Joaquim Shiraishi Neto
“Novo” Direito e “Novos” Movimentos
Sociais
Joaquim Shiraishi Neto1
Resumo
En Brasil, con la emergencia de los nuevos movimientos sociales que se enmarcan en el concepto
de identidad étnica - asi si conceptuando y siendo conceptuados - hay una tentativa de los operadores
del derecho en comprender la dinámica de estos procesos. Por una parte los interpretes del derechos
intentan, en esfuerzo teórico, en el sentido de traer las demandas a la agenda jurídica tradicional que
siempre se presentó indiferente a estas cuestiones, por outra, la mayor capacidad de organizacion y
movilización de estos grupos sociales hizo con que el enfretamiento se presentase como una alternativa.
Es posible en estos momentos identificar las diferentes estratégias y acciones de los grupos sociales
que se presentan delante de los tradicionales y nuevos antagonistas, enmarcado, con distincion, por
las luchas jurídicas locales. El reconocimineto jurídico de la pluralidad de la sociedad brasileña sirve
como una fuerte argumentación para garantizar y posibilitar la demanda por los derechos. Las discusiones acerca del pluralismo juridico son retomadas y ganan nuevos significados y padrones jurídicos.
En este proceso el derecho es um poderoso instrumento, utilizado como el guion de los procesos de
movilización política y de construccion de nuevas identidades.
Palabras claves: Nuevos movimientos sociales; pluralismo jurídico; lucha jurídica local.
Abstract
In Brazil, with the emergency of the “new” social moviments, which are defined and autodefined
by ethnical identity criterias, there is an attempt, by the interpreters of the law, to understand the
dynamics of this process. If in one hand we have the law interpreters making a theorical effort to
incorporate the demands to the legal agenda, that always demonstrated indifference to these issues,
in the other hand, the greater capacity of organization and mobilization of these social groups made
the legal confrontation an alternative. It´s possible to identify different strategies and actions of
these social groups, that face the “traditional” and “new” antagonists, which have a distinctive, and
considered commom aspect: the “legal localized battle”. The legal recognization that the brasilian
society is a “plural society”, has been a powerful argument used to guarantee and revindicate the
rights. The arguments towards the notion of “juridical pluralism” are retaken with a new significance
and setting “new” legal standerd. In this process, the law has been a powerful tool used to guide the
political mobilization process and also used to build new identities.
Keywords: New social movements, legal pluralism, legal localized battle.
1
Advogado. Professor do Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas. Líder do Grupo de Pesquisa : Direito, Comunidades Tradicionais e Movimentos Sociais. Pesquisador do
Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA-PPGSCA-UFAM-F.Ford).
Fecha de recepción: Febrero del 2009. Fecha de aceptación: Marzo del 2009
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Introdução
As reflexões em torno do ordenamento jurídico tendem “apagar” a possibilidade
da existência de outros direitos que possam estar para além ou aquém dos limites
de seu tempo e espaço2. Os juristas procuram coincidir o espaço jurídico com a
sociedade, modernamente com o Estado3. Trata-se do dogma da completude do
ordenamento jurídico, que consiste na propriedade do direito regulamentar toda
e qualquer situação que exista de fato4. Esta leitura formal do direito privilegia
a interpretação das normas e a coerência do ordenamento.
Percebe-se que o formalismo excessivo utilizado para compreender os fenômenos sociais e econômicos tem impedido a interpretação dos processos de extrema
complexidade, que se colocam distantes da forma como o direito se produz, reproduz
e difunde. A recusa em se admitir a insuficiência do ordenamento jurídico, enseja a
necessidade de revisitar o próprio direito e, nesse sentido, as reflexões dogmáticas
procuram se atualizar e o fazem por meio da apropriação da noção de “pluralismo
jurídico”, que sempre foi tomada como algo residual do direito positivado5.
O “pluralismo jurídico” era formulado segundo o campo jurídico por historiadores6 e sociólogos7 do direito. Eles se utilizavam dessa noção operacional para
demonstrar a insuficiência do ordenamento jurídico, bem como para descrever as
situações da realidade que não se encontravam catalogadas no direito. Contudo, as
reflexões jurídicas mais recentes reconhecem o fato de que a sociedade brasileira é
uma “sociedade plural”8. Para essa análise, “o pluralismo é uma realidade, pois a
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Carbonnier procura (des)naturalizar as noções jurídicas de espaço e tempo. Lembra que “o espaço jurídico tem
por suporte natural um território”, entretanto exemplifica a situações dos grupos nômades. Enquanto que uma
tribo cigana pode se constituir num espaço jurídico sem domínio territorial, outros grupos podem compreender
certa noção de território, como área de deslocação (Carbonnier, 1978, 349).
Carbonnier (1978, 356).
Bobbio (1999).
As reflexões sobre a noção de “pluralismo jurídico” eram realizadas em espaços não dogmáticos por envolverem
dimensões outras de uma discussão jurídica. Os debates mais sistematizados em torno dessa noção foram realizados por sociólogos do direito. Dentre os trabalhos, ver: Gurvitch (1946) e Carbonnier (1978).
No interior das reflexões jurídicas, vale destacar o trabalho de Bobbio sobre “pluralismo jurídico”. O autor procura distinguir os ordenamentos jurídicos não estatais do estatal (Bobbio, 1999, 164). A despeito de situá-los no
mesmo plano, numa concepção aparentemente dialética, procuram dotá-los dos mesmos elementos caracterizadores dos ordenamentos estatais, cuja forma e rigidez são elementos imprescindíveis para a sua existência. Tal
entendimento de matiz nitidamente positivista do que seria ordenamento jurídico tende a levar ao processo de
“absorção”, da “recusa” ou “indiferença” do ordenamento estatal em relação ao não estatal, sobretudo por não
possuírem esses elementos caracterizadores, o que lhes retira a condição de ordenamento jurídico.
Já Santos procura identificar os contextos em que aparece o “pluralismo jurídico”. Além do contexto colonial,
onde se verifica o direito do Estado colonizador em face do “direito tradicional”, temos as situações em que os
Estados adotam o direito europeu como instrumento de modernização e de consolidação do poder; as situações
de revolução social, onde um “direito tradicional” entra em conflito com o “direito revolucionário”; e as situações
em que os povos são submetidos ao direito do conquistador (Santos, 1988, 64-78).
Wolkmer (2001).
As reflexões sobre a noção de “pluralismo jurídico” procuram explicitar diferentes situações. Para Faria, as
limitações do direito positivo que se relevam incapazes de superar os problemas decorrentes do desenvolvimento
e expansão do capitalismo, faz emergir espaços infra e supra legais, sendo que os primeiros sem interferência
e os segundos com interferência dos Estados (Faria, 2002, 60-78).
A despeito do resultado da análise que se preocupa em identificar a “unidade plural” da sociedade, é importante
destacar o trabalho do Reale no âmbito do direito, pois esse autor reafirma o fato de que “somos substancialmente
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sociedade se compõe de uma pluralidade de categorias sociais, de classes, grupos
sociais, econômicos, culturais e ideológicos”9. Optar pelo seu reconhecimento, impõe
uma ruptura com os esquemas de pensamento jurídico tradicionais e a necessidade
de repensá-los à luz das discussões do “pluralismo jurídico”.
A diversidade importa no acatamento de “práticas jurídicas” diferenciadas,
nem sempre catalogadas, e que necessitam ser incorporadas às reflexões jurídicas, para garantir direitos efetivos à diversidade de sujeitos e grupos sociais, que
sempre ficaram distantes dos tratamentos jurídicos10.
As dificuldades de interpretar os fenômenos sociais à luz dos padrões jurídicos
tradicionais, sempre ficaram evidenciadas diante dos fatos11, embora, os intérpretes
preferissem ignora-los, já que a todo custo procuravam enquadrar as situações
aos dispositivos legais, apesar de reconhecerem as dificuldades12.
Nesse sentido, o processo em curso que valida o pluralismo na ordem jurídica,
importa, também, no reconhecimento de que a norma se origina de uma situação
particular e que se universaliza no ambiente jurídico. O discurso jurídico e o “senso teórico comum dos juristas”13 têm garantido a produção, reprodução e difusão
da universalidade da norma jurídica, “livre” de qualquer tipo de interesses que
possam maculá-la.
Os resultados do reconhecimento de que a sociedade brasileira é plural, implica
numa ampliação dos problemas, em decorrência do grau de disputas acirradas,
que se colocam por vezes de forma contraditória no interior da sociedade14.
Observa-se que o critério de identidade étnica15 contribui com uma maior capacidade dos grupos sociais de exercerem mobilização política para reivindicarem
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uma sociedade plural que somente pode ser compreendida mediante uma série de fatores e circunstâncias que
se interligam de maneira complementar e dinâmica.” (Reale, 2001, 23). Aliás, essa análise de que somos uma
“sociedade plural”, já havia sido anunciada em um outro período pelo mesmo autor (Reale, 1963).
Silva (2007, 143).
No contexto das discussões, vale retomar a polêmica gerada em torno da “morte” da Constituição Dirigente,
nos moldes desenhados por Canotilho, a respeito da necessidade de se repensar a Constituição Federal de 1988
para além dos esquemas comumente acionados, sobretudo numa época de “cidadanias múltiplas” e “múltiplos
de cidadania”. Para esse constitucionalista português pensar o direito a partir desses esquemas seria prejudicial
ao próprio cidadão.
Já no final do século XIX e início do século XX há toda uma literatura jurídica a respeito do tema, da dificuldade
das leis frente os fatos. Entre os autores, consultar: Geny (1899); Morin (1945); Cruet (2003).
A propósito da necessidade do direito “enquadrar” as situações para encontrar a sua “natureza jurídica”, vale
a pena ver as discussões em torno do “mutirão” se se trata de qual espécie de contrato. Após discorrer sobre as
situações que envolveria o que foi designado como “mutirão”, Freitas Marcondes chega a seguinte conclusão:
“podemos concluir que o mutirão é uma convenção consuetudinária de trabalho, sinalagmática, onerosa, `sui
generis´, tendo por fundamento o solidarismo humano.” (Freitas Marcondes, 1949, 112). Além desse, outros
exemplos também poderiam ser perfilados. A respeito do enquadramento jurídico do “faxinal”, no Estado do
Paraná, ver: Gevaerd Filho (1986).
Warat (1994, 13).
Silva (2007, 143).
Almeida enfatiza o fato de que os movimentos sociais na região Amazônica se consolida fora dos marcos tradicionais dos Sindicatos, incorporando critérios étnicos, que expressam a diversidade de formas de existência
coletiva (Almeida, 2006, 21-26).
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direitos. A organização e mobilização dos povos e comunidades tradicionais se
constituem em um importante instrumento para enfrentar as situações concretas,
que se evidenciam nos processos de disputas pelos territórios.
Nesse intenso processo vivenciado pelos grupos sociais, o enfrentamento
jurídico tem sido uma arena de luta privilegiada. A manifestação política dos
movimentos, nas mais diversas situações, revela diferentes estratégias e ações,
que se coloca em face dos seus antagonistas.
Um traço distintivo, que pode ser comum a todos esses grupos sociais, é o que
pode ser denominado de “luta jurídica localizada”16. Trata-se de um neologismo
aqui utilizado para que se tenha um conceito operacional que possa explicitar
os processos de mobilização dos povos e comunidades tradicionais em torno das
discussões jurídicas. A “luta jurídica localizada” se verifica na medida em que
os grupos organizam um conjunto de ações e de estratégias para ter acesso aos
meios jurídicos e ao Poder Público, responsável pela atendimento e execução das
medidas eventualmente propostas.
Os esforços dos grupos sociais em manter a “luta jurídica localizada” decorre do emprego de diversas práticas, que não se encontram referidas ao aspecto
discursivo, por isso impõe formas próprias. Junto às Câmaras Municipais e Assembléias Legislativas dos Estados, os povos e comunidades tradicionais além de
participarem das audiências públicas17 para discutir projetos que lhes afetam direta
ou indiretamente, apresentam proposições por meio de representantes, as quais
têm se transformado em leis18; em discussões com Poder Executivo tem discutido
16 O processo vivenciado por esses grupos sociais de promover a “luta jurídica localizada” se encontra em sintonia
com o conjunto de reflexões jurídicas a respeito da “democracia participativa”. Para Bonavides, trata-se de introduzir uma “nova legitimidade”, cuja base seria o cidadão (Bonavides, 2008). Aliás, para Sen, o exercício dos
direitos políticos é fundamental às pessoas, no sentido de garantir a participação, a reivindicação e formulação
de propostas. Os direitos políticos não são apenas fundamentais para demandar respostas políticas, mas tem
um papel construtivo na “conceituação das necessidades” (Sen, 2000, 173-187).
17 Embora o sistema de consulta e participação esteja previsto na Convenção n.169 da OIT, esse procedimento não
é adotado pelos diversos órgãos públicos, quando da realização de atividade que possa atingir direta ou indiretamente os povos e comunidades tradicionais. Percebe-se que os procedimentos de consulta e de participação
são utilizados ou não, consoante sensibilidade do titular do órgão envolvido.
Em 10 de julho de 2007, as Comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, de Direitos Humanos
e Minorias e da Amazônia, Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional realizaram uma Audiência
Pública, na Câmara dos Deputados para discutir o PL n.213/ 2007, que “dispõe sobre a proteção da derrubada
de palmeiras de babaçu nos estados do Maranhão, Piauí, Tocantins, Pará, Goiás e mato Grosso.”, apresentado
pelo Dep. Domingos Dutra. Essa audiência somente foi realizada em virtude de um requerimento pessoal do
referido deputado. O Regimento Interno da Câmara dos Deputados não consta nenhum artigo que determine a
realização de audiência pública em caso de projetos de lei que possam atingir povos e comunidades tradicionais.
18 Recentemente, foi aprovado o PL n.231/ 2007, no Estado do Tocantins, que “dispõe sobre a proibição da queima,
derrubada e do uso predatório das palmeiras de babaçu e adota outras providências.” Em 2007, a “rede puxirão”,
no Estado do Paraná, conseguiu após a realização de uma audiência pública, a aprovação do Projeto de Lei n.477/
07, que “dispõe sobre o Sistema Faxinal e o processo de reconhecimento dos faxinalenses no Estado do Paraná.”
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e firmado determinadas medidas19, traduzidas em políticas específicas20; e em
discussão com o Ministério Público Estadual e Federal apresentam e discutem a
particularidade de seus problemas para a defesa de seus direitos21.
Observa-se que há uma apropriação das “práticas” e do discurso jurídico,
na medida em que esse campo tem se demonstrado extremamente favorável às
disputas políticas. As Declarações22 e Convenções23, que foram incorporadas recentemente ao nosso ordenamento jurídico, vêm permitido uma maior apropriação
das “práticas jurídicas” pelos “novos” movimentos sociais.
As Declarações e Convenções Internacionais
Até bem pouco tempo sequer poder-se-ia imaginar, em função do grau de
“universalização” e “abstração” do direito, que os instrumentos internacionais
das Declarações e das Convenções aqui utilizados, pudessem estar referidos às
situações diretamente vivenciadas por povos indígenas e comunidades tradicionais. Não se pode esquecer que o próprio direito sempre foi concebido como
sendo “universal”, “abstrato” e, portanto, a–histórico. Para além dessas noções,
que se encontram profundamente enraizadas num direito estatal, o direito tem
reivindicado uma “homogeneidade universal”, compromissada com um “projeto
global de sociedade”24.
Uma resultante de tudo isso foi à criação de “ficções jurídicas”, como a do “sujeito de direito”, que se encontra destituído de suas raízes profundas. A primazia
da forma em detrimento do conteúdo tem levado os “sujeitos de direito” a uma
19 Em Curitiba, os ciganos da Associação de Preservação da Cultura Cigana (APRECI) conseguiram da Prefeitura
Municipal a outorga de permissão e uso de uma área para a implementação do Memorial da Cultura Cigana,
segundo o Decreto n.889/ 2004. É interessante observar que o Art.6 do referido Decreto determina a vigência
do contrato por um período de 90 (noventa) dias, período exíguo se levado em consideração os objetivos contidos
no Decreto.
20 No âmbito desse processo, vale destacar o Decreto de 27 de dezembro de 2004, que “cria a Comissão Nacional
de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais e dá outras providências”; e o Decreto n.6.040,
de 7 de fevereiro de 2007, que “institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.”
21 Na Comarca de São Luís Gonzaga, no Estado do Maranhão, o MP do Estado propôs uma ação civil pública, com
pedido de liminar, proibindo a derrubada de palmeiras de babaçu. Tal ação originou-se de uma representação
da Secretaria da Mulher do Sindicato de Trabalhadores Rurais de São Luís Gonzaga.
No Estado do Paraná, a partir de representações formuladas pelos faxinalenses junto ao Ministério Público
do Estado, foram propostas duas ações civis públicas, com pedido de liminar, proibindo o cercamento de uma
parte da área do faxinal. No “Seminário de Direitos Étnicos e Coletivos”, que foi realizado na sede da Fundação
Escola do Ministério Público do Estado do Paraná, entre os dias 19-20 de agosto de 2008, o representante do
MP se dispôs atuar conjuntamente na defesa dos direitos dos povos e comunidades tradicionais do Estado.
22 Trata-se da Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural de 2002 e da Declaração das Nações Unidas
sobre os Direitos Humanos dos Povos Indígenas de 2007.
23 No caso, estamos nos referindo as seguintes Convenções: Convenção sobre Diversidade Biológica (Decreto n.2.519,
de 16 de março de 1998); Convenção n.169 da OIT sobre os Povos Indígenas e Tribais ( Decreto n.5.051, de 19
de abril de 2004); e Convenção sobre Proteção e Promoção da Diversidade de Expressões Culturais de 2005 (em
curso no Congresso Nacional).
24 Para Bourdieu há um intenso movimento que tem a pretensão de criar uma “homogeneização jurídica”, a fim
de que possa atender os propósitos de determinados grupos econômicos dominantes que atuam em toda parte
(Bourdieu, 2001, p.107).
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espécie de “invisibilidade”, destituindo esses sujeitos de quaisquer elementos que
possam qualificá-los, perdendo as suas especificidades enquanto tal.
Ao incorporar essas “novas” dimensões e conteúdos explicitadas nos dispositivos internacionais, mesmo sabendo que esses representam formas de dominação,
aqui tomando a noção de Focault sobre o significado de dispositivo, é possível
vislumbrar uma dimensão do direito, que extrapola as noções pré-determinadas,
obrigando-nos a um mergulho em um “novo” modus operandi, cuja força motriz
faz com que se reflita acerca das estruturas e o seu modo de funcionamento.
Os recentes dispositivos internacionais deram ênfase a outros elementos
constitutivos da noção de sujeito de direito, permitindo um alargamento e uma
melhor qualificação do sujeito. Além da dimensão individual, incorpora uma outra
dimensão de sentido coletivo e que se refere à noção de povos.
Nesse conjunto de dispositivos, importam destacar a Convenção n.169 da
OIT. Além de ser um Tratado Internacional, contêm uma especificidade por se
tratar de matéria relacionada aos direitos dos “povos indígenas e tribais”, tidos
como fundamentais. O entendimento de que o direito dos “povos indígenas e tribais” é direito fundamental tem conseqüências importantes, entre as quais a sua
aplicação imediata (§1° do Art.5° da CF de 1988), não sendo necessário nenhum
dispositivo que regulamente. É o §2°, do Art.5°, que garante a recepção dos direitos
enunciados nesses dispositivos.
Importa assinalar que os dispositivos jurídicos internacionais e nacionais
adotam diferentes termos e expressões com praticamente os mesmos significados
para designar as situações que dizem respeito aos grupos sociais portadores de
identidade étnica e coletiva25. A Convenção n.169 atribui o mesmo peso aos “povos
indígenas” e “tribais”, na medida em que não faz nenhuma distinção de tratamento
a esses grupos. Mantendo-os em separado, todavia, alarga as possibilidades de
maior abrangência e inclusão de outros grupos sociais.
As situações vivenciadas por esses grupos não se vinculam necessariamente
a um período temporal ou a um determinado lugar. O que deve ser considerado
no processo de identificação é a forma de “criar”, de “fazer” e de “viver”. Para a
Convenção, o critério de distinção dos sujeitos é o da consciência, ou seja, da autoatribuição. Nesse sentido, tem provocado e promovido uma verdadeira ruptura com
o mundo jurídico, que sempre esteve vinculado aos intérpretes autorizados da lei.
25 Para “populações indígenas” – Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB); “populações locais” - CDB;
populações extrativistas – Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC); “populações tradicionais” SNUC; “comunidades indígenas” – MP 2.186-16/ 2001; “comunidades locais” – CDB e Convenção n.169- OIT ;
“comunidades tradicionais” – Decreto de 27/ 12/ 2004; “povos indígenas” – Convenção n.169 - OIT; “povos tribais”
– Convenção n.169 - OIT; “povos autóctones” - Declaração Universal sobre Diversidade Cultural; “minorias” Declaração Universal sobre Diversidade Cultural e Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das
Expressões Culturais.
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No Brasil, não há “povos tribais” no sentido estrito em que há em outros
Países, mas existem grupos sociais distintos que vivem na sociedade e essa distintividade é que aproxima da noção de “povos tribais”. O significado de “tribal”
deve ser considerado “lato sensu”, envolvendo todos os grupos sociais: seringueiros,
castanheiros, quebradeiras de coco babaçu, ribeirinhos, faxinalenses, comunidades
de fundo de pasto dentre outros grupos.
Desde que os grupos sociais autodesignados como povos e comunidades
tradicionais se definam enquanto tais devem ser amparados pela Convenção. A
Convenção não define a priori quem são esses “povos indígenas e tribais”, apenas
oferece instrumentos para que o próprio sujeito se auto-defina, como da “consciência de sua identidade”. Neste caso, a Convenção fez acertadamente, pois se
definisse de antemão, excluiria uma infinidade de povos e comunidades desse
dispositivo. No caso, compete a cada país a decisão sobre quais grupos sociais
recai a aplicação dessa Convenção.
Nesse processo que envolve o reconhecimento da diversidade, a primeira ação
dos grupos sociais tem sido reafirmar e afirmar a idéia da diferença, que motiva
as reivindicações dos diversos povos e comunidades tradicionais. A partir do intenso processo de organização e mobilização política, os grupos sociais adotam a
estratégia de elaboração e proposição de dispositivos legais.
As discussões em torno da elaboração e proposição dos dispositivos legais se
constitui num elo importante no processo de construção das identidades26, na medida em que as discussões políticas em torno das proposições permitem ao mesmo
tempo, afastar as divergências e aproximar os grupos, frente os antagonistas que
se revelam extremamente poderosos. A força e a intensidade dos processos fizeram
com que os grupos colocassem em segundo plano as suas diferenças, com objetivo
de reforçar os laços de solidariedade.
Práticas Jurídicas Localizadas
O deslocamento dos enfrentamentos políticos para a “luta jurídica localizada”, sobretudo a produção de dispositivos legais no âmbito municipal e também
estadual revela um dado “novo”, que merece ser incorporado às analises27. Nesse
26 A prática de elaborar e propor dispositivos legais têm sido utilizados indistintamente em função de interesses
diversos, que nem sempre estão explicitados. Na cidade de Manaus, determinados indivíduos que se autodefinem
“caboclos” conseguiram aprovação de dois projetos de lei, no âmbito municipal e estadual (Lei n. 3.140, de 28
de junho de 2007), instituindo o “dia do caboclo”, que é comemorado em 24 de junho. É interessante observar
que a designação “caboclo”, reivindicada enquanto critério de identidade, está em sintonia com os discursos
elaborados por políticos de diferentes matizes da região.
27 Tem-se observado uma preocupação dos movimentos sociais, portadores de identidade, em ocupar os espaços
do legislativo municipal. Tal preocupação se faz presente em vários segmentos sociais. Segundo levantamento
divulgado pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), pelo menos
134 candidatos nas eleições deste ano se declaram gays, lésbicas, travestis ou aliados do movimento (Folha de São
Paulo, 16 de agosto de 2008. p.A6). A necessidade dos grupos sociais em formular dispositivos legais que possam
ser identificados com as suas práticas, revela o quão distante estão os atuais dispositivos. Longe de qualquer
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processo, os “novos” movimentos sociais passaram a ser os protagonistas e intérpretes de suas próprias ações e estratégias, diferentemente de outros períodos,
onde o discurso era mediado. Até a década de 1980, os conflitos se referiam às
disputas pela terra na região Amazônica, envolvendo uma intensa discussão em
torno dos direitos de posse e propriedade. Na maioria das situações, as discussões
eram encaminhadas ao Poder Judiciário28.
O procedimento de encaminhar prevalentemente os conflitos ao Poder
Judiciário, representava uma das estratégias mais utilizadas em face de seus
antagonistas, empresas agropecuárias e grandes proprietários de terras. O seu
objetivo consistia em garantir ou mesmo evitar qualquer tipo de medida que pudesse implicar na ameaça ou perda da terra em disputa, embora não se esperasse
que as ações fossem êxitosas, isto é, julgadas favoravelmente a esses grupos.
Os argumentos acionados eram os perfilados pelas assessorias jurídicas dos
Sindicatos e das Organizações Não Governamentais (ONGs), que promoviam a
disputa no campo jurídico. As ações eram organizadas com intuito de demonstrar
a existência da posse mansa e pacífica sobre a terra ou mesmo a insuficiência dos
documentos acostados aos processos judiciais. As disputas jurídicas cingiam-se
aos processos e às medidas administrativas junto aos órgãos fundiários, que eram
acionados para promover o processo de desapropriação ou mesmo regularização
fundiária do imóvel, objeto do litígio.
Na década de 1990, a esse discurso do direito agrário, foram incorporadas
as discussões de meio ambiente. A força do discurso ambiental que buscou identificar formas de preservação e conservação da região Amazônica fez com que os
grupos sociais passassem a ter uma participação mais ativa em todo o processo,
aproximando-os das formulações e dos debates jurídicos ambientais, que procuravam identificar formas para melhor disciplinar as ocupações e usos dos territórios.
A experiência dos seringueiros com os Projetos de Assentamento Extrativistas (PAEXs), incorporado pela Política Nacional do Meio Ambiente por meio das
Reservas Extrativistas (RESEXs), é um exemplo recorrente. Ele se espraiou por
toda região Amazônica, vindo a se incorporar na Política Nacional de Unidades de
Conservação. Contudo, as dificuldades de se implementar as reservas extrativistas
de babaçu, que foram criadas por meio de Decreto em 1992, têm sinalizado as dificuldades de se universalizar determinada “prática social”, mesmo que essa prática
apresente certa “semelhança” com as realizadas pelos demais grupos sociais. As
práticas extrativas de apropriação e uso das quebradeiras de coco se distinguem
daquelas utilizadas pelos seringueiros. Enquanto que para as quebradeiras de
coco a apropriação e o uso são comuns para os seringueiros apropriação é comum
e o uso é privado por família.
tentativa de se promover uma “inflação legislativa”, vive-se o momento de reconhecimento da existência social
desses grupos.
28 A presente reflexão fez um recorte proposital, priorizando uma leitura a partir das questões jurídicas. Este período é marcado por um intenso processo de mobilização política dos trabalhadores rurais em torno da Reforma
Agrária.
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A partir do aumento do grau de organização e mobilização dos grupos sociais
portadores de identidade na defesa e reivindicação de seus direitos, é que as
demandas jurídicas passaram a se tornar mais complexa. Têm-se os questionamentos aos procedimentos comumente acionados, que se demonstraram ineficazes
diante dos problemas mais localizados que se impõem. As discussões não mais
se referiam ao direito a terra, mas a um conjunto de proposições relacionadas ao
reconhecimento da existência social de grupos, que se coadunam com “práticas
sociais” diferenciadas. Os discursos jurídicos, agrário e ambiental, até então
hegemônicos perderam gradativamente força junto aos movimentos sociais, que
passaram a articular as lutas a partir das “novas” demandas que se impuseram.
Isso vai refletir nas “novas” ações e estratégias dos grupos sociais.
Ao tomar pra si a responsabilidade de discutir e de construir suas propostas,
esses grupos sociais passaram a deter o controle político das situações. Observa-se
que esse processo tem sido um dado relevante na construção das identidades dos
grupos. As discussões para a formulação de direitos (no caso específico, de dispositivos legais), que até então não se encontravam catalogados no ordenamento
jurídico brasileiro, vêm fazendo com que os indivíduos se aproximem, criando laços
de solidariedade mais consistentes em torno das disputas jurídicas, evidenciando
assim as diferentes “práticas sociais”, que se encontravam diluídas.
Nas situações envolvendo as chamadas quebradeiras de coco esse processo
ficou evidente. As mulheres se tornam protagonistas de suas próprias ações,
ocupando espaço que em momento passado pertenciam aos trabalhadores nos
Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs). Aliás, é importante enfatizar que os
problemas envolvendo as quebradeiras de coco eram pouco debatidos no espaço
sindical, pois o Sindicato estava ocupado com questões tidas como mais importantes, como a reforma agrária ou os direitos previdenciários dos trabalhadores.
As quebradeiras de coco se encontravam “encobertas” no âmbito político
dos Sindicatos de Trabalhadores Rurais. No sindicato, os vários indivíduos são
agrupados e homogeneizados sob um único papel social e sob uma única ocupação
econômica, definidos como trabalhadores ou trabalhadoras rurais, classificados
entre quem tem e quem não tem acesso garantido a terra.
A maioria dos projetos de lei apresentados pelos representantes dos movimentos sociais foram aprovados29 ou se encontram em debate nas diversas Câmaras
Municipais de toda região Amazônica. No âmbito de atuação do Movimento
Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) existem pelo menos
14 (quatorze) leis aprovadas30, que tratam de regulamentar o acesso e uso das
29 Vale destacar, também, a Lei n. 145, de 11 de dezembro de 2002, que “dispõe sobre a co-oficialização das Línguas Nheêngatu, Tukano, Baniwa à Língua Portuguesa, no município de São Gabriel da Cachoeira, Estado do
Amazonas. A esse respeito, consultar Almeida (2007).
A Câmara Municipal de Antonio Gonçalves, no Estado da Bahia, aprovou o projeto de lei n.04/ 2005, “que cria
a lei de licuri livre ou lei do ouricuri, sua preservação, extrativismo e comercialização.” É copiosa os projetos e
as leis aprovadas pela “rede puxirão”, no Estado do Paraná.
30 Existem situações que embora tenha sido apresentado o projeto de lei na Câmara Municipal, a lei não foi apro-
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palmeiras de babaçu. As palmeiras de babaçu têm um papel fundamental na reprodução física, social e cultural das quebradeiras de coco e suas famílias. É das
palmeiras que as quebradeiras retiram parte de seu sustento e por isso a idéia do
“babaçu livre” expressa a mais importante bandeira de luta desse movimento. Ele
traduz a forma de como essas mulheres localmente se relacionam com o recurso
natural, tido como de uso livre e comum. Essa compreensão coaduna-se com uma
determinada “prática social”.
No caso das quebradeiras de coco não há proprietários dessa ou daquela
árvore, as palmeiras são utilizadas indistintamente de forma comum. O seu uso
está relacionado à capacidade de trabalho e à necessidade de cada família frente
ao recurso. O direito é derivado dessa prática e por isso mesmo a regra mais importante é aquela que diz respeito à garantia do recurso para a reprodução física
e social das quebradeiras e suas famílias.
Tais projetos de lei, que implicam numa maior liberdade ou restrição de determinadas “práticas sociais”, apesar de sofrerem forte resistência, estão sendo
aprovados. Verifica-se que o maior grau de organização e mobilização políticas dos
grupos reflete os ganhos e as perdas dos projetos de lei apresentados. Os conteúdos
dos projetos expressam o grau de enfrentamento entre os interesses diversos no
interior dos espaços políticos.
A esse respeito, é interessante observar a dinâmica de elaboração dos projetos de lei, que foram apresentados e aprovados nas Câmaras Municipais pelas
chamadas quebradeiras de coco babaçu, onde se vivência um intenso conflito pelo
acesso as áreas de ocorrência das palmeiras. Ao longo do tempo, a maioria dessas
áreas foram apropriadas e cercadas de forma legal e ilegal31.
Para as quebradeiras de coco, o direito ao livre acesso e uso comum das palmeiras decorre de uma situação preexistente a esse processo , quando a atividade
extrativa do babaçu era realizada sem nenhum tipo de restrição, pois as palmeiras
não tinham dono. A atividade extrativa, que era livre, vem sofrendo sucessivas
ameaças, impondo restrições à coleta, à quebra do coco, bem como impondo o que
tem sido chamado de “novas relações de sujeições”. Foram estes problemas que
motivaram as quebradeiras a se organizarem enquanto movimento.
O grau de organização e mobilização política e forte antagonismo existentes nas áreas, expressa o conteúdo da lei aprovada. Enquanto que alguns
projetos de lei aprovados, a prática extrativa é totalmente livre, em outros a
atividade fica condicionada à autorização do proprietário. Isso demonstra os
meandros das relações de força que variam nesse espaço de luta política que
são as Câmaras Municipais.
vada.
31 No caso do Estado do Maranhão, a Lei n. 2.979, de 17 de julho de 1969 (conhecida como “Lei de Terras do Sarney”)
permitiu a transferência das terras devolutas estaduais aos grandes fazendeiros e empresas agropecuárias.
Nesse processo, as famílias de quebradeiras de coco que há tempos ocupavam as áreas, foram obrigadas a se
deslocaram para outras regiões , em direção ao oeste.
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Joaquim Shiraishi Neto
O exercício de comparação entre as diversas leis que foram aprovadas no
âmbito de atuação do movimento, revelam esse processo, que é sabiamente “conduzido” pelas quebradeiras de coco, sobretudo em função dos interesses em jogo e
dos poderes dos interessados. Enquanto a Lei de Lago do Rodrigues, Maranhão,
garante o livre acesso e uso, a de Praia Norte, Tocantins, condiciona o acesso e uso.
“ As palmeiras de babaçu existentes no município de Lago dos Rodrigues, Estado do Maranhão, são de livre acesso e uso das populações extrativistas
que as exploram em regime de economia familiar e comunitária.” (Artigo 1°
da Lei n.32/ 1999) G.N.
“As palmeiras de coco babaçu existentes no Município de Praia Norte – TO,
serão de propriedades e responsabilidades dos proprietários das terras, e na
medida do possível poderão ser exploradas pelas quebradeiras de coco babaçu e suas famílias, que deverão explorar em regime de economia familiar e
comunitária, ficando a efetivação de caeiras dentro das terras de particulares
, e caso destas vierem a existir danos aos pastos e à natureza, os responsáveis
pela tragédia, juntamente com o segmento organizado ao qual pertence, deverão
ser punidos nos termos da lei.” (Artigo 1 ° da Lei n.49/ 2003) G.N
As estratégias utilizadas, bem como as articulações que ocorrem no decorrer
de toda tramitação do projeto, incluindo o dia da votação, são dados relevantes
que necessitam ser analisados, uma vez que contribuem com o maior ou menor
êxito da maioria das propostas apresentadas.
Nessa arena, onde os interesses divergentes se explicitam, a ação política
exercida pode significar um grande passo em direção a aprovação dos projetos
que são submetidos pelas quebradeiras de coco. A escolha meticulosa do vereador
responsável pela apresentação do projeto, o acompanhamento de todo o processo
legislativo, incluindo a participação direta na audiência em que o projeto será
votado, são medidas que se apresentam como necessárias e que se impõem para
contribuir com o êxito do projeto apresentado.
Observa-se que conteúdo dos projetos aprovados além de expressarem a correlação de forças localizadas, evidencia as situações existenciais de fato, vivenciadas
diferentemente por cada grupo social. As leis fazem livres, as áreas que são livres.
Por isso mesmo não há restrições legais em relação ao que foi aprovado. Uma vez
aprovadas, as leis ficam “sacramentadas” e herméticas aos questionamentos.
As leis aprovadas são acatadas, sendo que os diversos grupos e o Poder
Municipal procuram cumprir o que foi previamente pactuado. O “pacto” envolve
uma “consciência geral” do profundo conhecimento da questão e a necessidade de
regulamentá-la, sob pena de “novos” conflitos que possam gerar novas instabilidades. Observa-se que os envolvidos possuem plena consciência dos direitos em
jogo, bem como da necessidade de protegê-los.
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Considerações Finais
Os deslocamentos das ações e estratégias para o plano jurídico local, especificamente para o da elaboração e proposição de leis, servem para reconhecer a
existência social dos grupos sociais e, sobretudo legitimar as suas ações. Contudo,
esse processo é pouco refletido, em função dos resultados positivos até aqui alcançados. Os grupos sociais apostam suas lutas nesse processo que, sem dúvida,
contribui com a construção de suas identidades. A elaboração e proposição dos
dispositivos legais auxiliam no reforço e atualização dos laços sociais.
Os novos dispositivos legais criados a partir do controle exercido pelos
movimentos sociais determinaram de certa forma, a ampliação e abertura do
ordenamento ou sistema jurídico até então indiferente aos direitos desses grupos.
Por outro lado, os novos dispositivos necessitam de acomodamento no universo
jurídico, sendo que esse processo pode implicar em um menor controle dos grupos
sociais, em função da “autonomia” do campo jurídico, que procura se manter afastado das pressões sociais. A “autonomia” é construída em face das necessidades de
produção, reprodução e difusão de um discurso jurídico, que sempre se ocupou em
negar direitos a esses grupos sociais. Isso deverá implicar em um novo conjunto
de ações e estratégias, sobretudo na capacidade dos grupos explicitarem a legitimidade dos seus direitos que, em muitos momentos, se encontram em conflito
com o próprio direito. Quando os esforços deverão se dirigir e concentrar no direito
em dizer o direito.
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