Centro Universitário da GrandeDourados
Revista Jurídica
UNIGRAN
ISSN 1516-7674
Revista Jurídica UNIGRAN
Dourados
v.6
n.11
p. 1- 233
Jan./Jun.
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Revista Jurídica UNIGRAN / Centro Universitário da
Grande Dourados. v. 6, n.11 (1999 - ). Dourados: UNIGRAN,
2004.
Publicação Semestral
ISSN 1516-7674
1. Direito - Periódicos. I. Título.
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Editorial
A Revista Jurídica UNIGRAN da Faculdade de Direito tem
por objetivo divulgar conhecimentos, idéias e trabalhos de pesquisa
na área do Direito desenvolvidos na UNIGRAN - Centro Universitário
da Grande Dourados.
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva de
seus autores. A publicação total ou parcial dos artigos desta revista é
permitida, desde que seja feita referência completa à fonte.
REVISTA JURÍDICA UNIGRAN
Dourados - Mato Grosso do Sul
Rosa Maria D’Amato De Déa
Reitora
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Pró-Reitora de Ensino e Extensão
Rosilda Mara Mussury Franco
Silva
Pró-Reitora de Pesquisa
Conselho Editorial
Carlos Ismar Baraldi
Francisco das Chagas Lima Filho
Helder Baruffi
José Carlos de Oliveira Robaldo
José Gomes da Silva
Maurinice Evaristo Wenceslau
Ricardo Saab Palieraqui
Rubens Di Dio
Pró-Reitor de Administração
Edson Ernesto Ricardo PPortes
ortes
Diretor da Faculdade de Direito
Noemi Mendes Siqueira
Ferrigolo
Capa e
Diagramação
DMU
Departamento Multimídia
U
N
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A
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Coordenadora do Curso de Direito
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SUMÁRIO
PARA QUE A FILOSOFIA DO DIREITO? ATITUDE FILOSÓFICA: INDAGAR .... 11
Fabio Henrique Cardoso Leite
A AUTORIDADE
LEI E DO PODER
DA
DA
AUTORIDADE ...................... 19
Carlos Ismar Baraldi
VISÃO ATUAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
SOBRE O CRIME DE RACISMO .................................................... 29
Gassen Zaki Gebara
GENOMA HUMANO: O DIREITO À INTIMIDADE
E O NOVO CÓDIGO CIVIL ....................................................... 57
Loreci Gottschalk Nolasco
O EFEITO VINCULANTE DA DECISÃO DE MÉRITO DA ADC E A
ANALISE DO CASO CONCRETO COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL ...... 77
Adilson Josemar Puhl
O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE ................................................ 95
Alexandre Sivolella Peixoto
Taísa Queiroz
Fábio Carvalho Mendes
IMPLICAÇÕES CONSTITUCIONAIS, PROCESSUAIS E SOCIAIS DA
PRISÃO CIVIL DO ALIMENTANTE INADIMPLENTE .............................. 105
Ailton Stropa Garcia
ALTERAÇÃO DAS CLÁUSULAS PÉTREAS E O PODER CONSTITUINTE EVOLUTIVO ....... 123
Francisco das Chagas Lima Filho
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O RECONHECIMENTO DOS DIREITOS ORIGINÁRIOS DOS ÍNDIOS SOBRE SUAS
TERRAS TRADICIONAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A EXTENSÃO
DO CONCEITO DE TERRAS INDÍGENASTRADICIONALMENTE OCULPADAS ..............
139
Lásaro Moreira da Silva
CRIMES TRIBUTÁRIOS E ENCERRAMENTO DO RECURSO FISCAL .............. 153
Luiz Flávio Gomes
Alice Bianchini
O SISTEMA CLÁSSICO DA TEORIA DO DELITO - A ANÁLISE DA TEORIA
CAUSAL-NATURALISTA DA AÇÃO E DA TEORIA PSICOLÓGICA DA CULPABILIDADE ... 157
José Carlos de Oliveira Robaldo
Vanderson Roberto Vieira
A IMPORTÂNCIA
DO
TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
PARA
PROTEÇÃO
INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS ........................................... 167
Valério de Oliveira Mazzuoli
LITIGÂNCIA PREJUDICIAL POR CONDUTA CULPOSA ................................. 183
Antonio Zeferino da Silva,
Marcos Pereira Araújo
Robson Orlei Azambuja Carneiro
ALGUMAS QUESTÕES CONTROVERTIDAS DO PROCESSO CAUTELAR ............... 199
Maristela Rodrigues de Lima
PROFISSÃO PROFESSOR: EXIGÊNCIAS ATUAIS - UMA ANÁLISE .................... 213
Pedro Rauber
RESENHA ................................................................................... 225
James Gallinati Heim
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APRESENTAÇÃO
Ao nos ser dado o privilégio de apresentar um novo número da
Revista Jurídica da UNIGRAN, nos vem à memória o momento da
concretização desse ideal, ou seja, quando nos chegou às mãos o
seu primeiro número.
Naquela ocasião muitas questões ainda geravam dúvidas e,
mesmo que se acreditasse no sucesso da empreitada, como a
UNIGRAN sempre acreditou, havia o receio natural e compreensivo
da continuidade da vida daquele novo meio de expressão e
divulgação, pois é perfeitamente sabido que a vida de uma revista
no Brasil, particularmente no campo jurídico, é cheia de incertezas e
acidentes de percurso, que muitas vezes levam ao fim de um projeto,
por melhor que seja.
Entretanto, ao chegarmos ao seu número onze, já no seu sexto ano
de existência, podemos repetir o que já dizíamos na apresentação
do quarto número da revista “ ...o novo número da Revista Jurídica da
Unigran, que já adentra ao novo século com ares de adulta e
consolidada nos meios jurídicos do país...”, o que nos enche de orgulho
– orgulho sadio -, por vermos que o esforço foi recompensado e que
a produção científica no campo do direito tem se alargado e
aprofundado junto aos corpos docente e discente do Centro
Universitário, haja vista que professores de outras áreas têm
colaborado com a revista, além da participação de profissionais de
fora da Instituição, o que bem demonstra a seriedade da publicação.
A Revista Jurídica tem se destacado, desde seu primeiro número,
pela excelência dos artigos que publica, seja do corpo docente ou
discente, seja de colaboradores de fora da instituição.
Neste novo número, não é diferente.
Ao analisarmos os artigos que compõem a revista, verificamos o
desabrochar de novas idéias, de novas linhas de pensamento, do
amadurecimento jurídico e filosófico, particularmente do corpo
docente da Faculdade de Direito da Unigran, amadurecimento que
se deve em parte ao curso de mestrado realizado em convênio da
Unigran com a UnB, mas amadurecimento este que se deve, em maior
grau, à pesquisa, ao estudo, ao desenvolvimento de idéias próprias
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e à procura de um caminho independente para o Curso de Direito da
Unigran, caminho aberto pelos docentes do curso, na busca do
conhecimento e da excelência, pois esta vontade não depende de
forças externas, mas apenas do esforço e perseverança da própria
Unigran, através de seus professores e alunos.
Basta lermos os títulos dos artigos, mas, lendo-se os artigos, chegase á conclusão que esse caminho já começa a ser trilhado, dando-se
um rosto, uma identidade ao Curso de Direito da Unigran, criandose um diferencial na busca de uma formação acadêmica ideal aos
nossos alunos.
Fábio Henrique Cardoso Leite e Carlos Ismar Baraldi instigam a
reflexão em seus artigos, o primeiro no que se refere à finalidade da
Filosofia do Direito e, o segundo, quando trata de um tema polêmico
sobre a autoridade, pois no Estado democrático de direito não mais
se pode admitir o poder que não esteja embasado na lei e na busca
do bem estar coletivo e calcado na ampla discussão dos problemas
e soluções, seja com a sociedade, seja com seus representantes
livremente escolhidos.
Tratando de direitos fundamentais, como o reconhecimento de
direitos dos índios sobre terras – direito fundamental, porque, para o
índio, a terra significa vida – e do respeito à todas as raças, Lázaro
Moreira da Silva e Gassen Zaki Gebara trazem à discussão,
respectivamente, assuntos da mais extrema importância, o primeiro
porque em nossa região é permanente e extremamente grave o
conflito em que vivem os índios, sem esperanças e sem expectativas
e, o segundo, pela relevância universal da questão do racismo,
falando Gebara de recente decisão do Supremo Tribunal Federal,
onde se verifica o extremo cuidado com o qual a questão deve ser
tratada.
Os artigos de Adilson Josemar Phul e de Alexandre Sivolella Peixoto,
Taísa Queiroz, e Fábio Carvalho Mendes nos demonstra a
preocupação dos seus autores com os temas constitucionais, pois a
Constituição é a pedra fundamental da organização jurídica que
sustenta toda nossa estrutura social e política, mostrando tais artigos
o respeito que se deve dar à Constituição, particularmente aos
princípios que a norteiam.
Sem qualquer demérito, mas nos policiando para não nos
alongarmos nesta apresentação, vemos que os demais artigos deste
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número se preocupam com questões tributárias, penais, processo
cautelar e com o exercício da profissão de professor, todos de excelente
nível e da máxima importância, não podendo deixar de ser lidos.
Fechando a revista temos dois artigos que voltam aos direitos
humanos, seja o que trata do Tribunal Penal Internacional, seja o que
trata do genoma humano e do direito à intimidade no novo código
civil. Dois temas de extrema importância, o primeiro tratando da
proteção dos direitos dos povos e, o segundo, de temas da mais alta
indagação, tratando do respeito à própria vida.
Assim, ao chegarmos ao décimo-primeiro número desta revista nos
honra e nos apraz apresentá-la novamente, ou melhor, apresentar
seus artigos, pois a Revista Jurídica da Unigran já prescinde de
apresentação, considerando-se a sua excelência e ter sido um projeto
que se concretizou ao longo destes últimos anos, sempre procurando
se aperfeiçoar na produção de textos que demonstram a preocupação
da instituição, de seus professores, de seus alunos e seus
colaboradores, em trilharem caminhos que realizem os ideais que
norteiam os mais nobres pensamentos, ou seja, os ideais que
encontrem a igualdade, a liberdade e a solidariedade entre os povos,
buscando a justiça e o bem estar de cada um e de todos, obrigação
ética de todo ser humano.
Edson Ernesto Ricardo Portes
Diretor da Faculdade de
Direito da UNIGRAN
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PARA QUE FILOSOFIA DO DIREITO? ATITUDE
FILOSÓFICA: INDAGAR
Fábio Henrique Cardoso Leite¹
Resumo:
Sobre a perspectiva do indagar “ Para que Filosofia do Direito” o autor
destaca a importância da Filosofia para a formação do jurista e do
acadêmico de Direito.
Palavras-Chaves: Análise crítica- Filosofia- Conhecimento
“O que pretendo sob o título de filosofia, como fim e campo das minhas
elaborações, sei-o, naturalmente. E, contudo não-o sei... Qual o pensador
para quem, na sua vida de filósofo deixou de ser um enigma?... Só os
pensadores secundários que, na verdade, não se podem chamar filósofos,
estão contentes com as suas definições”. (Husserl)
A pergunta “Para que Filosofia do Direito?” tem sua razão de ser.
A resposta para esta pergunta, podemos definir da seguinte
maneira: A filosofia do Direito parte de dogmas pré-estabelecidos
para indagações, transcendendo o conhecimento positivo através de
uma análise crítica, que levará a um conhecimento mais completo e
justo tanto da interpretação como da aplicabilidade das leis. Daí, a
fundamental e absoluta importância do direito, que, por seu caráter
universal, torna-se passível de uma investigação filosófica em busca
da realidade jurídica.
Como podemos perceber, o conhecimento não é dado a nós,
seres humanos, como uma faculdade inata, produzida naturalmente
por herança genética e crescimento biológico. Nós precisamos
aprender a pensar e nos dedicamos a isso ao longo de toda a nossa
vida. Essa aprendizagem depende de duas coisas: da convivência
com outras pessoas e da reflexão sobre nossos próprios pensamentos.
Se nos inspirarmos nas origens do pensamento ocidental
verificamos que a palavra Filosofia significa amizade ou amor pela
¹ Professor de Filosofia do Direito da UNIGRAN, Mestrando em História/UFMS
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sabedoria. Os primeiros filósofos gregos não concordaram em ser
chamados de sábios, por terem consciência do muito que ignoravam.
Preferiam ser conhecidos como amigos da sabedoria, ou seja, filósofos.
Ao tentarmos definir o que é Filosofia, somos projetados
diretamente para dentro da filosofia, ou seja, somos levados a filosofar.
O que teria marcado o surgimento da filosofia seria precisamente a
colocação desta pergunta sobre o ser, sobre o Ser do que é (=os entes,
as coisas) e, posteriormente, sobre o Ser em si mesmo considerando,
como diverso do não Ser. A primeira dessas indagações aparece
historicamente naqueles pensadores que formaram a chamada Escola
Jônica, na Grécia do séc. V a.C., encabeçada por Tales de Mileto,
seguido por Anaximandro e Anaxímenes, que com ela desenvolveram
um estudo da física, ao procurar estabelecer o(s) princípio(s) que
governava(m) a organização cósmica. A segunda pergunta aparece
no famoso poema de Parmênides², e instaura um tipo de reflexão que,
posteriormente, passará a se chamar de metafísica.
A pergunta por “o que é isto, a Filosofia?” não só nos remete
aos primeiros filósofos, mas também a outros, bem mais próximos
de nós, no tempo e no espaço. Isso porque essa pergunta foi colocada
pelo filósofo contemporâneo Martin Heidegger. Por outro lado, se
dissermos que é próprio da filosofia indagar “o que é isto: um ente”
e “o que é que é Ser”, e se fizermos a pergunta se voltar sobre ela
mesma, a filosofia, perguntando “o que é isto, a filosofia, que indaga
sobre o que é isto e o que é que é Ser?”, estamos nos propondo a
“discorrer filosoficamente sobre a filosofia”.
O trabalho filosófico é essencialmente teórico. Mas isso não
significa que a filosofia esteja à margem do mundo, nem que ela
constitua um corpo de doutrina ou um saber acabado com
determinado conteúdo, ou que seja um conjunto de conhecimentos
estabelecidos de uma vez por todas.
A teoria do filósofo não constitui um saber abstrato. O próprio
tecido do seu pensar é a trama dos acontecimentos; é o cotidiano.
Por isso a filosofia se encontra no seio mesmo da história. No entanto,
²
O poema de Parmênides é exatamente assim, um mito, uma lenda de ascensão celeste, e nessa ascensão é que
lhe é revelado que “ o ser é” e “o não-ser não é”.Alguns autores indicam, como contraposta à via do ser,
caracterizada pela discriminação do ser e do não ser pela verdade, a via da aparência, caracterizada pela opinião,
nas quais não há uma confiança desvelante. Contrapondo-se à discriminação da verdade, a opinião constitui o
caminho de quem não distingue ser de não ser. http://www.enciclopedia.com.br/med2000/pedia98a/filo7fvl.htm.
acesso: 20de maio de 2004.
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está mergulhada no mundo e fora dele: eis o paradoxo enfrentado
pelo filósofo. Isso significa que o filósofo inicia a caminhada a partir
dos problemas da existência, mas precisa se afastar deles para melhor
compreendê-los, retornando depois a fim de subsídios as mudanças.
No campo da ciência, a filosofia está ligada à ciência, sendo
o filósofo o sábio que reflete todos os setores da indagação humana.
A partir do século XVII, a revolução metodológica iniciada por Galileu
Galilei promove a autonomia da ciência e o seu desligamento da
filosofia. Na verdade o que estava ocorrendo era o nascimento da
ciência, como entendemos modernamente.
A filosofia trata da mesma realidade apropriada pelas
ciências. Apenas que as ciências se especializam e observam “recortes”
do real, enquanto a filosofia jamais renuncia a considerar o seu objeto
do ponto de vista da totalidade
totalidade. A visão da filosofia é de conjunto
conjunto,
ou seja, o problema tratado nunca é examinado de modo parcial,
mas sempre sob a perspectiva de conjunto, relacionando cada aspecto
com os outros do contexto em que está inserido.
A filosofia não faz juízos de realidade, como a ciência, mas
juízos de valor. O filósofo parte da experiência vivida do homem
trabalhando na linha de montagem, repetindo sempre o mesmo gesto,
e vai além dessa constatação. Não vê apenas como é, mas como
deve ser. Julga o valor da ação, sai em busca do significado dela.
Filosofar é dar sentido à experiência.
É mister lembrar que a necessidade da filosofia está no fato
de que, por meio da reflexão, a filosofia permite ao homem ter mais
de uma dimensão, além da que é dada pelo agir imediato no qual o
homem prático
“homem
prático” se encontra mergulhado.
É a filosofia que dá o distanciamento para a avaliação dos
fundamentos dos atos humanos e dos fins a que eles se destinam; reúne
o pensamento fragmentado da ciência e o reconstrói na sua unidade;
retoma a ação pulverizada no tempo e procura compreendê-la.
Enfim, a filosofia é a possibilidade da transcendência
humana, ou seja, a capacidade que só o homem tem de superar a
situação dada e não-escolhida. Pela transcendência, o homem surge
como ser de projeto, capaz de liberdade e de construir o seu destino.
A filosofia exige coragem. Filosofar não é um exercício puramente
intelectual. Descobrir a verdade é ter a coragem de enfrentar as formas
statu quo
estagnadas do poder que tentam manter o “statu
quo”, é aceitar o
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desafio da mudança. Saber para transformar.
Depois desta abordagem sobre a importância da filosofia,
podemos adentrar mais diretamente sobre o tema inicial: Para que
serve a Filosofia do Direito?
O termo Filosofia do Direito pode ser empregado em acepção
lata, abrangente de todas as formas de indagação sobre o valor e a
função das normas que governam a vida social no sentido do juízo,
ou em acepção estrita, para indicar o estudo metódico dos
pressupostos ou condições da experiência jurídica considerada em
sua unidade sistemática.
No primeiro sentido, Filosofia do Direito corresponde, em
última análise a um pensamento filosófico da realidade jurídica, e é
sob este enfoque que se fala na Filosofia do Direito. Não se deve
estranhar que tenha havido pensamento filosófico-jurídico desde
quando surgiu a Filosofia, no ocidente ou no Oriente, em cada área
cultural segundo distintas diretrizes.
Se onde está o homem aí está o Direito, não é menos certo
que onde está o Direito se põe sempre o homem com a sua inquietação
filosófica, atraído pelo propósito de perquirir o fundamento das
expressões permanentes de sua vida ou de sua convivência.
Visa a Filosofia do Direito em primeiro lugar, indagar dos títulos
de legitimidade da ação do jurista. O advogado, ou juiz, enquanto
se dedicam às suas atividades, realizam certa tarefa, cumprem certos
deveres. A segunda ordem de questão refere-se aos valores lógicos
da Jurisprudência ou da Ciência do Direito. A que critérios devem
manter-se fiel o jurista para poder ordenar a experiência social com
coerência e rigor de ciência? O problema lógico une-se assim ao
problema ético, formando ambos um todo harmônico, unitário, que
só por necessidade de análise haveremos de separar. Dessa
correlação resulta um perene esforço, quer do legislador, quer do
jurista, no sentido de estabelecer adequação cada vez mais precisa e
prática entre os esquemas lógicos da Ciência do Direito e as infraestruturas econômico-sociais, segundo os ideais éticos que informam
e dignificam a coexistência humana. É assim que exigências lógicas,
éticas e histórico-culturais, compõem a trama dos assuntos
fundamentais pertinentes à Filosofia do Direito.
Um dos principais juristas contemporâneo, Miguel Reale,
procurou mostrar em sua tese que o Direito é uma realidade
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tridimensional, compreendida através da soma de três fatores básicos:
fato + valor + norma, (como, a bem da verdade, muitos autores
antecedentes já haviam defendido), associados, por seu turno,
entretanto, não através de uma forma simplesmente abstrata, mas
sim num contexto essencialmente dialético, compreendido pela
própria dinâmica do mundo real. Em sua explanação teórica, Reale
argumentou, com mérita propriedade, que os três elementos
dimensionais do Direito estão sempre presentes na substância do
jurídico, ao mesmo tempo em que são inseparáveis pela realidade
dinâmica da essência do próprio Direito, formando o contexto do
denominado tridimensionalismo “concreto” que virtualmente se opõe
ao tridimensionalismo “abstrato” que o antecedeu.
Se, portanto, deixarmos de lado, por enquanto, os objetos com
os quais a Filosofia do Direito se ocupa, veremos que a atitude
filosófica possui algumas características que são as mesmas,
independentemente do conteúdo investigado. Essas características
são:
Perguntar o que a coisa, ou o fato
fato, ou a idéia, é. A Filosofia
do Direito pergunta qual é a realidade ou natureza e qual é a
significação de alguma coisa, não importa qual;
Perguntar como a coisa, a idéia ou o valor
valor, é. A Filosofia do
Direito indaga qual a estrutura e quais são as relações que constituem
uma coisa, uma idéia ou um valor;
Perguntar por que a coisa, a idéia ou a norma existe e é
como é. A Filosofia do Direito pergunta pela origem ou pela causa
de uma coisa, de uma idéia, de um valor.
A atitude filosófica inicia-se dirigindo essas indagações ao
mundo que nos rodeia e às relações que mantemos com ele. Pouco a
pouco, porém, descobre que essas questões se referem, afinal, à nossa
capacidade de conhecer, à nossa capacidade de pensar.
Neste sentido, podemos perceber que na esfera transcendental
ou filosófica, o ser do direito a cargo da Filosofia do Direito, enquanto
que a cada uma das dimensões do Direito, - fato, valor e norma –
correspondem uma das partes principais da Filosofia do Direito, ou
seja, respectivamente, a culturologia jurídica (fato), deontologia
jurídica (valor) e a epistemologia jurídica (norma).
É evidente que estas explicações são realidades que não
devem e nem podem ser vistas e analisadas como estanques. Devem,
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ao contrário, ser encaradas e estudadas como visões
completamentares do Direito, procurando traduzir a real substância
complexa da verdadeira explicação do próprio fenômeno da
existência jurídica.
Espírito Crítico
Crítico: os problemas e enfoque do Direito e da
realidade jurídica. Inegavelmente, o substrato da norma jurídica se
traduz por seu próprio conteúdo. O grande problema que se depara
o Direito, entretanto, está justamente na variabilidade do conteúdo
da norma que alcança expressões jurídicas e expressões não-jurídicas
transcendentes, pois a substância da realidade da existência do
jurídico é extremamente complexa e compreende também os fatos
sociais e a sua conseqüente valoração intrínseca.
Por isso mesmo, alguns estudiosos entendem que há
incontestáveis dimensões e planos do conhecimento jurídico e, sob
esta ótica, Miguel Reale, entre outros, tão somente procurou polarizar
o Direito em três âmbitos fundamentais.
Isto não quer dizer, todavia que Miguel Reale não possa ser
visto também como um normativista, a exemplo de Hans Kelsen; mas
apenas que procurou lançar novas perspectivas para analisar a
realidade complexa do Direito, construindo um objeto abstrato da
ciência (como categoria jurídica), delimitando (para ser mais bem
entendido) e não isolado, permitindo entender melhor as relações
internas do próprio fenômeno Jurídico.
Afinal qual a importância da Filosofia do Direito?
A Filosofia do Direito ou a jusfilosofia, assume cada vez mais
a postura criadora, crítica e de certa forma revolucionária. Inicia-se
com a problematização dos fundamentos epistemológicos do saber
jurídico tradicional e ao fazê-lo internaliza os questionamentos do
pensamento social de modo geral.
É fundamental que a Filosofia do Direito saia das universidades
e passe a pensar o Direito a partir do ponto de vista daquelas classes,
se não por uma postura ideológica, pelo menos para que não fique
alheia à vontade de seu tempo. Mas, de nada adiantará falar sobre
uma reforma se não se estivermos com espírito crítico, imbuído no
sentido da Filosofia Jurídica, imprimida aos novos textos legais. A
nova Filosofia tomada pelo Código implica modificar a mentalidade
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do Juiz para fazer atuar o processo como instrumento de resultado.
Terá de se implantar uma nova filosofia nos julgadores para poder
dinamizar a reforma implantada.
Vale a pena ressaltar que nenhuma lei se esgota por si mesma
e não é o seu enunciado que ditará o rumo exclusivo a ser tomado. A
interpretação que vier a ser dada é que ditará o seu dinamismo. Por
isso é que deve-se ter o texto legal apenas como um referencial, um
norte, que irá indicar ao intérprete e aplicador o caminho a ser seguido.
Cabe aos juristas, consolidar essas conquistas, reforçando o
sentido do Direito também como um espaço estratégico de extrema
importância (política), para a efetiva transformação da realidade rumo
a uma sociedade mais igualitária e democrática.
Enfim, a discussão do valor da Filosofia, deve ser estudada,
não em virtude de algumas respostas definitivas às suas questões,
visto que nenhuma resposta definitiva pode, por via de regra, ser
conhecida como verdadeira, mas sim em virtude daquelas próprias
questões; porque tais questões alargam nossa concepção do que é
possível, enriquecem nossa imaginação intelectual e diminuem nossa
arrogância dogmática que impede a especulação mental; mas acima
de tudo porque através da grandeza do universo que a Filosofia
contempla, a mente também se torna grande e se torna capaz daquela
união com o universo que constitui seu bem supremo.
A Filosofia do Direito, como todos os outros estudos, visa em
primeiro lugar o conhecimento. O conhecimento que ela tem em vista
é o tipo de conhecimento que confere unidade sistemática ao corpo
das ciências, bem como o que resulta de um exame crítico dos
fundamentos de nossas convicções, de nossos pré-conceitos e de
nossas crenças.
Após esta breve reflexão, percebemos que o fenômeno jurídico e a
filosofia andam juntos, e que não podemos fazer operacionalizar o
direito sem o mínimo de conhecimento filosófico.
A busca da justiça é um caminho que tem de ser percorrido de
forma consciente. Não podemos nos distanciar da tradição, da
história e dos conceitos elementares. Eis porque a filosofia nos
direcionará à busca do conhecimento do direito. Poderemos sem
pretensões outras dizer: onde está o direito aí estão presentes os
elementos de filosofia.
O saber filosófico e o jurídico, na verdade, são complementares.
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O direito busca encontrar os elementos de justiça no sujeito para que
ele possa ser contemplado pelo ideal de justiça em sua plenitude.
Por outro lado, a filosofia, procura na realidade do cotidiano do sujeito
estabelecer uma relação entre a vida presente e as condições históricas
do indivíduo.
Ademais, não podemos eliminar as possíveis relações existentes
no campo da compreensão do direito e da filosofia, pois tanto os
mecanismos do direito que regulam os direitos individuais e coletivos
do cidadão, quanto o conhecimento racional da verdade e do próprio
fenômeno jurídico são essenciais na vida dos sujeitos em sociedade.
Bibliografia
ADEODATO, João Maurício. F ilosofia do Direito
Direito: uma crítica à
verdade na ética e na ciência. 2 ed. São Paulo : Saraiva, 2002.
ARANHA, Maria Lucia de Arruda. Filosofando
Filosofando, Introdução à Filosofia.
2 ed. São Paulo: Moderna, 1993.
Jurídica 4 ed. São
COELHO, Fábio Ulhoa. Roteiro de Lógica Jurídica.
Paulo: Saraiva, 2001.
Direito 17 ed. São Paulo: Saraiva, 1996.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito.
ridimensional do Direito
REALE, Miguel. Teoria TTridimensional
Direito. 5 ed. São Paulo
: Saraiva, 1994.
MENDES, Juscelino V. Zetética e Dogmática
Dogmática. Página de Juscelino
Vieira Mendes, seção “Direito”. Sítio Campinas, 2003.
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A AUTORIDADE DA LEI E O PODER DA
AUTORIDADE
Carlos Ismar Baraldi1
Resumo:
A interpretação constitui um importante tema do Direito, em particular
aquela produzida pelo juiz no caso concreto. Neste sentido, o artigo aborda
a questão da interpretação jurídica no contexto atual, destacando a
autoridade da lei e o poder da autoridade.
Palavras-Chaves: Análise crítica- Filosofia- Conhecimento
Recentemente, ao ler parte disponível de um discurso de posse de um
novel desembargador, deparei com um trecho onde afirmou que o “
exercício da jurisdição pode abranger a proteção dos jurisdicionados
contra a própria lei, quando se evidenciar que ela é mera expressão do
poder e do arbítrio dos mais fortes”.
Se o que li é o que entendi, ressalva que faço por ter em mãos apenas
parte do discurso do ilustre magistrado, parece que está a afirmar que
recusará a aplicação da lei ao caso apresentado, se entender que ela é
expressão do poder e do arbítrio dos mais fortes. Isso implica,
primeiramente, a afirmação da possibilidade de um juízo de valor sobre
o poder (significando status social, econômico, político etc.) dos
litigantes e, depois, desvalorizar a autoridade normativa da lei no sistema
jurídico nacional, ao invés de interpretar e aplicar. Diante do fato e não
obrigatoriamente para, ou em razão dele – posto a ressalva –, ocorreume esta reflexão, que permito expor, tendo como alvo os alunos da
Faculdade de Direito da Unigran, na tentativa de proporcionar-lhes o
debate que a questão suscita.
1. A lei e a autoridade
No estado democrático de direito, a lei traduz, porque deve traduzir,
máxima soberania
a vontade soberana do povo (máxima
soberania) e o seu
1
Professor da UNIGRAN. Advogado em Dourados-MS.
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cumprimento é tudo o que se espera de cada um, verdade que realça
mais às autoridades, que só o são em função da existência da lei.
Só a lei pode criar a autoridade, pois, sem ela e sem o seu estrito
cumprimento, o que se deve ter em mente é a igualdade entre as
pessoas, princípio esse, inicialmente, refratário à idéia de alguém
poder sobrepujar a outrem. Se não fosse assim, o conceito de
autoridade estaria camuflado no de força.
Originalmente, portanto, a autoridade é dada a alguns pela lei do
Estado, que tem a força de fazê-lo, por respaldo de todos os outros
indivíduos, que não têm essa autoridade, mas que por conveniências a
criaram, transmitiram a alguém através da lei, e se sujeitaram a acatá-la.
Essas conveniências, como se sabe, estão calcadas, em sua maioria,
no desejo de garantir os direitos fundamentais de primeira geração
(dignidade, liberdade, vida, propriedade), os quais o indivíduo pode
impor (opor) ao próprio Estado.
2. O poder da autoridade
Entenda-se, entretanto, que apesar do poder de oposição
daqueles direitos ao Estado, só a autoridade do Estado é capaz
de garanti-los ao indivíduo, mesmo apesar da sujeição que este
pode exigir do próprio Estado, quanto àqueles direitos. Aqui se
revela uma espécie de garantia do “poder do poder”, isto é, a
possibilidade de se poder opor a quem tem o “poder”, o próprio
poder, como decorrência da lei (de sujeitar-se, pois, se ele, o poder,
puder deixar de se impor, deixará de constituir-se em poder,
independentemente de quem é aquele que fica obrigado a
sujeição). Entende-se que, se o poder não puder se opor, inclusive
ao próprio Poder, romper-se-á a força da lei, que é a fonte de
ambos, pondo fim à própria existência da organização criadora,
o Estado.
Essa é, segundo a realidade, a conveniência de que antes se
falou. Convém ao homem submeter-se ao poder; convém ao
indivíduo abrir mão de parcela significativa de sua liberdade,
criando uma organização, o Estado, dando-lhe a força do poder;
convém ao homem que exista o poder, pois, só assim tem ele a
oportunidade (e a força: rectius = poder) para que o poder se
2 0
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oponha, em seu nome, ao poder do Estado, exigindo que este se
sujeite, respeite e cumpra os direitos fundamentais de primeira
geração e em geral.
Como podemos notar, toda a idéia de poder reside na
autoridade da lei, na supremacia desta a toda vontade individual,
ainda que emanada de pessoa que detenha autoridade, pois esta
é decorrência daquela. Inconcebível o contrário. Arbitrária, ilegal
e injusta, toda contraposição a esse pensamento.
3. O poder e a igualdade
O princípio da igualdade, mesmo do ponto de vista da
natureza, coloca cada homem ao lado de seu semelhante.
Relembramos que é a conveniência de todos que faz nascer o
Estado organizado, com poderes de submeter a todos a uma
coexistência comum. Quem adquire a autoridade fá-lo por força
da lei do Estado, que nada mais é do que o conjunto das vontades
dos indivíduos, que deles próprios foi retirada, exatamente para
dar supremacia àquela organização representativa.
Daí não poder qualquer autoridade, haurir poderes superiores
ao da própria lei, pois, admitir-se esta hipótese seria permitir a
sobreposição do todo pela parte, do conteúdo pelo continente,
da criatura sobre o criador
criador..
Indiscutivelmente, é a autoridade da lei que confere o poder a
autoridade, o que faz concluir que este (o poder) é sempre menor
do que aquela (a lei), constituindo afronta, a subversão das idéias.
É a força da política, o abuso e o excesso impunidos, que
transmudam essa realidade, fazendo crer que se pode tanto mais
do que em verdade se pode. A aparente divindade de certas
autoridades nasce de exagero ilegítimo, pois, no fundo, são
apenas suas mentes que dançam como átomos
átomos, fazendo-as
crer em uma realidade que não existe, mas que não é suficiente,
para elevá-las a um lugar além do comum.
Assim: da autoridade da lei nasce o poder da autoridade, que
ela dá e retira, segundo os critérios da regra que contém. O poder,
no sentido aqui tratado, só existe quando existir a lei, mas esta tem
de preexistir para que aquele nasça. O poder da autoridade é
conseqüência da lei, portanto, é transitório e passa; a autoridade
2 1
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da lei é permanente e fica. Por isso prepondera sobre aquele.
Daí considerar-se o poder da lei indisponível, mesmo aos
Poderes e aos seus representantes, que detêm parcela de
autoridade por força dela. A injustiça do arbítrio exagerado não
se justifica, está fora dos limites normativos, porque não
caracteriza nem aplicação e nem interpretação. Mesmo que
alguém diga que a lei é “ruim”, não pode deixar de observá-la,
pois, essa será uma consideração de ordem pessoal, ideológica,
não funcional, a qual só pode ser realizada pelo Poder Legislativo,
encarregado desse mister.
6. O poder do juiz
Insisto: o juiz ou tribunal tem o poder da jurisdição, a lhes permitir
aplicar o direito. Da lei receberam essa autoridade que propicia a
aplicação e a interpretação autêntica do direito, mas, jamais, de suas
opiniões pessoais. Esse poder, entretanto, não permite recusar uma
lei formalmente em ordem, o que importa negar a jurisdição, além
de invasão de outro Poder da República, o Legislativo.
Posta a proposição inicial de maneira ostensiva, a negativa de
jurisdição implica possibilidade de punição do juiz, que não pode
fugir de suas atribuições só por teimosia. Sua autoridade legal não
permite insubordinação a autoridade da lei, que ele deve interpretar
dentro do sistema. Sua consciência é livre para a realização da justiça,
mas seu proceder está regrado de maneira maior, não lhe permitindo
se quer decidir fora do sistema e depois escolher uma norma para
justificar ficticiamente a decisão, como se a tivesse interpretado. “O
juiz, porém, está submetido às leis, decide como a lei ordena; é o
executor e não o criador da lei. A sua função específica consiste na
aplicação do direito.”2
O juiz não pode voltar ao momento legislativo da norma e achar
mera expressão do
que ela é boa ou ruim, legítima ou ilegítima, “mera
poder e do arbítrio dos mais fortes
fortes”. Se assim fizer, estará
opinando pessoalmente, estará chamando para si a possibilidade
de dizer quem é o mais forte, para o Direito, naquele caso, o que só
2
FERRARA, Fracesco. Como aplicar e interpretar as leis
leis.. Belo Horizonte: 2002, p. 9.
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é permitido, se estiver em questão ou, em casos especiais, se o
ordenamento permitir. Isso, na visão inatacável de Carlos
Maximiliano, de “substituir a lei (vontade geral) pelo juiz (critério
individual), conforme a corte chefiada pelo Professor Kantorowicz, seria
retrogradar;”3
Cumpre lembrar que o poder de julgar está vinculado a sua origem.
Fosse o juiz, nesse mister, simples pessoa do povo, apenas cidadão,
ainda poderia dizer-se autorizado pela Constituição Federal, em
face do conteúdo de seu artigo 1º, parágrafo único, a descumprir, já
que nessa ordem, nesse universo, seria detentor da máxima
soberania, “e o cidadão que detém a soberania popular e, portanto,
o poder de elaborar a lei, tem o poder, igualmente, de deixar de
cumpri-la, ou a qualquer ato de autoridade, para exigir a sua
revogação ou a sua alteração (...)”.4
Comparando, aqui também não parece ter lugar a corrente de
interpretação do moralismo jurídico, porque constitui abuso. “Em tal
caso o intérprete que diz buscar o espírito da Constituição tende
inevitavelmente a apresentar como “espírito da Constituição” as suas
opiniões pessoais.”5
7. Noções sobre interpretação
“A interpretação deve ser objetiva, equilibrada, sem paixão,
arrojada por vezes, mas não revolucionária, aguda, mas sempre
respeitadora da lei.”6 Sóbria e esclarecedora a noção de objetivo da
interpretação, fornecida por Ferrara.
Apesar da interpretação se exercitar por vários processos, interpretar
(explicar, esclarecer, dar o sentido a um vocábulo, texto, gesto;
reproduzir o pensamento por outras palavras), segundo ensina Carlos
Maximiliano7 é uma coisa só, única, e a diferença que dela se faz,
refere exclusivamente às fontes das quais emana, jamais daquilo em
que verdadeiramente consiste.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 18 ed, p. 79.
civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, 2 ed, p. 7 e 8.
GARCIA, Maria. Desobediência civil
5
DIMOULIS, Dimitri. Artigo: Moralismo, Positivismo e Pragmatismo na Interpretação do Direito Constitucional.
Revista dos TTribunais,
ribunais, 769/15.
6
FERRARA, Fracesco. Como aplicar e interpretar as leis
leis.. Belo Horizonte: 2002, p. 8.
7
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito
direito. Rio de Janeiro: Forense, 18 ed, p. 106.
3
4
2 3
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Segundo esse modo de ver, chamamos de interpretação autêntica,
aquela realizada pelo juiz, porque em sua atividade ocorre a
interpretação-aplicação do direito, forma mais pura de conceber o
sentido da norma. Seu elemento subjetivo, entretanto, é o poder de
que dispõe, o poder geral de coação, próprio do Poder Judiciário.
A outra interpretação, realizada pelos demais operadores do
direito, restrita ao campo da só reflexão, é chamada de doutrinária.
Apesar do nome desta e da concepção da anterior, esta é, no fundo,
mais autêntica do que aquela, porque revela, em essência, um ato
de liberdade, produto do intelecto, sem as amarras de qualquer dever,
ligação a Poder, ou autoridade. Seu elemento subjetivo, como se
percebe, é o convencimento puro.
Compara-se a norma a uma noz, para traduzir a idéia de que aquilo
que dela se deseja, está envolvido por uma couraça. Ou seja, a vontade
estatal vem guardada dentro de um conjunto de palavras. Só
penetrando (interpretando) a casca é que se alcança o sentido. Jamais
entender que a couraça faz o fruto: apenas o guarda; o acomoda. “A
lei, porém, não se identifica com a letra da lei. Esta é apenas um meio
de comunicação: as palavras são símbolos e portadores de
pensamento, mas podem ser defeituosas”, ensina Ferrara.8
Interpretar uma norma jurídica, portanto, é muito mais do que
simplesmente traduzir as letras, as palavras ou textos, pelos quais um
pensamento se apresentou ao mundo exterior. Interpretar é encontrar a
vontade estatal guardada nas letras da lei. É atribuir significado, sentido
anímico e sistemático, aos símbolos lingüísticos do enunciado. Se fosse
só a tradução, os filólogos e professores de linguagem seriam os
maiores juristas de todos os lugares, quando sabemos que não são.
A atividade de interpretar impõe uma ação cognoscitiva que
permita externar o pensamento guardado, o conteúdo que os símbolos
lingüísticos procuraram traduzir, os quais, entretanto, acabaram por
levar o pensamento do leitor a uma situação de indeterminação. “As
palavras – observou Hospers – são como rótulos que colocamos nas
coisas, para que possamos falar sobre elas: ‘Qualquer rótulo é
conveniente na medida em que nos ponhamos de acordo com ele e
o usemos de maneira conseqüente...”9
FERRARA, Fracesco. Como aplicar e interpretar as leis
leis.. Belo Horizonte: 2002, p. 24.
OLIVEIRA, Luís Maurício Sodré. Notas sobre a interpretação do Direito. Tribuna da Magistratura 157,
setembro/99.
8
9
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Portanto, quando o juiz interpreta-aplica a norma jurídica, ele a
retira de seu sepulcro textual, interrompendo seu sono abstrato,
impondo que opere no mundo real do caso concreto (sua
interpretação é autêntica). Como se nota, ele não a cria – e nem pode
criar –, porque o sistema de normas já existe antes de sua ação, o
que o impede de externar algo novo, inédito, senão o seu
entendimento, ainda que muito próprio, mas sempre daquilo que já
existe. Lembremos que se está falando de interpretação de norma.
Quando aludimos a entendimento muito próprio, devemos
restringir o pensamento, para que a idéia de pessoalidade e
autonomia não transcenda os umbrais da hermenêutica. É que,
se houve um estado de indeterminação do pensamento a justificar
uma interpretação, não se pode pensar em conclusão única, devendo
ser consideradas todas as variantes possíveis, cabendo ao intérprete
escolher e adotar a que o convenceu. Seguem-se: norma, estado de
indeterminação, interpretação e convencimento.
Do outro lado da balança, apesar do caráter multiforme que os
significados dos símbolos lingüísticos têm, prestigiando a variedade
de interpretação, não pode o aplicador imaginar que tem aí um salvo
conduto para transformar o ilegal, o ilícito e o injusto, em seus opostos.
O sistema o impede de agir assim, na medida em que o “direito se
aplica (= interpreta) por inteiro, como totalidade, e não aos pedaços,
ou em tiras.”10
É no sistema que a amplitude de interpretar esbarra, sendo certo
afirmar ainda, que além da interpretação ter de se pôr em correlação
com os símbolos lingüísticos do texto do qual foi extraída, não pode
destoar do sistema ao qual pertence. “Por isso mesmo, é incabível a
interpretação/aplicação do direito ao sabor de emoções e/ou de
casuísmos – ou amadoristicamente [a interpretação/aplicação do
direito reclama outras virtudes além da alfabetização...].”11 Entre o
caráter geral e obrigatório da norma e o particular do caso
apresentado é que medeia a interpretação do juiz. Não fora, pois, a
possibilidade de várias interpretações existe na correlação da norma
com o particular de cada caso, jamais como uma permissão para se
violar a segurança jurídica.
GRAU, Eros Roberto. Validade, Licitude e Legalidade; Operação BOX: Penalidade Imposta pela Comissão de
ribunais, 728/91.
Valores Mobiliários Revista dos TTribunais,
11
__________________. Idem, idem RT-728/85.
10
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Como se nota, mesmo podendo interpretar, não pode tudo o juiz,
sendo insustentável supor que possa construir a interpretação pelo só
fato de ter a autoridade de julgar, pelo poder de jurisdição que tem,
olvidando que a norma se prende aos símbolos lingüísticos que a
traduzem e ao sistema a que pertence, indissoluvelmente.
Isso significa que a interpretação se põe sobre norma pré-existente
e se justifica pela indeterminação do pensamento. E, ainda quando
faça assim o juiz, estará preso às variantes possíveis. Se não o fizer,
interpreta-julga abusando do poder, por camuflar um julgamento
ilegal que proferiu, com uma fundamentação totalmente falsa (perante
sua consciência) e descabida (perante o ordenamento).
7. Considerações Finais
O Magistrado não necessita ser o deus, nem o pastor
pastor,, tampouco
o santo salvador das almas. Não precisa se afastar do fórum
para acercar-se do parlamento. Basta ser intérprete e aplicador da
norma. Imaginamos quantos desatinos pode proporcionar aquele
modo inicial de pensar e agir, na esfera criminal. De repente, poderia
o juiz entender uma conduta expressamente tipificada no Código
Penal, como lícita; ou pior que isso, uma conduta atípica, como
delituosa. Sim, pois, se pode recusar a norma para não aplicar, terá
de poder criar para aplicar, ou então a lógica não é lógica
lógica.
Negar tal evidência é incorrer na aporia de não “querer aceitar/
interpretar o direito “tal como é”12, que na prática implica em colocar
a autoridade autônoma da norma sob o poder discricionário de uma
certa autoridade, com evidente subversão de valores e risco absoluto
à segurança jurídica.
Vista a mesma situação de outro ângulo, estará o juiz fazendo o
julgamento que já foi feito, legitimamente, a respeito da norma,
durante o processo legislativo, por centenas de parlamentares, estes
sim, dotados de autoridade e com possibilidade de discutir a
suficiência ou não, daqueles envolvidos pela lei. Em fim, se sobrepõe
ao processo formal criador da norma, adotado pela constituição,
sendo indiscutível que também estará julgando ideologicamente as
12
DIMOULIS, Dimitri. Op. Cit., 769/17.
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pessoas, pelo respectivo status, e não o caso que foi convocado a
julgar. Como se percebe, estará realizando muita coisa que não pode
realizar.
Tal proceder, a toda evidência, revela abuso do poder de decidir e
acarreta injustiça à parte prejudicada, pela negativa de jurisdição,
mesmo depois desta ter pautado sua conduta na lei, que depois o
magistrado nega aplicar, por opinião pessoal contrária; não por ter
o poder de proceder assim. Desse modo, distribui insegurança e não
assegura a paz social, uma vez que foge do princípio de julgar com
imparcialidade.
Pode o Judiciário diferenciar (se a lei não o fez, e ainda fora dos casos que
ela permite) qual é a parte considerada poderosa, na demanda, afirmando
que o direito previsto na norma, em face desse “poder”, dela (norma) está
sendo retirado? Claro que não pode. Cabe, no caso, interpretar-aplicar, o
que é outra coisa, como rapidamente foi mostrado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DIMOULIS, Dimitri. Artigo: Moralismo, Positivismo e Pragmatismo na
ribunais, 769/
Interpretação do Direito Constitucional. Revista dos TTribunais,
15.
FERRARA, Fracesco. Como aplicar e interpretar as leis
leis.. Belo
Horizonte: 2002, p. 9.
GARCIA, Maria. Desobediência civil
civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, 2 ed, p. 7 e 8.
GRAU, Eros Roberto. Validade, Licitude e Legalidade; Operação BOX:
Penalidade Imposta pela Comissão de Valores Mobiliários Revista
dos TTribunais,
ribunais, 728/91.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito.
Rio de Janeiro: Forense, 18 ed, p. 79.
OLIVEIRA, Luís Maurício Sodré. Notas sobre a interpretação do Direito.
Tribuna da Magistratura 157, setembro/99.
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VISÃO ATUAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
SOBRE O CRIME DE RACISMO1
Gassen Zaki Gebara
Resumo: A presente abordagem objetiva demonstrar a perspectiva atual do Supremo
Tribunal Federal quanto ao conteúdo jurídico de “racismo”, envolvendo a
imprescritibilidade e a prevalência do princípio da dignidade da pessoa
humana e da igualdade jurídica sobre a liberdade de imprensa.
Palavras-chave: discriminação racial, imprescritibilidade – dignidade da pessoa
humana – liberdade de imprensa.
Inspira-nos a escrever sobre o tema de recente decisão do Supremo
Tribunal Federal, em sede do Habeas Corpus 82.424-2-RS, que foi
impetrado em face do Superior Tribunal de Justiça que condenou o
paciente pela prática de crime de racismo, mais precisamente, por
ter editado e vendido livro que fez apologia de idéias
preconceituosas e discriminatórias em face do povo judeu.
A natureza do crime de racismo fulmina com a imprescritibilidade,
nos termos do art. 5o., XLII, da Constituição Federal, o que levou à
impetração cujo escopo foi o de afastar a ocorrência de crime de
racismo e, de reflexo, a imprescritibilidade. A tese nuclear da impetração
cindiu-se na demonstração de que os judeus não são raça
raça, que
sorte que restaria afasta a hipótese presente na sentença condenatória.
O Habeas Corpus em espécie, portanto, apresenta temas de realce
para o direito constitucional, porquanto envolve a compreensão
semântica do significado de “racismo”; da imprescritibilidade, além
de tratar com ineditismo sobre a colisão de direitos fundamentais.
No enfrentamento das questões postas, o Supremo Tribunal Federal
oferece aos operadores do direito posicionamento que, em muitos
aspectos, indica novos rumos do constitucionalismo, mormente quanto
aos direitos fundamentais. Estes novos degraus jurídicos é que
procuraremos desvelar neste trabalho, seguros de que a atividade
transcenderá o interesse meramente acadêmico.
1
Advogado, Professor na Unigran, Mestre em Direito Constitucional pela UnB/Unigran.
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Com esse objetivo, pinçamos de alguns dos votos dos Eminentes
Ministros que participaram do Julgamento as passagens de maior
instigação jurídica, inclusive controvérsias que permearam suas
discussões durante o julgamento, eis que houve três votos pela
concessão da ordem: dos Ministros Moreira Alves, Carlos Aires Brito
e Marco Aurélio.
Antes, contudo, de examinarmos este votos, entendemos
imprescindível trazer ao conhecimento a participação dos impetrantes
na tribuna do Supremo. Na sustentação argumentam que o paciente,
embora condenado pelo crime tipificado no art. 20, da Lei 7.716/
89, a condenação foi pelo delito de discriminação contra os
judeus
judeus, que não tem conotação racial. Enfaticamente, repelem a
pecha de crime racial, eis que não incide à espécie o comando
emanado do art. 5o., XLII, CF.
Fulcram sua tese em lições de autores de origem semita, todas no
sentido de que os judeus não são uma raça. Neste ponto da
sustentação, merece menção o argumento utilizado pelo impetrante
no sentido de que o único autor a reconhecer o judeu como raça foi
Adolf Hitler, no capítulo “Povo e Raça”, de seu livro “Minha Luta”, ao
escrever que a grandeza e superioridade da raça ariana/alemã
existe em função da oposição à inferioridade da raça não
ariana, a semita/judaica e que para preservar a raça ariana,
seria preciso eliminar a anti-raça.
Com essa asserção, rematam os impetrantes: não queremos crer
que essa Corte adotará em sua decisão a doutrina de Adolf
Hitler, a única a admitir como raça o judaísmo.
Em seguida, votou o Ministro Relator Moreira Alves, que teve neste
HC uma das suas derradeiras participações no STF diante de sua
aposentadoria compulsória. O Ministro registra, de pronto, que a
questão nuclear que se coloca no HC é a de determinar o sentido e
alcance da expressão racismo
racismo, realçando que a expressão no
mencionado dispositivo constitucional nos termos da lei não delega
ao legislador ordinário dar à mesma a exegese que lhe aprouver,
mormente no que respeita à imprescritibilidade.
Esse registro deve-se ao fato de o dispositivo prender-se a um dos
alicerces da própria República, consignada que está no inc. IV, do
artigo 3 o .: promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo cor, idade e quaisquer outras formas de
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discriminação. Significa que, além de o crime de racismo não
abarcar toda e qualquer forma de preconceito ou de discriminação,
porquanto por mais amplo que seja o sentido de “racismo”, não
abrange, evidentemente, a discriminação ou o preconceito quanto à
idade ou ao sexo. Com isso, a expressão deve ser interpretada
estritamente, porque a imprescritibilidade nele prevista não alcança
sequer os crimes hediondos, assim considerados pela própria
Constituição, como a prática da tortura, tráfico de entorpecentes e
drogas afins e o terrorismo, aos quais o inciso XLIII do mesmo
preceptivo apenas determina que a lei os considere inafiançáveis.
Ressalta que embora entre os antropólogos tenha havido
divergência sobre a conceituação de raça, especialmente quando
envolve finalidades políticas, a exemplo do que ocorreu durante o
império do nazismo e na vigência do mito do arianismo, esta se
reduzira a ponto de Nicola Abbagno2 acentuar:
“o conceito de raça é hoje unanimemente considerado pelo antropólogos
como um expediente classificatório apto para subministrar o esquema
zoológico dento do qual podem ser situados os diferentes grupos do
gênero humano. Portanto, a palavra deve ficar reservada somente aos
grupos humanos assinalados por diferentes características físicas que
poder se transmitidas por herança. Tais características são principalmente:
a cor da pele, a estatura, a forma da cabeça e do rosto, a cor e a qualidade
dos cabelos, a cor e a forma dos olhos, a forma do nariz e a a estrutura do
corpo. Tradicional e convencionalmente se distinguem três grandes raças,
que são a branca, a amarela e a negra, ou seja, a caucasiana, a mongólica
e a negróide. Portanto, os grupos nacionais, religiosos, geográficos,
lingüísticos e culturais não podem ser denominados de ‘raças’ sob nenhum
conceito e não constituem raça nem os italianos, nem os alemães, nem os
ingleses, nem o foram os romanos ou o gregos, etc. Não existe nenhuma
raça ‘ariana’ ou ‘nórdica’.
Diante disso, não há como admitir que “judeu” seja raça, até porque
diversos autores com esta ascendência têm repudiado essa
possibilidade, a exemplo do rabino Morris Kertzer, no livro “o que é
um judeu”, de Moacyr Scliar, em “A Condição Judaica” e, também,
Fred E. Foldvaruy, em seu artigo “Zionism and Race, ao escrever que
“(...) raça é uma classificação genética; alguém nasce dentro de uma
2
Diccionario de Filosofia, trad. Galletti, os 977/978, Fondo de Cultura Econômica, México, 1993.
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raça e é de uma certa raça ou de uma raça mestiça por causa de seus
ancestrais. Alguém pode converter-se a uma religião, mas ninguém
pode trocar de raça. Os judeus não são, portanto, uma raça. Os judeus
são membros de uma religião, o judaísmo. Houve uma época em
que a nação hebraica era um grupo étnico, mas desde tempos antigos
a dispersão dos judeus pelo mundo e os casamentos entre diferentes
nacionalidades e as conversões fizeram a origem hebraica menos
um vínculo genético e mais um vinculo espiritual. Há também uma
cultura ligada à religião e a suas leis relativas à alimentação, ao
‘sabbath’, e a vários rituais juntamente com práticas culturais
encontrados em vários lugares que são ‘judaicos’ por coincidência.
Mas não há raça judaica”.
Enfatiza que se os judeus não são uma raça, não se pode qualificar
o crime de discriminação pelo qual foi condenado o paciente como
delito de racismo, nem, tampouco, atribuir-lhe a imprescritibilidade.
Para o Ministro, o Habeas Corpus não discutia se a condenação viola
a liberdade de pensamento, mas tão somente a questão da
imprescritibilidade dos crimes raciais. Em relação às convenções
internacionais, realça que as mesmas não se incorporam à nossa
Constituição como emenda constitucional, mas sim como lei ordinária.
Interessante, outrossim, a observação de Moreira Alves no sentido
de que a denúncia foi recebida em 1991, quando ainda não havia
a noção científica de genoma, que é do ano 2000, não podendo
ter sido levada em consideração pela Carta de 1988 ao aludir ao
preconceito de raça, para se sustentar que só existe uma raça, que
é a humana,e que por ser única não daria margem a preconceito
racial a que é ínsita a diversidade de raças. Votou pela concessão
do habeas corpus.
Em seguida, pronunciou-se o Ministro Maurício Correa, que cita
várias perseguições sofridas pelos judeus, desde a saída de Abraão
de Ur, menciona a saga de Jacó que levou os seus para o Egito em
busca de suprimentos e o êxodo do povo do Egito para a Terra
Prometida. É certo que a ênfase mais relevante colhida pelo
Ministro foram as humilhações suportadas pelos judeus durante a
Segunda Guerra Mundial.
Enfrenta, então, a questão sobre o racismo, salientando que a
ciência já apresenta conclusões irrefutáveis sobre o fato de a genética
ter banido o conceito tradicional de raça, citando o geneticista Craig
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Venter: “ (...) há diferenças biológicas ínfimas entre nós. Essencialmente
somos todos gêmeos”. Com isso, os cientistas confirmaram que não
existe base genética para aquilo que as pessoas descrevem como
raça, e que apenas algumas poucas diferenças distinguem uma pessoa
de outra.
O que se nota neste ponto é que os Ministros dão matiz diferente
ao tema “racismo”, eis que afastam o foco da controvérsia da área
científica, encetando-o para outro panorama: a divisão dos seres
humanos em raças decorre de um processo político-social
originado da intolerância dos homens.
Com isso, começa a divergência em relação ao voto do Relator,
que utilizou como critério para a definição do racismo a
cientificidade do termo. Importante esse registro pois é a partir
dele que o Supremo acolhe novas nuances jurídicas para a
caracterização da prática de discriminação racial.
Para os julgadores, não existindo base científica para a divisão
do homem em raças, torna-se ainda mais odiosa qualquer ação
discriminatória da espécie, pois se todos – pobres, ricos, brancos,
negros, amarelos, judeus ou muçulmanos – integram uma mesma
raça, que é a espécie humana, o que violou o paciente foi a
própria igualdade entre os seres humanos, afrontando normas
internacionais sobre direitos humanos.
Nesse cenário, mesmo que fosse aceitável a tradicional
divisão da raça humana segundo suas características físicas,
perderia relevância saber se o povo judeu é ou não uma delas.
Configura atitude manifestamente racista o ato daqueles que
pregam a discriminação contra judeus, pois têm a convicção
que os arianos são a raça perfeita e eles a anti-raça. O racismo,
pois, não está na condição humana de ser judeu. O que vale
não é o que pensamos, se se trata ou não de uma raça, mas
efetivamente se quem promove o preconceito tem o discriminado
como uma raça e, exatamente com base nessa concepção,
promove e incita a sua segregação, exatamente como ocorre
no caso versando.
Diante disto, torna-se indiscutível que o racismo traduz
valoração negativa de certo grupo humano, tendo como substrato
características socialmente semelhantes, de modo a configurar
uma raça distinta, à qual se deve dispensar tratamento desigual
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da dominante. Materializa-se à medida que as qualidades
humanas são determinadas pela raça ou grupo étnico a que
pertencem, a justificar a supremacia de uns sobre os outros.
Para Norberto Bobbio, a Alemanha de Hitler foi um Estado
racial no mais pleno sentido da palavra, pois a pureza da raça
deveria ser perseguida não só eliminando indivíduos de outras
raças, mas também indivíduos inferiores física ou psiquicamente
da própria raça, como os doentes terminais, os prejudicados
psíquicos, os velhos não mais auto-suficientes 3 . Para George
Fredrickson dá-se o racismo quando as diferenças étnicas e
culturais são consideradas imutáveis, indeléveis, atuando na
prática das instituições com base nessas diferenças, gerando a
pretensão de impor uma ordem racial4.
Concluindo seu voto, ressalta que a Convenção Internacional sobre
a eliminação de todas as formas de discriminação racial de 1965,
assinada pelo Brasil e ratificada sem reservas pelo Decreto 65810/69,
teve como principal finalidade, de acordo com Celso Lafer, a “definição
de normas contrárias à discriminação racial e ao fenômeno do racismo
em todas as suas dimensões”, motivadas pelas práticas anti-semitas
do nazismo e pelo desenvolvimento do apartheid na África do Sul.
Recorda que este conjunto normativo balizou a atuação da Assembléia
Constituinte de 1988 e o próprio legislador ordinário, merecendo
consideração irrestrita do intérprete da Carta Federal, especialmente
por se acharem formalmente incorporadas ao nosso sistema jurídico.
Cita que nos Estados Unidos, em 1987, a Suprema Corte decidiu
por unanimidade, seguindo o Voto do Justice White, que os judeus
estavam tutelados pela legislação norte-americana contra a
discriminação racial. O fato interessante é que a defesa dos réus,
responsáveis por pichar uma sinagoga com mensagens anti-semitas,
foi exatamente de que não sendo os judeus uma raça distinta não
estariam protegidos pela lei.
Emblemático, também, o julgamento proferido pela Câmara dos
Lords na Inglaterra, em 1983, no caso Mandla na another vs Dowell Lee
and another”, em que se debateu sobre a existência de discriminação
racial pelo fato de uma escola haver proibido um jovem sikh de usar o
Elogio da Serenidade e Outros Escritos Morais, UNESP, 2002, pp. 125-26.
Breve storia Del razzismo, Roma, Universale Donzelli, Trad. Annalisa Merlino, 2002, p. 11 e 172.
5
Internet – www.hrcr. Org/safrica/equality/mandla_dowell. ee.htm
3
4
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tradicional turbante de sua religião. A decisão foi no sentido de que o
ato era discriminatório para os fins da “Race Relations Act”, uma vez que
os sikhs são um grupo racial em face de suas origens étnicas5.
Com isso, demonstrou que o direito comparado enfrenta o problema
da segregação racial atribuindo ao termo ‘raça’ uma conotação mais
complexa, sempre com o objetivo de assegurar o efetivo respeito aos
postulados universais da igualdade e dignidade da pessoa humana.
Ao final, sacramenta seu voto dizendo que o combate ao racismo
tem clara inspiração no princípio da igualdade, que por sua vez se
confunde com o reconhecimento mundial dos direitos do homem. A
Constituição brasileira o reitera em várias passagens, não sem razão,
deixando consignada sua condição de preceito fundamental (art. 1º.,
II; 3º IV; 4º II e VIII; 5º caput, I e XLI).
Atos discriminatórios de qualquer natureza devem ficar
expressamente vedados, com alentado relevo para a questão racial,
que impõe certos temperamentos quando possível contrapor-se uma
norma fundamental a outra. A aparente colisão de direitos essenciais
encontra, nesse caso, solução no próprio texto constitucional. A
previsão de liberdade de expressão não assegura “direito à incitação
ao racismo”, até por quê um direito individual não pode servir de
salvaguarda à práticas ilícitas.
Nesses casos há necessidade de se proceder a uma ponderação
jurídico-constitucional, a fim de que se tutele o direito prevalente. Cabe
ao intérprete harmonizar os bens jurídicos postos em oposição, como
forma de garantir o verdadeiro significado da norma com a
conformação simétrica da Constituição, para que se possa operar a
chama “concordância prática”, a que se refere a doutrina.
Exatamente por se cuidar de direitos fundamentais que deve
prevalecer a proteção à pessoa eis que se relacionam diretamente
com os direitos humanos. Daí a afirmação de Alain Laquièze de
que “existe um nexo estreito entre a imprescritibilidade, este tempo
jurídico que se escoa sem encontrar termo, e a memória, apelo do
passado à disposição dos vivos, triunfo da lembrança sobre o
esquecimento” 6 , sendo por isso indispensável ter- se como
imprescritível o crime de racismo, sobretudo como se pretende
reinaugurar velhas e ultrapassadas teses que a nossa consciência
6
Le Debat de 1964, su l’imprescretibilité des crimes contre l’humanité, in Droits, 31, 2000, p. 19.
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jurídica e histórica nos admite.
As dúvidas que então haviam foram desfeitas mediante
interpretação teleológica e sistêmica da Carta Federal, a fim de
conjugá-la com as circunstâncias históricas, políticas e
sociológicas, para que se localize o sentido da lei para aplicála. Os vocábulos raça e racismo não são suficientes, por si sós,
para se determinar o alcance da norma. Cumpre ao juiz, como
elementar, nesses casos, suprir a vaguidade da regra jurídica,
buscando o significado das palavras nos valores sociais, éticos,
morais e dos costumes da sociedade, observando o contexto e o
momento histórico de sua incidência.
Sobre os princípios interpretativos das normas constitucionais,
Canotilho anota que a força normativa da Constituição, de modo
que dentre as interpretações possíveis, deve ser adotada aquela que
garanta maior eficácia, aplicabilidade e permanência das normas
constitucionais. Indefere, com base nesses argumentos, o habeas
corpus manejado.
O Min. Gilmar Ferreira Mendes, concorda que a questão nuclear
encetada no ação gira em torno do alcance do termo racismo,
empregado pelo legislador constituinte no art. 5 o. XLII, para se
considerar ou não imprescritível a conduta anti-semita atribuída ao
paciente. O entendimento atual quanto à existência de raças
assentava-se em reflexões pseudo-científicas, conforme lição de Kevin
Boyle, ao dizer que “Reconhecemos hoje que a classificação biológica
era produto pseudo-científico do século XIX. Num tempo em que nó já
mapeamos o genoma humano, prodigiosa pesquisa que envolve o uso
de material genético de todos os grupos étnicos, sabemos que existe
somente uma raça – a raça humana. Diferenças humanas em aspectos
físicos, cor da pele, etnias e identidades culturais, não são basedas
em atributos biológicos. Na verdade, a nova linguagem dos mais
sofisticados racistas abandona qualquer base biológica em seus
discursos. Eles agora enfatizam diferenças culturais e irreconciliáveis
como justificativa de seus pontos de vista extremistas”7.
A propósito da configuração da ideologia racista, anota Pierr-André
Taguieff, em seu La force du préjugé, a referência ao termo “racista”
apresentada pela Larousse restringia sua extensão aos “nacionais7
8
Hate Speech – The United State versus the rest of the Word? In: Maine Law Review, v. 53:2, 2001, p. 490.
Taguieff, Pierre-André. La Force du préjugé: essai sur le racisme et ses doubles, Paris, la Décourverte, 1992, p. 149.
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socialistas alemães”, ao atribuir-lhes uma intenção assim descrita na
referida enciclopédia: “ ...eles pretendem representar a pura raça alemã,
excluindo os judeus, etc8”. De acordo com o autor, pois, surge um dos
dois elementos centrais metafóricos constitutivos das definições do racismo
– a pureza da raça – por meio de uma referência que caracterizava o
nacional-socialismo, antes mesmo de sua instituição como regime.
Essas considerações demonstram que, do ponto de vista estritamente
histórico, não há como negar o caráter racista do anti-semitismo. Não
é por outra razão que diversos instrumentos internacionais subscritos
pelo Brasil não deixam dúvida sobre o claro compromisso no combate
ao racismo em todas as suas formas de manifestação, inclusive o
anti-semitismo.
Estes instrumentos servem de base para decisões proferidas por
Cortes Supremas de diversos países. A Americana, em caso julgado
em 1987 (Shaare Tefila Congregation versus Cobb, US 615), reformou
decisão proferida por instâncias inferiores, no sentido de negar aos
judeus, por não serem grupo racial distinto, a tutela prevista pela
legislação norte-americana de 1982, voltada para o combate à
discriminação racial.
Entendeu a Corte Americana que, apesar de serem judeus, na data
da decisão, parte do que é tido como a raça caucasiana, estavam
eles tutelados pela legislação de 1982, que visava proteger da
discriminação classes indentificáveis de pessoas, dando assim, maior
conteúdo jurídico à dignidade da pessoa humana e à repressão à
prática do racismo.
Esses elementos confirmam a convicção de que o racismo, enquanto
fenômeno social e histórico complexo, não pode ter o seu conceito
jurídico delineado a partir do referencial “raça”. Cuida-se aqui de
um conceito pseudo-científico notoriamente superado. Não estão
superadas, porém, as manifestações racistas aqui entendidas como
aquelas manifestações discriminatórias assentes em referência de
índole racial (cor, religião, aspectos étnicos, nacionalidade, etc.).
Ao tratar do antagonismo constitucional decorrente de dois direitos
fundamentais – o racismo e a liberdade de expressão e opinião – o
Ministro pronunciou-se dizendo que se se aceita a idéia de que o
conceito de racismo contempla, igualmente, as manifestações antisemíticas, há de se perguntar sobre como se articulam as condutas
ou manifestações de caráter racista com a liberdade de expressão
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positivada no texto constitucional. Essa indagação, afirma, assume
relevo ímpar, especialmente se se considerar que a liberdade de
expressão, em todas as suas formas, constitui pedra angular do
próprio sistema democrático.
Talvez seja a liberdade de expressão, aqui contemplada a própria
liberdade de imprensa, um dos mais efetivos instrumentos de controle do
próprio governo. Para não falar que se constitui, igualmente, em elemento
essencial da própria formação da consciência e de vontade popular.
Não se desconhece, contudo, que, nas sociedades democráticas,
há uma intensa preocupação com o exercício de liberdade de
expressão consistente na incitação à discriminação racial, o que levou
ao desenvolvimento da doutrina “hate speech”. Ressalte-se que o “hate
speech” não como objetivo exclusivo a questão racial9.
Nesse sentido indaga Boyle em um estudo recente: “por que o
‘discurso do ódio’ é um tema problemático?”. Diz o autor que “A
resposta reside no fato de estarmos diante de um conflito entre dois
direitos numa sociedade democrática – a liberdade de expressão e o
direito à não-discriminação. A liberdade de expressão, incluindo a
liberdade de imprensa, é fundamental para uma democracia. Se a
democracia é definida como controle popular do governo, então, se o
povo não puder expressão seu ponto de vista livremente, esse controle
não é possível. Não seria uma sociedade democrática. Mas,
igualmente, o elemento central da democracia é o valor da igualdade
política. “Every one counts as one and no more than one’, como disse
Jeremy Bentham. Igualdade política é, conseqüentemente, também
necessária, se uma sociedade pretende ser democrática. Uma
sociedade que objetiva a democracia deve tanto proteger o direito de
liberdade de expressão quanto o direito à não-discriminação. Para
atingir a igualdade política é preciso proibir a discriminação ou a
exclusão de qualquer sorte, que negue a alguns o exercício de direitos,
incluindo o direito à participação política. Para atingir a liberdade de
expressão é preciso evitar a censura governamental aos discursos e à
imprensa”.
Poder-se-ia ainda indagar se o livro poderia ser instrumento de um
crime, cujo verbo central é incitar. Que, em tese, é possível o livro ser
instrumento de crime de discriminação racial, não parece haver
9
Boyle, Hate Speech, cit., p. 490.
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dúvida. As decisões de Cortes européias a propósito da criminalizaçao
do “Holocaust Denial” confirmam-no de forma inequívoca (cf. Boyle,
Hate Speech, cit., p. 498). É certo, outrossim, que a historia confirma
o efeito deletério que o discurso de intolerância pode produzir, valendose dos mais diversos meios ou instrumentos.
É verdade, ainda que a resposta possa ser positiva, como no caso
parece ser, que a tipificação de manifestações discriminatórias, como
racismo, há de se fazer com base de um juízo de proporcionalidade.
O próprio caráter aberto – diria inevitavelmente aberto – da definição
do tipo na espécie e a tensão dialética que se coloca em face da
liberdade de expressão impõem a aplicação do princípio da
proporcionalidade.
A propósito, a própria Corte Européia de Direitos Humanos, ao
julgar o caso Lehideux e Isorni vs França (55/1997/839/1045), ECHR,
23 set. 98, aplicou o princípio da proporcionalidade ao estabelecer
um confronto entre o artigo 10 (liberdade de expressão) e o artigo 17
(proibição de abuso de direito) da Convenção para Proteção dos
Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
Nesse caso, Isorn, que foi advogado do Marechal Pétain, e MarieFrançois Lehideux, foram condenados penalmente pelo Judiciário
francês por “apologia aos crimes de guerra ou de crimes e delitos de
colaboração”, depois da publicação de um encarte publicitário no
jornal Lê Monde, em 13 de julho de 1984, apresentado como
“salutares” certos atos de Philippe Pétain. A Corte Européia considerou
que a jurisdição francesa violou o artigo 10 da Convenção Européia,
prevalecendo, nesse caso, a liberdade de expressão.
Nesse contexto, ganha relevância a discussão da medida de
liberdade de expressão permitida sem que isso possa levar à
intolerância, ao racismo, em prejuízo da dignidade humana, do
regime democrático, dos valores inerentes a uma sociedade pluralista.
Pode-se afirmar, pois, que ao constituinte não passou despercebido
que a liberdade de informação haveria de se exercer de modo
compatível com o direito a imagem, a honra e a vida privada (CF,
art. 5°, X), deixando entrever mesmo a legitimidade de intervenção
legislativa, com o propósito de compatibilizar os valores
constitucionais eventualmente em conflito.
A própria formulação do texto constitucional – “ Nenhuma lei conterá
dispositivo ..., observando o disposto no artigo 5°, IV, V, X, XIII e XIV” –
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parece explicitar que o constituinte não pretendeu instituir aqui um
domínio inexpugnável à intervenção estatal. Ao revés, essa
formulação indica ser inadmissível, tão somente, a disciplina legal
que cria embaraços à liberdade de informação. A própria disciplina
do direito de resposta, prevista expressamente no texto constitucional,
exige inequívoca regulação legislativa.
Outro não deve ser o juízo em relação ao direito à imagem, à
honra e à privacidade, cuja proteção pareceu indispensável ao
constituinte também em face da liberdade de informação. Não fosse
assim, não teria a norma especial ressalvado que a liberdade de
informação haveria de se exercer com observância no disposto art.
5°, X, da Constituição. Se correta essa leitura, tem-se de admitir,
igualmente, que o texto constitucional não só legitima, mas também
reclama eventual intervenção estatal com o propósito de concretizar
a proteção dos valores relativos a imagem, à honra e à privacidade.
Da mesma forma, não se pode atribuir primazia absoluta à
liberdade de expressão, no contexto de uma sociedade pluralista, em
face de valores outros como a igualdade e da dignidade humana.
Daí ter o texto constitucional de 1988 erigido, de forma clara e
inequívoca, o racismo como crime inafiançável e imprescritível (CF,
art. 5°, XLII ) além de ter determinado que a lei estabelecesse outras
formas de repressão às manifestações discriminatórias ( art. 5°, XLI ) .
É certo, portanto, que a liberdade de expressão não se afigura
absoluta em nosso texto constitucional. Ela encontra limites, também
no que diz respeito às manifestações do conteúdo discriminatório
ou de conteúdo racista. Trata-se, como já assinalado, de uma
elementar exigência do próprio sistema democrático, que pressupõe
a igualdade e tolerância dos diversos grupos.
O princípio da proporcionalidade, também denominado principio
do devido processo legal em sentido substantivo, ou ainda, princípio
da proibição de excesso, constitui uma exigência positiva e material
relacionada ao conteúdo dos atos restritivos de direitos
fundamentais, de modo a estabelecer um “limite do limite” ou uma
“proibição do excesso” na restrição de tais direitos.
A máxima da proporcionalidade, na expressão de Robert Alexy10,
coincide igualmente com o chamado núcleo essencial dos direitos
10
Theorie der Grundrechte, Frankfurt am Main , 1986
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fundamentais concebido de modo relativo – tal como o defende o
próprio Alexy. Nesse sentido, o princípio ou máxima da
proporcionalidade determina o limite último da possibilidade de
restrição legítima de determinado direito fundamental.
A par dessa vinculação aos direitos fundamentais, o princípio da
proporcionalidade alcança as denominadas colisões de bens, valores
ou princípios constitucionais. Nesse contexto, as exigências do princípio
da proporcionalidade representam um método geral para a solução
de conflitos entre princípios, isto é, um conflito entre normas que, ao
contrário do conflito entre regras, é resolvido não pela revogação ou
redução teleológica de uma das normas conflitantes nem pela
explicitação de distinto campo de aplicação entre as normas, mas
antes e tão somente pela ponderação do peso relativo de cada uma
das normas em tese aplicáveis e aptas a fundamentar decisões em
sentidos opostos. Nessa última hipótese, aplica-se o princípio da
proporcionalidade para estabelecer ponderações entre distintos bens
constitucionais.
Nesse sentido, afirma Robert Alexy: “ O postulado da
proporcionalidade em sentido estrito pode ser formulado como uma
lei de ponderação, cuja fórmula mais simples voltada para os direitos
fundamentais, diz: ‘quanto mais intensa se revelar a intervenção de
um lado direito fundamental, maiores ao de se revelar os fundamentos
justificadores dessa intervenção’”11.
Em síntese, a aplicação do princípio da proporcionalidade dá-se
quando verificada restrição a determinado direito fundamental ou
um conflito entre distintos princípios constitucionais de modo a exigir
que se estabeleça o peso relativo de cada um dos direitos por meio
da aplicação das máximas que integram o mencionado princípio da
proporcionalidade. São três as máximas parciais do princípio da
proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a
proporcionalidade em sentido estrito.
Tal como já sustentou o Ministro, em estudo sobre
a
proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal12,
há de se perquirir, na aplicação do princípio da proporcionalidade, se
em face do conflito entre dois bens constitucionais contrapostos, o ato
palestra proferida na Fundação Casa Rui Barbosa, Rio de Janeiro, em 10-12-98.
Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: Estudo de Direito Constitucional, 2ª. ed., Celso Bastos
Editor: IBDC, São Paulo, 1999, p. 72.
11
12
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impugnado afigura-se adequado (isto é, apto para produzir o resultado
desejado), necessário (isto é, insubstituível pelo meio menos gravoso e
igualmente eficaz) relação ponderada entre o grau de restrição de um
princípio e o grau de realização do princípio contraposto).
No caso concreto, poder-se-ia examinar se a decisão condenatória
ao enquadrar, como racismo, a conduta do paciente e, portanto,
imprescritível, atendeu às máximas do princípio da
proporcionalidade. A Corte Constitucional alemã entende que as
decisões tomadas pela Administração ou pela Justiça com base na
lei eventualmente aprovada pelo Parlamento submetem-se,
igualmente, ao controle da proporcionalidade. Significa dizer
qualquer medida concreta que afete os direitos fundamentais que há
de se mostrar compatível com o princípio da proporcionalidade13.
Essa solução parece irrepreensível na maioria dos casos,
especialmente naqueles que envolvem normas de conformação
extremamente aberta (cláusulas gerais; fórmulas marcadamente
abstratas)14. É que a solução ou formula legislativa não contém uma
valoração definitiva de todos os aspectos e circunstâncias que compõem
cada caso ou hipótese de aplicação. Nega o habeas corpus.
O Ministro Carlos Velloso registra que a necessidade de serem
tutelados os direitos humanos é inerente ao constitucionalismo, quando
surgiu na segunda metade do século XVIII, certo que as primeiras
Declarações - Virgínia, 1776, a Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão, de 1789 - são, por isso mesmo, contemporâneas das
idéias de Constituição. A Constituição surge, pois, como limitadora
do poder estatal e a divisão dos poderes preconizada por
Montesquieu.
Especial menção deve ser feita à internacionalização dos direitos
humanos, a demonstrar que estes, por interessar a todos os povos,
integram a ordem internacional. A Declaração Universal dos Direitos
Humanos, ONU, de 1948, dá início a esse processo. Flávia Piovesan,
lecionando sobre o tema adverte que “o movimento extremamente
recente na história, surgindo, a partir do pós-guerra, como resposta à
Segunda Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o PósScheneider, Zur Verhaltnismãssigkeits-Kontrolle, cit., p. 403.
Jakobs, Michael, Der Grundsatz der Verhaltnismãssigkeit, Colônia, 1985, p. 150.
15
O Sistema Interamericano de Promoção e Proteção dos Direitos Humanos: Impacto, Desafios e Perspectivas” Rev.
Trim. de Advocacia Pública, Instituto Brasileiro de Advocacia Pública, dez/2000, nº 12)
13
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Guerra deveria significar a sua reconstrução. Por isso, há autores, como
Louis Henkin, que afirmam a existência de um Direito Internacional
pré e pós 45, dadas as extraordinárias transformações decorrentes
da Segunda Guerra Mundial no campo do Direito Internacional. É
neste cenário que se desenha o esforço de reconstrução dos diretos
humanos, como paradigma e referencial ético a orientar a ordem
internacional”15.
J. A. Lindgren Alves, que tem se notabilizado pelo estudo e pela
divulgação da teoria geral dos direitos humanos, no campo interno e
internacional, registra que, “dada a força persuasiva e liberatória que” a
Declaração de 1948 “tem demonstrado, ao longo de cinco décadas,
para indivíduos e coletividades”, precisa “ser mantida como está”, certo
que vem ela sendo fortalecida “nas grandes conferências desta década,
de Viena (sobre direitos humanos), Cairo (sobre população), Copenhague
(sobre desenvolvimento social), Beijing (sobre a mulher) e Istambul (sobre
assentados humanos) “J. A. Lindgren Alves, A declaração....).
Proteger os direitos humanos, garantí-los no plano interno e
internacional é, na verdade, a tônica da era dos direitos de que fala
Norberto Bobbio. É nesse cenário que se insere a Constituição
brasileira de 1988, que, antes de cuidar da organização do Estado,
preocupou-se em estabelecer princípios fundamentais, deixando
expresso que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamento, dentre outros, a
dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). Em seguida, no art. 5º,
proclama os direitos e deveres individuais e coletivos. Consagra ela,
aliás, direitos de três gerações, os individuais e coletivos, os direitos
políticos, os direitos sociais e os interesses difusos e coletivos, aqueles
no plano interno e internacional. Esses direitos, de 1ª, 2ª e 3ª geração,
espalham-se na Constituição, certo que são três as vertentes dos
direitos humanos no constitucionalismo brasileiro: a) estão escritos
na Constituição, b) decorrem do regime e dos princípios por ela
adotados - direitos implícitos - e c) estão nos tratados internacionais
em que a República Federativa do Brasil seja parte (C.F., art. 5º, § 2º).
O seqüenciamento do genoma humano, demonstra que não há
que se falar em raça em termos biológicos. Por isso mesmo, o Dr.
Sérgio Danilo Pena, médico e professor, notável divulgador do tema,
cujo renome vai além das fronteiras do país, leciona que há apenas
uma raça, a do homo sapiens
sapiens, a raça humana (“Lição de Vida do
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Genoma Humano”, Folha de São Paulo, 23/01/2001). Destarte, em
termos biológicos e antropológicos, não há falar que os brancos, os
negros, os amarelos, os ciganos, os judeus, os árabes, constituem
uma raça; somos todos integrantes da raça humana.
Se é assim, em termos biológicos e antropológicos, esses grupos
humanos podem ser diferenciados. E é justamente o tratamento
discriminatório, hostil, preconceituoso, relativamente a eles, que
caracteriza o racismo, o racismo que a Constituição não tolera - C.F.,
Art. 5º, XLII - porque representa forma grave de desrespeito aos direitos
humanos. Bem por isso a Carta da República estabelece que esta,
nas suas relações internacionais, rege-se, dentre outros princípios, pelo
repúdio ao racismo (C.F., Art. 4º, VIII).
É induvidoso que a Constituição brasileira consagra a liberdade
de expressão, que se consubstancia nas liberdades de manifestação
do pensamento, de expressão da atividade intelectual, artística,
científica e de comunicação e a liberdade de imprensa (C.F., Art. 5º,
IV e IX; Art. 220), não pode ela, todavia, sobrepor-se à dignidade da
pessoa humana, fundamento da República e do Estado Democrático
de Direito que adotamos - C.F., art. 1º, III - ainda mais quando essa
liberdade de expressão apresenta-se distorcida e desvirtuada. Votou
pela denegação do HC.
O Ministro Marco Aurélio, logo na abertura de seu voto, faz uma
reflexão sobre a questão, que reputa uma das importantes – senão a
mais importante – apreciadas pela Corte nos treze anos que nela teve
assento. Enfatiza que a censura, em suas diversas formas – direta ou
indireta, prévia ou posterior, administrativa ou judicial – tem merecido a
preocupação e o repúdio dos povos. Em 1695, na Inglaterra, deixou-se
de ratificar texto – licenging act – que dispunha sobre a censura prévia.
Na Declaração de Direitos de Virgínia – 1776 – proclamou-se que “a
liberdade de imprensa é um dos baluartes da liberdade e não pode ser
restringida jamais, a não ser por governos despóticos” – art. 12.
A par de outros enfoques já apreciados nos votos antes proferidos,
o caso denota um complexo e profundo problema de Direito
Constitucional, e daí o tom paradigmático deste julgamento: estamos
diante de uma questão de eficácia de direitos fundamentais e da
melhor prática de ponderação de valores, o que, por óbvio, força
este Tribunal, guardião da Constituição, a enfrentar o assunto de modo
como se espera de toda Suprema Corte. Refere-se ao intrincado
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problema da colisão entre os princípios da liberdade de expressão e
o da proteção à dignidade do povo judeu. Há de se definir se a melhor
ponderação dos valores em jogo conduz à limitação da liberdade
de expressão pela alegada prática de um discurso preconceituoso
atentatório à dignidade de uma comunidade de pessoas ou se, ao
contrário, deve prevalecer tal liberdade. Essa é a verdadeira questão
constitucional que o caso revela.
Em seguida, passa a exprimir suas considerações sobre os citados
princípios, que se antagonizam no caso concreto. Lembra que com o
fim da Ditadura Militar, a atual Carta Política resgatou as bases do
Estado Democrático de Direito, à partir da restauração concreta de
um sistema de valores e princípios de direitos fundamentais que hoje
constitui a verdadeira essência de uma sociedade plural e
democrática. Nesse sentido, a eficácia plena dos direitos fundamentais
previstos no artigo 5o da Constituição, bem como de outros direitos
advindos do regime e dos tratados internacionais, na forma do § 2°
desse mesmo artigo, como condição essencial para a consolidação
e amadurecimento de nossas instituições políticas e para a
conservação e promoção da democracia.
Democracia significa assegurar a formação e a boa captação da
opinião pública; significa garantir a soberania popular para que os
rumos do Estado acompanhem fielmente os resultados e as manifestações
dessa soberania. Para tanto, o sistema constitucional brasileiro prevê
vários institutos e mecanismos que têm por finalidade concretizar o
princípio democrático, de maneira a torná-lo algo vivo, presente e eficaz.
Constituem-se em pilares do princípio democrático, o voto direito,
secreto e periódico, a separação dos Poderes, mediante a qual se
confere aos eleitos pelo povo a condução política do País, incumbindo
ao Judiciário julgar os conflitos de interesse e restabelecer a paz social
momentaneamente abalada. Entretanto outras manifestações existem.
O sistema de direitos humanos, como elemento constitutivo do Estado
de Direito é imprescindível na concretização da democracia. Na
precisa lição de Canotilho, os direitos fundamentais têm uma função
democrática dado ao exercício democrático do poder.
Tais direitos asseguram a contribuição de todos os cidadãos para
o exercício da democracia. constroem um ambiente livre para esta
16
J. J. Canotilho. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Editora Almedina, 2002, p. 280.
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participação – o direito de associação, de formação de partidos, de
liberdade de expressão, são, por exemplo, direitos constitutivos do
próprio princípio democrático – e promovem a abertura do processo
político a partir dos direitos sociais, econômicos e culturais16. Tratando
dos direitos fundamentais na dimensão de liberdade, Canotilho
arremata:
“Por sua vez, os direitos fundamentais, como direitos subjetivos de liberdade,
criam um espaço pessoal contra o exercício de poder antidemocrático, e,
como direitos legitimadores de um domínio democrático, asseguram o
exercício da democracia mediante a exigência de garantias de organização
e de processos com transparência democrática (princípio majoritário,
publicidade crítica, direito eleitoral”17.
Pode-se concluir que os direitos fundamentais localizam-se na
estrutura de sustento e de eficácia do princípio democrático. Nesse
contexto, o específico direito fundamental de liberdade de
expressão exerce um papel de extrema relevância, insuplantável,
em suas mais variadas facetas: direito de discurso, direito de
opinião, direito de imprensa, direito à informação e a proibição
de censura. É por meio desse direito que ocorre a participação
democrática, a possibilidade de as mais diferentes e inusitadas
opiniões serem externadas de forma aberta, sem o receio de, com
isso, contrariar a opinião do próprio Estado ou mesmo opinião
majoritária. Uma vez que é assim que se constrói uma sociedade
livre e plural, com diversas correntes de idéias, ideologias,
pensamentos e opiniões políticas.
Na apropriada redação utilizada por Ernest-Wolfgang
Böckenförde, empregando a expressão cunhada pela Corte
Constitucional Alemã, os direitos de comunicação, em que se inclui
a liberdade de opinião, são “constitutivos do princípio democrático
por antonomásia”, já que promovem a autonomia individual e
foram o ambiente plural da participação democrática18.
É fácil perceber a importância do direito à liberdade de expressão
se analisarmos as dimensões e finalidades substantivas que o
caracterizam. A principal delas, ressaltada pelos mais modernos
J. J. Canotilho. Idem ibidem.
La democracia como principio constitucional, Estúdios sobre el Estado de Derecho y la democracia,
Editorial Trotta, 2000, p. 78.
17 18
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constitucionalistas do mundo, é o valor instrumental, já que funciona
como uma proteção da autodeterminação democrática da
comunidade política e da preservação da soberania popular19. Em
outras palavras, a liberdade de expressão é um elemento do princípio
democrático, intuitivo, e estabelece um ambiente no qual, sem
censura ou medo, várias opiniões e ideologias podem ser
manifestadas e contrapostas, consubstanciando um processo de
formação do pensamento da comunidade política. E é bom sempre
lembrarmos de Hans Kelsen20, quando afirma que a democracia se
constrói sobretudo quando se respeitam os direitos de minoria,
mesmo porque esta poderá um dia influenciar a opinião da maioria.
José Martinez de Pisón 21 , ao estudar a prática da tolerância,
ressalta: “quando uma sociedade e seus governantes recorrem com
tanta insistência à tolerância quer dizer que algo não está funcionando
corretamente. Quando é preciso que se recorra constantemente a
necessidade de respeitar opiniões e crenças dos demais, de admitir e
tolerar a diferença, isso indica que há, ao menos, sintomas
preocupantes para a convivência, e, inclusive, para a coesão social”.
À medida que se protege o direito individual de livremente exprimir
as idéias, mesmo que estas pareçam absurdas e radicais, defende-se
também a liberdade de qualquer pessoa manifestar a própria opinião,
ainda que afrontosa ao pensamento oficial ou ao majoritário. É nesse
sentido que, por inúmeras ocasiões, a Suprema Corte Americana, em
hipóteses a evidenciar verdadeiras colisões de direitos fundamentais,
optou pela primazia da liberdade de expressão, mesmo quando
resultasse em acinte a valores culturais vigentes ( por exemplo,
pornografia, no caso “Miller vs. Califórnia”) ou em desrespeito à
imagem de autoridades e pessoas públicas, como no caso “Farwell
v. Hustler Magazine”.
A liberdade de expressão serve como instrumento decisivo de controle
de atividade governamental e do próprio exercício de poder. Esta
dimensão foi até mesmo fonte histórica da conquista e do
desenvolvimento de tal liberdade. À proporção que se torna uma
comunidade livre de censura e com liberdade para exprimir os
20
Jónatas E. M. Machado, Liberdade de Expressão – Dimensões constitucionais da esfera pública
no sistema social, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2002, p. 256.
21
Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, p. 201.
22
Tolerancia y derechos fundamentales em las sociedades culticulturales. Madrid: Tecnos, 2001, p.11.
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pensamentos, viabiliza-se a crítica desimpedida, mesmo que contundente,
aos programas de governo, aos rumos políticos do país, à providenciais
da administração pública. Enfim, torna-se possível criticar, alertar, fiscalizar
e controlar o próprio exercício dos mandatos eletivos22.
Quando somente a opinião oficial pode ser divulgada ou
defendida e se privam dessa liberdade as opiniões discordantes ou
minoritárias, enclausura-se a sociedade em uma redoma que retira
o oxigênio da democracia e, por conseguinte, aumenta-se o risco
de ter-se um povo dirigido, escravo dos governantes e da mídia,
uma massa de manobra sem liberdade.
O que importa é caracterizar e relevar uma dimensão
eminentemente social da liberdade de expressão, que não pode ser
tida unicamente como proteção cega e desproporcional à autonomia
de idéias do indivíduo. A sociedade civil e política beneficia-se da
garantia do livre exercício do direito de opinião como uma forma de
concretizar o princípio democrático. Reduzir a liberdade de expressão
a um enfoque meramente individual significa podar, de maneira
erosiva, a própria democracia. Teubner já alertara: “o ponto é que, à
parte da esfera individual de ação existem esferas de autonomia social
que necessitam da proteção dos direitos fundamentais contra as
tendências colonizantes das políticas estatais e, por isso, não podem
ser reduzidas a meros anexos ou derivações da autonomia
individual”23. É esta importância social e política que precisa estar
clara na análise do problema constitucional presente no caso concreto
mesmo porque tal liberdade necessita ser vista sob o ângulo daquele
que tem o direito de receber o maior número de informações possíveis,
de ter acesso ao mais amplo conhecimento a fim de tornar uma
pessoa apta a desenvolver as potencialidades e a cidadania.
O Estado mostra-se democrático quando aceita e tolera, no próprio
território, as mais diferentes expressões de pensamento, especialmente
aquelas opiniões que criticam sua estrutura, seu funcionamento e o
pensamento majoritário. A tolerância política é imprescindível para
regular as relações entre as maiorias e as minorias e para servir de
princípio regente das relações entre as ideologias e grupos políticos
divergentes. A partir da proteção ao pensamento minoritário é que a
liberdade se apresenta como um típico direito fundamental de defesa,
23
Jónatas E. M. Machado, Liberdade de Expressão – Dimensões constitucionais da esfera pública
no sistema social, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2002, p. 266.
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que alberga em sua essência um espaço imune à restrições de qualquer
tipo, sejam estas impostas pelo executivo, legislativo ou judiciário.
Nesse sentido já ensinava Stuart Mill, ao tratar sobre a liberdade,
que “ quando a sociedade mesma é o tirano...seus meios de tiranizar
não estão limitados aos atos que podem realizar por meio de seus
funcionários públicos. A sociedade...exerce uma tirania social mais
formidável que muitas das opressões políticas, pois, apesar de não
fazer incidir penas tão graves, deixa menos meios de escapar delas,
pois penetra muito mais nos detalhes da vida e chega a encarcerar a
alma. Por isso, não basta a proteção contra a tirania do magistrado.
Necessitamos também a proteção contra a tirania da opinião e do
pensamento prevalecente, contra a tendência da sociedade de impor,
por meios distintos das penas civis, as próprias idéias e práticas como
regras de conduta a aqueles que dissente delas; a arrogar o
desenvolvimento e, se possível for, a impedir a formação de
individualidades originais e a obrigar a todos os caracteres moldarse sobre o seu próprio”.
O argumento central de Mill é escancarar que não existe uma
verdade absoluta que justifique as limitações à liberdade de expressão
individual. Proteger a liberdade, para ele, não é somente se manifestar
em favor da liberdade de consciência e de expressão, mas
principalmente lutar continuamente contra quem quiser restringí-la. A
ninguém é dado o direito de arvorar-se como conhecedor exclusivo
da verdade. Nenhuma idéia é infalível a ponto de gozar eternamente
do privilégio de ser admitida como verdadeira. Somente por meio
do contraste das opiniões e do debate pode-se completar o quebracabeça da verdade, unindo seus fragmentos.
A censura de conteúdo sempre foi a arma mais forte utilizada por
regimes totalitários a fim de impedir a propagação de idéias que lhes
são contrárias. A única restrição possível à liberdade de manifestação
do pensamento, de modo justificado, é quanto à forma de expressão,
ou seja, à maneira como esse pensamento é difundido. Por exemplo,
estaria configurado crime de racismo se o paciente, em vez de publicar
um livro no qual expõe suas idéias acerca da relação entre judeus e os
alemães na Segunda Guerra, como na espécie, distribuísse panfletos
nas ruas de Porto Alegre com os dizeres do tipo “morte aos judeus”,
“vamos expulsar estes judeus do país”. Mas nada disso aconteceu no
caso em julgamento, eis que o paciente restringiu-se a escrever e a
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difundir a versão da história vista com os próprios olhos. E assim o fez
a partir de uma pesquisa científica, com os elementos peculiares, tais
como método, objeto, hipótese, justificativa teórica, fotografias,
documentos das mais diversas ordens, citações. De posse disso,
imaginando-se integrado a um Estado Democrático de Direito, acionou
a livre manifestação, a convicção política sobre o tema tratado, exercitou
a livre expressão intelectual do ofício de escritor e editor, conforme
previsto nos incisos IV, VIII e XIII, art. 5o. da Constituição Federal.
A liberdade de expressão presta-se a construir uma sociedade
democrática, aberta e madura. Somente com esse intuito é que ela
encontra fundamento, o que importa dizer que, mesmo formando o
núcleo essencial do princípio democrático, não pode ser caracterizada
como direito absoluto. É nesse sentido que o sistema constitucional
brasileiro não agasalha o abuso da liberdade de expressão quando
o cidadão utiliza-se de meios violentos e arbitrários para a divulgação
do pensamento. É por isso também que nosso sistema constitucional
não identifica, no núcleo essencial do direito à liberdade de expressão,
qualquer manifestação de opinião que seja exacerbadamente
agressiva, fisicamente contundente ou que exponha pessoas à
situações de risco eminentes.
Não obstante, não pode servir de substrato para a restrição da
liberdade de expressão simples alegação de que a opinião
manifestada seja discriminatória, abusiva, radical, absurda, sem que
haja elementos concretos a demonstrarem a existência de motivos
suficientes para a limitação propugnada24. Significa compreender que
a liberdade de expressão encontra limites nos demais direitos
fundamentais, o que pode ensejar uma colisão de princípios.
Exatamente em face disso é que a matéria em cotejo deve ser
examinada com toda cautela.
Contempla os mais variados aspectos, que devem ser estudados
caso a caso mas, como afirma Robert Alexy25, tem um ponto em
comum: todas as colisões somente podem ser superadas se algum
tipo de restrição ou de sacrifício forem impostos a um ou aos dois
lados. Enquanto o conflito de regras resolve-se na dimensão da
24
Christoph Beat Graber e Gunther Teubner, Art and Money, Constitucional Rights in the private sphere? In Oxford
Judicial Legal Studies, 18, 1998, p. 66.
25
Konrad Hesse, Elementos de direito constitucional da república federal da Alemanha, Sérgio Fabris
Editor, 1998, pp. 309/310.
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validade, com esteio em critérios como “especialidade” – lei especial
derroga lei geral – ou “anterioridade” – lei posterior derroga lei
anterior – “hierarquia” – lei superior revoga inferior – o choque de
princípios encontra solução na dimensão do valor, a partir do critério
da “ponderação” que possibilita um meio-termo entre a vinculação
e a flexibilidade dos direitos. É que, no dizer de Bonavides, as regras
vigem, os princípios valem; o valor que neles se insere se exprime em
graus distintos. Os princípios, enquanto valores fundamentais,
governam a Constituição, o regímen, a ordem jurídica. Não são
apenas leis, mas o Direito em toda a sua extensão, substancialidade,
plenitude e abrangência26
A questão da colisão de direitos fundamentais com outros direitos
necessita, assim, de uma atitude de ponderação dos valores em jogo,
decidindo-se, com base no caso concreto e nas circunstâncias da
hipótese, qual o direito que deverá ter primazia. Trata-se de mecanismo
de resolução de conflito de direitos fundamentais, hoje amplamente
divulgado no Direito Constitucional Comparado e utilizado nas Cortes
Constitucionais no mundo.
Vale ressaltar que essa ponderação de valores e de concordância
prática entre os princípios de direitos fundamentais de um exercício
que, em nenhum momento, afasta ou ignora os elementos do caso
concreto, uma vez que é a hipótese de fato que dá configuração real
a tais direitos. Desta forma não é correto se fazer um exame entre
liberdade de expressão e proteção da dignidade humana de forma
abstrata e se tentar extrair daí uma regra geral. É preciso, a rigor,
verificar se, na espécie, a liberdade de expressão está configurada,
se o ato atacado está protegido por essa cláusula constitucional, se
de fato a dignidade de determinada pessoa ou grupo está correndo
perigo, se esse ameaça é grave o suficiente a ponto de limitar a
liberdade de expressão ou se, ao contrário, é um mero receio subjetivo
ou uma vontade individual de que a opinião exagerada não seja
divulgada, se o meio empregado de divulgação da opinião representa
uma afronta violenta contra essa dignidade, entre outras questões.
Esse tipo de apreciação é crucial para resolver a questão do habeas.
Há de se atentar para a realidade brasileira, evitando-se que
prevaleça solução calcada apenas na crença de que os judeus são
26
Colisão de Direitos Fundamentais e realização de direitos fundamentais no Estado de Direito Democrático. In
Revista de Direito Administrativo. 217: I-VI, Rio de Janeiro: Editora Renovar, jul/set. 1999.
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um povo sofredor e que amargaram os horrores do holocausto,
colocando por terra elementos essenciais.
A questão de fundo nesse processo diz respeito à possibilidade de
publicação do livro cujo conteúdo revela idéias preconceituosas e
anti-semitas. Em outras palavras, a pergunta a ser feita é a seguinte:
o paciente, por meio do livro, instigou ou incitou à prática do racismo?
Existem dados concretos que demonstram, com segurança, esse
alcance? A resposta para o Ministro é negativa. O fato de alguém
escrever um livro e outros concordarem com as idéias ali expostas
não quer dizer que isso irá causar uma revolução nacional. Mesmo
porque, infelizmente, o brasileiro medido não tem sequer o hábito de
ler. Tal fato, por si só, em um Estado Democrático de Direito, não
pode ser objeto de reprimenda direta e radical do Poder Público,
sendo esta possível somente quando a divulgação da idéia ocorra
de maneira violenta e com mínimos riscos de se propagar e de se
transforma em pensamento disseminado no seio da sociedade.
Diferentemente de outros meios que veiculam opiniões, o conteúdo
do livro não é transmitido ao leitor independentemente da vontade,
ou seja, não é o caso de um carro de som que fica jorrando idéias as
quais todos são obrigados a ouvir. O livro apenas representa um
pensamento e concede ampla liberdade ao público tanto na opção
da escolha do que deve ser lido como tomada de posição ao término
da leitura. Nessa ótica, o livro é democrático por excelência, já que o
poder de transformar os pensamentos em realidade não depende
dele ou de quem o publica, mas de quem o lê e o apreende, de quem
se interessa pelo tema ou título e desembolsa quantidade monetária
para obtê-lo ou se vale de empréstimo de uma biblioteca.
Por outro enfoque, questiona-se: a sociedade brasileira é predisposta
a praticar discriminações contra o povo judeu? Óbvio que a
predisposição é no sentido amplo, e não a períodos esporádicos de
nossa história. Nesse contexto, jamais se teve notícia de qualquer
tentativa de discriminação anti-semita entre nós. Ao contrário, no Brasil
as mais diferentes formas de divulgação da cultura judaica sempre
gozaram de amplo apoio do interesse popular. As instituições judaicas
funcionam como importantes centros de referência e são constantemente
reconhecidas como hospitais, sinagogas, centros de cultura, museus,
dentre outras. É induvidoso, pois, que inexistem no Brasil os pressupostos
sociais e culturais aptos a tornar um livro de cunho preconceituoso
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contra o povo judeu verdadeiro perigo atentatório à dignidade desta
comunidade. O mesmo não se pode afirmar, contudo, em relação a
países como a Alemanha em que as chagas dessa ferida ainda não
restaram totalmente curadas. O direito de liberdade de expressão
naquele país, nesse tema, seria muito mais restrito e um caso concreto
viria a ser tratado com muitíssimo mais rigor.
Assim, o Supremo deve examinar a realidade social concreta, sob
pena de incidir no equívoco de efetuar o julgamento a partir de
pressupostos culturais europeus, a partir de acontecimentos de há muito
suplantados e que não nos pertencem, e, com isso, permitir a construção
de uma limitação direta à liberdade de expressão do nosso povo
baseada em circunstâncias históricas alheias à nossa realidade. Com
base nesses argumentos, concede a ordem propugnada pelo paciente.
Por maioria, o F denegou a ordem de habeas corpus ao paciente,
considerando que escrever, editar, divulgar e comerciar livros “fazendo
apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias” contra a
comunidade judaica constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de
inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). Sedimentou
a compreensão de que, com a definição e o mapeamento do genoma
humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja
pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por
quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam
como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres
humanos. Na essência são todos iguais. A divisão dos seres humanos
em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social.
Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a
discriminação e o preconceito segregacionista. Decidiu que a obra do
paciente representa concepção atentatória dos princípios nos quais se
erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade
e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio
social. Condutas e evocações aéticas e imorais que implicam repulsiva
ação estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a
afrontar o ordenamento infraconstitucional e constitucional do País.
Imprescindível que haja compatibilização dos conceitos etimológicos,
etnológicos, sociológicos, antropológicos ou biológicos, de modo a
construir a definição jurídico-constitucional do termo. Interpretação
teleológica e sistêmica da Constituição Federal, conjugando fatores e
circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram sua formação
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e aplicação, a fim de obter-se o real sentido e alcance da norma.
Acentua que a liberdade de expressão é garantia constitucional
que não se tem como absoluta, eis que teve respeitar limites morais e
jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua
abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude
penal. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem
ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos
na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte).
O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o
“direito à incitação ao racismo”, dado que um direito individual não
pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede
com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade
da pessoa humana e da igualdade jurídica. No estado de direito
democrático devem ser intransigentemente respeitados os princípios
que garantem a prevalência dos direitos humanos. Finalmente, que
a ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se como alerta
grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a
reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência
jurídica e histórica não mais admitem.
Referências Bibliográficas:
ABBAGNO. Incola. Diccinaario de FFilosofia
ilosofia, trad. Galletti. Fondo
ilosofia
de Cultura Econômica, México, 1993.
ALEXY, Robert. Theorie der Grundrechte, Frankfurt am Main, 1986.
ALEXY,______. Colisão de Direitos Fundamentais e realização de direitos
fundamentais no Estado de Direito Democrático. In Revista de Direito
Administrativo
Administrativo. 217: I-VI, Rio de Janeiro: Editora Renovar, jul/set. 1999.
ALEXY______: palestra proferida na Fundação Casa Rui
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Barbosa, Rio de Janeiro, em 10-12-98.
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GENOMA HUMANO: O DIREITO À INTIMIDADE E
O NOVO CÓDIGO CIVIL
Loreci Gottschalk Nolasco1
Resumo
Resumo: Neste artigo, pretende-se demonstrar os problemas que o Projeto Genoma
Humano acarreta do ponto de vista do direito à intimidade e, principalmente,
as luzes que o novo Código Civil oferece para solucioná-los. Para isso,
serão necessárias algumas considerações sobre o Projeto Genoma
Humano, os limites éticos e jurídicos de pesquisa científica e sobre o atual
conceito de intimidade, levando sempre em consideração que a intimidade
é um dos núcleos que compõem os direitos de personalidade.
Palavras-Chave: Bioética - Direito Civil - Direitos
1. Introdução
Um passo significativo e decisivo da ciência foi dado no ano de
1944, quando se identificou o DNA2 como base molecular dos genes,
isto é, quando se descobriu que os genes são formados de DNA. A
genética, entendida como a ciência que tem por objeto de estudo
fragmentos mais ou menos largos de DNA, que podem ser
identificados e isolados dentre toda massa molecular do indivíduo,
portanto, não é algo recente.
No entanto, desde a descoberta do DNA como base molecular
dos genes até os nossos dias, em que costumeiramente se fala de
genoma humano e de clonagem humana com tanta freqüência, como
se comenta qualquer outro aspecto da vida, o processo de evolução
do objeto de estudo da genética foi muito rápido, impedindo,
sobretudo, que houvesse um acompanhamento legal adequado destes
fatos sociais e científicos por parte da ciência jurídica como
Mestre em Direito pela Unigran/UnB. Professora na UEMS.
DNA - Ácido desoxirribonuclêico – material genético que contém informações determinantes dos caracteres
hereditários transmissíveis à descendência. Materiais biológicos suscetíveis à análise do DNA, para fins forenses:
sangue, em qualquer quantidade, mesmo que seja um respingo encontrado em madeiras, papéis, vestes, instrumentos
pérfuro-cortantes, projéteis, no solo etc; esperma em preservativos usados, encontrados no local do crime, ou em
vestes; tecidos moles (músculo, vísceras); pêlos (com a raiz, pois é a região onde se encontram células satisfatórias
para análise); restos de peles (podem ser encontradas embaixo das unhas das vítimas e/ou suspeitos); urina, saliva,
secreções diversas, observando que é possível encontrar resíduo de saliva em guimbas de cigarro, envelopes,
copos, goma de mascar, além de outros substratos mencionados para o sangue.
1
2
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instrumento de regulação da vida em sociedade.
Com efeito, só recentemente o Direito começou a se preocupar
com as conseqüências jurídicas da genética e do seu objeto de estudo,
já que, somente a partir da década de 1990, quando começaram a
ser difundidos os estudos relativos à transgênesis (estudos de plantas
e animais transgênicos) e à clonagem (procedimento capaz de
reproduzir réplicas de determinado material biológico tanto de
animais, quanto de seres humanos) é que tais conseqüências
começaram a ter importância do ponto de vista jurídico,
principalmente, porque, a partir da clonagem de animais e da
possibilidade de clonagem humana, começou-se a falar em violação
do princípio da dignidade humana, regulado no art. 1º, III, da
Constituição Federal como princípio fundamental, e, por conseguinte,
de violação aos direitos fundamentais relacionados com esse
princípio: o direito à vida, à intimidade, à liberdade e à igualdade,
dos quais falaremos mais adiante.
Os avanços científicos cursam geralmente adiante do Direito,
que retarda a sua acomodação a conseqüências daqueles. Esse
assincronismo entre ciência e Direito origina um “vazio” jurídico
que permite ao filósofo, ao médico e ao jurista refletirem e
proporem ajustes ao sistema.
A chamada engenharia genética possibilitou, por exemplo, a
modificação programada do patrimônio genético das células e,
com isso, do organismo ao qual a célula pertence. Com
promessas para o tratamento e a eliminação de enfermidades
por imperfeições genéticas, trouxe consigo também os temidos
riscos da construção de novas formas de seres vivos.
Maria Celeste Cordeiro dos Santos, citando Ferrando Mantovani
informa que as preocupações, nos âmbitos nacional e internacional
são “de que as tecnologias genéticas sejam usadas não com e
para o homem, mas contra o homem; e com a exigência, cada vez
mais acusada, de que surja uma regulamentação jurídica que fixe
os limites de sua licitude, assim como seus controles”. A autora
afirma ainda que:
A moderna tecnologia reprodutiva produz o colapso de princípios e
axiomas jurídicos que até agora se tinham por absolutos: a regra mater
semper certa est, a presunção de paternidade do marido, a presunção
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de direito sobre a duração da gravidez (entre 180 e 300 dias), o
princípio da inalienabilidade do estado civil, a consangüinidade do
parentesco e das ordens genealógicas etc.3
A recente preocupação jurídica não consiste, portanto, em impedir
a utilização da genética, mas em criar mecanismos para a tutela
dos direitos fundamentais envolvidos em caso de sua violação, bem
como de evitar que a utilização maciça das novas descobertas
científicas converta a humanidade em cobaia que possa ser utilizada
de qualquer maneira e a qualquer custo em nome da ciência. Em
outras palavras, o Direito se preocupa com a coisificação do ser
humano que pode advir da utilização desmedida das descobertas
científicas e da sua comercialização em grande escala, na lição de
Flavia de Paiva Medeiros de Oliveira.4
No atual momento, os juristas precisam se perguntar se a
regulação jurídica que o novo Código Civil confere aos direitos
de personalidade é suficiente e adequada para enfrentar uma
realidade social em que a genética se torna cada vez mais presente
na vida cotidiana do ser humano.
2. O Projeto Genoma Humano
Vivemos em uma época de transição e incerteza. A possibilidade
da eugenia, discriminação, clonagem total ou parcial de seres
humanos e, por outro lado, a cura de doenças de origem genética,
patentes de genes humanos são questionamentos que vieram à baila
com a revolução introduzida pelas técnicas de engenharia genética,
culminando com o Projeto Genoma Humano.
O conjunto de informações contidas nos cromossomos de uma
célula denomina-se genoma, e o DNA (ácido desoxirribonucléico)
é o portador da mensagem genética, podendo ser imaginado
como uma longa fita onde estão escritas, em letras químicas, os
caracteres de cada ser humano, sendo, por isso, sua imagem
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro dos. O Equilíbrio do Pêndulo, a Bioética e a lei: implicações médicolegais. SP: Ícone, 1998, p. 23, 28 e29.
4
OLIVEIRA, Flávia de Paiva Medeiros de. Genoma Humano, Direito à Intimidade e o Novo Código Civil. Revista
Prática Jurídica
Jurídica. n.15, 30 de junho de 2003, p. 34.
3
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científica. O Projeto Genoma visa o conhecimento de todo o código
genético humano e de suas alterações, que são as causas de quatro
mil moléstias hereditárias. Para tanto tem procurado identificar os
cem mil genes existentes nos quarenta e seis cromossomos
componentes do genoma humano.
Para Maria Helena Diniz, o Projeto Genoma Humano constitui um
dos mais importantes empreendimentos científicos dos séculos XX e XXI
e um dos mais fascinantes estudos que poderia ter sido feito nesta nova
era científica. Com isso o genoma humano,
que é propriedade inalienável da pessoa e patrimônio comum da
humanidade (art. 1º da Declaração Universal sobre o Genoma e Direitos
Humanos), passará a ser a base de toda pesquisa genética humana dos
próximos anos. Esse projeto, ao descobrir e catalogar o código genético
da espécie humana, efetuando um mapeamento completo do genoma
humano, possibilitará a cura de graves enfermidades, explorando as
diferenças entre uma célula maligna e uma normal para obter
diagnósticos de terapias melhores.5
A importância da descoberta do genoma humano reside na
possibilidade de se personalizar a medicina, ou seja, realizar
tratamentos que se baseiam em conhecimento mais detalhado da
fisiologia de cada pessoa, uma vez que o código genético da
pessoal determina, em muitos casos, sua reação a um
medicamento, inclusive efeitos colaterais.
Entretanto, às esperanças de cura acopla-se um biopoder
incomensurável, decorrente das possibilidades de métodos tecnológicos
sofisticados de cerceamento da liberdade e aumento da opressão racial
e étnica, além do biopoder implícito ao saber manipular a vida via
transgenicidade, hibridismo e clonagem, segundo Celeste Leite dos
Santos Pereira Gomes e Sandra Sordi.6
Para as autoras, o Projeto Genoma Humano visa decodificar as
informações contidas nos nossos cromossomos. Ou seja, isso implica
a decodificação de três bilhões de elementos que compõem o livro
da vida. Mas, segundo elas, uma vez seqüenciado cada gene e
identificada a informação que contém, assim como o lugar que ocupa
no cromossomo, não parece complexo imaginar o passo seguinte:
DINIZ, Maria Helena. O estado atual do Biodireito
Biodireito. SP: Saraiva, 2002, p.388/389.
GOMES, Celeste Leite dos Santos Pereira & Sordi, Sandra. Aspectos Atuais do Projeto Genoma Humano, in SANTOS,
Maria Celeste Cordeiros Leite (Org), Biodireito
Biodireito: ciência da vida, os novos desafios. SP: RT, 2001, p. 169-195.
5
6
6 0
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“tratar de modificar o genoma, extraindo cromossomos supernumerários,
agregando genes sãos, eliminado os que apresentem deficiências, ou
alterando-os.” 7
O Projeto Genoma fará com que os genes sejam identificados e a
informação concentrada neles poderá determinar vidas humanas e
destruir iniciativas pessoais. A dignidade e liberdade humanas não
podem ficar à mercê da manipulação biocientífica. Poderiam se
estabelecer bancos de dados de DNA individual e as agências
governamentais, a polícia, os empresários, as companhias de seguros,
os empregadores, etc., poderiam fazer mau uso dos mesmos. O
potencial do Projeto Genoma é para o bem, mas suas dimensões
ultrapassam nossa imaginação e mostram a crescente complexidade
desse campo. As questões éticas colocadas no projeto dizem respeito,
essencialmente, ao acesso e ao uso das informações e à apropriação
econômica e jurídica de seus resultados.
Segundo a Declaração de Bilbao, celebrada em Reunião
Internacional nos dias 24 a 26 de maio de 1993, na Espanha, as
reflexões feitas e conclusões obtidas foram as seguintes:
O desenvolvimento total da cartografia do genoma humano abrirá uma
nova era na investigação da natureza, estrutura e funções dos genes, o
que proporcionará uma visão nova – até agora inimaginável – da fisiologia
humana e permitirá conhecer as enfermidades genéticas. De fato já se
identificaram as bases moleculares de um grande número deles e, à medida
que o projeto avance, são de esperar novos descobrimentos, novas terapias
de prevenção e melhora da saúde humana. O projeto contribuirá também
para definir a identidade individual com uma exatidão sem precedentes.
Há que se reconhecer, sem dúvida, a existência de alguns perigos, uns
conhecidos, e outros que se intuem. É a outra face do projeto. Os
participantes da Reunião Internacional lembraram alguns lamentáveis
exemplos do mau uso da experimentação científica e de práticas eugênicas
em décadas anteriores, que servem para alertar a Humanidade, os cientistas
e os juristas, sobre certos riscos que podem surgir à medida que o Projeto
Genoma Humano avance. Os participantes são conscientes também da
possibilidade de utilizar a informação genética para dividir grupos e
discriminar pessoas, em definitivo, para vulnerar direitos humanos
universalmente admitidos. Por isso, consideraram oportuno estabelecer
certos princípios que devem ser respeitados. Todas as sociedades civilizadas
7
Idem, ibidem, p. 171.
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se organizam legalmente apoiadas no princípio de respeito à dignidade
humana e na proteção dos direitos humanos individuais. As variações
genéticas, do mesmo modo que a diversidade social, constituem atributos
dos seres humanos livres. A idéia de uma ‘perfeição’ genética e da
eliminação, por meios genéticos, da preciosa variedade da humanidade é
socialmente repulsiva e apresenta um grande risco para a espécie humana,
que tem sobrevivido e evoluído, como resultado das inúmeras diferenças
genéticas individuais. Por isso a variedade cultural demanda um definido
e harmônico marco de leis nacionais e acordos internacionais.8
Para Maria Celeste Cordeiro dos Santos, os temas abordados na
Declaração, destacaram a existência de problemas legais a resolver,
tais como:
1 – Incidência da genética na liberdade da pessoa, na formação da
vontade, na conduta humana e, como conseqüência, em sua
responsabilidade ou culpabilidade, o que tem especial repercussão no
direito penal; 2 – Respeito aos direitos humanos, segundo estão
consagrados nas Constituições dos Estados democráticos e acordos
internacionais, como limite na utilização de técnicas genéticas referentes
ao ser humano; 3 – Proteção à intimidade pessoal ou confidencialidade
na informação genética e determinação dos supostos em que é possível
alterá-la ou transformá-la; 4 – Patenteamento dos genes e seqüências
humanas fixando limites, direitos de propriedade, benefícios econômicos;
5 – Fixação de limites precisos para certas formas de engenharia genética
que afetam a individualidade, identidade e variabilidade do ser humano
por grave risco que supõem para a dignidade pessoal e para a evolução
natural da herança genética; 6 – Utilização da informação genética no
campo de seguros e utilização de provas genéticas no campo trabalhista,
quando envolverem discriminações não justificáveis; 7 – Tensão entre a
demanda de liberalização total na utilização ou aplicação da investigação
e experimentação científica e a proteção de certas liberdades humanas
que podem correr riscos pela difusão e utilização não autorizada de
informação genética.9
A enumeração da seqüência dos pares de base que formam o DNA
traz inúmeros benefícios à espécie humana, ao mesmo tempo que
gera inúmeros problemas do ponto de vista jurídico, na lição de Flávia
de Paiva Medeiros de Oliveira.
8
9
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro dos. Op. cit. p. 66.
Idem, ibidem, p. 66/67.
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Para a autora, os benefícios podem ser assim resumidos:
a) melhora do nível de vida do ser humano, ao permitir conhecer
as alterações genéticas que acarretam anomalias moleculares
capazes de deteriorar o funcionamento das células;
b) permite uma administração individualizada de medicamentos,
feita de acordo com a alteração genética e com a anomalia molecular
constatada, sendo esta administração de fundamental importância
no tratamento de algumas doenças como, por exemplo, o câncer, o
mal de Alzheimer e a esquizofrenia.
Em contrapartida, os problemas jurídicos suscitados também são
inúmeros, tais como os relativos à divulgação dos dados obtidos
e que fazem parte da informação genética secundária do ser
humano, a proteção da privacidade frente a terceiros nos aspectos
concernentes, por exemplo, às relações trabalhistas e às
seguradoras, ao dilema sobre revelação de dados genético, ao
assessoramento genéticos, ao diagnóstico pré-natal e ao aborto
eugênico, entre tantos outros que têm relação com o princípio da
dignidade humana. 10
Maria Celeste Cordeiro dos Santos salienta que a chegada da
engenharia genética possibilitou a modificação programada do
patrimônio genético de uma célula e, portanto, do organismo a que a
célula pertence, seja este um organismo monocelular ou pluricelular e,
inclusive, até a construção de novas formas de seres vivos. Citando
Mantovani afirma que as vantagens potenciais da tecnologia ética residem:
“a) sobre o plano industrial e agrícola para produção de alimentos,
energias e matérias primas; b) sobre o plano da terapia
farmacológica para a produção de proteínas humanas e animais e
c) sobre o plano da terapia gênica, cheia de promessas para o
tratamento e eliminação de enfermidades devidas a imperfeições
genéticas (inclusive o câncer). No entanto ressalta que são grandes
os riscos de que “as tecnologias genéticas sejam usadas não com e
para o homem, mas contra o homem; e com a exigência cada vez
maior, de que surja uma regulamentação jurídica que fixe os limites
de sua licitude assim como seus controles.”11
10
11
OLIVEIRA, Flávia de Paiva Medeiros de. Op. cit. p. 36.
SANTOS, Maria Celeste Cordeiro dos. Op. cit. p. 161.
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Com efeito, a autora leciona que:
Os instrumentos jurídicos são o meio adequado, ainda que não o único,
e muitas vezes tampouco o mais eficaz, para regulamentar essas
atividades vinculadas ao patrimônio genético. Eles devem garantir que
todos os seres humanos se beneficiem dos progressos derivados das
investigações sobre o genoma humano e ao mesmo tempo os proteja
de suas aplicações desviadas ou não desejáveis.12
Por fim, urge a tomada de medidas, inclusive legislativas, que
orientem os cientistas em seu trabalho na seara da biotecnologia
para salvaguardar a sobrevivência da espécie humana e o respeito
da dignidade do ser humano, evitando sua coisificação, pois como
vimos, a biotecnologia poderá lesar alguém ou alterar sua
qualidade de ser único e irrepetível e até mesmo modificar seu
patrimônio genético, transformando sua identidade e a das
gerações presentes e futuras. Tal é a gravidade do assunto, que a
Constituição Federal, no art. 225, § 1º, incumbiu o Poder Público
de preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético
do País e de fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e à
manipulação de material genético. As implicações éticas dos
avanços biotecnológicos são conducentes a um paradigma de
racionalidade ética contido no art. 1º, III, da Carta Magna, o
respeito à dignidade humana, que deve servir de diretriz a todo
aplicador do direito, inclusive ao Poder Legislativo. Para Maria
Helena Diniz, “O respeito que o ser humano deve a si mesmo é a
verdadeira medida da atuação do direito para assegurar a
adequação da conduta dos cientistas às pautas axiológicas que
realizem e concretizem o fundamento constitucional da dignidade
humana, pois, se assim não fosse, transformar-se-ia o homem de
sujeito em objeto, de fim em meio, assegurando-se sua destruição
e não sua sobrevivência.”13
12
13
Idem, ibidem, p. 74.
DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p.385/386.
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3. Limites Éticos e Jurídicos de Investigação em Seres
Humanos
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, IX, proclama a
liberdade da atividade científica como um dos direitos
fundamentais, mas isso não significa que ela seja absoluta e não
contenha qualquer limitação, pois há outros valores e bens jurídicos
reconhecidos constitucionalmente, como a vida, a integridade física
e psíquica, a privacidade, etc. Que poderiam ser gravemente
afetados pelo mau uso da liberdade de pesquisa científica. Nesse
passo, Maria Helena Diniz ensina que “Nenhuma liberdade de
investigação científica poderá ser aceita se colocar em perigo a
pessoa humana e sua dignidade. A liberdade científica sofrerá as
restrições que foram imprescindíveis para a preservação do ser
humano na sua dignidade.”14
Para a autora, os bioeticistas devem ter como paradigma o respeito
à dignidade da pessoa humana, que é o fundamento do Estado
Democrático de Direito e o cerne de todo o ordenamento jurídico.
Assim sendo, “não poderão bioética e biodireito admitir conduta que
venha a reduzir a pessoa humana à condição de coisa, retirando dela
sua dignidade e o direito a uma vida digna”.15
Mas, qual o significado de dignidade do homem, quando se está
diante de uma infinidade de valores em sociedades plurais?
Significativamente, por dignidade do homem entende, Maria de
Fátima Freire de Sá, ser “‘o maior dos valores’, ou o ‘princípio jurídico
supremo’, ou ainda o ‘princípio constitucional supremo’”.16
Foi nesse sentido que a Declaração sobre a Utilização do Progresso
Científico e Tecnológico no Interesse da Paz e em Benefício da
Humanidade, em seu art. 6º dispõe: “Todos os Estados adotarão
medidas tendentes a estender a todos os estratos da população os
benefícios da ciência e da tecnologia e a protegê-los, tanto nos
aspectos sociais quanto materiais, das possíveis conseqüências
negativas do uso indevido do progresso científico e tecnológico,
inclusive sua utilização indevida para infringir os direitos do indivíduo
Idem, ibidem, p. 7, 8.
Idem, ibidem, p. 17.
16
FREIRE DE SÁ, Maria de Fátima. Biodireito
Biodireito. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 96/97.
14
15
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ou do grupo, em particular relativamente ao respeito à vida privada
e à proteção da pessoa humana e de sua integridade física e
intelectual.” No mesmo passo a Convenção sobre Direitos Humanos
e Biomedicina, em seu art. 2º prescreve: “os interesses e o bem-estar
do ser humano devem prevalecer sobre o interesse isolado da
sociedade ou da ciência”.
O Projeto Genoma Humano, por sua própria natureza e em razão
de ser a herança da humanidade, envolve muitas questões éticojurídicas, como:
a) O Direito à vida, fundamento de todos os demais direitos
humanos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício
de todos os demais direitos. A vida humana é amparada juridicamente
desde o momento da fecundação natural ou artificial do óvulo pelo
espermatozóide (CC, art. 2º, Lei n. 8.974/95 e CP arts. 124 a 128). O
direito à vida integra-se à pessoa até o seu óbito, abrangendo o direito
de nascer, o de continuar vivo e o de subsistência, mediante trabalho
honesto (CF, art. 7º) ou prestação de alimentos (CF, arts. 5º, LXVII, e
229), pouco importando que seja idosa (CF, art. 230), nascituro,
criança, adolescente (CF, art. 227), portadora de anomalias físicas
ou psíquicas (CF, art. 203, IV, 227, § 1º, II), que esteja em coma ou
que haja manutenção do estado vital por meio de processo mecânico.
O direito à vida deverá ser respeitado ante a prescrição
constitucional de sua inviolabilidade absoluta, sob pena de se destruir
ou suprimir a própria Constituição Federal, acarretando a ruptura do
sistema jurídico. Seria inadmissível qualquer pressão no sentido de
uma emenda constitucional relativa à vida humana, como, por
exemplo, a referente à legalização do aborto, pois o art. 5º é cláusula
pétrea.
Por isso, entende Maria de Fátima Freire de Sá que:
A liberdade e a dignidade são valores intrínsecos à vida, erigidos à
categoria de princípios, de modo que não deve a vida ser considerada
bem supremo e absoluto, acima dos dois primeiros valores, sob pena de o
amor natural pela vida transformar-se em idolatria. E a conseqüência do
culto idólatra à vida é a luta, a todo custo, contra a morte.17
17
FREIRE DE SÁ, Maria de Fátima. Op. cit. p. 111.
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b) O respeito aos direitos e à dignidade humana, pois todos têm
direito ao reconhecimento desta, independentemente de seus
caracteres genéticos, conforme dispõe a Declaração Universal do
Genoma Humano e dos Direitos Humanos nos arts. 2º e 6º, 10, 11,
15, 21 e 24, prescrevendo especialmente que “nenhuma pesquisa
relativa ao genoma humano poderá prevalecer sobre a dignidade
humana e o respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais,
nem mesmo sendo permitidas quaisquer práticas contrárias à
dignidade humana, como a clonagem reprodutiva de seres humanos”
(arts. 10 e 11). Além disso, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos das Gerações Futuras estabelece no art. 3º que é “proibido
causar dano, de qualquer maneira que seja, à forma humana de vida,
em particular com atos que comprometam de modo irreversível e
definitivo a preservação da espécie humana, assim como o genoma
e a herança genética da Humanidade, ou tendam a destruir, no todo
ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”. No
mesmo sentido a Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos
e a Dignidade do Ser Humano em face da Biologia e da Medicina,
subscrita em 1996 por 21 membros do Conselho da Europa, na
cidade de Oviedo, capital das Astúrias na Espanha, determina que
“Nada pode atropelar a dignidade humana, valor máximo que é.
Os interesses do ser humano só não têm prevalência sobre ameaças
à saúde e segurança pública, bem como direitos a liberdade dos
cidadãos. Engenharia Genética: só será permitida com fins preventivos
para diagnóstico e terapia. Jamais poderá alterar o patrimônio
genético da descendência”.
c) Direito à intimidade genética (preservação da privacidade da
informação genética), amparado pela Declaração Universal sobre o
Genoma Humano e Direitos Humanos da Unesco (1997) e pelo
Código de Nuremberg (1947). Há de reconhecer-se a existência de
um novo âmbito inviolável em cada pessoa, constituído por sua
estrutura genética própria dentro da qual resultará ilícita toda a
intromissão arbitrária e toda publicidade posterior. O art. 7º da
Declaração reza: “se deverá proteger nas condições estipuladas pela
lei a confidencialidade dos dados genéticos associados com uma
pessoa identificável”. No mesmo sentido o art. 5º esclarece que
pesquisas, tratamentos ou diagnósticos que afetem o genoma de uma
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pessoa só poderão dar-se após uma rigorosa avaliação prévia dos
potenciais riscos e benefícios a serem incorridos, depois de
consentimento prévio, livre e informado da pessoa envolvida. A
Declaração de Bilbao também assinala: “A intimidade pessoal é
patrimônio exclusivo de cada pessoa e deve ser imune a qualquer
intromissão. O consentimento informado é requisito indispensável para
interferir nela”. Além disso, no novo Código Civil brasileiro, o art. 15
traz a seguinte redação: “Ninguém pode ser constrangido a submeterse, com risco de vida, a tratamento médico, ou intervenção cirúrgica”.
Para a professora Maria Helena Diniz:
O DNA é a imagem da sua pessoa e representa um tipo especial de
propriedade por conter informações diferentes de todos os outros tipos de
informação pessoal. Suas imagem científica não deve ser invadida, por
mera curiosidade, pois exame e rastreamento genéticos apenas podem ser
realizados por razões terapêuticas e com o consenso da pessoa ou de seus
familiares.18
d) Direito à liberdade. Na análise genético-preventiva o paciente
pode inteirar-se de antemão de sua propensão à enfermidades graves,
de revés esta informação, se conhecida por terceiros, pode acarretar
a estigmatização social. Em caso de terapia genética, a pessoa deve
ser informada dos procedimentos, riscos e probabilidade de cura,
devendo assim seu consentimento ser prévio, livre e informado. Urge
salientar, ainda, “que deve ser respeitado o direito da pessoa de decidir
se será ou não informada dos resultados dos seus exames genéticos e
das conseqüências resultantes. Cada pessoa tem, portanto, o direito
inalienável de conhecer ou não a informação contida em seus genes”,
na lição de Maria Helena Diniz.19
e) Direito à igualdade. O desenvolvimento do Projeto Genoma
Humano traz consigo a possibilidade de uma nova forma de
discriminação de caráter biológico, baseando-se no código genético,
o que fere o princípio da igualdade de todos os homens, presente em
todas as sociedades democráticas. Nesse passo, a Convenção para
18
19
DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 394/395.
Idem, ibidem, p. 393.
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a Proteção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano,
com respeito à aplicação da Biologia e da Medicina, no cap. IV:
“genoma humano”, art. 11 expressamente prevê:
i) não discriminação, sob pena de ferir o princípio da igualdade
constitucional. O desenvolvimento do Projeto Genoma Humano traz
consigo a possibilidade de uma nova forma de discriminação de
caráter biológico, baseando-se no código genético.20
ii) teste genético indicativo: enquanto sirva para identificar o sujeito
como portador de um gene responsável de uma doença ou a descobrir
uma predisposição genética a uma doença, podem ser efetuados só
com finalidade sanitária, desde que respeite a vida e a integridade e
não envolvam riscos, antes tenham em vista a cura, a melhoria das
condições de saúde ou a sobrevivência individual.
iii) intervenções sobre o genoma humano: aquela capaz de modificar
20
- O Projeto de Lei do Senado Federal 149/97 define crimes resultantes de discriminação genética as seguintes
condutas: negar, limitar ou interromper cobertura de plano de saúde com base em informação genética do
estipulante ou segurado, assim como estabelecer prêmios diferenciados com base em tal informação; negar, limitar
ou interromper cobertura por plano de saúde com base em informação genética do contratante ou beneficiário,
assim como estabelecer mensalidades diferenciadas com base em tal informação; recusar, negar ou impedir
matrícula, ingresso e permanência de alunos em estabelecimentos de ensino público ou privado; impedir inscrição
em concurso público ou qualquer outra forma de recrutamento e seleção pessoal com base em informação genética
do postulante; impedir casamento ou convivência familiar e social de pessoas, com base em informação genética
das mesmas; divulgar informação genética de uma pessoa, a menos que haja prévia autorização por escrito.
- A título de exemplificação, citamos as seguintes situações de discriminação: Na Alemanha foi elaborado “um
arquivo de dados” de DNA de todas as pessoas condenadas por homicídio, estupro, agressão sexual, abuso e
corrupção de menores. A Inglaterra recentemente anunciou a criação de um banco de dados de DNA para os
meramente suspeitos de práticas de crimes. Trata-se de uma forma de controle social, política de exclusão, de
discriminação genética, em muitos contextos da vida de relação. Nos Estados Unidos, Terri deveria ser uma história
de sucesso científico. Uma falha genética torna-a suscetível a paradas respiratórias. A descoberta pode salvar sua
vida, mas fez com que perdesse o emprego. Foi demitida o ano passado porque foi considerada “um risco”. Foi o
primeiro caso de discriminação genética dos EUA (Folha de SP, 20.09.2000, p. A-11). Centenas de americanos
estão perdendo o emprego ou seguro-saúde por causa dos avanços genéticos. Só em Massachusetts foram
relatados 582 casos de pessoas discriminadas por “falhas” em seus genes. Mas o lobby de empresas e seguradoras
está impedindo o Congresso de aprovar legislação para impedir o acesso a informações genéticas e o seu uso como
critério para contratar e demitir.
- Outro fator importante a ser analisado dentro da não-discriminação é a chamada eugenia – ciência que estuda
as condições mais propícias à reprodução e melhoramento da raça humana. Especialistas afirmam, que em anos
próximos, marcadores genéticos para características humanas como altura, peso ou mesmo coordenação motora,
tendência musical e habilidade intelectual, poderão estar disponíveis no mercado. Na Índia, por exemplo, milhares
de abortos já são realizados somente com base no sexo do feto. Nos Estados Unidos, um alarmante estudo revelou
que 10% das mulheres entrevistadas não hesitariam em abortar uma criança propensa à obesidade. No próximo
século, as informações reveladas pelo Projeto Genoma permitirão aos médicos selecionar os fetos, produzindo em
laboratório um extraordinário número de características físicas e comportamentais. Pela primeira vez na história, os
pais decidirão que tipo de criança nascerá. Em outros termos, a eugenia é a manipulação genética que de per se
implicaria a possibilidade de os pais escolherem o sexo de seus bebês, troca de genes supostamente defeituosos
por outros “sadios”, escolhas de ordem estética, racial que comportaria uma forma de seleção artificial da espécie.
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o genoma humano pode ser realizada somente com finalidade
preventiva, diagnóstica ou terapêutica, e só se o seu objetivo não for
aquele de introduzir qualquer modificação no genoma de qualquer
descendente; é o caso, por exemplo, da terapia genética, em que a
pessoa deve ser informada dos procedimentos, riscos e probabilidade
de cura, devendo assim seu consentimento ser prévio, livre e
informado, o que vem de acordo com o art. 7º do Pacto Internacional
de Direitos Civis e Políticos de 16/12/1966, que traz como fundamento
da ética biomédica o princípio do livre consentimento de uma pessoa
submetida a um experimento científico ou médico.
iv) proibida a criação de embriões humanos com a finalidade de
pesquisa: atualmente a França, através da Lei n. 94.653 de julho de
1994, castiga com pena de 20 anos de reclusão, a prática de eugenia
dirigida a organização e seleção de pessoas, e com pena de 7 anos
de prisão e 700 mil francos de multa, a concepção in vitro de embriões
com fins industriais ou comerciais.
4. O atual conceito de intimidade e sua regulação
no novo Código Civil.
Tradicionalmente, o direito à intimidade foi concebido como o
direito do ser humano a manter intacta, desconhecida, incontaminada
e inviolada sua zona íntima e familiar. Noutros termos, consiste na
faculdade atribuída ao ser humano de manter um âmbito próprio e
reservado frente à ação e conhecimento dos demais, considerandose como um direito necessário para desfrutar de uma mínima
qualidade de vida.
No entanto, em conseqüência das novas tecnologias informáticas
e biológicas, impõe-se conceituar a intimidade como sendo a garantia
conferida ao ser humano de que ele não será vítima de intromissões
ou investigações indesejadas sobre sua vida privada e que tais
intromissões não podem ser divulgadas, assim como a garantia de
que os dados pessoais do ser humano que se tornem conhecidos por
qualquer meio, sejam eles biológicos ou informáticos, não serão
propagados indiscretamente.
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Portanto, formam parte do conteúdo do direito à intimidade um
aspecto corporal e outro não corporal, que se refere às recordações,
à imagem, à identidade, aos dados armazenados em registros e
computadores, à vida familiar, à vida conjugal e amorosa, às afeições,
às comunicações pessoais e ao domicílio.
A genética, por sua vez, faz com que seja necessário falar em
intimidade genética, que consiste na garantia conferida ao ser humano
de determinar as condições de acesso à informação genética. Tal
intimidade compreende dois elementos.
O primeiro consiste no elemento objetivo, integrado pelo próprio
genoma ou por qualquer tecido ou parte do corpo humano em que
seja possível encontrar a informação genética, assim como pelo direito
de ter acesso às informações contidas no genoma. O segundo
elemento, denominado de subjetivo, consiste na autodeterminação
informativa, ou seja, na garantia conferida à pessoa investigada de
determinar quem e em que condições é possível ceder as informações
sobre o genoma.
O problema do ponto de vista do direito à intimidade, pode ser
resumido nas seguintes perguntas: quem e como informar os dados
genéticos obtidos através da técnica de seqüência do genoma
humano? Quais os requisitos que devem ser observados na obtenção
e transmissão dos dados obtidos?
O novo Código Civil tutela a intimidade no capítulo relativo aos
direitos de personalidade, protegendo os aspectos não corporais da
intimidade nos arts. 16, 17, 18, 19 (que tratam do direito ao nome) e
no art. 20 (que trata do direito à imagem), enquanto o aspecto corporal
da intimidade se encontra tutelado no art. 21, que faz referência à vida
privada como direito inviolável do ser humano, cabendo ao juiz, a
requerimento do interessado, adotar as providências necessárias para
impedir ou fazer cessar ato contrário a este direito.
A regulação dispensada pelo novo Código Civil à intimidade é
muito escassa e, além dos aspectos clássicos relativos ao nome e à
imagem, não enfrenta os problemas suscitados com a clonagem
humana, nem tampouco com a repercussão jurídica causada pela
determinação das seqüências de bases do DNA.
Com efeito, com base na Declaração Universal sobre o Genoma
Humano e Direitos Humanos de 1997 e pela Declaração Ibero-latinoamericana sobre ética genética, revisada em Buenos Aires em 1998,
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o novo Código Civil poderia ao menos ter lançado as bases gerais
para enfrentar o problema relativo às conseqüências jurídicas do
Projeto Genoma Humano sobre o direito à intimidade e demais
direitos de personalidade.21
Segundo Flávia de Paiva Medeiros de Oliveira, essas bases legais
atinentes à intimidade, que posteriormente poderiam servir para a
elaboração de lei que tratasse especificamente da matéria e de outros
aspectos relativos à genética, como é o caso da clonagem, podem
ser assim resumidas:
I) quanto aos princípios gerais, devem ser observados os seguintes:
- consentimento prévio livre e informado da pessoa interessada que
deve ser considerado em três momentos: a) autorização da pesquisa ou
tratamento terapêutico; b) divulgação dos dados obtidos; c)
armazenamento desses dados;
- privacidade da informação genética e exigência de consentimento
expresso para sua revelação a terceiros;
- não-utilização de informações genéticas com efeitos discriminatórios.
II) quanto aos direitos da pessoa submetida à análise científica ou
terapêutica, sobressaem:
- o direito à privacidade de cada pessoa com relação à manipulação,
ao armazenamento e à difusão da informação genética individual,
garantindo-se o não-uso dessas informações para fins diversos dos que
motivaram sua coleta;
- o direito a ser informado, ou não, dos resultados de teste genético e de
suas conseqüências, vez que esse direito é um dos pressupostos necessários
ao respeito da vida privada;
- o direito à indenização em caso de violação da privacidade e da
intimidade, na hipótese de inobservância do dever de confidencialidade
e de utilização das informações genéticas com intuito discriminatório.
III) quanto aos deveres do profissional envolvido na pesquisa genética:
- dever de guardar confidencialidade sobre a informação genética obtida;
A Lei n. 8.974/95 (Lei de Biossegurança) estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização no uso das técnicas
de Engenharia Genética na construção, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, liberação e descarte de
organismo geneticamente modificado (OGM), visando a proteger a vida e a saúde do homem, dos animais e das plantas, bem
como o meio ambiente, em seu art. 8º, incisos II, III e IV, veda, constituindo crime com pena de detenção ou reclusão variável
de acordo com a gravidade do resultado:
II – a manipulação genética de células germinais humanas;
III – a intervenção em material genético humano “in vivo”, exceto para o tratamento de defeitos genéticos, respeitando-se
princípios éticos, tais como o princípio de autonomia e o princípio de beneficência;
IV – a produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servir como material biológico disponível.
21
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- dever de evitar a propagação indiscreta das informações genéticas,
velando sempre para que a apresentação e utilização dos resultados
científicos obtidos sejam feitos respeitando a intimidade, a privacidade e
o anonimato das pessoas que tiveram seu genoma investigado.22
Quanto à proteção aos princípios da autodeterminação e da
intimidade da pessoa examinada, vimos ao estudarmos o direito à
intimidade genética que o art. 5º da Declaração Universal do Genoma
Humano e dos Direitos Humanos protege a vida privada da pessoa
envolvida em pesquisas, tratamentos ou diagnósticos que afetem o
genoma humano. Ou seja, refere-se à autonomia privada do paciente,
que no momento em que emitir sua decisão, deve estar esclarecido
do diagnóstico, do tratamento mais adequado a se implementar e
de seus efeitos, positivos e negativos. A decisão deve ser revestida do
maior número possível de informações, que devem ser passadas de
forma clara e abrangente, avaliando as opções de tratamento, riscos
e benefícios. Nos dizeres de Francisco Amaral, autonomia privada é
“o princípio pelo qual o agente tem a possibilidade de praticar um
ato jurídico, determinando-lhe o conteúdo, a forma e os efeitos”.23
Quanto ao direito à indenização nos casos acima mencionados,
refere-se à justiça no uso da informação genética para garantir e
proteger os direitos de todos, inclusive de populações vulneráveis,
como crianças, deficientes físicos e mentais, índios etc. Todo indivíduo
tem direito, segundo a lei internacional e nacional, à justa reparação
por danos morais e patrimoniais sofridos em razão de intervenção
que tenha afetado seu genoma (art. 8º da Declaração Universal do
Genoma Humano e dos Direitos Humanos).
Quanto à segurança e a eficácia da medicina genética, Maria
Helena Diniz assegura que o projeto de um mapa genético somente
poderá ser efetivado por um médico, sendo vedadas a transmissão,
a recopilação, o armazenamento e a valoração dos dados genéticos
por parte de organismos estatais ou privados. Assim sendo, afirma,
“as responsabilidades inerentes às atividades dos pesquisadores,
incluindo o cuidado, a cautela, a honestidade intelectual e a
integridade na realização de suas pesquisas e ainda na apresentação
e utilização de suas descobertas, deverão ser objeto de atenção
22
23
OLIVEIRA, Flávia de Paiva Medeiros de. Op. cit. p. 38.
AMARAL, Francisco. Direito Civil
Civil: Introdução. RJ:Renovar, 2000, p. 337/338.
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especial no quadro das pesquisas com o genoma humano, devido a
suas implicações ético-sociais.” 24
Considerações finais
Esqueceu o redator do novo Código Civil que a genética é um
aspecto real e atual da vida humana e um fenômeno em constante e
contínua evolução, razão pela qual se faz necessário estabelecer
princípios que permitam a evolução desse fenômeno científico sem
que haja agressão ao ser humano em seu bem mais fundamental
que é a dignidade, não servindo como justificativa para uma nãoregulação legal de tais princípios a alegação de que ainda é cedo
para tentar plasmar critérios definitivos sobre o tema.
Deveria, especialmente, ter o legislador atentado para o fato de
que o genoma humano é a base fundamental do indivíduo, assim
como não se deu conta de que se trata do fundamento para o
reconhecimento da dignidade e diversidade intrínseca do ser humano.
O que significa que qualquer manipulação indevida do genoma
implica uma violação da dignidade do ser humano.
Estamos em um momento chave para a humanidade. No futuro
conheceremos as origens de nossa espécie, sua maravilhosa
variedade, suas relações com todas as criaturas, seu lugar no meio
ambiente e sua visão de futuro. É essencial que os cientistas, filósofos,
médicos e juristas de hoje sejam capazes de responder às indagações
desta nova era com um sentido de justiça global.
Ao se defrontar com novos horizontes, o homem deve realizar uma
reflexão ética sobre os objetivos a alcançar e as possíveis
conseqüências, e nenhum objetivo, por mais benéfico que seja, pode
ser obtido através de ofensa ou degradação ao ser humano.
Em outras palavras, a intervenção do Direito visa a esclarecer práticas
que permaneceram muito tempo alijadas do processo jurídico e que
precisam, mais do que nunca, do reconhecimento da ordem jurídica, não
só pela garantia que este reconhecimento gera, mas e sobretudo porque
legitimadas pelo Direito refletem valores dominantes da sociedade; porque
o homem precisa de limites para administrar sua própria liberdade.
24
DINIZ, Maria Helena. Op. cit. p. 395.
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A lei se revela um instrumento suficientemente maleável para regular
as questões relativas à bioética. Ela deve interferir rapidamente, se
ajustar às novas conquistas tecnológicas e, sendo objeto de largo
debate parlamentar, vem imantada da legitimidade capaz de garantir
a validade de sua inserção no meio social concretizando o escopo
último de qualquer empreendimento do sujeito de Direito: o resgate
da dignidade humana.
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O EFEITO VINCULANTE DA DECISÃO DE MÉRITO
DA ADC E A ANÁLISE DO CASO CONCRETO
COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL
Adilson Josemar Puhl1
Resumo: O presente trabalho se propõe a abordar, resumidamente, a inafastabilidade
das peculiaridades do caso concreto mesmo havendo decisão de mérito
em Ação Declaratória de Constitucionalidade-ADC com efeito vinculante
e eficácia erga-omnes.
Palavras-Chave: Direito Constitucional - Princípios - Direitos
1.1 A Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC)
A Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) está prevista em
nível constitucional nos artigos 101, § 2º, e 103, § 4º e em sede infraconstitucional, na Lei 9.868, de 10.11.1999 (LADIN) que estabeleceu a
regulamentação pormenorizada do instituto. Através da ADC existe um
processo de verdadeira confirmação direta da Constituição Federal
através da realização de um conjunto de atos no sentido de afastar
incertezas quanto à constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.2
Um dos pontos que mais chamam a atenção sobre a ADC, são justamente
os efeitos da decisão final de mérito reconhecendo a constitucionalidade
do ato impugnado. A decisão final da ADC proferida pelo Supremo Tribunal
Federal, produz “eficácia contra todos e efeito vinculante, relativo aos demais
órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo”.3
A norma infra-constitucional reguladora da ADC (Lei n. 9.868, de
10.11.1999), em seu art. 28, é clara em tornar a decisão final de
eficácia erga omnes e com efeitos vinculantes, nos seguintes termos:
A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade,
inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração
Mestre em Direito Constitucional pela UnB/UNIGRAN. Professor das disciplinas de Introdução ao Estudo do
Direito, História do Direito, Direito Civil I, Prática de Processo do Trabalho, Direito Internacional no Centro Universitário
da Grande Dourados – UNIGRAN. Advogado do Município de Dourados(MS).
2
QUEIROZ, Ari Ferreira de. Direito Constitucional
Constitucional. 8. ed. Goiás: IEPC, 1998, p. 128.
3
Constituição da República Federativa do Brasil. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 73, art. 101, § 2º.
1
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parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia
contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder
Judiciário e à Administração Pública Federal, estadual e municipal.4
Em outras palavras, conforme a legislação antes vista, a sentença
tem eficácia subjetiva erga omnes “e a força dessa declaração
submetem-se, obrigatoriamente, as autoridades que têm por
atribuição aplicar a norma questionada, vale dizer, os órgãos do Poder
Judiciário e da Administração Pública”.5
Os termos da lei que emprestam efeitos erga omnes e vinculante às
decisões finais de mérito sobre a ADC, têm levado há alguns equívocos
na forma de interpretar os mencionados dispositivos, a tal ponto de
se negar mesmo à aplicação do princípio da proporcionalidade aos
casos concretos. Isto é assim porque uma vez declarada 6 a
constitucionalidade do ato normativo, este goza da presunção juiris
tantum de conformidade com a Constituição Federal não sendo
possível, pelos efeitos determinados em lei a sua afastabilidade em
certo caso concreto.
Sobre a interpretação do que seja efeito erga omnes e vinculante, o
Supremo Tribunal Federal, nas palavras do Ministro Moreira Alves,
no julgamento da ADC n. 01, assim se manifestou: “a eficácia contra
todos ou erga omnes já significa que todos os juízes e tribunais, inclusive
o Supremo Tribunal Federal, estão vinculados ao pronunciamento
judicial.7 No mesmo julgamento, ainda ponderou o relator sobre as
conseqüências do efeito vinculante:
a) se os demais órgãos do Poder Judiciário, nos casos sob seu julgamento,
não respeitarem a decisão prolatada nessa ação, a parte prejudicada
poderá valer-se do instituto da reclamação para o Supremo Tribunal
Federal, a fim de que este garanta a autoridade dessa decisão; e b)
essa decisão (e isso se restringe ao dispositivo dela, não abrangendo –
como sucede na Alemanha – os seus fundamentos determinantes) alcança
os atos normativos de igual conteúdo daquele que deu origem a ela
mas que não foi seu objeto, para o fim de, independentemente de nova
Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 1020.
ZAVASCKI, Teori A. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional
constitucional. São Paulo: RT, 2001, p. 51.
6
A expressão declara é utilizada em consonância com a decisão da ADC que tem natureza declaratória conforme
consolidado pensamento doutrinário: “A sentença que afirma a constitucionalidade da norma tem natureza
declaratória: ela declara que a norma é compatível com a Constituição e, conseqüentemente, é válida. Da mesma
forma, é declaratória a sentença que afirma a inconstitucionalidade.” Ibidem
Ibidem, p. 48.
7
STF, ADC n. 1, Relator Ministro Moreira Alves, RTJ 157:377.
4
5
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ação, serem tidos por constitucionais ou inconstitucionais, adstrita essa
eficácia aos atos normativos emanados dos demais órgãos do Poder
Judiciário e do Poder Executivo, uma vez que ela não alcança os atos
emanados do Poder Legislativo.8
Efetivamente, dentro do sistema adotado entre nós, o efeito vinculante
da decisão confere uma força obrigatória e qualificada, com
conseqüência processual de assegurar, em caso de recalcitrância dos
destinatários, a utilização do meio executivo chamado de reclamação.9
Portanto, no julgamento do caso concreto o juiz na análise do mérito do
pedido, “deverá ser compatível com a sentença da ação proferida na
ação de controle concentrado”.10
Interessante notar que mesmo sendo um processo de natureza
objetiva,11 a interpretação lançada para concluir pela constitucionalidade
da medida se torna vinculante para os demais órgãos judiciais e para
as autoridades administrativas em geral.12
autopurificação
Trata-se de um verdadeiro fenômeno da “autopurificação
autopurificação”13do
direito, onde se busca sua total purificação ou eliminação das antinomias
internas. Por isso mesmo, tudo aquilo que estiver contrário a Constituição
deve ser eliminado do mundo jurídico ou, mesmo o ato normativo que
estiver sob suspeita de inconstitucional, deve ser declarado constitucional,
se assim o for, dissipando as dúvidas e reinstalando a paz normativa.
1.2. O Supremo Tribunal Federal e a Analise do Caso
Concreto
Em interessante acórdão relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence,
restou claro que o juízo de razoabilidade deve ser feito caso a caso, levandose em conta os bens juridicamente tutelados e em conflito no caso concreto.
Veja-se a ementa do acórdão:
STF, ADC n. 1, Relator Ministro Moreira Alves, RTJ 157:382.
Teori Albino ZAVASCKI, Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional
constitucional, p. 52.
Ibidem
Ibidem, p. 56.
11
Ibidem
Ibidem, p. 43.
12
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional
Constitucional. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 615.
13
DWORKIN, Ronald. O império do direito
direito. Trad. Jeffersdon Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999,
p. 477. Afirma o professor de Harvard que o fenômeno de autopurificação jamais se encerra, nunca atingindo a
pureza final, mas sempre aprimorando-se com relação à geração anterior.
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Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Medida Provisória
173, de 18.03.90, que veda a concessão de medida liminar em ações
ordinárias e cautelares decorrentes das Medidas Provisórias números
151, 154, 158, 160, 161, 162, 164, 165, 167 e 168: indeferimento
do pedido de suspensão cautelar da vigência do diploma
impugnado: razões dos votos vencedores.
Sentido da inovadora alusão constitucional à plenitude da garantia
da jurisdição contra a ameaça a direito: ênfase à função preventiva
da jurisdição na qual se insere a função cautelar e, quando necessário,
o poder de cautela liminar. Implicações da plenitude da jurisdição
cautelar, enquanto instrumento de proteção ao processo e de
salvaguarda da plenitude das funções do Poder Judiciário.
Admissibilidade, não obstante, de condições e limitações legais
ao poder cautelar do juiz. A tutela cautelar e o risco do
constrangimento precipitado a direitos da parte contrária, com
violação da garantia do devido processo legal.
Conseqüente necessidade de controle da razoabilidade das leis
restritivas do poder cautelar. Antecedentes legislativos de vedação de
liminares de determinado conteúdo. Critério de razoabilidade das
restrições, a partir do caráter essencialmente provisório de todo
provimento cautelar, liminar ou não.
Generalidade, diversidade e imprecisão dos limites do âmbito de
vedação de liminar da MP 173, que, se lhe podem vir, afinal, a
comprometer a validade, dificultam demarcar, em tese, no juízo de
deliberação sobre o pedido de sua suspensão cautelar, até onde são
razoáveis as proibições nela impostas, enquanto contenção ao abuso
do poder cautelar, e onde se inicia, inversamente, o abuso das limitações
e a conseqüente afronta à plenitude da jurisdição ao Poder Judiciário.
Indeferimento da suspensão liminar da MP 173, que não prejudica,
segundo o relator do acórdão, o exame judicial em cada caso concreto
de constitucionalidade, incluída a razoabilidade, da aplicação da
norma proibitiva da liminar a Considerações, em diversos votos, dos
riscos da suspensão cautelar da medida impugnada.
O que se observa no transcrito acórdão é que o Supremo Tribunal
Federal reconheceu a possibilidade do exame judicial dos bens em jogo,
tendo em vista cada caso concreto, mediante a aplicação do princípio
da proporcionalidade. Realmente, ao assumir que as restrições ao poder
cautelar devem ser analisadas conforme um critério de razoabilidade e
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que os termos da MP 173, por si só, não poderiam evitar “o exame
judicial em cada caso concreto da constitucionalidade, incluída a
razoabilidade”, reconheceu o STF, que não obstante existir norma a incidir
concretamente sobre o caso, esta pode ser afastada tendo por base a
análise do caso concreto, ou seja, dos bens e valores em conflito.
Outra decisão que chama atenção é a proferida na ADIn n. 319/
DF, onde o STF, mediante os argumentos colhidos pelo relator
Ministro Moreira Alves, “não fez mais do que ponderar e relativizar
o peso dos princípios concorrentes e, diante das circunstâncias do
caso”. 14 Ora, em casos concretos semelhantes, mesmo
considerando que os mesmos valores estejam em jogo,
dependendo das circunstâncias do caso, outra poderia ser a
decisão do Tribunal. Deste modo, se e quando, diante de um outro
caso, aqueles mesmos princípios voltarem a entrar em conflito,
“novamente a depender das circunstâncias o tribunal poderá levar
a cabo um balanceamento diverso, atribuindo maior peso ao
princípio que, na situação anterior, recebera menor ponderação”.15
Nota-se assim, a importância que a análise individual de cada
caso concreto, em especial dos bens em colisão, tem para a
realização da justiça. Mesmo considerando casos concretos com
os mesmos valores em colisão, dependendo da ponderação que
as circunstâncias mereçam na busca da justiça, as decisões
poderão ser diferentes, preponderando em um outro valor
sobreposto no caso similar.
Reforça ainda a necessidade de se analisar cada caso
concreto, com suas particularidades, até mesmo para afastar
a aplicação de ato normativo considerado constitucional pelo
STF, em sede de ADC, que não existe uma hierarquia fixa, e
abstrata dos diversos valores constitucionalmente protegidos 16 ,
o que ressalta a sensibilidade do Magistrado para ponderar
os valores que necessitem de maior proteção no caso concreto
e afasta a possibilidade de se criar uma regra absoluta e
abstrata de ponderação.
COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação constitucional
constitucional. Porto Alegre: Fabris, 1997, p. 83.
Ibidem, p. 83.
Ibidem
Inocêncio Mártires COELHO, Interpretação constitucional
constitucional, p. 84. Ressalta, contudo o autor que apenas o
valor dignidade da pessoa humana está em situação hierarquicamente superior ao demais.
14
15
16
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1.3. A Ponderação não é Subjetiva ou Arbitrária
Como ensina o professor J.J. GOMES CANOTILHO:
[...] o balanceamento de bens situa-se jusante da interpretação. A actividade
interpretativa começa por uma reconstrução e qualificação dos interesses
ou bens conflituantes procurando, em seguida, atribuir um sentido aos
textos normativos e aplicar. Por sua vez, a ponderação visa elaborar critérios
de ordenação para, em face dos dados normativos e factuais, obter a
solução justa para o conflito de bens.17
Alguns autores tributam a ponderação de bens do caso concreto
uma verdadeira técnica de livre interpretação, vez que “o peso dado
a cada valor jurídico variaria segundo uma pauta sem qualquer
apoio em princípios metodológicos, o que conduziria a resultados
não-controláveis”18. Neste sentido FRIEDRICH MÜLLER assevera que
a ponderação oferece “um padrão lingüístico cômodo” que conduz
a “juízos de valor subjetivos de uma justiça do caso, a qual poderia
ser, nos quadros do Estado de Direito, subseqüentemente
generalizada.”19
Como corolário desta crítica muitos concluíram que só seria
legítima uma ponderação de valores quando levada a efeito pelo
legislador, porque, afinal, ele é o poder democrático que sintetiza
o pluralismo político, tendo a Constituição lhe atribuído a
responsabilidade de concretização dos conteúdos de liberdade e
justiça. Assim, o intérprete só poderia negar a validade a uma lei
ou restringir seu sentido se na ponderação expressa na lei houvesse
o conflito com a vontade do constituinte.20
Contudo, o exercício de decidir leva em conta a ponderação
dos bens que estão em conflito, o que é elemento primeiro para
aplicação da norma positiva. A ponderação que deve ser realizada
não se perde no campo inconsistente do subjetivismo.
Muito pelo contrário, como ensina SUZANA DE TOLEDO BARROS:
eoria da Constituição
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e TTeoria
Constituição. 3. ed. Coimbra:
Almedina, 1999, p. 1110.
18
BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade
das leis restritivas de direitos fundamentais.
fundamentais 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 170-171.
19
Apud Suzana de Toledo BARROS, op. cit.
cit., p. 171.
20
Suzana de Toledo BARROS, O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade
das leis restritivas de direitos fundamentais
fundamentais, p. 171.
17
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[...] a questão da ponderação radica na necessidade de dar a esse
procedimento um caráter racional e, portanto, controlável. Quando o
intérprete pondera bens em caso de conflito entre direitos
fundamentais, ele estabelece uma precedência de um sobre o outro,
isto é, atribui um peso maior a um deles. Se se pode estabelecer uma
fundamentação para esse resultado, elimina-se o irracionalismo
subjetivo e passa-se para o racionalismo objetivo.21
A questão da ponderação está afeita a criar-se um método
racional, capaz de tornar está num procedimento controlável, pois
[...] quando o intérprete pondera os bens em caso de conflito entre
direitos fundamentais, ele estabelece uma precedência de um sobre o
outro, isto, é, atribui um peso maior a um deles Se se pode estabelecer
uma fundamentação para esse resultado, elimina-se o irracionalismo
subjetivo e passa-se para o racionalismo objetivo.22
No sentido de tornar a ponderação racional, mediante a
fundamentação justificadora da precedência de um bem sobre o
outro, o professor ROBERT ALEXY citando uma decisão do Tribunal
Constitucional Federal alemão, onde havia o conflito entre dois
valores: de um lado a proteção à personalidade (P1) e a proteção
à liberdade de informação (P2), suponde-se a precedência de
P1. Neste caso, a eventual repetição do informe televisivo onde
se mostra a ocorrência de um delito grave, que via de
conseqüência, poderia prejudicar na ressocialização do autor (C2
– condição que incide sobre os valore s em questão). Assim, no
caso concreto, sob a condição proposta (C2), deve prevalecer o
bem P1. Frise-se que na escolha entre os bens em jogo utilização
a metáfora P, ou seja, peso. Pode-se elaborar a seguinte fórmula
para representar o caso:
(1)
(P1 P P2) C2
De acuerdo con la ley de colisión, de aquí se sigue la regla:
(2)
C2 – R,
que, bajo la condición C2, ordena la consecuencia jurídica de P1 (R).23
Ibidem, p. 172.
Ibidem, p. 172.
Ibidem
23
ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales
Fundamentales. Centro de Estúdios Constitucionales: Madrid,
1997, p.158.
21
22
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Assim, no conflito entre os valores dá-se prevalência àquele, que
P). Para evitar dúvidas sobre o
no caso concreto, alcança maior peso (P
que significa a relação de pesos utilizada para determinar a
prevalência dos bens, afirma ROBERT ALEXY que existe uma relação
de precedência condicionada: o princípio P1 tem, em um caso
concreto, um maior peso que o princípio oposto P2, quando existem
razões suficientes para que P1 preceda a P2, sob as condições C dadas
no caso concreto. Tem-se assim, a formulação de uma lei de colisão,
essencial para a solução racional dos conflitos observáveis nos casos
concretos. Necessariamente, a ponderação deve ser fundamentada
racionalmente, in verbis:
Una poderación es racional si el enunciado de preferencia al que conduce
puede ser fundamentado racionalmente. De esta manera, el problema de
la racionalidad de la ponderación conduce a la cuestión de la posibilidad
de la fundamentación racional de enunciados que establecen preferencias
condicionadas entre valores o principios opuestos.24
Sem dúvida, “a questão da ponderação é, portanto, uma questão
de contrabilidade do resultado restritivo que se adote para um direito
em conflito, exsurgindo desse procedimento a importância do
princípio da proporcionalidade”.25
1.4. Forma de Atuação do Princípio da Proporcionalidade
no Caso Concreto
Na realidade, o princípio da proporcionalidade, pode e deve ser
observado sempre da analise dos casos concretos, mesmo onde se
discute ato normativo já declarado constitucional pelo Supremo
Tribunal Federal. Como antes visto, o princípio da proporcionalidade
ou razoabilidade encontra no Estado de Direito sua principal morada
e não pode ser cerceado sumariamente pela decisão da ADC. Não
existe incompatibilidade entre os efeitos da ADC e a aplicação do
Juiz, em um caso concreto do princípio da proporcionalidade, até
Ibidem
Ibidem, p.158.
Suzana de Toledo BARROS, O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade
das leis restritivas de direitos fundamentais
fundamentais, p. 172.
24
25
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mesmo quando isto acarrete o afastamento da norma já declarada
constitucional pelo STF.
O Magistrado quando analisa o caso concreto submetido a
julgamento, leva em conta os valores ou princípios26 que estão em
jogo na causa, ponderando eventualmente aquele que deve se
sobrepor ao outro, principalmente levando-se em consideração os
direitos fundamentais encartados na Constituição Federal.
Assim, as colisões entre os valores e bens em conflito num caso concreto
são absolutamente inevitáveis e fogem ao controle de qualquer decisão
judicial proferida pelo Supremo Tribunal Federal. Segundo ensina BARROS
“as colisões podem decorrer, ainda, do confronto entre direitos individuais
e bens jurídicos da comunidade, como a saúde pública, segurança
pública, defesa nacional”.27
Resta que a ponderação dos bens em jogo é elemento inevitável
para o deslinde da causa, principalmente quando todos são,
igualmente, dentro do Estado de Direito, titulares de direitos
fundamentais.28 De fato, de acordo com SOUZA NETO “vários valores
podem incidir sobre um caso concreto, e induzir a decisão em sentidos
completamente divergentes”,29 cabendo ao Julgador analisar cada um
destes valores e ponderar sobe aquele que melhor fará justiça ao caso.
Neste sentido cinge-se a atividade concreta dos tribunais e juízes
que é alcançar justamente a adesão, através da utilização de
argumentos convincentes e razoáveis, da comunidade jurídica e dos
jurisdicionados em geral,30 o que certamente só será conquistado com
a avaliação precisa e prudente dos bens juridicamente tutelados e
em conflito no caso concreto. Demonstrando a necessidade de se
avaliar os bens jurídicos em jogo, tendo em vista os valores que cada
um representa, adverte o professor JÜRGEN HABERMAS:
26
Segundo entende Cláudio Pereira de Souza Neto, a idéia de valores é intercambiável com a de princípios: “Para
a tópica, a idéia de valores é intercambiável com a de princípios”. No mesmo sentido o autor ainda explica que na
teoria de Robert ALEXY, a única diferença entre valores e princípios consiste em que os primeiros possuem uma
estrutura axiológica, enquanto os segundos possuem uma estrutura deontológica. No entanto, isso não implica que
as reflexões relativas aos valores não se apliquem também aos princípios e vice-versa. SOUZA NETO, Cláudio
Pereira de. Jurisdição Constitucional, Democracia e Racionalidade Prática
Prática. Rio de Janeiro: Renovar,
Fundamentales,
2002, p. 141 e 251, nota 482. No mesmo sentido Robert ALEXY, Teoria de los Derechos Fundamentales
constitucional 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.
p. 138; e ainda BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional.
256, identifica a “jurisprudência de valores” com a “jurisprudência dos princípios”.
27
O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de
direitos fundamentais
fundamentais, p. 169.
28
Robert ALEXY, Teoria de los Derechos Fundamentales
Fundamentales, p.121.
29
Jurisdição Constitucional, Democracia e Racionalidade Prática
Prática, p. 250.
30
Ibidem
Ibidem, p. 141.
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Normas e princípios possuem uma força de justificação maior do que a de
valores, uma vez que podem pretender, além de uma especial dignidade
de preferência, uma obrigatoriedade geral, devido ao seu sentido
deontológico de validade; valores têm que ser inseridos, caso a caso, numa
ordem transitiva de valores. [...]31
E complementa o mestre alemão que “a partir do momento em
que direitos individuais são transformados em bens e valores, passam
a concorrer em pé de igualdade, tentando conseguir a primazia em
cada caso singular”.32 Assim, os direitos fundamentais expressos em
valores, concorrem em cada caso concreto cada qual objetivando
sua supremacia em relação ao concorrente, onde o aplicador da
norma deve encontrar mediante a ponderação destes, aquele que,
no caso, mais se aproxima da idéia de justiça.
Com feito, neste particular de se analisar os valores em discussão
em cada caso concreto, exsurge a aplicação do princípio da
proporcionalidade para conformar os bens em colisão.
Tem-se ainda, que a Constituição Federal brasileira está permeada
por pontos de vista que refletem uma pluralidade de modelos,
especialmente o estado social e o liberal, exsurgindo princípios como
a livre iniciativa, a garantia da propriedade priva, a livre concorrência
e, simultaneamente, a função social da propriedade, a valorização
do trabalho, a defesa do consumidor, a redução das desigualdades
regionais, a busca do pleno emprego e a justiça social, além de outros.
Além do que, hoje muitos direitos sociais não são exercitáveis
apenas contra o Estado, mas sim, cada vez mais os conflitos de
interesses se voltam entre os cidadãos,33 cada um tendo um bem
protegido pela ordem jurídica, cabendo ao Poder Judiciário,
harmonizar este conflito, mediante a ponderação objetiva de qual
interesse está a prevalecer no caso concreto.
Para SOUZA NETO, “diante da alegada impossibilidade de
realização integral de todos os princípios, caberia ao magistrado
fundamentar seu argumento naquele que se mostrasse mais razoável,
mas conveniente, mais justo no caso concreto”.34
HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia entre facticidade e validade
validade. Trad. Flávio Beno Siebeneichler.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, v. I, 1997, p. 321.
32
Ibidem
Ibidem, p. 321.
33
FARIA, José Eduardo. Direitos humanos, direitos sociais e justiça
justiça. Malheiros: São Paulo, 1998, p. 131.
34
Cláudio Pereira de SOUZA NETO, Jurisdição Constitucional, Democracia e Racionalidade Prática
Prática, p. 163.
31
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Como observa o mestre cearense PAULO BONAVIDES, essas
situações concretas de conflito entre bens jurídicos, “igualmente
habilitados a uma proteção do ordenamento jurídico se acham em
antinomias, têm revelado a importância do uso do princípio da
proporcionalidade”.35 Neste passo, “o princípio da proporcionalidade
é um princípio concretizador da idéia de justiça presente no princípio
do Estado de Direito”,36 aplicado diretamente no caso concreto, tendo
em vista os bens em conflito.
Uma vez declarada a constitucionalidade de determinado ato
normativo pela via abstrata, o juiz ou tribunal que analisam o caso
concreto envolvendo a aplicação do mesmo ato normativo estão por
força da Constituição Federal obrigados a respeitar e se conformar
com essa decisão. Contudo, como antes dito, isto não impede a
aplicação do princípio da proporcionalidade ou razoabilidade no
caso concreto, muito pelo contrário, assim determina a prudência e
bom senso.
Neste sentido, SUZANA DE TOLEDO BARROS, ao comentar
sobre a decisão do STF que declarou a constitucionalidade da
MP 173, aponta que:
A corte reconheceu a possibilidade de abuso, mesmo quando, em
abstrato, se tem por constitucional a medida legal restritiva. Esta
colocação do Min. Sepúlveda Pertence evidencia que um juízo de
proporcionalidade em abstrato não exclui um juízo de
proporcionalidade da lei em face da situação concreta.37
E continua a autora dizendo que em atenção ao princípio da
proporcionalidade, “o juiz, deparando com a norma legal impeditiva
da tutela necessária a um certo direito pode vir a afastá-la. Deve,
porém, esgotar a possibilidade de uma interpretação conforme a
Constituição,
norteada
também
pelo
princípio
da
38
proporcionalidade”.
A análise dos bens em conflito no caso concreto é extremamente
importante para a confecção de uma decisão mais justa. Realmente,
através de uma decisão de constitucionalidade tomada em ADC, não
Paulo BONAVIDES, Curso de direito constitucional
constitucional, p. 387.
STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade
proporcionalidade.
Porto Alegra: Livraria do Advogado, 2001, p. 160.
37
O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de
direitos fundamentais
fundamentais, p. 118-119.
38
Ibidem
Ibidem, p. 119. Nota de rodapé 115.
35
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existe a preciosa verificação da relação concreta e individual que a
matéria merece.39 Justamente no intuito de analisar o caso concreto
com suas peculiaridades que fogem a discussão na ADC, é que o
magistrado não pode se esquivar de sobrepesar os bens em conflito
e se eventualmente considerar que, em especial naquele caso concreto,
a decisão de constitucionalidade do STF poderá levar a manifesta
injustiça, deverá afastar a incidência ato normativo.
Neste momento, deve-se alertar que não trata de desrespeito ao
efeito vinculante e erga omnes da decisão do STF, mas sim, mera
analise dos bens envolvidos no caso concreto, o que foge de longe a
decisão de constitucionalidade na ADC. O Magistrado ao afastar a
incidência do ato declarado constitucional pelo STF, não o declara
inconstitucional ou invalido, como ocorre no controle difuso de
constitucionalidade,40 mas sim que, tendo em vista as peculiaridades
dos bens em colisão, a aplicação do ato normativo fica prejudica.
Assim, em verdade, o Julgador não discute a constitucionalidade ou
não do ato normativo, mas sim a pertinência de sua aplicação, tendo
em vista o conflito real de bens.
Na via de controle difusa, abstrata ou de exceção, “o que é outorgado
ao interessado é obter a declaração de inconstitucionalidade somente
para o efeito de isentá-lo, no caso concreto, do cumprimento da lei ou
ato, produzido em desacordo com a Lei maior”.41 Nesta via incidental
é necessária a analise de constitucionalidade, sem a qual não ocorrerá
o deslinde do caso concreto.42
Situação totalmente inversa ocorre na analise dos bens em conflito e
que pode levar o Julgador a afastar o ato normativo declarado
constitucional. O que está em discussão é a pertinência ou não da
aplicação do ato normativo, sem qualquer analise sobre sua
constitucionalidade, eis que está já está confirmada pela decisão do
STF. O que se busca é verificar quais os valores ou bens em conflito e
qual deles está a se sobrepor ao outro, com a aplicação do princípio da
proporcionalidade ou razoabilidade, que tem por vocação própria ser
aplicado ao conflito de valores no caso concreto. Neste particular o
Teori Albino ZAVASCKI, Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional
constitucional, p. 43.
ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das sentenças na jurisdição constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001, p. 25.
41
Alexandre MORAES, Direito Constitucional
Constitucional, p. 565.
42
Ibidem
Ibidem, p. 566.
39
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professor PAULO BONAVIDES ensina sobre o princípio da
proporcionalidade: “princípio cuja vocação se move sobretudo no sentido
de compatibilizar a consideração das realidades não captadas pelo
formalismo jurídico, ou por este marginalizadas, com as necessidades
atualizadoras de um Direito Constitucional projetado sobre a vida
concreta e dotado da mais larga esfera possível de incidência – fora,
portanto, das regiões teóricas, puramente formais e abstratas.” 43
Destarte, a analisa abstrata de constitucionalidade feita em sede de
ADC pelo STF não pode de modo algum impedir que o Magistrado
avalie os bens em conflito no caso real e concreto, aplicando sempre a
proporcionalidade, para chegar a conclusão de qual seja a medida
mais justa. Se concluir que a aplicação do ato normativo causaria um
desequilíbrio na ponderação dos bens conflituosos, pode e deve afastar
a norma ou ato normativo. Repise-se, o Julgador neste procedimento,
não declara inconstitucional ou constitucional o ato, como ocorre na via
difusa, mas apenas discute a pertinência da aplicação tendo em vista a
situação real.
É importante frisar que a escolha de um dos valores em detrimento do
outro não segue a regra do tudo ou nada. O valor que é tido como não
preponderando no caso concreto continua existindo normalmente na
ordem jurídica, não perde de modo algum sua validade e proteção.
Para SOUZA NETO “decisões que impliquem afirmativas do tipo ‘este
valor é nulo’ não possuem a menor coerência São efetivamente decisões
impossíveis. As decisões que se fundam em valores devem
necessariamente ser acompanhadas de boas razões justificados das
escolhas feitas”.44
Na discussão sobre a importância de se ponderar os valores em jogo
no caso concreto, tem ensejado a manifestação de alguns magistrados.
Neste sentido, EVILÁSIO CORREIA DE ARAÚJO FILHO, comentando sobre
o efeito vinculante em Ação Direta de Constitucionalidade, da Lei n.
9.494/97, que disciplinou a aplicação da tutela antecipada contra
Fazenda Pública, assim argumenta:
Em outras palavras, quero dizer o seguinte: entre o direito constitucional à
vida, ao alimento, ao sustento, à dignidade humana... e o direito
43
44
Curso de direito constitucional
constitucional, p. 395.
Jurisdição Constitucional, Democracia e Racionalidade Prática
Prática, p. 250.
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instrumentalizado, de índole processual, que impossibilita a concessão do
instituto processual (antecipação de tutela) em favor do servidor que não
recebe seu vencimento, qual deveria ser a opção do Juiz??45
Ora, o Magistrado deve sem dúvida respeitar a decisão de
constitucionalidade proferida em sede de ADC, mas deve analisar os
bens em conflito no caso concreto e ponderar sobre os efeitos negativos
e positivos que a escolha de um ou outro podem trazer para aos
interessados e para a própria ordem jurídica vigente. Escolhendo um
ou outro bem em conflito, fundamentará a preferência condicionada,
mediante uma ponderação racionalmente fundamentada.
Assim, por exemplo, pode-se citar a criação de uma norma que
limite o consumo de energia elétrica tendo em vista a necessidade
imperiosa do país. Tal norma é declarada constitucional mediante
decisão final de mérito proferida em ADC pelo STF. Contudo,
determinado Juiz Federal analisa processo judicial onde se requer o
aumento de cotas de consumo para especificada residência, em
virtude da existência de pessoa que depende para sobreviver de
aparelho ligado continuamente na rede de energia. Neste caso em
analise, o Magistrado se vê perante dois bens juridicamente tutelados
pela ordem constitucional. De um lado, o interesse coletivo que exige
de todos uma parcela de sacrifício para alcançar-se a metas do
racionamento e evitar efeitos mais desastrosos ao país. Em outro
vértice, o particular que tem direito à vida, à integridade física e que
depende do provimento jurisdicional para se manter. O que deve fazer
o Juiz? Cumprir o efeito vinculante da decisão da ADC? A resposta é
afirmativa, cumprir o efeito vinculante da ADC, mas analisar os bens
que estão em conflito no caso concreto e ponderar justificadamente
qual deles deve prevalecer. Utilizando a fórmula proposta por ALEXY,46
pode-se montar o seguinte enunciado:
P1 = interesse coletivo
P2 = direito à vida do particular
C2= condições que incidem sobre o caso concreto (morte do
particular caso não concedida a tutela jurisdicional favorável).
45
ARAÚJO FILHO, Evilásio Correia de. Paradigma de uma efetividade possível – A positivação da
proporcionalidade.
tutela antecipada na lei processual civil e o princípio constitucional da proporcionalidade
Coletânea doutrinária, editora Plenum, Folio Infobase, Coordenação Cláudio Gilberto Aguiar Höer e Heleno
Tregnago Saraiva.
46
Teoria de los Derechos Fundamentales
Fundamentales, p.121.
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Assim, sobre as condições C2, deve prevalecer o bem vida
assegurado ao particular.
Em assim procedendo o Magistrado, estará mantendo intocado o
efeito vinculante das decisões da ADC, contudo, estará deixando de
aplicar o ato considerado constitucional, não por divergir da decisão
do STF, mas sim porque os bens em conflito no caso concreto exigem
uma analise mais detalhada do que o simples cumprimento de uma
fórmula pré-estabelecida longe das condição de cada caso concreto.
Nesta fundamentação levada a efeito para justificar a preferência
condicionada, pode o julgador citar alguma regra correspondente,
fazer referência ao legislador constituinte e as conseqüências negativas
de uma outra alternativa possível, aos consensos dogmáticos e
decisões anteriores.47
Não existe desrespeito ao efeito vinculante, repise-se, pelo contrário,
o Magistrado ao afastar a aplicação do ato normativo declarado
constitucional pelo STF, o faz para apaziguar os bens em conflito. Neste
processo não declara a inconstitucionalidade do ato, como ocorre no
controle difuso de constitucionalidade, mas tão-somente se atem as
condições sobre as quais os valore em jogo devem ser analisados.
Sem embargos, o efeito vinculante das decisões declaratórias de
constitucionalidade pela via da ADC não é incompatível com a
aplicação do princípio da proporcionalidade e, conseqüente,
afastamento do ato normativo naquele caso concreto.
Assinala o professor PAULO BOANVIDES que:
[...] o critério da proporcionalidade é tópico, volve-se para a justiça do caso
concreto ou particular, se aparenta consideravelmente com a eqüidade e é
um eficaz instrumento de apoio às decisões judiciais que, após submeterem
o caso a reflexões prós e contras (Abwägung), a fim de averiguar se na
relação entre meios e fins não houve excesso (Übermassverbot), concretizam
assim a necessidade do ato decisório de correção...48
Ou uma decisão que harmonize os valores em conflito. Não se
trata de exigir dos Magistrados uma atuação como aquela teorizada
por RONALD DWORKIN na figura do Juiz Hercules que sempre
encontraria apenas um caminho a seguir, ou seja, uma resposta à
47
48
Ibidem
Ibidem, p.159.
Curso de direito constitucional, p. 387.
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ponderação feita no conflito de valores, observado no caso concreto.49
Até mesmo porque “quando afirma a necessidade de um juiz com
poderes divinos para engendrar tal teoria, parece reconhecer a
impossibilidade de realizá-la concretamente”.50
O que se visa, é demonstrar que a função de julgar o caso concreto
só pode ser levada a efeito com sucesso se todos os valores em conflito
forem suficientemente ponderados, e a escolha de um deles for
racionalmente justificada, de tal modo que as fórmulas confeccionadas
longe do calor dos acontecimentos individuais não sejam óbices a
realização da justiça.
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49
50
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O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
Alexandre Sivolella Peixoto1, Taísa Queiroz2 E Fábio Carvalho Mendes3
RESUMO: O artigo aborda o princípio da razoabilidade, a sua importância atual a
partir de influências de países como os Estados Unidos, que o reconhece
expressamente através das emendas nºs 05 e 14 à Constituição Federal, e
de teóricos, como Robert Alexy e a plausibilidade de sua aplicação na
interpretação constitucional.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Constitucional, princípios, razoabilidade.
1. Introdução
Na história do direito, a primeira variante do “due process” de que
se tem notícia teve evidência processual com expressa rejeição de
qualquer sentido conotativo-substantivo que permitisse ao Judiciário
examinar o caráter arbitrário ou injusto da lei ou ato normativo.
Tratava-se este princípio, primeiramente, de uma garantia direcionada
para a regularidade do processo penal, depois desdobrada e
aplicada também aos processos civil e administrativo.
Todavia, com o tempo, tornou-se impossível a aplicação única do
princípio da razoabilidade como forma de conceder às partes o
direito de regularidade processual, sendo que em diversas situações
surgiam indagações acerca da razoabilidade dos fins e dos meios
utilizados pelo legislador. Aqui ocorrera o surgimento do “substantive
due process”, qual seja, a elevação do Poder Judiciário, quando se
lhe conferiu a prerrogativa de observar e argüir a compatibilidade
dos atos praticados pelo Poder Público, realizando um estudo de
adequação dos meios e a legitimidade dos fins que se buscavam.
Advogado civilista militante na comarca de Dourados-MS e pós-graduando em Direito Processual Civil pela
Unigran-Dourados/MS.
2
Advogada civilista militante na comarca de Dourados-MS e pós-graduanda em Direito Processual Civil pela
Unigran-Dourados/MS.
3
Advogado militante na Comarca de Fátima do Sul e pós-graduando em Direito Processual Civil pela Unigran-Dourados/MS.
1
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No direito pátrio, pode-se afirmar que o princípio da razoabilidade
foi incorporado pela Constituição da República Federativa do Brasil,
quando se assegurou a todos o direito ao devido processo legal (art.
5º, LIV), também conhecido como due process of law.
Destarte, a aplicação desse princípio, de maneira especial por parte
dos magistrados, tão profícua para o exercício da jurisdição, tem-se
revestido de certo acanhamento, apesar do crescente número de
julgados que, muitas vezes sem o saber, acabam utilizando a
proporcionalidade para emitir um juízo de valor a respeito de
determinado caso.
O mestre Paulo Bonavides 4, em sua obra “Curso de Direito
Constitucional” aduz que existem princípios mais fáceis de entender
do que definir, sendo que a proporcionalidade se enquadraria nesta
situação. Desta forma, a proporcionalidade, em sentido mais amplo,
constitui apenas uma regra fundamental a que todos devem obedecer.
Em uma acepção mais restrita, consistiria na presunção de existência
de uma relação, adequada entre os vários fins determinados e os
meios com que são levados à termo.
Então, pode-se concluir que toda vez que os meios destinados a
realizar determinado fim não forem adequados, ou ainda, quando
houver desproporção entre eles, houve a inocorrência ou
desobediência ao princípio da proporcionalidade.
A doutrina mais moderna já define o princípio da razoabilidade
como sendo um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público
para estimar se estes atos estão informados pelo valor superior inerente
a todo ordenamento jurídico: “a justiça”.
Celso R. Bastos5 define a razoabilidade como sendo um
[...] princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição,
terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em
sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosa das
finalidades que presidiram a outorga da competência exercida.
Nesta acepção, portanto, percebe-se que o princípio da razoabilidade
possui os mesmos fundamentos constitucionais dos princípios da
legalidade e da finalidade (art. 5º, inciso II, 37 e 84, e inciso LXIX).
4
5
Constitucional 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1978.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional
Constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.
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Esta definição supramencionada apenas evidencia o prestígio de
que desfruta o princípio da razoabilidade nos ordenamentos jurídicos
modernos, sendo de basilar seriedade a sua aplicação para as
situações em que existe manifesta discordância entre os fins almejados
pelo Estado e os meios por ele empregados para tal.
Em muitos casos é complexa e difícil a aferição desses pré-requisitos
na atividade do Poder Público, de maneira especial em se
considerando a aplicação do princípio da legalidade, podendo
ocorrer colisão de princípios. Para Dworkin, a colisão de princípios
resolve-se pelo ato de sopesar cada um deles, em conformidade com
as particularidades do caso concreto.
O campo de aplicação do princípio da razoabilidade é muito
extenso podendo ser invocado não somente para garantir a harmonia
da atividade processual, como também, e inclusive, para o controle
dos atos do Poder Público em geral.
O professor Celso Antônio Bandeira de Mello6, no que tange ao
princípio da razoabilidade no campo do direito administrativo, pondera
que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de
obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia
com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosas das
finalidades que presidiram a outorga da competência exercida.
Saliente-se, portanto, que nas situações onde o ato praticado
não se revestir dos meios adequados e indispensáveis para
alcançar os fins precípuos não haverá a razoabilidade e que o ato
legislativo será eivado de inconstitucionalidade, da mesma forma
que o ato administrativo será jurisdicionalmente invalidável,
quando ausentes esses requisitos.
Neste sentido, pode-se afirmar categoricamente que foi com Alexy
que se aprendeu a aferir, de forma correta, a ocorrência e a aplicação
do princípio da razoabilidade, tanto com relação aos atos da
Administração Pública como aos atos do Poder Legislativo.
Conforme prelecionou este mesmo autor, deve-se utilizar da “máxima
da proporcionalidade” para a aferição da razoabilidade do ato do
Poder Público, seja ele executivo, administrativo ou legislativo.
Destarte, a “máxima da proporcionalidade”, segundo Alexy, revestese de três condições, cuja averiguação é prejudicial se faltar um desses
6
Curso de Direito Administrativo
Administrativo. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
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requisitos. São eles: necessidade (meio mais benéfico ou menos oneroso
para o cidadão), adequação e proporcionalidade em sentido estrito.
A aferição da razoabilidade do ato legislativo será verificada,
primeiramente, pela adequação dos meios e fins utilizados. Assim,
estando ausente um destes pressupostos, não será mais necessário
indagar a presença dos demais elementos pois a razoabilidade não
estará verificada no ato praticado.
Contudo, caso se averigúe que o ato emanado pelo Poder Público
tenha apenas se utilizado dos meios apropriados para os fins
almejados não bastará, pois também será importante verificar pela
sua necessidade, qual seja, se foi efetivado pelo meio menos gravoso,
através do princípio da menor ingerência possível. Nesse sentido, em
sendo concebível que o ato poderia ser praticado em nível de menor
onerosidade ou ingerência na vida do cidadão, também aí haverá a
falta da razoabilidade, o que o sujeita à adequada anulação ou
declaração de inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário.
Por derradeiro, uma vez verificada a ocorrência dos dois requisitos
acima expostos (necessidade e adequação), deverá o operador do
direito verificar a ocorrência do terceiro requisito, qual seja, a
“proporcionalidade em sentido estrito”, que é a justificativa do ato
administrativo, de maneira especial quando se abordar a norma
restritiva de direitos.
2. Da Razoabilidade e Seu Histórico.
Os barões ingleses consolidaram em 15 de junho de 1215 a
Carta Magna, contando para tanto, com a ajuda do arcebispo
Canterbury que auxiliou junto ao rei João “Sem Terra”. Foi a Carta
Magna um dos primeiros documentos de restrição do poder
soberano, documento este que é reconhecido como um dos
grandes antecedentes do constitucionalismo, tornando-se uma
expressão inicial do ímpeto que mais tarde moveria
revolucionários, tanto em território francês como na Inglaterra,
coibindo abusos e privilégios do soberano e garantido direitos
individuais dos nobres detentores de fortuna e propriedades face
ao Poder Público.
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O artigo 39 da Carta Magna Inglesa, ou seja, a cláusula do law of
the lands, instituiu que “[...] nenhum homem livre será detido ou sujeito
à prisão, ou privado de seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado,
ou de qualquer modo molestado, e nós não procederemos nem
mandaremos proceder contra ele, senão mediante um julgamento
regular pelos seus pares ou de harmonia com as leis do país.”
Pontua Carlos Roberto Siqueira Castro 7 que os barões ingleses
possuíam direitos que apenas poderiam ser limitados observando
a lei do país, dessa forma, os direitos naturais elencados somente
poderiam sofrer limitações segundo os procedimentos e por força
do direito comumente aceito e sedimentado nos precedentes
judiciais, ou seja, pelos princípios e costumes jurídicos
consagrados pela common law”.
Deu-se a consagração da Carta Magna através das emendas 5
e 14 da Constituição norte-americana, tornando-se a cláusula do
due process of law uma das principais fontes da expressiva
jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos, porém antes
mesmo do reconhecimento do devido processo legal, através
dessas emendas, o princípio do law of the land era utilizado para
combater o arbítrio governamental.
Em razão de o constitucionalismo europeu, sobretudo da França
e da Inglaterra, prever um controle rígido sobre o Poder Legislativo,
rompeu o constitucionalismo americano com a tradição; o
documento inglês era pragmático e de propósitos concretos,
enquanto que as declarações de direito norte-americanas
encontraram suas bases no liberalismo econômico e no
individualismo, fazendo, ainda, distinção entre liberdades
econômicas e não econômicas. Há que se destacar que entre os
direito não econômicos incluem-se a liberdade de expressão, de
religião, privacidade, e ainda, direito de participação política.
É através da emenda n.º 5 que, finalmente, o princípio do due
process of law reveste-se de tutela constitucional, e as emendas
n.º 13, 14 e 15 são editadas após o término da guerra civil e a
abolição da escravatura, com a finalidade de garantir a liberdade
civil. Assim, o princípio do due process of law deixou de ser apenas
SIQUEIRA CASTRO, Carlos Roberto. O Devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis na Nova Constituição no
Brasil. Rio de Janeiro, Ed. Forense, 1989.
8
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uma garantia processual, tornando-se uma forma de restringir
os desmandos do Poder Público, marcando dessa forma, um
impulso de ascensão do Judiciário, abrindo-se um amplo espaço
de exame de mérito dos atos do Poder Público, pautando-se nos
parâmetros de razoabilidade e racionalidade.
3. Conceito de Razoabilidade
Muitas são as implicações que decorrem do princípio da
razoabilidade, pois que se pode retirar de tal prescrição variados
ditames, como a determinação de que ninguém será julgado senão
por juízo competente e pré-constituído, além de aplicarem-se ao
referido enunciado os brocardos latinos de nullum crimen sine lege,
ou de nulla poena sine lege.
O princípio da razoabilidade, independente das interpretações que
lhe sejam atribuídas, regula na Carta Constitucional indubitavelmente
o princípio expresso do devido processo legal, inspirando-se de forma
notória na redação encontrada no constitucionalismo norte-americano.
Dessa forma, o princípio do devido processo legal, juntamente com
a separação dos poderes, constitui-se em fundamento essencial do
regime democrático e sua abrangência ultrapassa a condição de
simples garantia processual, tornou-se ainda objeto de intenso estudo
doutrinário e jurisprudencial, e, tanto a doutrina quanto a jurisprudência
utilizam-se do princípio da razoabilidade na busca de garantir direitos
ao cidadão em face de eventual arbítrio do poder estatal.
O princípio do devido processo legal, aliado à separação dos
poderes, constitui-se em fundamento essencial do regime democrático,
uma vez que sua abrangência ultrapassa a condição de simples
garantia processual. Incorporado à Constituição norte-americana de
1787, através das emendas 5ª e 14, o referido princípio tornou-se
prontamente objeto constante de intenso trabalho doutrinário e
jurisprudencial, principalmente no que tange à interpretação dada pela
Suprema Corte americana, pois se hoje o mesmo pôde alcançar o
reconhecimento e o prestígio que lhe são devidos, tal se deve ao
enunciado flexível sobre o qual foi esculpido e às possibilidades abertas
pelo case system, emblema maior do sistema da Common Law.
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4. A Razoabilidade e a Constituição de 1988.
A Constituição Federal de 1988, não traz, em seu bojo, de forma
expressa, o princípio da razoabilidade. Contudo, sua existência
não pode ser ignorada, vez que é possível auferí-lo implicitamente
em vários dispositivos, assim como no próprio histórico de
elaboração da Carta Magna.
No que concerne ao seu caráter processual, encontra-se
inequivocamente atrelado ao princípio do devido processo legal,
cujo dispositivo legal está inserido no capítulo destinado aos
direitos e garantias individuais (art. 5o, LIV), mas nele não se exaure.
No que se refere à processualística penal, p. ex., é da máxima
“nullum crimen, nulla poena, sine lege” que se origina o disposto
inciso XXXIX do mesmo artigo.
A ausência de disposição expressa, no entanto, é muito mais sentida
enquanto princípio conformador de direito material. Asseverado fato
deve-se, em parte, ao apego desmedido ao Princípio da Separação
dos Poderes consagrado pela Lei Maior. Lembra Carlos Roberto
Siqueira Castro, na obra já referida, que a previsão do Princípio da
Razoabilidade constou dos trabalhos da Assembléia Constituinte de
1988, embora não incorporada ao texto final.
Era a redação do artigo 44: “A administração pública, direta ou
indireta, de qualquer dos Poderes obedecerá aos princípios da
legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, exigindo-se,
como condição de validade dos atos administrativos, a motivação
suficiente e, como requisito de sua legitimidade, a razoabilidade.”
Apesar da não inclusão do princípio quando da redação final do
dispositivo, inegável é que a razoabilidade integra, inquestionavelmente,
o ordenamento jurídico nacional, sendo imperativo sua observância para
o exercício da função legiferante do Estado, bem como para a atuação
do Poder Executivo, sendo que, sua inobservância, é passível de
impugnação pelo Poder Judiciário, sempre que perquirido, por
inconstitucionalidade destas medidas.
No entender de José Afonso da Silva8, o princípio da “proporcionalidade
razoável” está, enquanto princípio constitucional geral e explícito de
tributação, traduzido na norma que impede a tributação com efeitos de
8
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo, Malheiros, 1997
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confisco (artigo 150, IV). Aludida norma impede que o Poder Público possa
tributar o patrimônio particular de modo a impossibilitar sua manutenção
ou mesmo inviabilizar o uso a que se destine, ressalvadas as exceções
expressamente previstas.
Atualmente, a alusão ao princípio da razoabilidade já se tornou freqüente
nos julgados de nossas cortes máximas, sendo que sua aceitação torna-se
clarividente quando da análise de decisões como a proferida na Ação
Direta de Inconstitucionalidade relatada pelo eminente Ministro do STF
Ilmar Galvão:
“Ato normativo que, ao erigir em pressuposto de benefício assistencial não o
estado de necessidade dos beneficiários, mas sim as circunstâncias em que
foram eles gerados, contraria o princípio da razoabilidade, consagrado no
mencionado dispositivo constitucional. Ação direta julgada procedente, para
declarar a inconstitucionalidade da Lei sob enfoque”.9
Outrossim, faz-se importante ressaltar que não obstante os julgados
oriundos dos tribunais em voga invoquem termos “razoabilidade” e
“proporcionalidade” como sinônimos, entendimento esse que contraria a
doutrina predominante, sua eficácia objetiva não é afetada, vez que a
alusão a tais princípios, sempre tem estado em consonância com seu
objetivo primário, qual seja, garantir direitos ao cidadão face ao eventual
arbítrio do Estado.
5. Considerações Finais
A partir do momento em que o homem optou por viver em uma
sociedade estatal, concordou em submeter suas condutas a um conjunto
de normas, as quais encontram-se escalonadas sistematicamente, de tal
forma que, em determinado ordenamento jurídico, não possuam elas o
mesmo valor, havendo portanto uma hierarquia no sistema.
Tendo o Constituinte adotado essa forma de organização, as normas
integrantes do nosso ordenamento encontram-se dispostas segundo uma
hierarquia e formando uma espécie de pirâmide, na qual a Constituição
ocupa o seu ponto mais alto, o ápice da pirâmide legal, fazendo com
9
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADIN 2019 – MS – TP. Rel. Min. Ilmar Galvão. DJU 21.06.2002. p. 00095.
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que todas as demais normas a ela se subordinem.
Ante a origem constitucional do princípio da razoabilidade, portanto,
sua observância pelos Poderes Estatais apresenta-se imperiosa, constituindo
uma diretriz de senso comum.
Nesse sentido, cumpre ao aplicador do direito, para aferir a
razoabilidade da medida posta à sua apreciação, indagar: Qual o meio
mais eficaz para levar a cabo o fim almejado baseando-se no interesse
público? A meio eleito é indispensável para conservação do fim, ou existem
outras opções menos danosas? Há ponderação na relação existente entre
os meios e o fim, ou seja, entre os ônus imposto e os bônus conseguido?
Destarte, ante o princípio em comento, deverá o operador jurídico ser
capaz de perceber a realidade em função dos valores que a constituem,
i.e., exercer o juízo de verossimilhança com moderação em relação aos
valores que prestigiam a realidade social. Em outras palavras, deverá o
operador jurídico ser capaz de identificar a lógica do razoável num dado
caso concreto.
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IMPLICAÇÕES CONSTITUCIONAIS, PROCESSUAIS
E SOCIAIS DA PRISÃO CIVIL DO ALIMENTANTE
INADIMPLENTE1
Ailton Stropa Garcia2
RESUMO
RESUMO: Decidido pelo STF que os tratados internacionais sobre direitos
fundamentais ingressam na ordem jurídica nacional como lei federal,
entende-se que o debate acadêmico sobre a impossibilidade da prisão do
depositário infiel em virtude do Pacto de San José da Costa Rica perdeu
seu efeito prático. Por essa razão, resolveu-se estudar a questão inversa, se
é oportuno que nossa ordem jurídica, como naquele Tratado, coloque
como exceção a prisão civil do devedor de alimentos. Depois de analisar
a evolução histórica, a doutrina, a jurisprudência e as normas nacionais e
internacionais que tratam dos institutos da obrigação alimentar e da prisão
civil, assim como os aspectos constitucionais, processuais e sociais da
questão, alinha-se uma série de motivos que, no mínimo, justificam a
imediata alteração da legislação ordinária para restringir a prisão civil a
casos muito excepcionais. Para tanto, apresenta-se uma proposta de
alteração legislativa com normas eficazes, que satisfaçam rapidamente o
credor e atinjam apenas o patrimônio do devedor, reservando-se a prisão
civil para o último e extremo recurso.
Palavras
alavras-- Chave
Chave: Prisão Civil - Direitos Humanos - Processo
1. A Prisão Civil da Antiguidade aos Nossos Dias
A história nos mostra que a segregação do indivíduo, antes de se
constituir como pena, no século XVI, era apenas meio para a
realização do castigo ou da execução pessoal do devedor, mediante
escravização, trabalhos forçados, sacrifícios físicos e morte.
A primeira manifestação escrita sobre a prisão civil consta do
Código de Hamurabi, no ano 1.694 antes de Cristo. Aparece, em
O presente texto serviu de roteiro para exposição oral do autor em defesa de sua Dissertação de Mestrado junto
à UnB – Universidade de Brasília, no dia 10/02/2003, quando foi aprovado. O texto na sua integra compõe o acervo
de dissertações da UNB e encontra-se também na biblioteca da UNIGRAN. O Presidente da Banca e Orientador foi
o Professor Doutor Frederico Henrique Viegas de Lima. Os demais integrantes da Banca foram os Professores
Doutores Antonio de Moura Borges e Alejandra Leonor Pascual.
2
O autor, Juiz de Direito aposentado, agora atua como advogado em Dourados, MS, onde leciona, na UNIGRAN
– Universidade da Grande Dourados e na ESMAGIS – Escola Superior da Magistratura.
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seguida, no Código de Manu, entre 1300 a 800 a.C. Embora não a
regulasse, a Thora dá notícias de sua existência (séculos XII a V a.C.).
No “Direito” Grego, pela Lei de Drácon, de 621 a.C e até as Leis
de Sólon, de 594 a 593 a.C., o não pagamento de dívida tornava o
devedor propriedade do credor, com direito de tirar-lhe a vida.
No Direito Romano, surge o nexum que, segundo Mitteis (1901),
era o ato solene de autopenhora do próprio devedor, executado
através da per manus iniectionem, que compunha a legis actiones
(754 a 149 a.C.). Esta, tinha profunda relação com a Lei das XII Tábuas
(450 a.C.) e só foi completamente abolida no ano 17 a.C., com a Lex
Júlia Iudiciorum Privatorum, do Imperador César Otaviano Augusto,
embora no ano 326 a.C., com o surgimento da Lex Poetelia Papíria,
permitiu-se que o devedor trabalhasse para o credor sem perder a
liberdade. Por volta do ano 160 d.C., as Institutas de Gaio voltaram
a autorizar o exercício do direito do credor sobre a pessoa do devedor.
Na Idade Média, na fase Longobarda do processo Romanobarbárico (568 a 774 d.C.), era permitido ao credor manter o devedor
em cárcere até a quitação da dívida. Durante o feudalismo (séculos IX
a XI), com os ordálios, impunham-se os castigos físicos, as mutilações e
a morte. Na Baixa Idade Média (séculos XI a XIII), com a redescoberta
do Corpus iuris civilis e a volta do Direito Romano, embora o Digesto
não indicasse a execução pessoal por dívida, surgiu, na França, em
1200, a contrainte par corps, restrita, em 1274, aos débitos fiscais. Filipe
o Belo, em 1303, instituiu o princípio de que eram os bens e não os
corpos que respondiam pelas dívidas, embora os falidos e insolventes
tivessem seus retratos expostos com a estampa do mal nas faces.
Na Idade Moderna, a prisão civil, instituída na França em 1563
(Ordenança de Moulin), foi restringida, por Luiz XIV, em 1667, aos
débitos comerciais e aos estrangeiros só sendo abolida em 1793,
após a Revolução de 1789. O Código de Napoleão, em 1804, a
incluiu. Porém, a partir de 1867, ela ficou restrita a casos raros, que
não incluem débito de natureza alimentar.
Na Inglaterra, os exageros do instituto levantaram a sociedade e
mobilizaram figuras literárias da época, como Shakespeare, com o seu
O Mercador de Veneza. Abolida parcialmente pela Rainha Vitória, em
1869, a prisão civil, naquele país, ficou restrita a alguns poucos casos,
como a insolvência fraudulenta.
Na Itália, o arresto personali per debiti caiu em desuso e foi suprimido
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em 1877, deixando de integrar o Código Civil de 1942. Na Alemanha e
na Áustria, a prisão civil foi abolida em 1868 e, na Bélgica, em 1871.
Na Argentina, após ter sido estabelecida, em 1863, para as dívidas
civis e comerciais, ficou restrita, a partir de 1872, aos casos de falência
ou insolvência civil resultantes de dolo ou fraude do devedor.
Inicialmente aplicada nos Estados Unidos da América por influência
inglesa, a prisão civil foi, ali, ilegitimada desde antes de 1776, embora
haja precedentes de prisões de devedores maliciosos ou
desobedientes à decisões da Corte.
Em Portugal, a prisão civil por dívida sempre esteve bem definida
nas Ordenações Afonsinas (século XV); Manoelinas (século XVI) e
Filipinas (século XVII), só podendo ser requerida após sentença e
execução dos bens do devedor. Lei de 1774 a restringiu aos devedores
insolventes que tivessem agido mediante fraude.
No Brasil, onde as ordenações Filipinas vigeram até 1890,
introduziu-se, em 1832, a prisão civil do inadimplente condenado a
multa em processo criminal. Depois, em 1850, em função do Direito
Comercial, novos casos foram introduzidos, até a promulgação do
Código Civil, de 1916, que a trouxe no artigo 1.287 e do Código de
Processo Civil, de 1.939, que a trouxe no artigo 369.
Sobre ela, silenciaram as Constituições de 1822, 1891 e 1937,
mas a proibiu a de 1934, sem ressalvas. As Constituições de 1946,
1967 e 1969, fizeram a proibição, mas excetuaram a prisão civil do
depositário infiel e do inadimplente de obrigação alimentar, na forma
da lei. Finalmente, a de 1988, mantendo as exceções, apenas exigiu,
quanto ao responsável pela obrigação alimentícia, que o
inadimplemento fosse voluntário e inescusável.
Diante dessa evolução histórica do instituto da prisão civil por
dívida, podemos concluir que a tendência mundial do Direito foi
comprometer apenas o patrimônio do devedor por suas dívidas. Hoje,
a regra são os bens. A exceção é o corpo.
Assim, em muitos países onde, excepcionalmente, ela se mantém,
já se parte para sua substituição por formas de coerção que se
circunscrevam ao patrimônio do devedor inadimplente ou do
depositário infiel, pois não há dúvida que a prisão civil se constitui
numa agressão ao indivíduo, numa ofensa ao princípio da liberdade
e, não só por isso, mas a partir da análise de fatos concretos, numa
verdadeira incongruência do Estado Democrático de Direito.
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2. Breve Histórico da Obrigação Alimentícia e da
Prisão Civil Dela Decorrente
A obrigação alimentícia entre parentes não era contemplada na
antiguidade. Na Grécia antiga também não. Ali, o abandono de
crianças era prática legal, não se sabe se comum. Em Roma, até a
República (ano 27 a.C.), os dependentes não podiam deduzir qualquer
pretensão de ordem patrimonial contra o pater famílias, chefe militar,
sacerdote e juiz de todos.
A partir do século II d.C. foi que constituições imperiais romanas
passaram a obrigar os pais a prover as necessidades dos filhos e
vice-versa, como se vê das Regras de Ulpiano.
Os princípios do cristianismo, penetrando lentamente nos costumes
e no direito, exerceram papel preponderante no desenvolvimento dos
deveres familiares, que foram, depois, ressaltados no Código de
Direito Canônico (1917).
Na Baixa Idade Média, por exemplo, a influência cristã tornou o
poder paternal menos rígido que na época do Direito Romano ou
Germânico, preservando o vínculo sangüíneo e a prática da
solidariedade familiar.
No final da Idade Média já era dever dos pais manter e educar os
filhos legítimos, direito que só foi conquistado pelos filhos naturais e
adulterinos, na razão de 1/3 do que fosse devido àqueles, a partir da
Revolução Francesa.
Em Portugal, nas Ordenações Filipinas, já se dispunha sobre o
sustento dos órfãos, mas foi com o Assento de 09 de abril de 1772
que os filhos e toda a ordem de descendente podiam ajuizar ação
objetivando alimentos contra os pais e, na sua falta, demais
ascendentes, que tinham ação contra os filhos e outros descendentes.
No Brasil, a matéria foi tratada na Consolidação das Leis Civis de
Teixeira de Freitas, de 1858, até sua regulação no Código Civil de
1916, com a possibilidade de prisão posteriormente prevista no
Código de Processo Civil, de 1939, sem prejuízo da configuração do
crime de abandono material, que surge no Código Penal, de 1940.
Em 1941, surge a Lei de Proteção à Família. Em 1949, o direito de
pleitear alimentos passa a ser conferido ao filho ilegítimo. A Lei de
Alimentos surge em 1968. Finalmente, depois da Lei do Divórcio tratar
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do tema em 1977, a matéria é adequada no Código Civil de 2002.
A história nos mostra, pois, que o Estado foi, gradativamente,
normatizando o dever dos maridos e pais alimentarem, na jurídica
acepção do termo, a título de mútua assistência e durante a sociedade
conjugal, as esposas e, em razão do pátrio poder e de sua
incapacidade, os filhos. Essa normatização, contemplando os
princípios da solidariedade familiar e da dignidade da pessoa
humana, estendeu-se aos parentes entre si e aos cônjuges, após
dissolvida a sociedade conjugal, extinguindo discriminações quanto
à filiação, tipo de união e sexo.
A prisão civil pelo inadimplemento dessa obrigação, porém, é triste
herança do passado, quando o corpo do devedor respondia por suas
dívidas e foi introduzida na legislação eminentemente brasileira pelo
Código de Processo Civil de 1939, sendo, ao lado da do depositário
infiel, uma das exceções do instituto, proibido pelas Cartas Magnas
de 1946, 1967, 1969 e 1988, esta última apenas inovando ao exigir
que o inadimplemento seja voluntário e inescusável.
3. A Obrigação Alimentícia na Legislação Atual
Diante dessa realidade e da atual legislação infraconstitucional,
especialmente do Código Civil de 2002, podemos alinhar as seguintes
observações:
1. Os alimentos constituem “efeito patrimonial do Direito de
Família”, não mais simples “relação de parentesco”. Em razão disso,
são devidos pelos parentes, cônjuges e companheiros entre si, sob
três fundamentos: a) poder familiar, de que decorre o dever dos pais
em relação aos filhos incapazes; b) dever de mútua assistência, entre
cônjuges e companheiros durante o casamento e a união estável e c)
preservação da dignidade da pessoa humana e solidariedade
familiar, entre parentes e entre ex-cônjuges e ex-companheiros, sob
as condições estabelecidas em lei.
2. Há duas modalidades de alimentos: os “necessários” e os
“indispensáveis à sobrevivência”.
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3. O alimentante deve atender as necessidades de educação do
alimentando, ainda que ele já tenha atingido a maioridade.
4. Em hipótese alguma pode haver renúncia aos alimentos, apenas
dispensa momentânea.
5. A obrigação, se objeto de demanda em curso, convenção ou
decisão judicial antes do falecimento e desde que este tenha se dado
após a entrada em vigor do CC/2002, transmite-se aos herdeiros do
de cujus até as forças da herança. Para os falecimentos na vigência
do CC/1916, vale o artigo 23 da Lei do Divórcio, que confirma o
entendimento do artigo 402 daquele Código, de que só se transmite
a responsabilidade pelas prestações vencidas e até as forças da
herança.
6. A obrigação alimentar extingue-se pela morte do alimentando,
pelo desaparecimento de um de seus pressupostos de constituição
ou se as forças da herança não a suportarem, o que ocorrer primeiro.
7. O novo casamento do credor sem comunicação ao devedor e a
continuidade do recebimento das prestações, é a única possibilidade
de repetição do indébito de prestações alimentícias.
8. Se o alimentante constitui nova família e, a partir daí, tem outros
filhos, há que se obedecer ao princípio constitucional da igualdade
entre os filhos, que o artigo 227, § 6º, da Constituição Federal
proclama, podendo haver redução do encargo. Tal princípio deve,
da mesma forma, ser invocado para sustentar o direito de revisão
quando, tendo o alimentante constituído nova família, melhorou sua
renda, já que é justo que o filho que com ele não viva tenha a mesma
qualidade de vida que o filho que se encontra sob seu teto.
9. Não há nada que impeça as partes de, sem a participação do
Poder Judiciário, chegarem a um denominador comum e celebrarem
um acordo de alimentos, que só poderá ser executado na forma do
Capítulo IV, Título II, do Código de Processo Civil e não impede que
o alimentando, ignorando-o, ajuíze ação de alimentos, quando a
matéria será discutida em toda sua extensão.
10. Para os fins do artigo 1.710 do CC/2002, recomenda-se o uso
do INPC - Índice Nacional de Preços ao Consumidor, de
responsabilidade do IBGE.
11. Salvo no caso da transmissibilidade da obrigação alimentar e
do prazo de prescrição (artigo 2028), o CC/2002, no que tange aos
alimentos, de regra retroage às situações anteriormente constituídas,
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porque essas normas são de ordem pública e se referem ao estado
das pessoas.
12. A ausência de prova pré constituída da união estável não é
impedimento para o ajuizamento da ação de alimentos pelo rito
especial da Lei Federal no. 5.478/68, sendo plenamente possível que
essa prova seja feita no curso da ação.
13. A prisão civil não é pena, porém meio de coagir o alimentante
inadimplente ao pagamento de uma dívida, só podendo ser cumprida
em locais adequados e não em estabelecimentos penais destinados
a criminosos. Assim, debalde o que decidiu o STF, é de ser admitida a
prisão albergue ou domiciliar, até com permissão de trabalho e
obrigação de depósito de parte das verbas com ele obtidas. Mormente
quando se sabe que os próprios criminosos têm benefícios, como
progressão de regime prisional, suspensão condicional de pena,
transação penal e penas restritivas de direitos.
14. Constitui bis in idem a renovação da prisão civil relativamente
ao mesmo período de débito.
15. Não cabe a decretação da prisão civil no caso de alimentos
decorrentes de responsabilidade civil.
16. Não cabe a decretação da prisão civil quando o débito inclui
honorários e despesas processuais.
17. O prazo máximo da prisão civil por alimentos é de sessenta dias.
4. Debate Que Deve Ser Proposto Em Função Do
Pacto De San José da Costa Rica
Nosso estudo, porém, não ficou apenas nas observações acima
feitas. Avançamos para uma outra análise.
Conforme se sabe, as Declarações Americana, de 1776 e Francesa,
de 1789, que deram o primeiro passo para a proteção dos direitos
humanos de primeira geração (vida, propriedade, liberdade e
segurança); a fundação da Cruz Vermelha e, a partir da Convenção de
Genebra, em 1864, o surgimento Direito Internacional Humanitário; a
fundação, em 1919, após a Primeira Guerra Mundial, da Liga das
Nações e da OIT – Organização Mundial do Trabalho; a fundação,
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em 1945, após a Segunda Guerra Mundial, da ONU – Organização
das Nações Unidas e o julgamento de Nuremberg (1945-1946), foram
os acontecimentos mundiais que propiciaram a consolidação dos
Direitos Humanos, com a Declaração Universal de 1948.
Cientes de que, caso existisse uma normatividade internacional que
garantisse os direitos fundamentais de primeira geração, as
conseqüências da Segunda Guerra Mundial e os horrores do Holocausto
não teriam alcançado as proporções que todos nós conhecemos, os
países envolvidos continuaram no seu propósito e editaram, em 1966,
o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional
dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, completando a Bill of
Human Rights (Carta Internacional dos Direitos Humanos).
Hoje, são inúmeras as Convenções Internacionais que cuidam dos
Direitos Humanos, interessando ao nosso estudo a Convenção
Americana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica,
de 1969, recepcionada pelo Brasil em 1992, que proíbe a detenção
por dívida, apenas a excepcionando no caso de inadimplemento de
obrigação alimentar.
O grande debate nacional que os juristas travaram em função desse
documento, limitou-se a discutir qual a posição hierárquica dos
Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos diante do
ordenamento jurídico nacional, face ao disposto nos §§ 1º e 2º, do
artigo 5º, da Carta Magna de 1988.
Tal ocorreu porque, ao contrário de nossa Carta Magna, a
Convenção não excepciona o depositário infiel da proibição de prisão
civil. Dessa forma, caso aquele Tratado se incorporasse
automaticamente e com status de norma constitucional ao nosso
Direito, a prisão do depositário infiel não mais seria possível.
A Doutrina assim entendeu, enumerando os seguintes principais
argumentos:
1. Nossa República se constitui em Estado Democrático de Direito e tem
a dignidade da pessoa humana como fundamento (artigo 1º, I, da CF)
2. O princípio da prevalência dos direitos humanos rege a relação
do Brasil com os outros países (artigo 4º, II, da CF).
3. As normas definidoras dos direitos e garantias individuais têm
aplicação imediata no país (§ 1º, do artigo 5º, da CF).
4. Os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem
outros constantes de Tratados Internacionais de que o Brasil faça parte
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(§ 1º, do artigo 5º, da CF)
5. A partir da Constituição Federal de 1988, o Brasil adotou um
sistema misto, que abarca, para os Tratados Internacionais
tradicionais, a teoria dualista e, para os Tratados sobre Direitos
Humanos, a teoria monista.
6. Os direitos e garantias individuais constantes dos tratados
constituem cláusula pétrea (artigo 60, § 4º, da CF).
7. Como os tratados não têm poder de suprimir os direitos e
garantias individuais, o princípio da supremacia da Constituição não
é abalado.
8. Deve-se sempre aplicar a lei mais benéfica ao cidadão, princípio
que supera o da supremacia constitucional, prevalecendo artigo 7º,
item 7, do Pacto de San José da Costa Rica sobre o inciso LXVII, do
artigo 5º, da CF.
9. Ao se interpretar assim a Constituição prestigia-se o princípio
da máxima efetividade e ela se torna mais respeitada, democrática e
próxima do povo.
Essa interpretação está consoante com o pensamento do mundo
globalizado atual. Tem sido tendência dos países, em virtude da
formação dos vários blocos políticos e econômicos e da necessidade
de uma legislação que abarque cada vez mais todos os Estados
envolvidos, situar hierarquicamente os Tratados Internacionais acima
da própria Constituição, como acontece, por exemplo, com Portugal,
Alemanha, Peru, Guatemala e Nicarágua.
O debate chegou, em 1995, ao Supremo Tribunal Federal, a quem
cabia dirimir a questão. Julgando o HC 72.131-1 – RJ, cujo acórdão
ainda não foi publicado, aquela Corte entendeu, por unanimidade,
mantendo entendimentos de 1971 (RE 71.154 – PR) e de 1977 (RE
80.004 – SE), que os tratados internacionais, mesmo versando sobre
direitos fundamentais, ingressam no ordenamento jurídico nacional
como lei federal, porque não têm força de emenda constitucional. Houve
divergência, apenas, quanto à possibilidade de prisão do depositário
infiel, preponderando a tese do Ministro Moreira Alves de que o Pacto
de San José da Costa Rica é norma infraconstitucional geral e não
derrogou as normas infraconstitucionais especiais sobre prisão civil. A
tese vencida, do Ministro Marco Aurélio, diz que as exceções da Carta
Magna não podem ser ampliadas e, assim, não agasalham os contratos
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de alienação fiduciária, voltados à garantia da dívida.
No Superior Tribunal de Justiça, onde se entendeu que a matéria
poderia ser apreciada por ter enfoque infraconstitucional, a questão
foi decidida pela Corte Especial no HC 11.918 - CE. A maioria manteve
a decisão do Embargos de Divergência em Recurso Especial no.
149.518 – GO, de Relatoria do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, cuja
decisão havia sido unânime. Para ele, o Pacto de San José da Costa
Rica ingressa no ordenamento jurídico nacional como lei ordinária e,
nessa condição, teria revogado o artigo 1.287 do Código Civil e, como
o Decreto-Lei 911/60 a este faz remissão, já não teria cabimento a
prisão civil do depositário infiel. A se aceitar essa tese, tendo o CC/
2002 repetido, ipsis literis, em seu artigo 652, o artigo 1.287 do CC/
1916, a disposição do Tratado Internacional em questão foi derrogada.
5. Necessidade de Alteração da Atual Legislação
Agora, decidido pelo Supremo Tribunal Federal que os Tratados
Internacionais, mesmo versando sobre direitos fundamentais, ingressam
no ordenamento jurídico nacional como Lei Federal, porque não têm
força de Emenda Constitucional, entendemos que o debate suscitado
sobre a impossibilidade da prisão civil do depositário infiel em virtude
da Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San José da
Costa Rica, de 1969, recepcionado pelo Brasil em 1992, que proíbe a
detenção por dívida, apenas a excepcionando no caso de
inadimplemento de obrigação alimentar, perdeu seu efeito prático,
restringindo-se ao campo doutrinário.
Por essa razão, colocou-se neste estudo a questão inversa, ou seja, é
oportuno ainda se excepcionar, em nosso ordenamento jurídico, como
naquele Tratado, a prisão civil do responsável pelo inadimplemento de
obrigação alimentícia com a carga de humilhação que ela lhe impõe?
Uma série de motivos, que abaixo alinhamos, justificam, no mínimo,
a imediata alteração da atual legislação infraconstitucional, no sentido
de restringi-la a casos muito excepcionais.
1. O Estado Social deu lugar ao Estado Democrático de Direito.
Este tem o dever e lhe é possível desenvolver meios para, no choque
entre dois direitos fundamentais, conseguir a realização de ambos.
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O mundo todo, atualmente, dá importância ímpar à defesa dos
Direitos Humanos e está em busca dessa conquista.
2. Debalde a jurisprudência do STF, não é o credor quem escolhe
o tipo de execução. Diante da expressão “inadimplemento voluntário
e inescusável” (artigo 5o, LXVII, da CF), a prisão civil deve ser o último
recurso do magistrado. Só pode se dar depois de esgotadas todas as
demais possibilidades, como o desconto em folha, aluguéis ou outros
rendimentos do devedor, quebra de sigilo fiscal e bancário (entre a
prisão civil e a quebra do sigilo fiscal e bancário, não há dúvida
alguma que a segunda medida é menos restritiva e, em muitos casos,
poderá resolver o problema.) e a penhora e alienação de bens.
3.
Embora o artigo 18 da Lei de Alimentos faça remissão
conjunta aos artigos 732, 733 e 735, do CPC, a mesma lei, nos
seus artigos 16 a 18, impõe uma seqüência lógica, que deve ser
cumprida. Além disso, a prisão civil, em nosso ordenamento
jurídico, não é regra, mas exceção.
4. O fato do positivismo jurídico do paradigma do Estado Social
de Hans Kelsen estar dando lugar à teoria de interpretação
construtivista de Ronald Dworkin, do paradigma do Estado
Democrático de Direito, deve levar o julgador, intérprete da lei, a
buscar o direito mais justo e íntegro, que, nesse caso, é a solução do
caso concreto sem ferir nenhum princípio de direito fundamental, ou
seja, é levar o alimentante a cumprir com sua obrigação alimentícia
sem que sua prisão civil seja decretada. É dar o direito ao alimentando
sem ferir o direito do alimentante.
5. Já decorreram 63 anos do CPC de 1939, que implantou a prisão
civil no Brasil. Da emissão do Pacto de San José da Costa Rica até
nossos dias lá se vão 36 anos. A Constituição Federal de 1988 foi
promulgada há 14 anos. Hoje o mundo é outro e sua evolução
repercutiu na rapidez da prestação jurisdicional, razão pela qual outros
meios podem ser disponibilizados a favor do credor, não havendo
porque se usar a prisão civil do alimentante inadimplente como
primeiro recurso para o cumprimento da obrigação.
6. Tanto o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais (artigo 11, item 1), como a Convenção sobre os Direitos da
Criança (artigo 27, item 4), falam em medidas “adequadas” ou
“apropriadas”. Embora o Pacto de San José da Costa Rica permita a
prisão do alimentante, não se pode aceitar que essa exceção à regra
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seja a medida apropriada.
7. O Código de Bustamante não a menciona e, portanto, não coloca
a prisão civil como norma de ordem pública internacional, a exemplo
do que fez com a regra que dá ao filho o direito a alimentos e as
disposições que estabelecem o dever de prestar alimentos, seu
montante, redução e aumento, a oportunidade em que são devidos e
a forma de seu pagamento, assim como as que proíbem renunciar e
ceder esse direito.
8. O Estado não tem estrutura adequada para o cumprimento da
prisão civil. Assim, alimentantes têm cumprido seu tempo em
penitenciárias, normalmente depósitos de delinqüentes, que ali
sobrevivem sem as mínimas condições de dignidade, às vezes até se
revezando para dormir. Nessas condições, ainda que em nome do
direito à vida, que, nesse caso, pode muito bem ser preservado por
outras formas, haveria ofensa ao item IX da Declaração Universal
dos Direitos Humanos e artigo 9º, do Pacto Internacional dos Direitos
Civis e Políticos, que dizem que ninguém será arbitrariamente preso.
A expressão “arbitrária”, aqui, não pode estar simplesmente no sentido
de “sem o devido processo legal”, mas, também, no sentido de “sem
o bom tratamento e respeito à dignidade humana da pessoa privada
de liberdade”, como dito no artigo 10, item 1, do mesmo documento.
9. As Delegacias de Polícia, com suas celas improvisadas, muitas
vezes tomadas por presos que aguardam julgamento, também não
podem abrigar o devedor de alimentos. Tais estabelecimentos, a
exemplo dos presídios, devem ser utilizadas apenas pelos delinqüentes
perigosos, que precisam ser afastados do convívio social.
10. A prisão civil, que se dá em regime fechado, é medida muito
dura diante da possibilidade, em relação aos próprios criminosos,
da concessão dos regimes semi-aberto e aberto, da suspensão
condicional da pena, da transação penal e das penas alternativas.
11. Os credores, na verdade, não estão interessados na prisão
do devedor, o que querem é receber a dívida.
12. Os resultados e a experiência mostram que o custo
(liberdade e, muitas vezes, ofensa ao princípio da igualdade entre
irmãos), não atinge, na maioria dos casos, o benefício esperado
(paga imediata do débito).
13. A situação de extrema pobreza de grande parte da
população demonstra que, em muitos casos, está se partilhando
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misérias. Como, do salário mínimo fixado pelo Governo Federal,
que não atende a promessa constitucional. e mal dá para o
alimentante viver, se extrair os alimentos? Na verdade, quando o
Estado deixa de cumprir com sua missão de implantar a
democracia econômica, social e cultural, os cidadãos acabam
sendo obrigadas a dividir as suas mazelas, como na questão posta.
14. Embora a prisão civil do devedor de alimentos não fira,
abstratamente, o princípio da proporcionalidade, cabe ao julgador,
analisando cada caso concreto, aplicá-lo: a) verificando se já foram
tentadas todas as outras possibilidades que possam levar à satisfação
do princípio fundamental da vida digna para o alimentando sem ferir
o princípio fundamental da liberdade do alimentante. Seu objetivo deve,
sempre, ser a realização de ambos os princípios; b) ponderando se o
decreto de prisão civil ensejará mesmo o cumprimento da obrigação
ou, pelo contrário, dificultará a consecução do fim pretendido.
Segregado, o alimentante não trabalha. Não trabalhando, não ganha.
Não ganhando, não paga e c) verificando se a prisão civil não se
constituirá numa carga coativa exacerbada, não só para o alimentante,
mas, principalmente, para terceiros que dele dependam e que têm o
mesmo direito fundamental do alimentando.
6. Proposta de Alteração Legislativa
Assim, provada, pelos vários motivos expostos, a necessidade de imediata
limitação dos casos que hoje ensejam o uso da norma castradora da
liberdade individual e não estando nosso ordenamento jurídico
aparelhado com normas eficazes que possam, para satisfazer os credores,
primeiro atingir o patrimônio do responsável pelo descumprimento da
obrigação, reservando a prisão civil para o último e extremo recurso,
apresentamos uma proposta, consubstanciada nos pontos abaixo, que,
entendemos, dá um tratamento mais humanitário à questão.
1. As causas que tratem, exclusivamente, da fixação provisória ou
definitiva de alimentos e as de execução de prestação alimentícia,
devem ter curso durante as férias forenses.
2. A execução de decisão judicial que fixe, provisória ou
definitivamente, prestação alimentícia, deve ser processada com
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absoluta prioridade sobre quaisquer outros processos.
3. Independentemente de onde estiver o processo de alimentos, a
execução poderá se processar no foro do domicílio do alimentando.
4. A penhora e a avaliação dos bens penhorados devem ocorrer
no ato da citação. Não se encontrando o devedor, o arresto deve
trazer a avaliação dos bens arrestados.
5. A citação e a intimação do arresto devem ser feitos por carta,
com aviso de recebimento e em mãos próprias ou por Edital, com o
prazo de dez (10) dias, a ser publicado uma única vez, no órgão oficial.
6. A quebra do sigilo fiscal e bancário do devedor pode ser utilizada
para a localização de bens penhoráveis.
7. A justificativa do devedor deve se dar mediante Embargos, no
prazo de três dias, que só terão efeito suspensivo se houver relevantes
razões e possibilidade de dano irreparável. Neles, sendo necessário,
o juiz poderá determinar a inversão do ônus da prova.
8. A arrematação dos bens penhorados e o pagamento do credor
devem ser imediatos.
9. A decretação da prisão civil do devedor, pelo prazo mínimo de
trinta e máximo de sessenta dias, só ocorrerá se ficar provada a prática
de quaisquer dos atos descritos no artigo 600 do CPC e depois de
observado o contraditório.
10. O cumprimento da prisão civil deve se dar sem que o devedor
tenha contato com os criminosos comuns.
11. No caso de condenação pelo crime do artigo 244 do Código
Penal, deve haver a compensação de que trata o artigo 42 do mesmo
Código.
12. O cumprimento da ordem de prisão deve ser imediatamente
suspenso sempre que o devedor, ou terceiro interessado, em nome
deste, pagar ou der em penhora bens suficientes para a quitação
total do débito.
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ALTERAÇÃO DAS CLÁUSULAS PÉTREAS E O
PODER CONSTITUINTE EVOLUTIVO
Francisco das C. Lima Filho *
Resumo
Resumo: O texto aborda a questão das cláusulas pétreas na Constituição Federal
destacando como perigosa a invocação da tese de dupla revisão
nomeadamente em países periféricos, submetidoas a interesses alienígenas
que ditam reformas vinculadas aos próprios interesses e nem sempre aos
interesses da coletividade.
Palavras - Chave
Chave: Cláusulas Pétrea- Poder Constituinte Evolutivo - Constituição
1. Introdução
Tem sido objeto de debates e muita discussão o que a doutrina
costuma denominar de “poder constituinte evolutivo”, com vista a
justificar a alteração da Constituição naqueles pontos em que o poder
constituinte originário gravou com a cláusula de inalterabilidade,
chegando alguns até mesmo a defender a extinção dessas limitações.
Argumentam que não se pode obrigar as futuras gerações a
respeitarem aquilo que, em dado momento histórico, o constituinte
entendeu inalterável, pois isso atentaria contra o querer democrático.
Sustentam os defensores dessa tese que o “excesso de rigidez”
constitucional haverá de pagar um preço e que este preço é a freqüente
mutação informal da Constituição, ou seja, ela muda frequentemente
de sentido sem que se alterem, formalmente, os seus dispositivos, como
inevitável decorrência do seu “excesso de rigidez”.
Para os defensores dessa tese, a solução será dar às clausulas
pétreas uma espécie de interpretação light, cada vez mais soft, de
modo a facilitar as emendas e revisões constitucionais, vale dizer, a
resposta para o alegado “excesso de regidez” é o excesso de
desconsideração pelas cláusulas intangíveis da constituição. E mais:
se isso não bastar para adaptar a Lex Major à emergência de novos
valores sociais, que se tome, então, das cláusulas de reforma
constitucional o próprio fundamento para a sua revisão ou
* Mestre em Direito. Professor na UNIGRAN. Juiz Titular da 2ª Vara do Trabalho de Dourados – MS.
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modificabilidade, ou seja, revisão em dois tempos ou de dupla face,
como explicado por Gomes Canotilho1
“A existência de limites absolutos é, porém, contestada por alguns autores,
com base na possibilidade de o legislador de revisão poder sempre
ultrapassar esses limites mediante a técnica da dupla revisão. Num primeiro
momento, a revisão incidiria sobre as próprias normas de revisão,
eliminando ou alterando esses limites. Num segundo momento, a revisão
far-se-ia de acordo com as leis constitucionais que alteraram as normas
de revisão. Desta forma, as disposições consideradas intangíveis pela
constituição adquririam um caráter mutável, em virtude da eliminação da
cláusula de intangibilidade operada pela revisão constitucional (...)”.
Para aqueles que defendem a tese da dupla revisão, as limitações
materiais podem ser modificadas ou revogadas pelo legislador
reformador, abrindo-se o caminho para, em momento posterior,
concretizar-se a remoção dos princípios correspondentes aos limites
substanciais explícitos, através da dupla revisão ou duplo processo
de revisão, vale dizer, o duplo processo de revisão seria efetivado em
dois momentos: no primeiro, o reformador eliminaria os limites
absolutos, sendo uma revisão sobre as normas que estabelecem
vedações à atividade revisora, como aquela constante do art. 60 do
Texto de 88; e, no segundo, a revisão seguiria de acordo com as leis
constitucionais que alteram as normas de revisão.
De acordo com esse entendimento, os preceptivos, tidos como
intangíveis adquiririam uma qualidade de maleabilidade face a
eliminação do cerne inamovível, considerado pela doutrina,
irreformável, absoluto, permanente e intocável; pétreo, portanto.
Assim, e por esse raciocínio, as vedações expressas contidas no §
4º, do art. 60 do Texto Maior, poderiam ser ultrapassadas, e para
isso, bastaria que o legislador de reforma as eliminasse, suprimindo,
pois, os limites de revisão por intermédio de outra revisão.
Parece equivocado e extremamente perigoso o ponto de vista
daqueles que defendem essa tese, com base no que
doutrinariamente se convencionou denominar poder constituinte
evolutivo, especialmente em um país como o Brasil que não tem
demonstrado, ao longo de sua história, grande estima
1
GOMES CANOTILHO, J. J. Direito Constitucional
Constitucional. Coimbra: Almedina, 1992, p. 1138.
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constitucional. E para se constatar esse fenômeno, basta lembrar
que a atual Constituição com pouco mais de quinze anos de
vigência já conta com mais de quarenta emendas, muitas
aprovadas por maiorias episódicas para satisfazer a ditames de
uma política econômica imposta por instituições financeiras
internacionais ou até mesmo em nome de interesses pessoais de
seus autores, o que evidencia o cuidado que se deve emprestar à
discussão desse importante tema2.
No Brasil – lembra Gustavo Just da Costa e Silva3 –, apesar de
se ter um catálogo de limites expressos correspondentes à tendência
atual de explícita alusão a todo o âmbito de referência
legitimadora das constituições democráticas, tem-se revelado
suscetível de interpretações, bastante questionáveis, excessivamente
ampliadoras do conteúdo que se considere protegido contra a
reforma. Essas condições são propícias ao aparecimento de
propostas de dupla revisão. E mais, ao lado disso, têm tramitado
no Congresso Nacional, em que pese o relativamente baixo grau
de rigidez da Constituição de 88, propostas e emendas que
objetivam simplificar, ainda que temporariamente, o procedimento
de aprovação de emendas, evidenciando que o Brasil não tem
uma grande estima pelos valores constitucionais.
Para demonstrar a minha divergência com aqueles que defendem
a tese da “dupla revisão” e estimular o debate sobre esse tema tão
importante, especialmente no momento político que vivenciamos, em
que estão sendo feitas reformas na Constituição com inaceitáveis
violações às vedações previstas no § 4º do art. 60, resolvi escrever
este texto que nem de longe pretende esgotar o assunto.
2. Limitações ao poder de reforma e à tese dupla revisão
Com o evoluir histórico do conceito de Constituição, passando-se
pelas concepções sociológica, política, formalista, normativista e
As Emendas da reeleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (Emenda 16) e a da reforma da Previdência
Social (Emenda 41), esta última no Governo Lula, constituem exemplos desse fenômeno.
3
COSTA E SILVA, Gustavo da. Os Limites da Reforma Constitucional
Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 147.
2
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material, identificou-se o aspecto elementar das constituições
modernas no traço de seu conteúdo objetivo.
Esse aspecto, vale lembrar, não pode ser expressado na tendência
objetivista que tende a menosprezar o aspecto humano criativo,
relegando o homem a um plano secundário, na medida em que
aponta para uma “coletividade próspera e feliz formada por criaturas
infelizes e miseráveis”. Ao contrário, fala-se de um conteúdo objetivo,
derivado da constatação de uma Constituição que, em que pese
historicamente surgida da necessidade de estruturar o Estado a fim
de limitar e preservar o poder político, passou a refletir, com o passar
do tempo, valores básicos “a serem protegidos até mesmo contra o
querer democrático”.4
Assim, a matéria constitucional não se resume ao comumente
denominado conjunto de normas estruturais estatais, que organizam
os elementos constitutivos do Estado. O regime constitucional revelase no enunciado dos fins do Estado, de sua organização e estrutura,
dos direitos fundamentais, dos limites do poder e do princípio
democrático, o que no caso brasileiro é revelado a partir do
preâmbulo do Texto de 88.
Desta forma, o que distingue a Constituição dos demais instrumentos
normativos do ordenamento jurídico é a inserção dos chamados
“valores constitucionais” na idéia de Constituição.
Esses valores constitucionais apresentam-se como o conteúdo
objetivo da Constituição, especialmente imortalizados, por meio dos
limites materiais, ao poder constituinte derivado, mais conhecidos
por cláusulas pétreas.
Toda sociedade escolhe princípios fundamentais, ou seja, valores aos quais tudo o mais em sua vida deve subordinarse. Por isso é que é sociedade. Realmente, não haveria sociedade se certas regras não fossem aceitas por todos.
Mesmo uma sociedade anarquista teria alguma regra, ao menos quanto à impossibilidade de serem criadas regras
coercitivas em seu seio. Ao conjunto desses valores básicos chamamos Constituição. Não vem ao propósito destas
considerações o aprofundamento do conceito de Constituição, seja sob o ângulo sociológico, político ou mesmo
jurídico, pois numa visão dialética incluem-se todos aqueles aspectos. A Constituição vista pela Sociologia, pela Ciência
Política, pelo Direito, ou por qualquer outra ciência não deixa de ser um conjunto de valores, que apenas passam a
ser abstraídos como objeto delas, segundo se considerem as forças sociais, políticas, jurídicas e outras. É preciso que
se tenha em mente que toda sociedade movimenta-se incessantemente e que não se convulsiona pela aceitação de
princípios comuns, que lhe dão unidade e ordem. Esses princípios superiores, sabe-se que são valores e que, por isso,
chocam-se algumas vezes com valores não eleitos como constitutivos da sociedade. Decorre daí, necessariamente,
que em toda sociedade haverá controle das opções face àquelas primordiais, que são a sua Constituição, seja pelo
próprio grupo social (sanção moral), quando organizações simples, seja por instituição adrede preparada, nas
sociedades politicamente organizadas (sanção jurídica). Esses valores básicos são sempre conhecidos numa sociedade,
de forma clara ou nebulosa. Nos Estados modernos esses princípios básicos estão identificados na ordem jurídica, seja
num texto escrito ou não. SEREJO, Paulo. Conceito de Inconstitucionalidade. In: Revista Jurídica Virtual da
Casa Civil da Presidência da República, Vol. 1, no 19, dezembro/2000.
4
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Pode-se, pois, vislumbrar na Constituição a presença de um conteúdo
predeterminado propriamente constitucional, ou seja, um conteúdo
paradoxalmente advindo de uma decisão política fundamental fortalecida
pelos conceitos de poder constituinte e constituído ou poder de reforma,
limitando, a partir de então, a própria decisão democrática. 5
Nesse contexto, avulta a importância das limitações do poder
constituinte derivado ou poder constituído que detém a faculdade de
reforma ou emenda da Constituição, ou seja, até que ponto pode o
poder Constituinte derivado alterar a constituição?
O poder de reforma constitucional exercido pelo poder constituinte
derivado, pela sua própria natureza jurídica, é um poder limitado,
constituído e contido num quadro de limitações explícitas e implícitas
decorrentes da própria constituição e cujos princípios se sujeita, em
seu exercício ao órgão revisor.
As limitações explícitas ou expressas são aquelas que, formalmente
postas na constituição, lhe conferem estabilidade tolhendo a quebra
de princípios básicos, cuja permanência ou preservação se busca
assegurar, retirando-os do alcance do poder constituinte derivado.
Essas limitações podem ser temporárias, circunstanciais e materiais.
As limitações materiais são aquelas ligadas ao objeto da reforma
do texto constitucional, ou seja, são aquelas cláusulas de
inamovibilidade porque, perante a sua observância, o legislador de
reforma não tem o poder de remover ou abolir, face a uma
determinação taxativa do constituinte, por isso consitutuem aquilo que
Pontes de Miranda denominou de “cerne imodificável da Constituição”.6
Para Jorge Miranda7, faz-se necessário distinguir três categorias de
limites materiais do poder constituinte: a) limites transcendentes; b)
limites imanentes e c) em certos casos, limites heterônomos.
Os limites transcendentes são aqueles que antepondo-se ou
impondo-se à vontade do Estado – e, em poder constituinte
democrático, à própria vontade do povo –, demarcando a sua área
de intervenção, originam-se de imperativos de direito natural, de
5
IORIO ARANHA, Márcio. As dimensões objetivas dos direitos e sua posição de relevo na
substancial. In:
interpretação constitucional como conquista contemporânea da democracia substancial
Revista de Informação Legislativa, Brasília, 35(138): 217-230, abril/junho 1998.
6
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Comentários à Constituição dos Estados Unidos do
Brasil de 1934
1934. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1937, t. 2, p. 526.
7
MIRANDA Jorge. Teoria do Estado e da Constituição
Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 376-378.
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valores decorrentes de ética superior, de uma consciência jurídica
coletiva, como aqueles ligados aos direitos fundamentais
imediatamente conexos com a dignidade humana, pelo que, tornarse-ia inválida e, portanto, ilegítima a decretação de normas
constitucionais que gravemente pudessem ofender a esses valores.
Já os limites imanentes decorrem da noção e do sentido do poder
constituinte formal enquanto poder situado, que se identifica por certa
origem e finalidade, manifestando-se em dadas circunstâncias, como
aqueles ligados à configuração do Estado à luz do poder constituinte
material ou à própria identidade do Estado de que cada Constituição
representa apenas um momento do devir histórico, como aqueles
compreendidos pelos limites que se reportam à soberania do Estado,
à forma de Estado, bem como os limites atinentes à legitimidade
política em concreto.
Os limites heterônomos são aqueles que provêm da conjugação com
outros ordenamentos jurídicos. Estão ligados aos princípios e regras ou
a atos de Direito internacional, donde resultem obrigações para todos
os Estados ou só para certo Estado, ou ainda, reportando-se à regras de
Direito interno, quando o Estado seja composto ou complexo e complexo
tenha de ser, por conseguinte, o seu ordenamento jurídico.8
O Texto de 88, no § 4 o do artigo 60 consagra as vedações
materiais perpétuas do nosso ordenamento constitucional ao
exercício do poder de reforma.
Como ensina Raul Machado Horta9:
“Do “centro de imputação”, que limita a atividade do órgão de revisão
constitucional, dimanam, inicialmente, as matérias incluídas na cláusula da
irreformabilidade do art. 60, § 4º, I a IV, da Constituição. São improproníveis
no Congresso Nacional, em sessão apartada de cada Casa, os temas
irreformáveis, que não podem ser objeto de Emenda à Constituição: a forma
federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação
Os limites heterônomos ligados ao Direito internacional, que assumem um caráter especial, são aqueles que
correspondem às limitações do conteúdo da constituição em face dos deveres assumidos por um Estado para com
outros Estados ou para a comunidade internacional no seu conjunto, como por exemplo, os compromissos assumidos
pelo Estado com relação ao respeito e a manutenção das garantias de direitos de minorias nacionais e lingüísticas
impostos por certos Estados por força de tratados de paz, especialmente após as duas Grandes Guerras mundiais,
ao passo que os limites heterônomos de Direito interno são aqueles ligados aos limites recíprocos, em uma união
federal, como o Brasil, entre o poder constituinte federal e os poderes constituintes dos Estados federados, em que
o primeiro deve respeitar a existência destes assegurando a participação do Estado nos órgãos e nos atos jurídicos
principais em nível central.
9
MACHADO HORTA, Raul. Direito Constitucional
Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 88.
8
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dos Poderes, os direitos e garantias individuais. Se não podem ser objeto de
emenda, para aboli-las – e a abolição não se circunscreve às formas grosseiras
e ostensivas, mas também alcança as formas oblíquas, dissimuladas e ladeantes
–, as matérias irreformáveis não poderão constituir objeto de proposta de
revisão. Poder de emenda e poder de revisão são poderes instituídos e
derivados, instrumentos de mudança constitucional de segundo grau,
submetidos um e outro ao centro comum de imputação, que assegura a
permanência das decisões políticas fundamentais reveladas pelo poder
constituinte originário”.
Assim, as limitações constantes do § 4o, inciso IV do art. 60, do
Texto Maior constituem limitações materiais explícitas. Por
conseguinte, não será tolerada emenda que vise abolir:
a) a forma federativa de Estado;
b) o voto direto, secreto, universal e periódico;
c) a separação dos Poderes e d) os direitos e garantias
individuais, ou seja, os direitos fundamentais da pessoa humana
e, por óbvio, as ações ou os remédios previstos no próprio Texto
Maior ou em normas infraconstitucionais que os assegurem no
campo prático, pois o direito de ação constitui um dos direitos
mais fundamentais do cidadão.
Entretanto, como pondera Machado Horta 10 , as limitações
constantes do § 4º, do art. 60 do Texto Maior não exaurem a
demarcação instransponível do poder de emenda.
Com efeito, existem outras limitações materiais difundidas no
corpo da Carta Suprema, as chamadas limitações materiais
implícitas. Como exemplos dessas limitações implícitas, seguindose as lições do citado jurista, podem ser citados: os fundamentos do
Estado Democrático de Direito (art. 1º, incisos I, II, III, IV, e V); o
povo como fonte do poder (art. 1º, Parágrafo único); os objetivos
fundamentais da República Federativa (art. 3º, incisos I, II, III e IV);
os princípios das relações internacionais (art. 4º, incisos; I, II, III, IV,
V, VII, VIII, IX e X, Parágrafo único); os direitos sociais (art. 6º); a
autonomia dos Estados Federados (25) e dos Municípios (arts. 29 e
30, incisos I, II e III); a organização bicameral do Pode Legislativo
(art. 44); a inviolabilidade dos Depurados e Senadores e as garantias
da Magistratura (arts. 53 e 95, incisos I, II e III); a permanência
10
MACHADO HORTA, Raul. Ob. cit.
cit., p. 113-114.
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institucional do Ministério Público (art. 127) e de suas garantias (art.
128); as limitações do poder de tributar (arts. 150 e 151), e os
princípios da Ordem Econômica (art. 170 e seu parágrafo único).
De acordo com a doutrina de Nelson de Sousa Sampaio11, as normas
constitucionais que implicitamente estão fora do alcance do poder de
reforma podem ser classificadas da seguinte forma: a) as que dizem respeito
aos direitos fundamentais, pois nenhuma reforma constitucional poderá
restringí-los e muito menos abolí-los12. Deve, ao contrário, ampliá-los; b)
aquelas concernentes ao titular do poder constituinte, tendo em vista que
uma reforma do texto Constitucional não pode alterar a titularidade da
potestade que inseriu na constituição o próprio poder reformador; c) as
relativas ao titular do poder reformador, porque seria no mínimo ilógico
que o legislador ordinária pudesse estabelecer um novo titular para o
poder instituído pela simples vontade do constituinte originário na medida
em que o poder revisor representa uma mera delegação do constituinte,
portanto, insuscetível de ser transferida; e d) as normas referentes ao
processo da própria emenda ou revisão constitucional, porquanto não é
possível ao poder reformador simplificar as normas que a Constituição
estabelece para a elaboração legislativa. E isso se dá porque o que foi
prescrito pelo poder constituinte para uma reforma constitucional é
insuscetível de ser atenuado pelo poder constituído.
Dessas limitações materiais, implícitas ou explícitas, decorre que
emendas que sejam incompatíveis com as aludidas garantias ou vedações
sequer podem ser objeto de apreciação pelo Parlamento, pois atentatórias
ao núcleo imodificável do Texto Maior.
O poder de reforma ou de emenda é, pois, um poder limitado na
sua atividade de constituinte de segundo grau, de poder constituído.
A emenda é incompatível com a ruptura da Constituição.Trata-se, é
sempre bom lembrar, de um processo de alteração material sem a
erosão dos fundamentos da Constituição, que, como lembrava há
anos Francisco Campos, se exteriorizam nas decisões políticas
fundamentais, configuradoras do centro comum de imputação,
limitando assim, a atividade do órgão de revisão constitucional.13
SOUSA SAMPAIO, Nelson de. O poder de reforma constitucional
constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 95-108.
Proibição que vem sendo sistematicamente violada no anterior e no atual governo por meio de emendas como as
Emendas 20, 28 e 41 que de forma inadmissível violaram não apenas a garantia do não dos direitos sociais, mas, também
os princípios do respeito ao direito adquirido, do ato jurídico perfeito, do pleno acesso à jurisdição entre outros.
13
CAMPOS, Francisco. Direito constitucional. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1956, v. 2, p. 80.
11
12
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De acordo com o pensamento de Carl Schmitt, a reforma
constitucional é uma faculdade prevista na própria Constituição.
Portanto, nesse sentido, constitui uma autêntica competência, sendo,
assim, necessariamente limitada, na medida em que “no marco de
uma regulação legal-constitucional não pode haver faculdade
ilimitada; toda competência é limitada”14. Por isso – lembra Gustavo
Just da Costa e Silva15 –, os limites dessa faculdade reformadora
resultam de uma correta compreensão do próprio conceito de reforma
– o que no Brasil não tem acontecido – que designa a substituição de
regulações legal-constitucionais, pressupondo, todavia, a garantia
da identidade e continuidade da Constituição. Reformar a Constituição
não pode ser confundido com a sua supressão ou destruição, ou seja,
a mudança pressupõe conceitualmente uma identidade que
permanece. Por conseguinte, somente se pode cogitar de mudança
ou reforma às “leis constitucionais”, ou seja, aqueles dispositivos que
não afetem, direta ou indiretamente, a decisão consciente e de
totalidade sobre a forma da existência política. Modificar tal decisão
é alterar a identidade da constituição, o que não configura uma mera
reforma, mas, mais que isso, a destruição ou supressão da própria
Constituição. Daí porque é correto afirmar que uma eventual proibição
expressa de determinada reforma, como aquela prevista no art. 60
do Texto de 88, apenas confirma a distinção entre revisão e supressão.
Correta, pois, se me afigura, a advertência de Carlos Ayres de Brito16,
quando afirma que ainda que sob o calor de mitigar o efeito
“conservador” das cláusulas pétreas, se pudesse defender a tese da
dupla revisão, a mesma no plano da realidade baralha inteiramente
os campos de lídima expressão do poder constituído e do poder
constituinte, caindo em contradições incontornáveis, na medida em
que se se entender seja possível reformar as próprias cláusulas de
reforma, então a Constituição pode vir a perder até mesmo o caráter
de rigidez, pela total supressão da norma ou das normas
constitucionais instituidoras da hierarquia da Constituição sobre as
demais normas constitucinais instituidoras da rigidez formal, vale dizer,
sem rigidez formal, como se poderá preservar a superioridade
14
15
16
SCHMITT, CARL. Teoría de la Constitución
Constitución. Trad. F. Ayala. Madrid: Alianza Editorial, 1982, p. 118.
COSTA E SILVA, Gustavo da. Ob. cit. p.107.
BRITO, Carlos Ayres de. Teoria da Constituição
Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 76.
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hierárquica da constituição sobre as demais normas? Será possível
contituar chamando Constituição o que já deixou de sê-lo, pois sem
a garantia de rigidez formal a Constituição perde o controle do regime
jurídico de suas próprias emendas e, por conseguinte, do seu próprio
regime, o que convenhamos, representa um grande risco,
nomeadamente em um país como o Brasil que não cultiva o hábito
de levar muito a sério a sua constituição.
Parece fundamenta, lembrar que se a concepção do poder
reformador como um poder constituido, de segundo grau, limitado é,
por um lado, indispensável à logica do Estado de direito democrático,
por outro lado, revela-se frontalmente incompatível com a atribuição
de um valor meramente relativo aos limites da reforma constitucional.
Por isso, entre nós, a existência das limitações previstas no art. 60 do
Texto de 1988 não podem ser vistas a não ser como a pretensão de
empresar validade à Constituição mesmo diante do poder reformador,
dando, assim, a essa pretensão concretude formal e material, ou seja,
a Constituição vale – é o que ela mesma afirma e é que o que decorre
de seus fundamentos – também para sua própria reforma.
Assim, ninguém pode negar que a pretensão de validade da
Constituição restará inexoravalmente frustrada se o poder constituinte
derivado, reformador, constituído, puder dispor como bem queira da
constituição, em nome de uma eventual e episódica maioria, originária
de acertos ou conchavos políticos, o que, aliás, tem ocorrido com certa
frequência no Brasil, evidenciando o perigo da tese da dupla revisão.
A pretensão de se atribuir um valor simplesmente relativo aos limites,
produz, como consequência, o completo esvaziamento da limitação
material do poder constituinte derivado ou reformador na medida que
reduz essa limitação a um problema exclusivamente procedimental.
Daí porque para aqueles que defendem a tese de dupla revisão – com
fundamento no chamado poder constituinte evolutivo –, o significado
real da vedação de alteração de determinadas normas da Constituição
se reduz apenas o da instituição de um agravamento da rigidez a seu
favor.17 Para a alteração de determinadas normas – aquelas que o
constituinte originário gravou com a cláusula de eternidade, excluindoas, portanto, do procedimento de reforma –, apenas se exigiria um
17
FERREIA FILHO, Manoel Gonçalves. Significado e alcance das “cláusulas pétreas”. In: Revista de Direito
Administrativo. São Paulo: n. 202, out./dez. 1995, p. 11-17.
Administrativo
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procedimento mais complexo do que aquele exigido para a revisão
das demais disposições da Constituição, o que não me parece
acertado, na medida em que se se reconhecer ao poder de reforma a
prerrogativa de superar os limites que lhes foram assinalados pelo poder
constituinte originário, tornar-se-á ele, na realidade, um poder ilimitado
e, portanto, senhor da própria Constituição. E nem é possível, como
adverte a boa doutrina18, com base apenas em uma suposta limitação
procedimental, sustentar alguma espécie de distinção entre poder
constituinte e poder reformador, vez que, em nome da cooerência da
tese de dupla revisão, não seria possível negar à autoridade
reformadora a possibilidade de modificar, também, a norma
constitucional que estabecesse a regulação do procedimento revisor,
podendo, então assim dispor o constituinte derivado, de maneira livre,
sobre a Constituição sem qualquer tipo de restrição de ordem formal
ou material, o que é algo inimaginável. Por conseguinte, parece
impossível de admissão que sem a atribuição de um valor absoluto
aos limites se possa considerar limitado o poder de reforma
constitucinal, um poder naturalmente constituído.
O poder constituinte é e não pode deixar de ser o poder que pode
o mais sem poder o menos, na medida em que significa a força de
elaborar a Constituição, mas não dispõe da aptidão para reformála. E o poder constituído? É e sempre será o poder de fazer o menos
sem nunca chegar a fazer o mais, no sentido de que ele detém a
competência para reformar a Constituição, respeitados os limites
previstos nela própria, não dispondo, por conseguinte, da potência
para trocar essa conceituação por outra, evidentemente. Não pode o
poder constituído, a qualquer momento, se transvestir de poder
constituinte, alterando ao seu talante, os planos do ser e do dever-ser,
pois se assim fosse, teria ele de se assumir como “coveiro da
Constituição que o fez nascer e aí privaria de sentido a própria e
verdadeira função constituída, que é, como bem o disse o
constitucionalista argentino Reinaldo Vanosa, a de impedir o
surgimento de um poder constituinte revolucionário”.19
As cláusulas inamovíveis, como sabemos, são aquelas que possuem
eficácia plena, total. E são assim denominadas porque possuem a
18
19
COSTA E SILVA, Gustavo da. Ob. cit. p.169-160.
BRITO, Carlos Ayres de. A Reforma Constitucional e sua Intransponível Limitabilidade. In: Ob. cit
cit. p. 85.
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qualidade de não poderem ser alteradas. Contra elas não tem o poder
constituído a potência de atuar, na medida em que dispõem de força
absoluta, paralizando todo o processo ou produto infraconstitucional
legislado que, direta ou indiretamente, vier conspurcá-las, porquanto
se distinguem das normas de eficácia plena porque estas podem ser
revistas ou emendadas pelo poder de reforma constitucional.20
Assim, não se pode admitir a possibilidade do legislador de reforma,
com poder constituído e por isso limitado, por intermédio da técnica
de dupla revisão, fundado na tese do poder constituinte evolutivo,
suprimir os limites materiais explícitos ou implícitos, na medida em
que são eles imprescindíveis e insuperáveis.
Como lembra a doutrina21, são imprescindíveis porque a se aceitar
o argumento da simplificação das normas que estatuem limites,
outrora depositados pela menifestação constituinte originária, no
mínimo seria usurpar o caráter fundacional do poder criador da
Constituição; e insuperáveis pois na medida em que fosse admitida
a possibilidade de alteração das condições estabelecidas por um
poder mais alto – o poder constituinte originário – com o objetivo de
reformar-se o processo revisional, estar-se-ia, na prática, promovendo
uma verdadeira e inadmissível fraude à Constituição –
Verfassungsbeseitigung, dos jurista alemães.
Que não venham alegar, como fazem alguns, que, mesmo diante
da existência de cláusulas pétreas, a Constituição, além de violada,
tem sido reformada em pontos proibidos, o que justificaria, assim,
uma espécie de “relativização” dessas limitações, pois não seria justo
obrigar as futuras gerações a respeitar aquilo que o constituinte
originário, em dado momento histórico, entendeu gravar com a
garantia de eternidade e, até mesmo, em nome do progresso social,
se justificaria a tese de alteração dessa garantia.22
Não me parece correta, também por esse ângulo, a tese.Não se pode,
em nome do progresso social e do futuro das novas gerações, destruir a
própria essência da Constituição. O fato de, apesar das vedações
constantes das cláusulas pétreas, não se ter, em dados momentos
LAMMÊGO BULOS, Uadi. Mutação Constitucional
Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 45.
LAMMÊGO BULOS, Uadi. Ob. cit
cit. p. 44.
22
Foi essa a justificação que me foi dada por dois professores sul-mato-grossenses com quem mantive por ocasião
do II Colóquio de Filosofia e Hermenêutica, realizado nesta cidade no segundo semestre de 2003, pelo Instituto de
Filosofia de Dourados – Estado de Mato Grosso do Sul, um acalorado e proveitoso debate sobre esse tema e
também me motivou a escrever este modesto texto.
20
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históricos-políticos impedido algumas reformas que contra elas
atentaram, não pode ser, como de fato não é, justificação para se mutilar
ou mesmo suprimir a própria Constituição. A questão posta nestes termos,
está afeta ao terreno da eficácia das normas constitucionais.
O que é necessário ser entendido, como acima se viu, é que não
pode o poder constituído – a pretexto de “flexibilizar” o núcleo
essencial, imutável da Constituição, porque eventualmente causa
embaraços à política econômica, “a governabilidade” ou outros
interesses, muitos até mesmo destituídos de legitimidade moral –,
usar da técnica de dupla revisão para destruir a própria Constituição.
E por isso, as reformas que têm sido feitas com violação a essas
vedações, não podem ser aceitas, merecendo a repulsa de toda a
comunidade e, por conseguinte, anuladas pela Suprema Corte.
3. Conclusão
A tese da revisão de dupla face produz a perda pela Constituição
do controle do regime jurídico de suas emendas e, por conseguinte,
do seu próprio regime, podendo representar a sua destruição. Por
isso, não pode ser tida como legítima nem aceitável, menos ainda
em um país como o Brasil que tem demonstrado ao longo de sua
história, especialmente a história mais recente, grande falta de apreço
aos valores e princípios constitucionais.
As normas constitucionais absolutas, exatamente porque têm esse
predicado, são providas de uma supereficácia paralizante ou abrogante, o que as torna intangíveis e invioláveis, colocando-se, pois,
fora e além do alcance do poder constituído ou de reforma, devendo
ser mantidas enquanto sobreviver a constituição.
Assim, a alegação de sua eventual ineficácia em dados momentos
históricos ou políticos como causa para sua violação, ou a
inobservância da intangibilidade que lhe é inerente, coloca-nos, sem
sombra de dúvida, diante do problema da destruição da própria
Constituição, Lei Fundamental, garantidora do Estado Democrático
de Direito, causando uma ruptura do ordenamento instituído pelo
poder constituinte originário, o que convenhamos, é inadmissível.
Parece, pois, extremamante perigosa a invocação da tese de dupla
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revisão nomeadamente em países periféricos como o Brasil,
submetidos a interesses e ao controle de instituições financeiras
alienígenas que ditam reformas que, a par de violarem a essência
da própria Constituição, podem representar, e de fato representam,
para as futuras gerações não as alegadas conquistas sociais
alardiadas pelos seus autores, mas lamentáveis retrocessos como
aqueles que aqui se tem implementado em nome de um pseudo
desenvolvimento econômico, da estabilização financeira, do controle
das finanças públicas ou do superavit primário, especialmente nos
dois últimos governos.
Convém lembrar, para encerrar este texto, que a renovada
supremacia da Constituição vai além do controle de
constituicionalidade e da tutela mais eficaz da esfera individual de
liberdade. Com as Constituições democráticas do século XX – adverte
Lenio Luiz Streck23 –, assume um lugar de destaque outro aspecto,
qual seja, o da constituição como norma diretiva fundamental, que
dirige os poderes públicos e ao mesmo tempo condiciona os
particulares de tal maneira que assegura a realização de valores
constitucionais, como os direitos sociais, o direito à educação, à
subsistência ou ao trabalho, à saúde, entre outros.
Assim, a nova concepção de constitucionalismo une precisamente
essa idéia de Constituição como norma fundamental de garantia,
com a noção de Constituição enquanto norma diretiva fundamental,
o que a tese de revisão de dupla face, com base na idéia do chamado
poder constituinte evolutivo, se choca de maneira irremediável.
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O RECONHECIMENTO DOS DIREITOS
ORIGINÁRIOS DOS ÍNDIOS SOBRE SUAS TERRAS
TRADICIONAIS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE
1988 E A EXTENSÃO DO CONCEITO DE TERRAS
INDÍGENAS TRADICIONALMENTE OCUPADAS.
Lásaro Moreirada Silva1
Resumo
Resumo: Esse trabalho tem por objetivo demonstrar que a Constituição Federal
de 1988 reconheceu os direitos originários dos índios às suas terras
tradicionais, impondo à União o dever de demarcá-las e protegê-las.
Será demonstrado também que a posse indígena não pode ser
interpretada sob a óptica civilista, mas sim de acordo com a Constituição
Federal, significando o “habitat” de um povo diferenciado que tem
uma relação de sobrevivência física e cultural com a terra. Da mesma
forma, os termos tradicional e permanente não exigem ocupação atual
e efetiva para que uma terra seja considerada indígena. Esses termos
referem-se a uma perspectiva de futuro, de garantia da sobrevivência
dos índios nas suas terras tradicionais.
Palavras
alavras-- Chave
Chave: Terras Indígenas, Direitos Originários, Indigenato.
1. Introdução.
A Constituição Federal de 1988 ampliou, explicitou e detalhou
os direitos dos índios, positivando no texto o reconhecimento
dos direitos originários às terras, impondo à União a obrigação
de demarcá-las e protegê-las.
Os avanços alcançados com o advento da Constituição
Federal de 1988 resultaram da tendência mundial de
reconhecimento e proteção dos direitos das minorias étnicas,
p r e o c u p a ç ã o d a O N U, a p a r t i r d a d é c a d a d e 1 9 5 0 .
Especificamente quanto às populações indígenas, a Convenção
nº 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) realizada
em Genebra em julho de 1966, estabeleceu orientações
Delegado de Polícia Federal em Dourados/MS, Professor da UNIGRAN e Mestre em Direito pela Unb em convênio
com a UNIGRAN.
1
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concernentes ao respeito, à cultura, usos, costumes, organização
tribal e terras indígenas.2
No art. 3º a Convenção estabelece que “os povos indígenas e
tribais deverão gozar plenamente dos direitos humanos e das
liberdades fundamentais, sem obstáculos nem discriminação”.
O art. 4º recomenda o reconhecimento e proteção dos valores,
práticas sociais, culturais, religiosas e espirituais dos povos indígenas
e tribais. Na parte II, art. 14, a Convenção recomenda o
reconhecimento dos direitos de propriedade e de posse desses povos
sobre as terras que tradicionalmente ocupam e os governos devem
definir as terras que esses povos ocupam tradicionalmente e protegêlas, garantindo a propriedade e posse dos povos indígenas e tribais.
Observa-se que a Constituição Federal de 1988 adotou várias
recomendações contidas na Convenção nº 169 da OIT, notadamente
os dispositivos referentes ao respeito às diferenças etnoculturais, a
garantia da posse indígena sobre as terras tradicionalmente ocupadas
e usufruto dos recursos do solo, rios e lagos. Outro avanço da Carta
atual consistiu no abandono dos ideais assimilacionistas3, conforme
observa Márcio Santilli:
A mudança profunda que a Constituição de 1988 introduziu foi o
reconhecimento de direitos permanentes aos índios. Ela abandona a
tradição assimilacionista e encampa a idéia – a realidade dos fatos – de
que os índios são sujeitos presentes e capazes de permanecer no futuro.4
Com a Constituição Federal de 1988, muda-se o paradigma da
integração do índio a civilização, após séculos de tentativas
fracassadas. Os constituintes perceberam a realidade: os índios não
eram passageiros, destinados ao desaparecimento etnocultural, como
se pensava. Garantiu-se a eles o direito de viver como pessoas
diferenciadas em relação ao povo brasileiro. Quebra-se a tendência
integracionista expressa no Estatuto do Índio.
2
O Senado Brasileiro negou adesão à convenção 169, justificando a existência de dificuldades jurídicas. O que existia
era um forte grupo parlamentar no Congresso Nacional em defesa dos latifundiários que muito se interessam pelas
riquezas das terras indígenas. Contudo, a Constituição Federal de 1988 contém muitos dispositivos de proteção às terras
indígenas, o que torna a ação dos especuladores de toda espécie muito limitadas. No entanto, em junho de 2002, o
Senado reviu sua posição e aprovou a adesão, devendo a Câmara apreciar a matéria. Espera-se que seja aprovada.
3
O termo significa a integração ou aculturação compulsória dos índios, visando a substituição de seus costumes,
religião e cultura pelos da sociedade brasileira.
4
Márcio SANTILI, Os brasileiros e os índios. São Paulo: Senac,2000. p. 29.
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É claro que na Constituinte houve embates polêmicos e acalorados
entre os defensores dos índios, e ferrenhos opositores, principalmente
os latifundiários. Prevaleceu, contudo as idéias de vanguarda que se
alinhavam à tendência ocidental moderna de proteção às minorias
étnicas e respeito aos direitos humanos, conforme assinala Dalmo de
Abreu Dallari:
É importante lembrar [...] que a Constituição Brasileira de 1988 alinhouse entre as que proclamam a proteção dos direitos humanos como um
de seus princípios fundamentais. Um sinal evidente desse alinhamento
é justamente a existência de um capítulo a respeito dos índios e seus
direitos. De modo geral, pode-se dizer que quase todos os direitos
enumerados nesse capítulo já estavam inseridos na legislação brasileira
[...] entretanto, o fato de estarem previstos na própria Constituição
aumenta a eficácia desses direitos, torna mais difícil sua eliminação ou
restrição e condiciona a atuação do Executivo, do Judiciário e do
próprio Parlamento.5
Além de detalhar e ampliar os direitos indígenas, notadamente
o direito a terra, cerne da questão, a Constituição atribuiu ao
Ministério Público, como função institucional a defesa judicial dos
direitos e interesses das populações indígenas (art. 129, V). Com
isso, tentou tornar mais efetiva a proteção dos direitos indígenas.
2. Os direitos originários dos índios sobre suas terras
tradicionais.
Quanto às terras tradicionais indígenas, a Constituição Federal
de 1988 reconheceu os direitos originários dos índios sobre suas
terras e conceituou terra indígena nos seguintes termos:
Artigo 231. São reconhecidos aos índios sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre
as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcálas, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
5
Os direitos humanos e os índios no Brasil, apud O Cinqüentenário da Declaração Universal dos
Direitos do Homem, de Alberto do AMARAL JÚNIOR, Cláudia PERRONE (org.), p. 261.
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§1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles
habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades
produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais
necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e
cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
Além disso, a Constituição assegura aos índios o usufruto exclusivo
sobre o solo, os rios e lagos e classificou as terras como inalienáveis,
indisponíveis e incluiu a imprescritibilidade dos direitos indígenas sobre
elas, como reforço às garantias.
A constitucionalização de todas essas garantias é fundamental para
a sobrevivência física e cultural dos índios. As populações indígenas
sem seus territórios perdem suas referências culturais, 6 deixando de
ser diferenciados dos demais integrantes da nação brasileira. Foi essa
a diretriz da política indigenista durante muitos séculos, porém as
populações indígenas resistiram, conseguindo se manter como povo
diferenciado etnoculturalmente.
O reconhecimento dos direitos originários dos índios sobre suas
terras veio ratificar o velho instituto do indigenato expresso pelo Alvará
de 1º de abril de 1680.
O termo originário designa um direito anterior ao próprio Estado
brasileiro, uma posse congênita, legítima por si mesma, ao
contrário da posse adquirida que precisa preencher os requisitos
civilistas para o reconhecimento.
Os índios são os donos primários de suas terras. Qualquer posse
sobre terras indígenas é modo derivado de aquisição e totalmente
nulo, mesmo que existam títulos dominiais validados pelas
autoridades públicas, porque o Estado não pode ratificar o esbulho
do patrimônio indígena que se fundamenta em um direito originário
precedente a qualquer outro.
José Afonso da Silva, valendo-se das idéias de João Mendes Júnior,
sobre o instituto demonstra que: “[...] o indigenato não se confunde
com a ocupação, com a mera posse. O indigenato é fonte primária e
congênita da posse territorial; é um direito congênito, enquanto a
ocupação é título adquirido”.7
No Mato Grosso do Sul, notadamente no território Kaiowá e
6
7
Carlos Frederico Marés de SOUZA FILHO, O renascer dos povos indígenas para o Direito
Direito. Curitiba: Juruá. p. 120.
Curso de direito constitucional positivo
positivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 828.
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Ñandeva, o processo de espoliação de terras pelas frentes de expansão
econômica, com apoio oficial, realizou-se à revelia de todo o
ordenamento jurídico de proteção aos direitos indígenas vigente,
inclusive o Alvará de 1680 que nunca foi revogado.
Os índios Kaiowá e Ñandeva foram os primeiros habitantes e donos
originários de aproximadamente 25% (vinte e cinco por cento), do atual
Estado do Mato Grosso do Sul. Atualmente ocupam menos de 1% (um
por cento) de suas terras originárias. Eles não abandonaram suas terras,
foram expulsos delas gradativamente até serem encurralados nas
minúsculas reservas demarcadas entre os anos de 1915 a 1928. A
maior parte de suas terras estão tituladas em nome de fazendeiros que
ostentam orgulhosos os títulos dominiais ratificados pelo Estado, porém
esses títulos referem-se à aquisição derivada que não pode se sobrepor
à posse originária dos Kaiowá e Ñandeva sobre suas terras. O grande
problema é que a Justiça reluta em reconhecer os direitos primários e
congênitos dos índios sobre as terras que ocupam ou que ocupavam
até serem expulsos. Os magistrados estão alinhados com o paradigma
civilista do direito de propriedade, fundamentado em justos títulos
registrados nos cartórios de imóveis, enquanto os índios fundamentam
seus direitos em uma posse originária, que, no entanto, não está
registrada nos cartórios imobiliários. Os índios não precisam registrar
suas terras para provar a posse. O direito deles é precedente a qualquer
outro e funda-se na noção de pertencimento a terra, pela identificação
de marcos naturais (rios, lagos, matas, colinas etc,.), além de elementos
de história oral, vestígios arqueológicos; coesão e identidade do grupo
indígena e documentação dos órgãos de assistência ao índio.
O Alvará Régio de 1680 nunca foi revogado e a Constituição
Federal de 1988 o recepcionou no art. 231, portanto, a posse
indígena não pode ser visualizada através da “percepção civilista
do direito outorgado, mas [...] sobe a perspectiva do habitat de um
povo, do indigenato [...]”.8
Qualquer ocupação de terras indígenas é modo de aquisição
derivado, posterior à posse originária dos índios, senhores de suas
terras por título congênito que não precisa de ratificação do Estado
ou de registro no cartório imobiliário para ter validade.
Wagner GONÇALVES, Terras de ocupação tradicional: aspectos práticos da perícia antropológica, apud Orlando
Sampaio SILVA, Lídia LUZ, Cecília Maria Vieira HELM (orgs.), A perícia antropológica em autos judiciais.
Florianópolis: Editora da UFSC, 1994. p. 81-82.
8
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3. O conceito jurídico de terras indígenas na
Constituição Federal de 1988.
A Constituição Federal de 1988 aperfeiçoou o conceito jurídico de
terras indígenas como uma categoria sui generis no direito pátrio.
Diferenciou posse e propriedade, criando uma situação especial para
as terras indígenas. A propriedade é “pública, estatal, e posse privada,
mas coletiva, não identificável individualmente”.9 A terra é de propriedade
da União Federal, porém inalienável e se destina à posse permanente
dos índios que têm a exclusividade do usufruto do solo, rios e lagos.
A propriedade da União sobre as terras não lhe permite exercer
todos os direitos previstos no art. 1.228 do novo código civil, Lei
10.406/202: “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor
da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que
injustamente a possua ou detenha.” A União não pode usar terras
indígenas porque elas se destinam a posse permanente dos índios
(artigo 231, §2º da Constituição Federal de 1988). Também não pode
aliená-las ou dispor delas (art. 231, § 4º). Em compensação, os índios
têm a posse e o usufruto permanente sobre as terras, porém esse direito
não se relaciona ao conceito civilista de posse do Código Civil em
seu art. 1.196: “considera-se possuidor todo aquele que tem de fato
o exercício, pleno ou não, de alguns dos poderes inerentes à
propriedade”. Os índios têm a posse permanente das terras, contudo,
não podem transferi-las, não se tornarão proprietários, seus direitos
são imprescritíveis e a posse é coletiva. Não há exteriorização plena
dos poderes atribuídos ao proprietário, o exercício do possuidor em
relação à coisa corpórea “como se fosse o proprietário, pois a posse
nada mais é do que uma exteriorização da propriedade”.10
A caracterização da propriedade e posse civilista não se prestam à
conceituação de terras indígenas. Nesse sentido as palavras do
Ministro do STF Gilmar Ferreira Mendes:
Cumpre notar, outrossim, que a posse a que se refere o preceito
constitucional não pode ser reduzida a conceito de posse do Direito Civil,
Carlos Frederico Marés de SOUZA FILHO. O renascer dos povos indígenas para o Direito. Curitiba: Juruá, 1998.
p. 121.
10
Silvio RODRIGUES, Direito Civil: direito das coisas
coisas. São Paulo: Saraiva, 1993. V. 5, p. 19.
9
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como pretendem os autores. A posse dos silvícolas abrange todo o território
indígena propriamente dito, isto é, toda área por eles habitada, utilizada
para seu sustento e necessária à preservação de sua identidade cultural. 11
Portanto, a Justiça ao analisar questões envolvendo retomadas de
terras indígenas ou reivindicações das comunidades silvícolas sobre
seus territórios não pode se valer dos conceitos civilistas de
propriedade e posse e justos títulos exibidos pelos supostos
proprietários, porque a posse indígena e a propriedade da União
sobre as terras indígenas constituem uma categoria especial
conceituada pela Constituição Federal.
Essas particularidades são de difícil entendimento para quem está
habituado ao direito dogmático civilista conservador, conforme
esclarece Carlos Frederico Marés de Souza Filho:
[...] Fica até relativamente fácil de entender a propriedade pública destas
terras, mas difícil de aceitar que a posse não individual [...] seja exatamente
o fator determinante da propriedade [...] e para afastar a possibilidade de
apropriação individual, o sistema atribuiu essa ‘propriedade’ à União,
como terras públicas.12
Além dessas particularidades, não se pode esquecer que os
direitos indígenas sobre suas terras tradicionais são imprescritíveis
e não se sujeitam ao rito civilista. Não se pode exigir da comunidade
indígena que ostente os títulos da terra ou que demonstre a
ocupação efetiva e ininterrupta. Os direitos dos índios às suas terras
precedem a qualquer outro. A prova da ocupação tradicional é
realizada com base em critérios antropológicos. Não se pode exigir
a ocupação atual dos índios quando eles foram expulsos pelos
invasores. A falta de ocupação atual e efetiva não descaracteriza
a posse indígena e nem a propriedade da União. Os índios não
abandonam suas terras espontaneamente: ou são expulsos
violentamente ou “convencidos” a se retirar.
A posse indígena não se submete às regras de direito civil.
Ultrapassa esse ramo do direito e somente pode ser compreendido
no contexto constitucional. A terra para o índio não é um pedaço de
11
O domínio da União sobre as terras indígenas. O Parque Nacional do Xingu
Xingu.
Ministério Público Federal, 1988. p.56.
12
O renascer dos povos indígenas para o direito
direito. p. 122-123.
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Brasília:
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chão destinado a uma atividade econômica. É o habitat coletivo,
suporte da sobrevivência física e cultural e lugar onde a comunidade
pode realizar sua cultura, crenças e língua.
O reconhecimento das terras indígenas como habitat de um povo
foi bem explanado pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Victor
Nunes13 no julgamento do Recurso Extraordinário n.º 44.585, referente
ao Parque Nacional do Xingu:
Aqui não se trata do direito de propriedade comum: o que se reservou foi
o território dos índios. Essa área foi transformada num parque indígena
sob guarda e administração do Serviço de Proteção aos índios, pois estes
não têm a disponibilidade das terras. O objetivo da Constituição Federal
é que ali permaneçam os traços culturais dos antigos habitantes, não só
para sobrevivência dessa tribo, como para estudo dos etnólogos e para
outros efeitos de natureza cultural ou intelectual. Não está em jogo,
propriamente, um conceito de posse, nem de domínio, no sentido civilista
dos vocábulos: trata-se do habitat de um povo.
No mesmo sentido argumenta José Afonso da Silva14 :
Sua posse extrapola da órbita puramente privada, porque não é e nunca
foi uma simples ocupação da terra para explorá-la, mas base de seu habitat,
no sentido ecológico de interação do conjunto de elementos naturais e
culturais que propiciam o desenvolvimento equilibrado da vida humana.
Esse tipo de relação não pode encontrar agasalho nas limitações
individualistas do direito privado, daí a importância do texto constitucional
em exame, porque nele se consagra a idéia de permanência, essencial à
relação do índio com as terras que habita.
A Constituição de 1988 não deixa dúvidas quanto às
particularidades conceituais das terras indígenas e a idéia de
permanência do índio como ser diferenciado etnoculturalmente, em
oposição à política indigenista vigente até a década de 1980 que
considerava o índio um ser transitório que seria gradativamente
integrado à civilização e uma vez extintas as nações indígenas, a
União poderia dar outra destinação a elas. Ironicamente, a inclusão
13
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 44.585. Relator Ministro Victor Nunes, disponível
na internet: <www.stf.gov.br/jurisprudencia>. Acesso em: 05/11/2002.
14
.), Os direitos indígenas e a
Terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, apud Juliana SANTILLI (org.),
Constituição
Constituição. Porto Alegre: Fabris,1993. p. 49.
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das terras indígenas entre os bens da União desde a Constituição
Federal de 1967, com o propósito do Governo Federal de ter o
domínio de grandes áreas e com a incorporação gradativa dos índios
à comunhão nacional pudesse distribuir as terras de acordo com os
critérios econômicos capitalistas, representou na Constituição de 1988
a garantia da posse permanente dos índios sobre suas terras
tradicionais. A União é a nua proprietária das terras tradicionais, mas
está impedida de exercer seus direitos dominiais. Não pode alienálas nem dispor delas. Além disso, a Carta de 1988 impôs à União a
obrigação de demarcar as terras indígenas, protegê-las e fazer
respeitar todos os seus bens (art. 231, caput, parte final).
Logo, uma idéia surgida com propósitos econômicos,
transformou-se em garantia da permanência dos povos indígenas
nas suas terras. A União como proprietária das terras, além de
não poder aliená-las ou dispor delas, tem a obrigação
constitucional de preservá-las e de agir prontamente contra
qualquer ato que vise à invasão das terras, o esbulho ou
exploração econômica não autorizada, como vem acontecendo
principalmente na região Amazônica, onde se verifica a
intromissão de garimpeiros e madeireiros em terras indígenas,
exercendo exploração predatória e ilegal das riquezas existentes
em territórios indígenas.
Diante de todas essas especificidades, percebe-se que as terras
indígenas não podem ser enquadradas no regime civilista de
posse e propriedade e as decisões judiciais não devem ter por
referência o Código Civil e sim, a Constituição Federal de 1988,
interpretada teleologicamente para garantir aos índios a posse
sobre seus territórios tradicionais e o retorno dos que foram
expulsos. Atos de expulsão esses que não extinguiram o direito
originário e congênito, garantido aos povos indígenas como
direito imprescritível e indisponível, conforme observa Luiz
Felipe Bruno Lobo:
Não se confunde, então, o indigenato ou posse indígena com a posse
civil, pois o indigenato caracteriza-se pelo direito à posse, fundamentado
na posse tradicional imemorial, como forma de aquisição de direito
originário que poderá até estar sendo esbulhado momentaneamente [...].15
15
Direito indigenista brasileiro
brasileiro.
São Paulo: LTR, 1996. p. 50.
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4. O significado de terras indígenas tradicionalmente
ocupadas na Constituição Federal de 1988.
Quanto ao conceito de terras tradicionalmente ocupadas pelos
índios, tem havido muita interpretação errônea. José Afonso da
Silva ressalta que a base do conceito:
[...] acha-se no art, 231, § 1º, fundado em quatro condições, todas
necessárias e nenhuma suficiente sozinha, a saber: 1) serem por eles
habitadas em caráter permanente; 2) serem por eles utilizadas para
suas atividades produtivas; 3) Serem imprescindíveis à preservação dos
recursos ambientais necessários ao seu bem estar; 4) serem necessárias
a sua reprodução física e cultural.16
Todos esses quesitos de acordo com os usos, costumes e tradições
indígenas. Assim, o conceito de terras indígenas tradicionais não se
amolda ao conceito civilista de propriedade. Trata-se do habitat de
um povo que tem uma relação mística com a terra, que não significa
apenas local de morada, mas também um intrincado sistema
estruturante da vida, da própria sobrevivência física e cultural. Um
sistema político, econômico e cultural indígena. A terra fornece-lhes as
bases da exploração racional econômica, fundada na caça, pesca,
coleta de frutos e de produtos medicamentosos e na agricultura, sem
visar à produção de excedentes, porque os índios não têm a
preocupação da sociedade capitalista de acumular riquezas. Para eles,
a riqueza é a terra onde possam sobreviver de acordo com seus usos,
costumes e tradições.
Quando se trata de demarcar terras indígenas, o primeiro argumento
contrário é que os índios não produzem, não contribuem para o
progresso da nação. Também argumenta-se que as áreas demarcadas
para os índios são muito grandes, diminuindo consideravelmente a
área cultivável. Esses argumentos não se sustentam. No Brasil há
imensos latifúndios improdutivos, e às vezes, a única exploração
econômica é a derrubada das matas para a venda de madeira o que
causa grandes danos ao meio ambiente e em nada contribui para o
progresso do país.
16
Curso de direito constitucional positivo
positivo.
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9. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 826.
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Feitos esses esclarecimentos, analisaremos duas expressões que
propositadamente são interpretadas erradamente pelos opositores dos
índios. Os termos são “tradicionalmente” e “permanente”.
Os argumentos no sentido da exigência da ocupação atual e efetiva
dos índios sobre suas terras para o reconhecimento da tradicionalidade
não encontram respaldo no texto constitucional.
A expressão tradicionalmente não revela uma “circunstância temporal”17
e sim, o modo como os índios se relacionam com a terra, enquanto habitat
que lhes assegura a sobrevivência física e cultural de acordo com a tradição,
usos e costumes.
Cada comunidade indígena tem seu modo próprio de viver.
Algumas tribos têm na agricultura sua principal fonte econômica.
Outras vivem da caça e da pesca e por isso, perambulam por um
espaço maior. Percorrem longas distâncias, exploram
racionalmente o habitat deixando que a fauna e a flora se
recomponham. Não são nômades ou errantes como os classificam
os seus opositores. Os índios que vivem da coleta, caça e pesca
perambulam pelo grande território, porém voltam ao ponto de
origem quando decorrido espaço de tempo suficiente para a
recuperação dos recursos naturais. Essa é uma forma de interagir
com a natureza, retirando dela o sustento, sem esgotá-la.
Dessa forma, o espaço a ser demarcado como terra tradicional
terá como base a cultura de cada povo e o tipo de atividade
econômica tradicional. Se os índios são agricultores , a área a ser
demarcada será menor do que a destinada a índios que têm na
coleta, caça e pesca sua principal atividade econômica.
O termo “permanente” (art. 231, §1º e 2º da Constituição
Federal) não se refere à posse ininterrupta pretérita e presente. O
termo “permanente” significa que as terras destinam-se à posse
permanente (futura) da comunidade indígena. Nesse sentido é o
ensinamento de José Afonso da Silva:
Nem tradicionalmente nem posse permanente são empregados em
função de usucapião imemorial em favor dos índios, como eventual
título substantivo que prevaleça sobre títulos anteriores. Primeiro, porque
não há títulos anteriores a seus direitos originários. Segundo, porque
usucapião é modo de aquisição da propriedade e esta não se imputa
17
Curso de direito constitucional positivo
positivo, p. 827.
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aos índios, mas à União a outro título. Terceiro, porque os direitos dos
índios sobre suas terras assentam em outra fonte: o indigenato.18
O termo permanente, portanto, refere-se ao futuro, à garantia de que
as terras tradicionais indígenas destinam-se para sempre a seu habitat,
sendo essas terras inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas,
imprescritíveis. Observa-se também esclarecimento de José Afonso da
Silva que a tradicionalidade não tem como pressuposto posse imemorial
ininterrupta, porque a posse indígena tem como pressuposto o indigenato
e baseia-se na continuidade histórica viva. Basta que existam
remanescentes da comunidade indígena para que seja reconhecida a
ocupação tradicional das terras pelo critério antropológico, sendo que
o atual texto da Constituição “operou um deslocamento dos debates
jurídicos do plano da antiguidade para a forma de ocupação. “
Nesse sentido, a prova da ocupação tradicional da terra baseia-se
em critérios antropológicos, segundo a tradicionalidade de continuidade
viva e não sob a óptica da ocupação imemorial que remonta à era précolombiana. Os índios não precisam provar que ocupam a terra desde
o ano 1500. Eles precisam provar que habitam a terra atualmente e
estão sendo esbulhados ou que ocupavam a terra e foram espoliados
de seu território em um passado vivo e palpitante que pode ser
reconstituído pela história oral, modo de ocupação e vestígios de sua
presença na área. Diante de uma ocupação tradicional atual ou pretérita,
os títulos dominiais são nulos e extintos, não produzindo efeitos. Da
mesma forma é nulo e não produz efeitos qualquer ato que visa à
ocupação, o domínio e a posse das terras indígenas tradicionais (art.
231, § 6º, Constituição Federal de 1988). Tal dispositivo constitucional
reforça o conceito de direito originário que os índios têm sobre suas
terras tradicionais. O direito originário precede a qualquer outro. Se os
índios foram expulsos da terra, convencidos a sair ou removidos, no
momento de tal ato eles ocupavam a terra em caráter permanente, uma
vez que os índios não abandonaram suas terras espontaneamente.
Ao saírem da terra por qualquer desses motivos, os índios não
perdem a posse sobre elas, porque essa posse é permanente e
imprescritível. A posse dos ocupantes não índios é precária e nula e a
posse dos índios é permanente, originária e congênita. Nesse sentido,
18
Ibidem, p. 827.
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pronunciou-se o Tribunal Regional Federal da 1ª Região , em 08 de
abril de 1991, tendo como relator o Juiz Tourinho Neto:19
EMENTA CÍVEL. AGRÁRIO. POSSE. TERRAS INDÍGENAS. ÍNDIOS PATAXÓS.
INDENIZAÇÃO DOS BENS DESTRUÍDOS PELOS ÍNDIOS.
1. Os índios Pataxós vagueavam pelo Sul da Bahia, onde tinham seu habitat,
e se fixaram, posteriormente, em área do atual Município de Pau Brasil, que lhe
veio a ser reservada, em 1926, pelo Governo daquele Estado-Membro.
2. Os Pataxós não abandonaram suas terras. Foram, sim, sendo expulsos por
fazendeiros, que delas se apossaram, utilizando-se de vários meios, inclusive
a violência. A posse dos índios era permanente. A do réu precária, contestada.
3. Indenização concedida, observando-se, no entanto, o § 2º do art. 198 da
CF/69.
4. Apelação denegada.
A posse de terra indígena não gera direitos de usucapião ou
retenção da propriedade. Se os índios foram expulsos de suas terras,
os justos títulos dos ocupantes não servem para descaracterizar a área
como terra indígena de ocupação tradicional, servem apenas,
demonstrada a boa-fé, para que o Estado indenize os valores das
benfeitorias.
5. Considerações Finais
A Constituição Federal ampliou os direitos indígenas e reconheceu
os direitos originários dos índios sobre suas terras. Cristalizou a idéia
de permanência deles como povo diferenciado, abandonando o
modelo assimilacionista vigente.
O conceito de terras indígenas como um bem público de
propriedade da União e usufruto exclusivo e permanente dos índios é
uma forte garantia contra o esbulho. Nessa perspectiva, para uma
terra ser reconhecida indígena não é necessária a ocupação atual,
bastando os vestígios veementes da ocupação passada, de acordo
com os critérios históricos e antropológicos.
A expressão ocupação permanente não se refere ao passado, mas
19
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO. Apelação Cível nº 89. 01.01353-3-BA. Disponível na Internet:
<http//arquivo.trf.gov.br.asp>. Acesso em: 26/05/2002.
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sim à garantia de preservação das terras indígenas em caráter contínuo
e perpétuo. Uma perspectiva de futuro, de permanência dos índios
como seres diferenciados culturalmente. A terra é o direito primário e
congênito dos índios, sem o qual as outras garantias constitucionais
não se concretizam. Por isso, a importância de se reconhecer, demarcar
e proteger as terras indígenas como garantia da sobrevivência física
e cultural dos índios.
Referências Bibliográficas
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 44.585. Relator
Ministro Victor Nunes, disponível na internet: <www.stf.gov.br/jurisprudencia>.
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO. Apelação Cível nº 89.
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CRIMES TRIBUTÁRIOS E ENCERRAMENTO DO
RECURSO FISCAL
LUIZ FLÁVIO GOMES¹
ALICE BIANCHINI²
Resumo
Resumo: O Autor aborda a questão dos crimes tributários e encerramento do recurso
fiscal destacando a importância de se proceder a propositura de ação
penal somente após decisão definitiva, pelo fisco, sobre o Débito fiscal.
Palavras - Chave
Chave: Crimes Tributários - Direito - Débitos Fiscais.
Constitui direito certo de todo contribuinte, uma vez autuado pelo
fisco, discutir administrativamente a exigibilidade ou mesmo a
existência de tributo ou contribuição, isto é, se é devido ou não. Durante
anos muito se discutiu se a Justiça criminal poderia processar e
condenar esse contribuinte, antes mesmo do encerramento da
discussão fiscal. Como preponderou por longo período o
entendimento de que o recurso fiscal não impedia a ação penal nem
a condenação (tese da independência das instâncias fiscal e penal),
milhares de pessoas foram condenadas, embora pendente algum
recurso fiscal. Hoje o panorama é bem distinto. Para o STF não há
crime tributário enquanto não constituído regularmente o crédito
respectivo.
Esse tema passou a ser debatido ardorosamente, como se sabe, após a
edição da Lei 9.430/90. Seu art. 83 determina que a representação fiscal
para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária (arts. 1º e 2º
da Lei 8.137/90), “(...) será encaminhada ao Ministério Público depois de
proferida decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal
do crédito tributário correspondente.”
Desde então, buscava-se a correta interpretação de tal dispositivo,
o que deu ensejo a diversos posicionamentos tanto doutrinários quanto
jurisprudenciais. Chegou-se a entender que o dispositivo estabelecia
uma relação de interdependência entre as instâncias (posição acatada
¹ Doutor em Direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito
penal pela USP, Consultor e Parecerista e Diretor-Presidente da TV Educativa IELF (1ª TV Jurídica da América Latina
com cursos ao vivo em SP e transmissão em tempo real para todo país – www.ielf.com.br).
² Doutora em Direito penal pela PUC-SP. Consultora e Parecerista.
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pela maioria dos doutrinadores). Mas a linha predominante nos
tribunais rechaçava por completo esse pensamento, mantendo a
convicção de que a nova Lei não tinha o condão de alterar a natureza
da ação penal dos crimes tributários.
O Pleno do Supremo Tribunal Federal, manifestando-se sobre o pedido
de concessão de liminar postulado na ADIn 1.571, que versava sobre a
constitucionalidade do já mencionado art. 83, por maioria de votos, em
20.03.1997, relator Ministro NÉRI DA SILVEIRA, proclamou que: (a) o art. 83 da
Lei 9.430/96 não estipulara uma condição de procedibilidade da ação
penal por delito tributário; (b) tal dispositivo dirige-se a atos da
administração fazendária; (c) o Ministério Público não se encontra impedido
de agir antes da decisão final no procedimento administrativo (Informativo
STF n. 64, 17-28 mar. 97, p. 1 e 4).
Em 10 de dezembro de 2003, entretanto, a Corte Suprema, com acerto,
decidiu que, no que tange aos delitos previstos no art. 1º da Lei 8.130/90,
há necessidade de se aguardar a decisão administrativa, para somente
então poder ser intentada a ação penal (Habeas corpus 81.611-DF, rel.
Min. Sepúlveda Pertence).
Fundamentação: o crime é material e exige a efetiva supressão ou
redução do tributo. Assim sendo, para a perfectibilização do delito, há
que se aguardar que o contribuinte, a partir do momento em que o débito
é reconhecido como devido, recuse-se a honrá-lo ou o faça em valor inferior
ao apurado.
Não se trata de condicionar sempre a ação penal à representação
fiscal de que fala o art. 83 da Lei 9.430/96, visto que o Ministério Público,
tendo indícios de materialidade e de autoria (caso de falsidade de nota
fiscal, por exemplo), pode intentar a ação penal.
Quando, no entanto, o contribuinte discute a existência do débito fiscal
no âmbito administrativo é diferente. É a autoridade administrativa quem
tem o poder de exarar decisão acerca de ser, ou não, o tributo devido,
muito embora a sua decisão possa ser revista em sede judicial.
Enquanto tramita o processo (ou recurso) administrativo, o débito
tributário ainda não está devidamente reconhecido (a materialidade da
relação tributária não está constituída), levando a que se ressinta de um
dos requisitos constitutivos do delito imputado aos réus, qual seja, tributo,
contribuição social, ou qualquer acessório devido. Inexiste, assim,
constituição inequívoca da tipicidade, o que resulta na falta de justa causa
para a propositura da ação penal.
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A concepção do delito tributário, como acaba de ser exposta, impede
vislumbrar a existência de questão heterogênea facultativa (relativa) com
a aplicação do disposto no art. 93 do CPP. Perceba-se que há ausência
de materialidade (existência) do delito tributário,
tributário o que leva a que
a denúncia não possa nem mesmo ser recebida: não pode haver
condenação (nem pedido) se não existe materialidade (crime)
(crime).
O correto, portanto, é o trancamento da ação penal.
Também não se trata, a rigor, apesar da doutrina do eminente Min.
punibilidade já que esta
Sepúlveda Pertence, de condição objetiva de punibilidade,
se caracteriza por não alterar a configuração típica, ser exterior à conduta e
fundamentar-se em razões de política criminal. A constatação, ou não, da
existência de tributo devido constitui o cerne do delito de sonegação fiscal,
tema que se vincula, como já mencionado, com a tipicidade.
Enquanto não decidido definitivamente (pelo fisco) se o tributo é devido
ou não, em jogo está a própria existência (materialidade) do crime. Nessas
situações jamais se justifica a propositura imediata de ação penal. Aliás,
quando intentada, mister se faz trancá-la ou anulá-la, como acaba de
reconhecer o STF, por decisão de sua Primeira Turma (HC 82.390, rel.
Sepúlveda Pertence).
De acordo com relato feito pelo Ministro Pertence, os acusados foram
condenados por fraude fiscal tributária, consistente na inserção de dados
inexatos em livros contábeis, com o fim de recolher imposto a menor (artigo
1º, inciso II da Lei 8.137/90). A defesa recorreu ao Supremo contra o
recebimento da denúncia antes de decisão definitiva em processo
administrativo.
O recurso pedindo o cancelamento da exigência fiscal foi apresentado
ao Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo, em julho de 1995. Antes
que fosse julgado, houve o oferecimento da denúncia, recebida em junho
de 1996. A sentença concluiu que o encerramento da ação administrativa
não seria necessário para impedir o andamento da Ação Penal.
O ministro Sepúlveda Pertence observou que, no julgamento do Habeas
Corpus 81.611, o Supremo firmou o entendimento de que “nos crimes
previstos no artigo 1º da Lei 8.137/90, que são materiais ou de resultado,
a decisão definitiva do processo administrativo consubstancia uma
condição objetiva de punibilidade, configurando-se como elemento
essencial à exigibilidade da obrigação tributária” .
Por maioria, os ministros da Primeira Turma acompanharam o votovista do ministro Sepúlveda Pertence, para anular o processo a partir do
recebimento
da denúncia. Foi voto vencido o ministro aposentado Moreira
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Alves, que era o relator da matéria.
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O SISTEMA CLÁSSICO DA TEORIA DO
DELITO- A ANÁLISE DA TEORIA CAUSALNATURALISTA DA AÇÃO E DA TEORIA
PSICOLÓGICA DA CULPABILIDADE
José Carlos de Oliveira Robaldo1
Vanderson Roberto Vieira2
Resumo
Resumo:: Os Autores abordam o sistema clássico da Teoria do Delito destacando o
conceito, observações críticas, a Teoria Psicológica da culpabilidade e
apresentam considerações conclusivas através de uma análise da teoria
causal naturalista da ação e da teoria psicológica da culpabilidade em
confronto com o atual Código Penal Brasileiro.
Palavras- Chave: Teoria do Delito - Culpabilidade- Direito Penal.
1- Introdução
O sistema clássico da teoria do delito, também denominado
de sistema causal-naturalista da teoria do delito, foi elaborado a
partir das construções dogmáticas de dois grandes penalistas:
Franz Von Liszt e Ernst Von Beling, por isso também denominado
de sistema Liszt-Beling. Em conseqüência, são os criadores do
conceito causal-naturalista de ação e da teoria psicológica da
culpabilidade 3 .
O sistema em questão refletia a situação da dogmática alemã
no período entre 1890 a 1910. O movimento filosófico corrente
era o positivismo científico que utilizava no Direito Penal o método
causal-explicativo, método este típico das ciências naturais, dando
importância ao juízo de realidade e não a juízos de valor.
Procurador de Justiça aposentado no Estado do Mato Grosso do Sul, professor de Direito Penal da Faculdade de
Direito da Unigran-Dourados, Diretor do sistema Esud/Ielf de Mato Grosso do Sul e Conselheiro Estadual de
Educação. Mestrando em Ciências Jurídico-Penais pela Unesp –campus de Franca.
2
Graduado em Direito pela Unesp -campus de Franca. Mestrando em Ciências Jurídico-Penais pela Unesp –campus
de Franca. Bolsista de mestrado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP.
3
Bitencourt afirma que “a teoria psicológica da culpabilidade tem estrita correspondência com o naturalismocausalista, fundamentando-se ambos no positivismo do século XIX”. Cf. BITENCOURT, Cezar Roberto. Erro de tipo
e erro de proibição. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 56.
1
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Luís Greco expõe que “o sistema naturalista, também chamado
sistema clássico do delito, foi construído sobre a influência do
positivismo, para o qual ciência é somente aquilo que se pode
apreender através dos sentidos, o mensurável. Valores são emoções,
meramente subjetivos, inexistindo conhecimento científico de valores”4.
2- A teoria causal-naturalista da ação5
2.1- O conceito
É necessário analisarmos o conceito de ação fornecido pela teoria
causal-naturalista. Von Liszt afirmava que “acción es la producción,
reconducible a una voluntad humana, de una modificación en el
mundo exterior”6.
Ação, para o autor, é a produção, conduzida por uma vontade
humana, de uma modificação no mundo exterior - era a ação um
fenômeno causal-naturalista (causa-efeito). Nesse conceito, para a
modificação causal do mundo exterior devia bastar qualquer efeito,
por mínimo que seja, como o provocar vibrações no ar no caso das
injúrias.
Como essa concepção de ação dificilmente podia compatibilizarse com a omissão, que nada causa, Roxin7 explica que Von Liszt chegou
posteriormente a formular outra definição de ação, um pouco distinta,
afirmando que “ação é conduta voluntária feita no mundo exterior;
mais exatamente: modificação, é dizer, causação ou não evitação de
uma modificação (de um resultado) do mundo exterior mediante uma
conduta voluntária”.
Da mesma forma sustentava Beling dizendo que a ação deve
afirmar-se sempre que concorra uma conduta humana levada pela
vontade, independentemente da conduta consistir num movimento ou
num não movimento8.
Podemos observar que para a Teoria causal-naturalista da ação,
ação é o comportamento humano voluntário que produz modificação
Cf. GRECO, Luís. Introdução à dogmática funcionalista do delito : em comemoração aos trinta anos de Política
criminal e sistema jurídico-penal de Roxin. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 32, out./dez. 2000, p. 122.
5
Ação é empregada aqui no sentido de conduta, abrangendo a ação propriamente dita (comissão) e os comportamentos
omissivos.
6
Cf. ROXIN, Claus. Derecho penal - Parte Geral. Madrid: Civitas, 1997. T.I. p. 236.
7
Cf. Ibid., p. 237.
8
Cf. Ibid., p. 237.
4
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no mundo exterior. A conduta era desenhada como um simples
movimento corpóreo de fazer ou não fazer algo 9. Importante
ressaltar que a ‘vontade’ nessa conceituação é em relação à
conduta em si e não a direcionada ao resultado.
2.2- Observações críticas
O conceito causal-naturalista de ação delimita bem o campo
de atuação do Direito Penal, excluindo de antemão os
comportamentos irrelevantes, como os eventos causados por
animais (desde que não utilizados como meio instrumental para a
conduta de alguém), os meros pensamentos e atitudes internas, os
atos reflexos, ataques convulsivos, delírios e atos em sonambulismo.
Esses comportamentos são todos irrelevantes para o Direito Penal
e, numa perspectiva constitucional, nunca poderão figurar como
tipos penais, sob pena de violar frontalmente princípios magnos
do Direito Penal, como o princípio da indispensável proteção da
dignidade da pessoa humana.
O conceito causal-naturalista da ação não é um conceito que
abrange todos os comportamentos que podem ser previstos pela
lei penal, pois tal conceito não abrange comportamentos
omissivos culposos, em que falta completamente a vontade no
contexto do mero pensamento do indivíduo.
O conceito também é criticado por não ser um conceito prétípico adequado, pelo fato de incorporar em si o comportamento
omissivo, antecipando sempre o elemento da tipicidade. Não
há como desvincular a omissão de um parâmetro típico; só o
tipo pode caracterizar um ato como omissivo.
Sobre a insuficiência do conceito em questão se pronuncia
Figueiredo Dias afirmando que “(...) perante esta multiplicidade de
funções que importa cumprir simultaneamente, um puro conceito
causal-naturalístico de ação está desde logo fora de questão e dele
pode se afirmar já não ser hoje defendido por ninguém” 10.
A grande dificuldade foi para explicar a “omissão”, pois não ela é ‘naturalista’ e sim ‘normativa’. “Omitir não significa
‘não fazer’, senão ‘não fazer o que o ordenamento jurídico espera’”( GOMES, Luiz Flávio. Direito penal..., p. 61.
10
Cf. FIGUEIREDO DIAS, Jorge de. Questões fundamentais do direito penal revisitadas. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 1999. p. 207.
9
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3- A Teoria psicológica da culpabilidade
3.1.- Juristas que adotam a teoria psicológica da
culpabilidade
É muito importante no estudo do Direito Penal sabermos em que
sistema da teoria do delito filia-se cada jurista, principalmente aquele
que elabora obras de Direito Penal, pois desta forma já saberemos
como ele tratará os diversos institutos da teoria do delito.
Adotam a teoria psicológica da culpabilidade, dentre outros: Von
Liszt, Beling, Radbruch, Sebastián Soler, R. Nuñez e Fóntan Balestra.
Adotam-na no Brasil, dentre outros: Costa e Silva, Basileu Garcia,
Everardo da Cunha Luna, Roberto Lyra Filho e Galdino Siqueira.
3.2 Natureza da culpabilidade na teoria psicológica:
a culpabilidade é puramente psicológica. O dolo e a
culpa stricto sensu como espécies da culpabilidade
O dolo e a culpa strictu sensu (culpa em sentido estrito11), segundo
a concepção psicológica, são as duas espécies de culpabilidade,
esgotando o conteúdo da culpabilidade. São “a” culpabilidade.
Afirma Luiz Flávio Gomes que “ (...) para a teoria psicológica da
culpabilidade, esta é o liame, o vínculo ou o nexo psicológico que
liga o agente ou pelo dolo ou pela culpa [culpa stricto sensu] ao seu
fato típico e antijurídico”12.
Juarez Tavares nos informa que o sistema causal-naturalista “ (...) fazendose da causalidade objetiva e do liame subjetivo partes constitutivas
essenciais do delito, dissocia-se sua análise, conseqüentemente, em dois
estágios legais, de maneira que a primeira (causalidade) se encontra
caracterizada na tipicidade e na antijuridicidade, e a última parte (vínculo
psicológico) constitui a base da culpabilidade”13.
Verificamos que para o sistema causal-naturalista a tipicidade e a
11
Os termos “imprudência” e “negligência” são muito utilizados pelos autores estrangeiros para designar a nossa
culpa stricto sensu (culpa em sentido estrito), abarcando todas as suas espécies (negligência, imprudência e
imperícia). Neste trabalho utilizaremos a expressão culpa em sentido estrito ou culpa stricto sensu. Não utilizaremos
simplesmente o termo culpa pelo fato de ser este utilizado por muitos juristas como sinônimo de culpabilidade.
12
Cf. GOMES, Luiz Flávio. Erro de tipo e erro de proibição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 37.
13
Cf. TAVARES, Juarez. Teorias do delito (variações e tendências). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980. p. 20.
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antijuridicidade são objetivas. Dentro de uma visão panorâmica do
delito, Von Liszt e Beling o dividiam em dois aspectos bem definidos:
um externo(objetiva) e outro interno(subjetiva). O aspecto externo
compreendia a ação típica e ilícita. O interno dizia respeito à
culpabilidade que, segundo a concepção por eles adotada, era o
vínculo ou nexo psicológico que unia o agente ao fato por ele praticado.
A parte externa do delito, ou seja, o injusto penal (fato típico e
ilícito), era objetivo, sendo que na sua parte interna - a culpabilidade
- é que deviam ser aferidos os elementos psicológicos do agente.
A culpabilidade é vista num plano puramente naturalístico ou
psicológico, ou seja, desprovida de qualquer valoração e se esgota
na simples constatação da posição do agente perante sua própria
conduta. Por afirmar que na essência da culpabilidade figuram
requisitos psicológicos é que a teoria em questão é dita psicológica.
3.3- Requisitos ou elementos da culpabilidade na teoria
psicológica
Ao lado do dolo e da culpa stricto sensu como espécies, funciona
como pressuposto deles o requisito da imputabilidade, que deve
estar presente no momento da conduta (ação ou omissão).
Com relação ao elemento da consciência da ilicitude, os juristas
que adotam esta teoria não possuem convergência de opiniões. A
divergência, que diz respeito à consciência da ilicitude, surge desde
os próprios sistematizadores: Von Liszt, encabeçando a posição
majoritária, rejeita-a como elemento da culpabilidade14, enquanto
que Beling confere-lhe importância como dado agregado ao dolo15..
Para Von Liszt e os demais autores que não consideram a
consciência da ilicitude como elemento da culpabilidade, o dolo é
caracterizado como dolo natural (psicológico), ou seja, a consciência
da ilicitude não é elemento integrante do conceito de dolo. A
consciência da ilicitude, para essa corrente majoritária, não é
importante para o Direito Penal, não tendo nenhuma relevância para
a averiguação do crime.
14
15
O dolo existe independentemente do conhecimento da ilicitude da conduta, basta a voluntariedade da conduta(dolo natural).
Assim, o dolo para Beling é dolo normativo (a consciência da ilicitude é parte do dolo).
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3.4- A importância e o mérito da teoria psicológica
da culpabilidade
Como veremos em seguida, muitas são as críticas endereçadas à
teoria psicológica da culpabilidade. Apesar disso, essa concepção
da culpabilidade já representou um coroamento histórico, uma
conquista da civilização, que fez da conduta (ação ou omissão) algo
pessoal, coligado ao seu autor.
Não podemos esquecer que antes dessa evolução histórica, a
responsabilidade penal era objetiva, isto é, não se examinava o dolo
ou culpa stricto sensu do agente, bastava a causação do dano para
despontar a responsabilidade penal16.
3.5- Críticas à teoria psicológica da culpabilidade
A doutrina formula severas críticas à teoria psicológica da
culpabilidade elaborada pelo sistema causal-naturalista da teoria do
delito.Uma crítica é a seguinte: se é possível, segundo a Nova Parte
Geral do Código Penal brasileiro (lei 7209/84), a existência de conduta
dolosa praticada por agente não culpável (e isso é inconcebível na
teoria psicológica), verifica-se que a teoria psicológica é conflitante
com nosso direito positivo e, sem nenhum desmerecimento aos seus
criadores, os quais inovaram à sua época profundamente o Direito
Penal, não pode ser aplicada ao nosso atual ordenamento jurídico.
Outra crítica gira em torno da culpa stricto sensu: a culpa em sentido
estrito não é de natureza psicológica, mas sim normativa, isto é, um
comportamento humano é culposo quando não observa o cuidado
objetivo necessário, e quem examina se o agente foi ou não diligente e se
era ou não objetivamente previsível o resultado é o juiz17. Assim, a culpa
stricto sensu decorre de um juízo de valor exclusivo por parte do magistrado,
sendo com isso normativa. Todavia, é admitida erroneamente como
psicológica pela teoria psicológica da culpabilidade.
Com a descoberta dos elementos subjetivos do injusto18, enunciados
Igualmente: GOMES, op. cit., p. 37. Nota 11.
É por isso que se diz que a “culpa está na cabeça do juiz”.
18
São os elementos subjetivos do tipo e os elementos subjetivos das justificativas.
16
17
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por Hegler e Mayer e desenvolvidos por Mezger19, comprovou-se que
há dado subjetivo que pertence ao injusto penal (fato típico + ilícito)
ao mesmo tempo em que há dado subjetivo que não pertence à
culpabilidade. Com isso caiu por terra a clássica bipartição do delito
em parte objetiva (injusto) e parte subjetiva (culpabilidade).
A culpabilidade para a teoria psicológica da culpabilidade é
psicológica e isso não pode ser admitido. Bettiol20 ensina que a
culpabilidade é o juízo de desaprovação por aquilo que foi realizado.
Nos diz esse jurista que uma concepção meramente psicológica da
culpabilidade é assim uma concepção fria, naturalística, incolor,
incapaz de adequar-se à rica casuística das situações para ver se é
possível um juízo de reprovação e até que ponto.
Outra crítica endereçada à teoria psicológica da culpabilidade é
que concebe o dolo e a culpa stricto sensu fora do tipo, nos ensina
Bacigalupo, “(...) significa não alcançar a relevância do princípio da
legalidade e a função garantidora da lei penal”21.
4- Considerações conclusivas. O sistema clássico em
confronto com o atual Código Penal brasileiro.
O atual Código Penal brasileiro não adota o sistema clássico da teoria
do delito. Após o período em que reinou o sistema clássico, surgiram,
durante o século XX novos sistemas de direito penal: neoclássico (Mezger,
Mayer)22, Finalista (Welzel), ecléticos e, mais recentemente, concepções
funcionalistas de vários autores alemães, como Roxin (Teoria funcional
racional-teleológica) e Jakobs (Teoria funcional sistêmica).
Podemos afirmar que o nosso Código Penal, após a nova parte
geral de 1984, adota uma postura finalista, que pode ser sintetizada
da seguinte forma: a) o dolo e a culpa stricto sensu são elementos
indispensáveis para se caracterizar um fato como típico, figurando,
19
Assim: TAVARES, op. cit., p. 38. Nota 13; Wessels cita também Frank e Nagles (Cf. WESSELS, Johannes. Direito
Penal - Parte Geral. Porto Alegre: Fabris, 1976. p. 30.); Jescheck salienta que se remonta a Fischer o descobrimento
de tais elementos (Cf. JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de derecho penal. Tradução de Mir Puig e Muñoz Conde.
Barcelona: Bosch, 1981. p. 435).
20
Cf. BETTIOL, Giuseppe. Direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971. v. II. p. 8.
21
Cf. BACIGALUPO, Henrique. Tipo y error. Buenos Aires: Cooperadora de Derecho y Ciencias Sociales, 1973. p. 26.
22
A culpabilidade continua sendo psicológica, mas também normativa (psicológica-normativa) com a inclusão da
exigibilidade de conduta diversa (introduzida por Frank em 1907).
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assim, como elementos subjetivos do tipo penal; b) a culpabilidade é
valorativa, sendo um juízo de censura que recai sobre o agente de
um fato típico e ilícito e tem como elementos a imputabilidade, a
consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.
O nosso Código Penal tem essa postura, porém isso não significa uma
total adesão aos postulados do Finalismo, o que levaria a um
“congelamento” do sistema penal. O que se verifica atualmente é que,
devido a abertura do sistema jurídico-penal23, da penetração dos valores
constitucionais de política criminal24, o nosso Código está de braços abertos
para novas contribuições do pensamento funcional. Como exemplo disso
podemos citar a aplicação atual do princípio da insignificância da lesão
como excludente da tipicidade, por ausência de lesão efetiva ao bem
jurídico, e a aplicação da Teoria da imputação objetiva, que em nosso
sistema pode ser aplicada com muito sucesso como um complemento ao
nexo causal. Além dessas, muitas outras contribuições de política criminal
certamente estarão por vir na busca eterna de uma aplicação mais racional
do sistema jurídico-penal, em prol da consagração dos princípios
garantidores do Direito Penal e da efetiva proteção de bens jurídicos e,
em última análise, de uma dogmática penal mais próxima da realidade.
Bibliografia:
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1971. v. II.
23
O sistema jurídico caracteriza-se por ser um sistema aberto. Esta abertura é a capacidade de evolução e a
modificabilidade do sistema, pois é um fato geralmente reconhecido e admitido que o sistema jurídico se encontra
numa mudança permanente, sendo suscetível de aperfeiçoamento. Segue-se, daí, que o sistema não é estático,
mas dinâmico, assumindo a estrutura da historicidade. O Direito Penal, como qualquer Direito, não é uma
construção isolada no tempo. É um produto histórico, que deriva de longa evolução de instituições penais e contém
em si mesmo, em potencial, elementos de transformações futuras. Sobre a abertura do sistema e as suas
implicações Cf. CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Trad.
António Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996. p. 102 a 126.
24
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A IMPORTÂNCIA DO TRIBUNAL PENAL
INTERNACIONAL PARA A PROTEÇÃO
INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS.
Valerio de Oliveira Mazzuoli¹
Resumo
Resumo: O artigo aborda questão central que se coloca no Direito internacional
Público, a saber, a concreta efetividade da proteção internacional dos direitos
humanos em situação de riscos tais como o genocídio, crimes contra a paz
e crimes de guerra e a importância do Tribunal Penal Internacional na
proteção internacional dos direitos humanos. Situa a questão em termos
históricos e conclui apresentando perspectivas para os direitos humanos e
para a justiça internacional no século XXI.
Palavras - Chave
Chave: Direitos Humanos - Tribunal Penal - Direito Internacional.
1. Gênese da justiça penal internacional
Atualmente, um sério problema que se coloca no Direito Internacional
Público diz respeito à concreta efetividade da proteção internacional
dos direitos humanos, quando está em jogo a ocorrência de crimes
bárbaros e monstruosos contra o Direito Internacional e que ultrajam a
dignidade de toda a humanidade, tais como o genocídio, os crimes
contra a paz, os crimes de guerra e o crime de agressão.
A nosso ver, o problema deve ser repartido e examinado sob um
dúplice aspecto: a) o primeiro, diz respeito à efetivação do direito
inerente a todo ser humano de vindicar a seu favor, em cortes e
instâncias internacionais, a proteção dos seus direitos
internacionalmente consagrados, caso sejam violados, visando uma
justa reparação pelos prejuízos sofridos; e b) o segundo,
consubstancia-se no poder de punição que deve ter o Direito
Internacional Público em relação àqueles crimes que afetam a
Mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Campus
de Franca (aprovado com distinção e louvor pela banca examinadora). Professor de Direito Internacional Público e
Direitos Humanos no Instituto de Ensino Jurídico Professor Luiz Flávio Gomes (IELF), em São Paulo. Professor de
Direito Internacional Público e Direitos Humanos nas Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo, em
Presidente Prudente-SP. Professor dos cursos de Especialização da Universidade Estadual de Londrina (UEL-PR).
Membro da Sociedade Brasileira de Direito Internacional (SBDI) e da Associação Brasileira de Constitucionalistas
Democratas (ABCD). Coordenador jurídico da Revista de Derecho Internacional y del Mercosur (Buenos Aires).
Advogado no Estado de São Paulo (Brasil).
1
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humanidade como um todo, anulando por completo a dignidade
inerente a qualquer ser humano.
Esta última atribuição do Direito Internacional é bastante recente e
não encontrava eco nessa arena até o final do Século XIX. Mas em
decorrência das inúmeras violações de direitos humanos ocorridas a
partir das primeiras décadas do Século XX – principalmente com as
duas grandes guerras mundiais – a idéia de um jus puniendi em plano
global começa a integrar a ordem do dia da agenda internacional,
rumo à instituição de uma moderna Justiça Penal Internacional.
O Estado Racial em que se converteu a Alemanha Nazista no período
sombrio do Holocausto – considerado o marco definitivo de desrespeito
e ruptura para com a dignidade da pessoa humana, em virtude das
barbáries e das atrocidades cometidas a milhares de seres humanos
(principalmente contra os judeus) durante a Segunda Guerra Mundial –
acabou dando ensejo aos debates envolvendo a necessidade, mais do
que premente, de criação de uma instância penal internacional, com
caráter permanente, capaz de processar e punir aqueles criminosos de
que a humanidade se quer definitivamente livrar.
A segunda grande guerra, que ensangüentou a Europa entre 1939
a 1945, ficou marcada na consciência coletiva mundial por apresentar
o ser humano como algo simplesmente descartável e destituído de
dignidade e direitos. O que fez a chamada “Era Hitler” foi condicionar
a titularidade de direitos dos seres humanos ao fato de pertencerem
a determinada raça, qual seja, a “raça pura” ariana, atingindo-se,
com isto, toda e qualquer pessoa destituída da referida condição.
Assim, por faltar-lhes um vínculo com uma ordem jurídica nacional,
acabaram não encontrando lugar (qualquer lugar) num mundo como
o do Século XX, totalmente organizado e ocupado politicamente.
Conseqüentemente, tais vítimas do regime nazista acabaram
tornando-se – de fato e de direito – desnecessárias porque indesejáveis
erga omnes, não encontrando outro destino senão a própria morte
nos campos de concentração.2
O principal legado do Holocausto para a internacionalização
dos direitos humanos, consistiu na preocupação que gerou no
mundo pós-Segunda Guerra, acerca da falta que fazia uma
. Cf. Mensagem do então Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Prof. Celso Lafer, por ocasião da abertura da
exposição “Visto para a vida: diplomatas que salvaram judeus”, no Centro Cultural Maria Antonia da USP, São
Paulo, maio de 2001.
2
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arquitetura internacional de proteção de direitos humanos, com
vistas a impedir que atrocidades daquela monta viessem a ocorrer
novamente no planeta. Daí porque o período do pós-guerra
significou o resgate da cidadania mundial – ou a reconstrução dos
direitos humanos –, baseada no princípio do “direito a ter direitos”,
para se falar como Hannah Arendt.3
A partir desse momento, que representou o início da humanização
do Direito Internacional, é que são elaborados os grandes tratados
internacionais de proteção dos direitos humanos, que deram causa
ao nascimento da moderna arquitetura internacional de proteção
desses mesmos direitos. Seu desenvolvimento pode ser atribuído
àquelas monstruosas violações de direitos humanos da Segunda
Guerra, bem como à crença de que parte dessas violações
poderiam ser evitadas se um efetivo sistema de proteção
internacional desses direitos existisse.
Como respostas às atrocidades cometidas pelos nazistas no
Holocausto, cria-se, por meio do Acordo de Londres, de 8 de agosto
de 1945, o conhecido Tribunal de Nuremberg, que significou um
poderoso impulso ao movimento de internacionalização dos direitos
humanos. Este Tribunal, criado pelos governos da França, Estados
Unidos da América, Grã-Bretanha e antiga União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas, surgiu, em reação direta às violências e
barbáries do Holocausto, para processar e julgar os maiores
criminosos de guerra do Eixo europeu, acusados de colaboração para
com o regime nazista.4
. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a esse respeito, assim estabelece em seu Art. 1º: “Todas
as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em
relação umas às outras com espírito de fraternidade”. Para Hannah Arendt, a participação dos indivíduos em uma
comunidade igualitária construída é a condição sine qua non para que se possa aspirar ao gozo dos direitos
humanos fundamentais. (cf. ARENDT, Hannah. The origins of totalitarianism. New York: Harcourt Brace Jovanovich,
1973, pp. 299-302). Para um estudo detalhado da concepção arendtiana da cidadania como o “direito a ter
direitos”, em vários de seus desdobramentos, vide o trabalho primoroso de LAFER, Celso, A reconstrução dos direitos
humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt, 4ª reimp., São Paulo: Companhia das Letras, 1988,
Cap. V, pp. 146-166. Para uma visão do conceito arendtiano de cidadania no texto constitucional brasileiro, vide
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, Direitos humanos e cidadania à luz do novo direito internacional, Campinas: Minelli,
2002, especialmente pp. 99-123.
4
. Cf. por tudo, The Charter and Julgament of the Nurenberg Tribunal [U.N.], doc. A/CN, 4/5, de 03.03.1949, pp.
87-88; e também, RAMELLA, Pablo A., Crimes contra a humanidade, Trad. Fernando Pinto, Rio de Janeiro: Forense,
1987, pp. 06-08. Para um estudo detalhado do processo de Nuremberg, vide GLUECK, Sheldon, The Nuremberg
trial and aggressive war, New York: Knopf, 1946; WOETZEL, Robert K., The Nuremberg trials in international law,
New York: Praeger, 1962; SAUREL, L., Le proces de Nuremberg, Paris: Rouff, 1965; BOSCH, W. J., Judgment on
Nuremberg: american attitudes toward the major german war crimes trials, Chapel Hill, NC: U of North Carolina P.,
1970; e CONOT, Robert E., Justice at Nuremberg, New York: Harper & Row, 1983.
3
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O art. 6º do Acordo de Londres (Nuremberg) assim tipificou os
crimes de competência do Tribunal:
a) crimes contra a paz – planejar, preparar, incitar ou contribuir
para a guerra, ou participar de um plano comum ou conspiração
para a guerra.
b) crimes de guerra – violação ao direito costumeiro de guerra, tais
como assassinato, tratamento cruel, deportação de populações civis
que estejam ou não em territórios ocupados, para trabalho escravo
ou para qualquer outro propósito, assassinato cruel de prisioneiro de
guerra ou de pessoas em alto-mar, assassinato de reféns, saques a
propriedades públicas ou privadas, destruição de cidades ou vilas,
ou devastação injustificada por ordem militar.
c) crimes contra a humanidade – assassinato, extermínio, escravidão,
deportação ou outro ato desumano contra a população civil antes
ou durante a guerra, ou perseguições baseadas em critérios raciais,
políticos e religiosos, independentemente se, em violação ou não do
direito doméstico do país em que foi perpetrado.5
No seu art. 7º, o Estatuto do Tribunal de Nuremberg deixou assente
que a posição oficial dos acusados, como os Chefes de Estado ou
funcionários responsáveis em departamentos governamentais, não
os livraria e nem os mitigaria de responsabilidade. O seu art. 8º, por
seu turno, procurou deixar claro que o fato de “um acusado ter agido
por ordem de seu governo ou de um superior” não o livraria de
responsabilidade, o que reforça a concepção de que os indivíduos
também são passíveis de responsabilização no âmbito internacional.
Destaca-se ainda, como decorrência dos atentados hediondos
praticados contra a dignidade do ser humano durante a Segunda
Guerra, a criação do Tribunal Militar Internacional de Tóquio,
instituído para julgar os crimes de guerra e os crimes contra a
humanidade, perpetrados pelas antigas autoridades políticas e
militares do Japão imperial.6 Já mais recentemente, por
deliberação do Conselho de Segurança das Nações Unidas, com
a participação e voto favorável do Brasil, foram também criados
. Vide, a propósito, LAFER, Celso, A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah
Arendt, cit., pp. 168-169.
6
. Cf., por tudo, HOSOYA, C., N., et. all. (eds.), The Tokyo war crimes trial: an international symposium, Tokyo:
Kodansha International Ltd., 1986. Sobre o Tribunal de Tóquio, vide também MELLO, Celso D. de Albuquerque,
Direitos humanos e conflitos armados, Rio de Janeiro: Renovar, 1997.
5
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outros dois tribunais internacionais de caráter temporário: um
instituído para julgar as atrocidades praticadas no território da
antiga Iugoslávia 7 desde 1991, e outro para julgar as inúmeras
violações de direitos humanos de idêntica gravidade
perpetrados em Ruanda, 8 tendo sido sediados, respectivamente,
na Holanda e na Tanzânia.
Não obstante o entendimento da consciência coletiva mundial
de que aqueles que perpetram atos bárbaros e monstruosos
contra a dignidade humana devam ser punidos
internacionalmente, os tribunais ad hoc acima mencionados não
passaram imunes a críticas, dentre elas a de que tais tribunais
(que têm caráter temporário e não-permanente) foram criados
por resoluções do Conselho de Segurança da ONU (sob o
amparo do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, relativo
às “ameaças à paz, ruptura da paz e atos de agressão”), e não
por tratados internacionais multilaterais, como foi o caso do
Tribunal Penal Internacional, o que poderia prejudicar (pelo
menos em parte) o estabelecimento concreto de uma Justiça
Penal Internacional de caráter permanente. Estabelecer tribunais
internacionais ad hoc por meio de resoluções (ainda que com
isto se resolva o problema da imparcialidade e insuspeição dos
Estados partícipes daquelas guerras) significa torná-los órgãos
subsidiários do Conselho de Segurança da ONU, para cuja
aprovação não se requer mais do que nove votos de seus quinze
membros, incluídos os cinco permanentes (art. 27, § 3º, da Carta
das Nações Unidas). 9 Este era, aliás, um argumento importante,
no caso da antiga Iugoslávia, a favor do modelo de resolução
. Este Tribunal foi criado em 1993. O texto do “Estatuto da Iugoslávia” pode ser encontrado no documento das Nações
Unidas (NU) S/25704, de 03.05.93, par. 32 e ss. Vide, sobre o assunto, BERNARDINI, A., “Il tribunale penale
internazionale per la ex Jugoslavia: considerazioni giuridiche”, in I Diritti dell’Uomo: cronache e battaglie, nº 15, 1993;
CASSESE, Antonio, “Il Tribunale Penale per la ex-Jugoslavia: bilancio di due anni di attività”, in Dai tribunali penali
internazionali ad hoc a una Corte permanente (a cura di F. Lattanzi e E. Sciso), Napoli: Ed Scientifica, 1996; e PICONE,
Paolo, “Sul fondamento giuridico del Tribunale Penale Internazionale per la ex-Jugoslavia”, in Dai tribunali penali
internazionali ad hoc a una Corte permanente (a cura di F. Lattanzi e E. Sciso), Napoli: Ed Scientifica, 1996.
8
. Tribunal criado em 1994, pela resolução do Conselho de Segurança da ONU nº 955 (1994), NU-Doc. S/Res/955
(1994), de 08.11.94. As regras de procedimento e prova foram adotadas em 29.06.95 (ITR/3/Rev. 1), tendo sido
uma segunda revisão realizada em meados de 1996. Sobre o assunto, vide ainda MELLO, Celso D. de Albuquerque,
Curso de direito internacional público, 2º vol., 13ª ed. rev. e aum., Rio de Janeiro: Renovar, 2001, pp. 917-918; e
COMPARATO, Fábio Konder, A afirmação histórica dos direitos humanos, 3ª ed., rev. e ampl., São Paulo: Saraiva,
2003, pp. 446-447.
9
. Em paralelo, consulte GARGIULO, P., “The relationship between the ICC and the Security Council”, in The
International Criminal Court: comments on the draft Statute, Napoli: Lattanzi, 1998.
7
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do Conselho de Segurança, na medida em que o modelo de
tratado seria muito moroso ou incerto, podendo levar anos para
sua conclusão e entrada em vigor internacional. 10
Outra crítica assaz contundente voltada àqueles tribunais ad hoc – que
já se ouvia deste da criação do Tribunal de Nuremberg – era no sentido
de que os mesmos violavam a regra basilar do direito penal, segundo a
qual o juiz, assim como a lei, deve ser preconstituído ao cometimento do
crime e não ex post facto. Foi justamente pelo fato de que tais tribunais
tiveram sua criação condicionada pelos fatos que imediatamente a
antecederam, que alguns países, dentre eles o Brasil, ao aprovarem a
instituição de tribunais ad hoc, expressamente manifestaram seu ponto de
vista pela criação, por meio de um tratado internacional, de uma corte
penal internacional permanente, independente e imparcial, competente
para o processo e julgamento dos crimes perpetrados depois de sua
entrada em vigor no plano internacional.
Mas ainda que existam dúvidas acerca do alcance da Carta das
Nações Unidas em relação à legitimação do Conselho de Segurança
da ONU para a criação de instâncias judiciárias internacionais ad hoc,
as atrocidades e os horrores cometidos no território da Ex-Iugoslávia e
em Ruanda foram de tal ordem e de tal dimensão que parecia justificável
chegar-se a esse tipo de exercício, ainda mais quando se têm como certas
algumas contribuições desses tribunais para a teoria da responsabilidade
penal internacional dos indivíduos, a exemplo do não-reconhecimento
das imunidades de jurisdição para crimes definidos pelo Direito
Internacional e do não-reconhecimento de ordens superiores como
excludentes de responsabilidade internacional. Entretanto, a grande
mácula da Carta das Nações Unidas, neste ponto, ainda é a de que
jamais o Conselho de Segurança poderá criar tribunais com competência
para julgar e punir eventuais crimes cometidos por nacionais dos seus
Estados-membros com assento permanente.
Daí o motivo pelo qual avultava de importância a criação e o
estabelecimento efetivo de uma instância penal internacional, de
caráter permanente e imparcial, instituída para processar e julgar os
acusados de cometimento dos crimes mais graves já conhecidos no
planeta, que ultrajam a consciência da humanidade e que constituem
. Vide, a respeito, AMBOS, Kai, “Hacia el establecimiento de un Tribunal Penal Internacional permanente y un
código penal internacional: observaciones desde el punto de vista del derecho penal internacional”, in Revista de la
Asociación de Ciencias Penales de Costa Rica, año 7, nº 13, ago./1997, nota nº 14.
10
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infrações ao próprio Direito Internacional Público, a exemplo do
genocídio, dos crimes contra a humanidade, dos crimes de guerra e
do crime de agressão.11 Por essas razões, os trabalhos da International
Law Commission, ainda que com alguma lentidão, foram cada vez
mais direcionados rumo à elaboração de um tratado constitutivo de
uma corte penal internacional, com jurisdição permanente,
aperfeiçoando a proposta de um texto apresentado em 1994.12
O Direito Internacional Público positivo, na letra dos arts. 53 e 64 da
Convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados, de 1969, adotou
uma regra importantíssima, a do jus cogens, que talvez possa ter servido
de base (antes de sua positivação em norma convencional) para o
julgamento do Tribunal de Nuremberg, segundo a qual há certos tipos
de crimes tão abruptos e hediondos que existem independentemente
de estarem regulados por norma jurídica positiva.13
A instituição de tribunais internacionais é conseqüência da tendência
jurisdicionalizante do Direito Internacional contemporâneo. Neste
momento em que se presencia a fase da jurisdicionalização do direito
das gentes, a sociedade internacional fomenta a criação de tribunais
internacionais de variada natureza, para resolver questões das mais
diversas, apresentadas no contexto das relações internacionais. A partir
daqui é que pode ser compreendido o anseio generalizado pela
criação de uma Justiça Penal Internacional, que dê legitimidade
institucional à sociedade internacional, dignificando e fortalecendo
a proteção internacional dos direitos humanos em plano global.14
A sociedade internacional, contudo, tem pretendido consagrar a
responsabilidade penal internacional desde o final da Primeira Guerra
Mundial, quando o Tratado de Versalhes clamou, sem sucesso, pelo
11
. Cf., a propósito, FAVA, Maria Mirta, “Verso l’Istituzione di una Corte Penale Internazionale permanente”, in I
Diritti dell’Uomo: cronache e battaglie, nº 2, maggio-agosto, 1997, pp. 28-31; BASSIOUNI, M. Cherif, “Verso una
Corte Penale Internazionale”, in I Diritti dell’Uomo: cronache e battaglie, nº 3, settembre-dicembre, 1997, pp. 5-8;
DEL VECCHIO, Angela, “Corte Penale Internazionale e Giurisdizione Internazionale nel quadro di crisi della sovranità
degli Stati”, in La Comunità Internazionale, nº 1, gennaio-aprile, 1999, pp. 630-652; e CARILLO-SALCEDO, J. A.,
“La Cour Pénale Internationale: l’humanité trouve une place dans le droit international”, in Revue générale de droit
international public, vol. 103, 1999(1), pp. 23-28.
12
. Cf. Report of the International Law Commission on its Forty-Sixth Session, Draft Statute for an International
Criminal Court, 2 may-22 july 1994, G.A. Sess., Suppl. 10, A/10, 1994.
13
. Sobre as normas de jus cogens na Convenção de Viena Sobre o Direito dos Tratados, vide MAZZUOLI, Valerio de
Oliveira, Tratados internacionais: com comentários à Convenção de Viena de 1969, 2ª ed., rev., ampl. e atual., São
Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, pp. 162-183.
14
. Cf. FONSECA, José Roberto Franco da. “O tribunal penal internacional permanente”, in Revista da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo, vol. 94, 1999, p. 282; e ALLMAND, Warren, “The International Criminal Court
and the human rights revolution”, in McGill Law Journal, vol. 46, nº 1, nov. 2000, pp. 263-688.
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julgamento do ex-Kaiser Guilherme II por ofensa à moralidade
internacional e à autoridade dos tratados, bem como quando o Tratado
de Sèvres, jamais ratificado, pretendeu responsabilizar o Governo
Otomano pelo massacre dos armênios. Não obstante algumas críticas
formuladas em relação às razões de tais pretensões, no sentido de que
as mesmas não seriam imparciais ou universais, posto que fundadas
no princípio segundo o qual somente o vencido poderia ser julgado,
bem como de que estaria sendo desrespeitado o princípio da nãoseletividade na condução de julgamentos internacionais, o fato
concreto é que tais critérios foram utilizados, de maneira preliminar,
pelo Acordo de Londres e pelo Control Council Law nº 10 (instrumento
da Cúpula dos Aliados), ao estabelecerem o Tribunal de Nuremberg,
bem como pelo Tribunal Militar Internacional de Tóquio, instituído para
julgar as violências cometidas pelas autoridades políticas e militares
japonesas, já no período do pós-Segunda Guerra.15
Todas essas tensões internacionais, advindas desde a Primeira Guerra
Mundial, tornavam, portanto, ainda mais premente a criação de uma
Justiça Penal Internacional de caráter permanente, notadamente após
a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em
1948,16 da celebração da Convenção para a Prevenção e a Repressão
do Crime de Genocídio, no mesmo ano, das quatro Convenções de
Genebra sobre o Direito Humanitário, em 1949, e de seus dois
Protocolos Adicionais, de 1977, da Convenção sobre a
Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes de Lesa
Humanidade, em 1968 e dos Princípios de Cooperação Internacional
para Identificação, Detenção, Extradição e Castigo dos Culpáveis de
Crimes de Guerra ou de Crimes de Lesa Humanidade, em 1973. Em
1993, a criação de uma corte penal internacional instituída para julgar
as violações de direitos humanos presentes na atualidade, foi também
reafirmada pelo parágrafo 92 da Declaração e Programa de Ação de
Viena, segundo o qual: “A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos
recomenda que a Comissão de Direitos Humanos examine a
15
. Cf., por tudo, KASTRUP, Dieter, “From Nuremberg to Rome and beyond: the fight against genocide, war crimes,
and crimes against humanity”, in Fordham International Law Journal, vol. 23, nº 2, dec. 1999, pp. 404-414; e
JARDIM, Tarciso Dal Maso, “O Tribunal Penal Internacional e sua importância para os direitos humanos”, in O que
é o Tribunal Penal Internacional, Brasília: Câmara dos Deputados/Coordenação de Publicações, 2000, pp. 16-17.
16
. Um paralelo do TPI com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, é encontrado no estudo de BOS, Adriaan,
“Dedicated to the Adoption of the Rome Statute of the International Criminal Court 1948-1998: the Universal
Declaration of Human Rights and the Statute of the International Criminal Court”, in Fordham International Law
Journal, vol. 22, nº 2, dec./1998, pp. 229-235.
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possibilidade de melhorar a aplicação de instrumentos de direitos
humanos existentes em níveis internacional e regional e encoraja a
Comissão de Direito Internacional a continuar seus trabalhos visando
ao estabelecimento de um tribunal penal internacional”.
Como resposta a este antigo anseio da sociedade internacional,
no sentido de estabelecer uma corte criminal internacional de caráter
permanente, finalmente vem à luz o Tribunal Penal Internacional, pelo
Estatuto de Roma de 1998. Trata-se da primeira instituição global
permanente de justiça penal internacional.
Aprovado em julho de 1998, em Roma, na Conferência Diplomática
de Plenipotenciários das Nações Unidas, o Estatuto de Roma do
Tribunal Penal Internacional teve por finalidade constituir um tribunal
internacional com jurisdição criminal permanente, dotado de
personalidade jurídica própria, com sede na Haia, na Holanda. Foi
aprovado por 120 Estados, contra apenas 7 votos contrários – China,
Estados Unidos, Iêmen, Iraque, Israel, Líbia e Quatar – e 21
abstenções.17 Não obstante a sua posição original, os Estados Unidos
e Israel, levando em conta a má repercussão internacional ocasionada
pelos votos em contrário, acabaram assinando o Estatuto em 31 de
dezembro de 2000. Todavia, a ratificação do Estatuto, por essas
mesmas potências, tornou-se praticamente fora de cogitação após
os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 em Nova York e
Washington, bem como após as operações de guerra subsequentes
no Afeganistão e Palestina. Assim foi que em 6 de maio de 2002 e em
28 de agosto do mesmo ano, Estados Unidos e Israel, respectivamente,
notificaram formalmente o Secretário-Geral das Nações Unidas de
que não tinham a intenção de se tornarem partes no respectivo tratado.
O Estatuto do TPI entrou em vigor internacional em 1º de julho de
2002, correspondente ao primeiro dia do mês seguinte ao termo do
período de 60 dias após a data do depósito do sexagésimo instrumento
de ratificação, de aceitação, de aprovação ou de adesão junto do
Secretário-Geral das Nações Unidas, nos termos do seu art. 126, § 1º.
O corpo diplomático brasileiro, que já participava, mesmo antes
da Conferência de Roma de 1998, de uma Comissão Preparatória
para o estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional, teve
destacada atuação em todo o processo de criação do Tribunal. E isto
17
. Cf., a propósito, LEE, Roy S. (ed.), The International Criminal Court. The making of the Rome Statute: issues,
negotiations, results, The Hague: Kluwer Law International, 1999.
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foi devido, em grande parte, em virtude do mandamento do art. 7º
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição
brasileira de 1988, que preceitua que “o Brasil propugnará pela
formação de um tribunal internacional dos direitos humanos”.
Em 7 de fevereiro de 2000 o governo brasileiro assinou o tratado
internacional referente ao Estatuto de Roma do Tribunal Penal
Internacional,18 tendo sido o mesmo posteriormente aprovado pelo
Parlamento brasileiro, por meio do Decreto Legislativo nº 112, de
06.06.2002, e promulgado pelo Decreto nº 4.388, de 25.09.2002.19
O depósito da carta de ratificação brasileira se deu em 20.06.2002,
momento a partir do qual o Brasil já se tornou parte no respectivo
tratado. A partir desse momento, por força da norma do art. 5º, § 2º
da Constituição brasileira de 1988 (verbis: “Os direitos e garantias
expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”), o
Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional integrou-se ao direito
brasileiro com status de “norma constitucional”, não podendo
quaisquer dos direitos e garantias nele constantes ser abolidos por
quaisquer meios no Brasil, inclusive por emenda constitucional.20
2. A regra da responsabilidade penal internacional
dos indivíduos
Uma das principais virtudes do Estatuto de Roma de 1998 reside
na consagração do princípio segundo o qual a responsabilidade
penal por atos violadores do Direito Internacional deve recair sobre
os indivíduos que os perpetraram, deixando de ter efeito as eventuais
imunidades e privilégios ou mesmo a posição ou os cargos oficiais
. A assinatura do Brasil ao Estatuto de Roma do TPI foi precedida de belo Parecer da lavra do Prof. Dr. Antônio
Paulo Cachapuz de Medeiros, atual Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.
. A versão oficial brasileira do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional é encontrada em MAZZUOLI,
Valerio de Oliveira, Coletânea de Direito Internacional, 2º ed., São Paulo: RT, 2004, pp. 691-745, de onde foram
coletadas todas as disposições do Estatuto citadas no decorrer deste estudo.
20
. Para um estudo aprofundado dessa interpretação, relativa à incorporação e ao status constitucional dos tratados
de direitos humanos no ordenamento interno brasileiro, vide MAZZUOLI, Valerio de Oliveira, Direitos humanos,
Constituição e os tratados internacionais: estudo analítico da situação e aplicação do tratado na ordem jurídica
brasileira, São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, pp. 233-252.
18
19
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que os mesmos porventura ostentem.21
Nos termos do art. 25, e parágrafos, do Estatuto, o Tribunal tem
competência para julgar e punir pessoas físicas, sendo considerado
individualmente responsável quem cometer um crime da competência
do Tribunal. Nos termos do Estatuto, será considerado criminalmente
responsável e poderá ser punido pela prática de um crime da
competência do Tribunal quem: a) cometer esse crime individualmente
ou em conjunto ou por intermédio de outrem, quer essa pessoa seja,
ou não, criminalmente responsável; b) ordenar, solicitar ou instigar a
prática desse crime, sob forma consumada ou sob a forma de
tentativa; c) com o propósito de facilitar a prática desse crime, for
cúmplice ou encobridor, ou colaborar de algum modo na prática ou
na tentativa de prática do crime, nomeadamente pelo fornecimento
dos meios para a sua prática; e d) contribuir de alguma outra forma
para a prática ou tentativa de prática do crime por um grupo de
pessoas que tenha um objetivo comum.
O Estatuto de Roma repete a conquista do Estatuto do Tribunal de
Nuremberg em relação aos cargos oficiais daqueles que praticaram
crimes contra o Direito Internacional. Nos termos do art. 27, §§ 1º e 2º,
do Estatuto de Roma, a competência do Tribunal aplica-se de forma
igual a todas as pessoas, sem distinção alguma baseada na sua
qualidade oficial.22 Em particular, a qualidade oficial de Chefe de Estado
ou de Governo, de membro de Governo ou do Parlamento, de
representante eleito ou de funcionário público, em caso algum poderá
eximir a pessoa em causa de responsabilidade criminal nos termos do
Estatuto, nem constituirá de per se motivo para a redução da pena. Diz
ainda o Estatuto que as imunidades ou normas de procedimentos
especiais decorrentes da qualidade oficial de uma pessoa, nos termos
do direito interno ou do Direito Internacional, não deverão obstar a
que o Tribunal exerça a sua jurisdição sobre essa pessoa.
A consagração do princípio da responsabilidade penal
internacional dos indivíduos é, sem dúvida, uma conquista da
humanidade. E esta idéia vem sendo sedimentada desde os tempos
21
. Cf., a propósito, HORTATOS, Constantine P., Individual criminal responsibility for human rights atrocities in
international criminal law and the creation of a permanent International Criminal Court, Athens: Ant. N. Sakkoulas
Publishers, 1999.
22
. A respeito do assunto, vide PAULUS, Andreas L., “Legalist groundwork for the International Criminal Court:
commentaries on the Statute of the International Criminal Court”, in European Journal of International Law, vol. 14,
nº 4, 2003, pp. 855-858.
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em que Hugo Grotius lançou as bases do moderno Direito
Internacional Público. Este grande jurista holandês divergiu, ao seu
tempo, da noção corrente àquela época – e que ainda mantém alguns
seguidores na atualidade – de que o Direito Internacional está
circunscrito tão-somente às relações entre Estados, não podendo dizer
respeito diretamente aos indivíduos.23
O chamado Direito Internacional dos Direitos Humanos, que
emerge finda a Segunda Guerra Mundial, vem sepultar de vez esta
antiga doutrina, que não atribuía aos indivíduos personalidade
jurídica de direito das gentes. A idéia crescente de que os indivíduos
devem ser responsabilizados no cenário internacional, em decorrência
dos crimes cometidos contra o Direito Internacional, aparece bastante
reforçada no Estatuto de Roma que, além de ensejar a punição dos
indivíduos como tais, positivou, no bojo de suas normas, ineditamente,
os princípios gerais de direito penal internacional (arts. 22 a 33), bem
como trouxe regras claras e bem estabelecidas sobre o procedimento
criminal perante o Tribunal (arts. 53 a 61). Tal acréscimo vem suprir
as lacunas deixadas pelas Convenções de Genebra de 1949, que
sempre foram criticadas pelo fato de terem dado pouca ou quase
nenhuma importância às regras materiais e processuais da ciência
jurídica criminal.
Nos termos do art. 58, § 1º, alíneas a e b, do Estatuto, a todo
momento após a abertura do inquérito, o Juízo de Instrução poderá,
a pedido do Promotor, emitir um mandado de detenção contra uma
pessoa se, após examinar o pedido e as provas ou outras informações
submetidas pelo Promotor, considerar que existem motivos suficientes
para crer que essa pessoa cometeu um crime da competência do
Tribunal e a detenção dessa pessoa se mostra necessária para garantir
o seu comparecimento no Tribunal, assim como garantir que a mesma
não obstruirá, nem porá em perigo, o inquérito ou a ação do Tribunal.
O mandado de detenção também poderá ser emitido, se for o caso,
para impedir que a pessoa continue a cometer esse crime ou um crime
conexo que seja da competência do Tribunal e tenha a sua origem
nas mesmas circunstâncias.
Parece lógico que, para a efetivação e garantia da Justiça Penal
Internacional, deva ter o TPI poderes para determinar que os
. Cf. CACHAPUZ DE MEDEIROS, Antônio Paulo. “O Tribunal Penal Internacional e a Constituição brasileira”, in O que
é o Tribunal Penal Internacional, Brasília: Câmara dos Deputados/Coordenação de Publicações, 2000, pp. 12-13.
23
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acusados da prática de crimes reprimidos pelo Estatuto sejam
colocados à disposição do Tribunal para ulterior julgamento. Seria
de todo inútil a criação de um Tribunal Penal Internacional se não
houvessem meios jurídicos e eficazes para arrestar os acusados,
compelindo-os a comparecer em juízo para julgamento.
Para o êxito dessas finalidades, o Estatuto prevê um regime de
cooperação entre os seus Estados-partes. Nos termos do seu art.
86, os Estados-partes deverão cooperar plenamente com o
Tribunal, no inquérito e no procedimento criminal, em relação
aos crimes de sua competência. Tais Estados, diz o art. 88, deverão
assegurar-se de que o seu direito interno prevê procedimentos
que permitam responder a todas as formas de cooperação
especificadas no Estatuto.
A colaboração dos Estados, portanto, é fundamental para o êxito
do inquérito e do procedimento criminal perante o Tribunal. Tais
Estados devem cooperar com o Tribunal da forma menos
burocrática possível, atendendo ao princípio da celeridade.
As eventuais imunidades ou privilégios especiais que possam ser
concedidos aos indivíduos em função de sua condição como
ocupantes de cargos ou funções estatais, seja segundo o seu direito
interno, seja segundo o Direito Internacional, não constituem
motivos que impeçam o Tribunal de exercer a sua jurisdição em
relação a tais assuntos. O Estatuto elide qualquer possibilidade
de invocação da imunidade de jurisdição por parte daqueles que
cometeram crimes contra a humanidade, genocídio, crimes de
guerra ou de agressão. Assim, de acordo com a sistemática do
Direito Penal Internacional, não podem os genocidas e os
responsáveis pelos piores crimes cometidos contra a humanidade
acobertar-se da prerrogativa de foro, pelo fato de que exerciam
uma função pública ou de liderança à época do delito.
Os Estados-partes no TPI terão, doravante, um papel importante
no que tange à compatibilização das normas do Estatuto de Roma
– respeitando o dever consuetudinário insculpido com todas as
letras no art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados, de 1969, segundo o qual um Estado-parte em um tratado
internacional tem a obrigação de cumpri-lo de boa-fé –, no sentido
de fazer editar a normatividade interna infraconstitucional
necessária para que o Estatuto possa ser eficazmente
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implementado e não se transforme em letra morta, sob pena de
responsabilização internacional.
3. Perspectivas para os direitos humanos e para a
Justiça Penal Internacional no Século XXI
Por tudo o que foi visto acima, parece nítida a relevância do Tribunal
Penal Internacional para a proteção internacional dos direitos humanos
e para a efetivação da Justiça Penal Internacional em plano global.
Sem dúvida alguma, a instituição do TPI é um dos fatores principais
que marcarão a proteção internacional dos direitos humanos e as
ciências criminais no século XXI. Primeiro, porque desde os Tribunais
de Nuremberg e Tóquio, um sistema internacional de justiça pretende
acabar com a impunidade daqueles que violam o Direito Internacional,
em termos repressivos (condenando os culpados) e preventivos (inibindo
a tentativa de repetição dos crimes cometidos).24 Segundo, porque visa
sanar as eventuais falhas e insucessos dos tribunais nacionais, que muitas
vezes deixam impunes seus criminosos, principalmente quando estes
são autoridades estatais que gozam de ampla imunidade, nos termos
das suas respectivas legislações internas. Terceiro, porque evita a
criação de tribunais ad hoc, instituídos à livre escolha do Conselho de
Segurança da ONU, dignificando o respeito à garantia do princípio
do juiz natural, ou seja, do juiz competente, em suas duas vertentes: a
de um juiz previamente estabelecido e a relativa à proibição de juízos
ou tribunais de exceção, criados ex post facto. Quarto, porque cria
instrumentos jurídico-processuais capazes de responsabilizar
individualmente as pessoas condenadas pelo Tribunal, não deixando
pairar sobre o planeta a vitória da impunidade. E, finalmente, em
quinto lugar, porque institui uma Justiça Penal Internacional que contribui,
quer interna quer internacionalmente, para a eficácia da proteção dos
direitos humanos e do direito internacional humanitário.25
A consagração do princípio da complementaridade, segundo
o qual a jurisdição do TPI é subsidiária às jurisdições nacionais
(salvo o caso de os Estados se mostrarem incapazes ou sem
. Cf. Human Rights Watch world report 1994: eventos of 1993, Human Rights Watch, New York, 1994, p. XX.
. Cf., por tudo, Lawyers Comittee for Human Rights, “Establishing an International Criminal Court: major unresolved
issue in the draft Statute”, New York: LCHR, Briefing Series, vol. I, n.º 1, aug./1996.
24
25
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disposição em processar e julgar os responsáveis pelos crimes
cometidos), contribui sobremaneira para fomentar os sistemas
jurídicos nacionais a desenvolver mecanismos processuais
eficazes, capazes de efetivamente aplicar a justiça em relação
aos crimes tipificados no Estatuto de Roma, que passam também
a ser crimes integrantes do direito interno dos Estados-partes
que o ratificaram.
Não existe restrição ou diminuição da soberania para os países
que já aderiram, ou aos que ainda irão aderir, ao Estatuto de
Roma. Ao contrário: na medida em que um Estado ratifica uma
convenção multilateral como esta, que visa trazer um bem estar
que a sociedade internacional reivindica há anos, ele não está
fazendo mais do que, efetivamente, praticando um ato de
soberania, e o faz de acordo com a sua Constituição, que prevê
a participação dos poderes Executivo e Legislativo (no caso
brasileiro: CF, arts. 84, inc. VIII e 49, inc. I, respectivamente) no
processo de celebração de tratados internacionais. 26
4. Conclusão
A Justiça Penal Internacional, portanto, chega ao mundo em
boa hora, para processar, julgar e punir os piores e mais cruéis
violadores dos direitos humanos que possam vir a existir,
reprimindo aqueles crimes contra o Direito Internacional de que
nos queremos livrar, em todas as suas vertentes. Será esta Justiça
Penal Internacional a responsável pela construção de uma
sociedade internacional justa e digna, baseada nos princípios
da igualdade e da não discriminação, que são o fundamento da
tutela internacional dos direitos humanos. 27
O papel do Tribunal Penal Internacional para o futuro da
humanidade, portanto, é importantíssimo no sentido de punir e
retirar do convívio coletivo mundial os responsáveis pela prática
26
. Para estudo aprofundado da prática de celebração de tratados no Brasil, vide MAZZUOLI, Valerio de Oliveira,
Tratados internacionais: com comentários à Convenção de Viena de 1969, 2ª ed., cit., especialmente pp. 265-356.
27
. Vide, com detalhes, BASSIOUNI, M. Cherif, “Enforcing human rights through International Criminal Law and
through an International Criminal Tribunal,” in HENKIN, Louis & HARGROVE, John Lawrence (eds.), Human rights:
an agenda for the next century, Washington, D.C.: American Society of International Law, 1994.
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dos piores e mais bárbaros crimes cometidos no planeta, em
relação aos quais não se admite esquecimento. É o instrumento
único que reafirma a fé nos direitos humanos fundamentais
protegidos e na dignidade e valor da pessoa humana. É, portanto,
esse resgate da cidadania mundial que se quer ver acontecer,
mais nada!
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LITIGÂNCIA PREJUDICIAL POR CONDUTA
CULPOSA.
Antonio Zeferino da Silva 1
Marcos Pereira Araujo 2
Robson Orlei Azambuja Carneiro 3
RESUMO :A solução de conflitos pode ser estabelecida na esfera administrativa ou
judicial mas, principalmente, na esfera judicial requer-se a obtenção de
direitos que sejam contemplados em norma, agindo o peticionário com
lealdade e boa-fé. As atitudes intencionais e contrárias à ordem jurídica
caracterizam o demandar de má-fé e, por isso, são passíveis de sanção.
Quanto as atitudes não intencionais - culposas - que acarretam um dano
em virtude do retardamento do processo e a prestação judicial, também
serão passíveis de sanção e reparação civil.
PALAVRAS-CHAVE: Litigância Prejudicial – Culpa - Processo
Introdução
As relações pessoais, comerciais e trabalhistas, entre outras, dão
ensejo aos mais variados tipos de conflitos. Quando se verifica a
ocorrência desse, o mesmo pode ser solucionado em duas esferas
distintas de atuação do direito, ou seja, o conflito pode ser solucionado
pela via administrativa ou pela via judicial.
Quando a solução de conflitos se estabelece na esfera
administrativa, não há muitos questionamentos a serem discutidos,
principalmente, porque se aqueles não forem solucionados, partirse-á para a esfera judicial. Tendo-se deslocado o conflito para essa
esfera, as partes estarão sujeitas ao cumprimento das normas,
notadamente ao que diz respeito aos direitos e obrigações.
1
Defensor Público aposentado, Advogado com especialização em Direito Constitucional e Gestão Empresarial. Professor
do Curso de Administração de Empresas na Disciplina de Introdução ao Estudo do Direito e Pós-graduando em Direito
Processual Civil pela UNIGRAN - Centro Universitário da Grande Dourados.
2
Advogado com especialização em Direito Constitucional e Metodologia do Ensino Superior. Professor do Curso de
Ciências Jurídicas na Disciplina de Direito Penal II e Pós-graduando em Direito Processual Civil pela UNIGRAN - Centro
Universitário da Grande Dourados.
3
Bacharel em Direito e Pós-graduando em Direito Processual Civil pela UNIGRAN - Centro Universitário da Grande Dourados.
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O artigo 14, do Código Processual Civil, estabelece em um de seus
incisos, que é dever da parte agir com lealdade e boa-fé, mas nem
sempre isso acontece, pois, verifica-se com certa freqüência, a
ocorrência de condutas praticadas intencionalmente com o fim
específico de causar o retardamento da prestação jurisdicional,
implicando em prejuízo à parte.
Outras vezes, o dano pode ocorrer, sem que haja a intenção de
provocar um prejuízo mas, fruto de uma conduta culposa,
apresentando-se sob uma das três modalidades da culpa imprudência, negligência e imperícia. Com isso, questiona-se da
possibilidade de sanção e reparação ao prejuízo, àquele que agir
culposamente através de conduta praticada nos próprios autos.
3. Litigância de Má-Fé
Litigante de má-fé é a parte ou interveniente processual que utiliza
procedimento escuso com objetivo de vencer a causa ou prolongar
intencionalmente o andamento processual, causando dano à parte contrária.
O processo civil, por sua finalidade, não é meio para disputas
injustas e desonestas. Seu principal objetivo é proporcionar aos sujeitos
necessitados uma forma de solucionar conflitos em consonância com
ordenamento jurídico, oferecendo às partes envolvidas direitos e
deveres.Todos os sujeitos do processo devem manter uma conduta
ética adequada, de acordo com os deveres de verdade, moralidade
e probidade em todas as fases do procedimento. Neste sentido, é o
ensinamento do saudoso mestre Pontes de Miranda4:
‘’O dever de verdade nasce entre as partes e o Estado, e não entre
as partes. Já existe quando existe a pretensão à tutela jurídica e começa
de ser observado desde que se inicia o exercício da pretensão a tutela
jurídica. Preexiste ao processo, de modo que já o pode infringir quem
expõe fatos em petição inicial ou em ação preparatória.”
Por sua vez, a litigância de má-fé caracteriza-se como atos contrários
ao bom andamento da justiça, pois prejudica não apenas uma das
partes, mas todo o sistema jurisdicional.
Descrita como uma conduta abusiva do litigante que utiliza o
4
MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil
Civil, São Paulo: Forense, 1974, p. 367.
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processo de forma diferente de seu respectivo fim, a litigância de máfé possui como natureza jurídica o abuso do direito. Portanto, a máfé é causa direta do impedimento do escopo processual e assim deve
ser excluída de nossos procedimentos.
De acordo com nosso sistema jurídico-processual, aquele que
provoca um dano processual deve, certamente, responder pelas
conseqüências que a lei prevê. Não se trata, pois, de faculdade do
magistrado, mas dever seu como representante do Estado no exercício
do Poder Jurisdicional. A condenação no ônus da litigância de má-fé
deve ser encarada como fato processual, objetivamente verificado em
decorrência direta e inevitável da prática pelas partes e intervenientes
de determinados atos processuais que a lei define como ilícitos.
A litigância de má-fé interfere de forma nociva no correto
desenvolvimento da relação jurídica processual estabelecida e os
meios postos à disposição do magistrado para coibi-la são, antes de
mais nada, instrumentos destinados a preservar a dignidade de justiça
sem a qual o processo jamais atinge a sua finalidade.
4. Referências Legais
O legislador, preocupado com a atuação das partes e seus
procuradores no processo, tratou de dispor deveres gerais a esses, nos
artigos 14 e 15 do Código de Processo Civil, destacando a veracidade,
a lealdade, a boa-fé e a ética profissional. Os artigos 16, 17 e 18 do
mesmo código exprimem os casos em que ocorrem a má-fé, a
responsabilização atribuída e o modo de condenação, pois já previa o
corpo legislativo que nem todos os utilizadores da justiça trilhariam sob
os valores acima listados. A última modificação sofrida nesta matéria
foi imposta pela Lei n° 9.668, de 23 de junho de 1.998, a qual acrescentou
os incisos VII do artigo 17 e alterou o ‘’caput’’ do artigo 18.
5. Sujeitos
O legislador não distingue entre a parte vencedora ou vencida;
portanto, independentemente do resultado do processo a
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responsabilidade existe, se constatada a má-fé. Assim, podem ser
considerados litigantes de má-fé autor, réu, assistente, terceiro, ou seja,
todos aqueles que participarem na relação processual.O ministério
público, quando atuante como uma das partes, também pode ser
condenado por litigante temerário. A jurisprudência é consistente neste
sentido e quem efetuará o pagamento da multa será a Fazenda
Estadual ou a Nacional, podendo essas regressarem contra o agente
causador do dano. A respeito dos advogados, a lei é omissa quando
se trata da responsabilização por dano processual. O texto legal faz
referência apenas aos deveres que se sucumbem, mas não às
responsabilidades. Consequentemente, não cabe ao procurador
indenizar ou pagar multa, ficando a cargo da parte, que poderá
acionar regressivamente seu advogado. Ao juiz não cabe a
condenação por litigância temerária, pois, como dito anteriormente,
essa se aplica somente às partes.
6. Casos de Litigância de Má-Fé
Para coibir os abusos processuais, o legislador pátrio considerou
várias hipóteses, reproduzidas nos incisos do artigo 17, do Código
de Processo Civil, a saber:
6.1.Deduzir pretensão ou defesa contra texto
expresso em lei ou fato incontroverso.
Age de má fé quem demanda contra texto expresso em lei sem
que sustente com relevância sua ação ou contestação. Posição aceita
pela doutrina e jurisprudência é a de que, litigar contra texto legal,
porém fundamentar com notoriedade, aos olhos do juiz, não
caracteriza caso de má-fé e sim tentativa de defender ou exigir direito
tido como existente e válido. Em sentido contrário, se a parte enseja
contra dispositivo legal conhecido e de única interpretação, é vista
a litigância de má-fé. Neste ponto é de comum praxe verificar a
culpa grave ou dolo do litigante em contrariar e de alguma forma
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prejudicar o processo para a constatação de má-fé. Não se encontra
má-fé em teses contrárias a Súmulas, pois, dessa forma não haveria
uma renovação e mudanças de concepções necessárias durante o
decurso do tempo.
6.2. Alterar a verdade dos fatos.
É de suma importância que a verdade impere nos processos,
pois só assim será possível ter a segurança de resolver uma lide
com equidade. A veracidade colabora para que direitos e
deveres caiam sobre quem merece, afastando o fantasma da
injustiça. Não se pode confundir com o princípio dispositivo
quando se analisa a questão da verdade dos fatos. Aquele
defende que as partes tem liberdade para compor o processo
com os fatos que julgarem necessários e, esta, assegura que
nos fatos demandados, atuem com espírito de veracidade.
Portanto, quem, solicitando ou demandando fatos no processo,
faltar com a verdade, tanto em ação quanto a omissão, estará
atuando de má-fé e sujeito a responsabilização. A exigência de
veracidade remete àquela verdade conhecida e tida como
singular, ou seja, requer-se o que a parte acredita ser verdadeiro,
mesmo que sem conhecimento, os fatos sejam outros.
6.3. Usar do processo para conseguir objetivo ilegal.
O presente, difere do processo fraudulento encontrado no
artigo 129 do Código de Processo Civil, onde ambas as partes autor e réu - de conchavo tentam auferir do processo ato simulado
ou contrário a lei. Esse dispositivo vem a proibir que uma das
partes use o processo como forma de atingir resultado não
contemplado pelo ordenamento jurídico, a saber, alguém que
ajuíza ação contra devedor que está viajando (podendo ter
cobrado a dívida antes e que essa seria saldada) somente para
ferir sua imagem econômica.
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6.4.Opuser resistência injustificada ao andamento
do processo.
O fator tempo é um dos mais importantes quando se trata de
um processo. Várias são as queixas de demora para a solução
de litígios. Apoiado neste contexto e no princípio da celeridade,
é punível aquele ato injustificado que retarda o andamento do
processo. A doutrina exemplifica diversos casos em que o
litigante, em seus atos, objetiva nada mais do que a preclusão
do curso processual como, por exemplo, não fornecer elementos
de cálculo para viabilizar a liquidação mesmo depois de vezes
intimado.
6.5. Proceder de modo temerário em qualquer
incidente ou ato do processo.
A cautela, a prudência e a fundamentação são apenas alguns
dos adjetivos necessários na formação de um sujeito ativo no
mundo processual. Essas características propiciam o perfeito
desenvolvimento de uma lide e por isso devem prevalecer. Agir
temerariamente significa agir imprudentemente, arriscadamente
ou ainda audaciosamente, sem fundamento algum. Aqui se
concentra a lei, que tenta reprimir esses modos de agir do cunho
processual. A proibição da temeridade implica respeitar os
deveres constantes do artigo 14: dizer a verdade, formular
pretensões ou defesa com fundamento, produzir provas e praticar
atos somente quando necessários. Exemplo típico de ação
temerária punível por má-fé é o ajuizamento de nova ação
pendente outra idêntica.
6.6. Provocar incidentes manifestamente infundados.
Durante o curso normal do processo, surgem questões a seu
respeito até então desconhecidas, mas que precisam ser resolvidas
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a fim de solucionar o litígio, essas são chamadas incidentes. Não
pode uma das partes provocar discussões irrelevantes e
infundadas para a matéria processual, pois, não trará benefício
algum para a lide, apenas alongando-a. Nesse caminho seguiu
o legislador para evitar tais empecilhos.
6.7. Interpuser recurso manifestamente protelatório.
É pratica comum recorrer em agravo regimental com teses
idênticas às já mencionadas em recurso especial já apreciadas e
rejeitadas com o fim de meramente de alongar o cumprimento da
sentença. A lei n° 9.668/98, regulou o que a jurisprudência de
princípio entendia com má-fé com a inclusão do inciso VII no artigo
17 do Código de Processo Civil, portanto, estará agindo de má-fé
aquele que usar de recurso com o escopo de protelar efetivação de
decisão.
7. Condenação
Para o litigante que agir de má-fé, cabe condenação por perdas e
danos em prol da parte prejudicada, indiferente quem seja o vencedor
da demanda. Em outras palavras, a reparação será devida qualquer
que seja o resultado da causa, ainda que o litigante de má-fé consiga,
ao final, sentença favorável.
O artigo 18 do Código de Processo Civil determina que a
condenação do litigante de má-fé poderá ocorrer de duas
maneiras: de ofício ou a requerimento. Muita discussão jurídica
envolveu-se em torno de poder ou não o juiz condenar de ofício
o litigante que usou de má-fé. A lei, até 1.994, não trazia em seu
texto a possibilidade de condenação de ofício, porém a
jurisprudência dividia-se, alguns alegando que o maior ofendido
na hipótese de má-fé seria o Estado e outros sustentando que a
condenação tem caráter indenizatório, necessitando então que a
parte lesada solicite providências. Para sanar tal discussão, a lei
n° 8.952, de 13.12.1994, introduziu a expressão ‘’de ofício’’ no
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artigo 18 do Código de Processo Civil.
Em relação ao grau em que é condenado o litigante de má-fé,
tanto faz se ocorrer em primeiro ou segundo graus, pois a parte
pode agir contrário a boa-fé também em nível recursal. Portanto,
não é necessário que a parte reclame atitude de má-fé da outra
para a condenação, pode aquela fazer, mas também é lícito e dever
do magistrado, para defender a boa índole do processo, condenar
de ofício. O momento para a condenação pode gerar dúvidas,
pois alguns o defendem na sentença e outros em decisão
interlocutória. Na sentença vigora o melhor momento para o acerto
referente à má-fé, pois aí poderão ser feitas eventuais
compensações.
8.Valores
Primeiramente, deve-se estabelecer que o artigo 16 do Código de
Processo Civil menciona que responde por ‘’perdas e danos’’,
enquanto o artigo 18 do mesmo Código refere-se a ‘’prejuízos’’.
Autores divergem quanto tal terminologia, porém cabe ao intérprete
entendê-la como sinônimos, pois não seria justificável o legislador
trabalhar com conceitos diferentes numa mesma matéria. Englobam
o significado de perdas e danos (ou prejuízos) em sentido geral os
lucros cessantes, perdas e danos patrimoniais assim como danos
morais.
O artigo 18 do CPC, enuncia:
‘’Art. 18 - O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o
litigante de má-fé a pagar multa não excedente a 1% (um por cento) sobre
o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta
sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou.
§ 2º - O valor da indenização será desde logo fixado pelo juiz, em quantia
não superior a 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, ou liquidado
por arbitramento.’’
Portanto, os valores atribuídos pelo texto legal dividem-se em
duas naturezas: a de caráter sancionador (multa) e a de caráter
indenizatório (indenização).
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Diante disso, tem-se, como primeira interpretação, que a
indenização capaz de ressarcir o que a parte prejudicada sofreu não
poderá ser superior a 20% do valor da causa, quando fixada pelo
juiz, a menos que não tenha um valor determinado. Nesse caso,
deverá ocorrer liquidação por meio de arbitramento.
Essa interpretação, porém, traz em si um problema que se
estabelece quando a causa tem valor apenas simbólico ou ínfimo.
Diante dessa questão, a 4ª Turma Cível do TJDFT, na APC 49.066/
98, cujo relator foi o Des. Mário Machado, reconheceu por
unanimidade a litigância de má-fé nos seguintes termos:
‘’Com toda razão pede a apelada a condenação da apelante como
litigante de má-fé. Sua pretensão, desde o ingresso dos embargos de
terceiro e, agora, com o recurso de apelação, esbarrando de frente
na coisa julgada e na Súmula n° 35, do STJ, revela-se manifestamente
protelatória. Usa a apelante do mecanismo recursal apenas para
retardar o cumprimento da obrigação, levantando tese, permissa vênia,
insustentável. Por isso, e com fundamento no artigo 17, inciso VII, e
no art. 18 do CPC, com a nova redação da lei n° 9.668/98, condeno
a apelante a pagar multa de 1% (um por cento) sobre o valor atualizado
da execução (e não da causa, porque a esta deu a apelante o irrisório
valor de R$ 120,00, provavelmente já com receio da sucumbência e
cominações legais) e a indenizar a apelada dos prejuízos sofridos, os
quais, de acordo com o parágrafo 2º do art. 18 do CPC, arbitro em
10% ( dez por cento ) sobre o valor atualizado da execução, além de
pagar-lhe honorários advocatícios, que arbitro, de acordo com o art.
20, § 4º, do CPC, em R$ 1.000,00 (um mil reais).’’
Como se vê, nesse caso não se considerou o valor da causa,
justamente por ser ele ínfimo, mas o da execução. No entanto,
quando se tratou de arbitramento, o próprio juiz decidiu pelo
percentual de 10% sobre a execução, e isso no momento do
julgamento. O problema aqui é que arbitramento passa a ser
considerado ‘’arbítrio’’ do juiz, quando na realidade implicaria
análise por perito contador ou outro capaz.
Apesar disso, parece ser esse o critério mais arrazoado,
principalmente considerando a sistemática do código de processo civil
e das decisões jurisprudenciais referentes a indenizações por perdas e
danos, que acabam se relacionando com a litigância de má-fé.
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9. Litigância Prejudicial Por Conduta Culposa
alguns autores, para definir o vocábulo culpa, inspiram-se em uma
concepção moral de culpabilidade, considerando apenas o aspecto
subjetivo; outros autores, baseiam-se no aspecto objetivo que
comparam o comportamento do agente a um tipo abstrato. Uma
das definições contempladas no Dicionário Aurélio, diz que culpa é a
violação ou a inobservância de uma regra de conduta, de que resulta
lesão do direito alheio.5
Outras definições podem ser encontradas como por exemplo no
Dicionário da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, dizendo que a
culpa é elemento subjetivo da infração cometida, compreendido pela
negligência, imprudência ou imperícia, podendo existir em maior ou
menor proporção, obrigando sempre a reparação do dano.6 A
definição, segundo Carrara, diz que é a voluntária omissão de diligência
em calcular as conseqüências possíveis e previsíveis do próprio fato.
A existência de alguma coisa, traz sempre consigo uma origem,
uma história, ou mesmo uma fundamentação para justificar sua
existência. Na culpa isso não ocorre de maneira diferente, sendo
pacífico por grande parte de doutrinadores, em afirmar que ela é
fundamentada na previsibilidade. Essa, tem o mesmo sentido de ver
antecipadamente, calcular, conjeturar, supor, subentender, pressupor
entre outros sentidos. A doutrina da previsibilidade impõe-se porque,
sem ela, é difícil fundamentar ou justificar um juízo de culpabilidade
ou de reprovação, pois, é somente fundado na possibilidade de se
prever o que não foi previsto, que se pode censurar alguém por não
ter tido conduta que evitaria o resultado danoso.
A previsibilidade, por sua vez, tem de ser aferida, pela observância
de alguns critérios: a) critério objetivo - que tem em vista o homem
médio, isto é, sua diligência e perspicácia. Previsível é o resultado
quando a previsão de seu advento pode ser exigido do homem comum
e normal, ou seja, do indivíduo que age com atenção e diligências
ordinárias, que são exigíveis das pessoas comuns; b) critério subjetivo rejeita o paradigma do homem médio, que é uma abstração, para
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa
Portuguesa, 2. ed., Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1986. p. 508.
6
SIDOU, J. M. Othon. Dicionário Jurídico - Academia Brasileira de Letras Jurídicas
Jurídicas, 4. ed., Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1996, p. 222.
5
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levar em consideração a personalidade do agente, ou seja, suas
personalíssimas como a idade, o sexo, o grau de cultura etc.7
Um terceiro critério pode ser mais justo para a aferição da
previsibilidade; trata-se da união dos dois primeiros critérios. Assim,
deve o juiz analisar primeiramente o fato em si, com suas
circunstâncias e exigir um tipo de conduta do homem médio e, em
segundo lugar, analisar a condição pessoal do sujeito e relacioná-la
com o fato ocorrido. Dessa forma, para iniciar discussão sobre a
existência de culpa, tem de se partir da seguinte assertiva ‘’Não há
culpa sem previsibilidade’’.
10. Modalidade de Culpa.
A imprevidência do agente, que dá origem ao resultado lesivo,
apresenta-se sob as seguintes formas ou modalidades de culpa: a)
negligência - comportamento caracterizado por uma conduta negativa;
deixar de fazer alguma coisa; ausência de precaução, inércia e
passividade. Decorre de inatividade material (corpórea) ou subjetiva
(psíquica) e reduz-se a um comportamento negativo. Negligente é a
pessoa que, podendo e devendo agir de determinada maneira, por
indolência ou preguiça mental, não age ou se comporta de modo
diverso; b) imprudência - comportamento caracterizado por uma
conduta positiva, perigosa. Trata-se de um agir sem a cautela
necessária. Consiste na atuação precipitada, insensata; c) imperícia falta de aptidão para o exercício de certa função; não qualificação
para realizar determinado ato. Consiste na incapacidade, na falta de
conhecimento ou de habilitação para o exercício de determinado mister.
11. A Conduta e o Dano Processual
Toda pessoa culpável ou responsável que cometer qualquer tipo
de conduta censurável contra outra pessoa, e que lhe cause alguma
espécie de dano, tanto na esfera patrimonial como também na moral,
7
NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal - Introdução e Parte Geral
Geral, 37. ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 141.
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enseja reparação civil através de ação própria. Esse tipo de conduta
acontece, via de regra, nas ações cotidianas em decorrência da vida
em sociedade, sendo pois, passíveis de reparação.
Em determinadas situações, o dano pode ocorrer em processo
judicial instaurado e em andamento, como afirmado alhures, ou
seja, o dano se configura através de uma conduta intencional de
uma das partes, que procura prejudicar o andamento do processo,
impedindo dessa forma, que a prestação jurisdicional ocorra de
forma mais célere.
Contemporaneamente, existem alguns questionamentos acerca
da ocorrência de dano através da conduta culposa das partes, do
interveniente e do advogado, bem como, a responsabilização
solidária das pessoas envolvidas no ato danoso. Imagine-se o
advogado mal preparado para o exercício da profissão, que
realizasse uma interpretação bisonha, esdrúxula ou ingênua, acerca
de uma norma jurídica e, que essa causasse retardamento ao
andamento do processo e, consequentemente, um dano à parte.
Certamente, não ensejaria uma responsabilização por conduta
dolosa, pois, o ato volitivo não tinha a intenção de causar o dano,
esse, pode ter ocorrido sob uma das modalidades de culpa.
O que dizer sobre o retardamento culposo por parte do réu em
depositar a importância devida para pagamento dos honorários
do perito ou de outro auxiliar do juízo ? E a impugnação realizada
em ato processual que já estava precluso? Ou ainda, do advogado
que deixa de confirmar a veracidade da prova colhida pelo cliente
e que será apresentada em juízo, tendo-se levantado suspeitas
sobre a adulteração do documento ? São exemplos hipotéticos de
condutas culposas passíveis de ocorrência em ações que podem
estar tramitando nos foros. Essas condutas causam,
consequentemente, um retardamento do andamento processual,
bem como um dano às partes, devido à demora em haver a
prestação jurisdicional.
Sabe-se que as condutas provenientes de litigância de má-fé
estão elencadas no artigo 17, do Código Processual Civil e são
passíveis de punição pecuniária uma vez caracterizada a atitude
dolosa. Entretanto, não existe nenhuma previsão legal sobre a
litigância prejudicial por conduta culposa no mesmo Diploma.
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12. Da Responsabilidade Por Conduta Culposa
O agente, uma vez tendo cometido um ato danoso proveniente de
uma conduta dolosa, deverá reparar o dano. Essa afirmação é
resultante da interpretação do artigo 927, do Código Civil Brasileiro,
que faz, também, referência aos artigos 186 e 187. Notadamente no
artigo 186, prevê-se a responsabilização por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência. Ressalte-se que essa
responsabilização é decorrente de conduta que ensejará o ingresso
de ação própria para exigir a reparação do dano, diferentemente da
responsabilização ora questionada, ou melhor, a responsabilização
por conduta praticada nos próprios autos.
Diante da verificação de um dano por conduta culposa e, mesmo
sem previsão expressa em norma, deve o agente ser responsabilizado
? Admitindo-se essa responsabilização, o advogado, por ter o
conhecimento técnico indispensável para a atuação em nome do
mandante, deve ser responsabilizado solidariamente ? Uma vez
caracterizada a culpa, a apuração das responsabilidades devem
ocorrer nos próprios autos ou em autos apartados ?
Os questionamentos acima levantados admitem respostas diversas,
tendo-se em conta que não existe previsão legal para a
responsabilização por conduta culposa praticada nos próprios autos,
porém, nestes casos, o bom senso também deve prevalecer. Assim,
afirma-se que a ausência de previsão legal não impede que haja a
responsabilização do agente, porque essa ausência poderá ser
substituída por outra forma, como por exemplo a analogia, os
costumes e a construção jurisprudencial.
13. Considerações Finais
A litigância de má-fé é um poderoso meio para prejudicar e abalar
a estrutura instrumental do processo, concorrendo para o não
cumprimento da verdadeira meta judiciária, que é a de resolver litígios
e promover a justiça. A nossa legislação é bastante rica e proporciona
uma atuação enérgica no sentido de acabar com tal atitude abusiva.
Em tempos de numerosas críticas ao poder judiciário acerca de sua
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morosidade, é dever do cidadão interessado protestar e,
principalmente, do juiz em defender os princípios que norteiam nosso
processo em repelir e sancionar quem, de má-fé, obstrua o caminho
do processo para a solução de conflitos.
O dever de reparar o dano é proveniente da configuração de uma
atitude dolosa e que cause prejuízo à parte, principalmente, pelo
retardamento do andamento processual, pois, desse retardamento
pode haver desdobramentos com as mais variadas conseqüências.
E quando o dano é proveniente de uma atitude culposa que resulta,
também, em um retardamento do andamento processual. Deve haver
a responsabilização, com a aplicação de uma sanção ?
A ausência de previsão legal expressa, não impede que os
magistrados apliquem sanções às partes que atuaram no processo
tendo essas, causado um retardamento do andamento processual,
implicando em prejuízo ou dano.
Críticas são ouvidas nas mais variadas classes sociais, quando se
trata da aplicação da justiça. A deficiência de recursos tecnológicos,
ausência de funcionários, excesso de número de processos e corrupção,
entre outras críticas, são manifestações que os membros da sociedade
exprimem a todo momento. Essas manifestações interferem,
indiretamente, em um desvirtuamento dos conceitos morais e éticos
construídos ao longo dos tempos, por que, ouve-se com certa
freqüência, que não existe mais vantagem em ser uma pessoa honesta
ou de bons costumes, ou ainda, o devedor de certa importância que
dispõe de uma gama enorme de recursos postos à disposição das
partes, acaba por dificultar o recebimento do crédito e aufere
vantagens decorrentes do inadimplemento.
Com isso, é lícito afirmar que o Poder Judiciário não pode deixar
sem resposta e com a devida sanção, àqueles que, uma vez tendo a
necessidade de buscar o provimento jurisdicional, não sejam
prejudicados por condutas dolosas e culposas praticados pelas partes.
Pode-se dizer que, a aceitação da idéia de aplicação de sanção
decorrente de conduta culposa, é uma nova concepção a ser discutida
e aplicada no âmbito do Poder Judiciário, e que pode, além de coibir
esses tipos de condutas, pode também auxiliar, indiretamente, no
resgate de alguns valores morais e éticos que, ultimamente, estão
sendo esquecidos pelos cidadãos.
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14. Referência Bibliográfica
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rocesso
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GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 6. ed., São
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JÚNIOR, Nelson Nery, Rosa Maria de Andrade Nery. Código de PProcesso
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Comentado. 4. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil.
2. ed., São Paulo: Millenium, 1998.
rocesso Civil
MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de PProcesso
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enal - Introdução e PParte
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NORONHA, E. Magalhães. Direito PPenal
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SANCHEZ, Alberto Arteaga. La Culpabilidad en la TTeoria
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Venezuela, 1975.
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de LLetras
etras Jurídicas
Jurídicas. 4. ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1996.
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ALGUMAS QUESTÕES CONTROVERTIDAS DO
PROCESSO CAUTELAR
Maristela Rodrigues de Lima1
Resumo: O tema objeto de estudo visa a um maior aprofundamento nos aspectos
do processo cautelar, sede de entendimentos doutrinários divergentes.
Primeiro, foi dado um enfoque com relação ‘a finalidade do processo
cautelar em nosso ordenamento jurídico e, posteriormente, delineadas
algumas de suas características, fundamentos para sua concessão e a
existência ou não de mérito no processo cautelar.
Abstract: The theme studied views a greater deepening on preventive process
aspects, base of divergent doctrinary understanding. First it focuses on
the judicial orders in preventive process, and secondly some
characteristics and foundations for its concession and existence or not
of merits in the preventive process.
Palavrachave: características, condições, posicionamentos.
alavra-chave:
1.Introdução
A necessidade de se garantir a eficientização da prestação
jurisdicional fez com que surgisse o processo cautelar no
sentido de suprir os danos irreparáveis causados pela demora,
visando, assim, a uma otimização da atuação jurisdicional.
Nesse sentido, contempla o presente estudo alguns aspectos
do processo cautelar, visando a um delineamento de seus
parâmetros dentro da nossa sistemática jurídica. Para isso,
foram trazidos à tona posicionamentos de alguns
doutrinadores, no sentido de melhor adentrar no campo de
atuação do processo cautelar.
Acadêmica do Curso de Pós Graduação em Direito Processual Civil na UNIGRAN. Trabalho apresentado no curso
de Pós graduação em Direito Processual Civil na UNIGRAN
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2. A Efetividade do Processo
Primitivamente, competia aos próprios titulares dos direitos
reconhecidos pelo Estado defendê-los e realizá-los; era a chamada
“justiça privada” ou “justiça pelas próprias mãos”, que não ajudava
em nada na solução pacífica dos conflitos e a conseqüente paz
social.2. Com o fortalecimento do Estado, os conflitos de interesses
passaram a ser resolvidos por este e não mais pelo particular. Assim,
o Estado assumiu a tarefa de aplicar o direito dentro de cada situação
de litígio bem como de fazer com que a parte cumprisse o que foi
determinado, ou seja, o Estado passou a ter a função, também, de
executar suas sentenças.
Dessa forma, instituiu-se a jurisdição, na composição dos
litígios; o Estado, diante da situação concreta, declara e
realiza a aplicação da lei. Como muito bem esclarece Ernane
Fidélis dos Santos: 3
“Seja para a realização prática do direito, a jurisdição, por seu próprio
escopo de fazer a justiça, não cumpre seu mister através de ato único,
mas de uma seqüência de atos. Tal soma de atos, que tem objetivo
certo e determinado, é o que se chama ‘processo’. ‘Processo é o meio
pelo qual a jurisdição atua”.
Quando tal situação é posta em prática, ou seja, com a
atuação da jurisdição, visando à composição dos litígios, o
processo, sendo uma soma de atos, exige um determinado
tempo para que sejam alcançadas suas finalidades, com base
nos princípios que o norteiam.
Muitas vezes, o transcurso do tempo exigido pelo trâmite
processual pode acarretar prejuízos irreparáveis às partes, como
por exemplo, a deterioração, o desvio, a alienação etc. Dessa
forma, não basta apenas a decisão judicial justa; deve haver
também uma garantia de que ela seja efetivada e que atinja o
fim precípuo de composição da lide.
Surgiu, então, a partir daí, o processo cautelar, visando a
assegurar que a sentença, ao final, não se tornasse inócua.
2
3
Humberto Theodoro Júnior. Curso de Direito Processual Civi
Civil, p.42.
Ernane Fidélis dos Santos. Manual de Direito Processual Civil, p. 295.
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O processo cautelar encontra-se disciplinado nos artigos 796
a 889, no Livro III, no Código de Processo Civil, de forma ampla
em sua estrutura e em seus procedimentos. A maioria dos
processualistas o vêem como um “tertium genus”, posto que o
equiparam ao processo cognitivo e executivo.4
3.Características do Processo Cautelar
O processo cautelar surge como um instrumento eficaz de segurança
e prevenção para a realização dos interesses e composição de litígios.
Segundo Humberto Theodoro Junior,5 ao citar a opinião de Carnelutti,
“a tutela cautelar existe não para assegurar antecipadamente um
suposto e problemático direito da parte, mas para tornar realmente
útil e eficaz o processo como remédio adequado à justa composição
da lide”. Nélson Nery Junior comunga desse mesmo entendimento
ao ensinar que “a finalidade do processo cautelar é assegurar o
resultado do processo de conhecimento ou do processo de
execução”6. Também, nesse sentido, pode-se citar Liebman quando
diz que “a ação cautelar é sempre ligada por uma relação de
complementariedade a uma ação principal já proposta ou cuja
iminente propositura já se anuncia. Essa relação reside no fato de a
cautela pedida ter o escopo de garantir o resultado útil da ação
principal”7. O que daí se extrai é que o processo cautelar assegura,
porém não satisfaz o direito assegurado, revelando uma de suas
características, a questão da instrumentalidade, já que visa a assegurar
o resultado prático de outro processo.
Contrário a esse entendimento, Ovídio Baptista da Silva defende a
existência de um direito substancial de cautela, chegando a afirmar
que as ações cautelares têm também um certo caráter satisfativo.
Primeiramente, analisaremos a questão da satisfação, o que
entende o referido mestre com a satisfação de um direito:8
“Nossa compreensão do que seja a satisfação de um direito
4
5
6
7
8
Luiz Alberto Hoff. Reflexões em torno do Processo Cautelar
Cautelar, p.8.
Humberto Theodoro Júnior. Processo Cautelar
Cautelar, p.53.
Nélson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery. Código de Processo Civil Comentado
Comentado, p.908.
Enrico Tullio Liebman. Manual de Direito Processual Civil
Civil, p.217.
Ovídio A. Baptista da Silva. Curso de Processo Civil
Civil, p.30.
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corresponde rigorosamente ao entendimento do senso comum, para
o qual satisfazer um direito é realiza-lo no plano social. Todo direito
e, correlativamente, todo o dever que grava o sujeito passivo,
obrigado a respeita-lo e cumpri-lo, têm em seu núcleo um
determinado verbo especial, através do qual é possível identificar a
respectiva ação(de direito material) que o realiza.”
Partindo de tal raciocínio é possível compreender que existem formas
de satisfação provisória de um, determinado direito, o que não tem
respaldo da doutrina em geral, já que para Chiovenda, para satisfazer
um direito no plano jurisdicional, basta declará-lo existente. Ovídio
Baptista da Silva cita como exemplo os alimentos provisionais, que
são tidos pelos processualistas em geral como cautelares e não como
satisfativos da pretensão alimentar, só que ,embora provisórios,
suprem uma necessidade imediata do alimentando, ainda que a
respectiva sentença lhe tenha dado o caráter de provisionais. Dessa
forma, o uso que o credor irá fazer deles, tanto em caráter provisório
quanto definitivo (declarado em sentença no Processo de
Conhecimento) será o mesmo.
Cada caso concreto irá fornecer dados sobre a satisfatividade ou
não da medida cautelar, já que, conforme cita o autor, no caso do
seqüestro, é evidente o caráter apenas assegurativo, já que “visa
assegurar a futura satisfação (realização) do direito assegurado”.9
Com relação ao direito substancial de cautela, o eminente
processualista entende ser totalmente procedente devido ao fato
da sentença mandamental representar uma forma de proteção
jurisdicional a um direito supostamente existente. Quando o juiz
“declara” que há plausibilidade do direito e que a parte é
merecedora da tutela cautelar pleiteada(fumus boni júris e
periculum in mora), configura-se aí, um caráter declarativo,
embora sem cunho de coisa julgada material, onde o juiz admite,
implicitamente, que a pretensão, posta em juízo, encerra um direito
plausível10. Nesse sentido, Luiz Alberto Hoff, preleciona que:
“O próprio código, ao permitir a postulação de medidas
cautelares inespecíficas, no art.798, estabelece claramente que o
objeto da ação cautelar não é a proteção do processo principal,
senão que uma tutela ao direito que esteja ameaçado de sofrer
9
10
Ovídio A. Baptista da Silva. Curso de Processo Civil
Civil, p. 32-33.
Luiz Alberto Hoff. Reflexões em torno do Processo Cautelar
Cautelar, p.9-11.
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lesão grave e de difícil reparação.”
Humberto Theodoro Júnior critica veementemente o
posicionamento de Ovídio Baptista da Silva, ao dizer que:
“A lide é uma só e se o direito a sua solução só vai ser satisfeito no
processo principal, que, obviamente, pode até resultar em um provimento
contrário à pretensão substancial da parte que provoca a tutela
jurisdicional cautelar, não vemos como defender a existência de um direito
substancial de cautela”.11
Para o processualista, a existência de um direito processual de
cautela entra em contradição com o entendimento que se tem hoje
do conceito de ação como direito abstrato e autônomo frente ao
direito material, isto é, como direito à tutela jurisdicional,
independente se for ou não procedente à pretensão substancial da
parte. E conclui, “Não é o direito material que assegura o exercício
dessa ação, mas o risco processual de ineficácia da prestação
definitiva sob influência inexorável do tempo que se demanda para
alcançar o provimento definitivo no processo principal”.
A instrumentalidade é tida por muitos doutrinadores como a
principal característica do processo cautelar e advém do artigo 796
do Código de Processo Civil que dispõe: “o procedimento cautelar
pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é
sempre dependente”. Humberto Theodoro Júnior, na mesma linha de
pensamento de Carnelutti, preleciona que:
“O processo cautelar, embora autônomo por seu objeto, não justifica sua
existência por si mesmo, mas pela relação necessária que guarda com
outro processo principal, isto é, de cognição ou de execução, ao qual
serve como instrumento de segurança de eficaz atuação”12.
Conforme dito anteriormente, tal característica não encontra
respaldo ao se considerar o posicionamento do professor Ovídio
Baptista da Silva, que vê o processo cautelar autônomo e independente
do processo principal.
O Eminente processualista Vicente Greco Filho, vê a
instrumentalidade de forma hipotética, com base em Calamandrei,
11
12
Humberto Theodoro Júnior. Processo Cautelar
Cautelar, p.60.
Ibid., p.61.
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pois além da medida estar a serviço de um processo, não depende
de que a decisão seja favorável ou não naquele processo. Segundo o
processualista, “protege-se um bem jurídico na hipótese de que, sendo
a sentença favorável ao requerente, esse precisa estar íntegro para
lhe ser entregue ou ser utilizado. A medida é concedida para que a
hipótese daquele que a pleiteia, tenha razão.”13
Outra característica do processo cautelar é a autonomia, uma
autonomia de caráter procedimental, já que depende
ontologicamente do processo principal. Essa autonomia é vista quando
se verifica que o resultado do procedimento cautelar pode não ser o
mesmo da ação principal, ou seja, a parte que obteve êxito na ação
cautelar pode não obter o mesmo resultado na ação principal,
segundo o que dispõe o art. 810 do Código de Processo Civil que
dispõe que “o indeferimento da medida não obsta a que a parte
intente a ação, nem influi no julgamento desta, salvo se o juiz, no
procedimento cautelar, acolher a alegação de decadência ou de
prescrição do direito do autor.” Segundo os ensinamentos de João
Carlos Pestana de Aguiar Silva, “na forma, o processo cautelar tem
vida autônoma. No fundo, não obstante, tem vida acessória ao
processo principal.”14
Em sentido diametralmente oposto, percebe-se o professor Ovídio
que vê a autonomia em inúmeros casos, embora a lei e a doutrina
entendam de outra forma. Para auxiliar na compreensão de tal
alegação, o processualista cita como exemplo a ação cautelar visando
à produção antecipada de provas, que não depende do ajuizamento
de uma ação principal, já que pode ocorrer que o autor da ação
cautelar nem mesmo tenha alguma ação que pudesse servir de ação
principal. Ou seja, “ela é autônoma no sentido de dispensar a
existência de uma ‘lide principal.’”15
O processo cautelar caracteriza-se, também, pela provisoriedade,
com base nos ensinamentos de Humberto Theodoro Junior, em
consonância com o entendimento de Chiovenda e Calamandrei, “no
sentido de que a situação preservada ou constituída mediante o
provimento cautelar não se reveste de caráter definitivo, e, ao
Vicente Greco Filho. Direito Processual Civil Brasileiro
Brasileiro, p.151.
João Carlos Pestana de Aguiar Silva. Síntese Informativa do Processo cautelar
cautelar, Revista Forense, v.247,
n.853-855, p.41-52.
15
Ovídio A. Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, p.108-109.
13
14
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contrário, se destina a durar por um espaço de tempo delimitado. De
tal sorte, a medida cautelar já surge com a previsão de seu fim.”16
Observação importante a ser feita é a questão da conceituação do
que é provisório e do que é temporário. Enquanto a provisoriedade
pressupõe o advento de outro provimento para substituí-la, a
temporariedade tem um caráter de independência, no sentido de que
a tutela cautelar vige, não importando o que venha depois. Luiz Alberto
Hoff exemplifica que “a provisoriedade, como ensinava Lopes da
Costa, nada tem a ver, v.g., com os andaimes de uma obra que,
embora temporários, não deverão ser substituídos por nada”. E
continua, “a barraca que o construtor constrói, enquanto não conclui
a casa definitiva, entretanto, é provisória, visto que destinada a ser
substituída por etc.17
Partindo da conceituação acima, verificamos que em se acatando
o conceito de provisoriedade para o processo cautelar, limitamos a
tutela cautelar como simplesmente um instrumento, conforme
delineado anteriormente quando nos referimos à questão da
instrumentalidade. Em sentido oposto, em se verificando a
temporariedade, cremos como procedente a tese de Ovídio A. Baptista
da Silva, ao dizer que o processo cautelar é uma forma de proteção
ao direito da parte.18
Por último, caracteriza-se o processo cautelar pela revogabilidade,
já que é possível que a medida seja substituída, modificada ou
revogada a qualquer tempo(art.805 e art.807 do Código de Processo
Civil). Em ocorrendo o desaparecimento da situação fática que havia
dado base para o acautelamento prestado pelo órgão jurisdicional,
conseqüentemente, cessa a razão de ser da cautela deferida.
4. Condições da Ação Cautelar
A ação cautelar sujeita-se, primeiramente, à análise das condições
genéricas da ação, ou seja, à possibilidade jurídica do pedido o
interesse de agir e a legitimatio ad causam. Além desses requisitos,
Humberto Theodoro Júnior, Processo Cautelar, p.66.
Luiz Alberto Hoff, Reflexões em torno do Processo Cautelar, p.15.
18
Ovídio A. Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, p.49-58.
16
17
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de acordo com o caput do art.801 do Código de Processo Civil,
vislumbra-se também a necessidade de demonstração do fumus boni
júris e do periculum in mora, que dispõe, in verbis:
“Art.801. O requerente pleiteará a medida cautelar em petição escrita, que
indicará:
I-a autoridade judiciária, a que for dirigida;
II-o nome, o estado civil, a profissão e a residência do requerente e do
requerido;
III-a lide e seu fundamento;
IV-a exposição sumária do direito ameaçado e o receio da lesão;
V-as provas que serão produzidas.”
O fumus boni júris representa a probabilidade e verossimilhança
do direito pleiteado, bastando, para isso, a existência do direito.
“A expressão fumus boni iuris significa aparência de bom direito, e é
correlata `as expressões cognição sumária, não exauriente, incompleta,
superficial ou perfunctória. Quem decide com base em fumus não tem
conhecimento pleno e total dos fatos e, portanto, ainda não tem certeza
quanto a qual seja o direito aplicável.”19
Não se verifica assim uma análise pormenorizada, pois decorreria
daí o perigo da demora e a conseqüente ineficácia do processo diante
do lapso de tempo decorrido. De acordo com Humberto Theodoro
Junior, o que se deve verificar, efetivamente, é se a parte dispõe do
direito de ação, ou seja, direito ao processo principal.20 Também,
com o mesmo entendimento, o eminente processualista Nélson Godoy
Bassil Dower.21
Quanto ao periculum in mora, entende-se como a demonstração
do perigo ocasionado pela demora, onde a parte requerente deve
demonstrar, com base em conceitos concretos, que poderão ocorrer
óbices ao processo principal, caso a medida cautelar não seja
deferida, frustrando posteriormente a prestação jurisdicional do
Estado.
Humberto Theodoro Junior22 cita os ensinamentos de Lopes da Costa,
Luiz Rodrigues Wambier(coord.), Teoria Geral do processo Cautelar, p.28.
Humberto Theodoro Júnior, Processo Cautelar, p.76.
21
Nélson Godoy Bassil Dower, Curso Básico de Direito Processual Civil, p.361.
22
Humberto Theodoro Júnior, Processo Cautelar, p. 77.
19
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“o dano deve ser provável e não basta a possibilidade, a eventualidade.
E explica: possível é tudo, na contingência das cousas criadas, sujeitas à
interferência das forças naturais e da vontade dos homens. O ‘possível’
abrange assim até mesmo o que rarissimamente acontece. Dentro dele
cabem as mais abstratas e longínquas hipóteses; A ‘probabilidade’ é o
que, de regra, se consegue alcançar na previsão. Já não é um estado de
consciência, vago, indeciso, entre afirmar e negar, indiferente. Já caminha
na direção da certeza. Já para ela propende, apoiado nas regras da
experiência comum ou da experiência técnica.”
Após uma breve explanação sobre o que seja fumus boni júris e
periculum in mora que devem ser demonstrados na ação cautelar,
passaremos, a seguir, ao posicionamento da doutrina no sentido
de situar tais elementos, o que tem gerado inúmeras discussões.
Para que se possa entender melhor a profundidade do tema, fazse necessário adentrar na questão do mérito da ação cautelar,
que abrange os elementos acima, de acordo com a linha de
posicionamento.
Segundo Humberto Theodoro Júnior e a maior parte da
doutrina, “a ação cautelar, é certo, não atinge nem soluciona o
mérito da causa principal. Mas, no âmbito exclusivo da tutela
preventiva ela contém uma pretensão de segurança, traduzida
num pedido de medida concreta para eliminar o perigo de
dano”. 23 Tal posicionamento encerra uma linha de pensamento
que vimos inicialmente quando discorremos sobre as
características da ação cautelar e seu caráter no sentido de
assegurar a utilidade e eficácia do processo principal, ou seja, a
questão da instrumentalidade e da natureza acessória do
processo cautelar. João Carlos Pestana de Aguiar e Silva, 24
João Carlos Pestana de Aguiar Silva, Síntese Informativa do
Processo cautelar,
“Seguimos, nesse ponto, os ensinamentos de ZANZUCCHI, LIEBMAN E UGO
ROCCO, dentre outros (LIEBMAN, ‘unità’, cit. In ‘Problemi’, p. 109; UGO
ROCCO, ‘Trattato di Diritto Processuale Civile’, vol. V, p. 33 e seg.). A decisão
cautelar não é de mérito, mas sim, quando muito, acessória do mérito da ação
principal. Mesmo após proferida, permanece o mérito intacto e indefinido.
23
24
Ibid., p. 73.
João Carlos Pestana de Aguiar Silva, Síntese Informativa do Processo cautelar, Revista Forense, v.247, n.853-855, p.42.
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Sua solução se dará pela sentença da ação principal. Se a primeira se situa
no juízo de probabilidade, a segunda contém um juízo de certeza. Ambas,
como bem ressalta LIEBMAN, se diferem essencialmente.”
E, na mesma linha de pensamento, já decidiu o Tribunal de
Justiça de São Paulo: 25
“MEDIDA CAUTELAR – Seqüestro – Acórdão que mantém a sentença
de 1º grau – Decisão que não produz coisa julgada material – Ação
rescisória incabível – Recurso improvido – Inteligência do art. 485 do
CPC – Declarações de votos vencedores e vencido.
A decisão que aprecia medida cautelar não examina o meritum
causae e nem produz coisa julgada material, dela não cabendo ação
rescisória, só admissível contra as decisões de mérito, a teor do art.
485 do CPC.”
Diante do exposto, observamos que, para tal corrente o fumus boni
júris e o periculum in mora são considerados como condições da
ação, já que não há decisão de mérito no processo cautelar.
Em lado diametralmente oposto, temos o posicionamento de
Ovídio Baptista da Silva que promove as condições acima como de
mérito, partindo da idéia da existência de um direito substancial de
cautela. Para ele, o processo cautelar possui uma lide específica,
diversa das outras eventuais lides que possam emergir do direito
acautelado. O mérito do processo cautelar está na segurança que se
pretende para o direito que se afirma existir. 26Partindo de tal
posicionamento, pertinente é a reflexão com relação à parte que não
provou suficientemente o fumus boni júris. Como irá proceder o juiz?
Irá declarar a parte carecedora da ação ou irá julgar improcedente
a cautelar? Julgará improcedente a ação, ou seja, houve uma decisão,
o magistrado adentrou no mérito da questão, ainda que
perfunctoriamente, sob o aspecto de um juízo de verossimilhança sobre
a existência do direito. E, de acordo com o art.269, I, do Código de
Processo Civil, quando o juiz acolhe ou rejeita o pedido do autor é
julgamento de mérito.
Segundo o Eminente Processualista, ainda que adentrando no mérito
da questão, o processo cautelar culmina em provimento não definitivo,
podendo ser revogado, de acordo com a modificação dos fatos
25
26
2aGr. Cs. Do TJSP, AR 73.137-1(AgRg), Rel. Des. Freitas Camargo, 24.04.86, Revista dos Tribunais.
Luiz Alberto Hoff, Reflexões em torno do Processo Cautelar, p. 12.
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trazidos à orla jurídica.
Vicente Greco filho posiciona-se no sentido de admitir a existência
de mérito em sede de cautelar: “Entendemos, porém, que são
requisitos ou pressupostos de procedência do pedido ou da pretensão
cautelar e, portanto, concernentes ao mérito cautelar. Se um deles
não estiver presente, a pretensão de proteção será improcedente.”27Há
ainda outra corrente que entende que o periculum in mora caracterizase como condição da ação cautelar, dentro do interesse processual e
o fumus boni júris caracteriza-se como exame de mérito. Só o perigo
da demora não é elemento suficiente para adentrar no mérito da
questão, mas o fumus boni júris sim, representando um juízo, ainda
que provisório.28
5. Natureza da Sentença Cautelar
Para aqueles que vêem o processo cautelar apenas como um
instrumento para a eficácia do processo principal, a sentença cautelar
classifica-se de acordo com cada caso concreto de atuação do
processo. Nesse sentido, Humberto Theodoro Júnior: 29
“Com efeito, há cautela que se dá a processo de execução, como o
arresto, em que se antecipa uma medida aparentemente executiva;
há outras que importam imposição à parte de uma prestação, como
se dá nos casos de alimentos provisionais, em que a sentença é
tipicamente condenatória; há, também, casos em que se altera a
relação jurídica entre as partes, suspendendo o dever conjugal de
convivência como ocorre no afastamento temporário de cônjuge do
lar conjugal(efeito constitutivo); em alguns casos há simples efeito
declaratório, como nas antecipações de prova; em outros, ainda, o
efeito é inibitório, impedindo que o titular de um direito o exerça,
como na sustação de protesto; e outros, impõe à parte uma prestação
positiva, como a exibição de coisa ou documento; e assim por diante.”
Em posição oposta, o Prof. Ovídio30 vê a sentença cautelar como
Vicente Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, p. 153.
José Maria Rosa Tesheiner, Elementos para uma teoria Geral do Processo, disponível em http://www.tex.pro.br/
wwwroot/livroelementos/capituloVII.htm.
29
Humberto Theodoro Júnior, Processo Cautelar, p. 162.
30
Ovídio A. Baptista da Silva, Curso de Processo Civil, p. 62.
27
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de caráter mandamental, conforme
ensinamentos:
se depreende de seus
“É impossível, finalmente, a construção de uma teoria coerente da tutela
de simples segurança sem a prévia aceitação da categoria das ações e
sentenças mandamentais. Somente uma categoria de sentenças que seja,
ao mesmo tempo, ato jurisdicional típico incapaz de produzir coisa julgada
e definitivo, no sentido de corresponder a uma espécie de tutela jurisdicional
que se completa com uma sentença que encerra uma determinada relação
processual, como qualquer sentença de mérito e, mesmo assim, não declara
a existência do direito assegurado, poderá ser apta a servir à finalidade a
que se destina a tutela cautelar”.
Para ele, a sentença proferida em ação cautelar consiste mais em
uma ordem que num julgamento propriamente dito, pois visa proteger
um direito apenas eventual, sem a necessidade de que seja declarada
a existência do referido direito.
6. Conclusão
Existem muitas questões controvertidas com relação ao processo
cautelar. A questão ainda não é pacífica, pois embora haja
predominância na doutrina no sentido de caracterizar o Processo
Cautelar como acessório ao processo principal, de autonomia apenas
técnica, tendo a finalidade precípua de dar garantia ao processo
principal, existem também outros posicionamentos, conforme
verificou-se no decorrer dos estudos apresentados.
As correntes estudadas são totalmente discrepantes com relação
às características, condições e funções do processo cautelar, pois o
enfocam de maneira diferente e, a partir desse referencial, os caminhos
se distanciam, pois as finalidades são distintas.
Analisando o tema atentamente, primeiramente entendemos que
o processo cautelar não visa dar garantias ao processo principal e
sim, proteger o próprio direito. A caracterização da instrumentalização
como característica principal do processo cautelar, faz com que o
coloquemos como acessório do processo principal, dependendo única
e exclusivamente deste tal entendimento transforma totalmente o
delineamento do processo cautelar e suas implicações. É óbvio que
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ele envolve o fator da temporariedade e revogabilidade, mas nem
por isso deve ser considerado como, simplesmente, um instrumento
do processo principal.
Torna-se ainda mais complexo o tema ao se vislumbrar a questão
do mérito no processo cautelar, já que a corrente predominante, de
inspiração caneluttiana, entende que a sentença proferida não é de
mérito, pois não possui um fim em si mesma, ou seja, não resolve a
lide do processo principal, o que não se encaixa na finalidade da
jurisdição que é a justa composição da lide, o que só seria possível
com a sentença proferida definitivamente. E, nessa problemática,
temos também o fumus boni júris e o periculum in mora que são
considerados como condições especifícas da ação cautelar pela
doutrina predominante, o que destoa com a existência de mérito no
processo principal. Assim, em se acolhendo a posição doutrinária do
eminente processualista Ovídio Baptista da Silva, tais requisitos
tornam-se matéria de mérito, pois ainda que superficialmente, o juiz
irá analisar a presença do fumus boni júris e do periculum in mora,
que, caso não estejam presentes, ocasionará a improcedência da
ação. O juiz não declara a existência do direito, mas afirma, diante
da situação concreta trazida ao processo, que a parte tem direito de
proteger o direito que ela diz existir. O mérito da ação cautelar foi
analisado de acordo com um juízo de verossimilhança e sob os
aspectos de urgência da ação cautelar.
Outro aspecto do processo cautelar é a sentença, pois de acordo com o
posicionamento do Prof. Ovídio, caracteriza-se pela mandamentalidade,
pois não constitui o direito, não faz coisa julgada e definitiva, não tem a
declaração como objetivo de sua composição. Tem um conteúdo
ordenativo porque é composta mais de ordem do que de juízo.
Ainda que diametralmente oposta a posição de Ovídio Baptista da
Silva, a partir de um ponto estabelecido, tudo o que se afirmou a partir
daí, tem total procedência dentro do nosso ordenamento jurídico.
Embora minoritária sua posição, contempla um embasamento sólido
e plenamente justificável. O que nos parece, com o estudo realizado, é
que muitos autores simplesmente acatam os ensinamentos da corrente
majoritária, sem se questionarem sobre seus aspectos e suas
implicações na temática jurídica. São poucos os que fazem referência
a outros posicionamentos doutrinários, pois a maioria tem como certos
e inquestionáveis os aspectos da ação cautelar.
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A importância do estudo foi primordial no sentido de se conhecer
outras linhas de pensamento e a partir daí, possibilitar o
desenvolvimento de uma consciência mais crítica e independente, a
capacidade de observar as questões sob ângulos diversos e poder
formar opiniões distintas, mas com uma sólida fundamentação.
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PROFISSÃO PROFESSOR: EXIGÊNCIAS ATUAIS –
UMA ANÁLISE¹
Pedro Rauber²
RESUMO
RESUMO: O artigo tem como objetivo destacar, historicamente, a gênese da profissão
do professor e identificar se há um corpo de saberes, de atributos, de técnicas
e um conjunto de normas e valores requeridos como específicos para o
exercício da Profissão Docente. Busca, também, compreender e interpretar
como historicamente a Profissão tem sido compreendida e tratada pelos
professores e também na esfera pública, para discutir como a incorporação
das “novas tecnologias” vem provocando mudanças no âmbito social,
político, cultural e como essas inovações tecnológicas interferem no exercício
da profissão docente e quais passam a ser as novas exigências e habilidades
requeridas para o exercício da profissão docente para, numa ação constante,
atingir o conhecimento construir e reconstruir a sociedade humana
fundamentada no bem, no belo e na justiça.
PALA
VRAS CHA
VE
ALAVRAS
CHAVE
VE:: Profissão Professor, Formação docente, atualidade.
Procura-se neste artigo, inicialmente através do discurso descritivo,
situar e compreender a gênese da profissão professor, estabelecendo
uma discussão a cerca do processo de profissionalização, para a
seguir, recorrendo ao discurso compreensivo, identificar se há um
corpo de saberes, de técnicas e um conjunto de normas e valores
específicos da profissão docente, para finalmente, analisar e discutir
como a profissão tem sido compreendida e tratada historicamente
pelos professores e também na esfera pública, para a partir daí
interpretar, se e como, as mudanças no âmbito econômico
denominado globalização ou a mundialização da economia
interferem e provocam mudanças no âmbito social, político, cultural
e no exercício da profissão docente.
Para compreender a profissão docente, recorremos primeiramente
a uma compreensão do termo Profissão, que, segundo Aurélio Século
XXI, significa:
¹ Texto elaborado originalmente para guiar as discussões na prova didática no Concurso Público para docentes da
UEMS – 11-12-2003.
² Professor de Didática no Curso Normal Superior da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS e de
Ciências Sociais Aplicadas na UNIGRAN. E-mail: [email protected]
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... Ato ou efeito de professar... Atividade ou ocupação especializada,
e que supõe determinado preparo. Que encerra certo prestígio pelo
caráter social ou intelectual. Carreira. Meio de subsistência
remunerado resultante do exercício de um trabalho, de um ofício....
Numa perspectiva sociológica o conceito de Profissão constitui o
que podemos designar por um “constructo”, dada a dificuldade em
detalhar os seus atributos. Na língua portuguesa, o termo adquiriu
um sentido muito amplo de “ocupação” ou “emprego”. Nos países
anglo-saxónicos, pelo contrário, o termo é aplicado para designar
as profissões liberais como “médico”, “advogado” ou “engenheiro”.
Os atributos destas profissões, transformaram-se em requisitos para
todas as atividades profissionais que tenham como objetivo
constituirem-se numa profissão, tendo para o efeito que possuir:
- Um saber especializado, aliado a práticas específicas que o
profissional necessita de dominar, adquiridas através de uma
formação profissional estruturada;
- Uma orientação de serviço. O profissional afirma-se perante outros
que exerce a sua atividade por motivos altruísticos, não se pautando
por interesses particulares.
- Um código deontológico que determina e regula o conjunto de
deveres, obrigações, práticas e responsabilidades que surgem no
exercício da profissão.
- Uma associação profissional, cujo objetivo seria, entre outros, o de manter
e velar pela ocupação dos padrões estabelecidos entre os seus membros.
Muitos autores têm reagido contra esta tipificação, tomada de
empréstimo às profissões liberais, por a mesma ser demasiado estática,
esquecendo-se as transformações que nas mesmas ocorreram,
nomeadamente a sua integração em organizações burocráticas, nas
quais os profissionais perderam grande parte da sua autonomia.
Segundo Nóvoa, (1995a), a segunda metade do século XVIII, é um
período chave na história da educação e da profissão docente. Por
toda a Europa procura-se esboçar o perfil do professor ideal. Deve ser
leigo ou religioso? Deve integrar-se a um corpo docente ou agir de
forma individual? De que modo deve ser escolhido ou nomeado? Quem
deve pagar o seu trabalho? Qual a autoridade de que deve depender?
Para Nóvoa (1995a), esse conjunto de interrogações inscreve-se
num movimento de secularização e de estatização do ensino, os novos
estados docentes instituem um controle mais rigoroso dos processos
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educativos, isto é, dos processos de reprodução (e de produção) da
maneira como os homens concebem o mundo. A estratégia adotada
prolongou as formas e os modelos escolares elaborados por muito
tempo sob a tutela da Igreja, mas que a partir do século XX cada vez
mais, passam a ser dinamizados por um corpo de professores
recrutados pelas autoridades estatais.
Mesmo que inicialmente a função docente tenha se constituindo,
uma ocupação secundária de religiosos e leigos das mais diversas
origens, a gênese da profissão de professor é geralmente atribuída
ao seio de algumas congregações religiosas que se transformaram
em verdadeiras congregações docentes. Ao longo dos séculos XVII e
XVIII, os jesuítas, os oratorianos, os lassalistas, os maristas e outras
congregações religiosas tem surgido inicialmente “para cuidar dos
pobres”, mas aos poucos foram, progressivamente configurando um
corpo de saberes e de técnicas e um conjunto de normas e de valores
específicos da profissão docente.
Nóvoa (1995a), considera que, a elaboração de um corpo de
saberes e de técnicas é a conseqüência lógica do interesse renovado
que a Era Moderna consagra ao porvir da infância e à
intencionalidade educativa que produzido quase sempre no exterior
do “mundo dos professores” por teóricos e especialistas vários.
Da mesma forma, a elaboração de um conjunto de normas e valores
é largamente influenciada por crenças e atitudes morais e religiosas. A
esse processo, inicialmente desenvolveu-se um sistema ético e um sistema
normativo essencialmente religioso que, mesmo quando a missão de
educar é substituída pela prática de um ofício, e a vocação cedia lugar
à profissão, as motivações originais não desaparecem. Nóvoa (1995a).
A intervenção do Estado, que aparece mais tarde, vai provocar uma
homogeneização, bem como uma unificação e uma hierarquização à
escola nacional, de todos estes grupos, que para Nóvoa, “é o
enquadramento estatal que constitui os professores em corpo profissional,
e não é uma concepção corporativa do ofício” (1995a: 32).
Um outro elemento a ser considerado na compreensão do processo
de profissionalização do professor é a criação das Escolas Normais,
através delas, o “velho” mestre-escola é definitivamente substituído
pelo “novo” professor de instrução primária. As Escolas Normais
produzindo a profissão docente (a nível coletivo), passam a contribuir,
talvez não intencionalmente, mas de forma decisiva, para a
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socialização dos seus membros e para a gênese de uma cultura
profissional.
A segunda metade do século XIX para Nóvoa (1995a) pode ser
considerado um momento decisivo, porém ambíguo para o processo
de profissionalização docente: não são burgueses, mas também não
são povo; não devem ser intelectuais, mas também tem de possuir
“um bom acervo de conhecimentos”; não são notáveis locais, mas
tem uma influência importante na comunidade; devem manter
relações com todos os grupos, mas não devem privilegiar nenhum
deles; não podem ter vida miserável, mas devem evitar toda
ostentação; não exercem o seu trabalho com independência, mas é
inútil que usufruam de alguma autonomia.
Nóvoa (1995a), ilustra de forma interessante o processo de
profissionalização do professorado e que serve bem para confirmar
a nossa análise, que segundo ele, envolve um corpo de conhecimentos
e é sustentado por um conjunto de normas e de valores que se produziu
e vem se produzindo historicamente.
Processo de Profissionalização do Professorado
ET
AP
AS
ETAP
APAS
AS:: Corpo de conhecimentos e técnicas e conjunto de normas
e valores
1ª etapa: Exercício em tempo integral (ou como ocupação principal)
da atividade docente. Isto começa a partir do momento, em que a
atividade não mais passa a ser encarada de forma passageira, mas
sim como um trabalho ao qual consagram uma parte importante de
sua vida profissional.
2ª etapa: Estabelecimento de um (estatuto) suporte legal para o
exercício da atividade docente. Isto começa a se efetivar a partir do
momento em que para a realização desta atividade, sejam detentores
de uma licença oficial, que confirma a condição de “Profissionais do
Ensino” e funciona como instrumento de controle e de defesa do corpo
docente (licenças para lecionar).
3ª etapa: Criação de Instituições específicas para a formação de
professores: sugeriram uma formação profissional, especializada e
relativamente longa, no seio de instituições expressamente destinadas
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para tal fim. A Escola Normal: “para garantir um aprendizado mínimo
em um tempo relativamente longo” e para instituir uma titulação.
4ª etapa: Constituição de Associações profissionais; os professores agora
começam a organizar-se em associações profissionais, que desempenham
um papel central e ponto de apoio no desenvolvimento de um espírito de
corpo na defesa do estatuto socioprofissional dos professores.
Neste processo devem ser consideras duas dimensões:1. Possuem
um conjunto de conjunto de conhecimentos e de técnicas necessárias
ao exercício qualificado da atividade docente: seus saberes não são
meramente instrumentais, devendo integrar perspectivas teóricas de
tender para um contato cada vez mais estreito com as disciplinas
cientificas.2. Aderem a valores éticos e normas deontológicas, que
regem não apenas o quotidiano educativo, mas também as relações
no interior e no exterior do corpo docente.
Mesmo que a análise do processo de profissionalização possa
sugerir sempre uma evolução linear inexorável. Nada de mais errado.
A afirmação profissional dos professores é um percurso repleto de
conflitos, de hesitações e de recuos. O campo educativo está ocupado
por inúmeros atores (Estado, Igreja, Família, etc.) e muitas vezes,
imbricado de interesses e ideologias que sentem a consolidação do
corpo docente como uma ameaça aos seus interesses de projetos.
Neste sentido, a história nos aponta que o movimento associativo
docente tem uma história de poucos consensos e de muitas divisões:
norte/sul, progressistas/conservadores, católicos/laicos, nacionalistas/
internacionalistas, etc. A compreensão do processo de
profissionalização exige, portanto um olhar atento às tensões que o
atravessam e que se movimentam, assumindo formas e identidades
que constantemente vão se reconstruindo e reconfigurando.
Estamos vivenciando a passagem do século XX para XXI e um dos
fatos mais importantes que estamos presenciando é a globalização
ou a mundialização da economia, um momento repleto de “novos
conflitos”, de “novas hesitações” e de “novos recuos” e de “novas
hesitações”, que podem não ser tão novos assim, mas este fenômeno
está diretamente relacionado ao desenvolvimento histórico da
sociedade capitalista, estratificada em classes sociais, a qual produz
mudanças de relações de produção e consumo e para tal requer
trabalhadores, novos consumidores e “novos profissionais do ensino”
e “um novo homem”.
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Novas tecnologias são inventadas a todo instante, demandando
dos profissionais de todas as áreas um novo perfil na condução dos
trabalhos. O mercado do trabalho está exigindo e valorizando homens
competitivos, que saibam se utilizar da informática, Internet, que
tenham habilidades comunicativas e cognitivas. A questão da
“competência” também tem sido constantemente enfatizada e o lema
“aprender a aprender” tem recebido grande destaque nos últimos
tempos. Todas essas transformações interferem em várias esferas da
vida social, provocando mudanças no âmbito social, político, cultural,
assim como nas escolas e no exercício da profissão do docente.
Tal preocupação também vem permeado as discussões sobre o
processo de formação de professores, que, de acordo com Marin
(1996), é bastante antiga, no entanto, continua uma problemática
atual, uma vez que a produção teórica em torno desta temática, para
quem trabalha na área é objeto fundamental de investigação.
Nóvoa (1995a, 1995b, 1995c), ao escrever sobre as dimensões
pessoais e profissionais dos professores, valendo-se de uma
retrospectiva histórica, mostra que os estudos sobre a formação e
atuação de professores, de forma geral, foram marcados por uma
separação entre o eu pessoal e o eu profissional. No final da década
80, começaram a ocorrer estudos que tiveram o mérito de “recolocar
os professores no centro de debates educativos e das problemáticas
da investigação” (Nóvoa, 1995c, p. 15), contribuindo para
compreender a complexidade dessa profissão e das atuais
sociedades, o que exige por parte dos professores uma ampla
preparação profissional e maior autonomia na condução de suas
atividadesprofissionais.
Os trabalhos de Nóvoa e de muitos outros trouxeram uma nova
perspectiva nos estudos dos professores, resgatando a influência da
individualidade do professor no desempenho de sua profissão.
Referindo-se à questão da profissão professor, Sacristán (1995, p.
65) entende “por profissionalidade a afirmação do que é específico
na ação docente, isto é, o conjunto de comportamentos,
conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a
especificidade de ser professor”.
A profissão, no entendimento de Pophkewitz (1995), “é uma palavra
de construção social”, cujo conceito muda em função das condições
sociais em que as pessoas o utilizam. Tem relação com o modo como
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o termo profissionalização é usado no contexto propriamente sóciopolítico onde a prática pedagógica se desenvolve. O conceito do
que é profissionalidade docente não é estático, sendo, portanto,
constantemente elaborado.
Para Libâneo (1998, p. 90), profissionalismo “significa
compromisso com um projeto político-democrático, participação na
construção coletiva do projeto pedagógico, dedicação ao trabalho
de ensinar a todos, domínio da matéria e dos métodos de ensino,
respeito à cultura dos alunos, assiduidade, preparação de aulas, etc.”
Os professores, no contexto atual, vivenciam as conseqüências de
uma situação de mal-estar, provocadas por mudanças recentes na
educação. Essa situação de mal-estar pode ser representada pelos
sentimentos que os mesmos têm diante das circunstâncias que o próprio
processo histórico produziu em termos de educação, como
desmotivação pessoal e, muitas vezes, abandono da própria profissão,
insatisfação profissional, percebida através de pouco investimento e
indisposição na busca de aperfeiçoamento, esgotamento e “stress”,
como conseqüência do acúmulo de tensões, depressões, ausência de
uma reflexão crítica sobre a ação profissional e outras reações que
permeiam a prática educativa e que acabam, em vários momentos,
provocando um sentimento de autodepreciação (Esteve, 1995).
Além de abordar sobre essa situação de mal-estar, a produção
científica em torno de questões da profissionalização docente tem
destacado a necessidade da formação reflexiva dos professores,
Alarcão (1996) esclarece que, na década de 80, começaram a ser
difundidas as idéias de Donald Schön, que despertaram considerações
sobre a abordagem reflexiva na formação de professores.
O conceito de professor reflexivo emergiu, inicialmente, nos
Estados Unidos em oposição ao movimento que enfatizava a
aprendizagem de técnicas, ao racionalismo técnico, considerando,
então, que o professor deve ser encarado como um intelectual em
contínuo processo de formação.
Schön fundamentou suas pesquisas na teoria da indagação de
John Dewey, filósofo, psicólogo e pedagogo norte-americano que
muito influenciou o pensamento pedagógico contemporâneo e o
movimento da Escola Nova.
Campos e Pessoa (1998) afirmam que Dewey foi um crítico das
práticas pedagógicas que pregavam a obediência e a submissão e
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que a educação, no seu entender, “está continuamente reconstruindo
a experiência concreta, ativa e produtiva de cada um” (p. 187). Gerardi,
Messias e Guerra (1998, p. 248) esclarecem que Dewey “definiu a
ação reflexiva como uma ação que implica uma consideração ativa
e cuidadosa daquilo que se acredita ou que se pratica, iluminada
pelos motivos que a justificam e pelas conseqüências a que conduz”
e que “a busca do professor reflexivo é a busca do equilíbrio entre a
reflexão e a rotina, entre o ato e o pensamento”. A ação reflexiva
envolve intuição, emoção e não é somente um conjunto de técnicas
que podem ser ensinadas aos professores.³
Zeichener e Liston, nos Estados Unidos, também trabalham com a
perspectiva do professor reflexivo. No entanto, seus estudos distinguemse dos de Schön e mesmo de sua fonte inspiradora básica, Dewey. Para
estes autores, conforme Geraldi, Messias e Guerra (1998, a reflexão
não é um ato solitário, como Schön propõe, mas um ato coletivo.
Diante das atuais circunstâncias, a proposta de formação de professores
na perspectiva do professor reflexivo salienta o aspecto da prática como
fonte de conhecimento através da reflexão e da experimentação. Onde o
papel do formador consiste mais em facilitar a aprendizagem, em ajudar
a aprender, o que sugere um repensar o processo de formação dos
processos de formação de professores, que devem então, propor situações
de experimentação que permitam a reflexão, assim como os professores
precisam refletir sobre o papel de ensinar.
Nesse sentido, Libâneo (1998) esclarece que a tarefa de ensinar a
pensar exige do professor o conhecimento de estratégias de ensino e
o desenvolvimento de competências de ensinar. O professor necessita
então, aprender a regular as suas próprias atividades de pensamento
e, principalmente, “aprender a aprender”.
O ensino reflexivo, mesmo quando analisado sob diferentes óticas
teórico-metodológicas, dá ênfase às preocupações com a experiência
pessoal e com o desenvolvimento profissional de professores. Retomando
³ Mizukami et all (1998) esclarece que numa revisão feita por Sparks-Langer, o autor propõe que sejam consideradas
três abordagens sobre o significado exato de professor reflexivo: a cognitivista, a crítica e a da narrativa. As três
abordagens não são excludentes entre si,. Neste trabalho não nos deteremos nessa classificação. De acordo com
esses autores, os “estudos sobre o pensamento do professor, sobre ensino reflexivo, sobre base de conhecimento
sobre o ensino, apesar da diversidade teórica e metodológica que os caracterizam, têm apontado para o caráter de
construção do conhecimento profissional, para o desenvolvimento profissional ao longo do exercício da docência
para a construção pessoal desse tipo de conhecimento” (Mizukami et all, 1998, p. 491). Embora Schon tenha
influenciado grande parte dos estudiosos que atualmente realizam investigações nessa linha teórica, ainda não há
consenso quanto ao significado exato do que seja professor reflexivo.
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as idéias de Nóvoa, é necessário um investimento na pessoa do professor
e na sua profissão. O que pode constituir-se numa política de valorização
do desenvolvimento pessoal-profissional dos professores.
Diante das abordagens acima, apontadas e perante as
transformações e inovações tecnológicas que na atualidade se
processam de forma cada vez mais rápida, exigindo das pessoas
novas habilidades e novos conhecimentos, muitos ainda não
dominados, é oportuno e nunca demais lembrar que o
conhecimento e a capacidade de lidar com inúmeras informações
se torna cada vez mais uma exigência a todos os profissionais,
em particular dos profissionais da educação.
Além de ter de enfrentar esses novos desafios, na sua própria
profissão, e considerando a função de preparar seus alunos para
as exigências do mundo globalizado onde lhes são exigidas cada
vez mais uma visão do todo, que sejam capazes de agir diante
das mais diversas situações, que sejam críticos e criativos, capazes
de desenvolver o pensamento reflexivo e interagindo com todos e
tudo o que está à sua volta, para que o aluno possa então, atingir
o conhecimento (episteme). Essa busca não se limita a descobrir
apenas a verdade dos objetos, mas algo bem mais superior: chegar
à contemplação das idéias morais que regem a sociedade – o
bem (agathón), o belo (to kalón) e a justiça (dikaiosyne).
Posto isso, cabe-nos o desafio: Diante das atuais transformações
em curso na sociedade e no mundo do trabalho, quais passam
ser as novas exigências educacionais da profissão docente?
Até que ponto, a nossa ação pedagógica está contribuindo para
que os alunos possam desenvolver na totalidade suas
potencialidades e contribuir, para numa ação constante para
atingir o conhecimento construir e reconstruir a sociedade humana
fundamentada no bem, no belo e na justiça?
Eis o desafio que nos pode ser cobrado e renovado a cada
momento, sob novas luzes, que devemos desvendar e enfrentar.
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RESENHA
James Gallinati Heim1
Livro: Acesso à justiça e os mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos
Autor: Francisco das Chagas Lima Filho
Editora: Sérgio Antônio Fabris Editor
Ano: 2003. 351p.
O livro é a materialização de um trabalho da lavra de um operador
do direito que dedica a sua vida e seus dias de trabalho entre a
magistratura e a docência na cidade de Dourados-MS. Ao defrontarse com a tarefa de elaborar a sua dissertação de mestrado do
Programa de Pós-Graduação interinstitucional em Direito do Estado
promovido pela parceria UnB/Unigran supera em muito os limites de
compromisso acadêmico e realiza uma obra que representa uma
verdadeira contribuição para o mundo editorial jurídico brasileiro.
Um trabalho de pesquisa jurídica que nasce no terreno do direito
constitucional estando centrada no tema “acesso à justiça” em que
vislumbra a problemática dos mecanismos judiciais e extrajudiciais
capazes de promover a solução de conflitos partindo de um ideal
democrático formal/institucional que é o binômio constituição/
cidadania. E neste momento são oportunas as palavras de José
Geraldo de Souza Junior, que no prefácio da obra afirma ser este
livro “mais que a sustentação do acesso à justiça como um direito de
caráter fundamental à uma ordem justa, não estando limitado ao
simples acesso à Jurisdição, ao processo, o autor procura demonstrar
que o efetivo acesso da população a Justiça depende essencialmente
da mudança de postura de todos os envolvidos no processo de
distribuição de justiça, passando por um modelo de desenvolvimento
econômico-social voltado para os anseios da população e que seja
capaz de eliminar a miséria e reduzir a pobreza com uma distribuição
eqüitativa de bens primários”.
Partindo de uma linguagem técnica e clara o livro apresenta uma
estrutura lógico-jurídica que se compõe a partir de cinco capítulos
articulados entre si, que são: Capítulo I - Dos valores e princípios;
1
Professor do Curso de Direito da UFMS. Mestre em Direito e doutorando em Direito – PUC-SP.
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Capítulo II - O direito como instrumento de pacificação dos conflitos;
III - Acesso à justiça; IV - Limitações do acesso à justiça; e Capítulo V Acesso à Justiça: Problema ético-social. Aqui, optamos por fazer uma
análise da obra examinando o conteúdo de cada um dos seus capítulos
de forma objetiva e que permitirá entender como o autor trata do tema
acesso à justiça sob uma dinâmica onde é essencial se privilegiar a
utilização de mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos.
No capítulo I, a forma de abordagem dos valores e princípios
nos remete, num momento inicial, a enfrentar uma série de questões
relacionadas a “teoria Geral do Direito” onde valores fundamentais
como a liberdade, legalidade, legitimidade são relacionados com o
ideal de justiça e os modos de realização dos valores jurídicos pela
sociedade concebida sob à égide do Estado democrático de direito.
Para ilustrar a preocupação do autor em fundamentar suas idéias na
melhor doutrina, é oportuno destacar aqui, a relação dos cinco
postulados universais de justiça citados por Recaséns Siches, que são:
1. Verdade. A justiça exige um acordo com a verdade objetiva, daí porque
exige que todas as afirmações sobre fatos e relações devem ser
objetivamente verdadeiras, assim como devem ser também as declarações
trazidas pelas pessoas implicadas em um problema de Direito;
2. Generalidade do sistema de valores que sejam aplicáveis. Desde o
ponto de vista aceito, seria injusto selecionar arbitrariamente diversos
sistemas de valores para considerar vários casos do mesmo tipo;
3. Tratar como igual o que é igual debaixo do sistema de valores aceito ou
adotado. É injusto discriminar arbitrariamente entre iguais; e aqui
“arbitrariamente” significa em contradição com o sistema adotado;
4. Nenhuma restrição da liberdade. Deve adotar a dos requerimentos da
ordem de valores adotados;
5. Respeito às necessidades da natureza, em sentido mais estrito dessa
expressão. É injusto impor uma sanção pelo não cumprimento de um preceito
que não pode ser cumprido, ou seja, que pertence ao campo da
impossibilidade física ou mental, ou social.
E mais adiante, já no final deste primeiro capítulo, o autor nos faz
recordar os primeiros ensinamentos da graduação de direito, ao discorrer
sobre a distinção entre direito e moral e nos leva a entender que os
princípios do constitucionalismo moderno estão direcionados na posição
de consagrar os chamados direitos de 3.ª geração onde a cidadania só
pode ser alcançada reconhecendo-se os direitos difusos e coletivos.
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O segundo capítulo intitulado o direito como instrumento de
pacificação dos conflitos é uma verdadeira aula sociologia
jurídica, em que o autor destaca o quanto é atual a expressão latina
ubi societas, ibi ius - ibi ius, ibi societas, que afirma onde existe
sociedade, existe também o direito, e vice-versa, e que muitas vezes
esquecemos ao longo do tempo, como também, temos uma
reafirmação de que o fundamento do direito é a natureza do Homem,
e que este tende a agir, em sociedade, segundo uma concepção do
justo. A partir de um dos preceitos fundamentais do direito, que nos é
oferecido pelo direito romano através da máxima dar a cada um o
que é seu, o autor nos leva a enfrentar problemática do conflito de
interesse e ao final destaca as duas formas de solução concebidas
pelo direito que são (a) os mecanismos judiciais; e (b) os mecanismos
extrajudiciais de solução de conflitos.
No capítulo seguinte, com a mesma técnica jurídica, analisa a
matéria sob o prisma dos princípios constitucionais o acesso à justiça
justiça.
E num primeiro momento, a preocupação é mostrar o acesso à justiça
como uma problemática relevante para o direito. A seguir, vislumbra
os contornos do acesso à justiça fixados pela passagem do tempo
através de comentários da doutrina estrangeira e nacional oferecendo
uma perfeita análise histórico-evolutiva da matéria desde sua origem
até os dias atuais, e nos levando a entender que hoje, principalmente
com o advento da Constituição de 1988, o acesso à justiça é um direito
fundamental. E, para finalizar o capítulo, insere a questão do acesso à
justiça, no âmbito jurídico, como direito fundamental que dispõe de
um tratamento legal e uma proteção constitucional efetivos, através
do inciso XXXV, do art. 5.º da Constituição Federal, o que nos leva a
enfrentar as duas formas de visualização do acesso à justiça e a
necessidade de fazer uma escolha entre elas. Neste sentido, optamos
por utilizar as próprias palavras do autor para indicar o caminho a ser
seguido: a primeira visão é aquela que “atenta-se apenas para a
possibilidade do acesso à justiça pela via judicial, o que é um grande
equívoco, pois o acesso à justiça além de não poder ser limitado à
possibilidade de ingresso em juízo (...)”, e a outra visão é aquela em
que “o acesso à justiça não se resume na existência de um ordenamento
jurídico que seja capaz de regular as atividades individuais e sociais,
mas, ao mesmo tempo, deve ter aptidão de distribuir legislativamente,
de forma justa os direitos e faculdades substanciais”.
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Afirma ainda o autor: “Nessa ótica, o acesso à justiça deve ser
compreendido no sentido de toda atividade jurídica passando pela
criação de normas, sua interpretação, integração e aplicação, com
justiça, isto é, o acesso deve ser compreendido num sentido abrangente
que vai desde a criação das normas até sua concreta e justa aplicação.”
Demonstrando erudição e facilidade no trato dos conteúdos
relativos a Teoria Geral do Processo no capítulo IV faz a relação
necessária entre o acesso a justiça e o direito processual sob ótica de
verdadeiras limitações do acesso à justiça
justiça. Neste capítulo destaca
o problema dos obstáculos existentes principalmente no campo do
direito processual ao acesso à justiça e propõe soluções que tem como
idéia central a implementação de uma democracia participativa,
onde o cidadão dotado de educação política passa a colaborar
diretamente com a sociedade e não mais, esperar pela ação do
Estado paternalista para solucionar seus problemas. Em mais de cem
páginas o autor busca dar ao leitor os subsídios necessários para
entender a complexidade e amplitude da temática representada pelo
acesso à justiça enquanto problemática jurídico-processual.
No Capítulo V o acesso à justiça ganha os contornos de problema
ético social, importância destacada no final do século XX. Exatamente
neste último capítulo o autor faz aflorar suas mais profundas
preocupações sobre a solução de conflitos monopolizada pela via
judicial, enraizada e assimilada pela cultura jurídica brasileira. E a
partir daí, esclarece sobre os custos desta visão limitada de um
exercício da atividade jurisdicional centrada no mecanismo judiciário
estatal para a sociedade. Sem perder a oportunidade de centralizar
seus comentários na figura do Estado e os seus três poderes faz uma
relação do acesso à justiça com os poderes judiciário, legislativo e
executivo de forma individualizada, sempre com a preocupação de
situar a questão na esfera jurídica. A idéia é chamar atenção para o
fato de que o tema acesso à justiça tem uma vinculação direta com a
dignidade humana, porém a concretização desse direito é um
problema social denominado de inclusão social e que atinge a
milhões de pessoas e no campo jurídico e que requer uma mudança
de mentalidade dos chamados operadores do direito.
Depois de mergulhar por mais de trezentas páginas recheadas de
informações e posicionamentos firmados na melhor doutrina em
conclusão, o autor oferece as suas considerações finais firmadas a
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partir de suas convicções e posicionamento como homem engajado
na sociedade em que vive, e nada melhor que suas próprias palavras
para retratar sua obra: “O presente trabalho teve por objetivo
contribuir para a discussão e para o debate da questão do acesso à
justiça, na visão de esse direito é um direito de natureza ético-social
fundamental para a realização do homem como pessoa humana e
não apenas como um sujeito de direitos e obrigações perante a ordem
jurídica. Afinal, na medida em que a Constituição reconhece a
existência e a eminência da dignidade da pessoa humana, a
transforma num valor supremo da ordem jurídica, ao declará-lo como
um dos fundamentos da República Federativa do Brasil constituída
em Estado democrático de direito”.
Aqui se faz necessário reafirmar que o livro é fruto de uma pesquisa
profunda, porém acessível ao estudante de direito sem, contudo, perder
em conteúdo e complexidade o que atende as exigências de qualquer
um dos profissionais da carreira jurídica sejam eles: advogados,
promotores, procuradores de órgãos públicos, juízes, defensores
públicos etc. É uma obra indispensável para o acervo nas bibliotecas
jurídicas de nosso país, em especial, as de universidades, dos tribunais
e dos órgãos públicos, e principalmente, das bibliotecas particulares
dos profissionais das mais diferentes carreiras jurídicas como fonte
para consulta obrigatória sobre o tema acesso à justiça.
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REVISTA JURÍDICA UNIGRAN
NORMAS GERAIS PARA A PUBLICAÇÃO DE TRABALHOS
A Revista Jurídica Unigran é uma publicação de divulgação científica
da Faculdade de Direito do Centro Universitário de Dourados. Esta
publicação incentiva a investigação e procura o envolvimento de seus
professores e alunos em pesquisas e cogitações de interesse social,
educacional, científico e tecnológico. A Revista Jurídica aceita artigos
de seus docentes, discentes, bem como de autores da comunidade
científica nacional e internacional, mesmo que já tenham sido
publicados em outro periódico científico. Publica artigos, notas
científicas, relatos de pesquisa, estudos teóricos, relatos de experiência
profissional, revisões de literatura, resenhas, nas diversas áreas do
conhecimento científico, sempre a critério de sua Comissão Editorial.
Solicita-se observar as instruções a seguir para o preparo dos trabalhos,
os quais devem seguir o formato dos artigos aqui publicados.
1. Os originais devem ser apresentados em papel branco de boa
qualidade, no formato A-4 (21,0cm x 29,7cm) e encaminhados
completos, definitivamente revistos, com o máximo 15 páginas,
digitadas em espaço 1,5 entre as linhas. Recomenda-se o uso de
caracteres Times New Roman, tamanho 12, em uma via,
acompanhada de disquete (de 3,5”), de computador padrão IBM PC,
com gravação do texto no Programa Word for Windows e, se possível,
enviar o Artigo pelo e-mail [email protected]. Somente em casos
muito especiais serão aceitos trabalhos com mais de 15 páginas. Os
títulos das seções devem ser em maiúsculas, numerados
seqüencialmente, destacados com negrito. Não se recomenda
subdivisões excessivas dos títulos das Seções.
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Português, aceitando-se textos em Inglês e Espanhol.
3. Os trabalhos devem obedecer à seguinte ordem:
- Título (e subtítulo, se houver). Deve estar de acordo com o conteúdo
do trabalho, conforme os artigos aqui apresentados.
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- Autor(es). Logo abaixo do título, apresentar nome(s) do(s) autor(es)
por extenso, sem abreviaturas. Com numeração, colocado logo após
o nome completo do autor ou autores, remeter a uma nota de rodapé,
relativa às informações referentes às instituições a que pertence(m)
e às qualificações, títulos, cargos ou outros atributos do(s) autor(es).
O Orientador, co-orientador de Trabalhos de Graduação,
Dissertações e Teses passam a ser co-autores em textos originados
destes trabalhos.
- Resumo. Com o máximo de 250 palavras, o resumo deve apresentar
o objeto estudado, seu objetivo, como foi feito (metodologia),
apresentando os resultados, conclusões ou reflexões sobre o tema,
de modo que o leitor possa avaliar o conteúdo do texto.
- Abstract. Versão do resumo para a língua Inglesa. Caso o trabalho
seja escrito em Inglês, o Abstract deverá ser traduzido para o
Português (Resumo).
- Palavras-chave (Key words). Apresentar duas a cinco palavraschave sobre o tema.
- Texto. Deve ser distribuído de acordo com as características próprias
de cada trabalho. De um modo geral, contém: 1- Introdução; 2Desenvolvimento; 3- Considerações finais; 4- Referências
Bibliográficas.
- Citações dentro do texto. As citações textuais longas (mais de três
linhas) devem constituir um parágrafo independente, apresentadas
em bloco. As menções a autores no decorrer do texto devem
subordinar-se ao esquema numérico (referência de rodapé), com a
primeira referência completa e as demais podem vir abreviadas
(op. cit. p. ou Ibidem, p. ).
- Referências Bibliográficas. Elas devem ser apresentadas ao final
do trabalho, em ordem alfabética de sobrenome do(s) autor(es),
como nos seguintes exemplos:
a)Livro: SOBRENOME, Nome. Título da Obra. Local de publicação:
Editora, data.
Exemplo:
PÉCORA, Alcir. Problemas de Redação. 4 ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1992.
b) Capítulo de Livro : SOBRENOME, Nome. Título do capítulo. In:
SOBRENOME, Nome (org.). Título do Livro, Local de publicação:
Editora, data. Página inicial-final.
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c) Artigo de periódico: SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Título
do periódico, local de publicação, volume do periódico, número do
fascículo, página inicial-página final, mês(es).ano.
Exemplo:
ALMEIDA JÚNIOR, Mário. A economia brasileira. Revista Brasileira
de Economia, São Paulo, v. 11, n.1, p.26-28, jan./fev.1995.
d) Teses e Dissertações: Sobrenome, nome. Título da Dissertação
(ou tese). Local. Número de páginas (Categoria, grau e área de
concentração). Instituição em que foi defendida. Data.
Exemplo:
BARCELOS, M.F.P. Ensaio tecnológico, bioquímico e sensorial de soja
e guandu enlatados no estádio verde e maturação de colheita. 1998.
160 f. Tese (Doutorado em Nutrição) – Faculdade de Engenharia de
Alimentso, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
e) Outros: Consultar as Normas da ABNT para Referências
Bibliográficas.
4. As Figuras (desenhos, gráficos, ilustrações, fotos) e tabelas devem
apresentar boa qualidade e serem acompanhados de legendas breves
e claras. Indicar no verso das ilustrações, escritos a lápis, o sentido da
figura, o nome do autor e o título abreviado do trabalho. As figuras
devem ser numeradas seqüencialmente com números arábicos e
iniciadas pelo termo Figura, devendo ficar na parte inferior da figura.
Exemplo: Figura 4 - Gráfico de controle de custo. No caso das tabelas,
elas também devem ser numeradas seqüencialmente, com números
arábicos, e colocadas na parte superior da tabela. Exemplo: Tabela
5 – Cronograma da Pesquisa. As figuras e tabelas devem ser impressas
juntamente com o original e quando geradas no computador deverão
estar gravadas no mesmo arquivo do texto original. No caso de
fotografias, desenho artístico, mapas, etc., estes devem ser de boa
qualidade e em preto e branco.
5. O encaminhamento do original para publicação deve ser feito
acompanhado do disquete e com a indicação do software e versão
usada.
6. O Conselho Editorial avaliará sobre a conveniência ou não da
publicação do trabalho enviado, bem como poderá indicar correções
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ou sugerir modificações. A cada edição, o Conselho Editorial selecionará,
dentre os trabalhos considerados favoráveis para publicação, aqueles
que serão publicados imediatamente. Os não selecionados serão
novamente apreciados na ocasião das edições seguintes.
7. Os conteúdos e os pontos de vista expressos nos textos são de
responsabilidade de seus autores e não apresentam necessariamente
as posições do Corpo Editorial da Revista de Direito do Curso de
Direito do Centro Universitário de Dourados- UNIGRAN.
8. Originais. A Revista não devolverá os originais dos trabalhos e
remeterá, gratuitamente, a seus autores, dez exemplares do número
em que forem publicados.
9. O Conselho Editorial se reserva o direito de introduzir alterações
originais, com o objetivo de manter a homogeneidade e a qualidade
da publicação, respeitando, porém, o estilo e a opinião dos autores.
10. Endereços. Deverá ser enviado o endereço completo de um
dos autores para correspondência. Os trabalhos deverão ser enviados
para:
UNIGRAN - Centro Universitário de Dourados.
Rua Balbina de Matos,
79.824-900 - Dourados - Mato Grosso do Sul - MS.
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