Espermatozóides transmitem
informação aos filhos sobre estilo
de vida do pai
ANA GERSCHENFELD 04/12/2015 ­ 07:45
Se pensa que só a as futuras mães devem evitar comer e beber de mais,
poderá estar enganado(a). É possível que o estilo de vida do pai também
passe para os filhos via uma espécie de “memória genética”.
Stan Laurel e Oliver Hardy: a obesidade de um pai poderá ser transmitida à sua
descendência via alterações da expressão dos genes DR
A confirmarem­se as conclusões de um pequeno estudo, também os
homens que tencionam ter filhos – e não apenas as mulheres – deveriam
cuidar da sua saúde. Romain Barrès, da Universidade de Copenhaga
(Dinamarca), e colegas publicam
(http://dx.doi.org/10.1016/j.cmet.2015.11.004) esta quinta­feira na
revista Cell Metabolism resultados preliminares que sugerem que o peso
de um homem afecta a informação hereditária contida nos seus
espermatozóides – e que poderá portanto ser transmitido à sua
descendência.
Esta transmissão não é genética – é “epigenética” –, na medida em que
acontece através de uma espécie de “memória hereditária” que não tem
nada a ver com mutações nos próprios genes, mas antes com alterações
da actividade desses genes, produzidas por condições ambientais. Os
processos epigenéticos, que não eram conhecidos quando o papel do
ADN na hereditariedade foi descoberto, há mais de meio século,
tornaram­se hoje incontornáveis para perceber a transmissão de
caracteres hereditários de uma geração para as seguintes.
De facto, sabe­se hoje que o comportamento dos genes pode ser alterado
pela história individual de cada um, mesmo quando o património
genético de base é idêntico. Esses efeitos epigenéticos, ou seja, as
“marcas epigenéticas” assim deixadas no ADN pelo mundo exterior,
podem­se ser de vários tipos: alterações químicas nas proteínas que
“embrulham” o ADN, adição de certos grupos químicos (metil) que, uma
vez ligados ao ADN, mudam a estrutura dessa grande molécula, ou ainda
adjunção de outras moléculas, chamadas pequenos ARN (o ARN é uma
molécula semelhante ao ADN).
As marcas epigenéticas são a seguir capazes de controlar a forma como os
genes se expressam – e em animais como insectos e roedores, existe já
uma massa de resultados experimentais que indicam que estas alterações
podem depois afectar a saúde da descendência, explica em comunicado a
revista científica. Mas no ser humano, pouco ou nada se sabe – para além
do facto que os filhos de pais obesos são mais propensos à obesidade.
O que desencadeou o interesse de Barrès na transmissão entre gerações
de informação epigenética relativa ao estilo de vida foi um estudo,
publicado em 2005, que mostrava que a falta de comida que afectara os
habitantes de uma pequena aldeia sueca durante um período de fome
estava correlacionada com o risco de os netos daquelas pessoas
desenvolverem diabetes ou doenças cardiovasculares. A conclusão
daquele estudo era que o stress nutricional sofrido pelos avós fora
transmitido às gerações futuras precisamente através das tais “marcas
epigenéticas”.
No estudo agora publicado, a equipa de Barrès comparou o perfil
epigenético – ou seja, o catálogo deste tipo de alterações – no ADN dos
espermatozóides de 13 homens magros e de dez homens obesos (o facto
de terem feito o estudo no homem e não na mulher deve­se à muito
maior facilidade de recolher esperma do que ovócitos, salienta o
comunicado).
Os cientistas descobriram então que existiam diferenças notáveis entre
magros e obesos, em particular ao nível de regiões do genoma associadas
ao controlo do apetite.
A seguir, os cientistas estudaram seis homens que tinham sido
submetidos a uma cirurgia para perder peso, determinando o perfil
epigenético dos seus espermatozóides imediatamente antes da operação,
imediatamente depois e um ano mais tarde. E encontraram em média
5000 alterações estruturais – adição de grupos metil e de pequenos ARN
– no ADN dessas células reprodutoras.
Os autores ainda não sabem ao certo o que essas alterações significam
nem o efeito que poderão ter nos filhos, mas acreditam que mostram que
os espermatozóides transportam de facto informação acerca da saúde dos
homens. “Os nossos resultados”, escrevem, sugerem que o epigenoma
dos espermatozóides humanos se altera dinamicamente sob as pressões
ambientais e dão pistas para a forma como a obesidade poderá propagar
as disfunções metabólicas para a geração seguinte.”
Para confirmar essa ligação, explica ainda o comunicado, a equipa está
agora a colaborar com uma clínica de fertilidade no estudo das diferenças
epigenéticas em embriões humanos descartados (na Dinamarca, a lei
estabelece que estes embriões congelados derivados de fertilização in
vitro podem ser utilizados para fins de investigação ao fim de cinco anos
de conservação). Também tencionam recolher sangue do cordão
umbilical dos filhos desses mesmos homens para realizar comparações
adicionais.
“O nosso trabalho poderá levar a mudanças de comportamento de cada
futuro pai, em particular antes de conceber um filho”, diz Barrès. “É bem
sabido que quando uma mulher está grávida, deve cuidar da sua saúde –
não beber álcool, evitar os poluentes e por aí fora. Mas se as implicações
do nosso estudo se confirmarem, isso significa que as mesmas
recomendações também valerão para os homens.”
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