Boletim de Iniciação Científica em Psicologia – 2003, 4(1): 11-24
O psicólogo hospitalar na visão do
paciente hospitalizado: um estudo
das representações sociais
Luciane Cristina Nunes, Dinorah Fernandes Gióia-Martins
Resumo: As Representações Sociais (RS) são entendidas como uma forma
de saber que está ligada ao senso comum e são compostas por três dimensões: informação, atitude e campo de representação. Esta pesquisa teve
por objetivo geral investigar a percepção do paciente hospitalizado a respeito do psicólogo que atua em hospitais gerais, com base na teoria das RS.
Para tanto, realizaram-se 12 entrevistas semidirigidas com pacientes hospitalizados em uma instituição particular da cidade de São Paulo e analisou-se
cada entrevista dentro de uma ótica psicodinâmica. Os resultados encontrados apresentaram uma grande diversidade de respostas, que levaram à
hipótese de que cada paciente percebeu o psicólogo hospitalar de uma
forma bastante pessoal, o que permitiu pensar na flexibilidade desse profissional para oferecer respostas terapêuticas às demandas individuais surgidas
dentro de um hospital geral.
Palavras-chave: representação social; psicologia hospitalar; pesquisa qualitativa.
The hospital psychologist through the eyes of the
hospitalized patient: a study of the social representations
Abstract: The Social Representations (SR) are seen as a way of acquiring
knowledge that is linked to common sense and are composed by three
dimensions: information, attitude and representation field. The objective of
this research was to investigate the perception of the hospitalized patient in
relation to the psychologist who works in hospitals, using the SR theory as
a basis. Therefore, 12 semi-directive interviews with hospitalized patients
were carried out in a private institution in São Paulo. These interviews were
analyzed through a psychodynamic point of view. The results showed a
huge variety of answers, which led us to believe that each patient perceived
the hospital psychologist in their own personal way. This enabled us to
reflect upon the flexibility of this professional in order to offer therapeutic
answers to individual needs in general hospitals.
Keywords: social representation; hospital psychology; qualitative interview.
Introdução
Esta pesquisa surgiu do interesse em compreender melhor a realidade do exercício
da profissão de psicólogo clínico em hospitais gerais. Trata-se de uma área profissional
ainda em expansão, como se observa na crescente oferta de cursos de extensão e de
especialização voltados para a prática psicológica em hospitais gerais.
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Para dar início a este estudo, buscaram-se trabalhos relacionados diretamente ao
tema escolhido, a fim de verificar o que já se havia produzido em termos da teoria das
Representações Sociais acerca do papel do psicólogo hospitalar. Não se encontraram
trabalhos dentro do tema específico, mas constatou-se o uso da teoria das representações sociais em diversas pesquisas em psicologia.
Entre elas, o estudo de Araújo e Trindade (1990), que aborda a representação social
das atividades do psicólogo entre dois segmentos distintos da sociedade. Esses autores realizaram entrevistas com 60 colaboradores, sendo 30 de classe baixa e 30 de classe média, utilizando, para isso, um questionário padronizado. Os resultados mostraram
que a atuação como psicólogo clínico é o modelo mais conhecido pela população, embora 73,3% dos entrevistados da classe baixa não possuíssem qualquer modelo de
representação social do psicólogo por não terem quaisquer conhecimentos de quem
seja esse profissional.
O trabalho de Leme, Bussab e Otta (1989) também está relacionado à representação social da psicologia. Essas autoras realizaram pesquisa estatística com 556 alunos
ingressantes em curso de psicologia da cidade de São Paulo, utilizando como material
um questionário entregue aos alunos no primeiro dia de aula, durante os anos de 1976
a 1984. As respostas foram submetidas a uma análise de conteúdo que buscava investigar as três dimensões da representação social (informação, atitude e imagem). Os
resultados mostraram que a psicologia era uma profissão conhecida (74%), mas principalmente na área clínica; havia uma atitude predominantemente negativa em relação ao psicólogo (73%) e o campo de representação mostrava que o leigo aproximava
a psicologia de outras profissões (85%) ou lhe conferia o caráter de “guia espiritual”
ou ainda “confidente”. Ainda dentro da categoria do campo da representação, as autoras sistematizaram três subcategorias, envolvendo valorações positivas ou negativas
das respostas em relação ao saber, modo de atuação ou personalidade do psicólogo.
Os resultados indicaram que os valores negativos surgiram com mais freqüência (profissional incompetente, invasor e “louco/pirado”) do que os positivos (alguém que
soluciona problemas e é inteligente e seguro).
Outro estudo, também conduzido com alunos de psicologia, foi realizado por Enéas
(1997). Diferentemente do trabalho acima citado, o estudo de Enéas teve por base
uma pesquisa qualitativa com 12 estudantes do oitavo semestre do curso de psicologia de uma universidade particular da cidade de São Paulo e buscava investigar a representação social desses alunos em relação ao estágio clínico pelo qual passariam no
semestre seguinte. Por meio de atividades em grupo e dramatização, em que supostos clientes iam a uma consulta com um psicólogo, a autora constatou que a ansiedade pela qual passavam os alunos, naquele momento, teve papel fundamental nas
escolhas que fizeram em suas dramatizações, ora apresentando casos que exigiam um
“superterapeuta”, ora trazendo situações mais trabalháveis.
Micelli & Aiello-Vaisberg (2001) apresentaram um estudo qualitativo feito com cinco residentes de medicina de primeiro ano. O instrumento utilizado foi a técnica do
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desenho-estória com tema, em que o residente fazia um desenho relacionado ao tema
da interconsulta e, no verso, escrevia uma história sobre esse desenho. O material foi
analisado dentro da ótica psicanalítica da teoria dos campos e, posteriormente, foram
feitas entrevistas devolutivas com cada participante. Os resultados mostraram que os
pedidos de interconsulta imaginados estavam intensamente relacionados a “vivências
de angústia despertadas pela possibilidade de morte, incapacitação, abandono afetivo
e sentimento de desesperança” (MICELLI e AIELLO-VAISBERG, 2001, p. 63).
Feita esta breve revisão bibliográfica, apresenta-se ao leitor a teoria das representações sociais e uma base teórica a respeito do papel do psicólogo hospitalar, a fim de
possibilitar melhor compreensão dos resultados obtidos.
Representações Sociais
As Representações Sociais (RS) podem ser entendidas como uma forma de saber
que está ligada ao senso comum, às experiências cotidianas e às relações entre os indivíduos de uma sociedade. Por meio delas, as pessoas buscam compreender ou explicar determinados fenômenos, influenciando o nível social, da mesma forma que
são por ele influenciadas. “Através da representação social, o indivíduo se apropria e
ordena o mundo, dando sentido àquilo que parece ser ‘estranho’, ou que, à primeira vista, é hermético, considerado propriedade de especialistas” (CARVALHO, 1994,
p. 4). Dessa forma, as RS são produzidas para tornar familiar aquilo que ainda não o
é, para permitir que algo ainda desconhecido se torne conhecido e próximo. Carvalho (op. cit., p. 4) acrescenta que a RS oferece às pessoas “parâmetros para o comportamento e orientação para as relações sociais”. Ainda assim, segundo Gióia-Martins
(1998), nem todo conhecimento produzido na dinâmica das relações sociais cotidianas pode ser considerado uma RS. Para isso, é necessário que tal conhecimento seja
“elaborado socialmente e que funciona no sentido de interpretar, pensar e agir sobre
a realidade” (GIÓIA–MARTINS, 1998, p. 12).
Segundo Sá (1993), o conceito de Representação Social se deve a Moscovici, em
razão de seu trabalho La psychanalyse, son image et son public. Nesse estudo, o psicólogo francês tratava, entre outros temas afins, da socialização da psicanálise e da forma
como a população de Paris havia se apropriado dessa ciência. Para chegar ao conceito
de Representação Social, ainda segundo Sá, Moscovici partiu da teoria de Durkheim
sobre Representações Coletivas, como forma de se opor à psicologia individual norteamericana e buscar maneiras de “dar conta das relações informais, cotidianas, da vida
humana, em um nível mais propriamente social ou coletivo” (SÁ, 1993, p. 20).
Durkheim afirmava que “a vida coletiva não existe a não ser no todo formado pela
reunião de indivíduos” (DURKHEIM, 1994, p. 45). Como cada indivíduo possui suas representações mentais de fatos, situações ou pessoas e a “sociedade tem por substrato o
conjunto de indivíduos associados” (op. cit., p. 41), seria lógico supor que as representações formadas individualmente se somariam, de certo modo, para constituir o cole-
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tivo. No entanto, Durkheim (1994) afirmava que as representações coletivas vão além
disso, pois possuem características que lhes conferem, até mesmo, exterioridade e
autonomia em relação aos indivíduos. Fazem parte de algo maior, pois as “combinações se convertem em outra coisa diferente com relação a cada um de seus elementos” (DURKHEIM, 1994, p. 43). Em outras palavras, pode-se dizer que as representações
individuais, ao se juntarem os indivíduos de uma sociedade, alteram-se com esta união,
combinando-se de forma a gerar algo novo, pois “o fenômeno social não depende da
natureza pessoal dos indivíduos” (op. cit., p. 44).
Moscovici, de acordo com Sá, partiu desse conceito de Durkheim para começar
suas “objeções ao excessivo individualismo da psicologia social americana” (SÁ, 1993,
p. 23) e, assim, elaborou sua teoria das Representações Sociais, acrescentando conceitos e lhe conferindo um caráter mais dinâmico, próprio de uma sociedade em constante movimento e transformação.
As RS são produzidas nos chamados universos consensuais, nos quais ocorrem as
interações sociais cotidianas. Diferentemente destes, tem-se o conceito de universos
reificados, considerados meios mais restritos, em que são produzidos conhecimentos
dentro da metodologia e do rigor científicos. Sá (op. cit.) afirma que, de uma forma ou
de outra, as RS acabam por derivar dos universos reificados, na medida em que a sociedade se apropria do que a ciência cria constantemente.
Moscovici identificou dois processos básicos na elaboração das RS: a ancoragem e
a objetivação. O primeiro
ajusta o objeto representado à realidade da qual ele foi sacado, promovendo a constituição de uma rede de significações em torno do objeto e orientando as conexões entre ele
e o meio social (CARVALHO, 1998, p. 6).
Dessa forma, a ancoragem permite que o objeto representado se torne uma forma
de interpretar a realidade, na medida em que faz parte dessa realidade, ao mesmo
tempo em que o real lhe serve de contexto. Ancorar, portanto, é “duplicar uma figura por um sentido, fornecer um contexto inteligível ao objeto, interpretá-lo” (SÁ, 1993,
p. 34). É ter um elo de ligação entre o fenômeno e a realidade, a fim de que o primeiro não fique “solto”, sem sentido e sem contexto; então, é “ancorado” num momento sócio-histórico.
O segundo processo, a objetivação, consiste em “dar materialidade a um objeto
abstrato” (op. cit., p. 34). Carvalho (1998, p. 6) acrescenta: “transportando para seu
mundo um conhecimento que era apenas inferência ou símbolo, o sujeito o incorpora ao oferecer-lhe status de coisa e, então, pode manuseá-lo”. Com a objetivação, o intangível torna-se concreto e, portanto, mais compreensível. É como buscar
uma forma de reabsorver todas as significações relativas àquele objeto e dar-lhe
substância.
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Como fruto desses dois processos de elaboração, as RS incluem-se em universos de
opinião e cada um desses universos, segundo Moscovici (1978), possui três dimensões:
a atitude, a informação e o campo de representação ou imagem.
A informação está relacionada com o que um grupo sabe a respeito de um fenômeno ou objeto social, em termos de consistência e coerência. É, portanto, a dimensão que investiga o conhecimento do grupo social acerca do objeto.
A atitude envolve uma tomada de posição em relação ao fenômeno, ou seja, ser
favorável ou desfavorável, por exemplo. Logo, trata-se da dimensão que envolve a
orientação global do sujeito em relação ao objeto.
O campo de representação é a imagem formada a respeito do fenômeno social
e que indica o conjunto representado, mesmo que não esteja sistematizado ou organizado.
O papel do psicólogo hospitalar
Um hospital geral oferece diversas formas de atuação para o psicólogo, segundo
Romano (1999). A autora observa que há, por exemplo, uma atuação organizacional,
voltada para a política de recursos humanos – tem-se, então, um psicólogo com especialização em psicologia organizacional. Há, também, uma abordagem institucional,
no caso de haver interesse ou necessidade de compreender o clima institucional e as
interações dinâmicas entre os membros da equipe, as quais possam comprometer o
cumprimento das tarefas diárias – para o que se necessita de um psicólogo institucional. A outra possibilidade é a atuação junto ao paciente hospitalizado e sua família.
Estar “diretamente voltado para o doente” é o que caracteriza o psicólogo hospitalar,
ficando as demais atuações como sendo aquelas realizadas por psicólogos “em” hospitais (ROMANO, 1999, p. 25).
Feita essa distinção entre psicologia no hospital e psicologia hospitalar, é importante salientar que, quando se trata do trabalho junto ao paciente e à família, torna-se
necessário contextualizá-lo dentro da instituição em que ocorre, a fim de diferenciá-lo
da psicologia clínica realizada no consultório particular. Num hospital, há uma série de
diferenças com relação a tempo de atendimento, setting terapêutico, quantidade e
duração dos encontros. Assim, Penna (1992, p. 363) afirma que “a prioridade, a freqüência e a duração das sessões só devem ser estabelecidas sob a forma de intenção”.
Essa mesma autora lembra que o setting hospitalar é “adverso à atividade psicoterapêutica, exigindo do profissional uma postura flexível no objetivo de contornar as dificuldades”. Por isso, ao trabalhar em hospitais, o psicólogo deve estar atento a essas
diferenças e, principalmente, saber o que deve ser foco de sua intervenção e o que não
pode ser trabalhado naquele momento.
Quanto ao papel específico do psicólogo hospitalar, esta pesquisa restringiu-se à
atuação profissional em enfermaria ou unidades de internação, local onde está “a essência, a característica principal de um hospital” (ROMANO, 1999, p. 56).
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Tal atuação teve início no começo do século XX, com o objetivo de “integrar a Psicologia na educação médica” (GIÓIA-MARTINS e ROCHA Jr., 2001, p. 36). Ainda segundo
esses autores, o trabalho estava baseado no modelo médico cartesiano, o que fazia a
atuação do psicólogo estar mais voltada para a humanização dos atendimentos aos
pacientes. Ainda hoje, “o psicólogo tem importante contribuição no sentido de humanização do hospital” (CAMPOS, 1988, p. 83), e a autora continua: “humanizar o atendimento é atender às circunstâncias e necessidades do outro, assim como a humanização
das condições de trabalho do pessoal hospitalar”. Gióia-Martins e Rocha Jr. (2001, p. 40),
para quem a perspectiva holística de compreensão e tratamento do paciente deve prevalecer, acrescentam que o papel do psicólogo hospitalar deve ser o de
um agente de mudanças, um especialista em relações, com a atuação voltada para o
social, para a comunidade, numa atividade curativa e preventiva, trabalhando com os
conteúdos manifestos e latentes, tendo a função de diagnosticar e compreender o que
está envolvido na queixa, no sintoma, na patologia, contribuindo também para a humanização do hospital numa função educativa, profilática e psicoterapêutica.
Campos (1988, p. 75) afirma que “o profissional de saúde atua no ajustamento do
paciente às condições de vida hospitalar” e continua: “[...] o profissional de saúde
deve buscar em seu trabalho a recuperação do paciente, sua reintegração segura ao
ambiente familiar e social em geral”. Portanto, não são todas as situações trazidas pelo
paciente que podem ser objeto de intervenção psicológica e sim aquelas inerentes ao
processo do adoecer, à sua permanência no hospital e à conseqüente recuperação e
reintegração social desse indivíduo.
Em comum nesses trabalhos, observa-se que o psicólogo hospitalar:
• realiza
sua atividade partindo da compreensão (e, às vezes, limitação) do contexto institucional em que se encontra, tendo a necessidade de adaptar técnicas e
teorias para essa realidade hospitalar;
• detém os conhecimentos psicológicos necessários à compreensão da dinâmica
psíquica do paciente;
• focaliza sua intervenção no momento pelo qual o paciente atravessa: a doença, a
hospitalização, suas conseqüências e significados para esse indivíduo, visando a
ajudá-lo a lidar melhor com suas emoções intensificadas pelo período de crise;
• não deixa de considerar o futuro: a recuperação e reingresso social do paciente,
para o qual se torna necessário investir em medidas educativas ou psicoprofiláticas, ou o eventual preparo para lidar com morte (paciente, família e equipe).
Quanto aos instrumentos necessários à realização de seu trabalho, o psicólogo hospitalar deve contar com teoria e técnica que sirvam de fundamento para sua atuação,
pois “não é sua linha teórica que o identificará, mas quem dela se beneficia” (ROMANO,
1999, p. 25). Campos (1988, p. 76) acrescenta: “no relacionamento com o paciente,
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além da prática do bom senso, pelo profissional da saúde, será de grande valia, para
maior eficiência, a utilização de meios psicológicos, técnicos e científicos, que o psicólogo deve dominar”. Gióia-Martins & Rocha Jr. (2001, p. 40) especificam quais seriam
esses recursos que o psicólogo deve conhecer solidamente e utilizar na prática da clínica hospitalar: “entrevista, observação, psicodiagnóstico, psicoterapia individual e
grupal, testes psicológicos, psicoterapias breves focais, observação lúdica, dinâmica de
grupos, grupos operativos, técnicas corporais, dentre outros”.
Além do que já foi aqui descrito, é importante salientar que, nos diversos trabalhos
pesquisados, observou-se um consenso entre os autores quanto ao fato de o psicólogo hospitalar desempenhar suas atividades em três frentes de atuação: a assistência
(ao paciente e seus familiares), o ensino (“contribuir de alguma forma para o aperfeiçoamento de outros psicólogos e de outros profissionais da saúde” – Campos, 1988,
p. 91) e a pesquisa, que permite construir, refletir e reformular os conhecimentos científicos necessários ao melhor desempenho do profissional da psicologia hospitalar.
Método
Universo e amostra
A presente pesquisa trabalhou com 12 pacientes hospitalizados em unidades de
internação (enfermarias) de um hospital particular da cidade de São Paulo. Tais pacientes tinham idades variando entre 18 e 62 anos e foram selecionados de acordo com
sua disponibilidade e consentimento para participar da pesquisa, e também obedecendo aos seguintes critérios:
• 50%
da amostra foi composta por pacientes que já haviam recebido ou estavam
recebendo acompanhamento psicológico do Serviço de Psicologia da instituição
em que ocorreu a pesquisa;
• a outra metade da amostra foi composta por pacientes que ainda não haviam
recebido atendimento psicológico, mesmo estando nas unidades de internação
desse mesmo hospital.
Em ambos os casos, houve igual distribuição de pacientes do sexo masculino e do
sexo feminino. Para as duas amostras, estado civil e escolaridade não foram considerados itens relevantes, tendo em vista os objetivos desta pesquisa.
Justificou-se a escolha das diferentes amostras acima descritas em razão de um dos
objetivos desta pesquisa ter sido a comparação dos dados em dois momentos distintos: antes de o paciente ter contato com o psicólogo hospitalar e depois de ter sido
atendido por esse profissional.
Instrumentos
Para a realização deste trabalho, o instrumento utilizado foi a entrevista semidirigida com os pacientes, tendo um roteiro prévio como orientador, a fim de que todas as
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informações necessárias pudessem ser colhidas. A escolha de tal instrumento se justificou pelo fato de que a entrevista semidirigida com roteiro prévio facilita ao paciente
a livre expressão de suas idéias, dentro do tema proposto, sem perder de vista as informações que deviam ser coletadas para a pesquisa. Segue o roteiro:
1. O(a) senhor(a) sabe que tem um Serviço de Psicologia aqui no hospital?
2. O que o(a) senhor(a) acha que um psicólogo faz quando trabalha num hospital?
3. Em que situações o(a) senhor(a) acha que um paciente pode precisar do serviço
de um psicólogo dentro do hospital?
4. Quando o(a) senhor(a) pensa num psicólogo, que imagem lhe vem à cabeça?
5. O(a) senhor(a) já foi atendido por algum psicólogo? Onde e quando?
a. Se não foi atendido: O(a) senhor(a) gostaria de ser atendido? Por quê?
b. Se já foi ou está sendo atendido: O(a) senhor(a) gosta(ou) de ser atendido?
Por quê?
6. Que opinião o(a) senhor(a) tem a respeito do trabalho do psicólogo em hospitais?
Procedimentos
Optou-se por um hospital particular da zona leste da cidade de São Paulo, cujo Serviço de Psicologia demonstrou interesse por esta pesquisa ao ser contatado inicialmente pela estagiária. O hospital atende, primordialmente, moradores das regiões próximas
e a maioria dos pacientes entrevistados possuía o convênio médico da própria instituição, de valor mais acessível do que os demais planos de assistência no mercado.
Quanto à coleta de dados, a estagiária apresentou-se para cada entrevistado e
informou que estava realizando uma pesquisa junto aos pacientes para conhecer a opinião deles a respeito de alguns serviços do hospital.
Quando o paciente consentia em participar, a estagiária ressaltava que a entrevista
seria gravada para preservar a fidelidade dos dados fornecidos, mas que o sigilo a respeito de sua identidade seria mantido, pois não constariam dados do paciente na gravação. Em seguida, apresentava a carta de esclarecimento e de livre consentimento, a
fim de obedecer aos princípios éticos que regem as pesquisas com seres humanos e
garantir ao colaborador o acesso a todas as informações necessárias à sua decisão de
participar ou não.
Uma vez que o paciente tivesse recebido todas essas informações e mantivesse seu
consentimento para participar da pesquisa, era realizada, então, a entrevista semidirigida, orientada pelo roteiro prévio já apresentado.
Foram abordados 14 pacientes no período de 22 de fevereiro a 14 de março de
2003. Deste total, dois não quiseram participar da pesquisa. Os 12 que participaram
foram entrevistados no leito em que se encontravam e o tempo de entrevista variou
de 10 a 25 minutos, conforme a disponibilidade de cada paciente para conversar e
expor suas idéias.
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Proposta de análise de dados
Cada entrevista foi transcrita literalmente e, em seguida, foi feita a análise qualitativa dos conteúdos obtidos, conforme metodologia já descrita por Bardin (2000), dentro de uma ótica psicodinâmica e trabalhando com raciocínio hipotético-dedutivo, a
fim de que pudessem ser compreendidos os seguintes aspectos relativos ao discurso
do participante, no que se refere ao objetivo geral deste trabalho:
• nível
de informação que o paciente possuía a respeito do papel do psicólogo hospitalar;
• atitude do paciente em relação a esse profissional;
• campo da representação social.
Após a análise qualitativa, foram realizadas as comparações relativas aos objetivos
específicos desta pesquisa: 1) foram comparadas as respostas dos pacientes do sexo
feminino com as dos pacientes do sexo masculino, a fim de verificar se havia diferenças significativas entre os gêneros; 2) compararam-se, também, os dados obtidos com
os pacientes que ainda não tinham tido contato com o psicólogo hospitalar da instituição e aqueles fornecidos por pacientes que estavam ou estiveram em atendimento
por esse profissional, o que permitiu avaliar se o contato com o psicólogo hospitalar
pôde influenciar a informação, a atitude e o campo de representação social que o
paciente formou a respeito desse profissional.
Resultados
Objetivo geral
a) Informação sobre a identidade e o papel do psicólogo hospitalar – 66,67% dos
participantes conseguiram expressar a percepção de algumas atividades que
fazem parte do exercício profissional do psicólogo hospitalar, como cuidar do
estado emocional do paciente, integrá-lo à dinâmica do hospital, acolhê-lo, propiciar o diálogo, buscar informações sobre seu histórico de vida e orientá-lo
durante a hospitalização – caracterizadas, portanto, como respostas incompletas; 16,67% dos pacientes não possuíam qualquer informação a respeito desse
profissional e suas atribuições num hospital geral; 8,33% dos pacientes responderam de modo vago (“orientar”, “esclarecer”, sem maiores especificações) e
8,33% dos entrevistados deram respostas incorretas (“o psicólogo comunica o
falecimento do paciente aos familiares”);
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Categoria: Informação
17%
Sem informação
8%
8%
67%
Respostas vagas (orientar, esclarecer)
Respostas erradas (“comunicar o falecimento do
paciente”)
Respostas incompletas (perceberam, ao menos,
uma das atribuições do psicólogo hospitalar)
Gráfico 1: Resultados obtidos após análise qualitativa de entrevistas com pacientes hospitalizados,
quanto ao nível de informação do paciente a respeito do psicólogo hospitalar. n=12.
b) Atitude em relação ao psicólogo hospitalar – 83,33% dos pacientes expressaram uma atitude favorável. Desse percentual, observou-se que 50% procuraram
usar palavras positivas em relação ao modo como viam o psicólogo, mas, ao se
analisar cuidadosamente o discurso desses entrevistados, foi possível constatar
que evitariam novo contato com o profissional de psicologia hospitalar, alegando “que não viam necessidade de serem atendidos”, o que indica que sua atitude para com o psicólogo era, de fato, desfavorável e lhe atribuíam um valor
negativo, embora tentassem ocultar isso por meio do uso de palavras positivas
quando se referiam, de modo generalizado, aos psicólogos. A recusa a um novo
atendimento baseou-se na associação entre “psicologia e loucura” e na cisão
“corpo-mente”, implícita no discurso desses entrevistados. Os 16,67% restantes não puderam ter sua atitude avaliada por não possuírem qualquer informação sobre a identidade e as atribuições do psicólogo hospitalar;
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Categoria: Atitude
17%
Positiva
Não pôde ser avaliada
(não sabem quem é o
psicólogo)
83%
Gráfico 2: Resultados obtidos quanto à atitude do paciente em relação ao psicólogo hospitalar. n=12.
c) Campo de representação social – apresentou grande variação. Surgiram associações com figuras como orientador, conselheiro e padre (33,33%); imagens de
pessoas queridas como amigo ou familiar (16,67%); associação do psicólogo
hospitalar com o psicanalista, que, por meio de sua postura de neutralidade,
permitem o espelhamento do paciente (8,33%); profissional que cuida de
pacientes com doenças mentais (8,33%); estereótipo do “psicólogo bonzinho”,
que tranqüiliza e conforta (8,33%); e qualquer pessoa que tenha estudado
muito (8,33%). Os 16,67% restantes não possuíam qualquer campo de representação para o psicólogo.
Categoria: Campo de Representação
17%
Orientador, Conselheiro e Padre
34%
8%
Familiar ou amigo
Psicanalista clássico
Cuida de doenças mentais
Bonzinho, tranqüiliza e conforta
8%
Pessoa que estudou muito
Sem qualquer associação
8%
17%
8%
Gráfico 3: Resultados obtidos quanto ao campo de representação social. n=12.
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Objetivos específicos
a) 50% dos pacientes que não tiveram contato com o psicólogo do hospital tiveram
maior dificuldade para definir quem é esse profissional e quais suas atribuições,
enquanto os outros 50% conseguiram expressar a percepção de, pelo menos, alguma atividade que fizesse parte do exercício profissional do psicólogo hospitalar;
b) apenas 16,67% dos pacientes que tiveram contato com o psicólogo hospitalar
tiveram tal dificuldade, já que os 83,33% restantes conseguiram dar respostas
que incluíssem a identidade do psicólogo e seu papel num hospital, mesmo que
de modo incompleto;
c) não houve diferenças significativas nas categorias de respostas dadas por homens ou mulheres.
A respeito desses resultados, vale ressaltar que alguns autores consultados, entre
eles Romano (1999), Penna (1992) e Campos (1988), citaram como papel do psicólogo hospitalar a integração paciente-equipe-dinâmica da instituição, atuação suportiva
e de esclarecimento junto a pacientes e familiares, oferecimento de espaço para a
expressão e o cuidado das emoções e vivências mobilizadas pela hospitalização, entre
outras possibilidades. Alguns pacientes entrevistados conseguiram perceber partes
dessas atribuições do psicólogo, mesmo que de modo isolado e pouco claro, muitas
vezes até intuitivo, mas tratou-se de algo considerado positivo com relação à identidade do profissional da Psicologia.
Foi possível constatar, ainda, em diversos pacientes, o que Campos (1988, p. 77)
apontou em seu trabalho: “muitas vezes, observam-se regressões emocionais, negação da realidade ou apego afetivo a funcionários do hospital, ou mesmo uma dependência do pessoal”. Em muitas entrevistas, observou-se como tal regressão emocional
teve papel importante para a relação que se estabeleceu entre pacientes e psicólogo
da instituição, retratada na forma como esse profissional foi percebido pelo entrevistado e, também, na necessidade que muitos tiveram de transferir para o concreto algumas das intervenções do psicólogo hospitalar.
Cabe citar, ainda, uma afirmação de Penna (1992, p. 362): “é necessário compreender a doença e a hospitalização na significação particular e específica que tem
para cada indivíduo”. Os dados colhidos, manifestos e latentes, demonstraram como
cada indivíduo percebeu o processo de hospitalização, deu-lhe significado e buscou
uma resolução, dentro de suas características e de seus recursos internos.
A mesma autora também afirma (PENNA, 1992, p. 362): “a necessidade de um atendimento psicoterápico pode não ser percebida pelos pacientes [...] suas preocupações
estão dirigidas para o corpo [...] ou seja, as catexias muito fortes dirigidas para o corpo
impedem o acesso às vertentes inconscientes da situação”. Em diversas entrevistas, foi
possível observar como a rejeição a uma nova visita da psicóloga baseava-se na intensa
canalização da energia do indivíduo para o que lhe acontecia organicamente. Em outros
casos, a rejeição repousava no fato de atribuírem “poderes” especiais ao psicólogo para
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O psicólogo hospitalar na visão do paciente hospitalizado
descobrir algo que o paciente desejasse ocultar, ainda que inconscientemente. E para
este segundo motivo, ressalta-se que a atuação do psicólogo pode contribuir para que
o paciente reveja seus valores e atitudes no que esse refere a esse profissional.
Um outro dado importante, que surgiu com certa freqüência nas entrevistas, foi a
percepção de que conversar é algo que se faz com o psicólogo. Embora o termo “conversar” possa ter diversos significados, em especial no senso comum, considerou-se que
o diálogo é algo importante no trabalho do psicólogo, não esquecendo, naturalmente,
daquelas interações que ocorrem em outros níveis. Dentro de um hospital, há muitos
profissionais e o psicólogo só muito recentemente tem optado por buscar e conquistar
espaço nessa instituição. Portanto, se for levado em conta que nossa categoria profissional manteve-se muito distante da realidade da maioria dos brasileiros ao longo de sua
história neste país, considerou-se valioso que alguns pacientes tenham conseguido reconhecer no psicólogo o profissional que oferece espaço para escuta, acolhida e diálogo.
Outra informação importante deve ser mencionada: a instituição em que esta pesquisa foi realizada possui um serviço de psicologia atuante, o que certamente contribuiu para que os resultados obtidos fossem significativos na comparação entre os
pacientes que tiveram contato com os profissionais da casa e aqueles que não tiveram.
Conclusões
Diante dos resultados obtidos, considerou-se que os objetivos propostos inicialmente
(tanto geral como específicos) foram alcançados. A diversidade de respostas oferecidas
pelos pacientes indicou que cada um dos entrevistados teve a sua percepção da identidade e atribuições do psicólogo hospitalar. Essa percepção individual pode ser resultado
da flexibilidade do profissional para oferecer diversidade de atuação junto a cada paciente, já que o psicólogo hospitalar possui o preparo e a escuta para responder terapeuticamente às demandas singulares num hospital, as quais surgem em decorrência das
vivências individuais mobilizadas pelo processo de adoecer e de hospitalização.
Outra hipótese levantada está relacionada à identidade do profissional de psicologia. Pensou-se na possibilidade de que o papel do psicólogo hospitalar ainda não esteja claro para os próprios profissionais da área, de maneira que, para cada paciente, o
psicólogo poderia exercer um papel distinto, não apenas para atender às demandas
individuais, mas também por não possuir clareza quanto à sua identidade e suas atribuições no hospital geral. Com isso, cada paciente também teria uma visão muito particular do psicólogo hospitalar, o que poderia explicar a grande diversidade de
respostas oferecidas pelos participantes desta pesquisa.
Sugere-se que novas pesquisas sejam realizadas, utilizando diferentes técnicas de
coleta de dados, como a não identificação do entrevistador como psicólogo ou o uso
da entrevista encoberta (GIÓIA-MARTINS, 1998). Pesquisas quantitativas e/ou com
pacientes de hospitais públicos podem oferecer a possibilidade de comparação com os
resultados obtidos neste estudo e, assim, ampliar a reflexão sobre o tema.
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Luciane Cristina Nunes, Dinorah Fernandes Gióia-Martins
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Contatos:
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E-mail: [email protected], [email protected]
Tramitação
Recebido em setembro/2003
Aceito em novembro/2003
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