DESFAZENDO OS MITOS SOBRE A CRIATIVIDADE Eunice M.L.Soriano de Alencar1 Criatividade é um recurso precioso de que dispomos e que necessita ser desenvolvido e melhor aproveitado, especialmente neste momento da História, marcado por mudanças drásticas, incerteza, turbulência, instabilidade e fortes pressões competitivas. A sua importância é de tal ordem que a criatividade tem sido inclusive apontada como habilidade de sobrevivência para o próximo milênio. Em nossa sociedade, entretanto, muitos são os mitos e idéias errôneas que continuam profundamente arraigados a seu respeito, bloqueando e inibindo um uso mais efetivo de nosso potencial para criar. Um destes mitos é a concepção da criatividade como algo apresentado apenas por gênios e artistas ou a sua visualização como uma característica inata e que, portanto, não pode ser ensinada ou aprendida. Outra idéia errônea que necessita ser desfeita é a consideração da criatividade como dependendo apenas de fatores do próprio indivíduo como de suas habilidades de pensamento, atributos de personalidade e bagagem de conhecimentos, desqualificando o importante papel da educação, do ambiente de trabalho e da sociedade para o reconhecimento e estímulo da capacidade de criar. A visualização da criatividade como uma questão de tudo ou nada, sendo alguns indivíduos considerados criativos e outros não, deve também ser revista, bem como a idéia de que a criatividade ocorreria apenas em atividades artísticas, desconsiderando-se que a mesma pode se manifestar nas mais diversas atividades e em qualquer área de atuação. Também a idéia de que a criatividade depende apenas da inspiração do indivíduo deve ser questionada, pois muitos outros fatores individuais, como preparação, conhecimento, comprometimento, dedicação, disponibilidade de tempo e de recursos contribuem para a produção criativa, além de outros do ambiente de trabalho e do contexto sócio-histórico-cultural. Sabe-se, por exemplo, que a criatividade sofre uma influência poderosa das condições presentes no ambiente onde a pessoa trabalha: em um clima marcado por relações de desconfiança, 1 Ph.D. em Psicologia pela Universidade de Purdue, USA; professora titular da Universidade Católica de Brasília; autora de inúmeros livros e artigos especialmente na área de criatividade, entre eles Criatividade (Editora da Universidade de Brasília). Como Desenvolver o Potencial Criador (Editora Vozes), A Gerência da Criatividade (Makron Books) e O Processo da Criatividade (Makron Books). normas rígidas, precário sistema de comunicação e ausência de uma política de incentivo e recompensa às novas idéias, dificilmente a criatividade irá florescer. O que tem sido ainda apontado por inúmeras pesquisas, e é grande o volume de dados acumulados neste sentido, é que todo ser humano é criativo (alguns mais, outros menos, dependendo tanto de fatores pessoais quanto dos valores e normas da sociedade, a par de fatores de ordem histórico-cultural) e que os poderes da mente humana, ainda pouco explorados, são, sem sombra de dúvida, ilimitados. O que temos observado, contudo, é que a criatividade, recurso humano natural, tem sido severamente inibida por obstáculos de natureza emocional e social e por um sistema de ensino que tende a subestimar as capacidades criativas do aluno desde os primeiros anos de escola e a reduzi-la abaixo do nível de suas reais possibilidades. Temos constatado ainda que o sistema educacional possibilita o desenvolvimento de uma parcela muito limitada do potencial de cada aluno, desempenhando a educação um papel inibidor ao desenvolvimento das habilidades e talentos de cada indivíduo, uma vez que na escola tende-se a salientar especialmente a extensão da incompetência, da incapacidade e da ignorância do aluno, e não o que cada um tem de melhor, fazendo com que muitos internalizem uma visão limitada de seus próprios recursos, aptidões e habilidades. Isto transparece em enunciados que certamente todos nós escutamos com uma certa frequência, como, por exemplo, "eu sei que não sou capaz de...", "eu não tenho a menor criatividade", "eu já nasci deste jeito e não adianta tentar", gerando um grande desperdício de talento e de potencial humano, fruto dessa visão pessimista dos recursos e possibilidades de cada um. Se estivermos interessados em fazer uso de nosso potencial para criar, é necessário que cultivemos alguns traços, como flexibilidade, persistência, autoconfiança e abertura a novas experiências. É necessário também que cultivemos o hábito de buscar sempre por muitas idéias e soluções para qualquer problema, mantendo-nos abertos a muitas possibilidades e perspectivas, uma vez que, como lembrou Szent-Gyorgyi, prêmio Nobel de Bioquímica, "criatividade consiste em ver o que tudo mundo vê e pensar o que ninguém ainda pensou". Ademais, é preciso cultivar recursos que nos possibilitem defender contra as críticas comuns às novas idéias, uma vez que muitos são os comentários que podem matar uma idéia, como, por exemplo, "isto não vai dar certo", "nós não estamos preparados para mudar", "nunca fizemos isto antes", ou "estamos indo muito bem sem isto". Devemos também conscientizar-nos dos bloqueios internos que nos impedem de um melhor aproveitamento de nosso potencial e que se traduzem por comentários do gênero "eu tenho medo de errar", "eu não sou capaz", "eu nunca fiz isto antes e por isto não vou tentar", "eu não quero mudar", deixando de lado muitas idéias inovadoras, além de manter bloqueado o nosso potencial parar criar e para inovar.