakfast, pára, para comprar um jornal, pagando-o com moedas, invenção da
Líbia antiga. No restaurante, toda uma série de elementos tomados de empréstimo o espera. O prato é
feito de uma espécie de cerâmica inventada na China. A faca é de aço, liga feita pela primeira vez na Índia
do Sul; o garfo é o inventado na Itália medieval, a colher vem de um original romano. Começa seu breakfast
com uma laranja vinda do Mediterrâneo Oriental, um melão da Pérsia, ou talvez uma fatia de melancia
africana. Toma café, planta abissínia, com nata e açúcar. A domesticação do gado bovino e a idéia de
aproveitar seu leite são originários do Oriente Próximo, ao passo que o açúcar foi feito pela primeira vez na
Índia. Depois das frutas e do café, vêm waffles, os quais são bolinhos fabricados segundo uma técnica
escandinava, empregando como matéria-prima o trigo, que se tornou planta doméstica na Ásia Menor.
Rega-os com xarope de maple, inventado pelos índios das florestas do Leste dos Estados Unidos. Como
prato adicional talvez coma o ovo de uma espécie de ave domesticada da Indochina ou delgadas fatias de
carne de um animal domesticado na Ásia Oriental, salgada e defumada por um processo desenvolvido no
Norte da Europa.
Acabando de comer, nosso amigo se recosta para fumar, hábito implantado pelos índios americanos e
que consome uma planta originária do Brasil: fuma cachimbo, que procede dos índios da Virgínia, ou
cigarros, provenientes do México. Se for fumante valente, pode ser que fume mesmo um charuto,
transmitido à América do Norte pelas Antilhas, por intermédio da Espanha. Enquanto fuma, lê notícias do
dia, impressas em caracteres inventados pelos antigos semitas, em material inventado na China e por um
processo inventado na Alemanha. Ao inteirar-se das narrativas dos problemas estrangeiros, se for um bom
cidadão conservador, agradecerá a uma divindade hebraica, numa língua indo-européia, o fato de ser 100%
americano.
(Ralph Linton. O homem: uma introdução à Antropologia. 8 ed., São Paulo, Martins Ed., 1971, p. 331-2.)
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