Fabulações do Exílio
Exile fables
Grazielle Aleixo Reis1
(UFRJ)
Resumo: Este trabalho objetiva propor uma reflexão sobre as diversas figurações de nação brasileira
presentes nas várias reescrituras do poema “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias, cuja temática
central gira em torno da questão de nacionalidade como uma construção ficcional. Dessa forma,
pretende-se tecer um breve mapa das fabulações criadas pelo imaginário poético do século XIX aos
nossos dias, fortalecendo a hipótese de que a idéia de nação vincula-se à noção de constructo ficcional.
Palavras-chave: ficção, nação, fabulações.
Abstract: This paper aims at proposing a reflection on the various figurations of the Brazilian nation
at the various rewritings of the poem "Song of the Exile", Gonçalves Dias, whose central theme
revolves around the question of nationality as a fictional construction. Thus, we intend to make a brief
statement of fables created by the poetic imagery of the nineteenth century to today, strengthening the
hypothesis that the idea of nation is tied to the notion of fictional construct.
Keywords: fiction, nation, fables
1. Introdução
“Gigante pela própria Natureza”
A noção de pátria que se constituiu no Romantismo configura-se como uma
construção ficcional elaborada através de um processo de idealização. Em outros termos, a
pátria foi concebida como fruto do imaginário coletivo do século XIX. No entanto, nesse
mesmo período, Machado de Assis já estabelece uma visão que se contrapõe à onda
idealizadora que se estende através de José de Alencar, por exemplo. Essa perspectiva de
Machado encontrada no texto “Instinto de Nacionalidade” (1873) insiste na idéia de que a
nação é elaborada por sentimentos íntimos. A partir do século XX, com o surgimento do
Modernismo, assume-se, então, uma visão crítica acerca da nação, dos problemas
existentes, do sentimento de brasilidade, da realidade vivida (e não da imaginada).
A Canção do Exílio, desde a primogênita surgida no Romantismo, de autoria de
Gonçalves Dias, até as mais atuais como a de Vinícius de Moraes, percorreu um caminho
de reflexão sobre a pátria, em diferentes momentos históricos. Esta obra poética ainda é
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uma possibilidade artística encontrada por muitos não somente para narrar uma nação,
mas também para narrar sobre os nossos “exílios” de cada dia.
Portanto, relatar uma nação é também uma atividade ficcional em que a presença ativa do
imaginário é decisiva nesse exercício e, dessa forma, a ficção adota o protocolo de criação
imaginária, e seu mais importante traço, de acordo com Iser (1996) é o autodesnudamento,
isto é, a capacidade de a ficção apresentar-se como realidade fingida.
2. A nação como comunidade imaginada e ficção
Esse trabalho investe na idéia de ficção tratada pelo teórico Wolfgang Iser (1996) e no
conceito de “comunidades imaginadas”, de Benedict Anderson (1983), para percorrer as
diversas figurações de nação presentes nas principais reescrituras da “Canção do Exílio”.
Partindo-se dessa base teórica, serão retomadas as leituras críticas desses poemas para
problematizar as idéias de nação construídas pela fabulação poética de cada um dos autores,
levando-se em consideração o contexto em que foram produzidas.
Primeiramente, Iser afirma que só podemos apreender o fictício e o imaginário
mediante a uma descrição de suas manifestações. No que diz respeito a elas, Iser assegura que
o fictício ocorre de forma proposital, uma vez que é dirigido a alguma coisa, enquanto o
imaginário é espontâneo. De acordo com autor, o imaginário caracteriza-se como uma
disposição antropológica, não se limitando apenas ao discurso literário; ele co-existe também
com as nossas experiências cotidianas, isto é, está presente em nossos sonhos, devaneios,
ilusão, até mesmo no limite da nossa existência. Ao contrário do que ocorre na vida real, na
literatura o fingimento que incide não está relacionado com o pragmatismo, com a dimensão
concreta da vida diária.
Vale ressaltar que tanto o fictício quanto o imaginário, instâncias que caracterizam a
ficção literária, confirmadas nas teses de Wolfgang Iser (1996), só existem através da
interação que ambos estabelecem entre si, ainda que se manifestem de maneiras diferentes.
Essa interação desencadeia em outra categoria tratada pelo teórico, que é o jogo (play) – tema
que não será abordado neste trabalho, mas que possivelmente poderá ser retomado em uma
futura investigação.
O fictício é a travessia que separa o mundo real do mundo imaginário. Ao
atravessarmos esta via assinamos o protocolo do fingimento, passando a viver uma espécie de
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realidade fingida, que configura assim uma experiência de alteridade. Vivemos um outro
porque nos reconhecemos lá e, assim, damos vida e sentido ao que parecia inativo. Mas qual
seria o espaço em que esta realidade vive? O espaço do imaginário, pois sem ele o fictício não
ocorreria. Em outras palavras, o fictício depende do imaginário para realizar inteiramente
aquilo que visa, forçando-o a ganhar uma forma. E para alcançar as suas intenções, é preciso
imaginar.
Entretanto, essas reflexões não respondem plenamente à questão de como as
categorias citadas acima criam condições necessárias para que a nação se configure como um
constructo ficcional. A resposta para tal questionamento está no fato de que ela (a nação
narrada) é nada mais que um resultado da atividade imaginária tanto de escritores como de
leitores.
Se associarmos a perspectiva teórica de Benedict Anderson com a idéia de que a
ficção inventa, constrói uma realidade, é possível compreendermos que tanto a nação tratada
pela ficção quanto a que elaboramos hoje no mundo concreto, ambas são constructos.
Entretanto, uma é assumidamente ficcional enquanto a outra, comprometida com os
protocolos de verdade, com a dimensão política, geográfica e econômica, não se reconhece
como uma fabulação, sugerindo que o ato de ficcionalizar é privativo do discurso artístico.
Ora, o que Anderson indaga é exatamente o quanto nosso conceito de nação está
associado a uma figuração. Dessa forma, isso nos permite “caminhar” pelas Canções do
Exílio e perceber o quanto cada uma delas, em seus contextos específicos, metaforizam a
própria história do Brasil.
Chamamos a atenção, então, para as três definições de nação propostas por Anderson,
que confirmam a reflexão acima:
“Primeira definição: a nação é imaginada como limitada (...), possui fronteiras finitas, ainda
que elásticas, para além das quais se encontram outras nações. (...) Segunda: é imaginada como
soberana, porque o conceito nasceu numa época em que o Iluminismo e a Revolução estavam
destruindo a legitimidade do reino dinástico hierárquico, divinamente instituído (...). O penhor
e o símbolo dessa liberdade é o Estado soberano. Terceira: a nação é imaginada como
comunidade porque, sem considerar a desigualdade e a exploração que atualmente prevalecem
em todas elas, a nação é sempre concebida como um companheirismo profundo desigual.”
(apud SANTIAGO, 2004).
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3. A nação brasileira em diferentes contextos, a partir das “Canções do Exílio”
Constituíram-se no Brasil diferentes idéias de nação para cada época. Os românticos,
por exemplo, exaltavam os ícones mais característicos da nação, como a natureza exuberante,
uma vez que não existiam naquele período, tradições políticas e filosóficas. José de Alencar,
uma das primeiras vozes teóricas que tratou da questão da nação brasileira, enfatizou tais
elementos naturais, a cor local e o índio como construtores de um sentido particular da pátria
Brasil. Nesse sentido, a geografia e a vegetação ocupavam lugar privilegiado de uma nação
que ainda precisava ser construída.
Na tentativa de se apropriar de um texto antigo para fazer um novo, os poetas
modernos estabeleceram um diálogo intertextual com os românticos, no que diz respeito à
Canção do Exílio. Através do recurso da paródia e do pastiche/ironia – termo utilizado por
Linda Hutcheon (1991), os modernistas realizaram um discurso da diferença, desconstruindo
em termos estruturais o padrão dos românticos, bem como a visão em relação à pátria.
No tópico a seguir, trataremos das figurações da nação a partir da análise das Canções.
4. Fabulações do Exílio
Para esta parte do trabalho, foi feita uma seleção intencional das reescrituras da
Canção do Exílio, que atendem aos objetivos propostos. Considerando que há um acúmulo
muito grande de leituras desses poemas e que tais leituras são praticamente de domínio
público, a metodologia não se destina em analisá-las, mas mapear os contextos em que foram
produzidas e como eles contribuíram para criar uma idéia de nação. Dessa forma, as Canções
serão esquematizadas, como anexo desse trabalho, dentro de blocos temáticos em que se
inserem.
5. Fabulações de uma nação, percepções do Exílio
O que foi fabulado a partir da Canção do Exílio matriz, escrita por Gonçalves Dias?
Esta foi a questão que motivou a proposta dessa investigação, conforme já foi elucidado
anteriormente. Para alcançarmos uma resposta, foi preciso mapear a trajetória das Canções
selecionadas, no sentido de que produziram diferentes fabulações da pátria, a partir do
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imaginário dos escritores, dos leitores, bem como do contexto em que foram escritas. Do
século XIX ao XX, esse poema, suas reescrituras e releituras teceram uma trama, cujos fios
desenham figurações que vão da nação em construção à nação contestada.
Partindo do começo do século XX, observamos que os modernistas abriram passagem
para uma percepção crítica da nação. “O canto de regresso à pátria”, de Oswald de Andrade,
escrito em 1925, converte e sintetiza de modo irônico a pátria na Rua 15, lugar que era um
solo das novas experimentações estéticas e das alquimias modernistas.
Cerca de quarenta anos depois, Torquato Neto confessará, em seu poema Marginalia
II, a sua crítica de que a pátria é o Terceiro Mundo, um lugar “da fome, do medo e muito
principalmente da morte”, devido ao contexto da ditadura de 1964 que a nação estava
vivenciando.
Já Vinícius de Moraes parece carregar nos braços uma pátria criança que precisa de
atenção e está fragilizada por um poder que a amedronta. O poeta declara seu amor a essa
“pátria sem sapatos”, “tão pobrinha”, que não é “mãe gentil”, mas que vive nele como uma
filha. Embora o poema tenha sido publicado em 1949, é retomado e relembrado no contexto
da ditadura.
Ainda neste mesmo contexto do golpe militar, o poema “Sabiá”, de Tom Jobim e
Chico Buarque traduz o desejo de regresso, apesar de todas as marcas deixadas pelo regime.
Retoma os símbolos do sabiá, da palmeira, expostos na Canção do Exílio, de Gonçalves Dias,
e caracteriza essa terra como um lugar de descanso, refúgio e paz. A pátria é o exílio da
esperança para o começo de uma nova era que estava por vir.
Por último, em “Nova Canção do Exílio”, de Ferreira Gullar, outra fabulação é
proposta: a pátria é erotizada e a percepção de exílio do poeta está no corpo feminino repleto
de mistérios e sensualidades: “Minha amada tem palmeiras/ Onde cantam passarinhos / e as
aves que ali gorjeiam/ em seus seios fazem ninhos”.
Ora, se considerarmos que as ficções literárias insistem na necessidade humana do
emprego do fingimento, podemos dizer, assim, que a produção poética da Canção do Exílio e
suas reescrituras construíram ficcionalmente uma nação.
6. Considerações finais
Cabe a nós, portanto, refletir que nação /pátria é essa dos tempos atuais? Seria a fusão
de todas as fabulações desde Gonçalves Dias? Ou algo totalmente diferente disso, que nos
induz a fabular um novo sentido de nação?
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Talvez a resposta, que será sempre provisória e parcial, encontre na imagem do
caleidoscópio sua melhor expressão. Pela multiplicidade de cores, luz e formas, pela
imprevisibilidade dos desenhos que engendra, o caleidoscópio encerra e encena o que pode
vir a ser. Se ontem visualizamos uma nação sintetizada na saudade do sabiá e da palmeira, ou
se a percebíamos como o fim do mundo, ou ainda, se ela foi vista tão frágil como uma
criança, talvez estejamos hoje diante de uma idéia mais complexa de nação. Nação não como
berço, não como síntese e identidade de um povo, mas como lugar de homens e mulheres
anônimos, feitos de muitas identidades fragmentadas e oscilantes.
A criação poética, como um caleidoscópio, que gira e movimenta seus fragmentos
coloridos, fabula e descortina uma nação inesperada e surpreendente. E os exílios, que antes
eram políticos, passaram a ter outras feições: a da exclusão social e econômica. Um exílio,
aliás, que nenhuma fabulação é capaz de abrandar a sua dor.
Referências
ABREU, Casimiro. As primaveras. São Paulo: Martins/INL, 1972.
ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas. São Paulo: Companhia das Letras, 1983.
ANDRADE, Oswald de. Poesias Reunidas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974, p,
144.
ASSIS, Machado de. Machado de Assis. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1986. Vol. III.
BUARQUE, Chico e JOBIM, Tom. Chico Buarque, Letras e Música. São Paulo: Companhia
das Letras, 1989, p. 57.
CITELLI, Adilson. Romantismo. São Paulo: Ática, 2007.
DIAS, Gonçalves. Poesias Completas. São Paulo: Saraiva, 1950, p. 47.
DUARTE, Ana Maria S. E SALOMÃO, W (org.). Torquato Neto. Os Últimos Dias de
Paupéria. Rio de Janeiro: Max Limonad, 1984.
ESTEVES, Paulo Luiz M. L. Paisagens em Ruínas: Exotismo e identidade nacional no Brasil
Oitocentista. Dados, Rio de Janeiro, IUPERJ, n. 4, 1998.
HUTCHEON, Linda. Poética do Pós-Modernismo. Rio de Janeiro: Imago, 1991.
ISER, Wolfgang. O fictício e o imaginário: Perspectivas de uma antropologia literária. Rio de
Janeiro: Eduerj, 1996.
MORAES, Vinícius. Poesia Completa e Prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1998, página
383.
PERRONE-MOISES, Leyla, Vira e mexe, nacionalismo: paradoxos do nacionalismo literário.
São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
ROCHA, J. C. C (org.). Teoria da ficção: indagações à obra de Wolfgang Iser. Rio de Janeiro:
EDUERJ, 1999.
SANTOS, Boaventura de Souza. Pelas mãos de Alice: o social e o político na pósmodernidade. São Paulo: Cortez, 1997.
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Anexo: reescrituras da Canção do Exílio, divididas em blocos temáticos
A nação em construção
”Nosso céu tem mais estrelas”
CANÇÃO DO EXÍLIO (Gonçalves Dias – Coimbra, 1843)
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
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CANÇÃO DO EXÍLIO (Casimiro de Abreu, Lisboa, 1859)
Eu nasci além dos mares:
Os meus lares,
Meus amores ficam lá!
― Onde canta nos retiros
Seus suspiros,
Suspiros o sabiá!
Oh! Que céu, que terra aquela,
Rica e bela
Como o céu de claro anil!
Que seiva, que luz, que galas,
Não exalas,
Não exalas, meu Brasil!
Oh! Que saudades tamanhas
Das montanhas,
Daqueles campos natais!
Que se mira,
Que se mira nos cristais!
Não amo a terra do exílio
Sou bom filho,
Quero a pátria, o meu país,
Quero a terra das mangueiras
E as palmeiras
E as palmeiras tão gentis!
Como a ave dos palmares
Pelos ares
Fugindo do caçador;
Eu vivo longe do ninho;
Sem carinho
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Sem carinho e sem amor!
Debalde eu olho e procuro...
Tudo escuro
Só vejo em roda de mim!
Falta a luz do lar paterno
Doce e terno,
Doce e terno para mim.
Distante do solo amado
― Desterrado ―
a vida não é feliz.
Nessa eterna primavera
Quem me dera,
Quem me dera o meu país!
A nação desconstruída
“Minha terra tem mais terra”
CANTO DO REGRESSO À PÁTRIA (Oswald de Andrade, 1925)
Minha terra tem palmares
onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
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Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo
A nação menina-mulher
“Teu nome é pátria amada, é patriazinha”
PÁTRIA MINHA (Vinícius de Moraes, 1949)
A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.
Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.
Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias pátria minha
Tão pobrinha!
Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
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Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!
Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.
Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...
Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!
Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.
Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
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Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.
Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!
Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.
Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.
Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
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"Pátria minha, saudades de quem te ama...
Vinicius de Moraes."
NOVA CANÇÃO DO EXÍLIO (Ferreira Gullar, 2000)
Para Cláudia
Minha amada tem palmeiras
Onde cantam passarinhos
e as aves que ali gorjeiam
em seus seios fazem ninhos
Ao brincarmos sós à noite
nem me dou conta de mim:
seu corpo branco na noite
luze mais do que o jasmim
Minha amada tem palmeiras
tem regatos tem cascata
e as aves que ali gorjeiam
são como flautas de prata
Não permita Deus que eu viva
perdido noutros caminhos
sem gozar das alegrias
que se escondem em seus carinhos
sem me perder nas palmeiras
onde cantam os passarinhos
************
A nação contestada
“Aqui é o fim do mundo”
MARGINÁLIA II (Torquato Neto, 1968)
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Eu, brasileiro, confesso
Minha culpa, meu pecado
Meu sonho desesperado
Meu bem guardado segredo
Minha aflição
Eu, brasileiro, confesso
Minha culpa, meu degredo
Pão seco de cada dia
Tropical melancolia
Negra solidão
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui, o Terceiro Mundo
Pede a bênção e vai dormir
Entre cascatas, palmeiras
Araçás e bananeiras
Ao canto da juriti
Aqui, meu pânico e glória
Aqui, meu laço e cadeia
Conheço bem minha história
Começa na lua cheia
E termina antes do fim
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Minha terra tem palmeiras
Onde sopra o vento forte
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Da fome, do medo e muito
Principalmente da morte
Olelê, lalá
A bomba explode lá fora
E agora, o que vou temer?
Oh, yes, nós temos banana
Até pra dar e vender
Olelê, lalá
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
O exílio da nação
“Sei que ainda vou voltar”
SABIÁ (Tom Jobim e Chico Buarque, 1968)
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá.
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra de uma palmeira
Que já não há
Colher a flor que já não dá
E algum amor
Talvez possa encontrar
As noites que eu não queria
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E anunciar o dia.
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos de me enganar
Como fiz enganos de me encontrar
Como fiz estradas de me perder
Fiz de tudo
E nada de te esquecer.
Recebido em 10/10/2010.
Aprovado em 12/11/2010.
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