Unidade 1 Determinantes Sociais de Saúde: valores, enfoques e perspectivas Objetivos específicos: Iniciamos o desenvolvimento deste Módulo Introdutório com a primeira unidade. Nesta unidade o ajudaremos a: Identificar os fundamentos dos determinantes sociais de saúde (DSS) e sua potencialidade para a formulação de políticas públicas, reconhecendo a proposta de trabalho da OMS e da OPAS. Distinguir os princípios de justiça social, equidade em saúde e direitos humanos e suas relações, como valores fundamentais para a ação em DSS. Identificar mecanismos estruturais e intermediários na produção de iniquidades em saúde entre grupos populacionais e territórios, como base para a ação em políticas públicas. Reconhecer a necessidade de um enfoque integral, intersetorial e participativo para a compreensão e ação sobre DSS. Eixos temáticos da unidade: Introdução à abordagem dos Determinantes Sociais de Saúde. Equidade, justiça social e direitos humanos em saúde. Relação entre os tópicos. Enfoques para revelar as iniquidades em saúde entre grupos populacionais e territórios. Mecanismos que operam na manutenção da iniquidade no caso da abordagem dos determinantes sociais em saúde. Enfoque integral, intersetorial e participativo sobre os DSS Introdução aos Determinantes Sociais Introdução ao debate sobre os “determinantes sociais de saúde” Embora a questão não seja nova, ainda suscita debates e controvérsias. Alguns criticam a expressão “determinantes sociais” porque consideram que o termo implicaria a existência de uma lógica social preponderante que determinaria a ação dos atores sociais, fazendo com que esses percam sua capacidade de transformação coletiva e de busca de sua identidade. Para outros, a expressão “determinação social” do processo saúde-doença possui um forte poder explicativo e oferece elementos estratégicos para a necessária mudança social. Outros ainda preferem “determinantes de saúde”, pois interpretam que o “social” limita a determinação já que excluiria os determinantes políticos, econômicos, ambientais, culturais, psicológicos, espirituais, etc. Para outros, o “social” inclui todos os atributos anteriores, representando uma síntese capaz de englobar a todos. Também existe uma polêmica sobre as expressões “determinantes de saúde” e “determinantes da iniquidade em saúde”; para alguns, a primeira expressão equivaleria aos “fatores de risco” da epidemiologia clássica; quando a diferenciam da primeira, dão à segunda expressão um caráter mais transformador, considerando que permitiria compreender as injustas hierarquias das estruturas sociais, revelando assim a verdadeira “causa das causas” da iniquidade em saúde. Este debate não está encerrado, porém neste processo que você está começando a transitar é bom compreender a riqueza e a polissemia do conceito “determinantes sociais de saúde”. Talvez a necessidade de encontrar uma linguagem compartilhada favoreça a ação política mais articulada. Enquanto não chegarmos a essa “língua franca”, vamos considerar o conceito correspondente aos “determinantes sociais de saúde” em toda sua amplitude e profundidade. A partir dessa perspectiva, a compreensão do processo saúde-doença fará com que possamos ter uma visão mais ampla e politizada e nos mostrará a necessidade de contar com políticas públicas mais articuladas, integradas e consensuais - entre governos, movimentos sociais e organizações não-governamentais (ONGs) cujo objetivo seja obter melhor qualidade de vida. Por que é preciso se centrar nos determinantes sociais de saúde? As condições sociais em que as pessoas vivem influenciam sobremaneira seu estado de saúde. De fato, algumas circunstâncias, como pobreza, pouca escolaridade, insegurança alimentar, exclusão, discriminação social, má qualidade de moradia, condições de falta de higiene nos primeiros anos de vida e baixa qualificação profissional constituem fatores determinantes de uma grande parte das desigualdades existentes, tanto entre os diferentes países, como dentro deles mesmos, no tocante ao estado de saúde, às doenças e à mortalidade de seus habitantes. Para melhorar a saúde das populações do mundo e estimular a equidade em saúde, é preciso contar com novas estratégias de ação que levem em consideração esses fatores sociais que influenciam a saúde. Isso não significa que os sistemas de saúde equitativos deixem de ter importância. No entanto, deve-se reconhecer que, muitas vezes, os próprios sistemas de saúde fazem parte do problema e que eles e as novas estratégias são imprescindíveis para reduzir as iniquidades em saúde Estas primeiras constatações nos levam a tentar responder três problemas fundamentais: Onde se originam as diferenças em saúde entre os grupos sociais, se procurarmos seus rastros nas raízes mais profundas? Que mecanismos nos levam das causas originárias às diferenças atuais na situação de saúde observada nas populações? Esclarecendo as respostas a estas duas primeiras questões, onde e como deveríamos intervir para reduzir as iniquidades em saúde? Não são apenas as circunstâncias sociais estratificação e posição social que determinam as iniquidades sociais (no nível populacional); temos também a presença de determinantes intermediários que geram desigualdades em saúde. Os contextos institucionais sócio-econômicos e macro-econômicos, o conjunto de valores sociais aplicados por uma determinada sociedade e as políticas públicas desiguais são fatores de fundamental importância na formação das iniquidades sociais. As pessoas e grupos sociais que estão mais abaixo na escala social correm um risco duas vezes maior de contrair doenças graves e de falecer prematuramente. As causas materiais e psicológicas contribuem com esses riscos e seus efeitos se estendem a quase todas as causas de doenças e morte e a todos os grupos sociais. As desvantagens sociais podem se manifestar de forma absoluta ou relativa, e a tendência é que se concentrem nos mesmos grupos sociais, onde seus efeitos na saúde acumulam-se durante a vida inteira. Não encontramos desigualdades apenas entre os países: também dentro de um mesmo país podemos observar diferenças extremas. Essas diferenças de saúde ocorrem em todas as camadas sociais, incluindo as dimensões sócio-econômicos, políticos, culturais e geográficos. Uma forma de descrever a magnitude dessas iniquidades é a distância entre o topo e a base da escala social. No entanto, em todo o gradiente social há diferenças injustas que podem ser evitadas. A influência dos determinantes sociais não se evidencia apenas quando comparamos a distância entre o topo e a base da estratificação social, mas também quando analisamos os indicadores de saúde em relação a outras variáveis ao longo de toda a escala social. Em Bangladesh e na Tailândia, as jovens pobres com ensino médio possuem melhores indicadores de saúde que outras jovens sem escolarização ou que possuem apenas o ensino fundamental. A análise não deveria centrar sua atenção apenas na situação das pessoas que estão em situação de pobreza, os 1 pobres entre os pobres. A análise da distribuição social ao longo de toda a estratificação social da saúde indica que todos estamos envolvidos Atividade para reflexão Algumas perguntas para iniciar a reflexão: Qual é a influência da pobreza sobre a saúde das populações em sua região ou país? Em que medida isto se modificou com o passar do tempo? Quais são os grupos de população mais vulneráveis? A que fatores eles são mais vulneráveis? Considerando todo o gradiente social e não só as lacunas entre o topo e a base da distribuição, que fatores incidem em diferentes grupos sociais? Percebe diferenças no interior de seu país ou localidade, considerando diferentes áreas geográficas, diferentes condições de trabalho, diferentes faixas etárias, de gênero ou etnia, diferente acesso à escolarização, etc.? Quais são as consequências dessa situação na forma de enfrentar as políticas públicas em saúde? 1 Consultar o Relatório Final das Redes de Conhecimento sobre Gênero e Equidade disponível em Links, Textos Completos. Definindo valores: Equidade, Justiça Social e Direitos Humanos em Saúde O seguinte quadro de valores baseia-se no trabalho de Solar e Irwin (2007)2, cujo texto completo pode ser obtido em Links, Textos Completos. Apresentamos aqui os principais conceitos desse quadro com o objetivo de ajudá-los em seu processo de reflexão sobre os DSS. A equidade em saúde é um conceito ético fundamental no enfoque dos Determinantes Sociais de Saúde. O Departamento de Ética, Equidade, Comércio e Direitos Humanos da Organização Mundial da Saúde define a equidade como a “ausência de diferenças injustas, evitáveis ou remediáveis em saúde entre grupos de população definidos social, econômica, demográfica ou geograficamente”. Em essência, as iniquidades em saúde são diferenças em saúde socialmente produzidas, sistemáticas em sua distribuição através da população e injustas. O fato de identificar as diferenças em saúde como nãoequitativas não representa uma prescrição objetiva ou material, mas necessariamente implica apelar a normas éticas. A responsabilidade primária na proteção e ampliação da equidade em saúde depende em primeira instância dos governos nacionais, de acordo com o que é sugerido por importantes referenciais do pensamento político contemporâneo. Amartya Sen (2002) afirma que “a equidade em saúde não pode se preocupar apenas com a desigualdade na saúde ou na atenção à saúde, e deve levar em consideração a forma em que a saúde se relaciona com outras características através da alocação de recursos e dos acordos sociais”. Anand (2004) destaca que a saúde é um bem especial cuja distribuição equitativa é responsabilidade das autoridades políticas. Existem duas razões principais para isso: a saúde é parte constitutiva do bem-estar das pessoas e a saúde habilita as pessoas a atuar como agentes sociais. A iniquidade em saúde afeta fundamentalmente o compromisso com a liberdade, a justiça social e os direitos humanos e quando a iniquidade emerge isto significa que a gestão do governo falhou em suas responsabilidades básicas. No entanto, na relação entre saúde e ação social, as causas não são unidirecionais: a equidade em saúde é resultado da gestão pública, assim como também é um pré-requisito para que os grupos de população participem do fortalecimento de seus direitos e do controle sobre seu trabalho e sua vida. O marco internacional sobre os direitos humanos, baseado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, proporciona uma estrutura conceitual para avançar rumo à equidade em saúde. Afirma que o direito à saúde deve ser interpretado de forma ampla, incluindo não só o atendimento na área de saúde, mas também alimento e nutrição, moradia, acesso à água potável, saneamento adequado, condições de trabalho saudáveis e seguras e saúde ambiental. Também compreende a responsabilidade pelos determinantes sociais, a fim de satisfazer os direitos dos cidadãos e o mais alto nível de saúde que possa ser alcançado. Os direitos humanos oferecem um arcabouço conceitual para vincular a saúde, as condições sociais e os princípios de participação aos direitos políticos. Como indicam Braveman e Gruskin (2003), a perspectiva dos direitos humanos transfere as ações para a superação da pobreza do campo da caridade para o domínio da lei. Recentemente, o trabalho dos Relatórios Especiais de Direito à Saúde das Nações Unidas constituiu um avanço na agenda política sobre o direito à saúde nos níveis nacional e global. 2 Um primeiro rascunho desse documento foi preparado para a reunião da Comissão sobre Determinantes Sociais de Saúde, realizada em maio de 2005, no Cairo, pela secretaria da Comissão, com base no Departamento de Equidade, Pobreza e Determinantes Sociais de Saúde, Evidência e Informação do Núcleo de Políticas, da OMS, em Genebra. Seus principais autores foram Orielle Solar e Alec Irwin. Outros membros da secretaria da Comissão ofereceram significativas contribuições, sobretudo Jeanette Vega. Durante as discussões realizadas no Cairo, os representantes e a mesa diretora ofereceram importantes sugestões. Os delegados recomendaram que fosse realizada uma revisão do rascunho, que foi concluída em janeiro de 2007. A versão atual do documento foi apresentada aos representantes do CDSS em sua reunião de junho de 2007, em Vancouver. Além da direção e dos representantes do CDSS, diversos colegas sugeriram interessantes comentários e sugestões durante o decorrer do processo de revisão Revendo enfoques e construindo um marco de referência integral para a compreensão e a ação sobre os Determinantes Sociais de Saúde A revisão das diversas análises relacionadas aos Determinantes Sociais de Saúde leva-nos a identificar três abordagens principais, com aportes complementares (Solar & Irwin, 20073: A psicossocial. A da produção social da saúde/doença. A ecossocial com múltiplos níveis de referência. As três abordagens tentam explicar as iniquidades em saúde. Embora todas elas partam da análise da distribuição social da doença, sua interpretação não se reduz aos aspectos biológicos, que são integrados às explicações sociais com diferentes ênfases na perspectiva de saúde populacional. A abordagem psicossocial enfatiza o peso da percepção do status pessoal em sociedades desiguais, o que provoca tensões e piora as condições de saúde. De acordo com esses teóricos, a experiência de viver em situações de iniquidade obriga constantemente as pessoas a comparar seu status, posses e outras circunstâncias de vida com outros, gerando sentimentos de desvalorização e desvantagem e produzindo conflitos e deteriorações na saúde. Em nível social, as hierarquias de renda e de status enfraquecem a coesão social. Estas pesquisas foram inspiradas em uma ampla literatura sobre as relações entre as percepções sociais de iniquidade, os mecanismos psicobiológicos e a situação de saúde. A abordagem da produção social da saúde/doença tem destacado explicitamente os determinantes econômicos e políticos. Não nega as consequências psicossociais da iniquidade na renda, porém enfatiza a necessidade de começar a partir das causas estruturais das iniquidades. Deste ângulo, interpreta que a iniquidade reflete a falta de recursos dos grupos e indivíduos e a sistemática falta de investimento na infraestrutura (educação, serviços de saúde, controles ambientais, disponibilidade de alimentos, qualidade de moradia, regulamentações de saúde ocupacional, controles ambientais, transporte, etc.). As decisões políticas e os processos econômicos constituem um conjunto de condições materiais que afetam a saúde da população. Recentemente, a abordagem ecossocial com múltiplos níveis de referência passou a tentar interpretar as iniquidades em saúde como causa e resultado de uma relação dinâmica, histórica e ecológica. Propõe-se o estudo dos padrões de comportamentos de saúde, doença e bem-estar de uma população como expressões biológicas e de relações sociais, para ver de que forma as relações sociais influenciam as compreensões mais básicas do biológico e a construção social da doença. Mais do que somar o biológico e o social, este enfoque busca integrar uma visão complexa dos padrões de saúde da população que modificam 3 Solar, Orielle & Irwin, Alec. Discussion paper for de Commission of Social Determinants of Health, Ginebra, Abril de 2007. Mas quais são as contribuições dessas três abordagens? Na verdade, permitem uma melhor compreensão dos mecanismos por meio dos quais os determinantes sociais influenciam a saúde, reconhecendo explicações complementares, que não são mutuamente excludentes: La selección social: desde esta mirada, la salud determina la posición socioeconómica y no el proceso inverso. La salud ejerce una importante influencia en el logro de posiciones sociales como resultado de la movilidad social, a través de la cual los sanos están en mejores condiciones de ascender que los que padecen enfermedades o discapacidades. La posición social, complementando el mecanismo anterior, determina la salud a través de factores intermediarios. Los problemas de salud tienen mayores posibilidades de desarrollarse en los grupos socioeconómicos más bajos, principalmente en forma indirecta. Las diferencias socioeconómicas en salud aparecen cuando la calidad de esos factores intermediarios se distribuyen entre diferentes clases socioeconómicas. La perspectiva del curso de vida, a lo largo de la vida individual, a través de generaciones y a nivel de poblaciones. Esta perspectiva permite detectar períodos críticos en la vida, la importancia del tiempo de exposición al riesgo y la acumulación de riesgos a lo largo del tiempo. Facilita, particularmente, la comprensión de la intervención “a tiempo” en el proceso temporal (infancia temprana, infancia, adolescencia, adultez). Atividade para reflexão Ao rever esses fatores e mecanismos, nós lhe convidamos a analisar: Quais são as características nacionais que no seu país influenciam a forma e magnitude das desigualdades e a iniquidade em saúde? Qual é a contribuição das diferentes perspectivas ou enfoques dos DSS à sua interpretação? Quais são as exposições diferenciais ou a maior vulnerabilidade (que causam danos à saúde) e suas consequências (saúde precária)? Quais desfechos de saúde diferenciados podem ser observados nas populações e até que ponto são observáveis? Até que ponto o gasto público é destinado a reduzir essas diferenças em termos de direitos e oportunidades? Até que ponto as políticas intersetoriais são desenvolvidas para combater as causas mais profundas dos determinantes sociais de saúde? Como buscar perspectivas mais integrais sobre os DSS Um marco integral e estratégico para a ação sobre os Determinantes Sociais de Saúde adota o conceito de posição social como conceito central para interpretar os mecanismos da iniquidade em saúde, como geradores da distribuição do poder, da riqueza e dos riscos, estratificando os resultados em saúde. Dessa perspectiva integral, podem ser reconhecidos: Determinantes estruturais, definidos pela estratificação social e seus mecanismos de manutenção. Determinantes intermediários, relativos a fatores e circunstâncias sociais específicas. A estratificação social gera a exposição desigual às condições de riscos de doença e provoca a vulnerabilidade diferencial em termos de condições de saúde e recursos materiais disponíveis, determinando consequências diferenciadas de doença para os grupos mais vulneráveis, tanto no âmbito social e econômico quanto nos resultados de saúde per se. O grau de coesão social atravessa e afeta tanto os fatores estruturais quanto os intermediários. A magnitude do problema afeta o conjunto do contexto sócio-econômico e político, com impacto na mortalidade e morbidade e, simultaneamente, interfere no crescimento econômico e social. O enfoque integral e estratégico sobre os Determinantes Sociais de Saúde implica Considerar a estratificação social como fator de importância central na compreensão dos DSS. Esta estratificação produz as desigualdades em termos de poder, prestígio, renda e riqueza em diferentes posições sócio-econômicas. Considerar que os mecanismos que influenciam os resultados de saúde a partir da estratificação social operam da seguinte maneira: O contexto social, que atribui aos indivíduos e grupos diferentes posições sociais, criando e mantendo as hierarquias, como o mercado de trabalho, o sistema educacional, as instituições políticas e os valores sócio-culturais. A exposição diferencial à saúde e os danos em saúde e a vulnerabilidade diferencial nas condições de saúde e disponibilidade de recursos materiais conforme os grupos populacionais. As consequências diferenciais nas condições de saúde e doença para os grupos com mais desvantagens. A partir desses determinantes e mecanismos estruturais, desenvolvem-se e operam determinantes intermediários relacionados com a concretização de situações específicas importantes, configurando os resultados de saúde: Circunstâncias materiais: qualidade de moradia, acesso ao alimento e condições do meio ambiente físico. Circunstâncias psicossociais: as tensões sociais (stress, violência, coerção etc.), as tensões de gênero e etnia, e a mudança ou cópia dos padrões e estilos de vida de outros grupos ou contextos culturais. Fatores biológicos e comportamentais, como os padrões de nutrição, a atividade física, o consumo de álcool e tabaco, os fatores genéticos. ¡Embora seja complexo, não devemos nos esquecer do seguinte: Para construir um enfoque integral e estratégico é importante, acima de tudo, considerar que qualquer esforço sério para reduzir as iniquidades em saúde implica mudar a distribuição do poder dentro da sociedade, beneficiando os grupos com mais desvantagens e atuando em vários níveis. A ação sobre os Determinantes Sociais de Saúde constitui um processo político que envolve as agências sociais da comunidade e o Estado, baseado na ação coletiva. A análise do impacto do poder social sobre a saúde sugere que o empoderamento dos grupos vulneráveis e com menores vantagens é vital para reduzir as iniquidades em saúde. Implicações para as políticas e para a política: A análise desses fatores nos leva a definir a necessidade de: Superar os enfoques despolitizados em relação ao papel do Estado para a promoção da equidade. Gerar políticas intersetoriais para combater as causas profundas da vulnerabilidade diferencial e da exposição diferencial aos riscos Um importante determinante social da saúde que não deveríamos ignorar Sistemas de saúde: Muitas vezes ignorado como um determinante social da saúde. Uma grande parte da pesquisa sobre políticas de saúde tem destacado seus esforços na forma de abordar os problemas desta área, centrando-se em ações curativas e de melhoria da eficácia dos serviços prestados. Por outro lado, uma proporção considerável da pesquisa em saúde pública ressalta as ações destinadas a prevenir as doenças entre as pessoas em grupos de alto risco, dando preferência às ações individuais sobre estilos de vida. Também dentro da literatura sobre DDS, diversos modelos de análise dos terminantes sociais de saúde têm estudado o papel desempenhado pela organização dos sistemas de saúde, para que eles possam melhorar a equidade em saúde. O Relatório Final da Rede de Conhecimento sobre o Sistema de Saúde aborda explicitamente esta questão e afirma que os sistemas de saúde são conseqüência de processos sociais e políticos. Portanto, os sistemas de saúde são determinados socialmente e, na verdade, são um determinante social de saúde. A organização e os valores incorporados a um sistema de saúde podem afetar as pessoas, a exposição e a vulnerabilidade. Projetados de forma adequada, os sistemas de saúde podem enfrentar o problema da desigualdade na exposição e a vulnerabilidade entre os grupos de população, por exemplo, melhorando a equidade no acesso, mediante a promoção da ação intersetorial, estimulando as comunidades a participar de processos de tomada de decisões, ou mediante a adoção de políticas públicas inovadoras em matéria de saúde É muito importante ressaltar que a atenção primária à saúde (APS) e o interesse pelos DSS têm muito em comum. Ambos os conceitos priorizam a importância da equidade em saúde e da justiça social. A APS é um enfoque que permite organizar os sistemas de saúde em uma sociedade mais ampla, com o objetivo de alcançar a equidade em saúde (como se reflete na meta “Saúde para Todos” da declaração de Alma-Ata). Os DSS permitem analisar a causa da existência das iniquidades em saúde que compreendem toda a sociedade em seu conjunto. A redução das iniquidades em saúde constitui o argumento mais imperioso para a APS e as ações sobre os DSS. A APS e os DSS também compartilham uma visão ampla da saúde entendida como direito humano, que remonta à Constituição da OMS, em 1948. Os dois conceitos frisam a promoção e prevenção da saúde e o aumento das capacidades das pessoas a fim de terem acesso aos recursos necessários para se manterem saudáveis e se protegerem das doenças. A APS e os DSS também abordam o papel desempenhado pelas comunidades para garantir sua saúde. A APS destaca a importância de que os serviços de saúde respondam às necessidades da comunidade e facilitem a participação comunitária em termos de prestação de serviços e formulação de políticas sanitárias. A análise dos DSS considera o impacto sobre a saúde dos fatores comunitários, como a inclusão e exclusão social, o status social relativo e a ajuda e flexibilidade comunitárias. As ações sobre os DSS também exigem o empoderamento das comunidades marginalizadas e as estruturas de governo que genuinamente expressam a voz de todos. Portanto, a implementação da APS e das ações sobre os DSS exige um forte interesse pelas ações intersetoriais para a saúde, isto é, políticas e iniciativas que extrapolem o setor da saúde, necessárias para proteger e promover a saúde. As ações intersetoriais representaram um princípio fundamental da declaração de Alma Ata, e foram reconfiguradas recentemente como “saúde em todas as políticas”, na região européia. A APS reconhece que o setor da saúde não é o único que contribui para melhorar a saúde. O discurso sobre os DSS demonstra claramente que as iniquidades em saúde não dependem exclusivamente da falta de acesso aos serviços de saúde, mas da influência de iniquidades em outros setores, como, por exemplo, na moradia, trabalho, educação ou renda. Assim, as ações sobre os DSS envolvem toda a sociedade, 3 Health System Knowledge Network (2007), WHO/CSDH http://www.who.int/social_determinants/en Enquanto o setor da saúde, embora seja importante, é apenas um entre muitos outros nos quais é preciso adotar ações imediatas se a meta for reduzir as iniquidades em saúde. Em conclusão, a APS precisa da informação que as análises dos DSS podem oferecer e da orientação de suas ações a fim de atingir o objetivo da equidade em saúde. Isto requer políticas públicas que abranjam todos os setores que atuam sobre os DSS com o objetivo específico de promover e proteger a saúde. E, além disso, de acordo com o enfoque da APS, os sistemas de saúde precisam ser informados e dirigir suas ações sobre os DSS em toda a sociedade, enquanto promovem a participação social para a formulação de políticas destinadas a proteger a saúde. Para saber más Nós o convidamos a realizar algumas leituras complementares: “Rumo a um Modelo Conceitual para Análise e Ação sobre os Determinantes Sociais de Saúde”. Texto produzido pela Secretaria Técnica da CSDH. Faz uma revisão sobre os diversos modelos conceituais dos determinantes sociais da saúde e dos possíveis níveis de atuação sobre eles. Disponível em http://www.determinantes.fiocruz.br/pdf/texto/T42_CSDH_Conceptual%20Framework%20-%20tradução%20APF.pdf Sen, Amartya, “¿Por qué la equidad en salud?”, Rev Panam Salud Pública, vol. 11, Nº 5-6, Washington, May/June 2002, pp. 302-309. Texto completo disponível em http://www.scielosp.org/scielo.php?pid= S1020-49892002000500005&script=sci_arttext OMS & Agencia de Salud Pública del Canadá, Acción intersectorial para la equidad en salud, OMS/Agencia de Salud Pública del Canadá, 2008 http://www.saludinvestiga.org.ar/pdf/otras_publicaciones/ health_equity_isa_2008_es.pdf Banco de casos de situações-problema de desigualdade ou injustiças sociais Desigualdade ou injustiça social e equidade social em saúde O termo desigualdades (ou iniquidades) sociais no campo da saúde refere-se às disparidades de saúde em um país e entre diferentes países que são consideradas improcedentes, injustas, evitáveis e desnecessárias (isto é, não são inevitáveis nem irremediáveis) e que sistematicamente impõem responsabilidades a populações consideradas vulneráveis pelas estruturas sociais subjacentes e pelas instituições políticas, econômicas e jurídicas. Deste modo, as desigualdades (ou iniquidades) sociais no campo da saúde não são sinônimo de "desigualdades em Saúde", já que esta última expressão pode ser interpretada como relativa a qualquer diferença, e não especificamente a discrepâncias injustas. Por exemplo, as medidas das "desigualdades em saúde" propostas recentemente quantificam de maneira deliberada a distribuição da saúde nas populações sem nenhuma referência aos grupos sociais nem às desigualdades sociais no campo da saúde. 4 4 -Krieger, N (2002) Glosario de Epidemiología Social, Rev Panam Salud Publica vol.11 no.5-6 Washington May/June 2002 http://www.paho.org/Spanish/SHA/be_v23n1-glosario.htm parte 1 http://www.paho.org/Spanish/SHA/be_v23n2-glosario.htm parte 2 . Acceso en septiembre 2008. Vamos examinar alguns casos cujas características podem repetir-se em diversos contextos Leia as situações apresentadas. Sugerimos que a leitura seja feita de modo sequencial, e que suas reflexões, a partir das perguntas abaixo, sejam anotadas no Caderno de Registro e Reflexão sobre os DSS: Estas situações são similares ou diferentes em seu país, região ou localidade? O que você pode nos contar sobre seu país, região ou localidade a respeito do que é feito para enfrentar as iniquidades sociais? Iniquidades na mortalidade materna em áreas urbanas Já se sabe que, mesmo em países desenvolvidos, os grupos populacionais menos favorecidos em termos socioeconômicos vivem menos e sofrem mais episódios de doença que aqueles mais ricos. Na cidade de São Paulo (Brasil), a mortalidade materna era de cerca de 40/100.000 em 2003. Na periferia urbana da mesma cidade, a mortalidade materna chegava a 65/100.000, enquanto entre as mulheres negras, essas 5 taxas subiam a 200/100.000. Iniquidades na expectativa de vida entre países Globalmente há diferenças dramáticas em relação ao grau de possibilidade de as pessoas levaram uma vida saudável. Os níveis de saúde são primordiais para mensurar essas diferenças. Uma mulher em Botswana tem expectativa de vida de 34 anos, enquanto no Japão, essa expectativa chega a 86 anos. O resto do mundo distribui-se entre esses dois extremos, com diferenças dentro de cada país segundo as camadas socioeconômicas. Iniquidades na evolução dos ganhos em saúde Na área industrial da região metropolitana de São Paulo (especificamente no município de Santo André), no final da década de 90, as adolescentes do sexo feminino apresentavam taxas de fecundidade três vezes maior que as taxas apresentadas por adolescentes da mesma idade, que viviam em áreas de inclusão social.6 Inequidades entre los resultados en salud relacionados con educación En El Salvador, por ejemplo, si la madre no tiene escolaridad sus bebés tienen 100 oportunidades sobre 1000 de morir en el primer año de vida. En cambio, si las madres tiene al menos la educación secundaria, la tasa de muerte infantil se reduce a la cuarta parte. 5 -Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, Brasil. Dados de 2004 - Duarte et alli Gravidez na adolescência e exclusão social: análise de disparidades intra-urbanas. Rev Panam Salud Publica. 2006; 19(4): 236-243 http://www.scielosp.org/pdf/rpsp/v19n4/30332.pdf 6 Pobreza, migração, gênero, condições de trabalho e de proteção social, cultura “Maria Alvarez, 18 anos, proveniente de uma população rural, migrou para a capital em busca de melhores oportunidades para ela e sua filha de três anos de idade. Maria lê e escreve com dificuldade. Abandonou a escola para trabalhar no campo e criar sua filha, após ter sido abandonada pelo companheiro. Quando a fazenda onde trabalhava encerrou suas atividades, devido à instalação de uma “zona franca” mais competitiva na região, migrou para a cidade. Sua baixa escolaridade a impedira de obter emprego na zona franca. Ao chegar à cidade, familiares que moravam na periferia lhe conseguiram um emprego de doméstica, onde foi aceita, recebendo um salário mínimo, mas sem direito a seguridade social. Depois de um mês, sua filha teve hepatite e Maria precisou levá-la com urgência ao Hospital Público. Após a internação, soube-se que, além de estar com hepatite, a menina estava também desnutrida. Embora o hospital fosse gratuito, Maria foi informada de que deveria pagar pelos exames laboratoriais e por alguns medicamentos que não faziam parte da “lista básica”. Os patrões de Maria lhe disseram que não poderia continuar trabalhando na casa, pois temiam o contágio dos membros da família, sobretudo do filho do casal. Com o dinheiro do mês trabalhado, só foi possível pagar os gastos da primeira semana de hospitalização da filha. No décimo dia da internação, a menina faleceu em decorrência de hepatite fulminante, agravada por um quadro prévio de desnutrição. Maria atualmente trabalha como garçonete em um bar, e ocasionalmente, como prostituta.” Diferença na qualidade do atendimento e serviços Maria, 42 anos, habitante da comunidade do município de Masaya, se dirige à Unidade de Saúde mais próxima em busca de atendimento para seu filho de seis meses, que apresenta quadro de vômitos, temperatura de 39,7 graus centígrados e diarréia, evoluindo há 24 horas. Maria chega com o bebê à Unidade de Saúde às 7:30 da manhã, e solicita atendimento. Recebe o número 68 para ser atendida na clínica geral. Após uma espera de meia hora, a temperatura da criança foi medida, e foram levados à URO, onde se começou a preencher a ficha do paciente, tarefa que demorou outros 15 minutos. O menino evoluiu com vômitos e diarréia, e a temperatura continuou subindo. Nesse momento, teve uma convulsão e foi transferido para o hospital mais próximo, onde se iniciou novamente o processo administrativo de internação. A criança foi a óbito na observação, enquanto estava sendo entubada Etnia, aceso ao atendimento, gênero, cultura, pobreza, vulnerabilidade Os povos ameríndios foram os primeiros sujeitos da história humana da Baixa América Central. Sempre se acreditou que os povos indígenas que haviam mantido costumes semelhantes aos de seus antepassados haviam preservado boas condições de saúde e sobrevivência. Atualmente, as mudanças decorrentes da globalização provocaram alterações demográficas, epidemiológicas e culturais com impacto negativo sobre a saúde. Hoje os ameríndios constituem minorias étnicas e apresentam maior grau de marginalização, e, apesar de sua longa história de resistência à dominação, seus direitos cotidianos continuam sendo limitados na educação, participação política efetiva e acesso aos serviços de saúde. Dedicam-se principalmente à agricultura. As condições de acesso das mulheres aos serviços de saúde dependem de sua localização geográfica e das barreiras impostas pelo idioma. Alguns povos conservam sua língua (Bribri e Cabecar). Entretanto, diferentemente dos homens, a maioria das mulheres não é bilíngue. O acesso ao atendimento durante a gravidez e parto é muito deficiente para as indígenas moradoras do distrito de Bratsi, no sudeste da Costa Rica, na fronteira com o Panamá. Aqui se encontram grupos étnicos ameríndios, falantes de Chibcha. O cantão de Talamanca possui um dos mais baixos índices de desenvolvimento humano (IDH) do país. Segundo sua localização geográfica, as localidades encontram-se divididas em: localidades antes de cruzar os rios (não há pontes), localidades além dos rios (Valle Talamanca) e localidades no alto das montanhas. Os dois últimos grupos de localidades têm população bastante dispersa, havendo às vezes mais de um quilômetro de distância entre os sítios. O risco de morte infantil no cantão de Salamanca é duas vezes o risco de morte em termos nacionais, e a desnutrição infantil tardia (24-35 meses) é atribuída à pobreza e parca cobertura dos programas de nutrição nessa zona. Actividad de integración Actividad de integración Recuperando sus anotaciones, le invitamos a que analice las siguientes cuestiones: ¿Cómo observa en su localidad la inequidad en salud?, ¿sobre qué grupos sociales se manifiesta con mayor énfasis? ¿Cuáles son las respuestas del gobierno ante esta situación? ¿qué grado y en qué espacio la comunidad participa activamente para mejorar las condiciones de vida? Identifique las fortalezas y debilidades del sector salud para atender las problemáticas sociales que impactan en la salud de su población. Éxito en esta tarea, y seguimos en la Unidad 2!