ESTUDO FARMACOBOTÂNICO COMPARATIVO DE PLANTAS MEDICINAIS REALIZADO EM DEZ MUNICÍPIOS DO ESTADO DO TOCANTINS Getulio Gomes Junqueira1; Jean Francisco R. Ribeiro1; Gilberto Lúcio Benedito de Aquino2 1 Curso de Farmácia, UnUCET - UEG. 2 Orientador, docente do Curso de Farmácia, UnUCET – UEG. RESUMO Neste estudo, enfatizou-se a importância da utilização das plantas para fins terapêuticos, através da comparação de dados coletados do Projeto Bosque da Biodiversidade da UNITINS com dados existentes na literatura. O objetivo deste trabalho foi avaliar junto aos bancos de dados e fontes públicas de informação, a disponibilidade de dados farmacológicos e toxicológicos de vinte e cinco plantas medicinais utilizadas pela população em casos de inflamação, dor e febre. Foram utilizados dados de um levantamento de plantas utilizadas como medicinais por moradores de 10 municípios do estado do Tocantins (Araguaína, Araguatins, Colinas, Gurupi, Ipueiras, Lavandeira, Oliveira de Fátima, Palmas, Paraíso e Porto Nacional). Estes dados compõem um estudo descritivo retrospectivo do Projeto Bosque da Biodiversidade – uma parceria da FMT-TO (Fundação de Medicina Tropical do Tocantins) e a UNITINS (Universidade do Tocantins) realizado em 1999 e pertence ao banco de dados da Fundação de Medicina Tropical do Tocantins. Foram selecionadas para o estudo as 25 espécies mais citadas em casos de inflamação, dor e febre. Para estas espécies foi realizada uma revisão bibliográfica, buscando estudos sobre sua atividade farmacológica e toxiclógica. Todas as espécies de plantas tiveram seus usos terapêuticos relatados, exceto a Hancornia speciosa e Virola surinamensis. Nas 25 espécies pesquisadas, apenas 13 tem suas indicações terapêuticas de acordo com a literatura existente. Desta forma, reafirma-se necessário o intercâmbio entre o conhecimento científico e o conhecimento popular como instrumento para promoção do uso racional das plantas medicinais, bem como para a seleção de plantas para implementação de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, com garantia de eficácia, segurança e qualidade. Palavras-chave: plantas medicinais, etnobotânica, atividade farmacológica. 1 Introdução O termo etnobotânica foi empregado pela primeira vez em 1895 por Harshberger, que, embora não o tenha definido, apontou maneiras pelas quais ela poderia servir à investigação científica (SCHULTES, 1962). Parafraseando a definição de Posey (1986) para a etnobiologia, pode-se definir a etnobotânica como “a disciplina que se ocupa do estudo do conhecimento e das conceituações desenvolvidas por qualquer sociedade a respeito do mundo vegetal; este estudo engloba tanto a maneira como um grupo social classifica as plantas, como os usos que dá a elas”. A etnobotânica aplicada ao estudo de plantas medicinais, como vem sendo praticada modernamente, trabalha em estreita cumplicidade com outras disciplinas correlatas, como, por exemplo, a etnofarmacologia. Também a antropologia médica, à medida que contextualiza o uso das plantas dentro de um “sistema” médico – se é que se pode chamar assim um corpo do conhecimento que muitas vezes se dilui com o conhecimento próprio a outras instâncias da vida – peculiar de um determinado grupo humano, traz sua contribuição ao entendimento da utilização de plantas para fins curativos (AMOROSO, 1996). Como estratégia para a investigação de plantas medicinais e principalmente para validação dos dados obtidos através da pesquisa etnobotânica, é de extrema importância combinar as informações adquiridas junto a comunidades locais que fazem uso da flora medicinal com estudos químicos, farmacológicos e toxicológicos disponíveis na literatura científica, com o objetivo de corroborar o uso popular e definir parâmetros de eficácia e segurança (Matos, 2000). O objetivo deste trabalho foi avaliar junto aos bancos de dados e fontes públicas de informação, a disponibilidade de dados sobre a composição química, ação farmacológica e toxicidade de vinte e cinco plantas medicinais utilizadas pela população de dez cidades do estado do Tocantins em casos de inflamação, dor e febre. Os resultados obtidos neste trabalho poderão ser usados, futuramente, como instrumento para promoção do uso racional das plantas medicinais, bem como para a seleção de plantas para implementação de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, com maior garantia de eficácia, segurança e qualidade. Material e Métodos 2 Os dados foram obtidos a partir de uma análise retrospectiva de dados secundários, obtidos através do levantamento Etnofarmacológico do Projeto Bosque da Biodiversidade da UNITINS (Universidade do Tocantins) e pertencentes ao banco de dados da Fundação de Medicina Tropical do Tocantins (BATISTA, 2003). A pesquisa foi realizada em 1999. Foram realizadas entrevistas à população de 10 cidades do estado do Tocantins (Araguaína, Araguatins, Colinas, Gurupi, Ipueiras, Lavandeira, Oliveira de Fátima, Palmas, Paraíso e Porto Nacional). Neste caso, selecionaram dentro do estado as três maiores cidades, as três menores, as três mais antigas e a capital. Numa segunda etapa, selecionou-se como objeto de pesquisa os bairros periféricos, onde foram aplicados os questionários através de amostragem aleatória simples. A decisão de pesquisar na periferia é explicada pelo fato de ser o local onde se encontram as melhores referências populares sobre plantas medicinais. As entrevistas foram conduzidas utilizando como instrumento um questionário semi-estruturado, constituído de perguntas abertas e fechadas aplicadas a 7.028 pessoas. Foram entrevistadas 5.799 pessoas do sexo feminino e 1.229 do sexo masculino com idades variadas. Na aplicação do questionário foram registrados nomes populares, parte da planta utilizada, modo de preparação, utilização de planta cultivada ou nativa e outros dados. Das 381 espécies de plantas citadas pelos entrevistados na pesquisa, tomou-se como amostra um grupo das 25 mais citadas, em casos de inflamação, dor e febre. Foi realizado um levantamento bibliográfico e os dados registrados constando o nome científico, nome popular, forma de utilização, indicações terapêuticas e outros dados importantes e específicos de cada planta. Essa revisão foi realizada em fontes primárias, periódicos, artigos e fontes secundárias como livros textos. Resultados e Discussão As informações obtidas na entrevista são relativas a 381 plantas com propriedades medicinais das quais foram selecionadas um grupo de 25 plantas mais citadas em caso de inflamação, dor e febre para uma revisão na literatura científica. São elas: Ageratum conyzoides, Aloe sp., Bryophyllum calycinum, Chenopodium ambrosioides, Citrus aurantium, Cochlospermum regium, Cymbopogon citratus, Eucalyptus globulus, Hancornia speciosa, Justicia pectoralis, Lippia Alba, Malva parviflora, Mentha arvensis, Mentha sp., Mentha pulegium, Ocimum gratissimum, Peumus boldus, Plectranthus barbatus, Psidium pyriferum, 3 Pterodon emarginatus, Punica granatum, Ruta graveolens, Schinus terebenthifoli, Stryphnodendron barbatimam, Virola surinamensis. Em relação ao uso medicinal citado pelos entrevistados, das vinte e cinco espécies de plantas somente treze estão de acordo com a literatura existente. As espécies Justicia pectoralis e Lippia alba foram relatados pelos entrevistados com o uso medicinal em casos de dor e febre. Em ambas, foi verificada apenas a ação analgésica, sendo a ação antitérmica não encontrada na literatura pesquisada (LORENZI, 2002; AGUIAR, 2005). No caso da espécie Peumus boldus, não foram encontrados dados na literatura que comprovem seu uso como analgésico. Com as exceções de Malva parviflora e Hancornia speciosa, todas as outras espécies tiveram seus constituintes químicos principais relatados, os quais estão relacionados com as atividades farmacológicas. Vinte e três espécies de plantas tiveram seus usos terapêuticos relatados, exceto Hancornia speciosa e Virola surinamensis. Os constituintes químicos presentes nas espécies geralmente são bastante variáveis, tanto do ponto de vista qualitativo quanto quantitativo, sendo que diferentes locais de coleta, secagem e diferentes formas de preparo das plantas e seus produtos dificultam a reprodutibilidade dos trabalhos. Além disto, diversos tipos de extratos são utilizados nos testes para diferentes ações biológicas, gerando, conseqüentemente, resultados diferentes. Também é necessário ressaltar que os extratos mencionados nos testes, geralmente, são diferentes da forma de preparo utilizada pela população (VENDRUSCOLO, 2005). Algumas plantas medicinais foram avaliadas quanto aos aspectos toxicológicos em fontes de referência disponíveis. Para Cochlospermum regium, os principais compostos isolados em espécies do gênero Cochlospermum são flavonóides, aspigenina, naringenina, saponinas, taninos, aromadendrina, purina e cochlosperminas. Muitos desses componentes já foram identificados como mutagênicos e carcinogênicos. Entre os quais podem ser citados flavonóides, taninos e os terpenóides. Existem na literatura vários estudos que apontam uma correlação entre mutagenicidade e carcinogenicidade (CASTRO, D. B., 2004). Já com relação a Aloe sp., os principais sintomas do abuso é a diarréia com conseqüente perdas de fluidos e eletrólitos (WHO, 1999). O uso interno diário de preparados que contêm antraquinonas (um dos grupos químicos da babosa) por períodos prolongados (mais de três meses), pode provocar dores abdominais, diarréia sanguinolenta, hemorragias gástricas e nefrite. Os sintomas de intoxicação por consumo excessivo do látex são basicamente: hipocalemia, hiperaldosteronismo, pulso lento e hipotermia. O sintoma mais importante nos quadros de intoxicação é a diarréia (ARAÚJO, E. C., 2007). 4 A ingestão dos frutos de Schinus terebinthifolia, é capaz de provocar intoxicações com diarréia e vômitos (ARAÚJO, E. C., 2007). Doses altas de Peumus boldus ou uso prolongado podem ocasionar perturbações visuais e auditivas e altas doses da essência podem causar irritação renal, vômitos e diarréia. Devido a presença da boldina pode apresentar ainda efeitos narcóticos ou convulsivantes (ARAÚJO, E. C., 2007). Outra planta utilizada tradicionalmente pelos entrevistados é o Citrus aurantium. Sua administração crônica foi associada à ocorrência de alergias (óleos voláteis dos frutos e das flores), eritema, bolhas, pústulas, dermatoses e pontos pigmentados (furanocumarinas encontradas no sumo e nas cascas dos frutos) (VENDRUSCOLO, 2005). Em relação ao Cymbopogon citratus, foi relatada baixa toxicidade. Irritante sobre a pele de animais (óleo), alveolite tóxica após a inalação do óleo e a ingestão acidental de repelente de insetos, contendo citronela, causou intoxicação em uma criança (VENDRUSCOLO, 2005). Conclusões Observando-se os dados encontrados na literatura constatou-se uma carência de estudos que propiciem o uso seguro destas plantas pela população estudada. Algumas das espécies relatadas não foram estudas suficientemente para a obtenção dos seus constituintes químicos e atividades biológicas. Além disso, nossos resultados mostram que a maioria dos dados científicos publicados provêm de trabalhos preliminares e que as atividades biológicas descritas nem sempre podem ser relacionadas com as indicações de uso popular. Por fim este trabalho ratifica a importância do intercâmbio entre o conhecimento cientifico e conhecimento popular como instrumento para o uso racional das plantas medicinais, bem como para a seleção de plantas para implementação de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, com maior garantia de eficácia, segurança e qualidade. Referencias Bibliográficas AMOROSO, M. C. M. A abordagem etnobotânica na pesquisa de plantas medicinais. In: DI STASI, L. C. (Org.). Plantas medicinais: arte e ciência. São Paulo: UNESP, 1996. p 47-68. ARAÚJO, E. C. et al. Uso de plantas medicinais pelos pacientes com câncer de hospitais da rede pública de saúde em João Pessoa (PB). Revista Espaço para a Saúde. Londrina, v.8, 5 n.2, p.44-52, junho 2007. Disponível em: <http://www.ccs.uel.br/espacoparasaude/v8n2/Art %207%20_v8%20n2_.pdf>. Acesso em: 29 maio 2008. BATISTA, H. L.; ANDRADE, A.; SANTOS, W. K. M. Levantamento das plantas de uso medicinal popular mais usadas no Tocantins para o tratamento de doenças tropicais. In: Anais do I Congresso de Saúde Pública Araguaia- Tocantins. Araguaína: Fundação de Medicina Tropical do Tocantins, v. 1, 2003. CASTRO, D. B. et al. Atividades mutagênica e citotóxica do extrato de Cochlospermum regium Mart. (algodãozinho-do-campo) em camundongos. Revista Brasileira de Plantas Medicinais. Botucatu, v.6, n.3, p.15-19, 2004. MATOS, F. J. A. Plantas medicinais – Guia de seleção e emprego de plantas usadas em fitoterapia no Nordeste do Brasil. 2 ed: Imprensa universitária da UFC, Fortaleza, 2000. POSEY, D. A. Etnobiologia: teoria e prática. In: RIBEIRO, B. G. (Coord.). Suma etnológica brasileira. Petrópolis: Vozes, FINEP, 1986. 302p. VENDRUSCOLO, G. S.; RATES, S. M. K.; MENTZ, L. A. Dados químicos e farmacológicos sobre as plantas utilizadas como medicinais pela comunidade do bairro Ponta Grossa, Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Revista Brasileira de Farmacognosia. Porto Alegre, v.15, n.4, p.361-372, out./dez. 2005. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ rbfar/v15n4/a17v15n4.pdf>. Acesso em: 29 maio 2008. WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHO monographs on selected medicinal plants. Geneva: Organização Mundial de Saúde, 1999. v.1. Disponível em: <http://whqlibdoc.who.int/publications/1999/9241545178.pdf>. Acesso em: 08 julho 2008. 6