EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
ASSOCIAÇÃO
BRASILEIRA
EM
DEFESA
DOS
USUÁRIOS DE SISTEMAS DE SAÚDE – ABRASUS, inscrita no CNPJ sob o nº
10.619.287/0001-96, com sede na Rua dos Andradas, nº 1.560, sala 1.704,
Centro, Porto Alegre/RS, neste ato representada por sua Presidente, Sra.
Terezinha Alves Borges;
ASSOCIAÇÃO DOS SERVIDORES DA SECRETARIA
MUNICIPAL DE SAÚDE – ASSMS, inscrita no CNPJ sob o nº 88.316.500/000180, com sede na Av. João Pessoa, nº 325, Porto Alegre/RS, neste ato
representada por seu Diretor Geral, Sr. Claudio Roberto Rigo;
ASSOCIAÇÃO
DOS
SERVIDORES
DO
GRUPO
HOSPITALAR CONCEIÇÃO – ASERGHC, inscrita no CNPJ sob o nº
89.008.643/0001-95, com sede na Rua Marco Pólo, nº 93, Porto Alegre/RS, neste
ato representada por seu Presidente, Sr. Arlindo Nelson Ritter;
CENTRAL DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS
DO BRASIL – CTB/RS, inscrita no CNPJ sob o nº 10.545.583/0001-90, com sede
na Rua dos Andradas, nº 943, sala 1.308, Porto Alegre/RS, neste ato
representada por seu Presidente, Sr. Guiomar Vidor;
CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES DO RIO
GRANDE DO SUL – CUT/RS, inscrita no CNPJ sob o nº 60.563.731/0014-91,
com sede na Rua Dr. Barros Cassal, nº 283, Porto Alegre/RS, neste ato
representada por seu Presidente, Sr. Celso Woyciechowski;
CENTRO DOS PROFESSORES DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL – SINDICATO DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO CPERS/SINDICATO, inscrito no CNPJ sob o nº 92.908.144/0001-69, com sede
na Av. Alberto Bins, nº 480, Porto Alegre/RS, neste ato representado por sua
Presidente, Sra. Rejane Silva de Oliveira;
CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES
LIBERAIS UNIVERSITÁRIOS REGULAMENTADOS - CNTU, inscrita no CNPJ
sob o nº 08.669.054/0001-56, com sede na Rua Q, SDS, Edifício Eldorado s/n,
sala 108, Brasília/DF, neste ato representada por seu Presidente, Sr. Murilo Celso
de Campos Pinheiro;
FEDERAÇÃO DOS MUNICIPÁRIOS DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL - FEMERGS, inscrita no CNPJ sob o nº 94.449.790/0001-30,
com sede na Av. Borges de Medeiros, nº 340, sala 133, Porto Alegre/RS, neste
ato representada por sua presidente, Sra. Leive Maria Dallarosa;
FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS
METALÚRGICAS, MECÂNICAS E DE MATERIAL ELÉTRICO DO ESTADO DO
RIO GRANDE DO SUL – FTM/RS, inscrita no CNPJ sob o nº 92.942.176/000180, com sede na rua Voluntários da Pátria, nº 595, sala 1.007, Porto Alegre/RS,
neste ato representada por seu Vice-Presidente, Sr. Flávio José Fontana de
Souza;
FEDERAÇÃO NACIONAL DOS SINDICATOS DE
TRABALHADORES EM SAÚDE, TRABALHO, PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA
SOCIAL - FENASPS, inscrita no CNPJ sob o nº 78.640.026/0001-91, com sede
na SDS, Edifício Venâncio V, Loja 28, térreo, Brasília/DF, neste ato representada
por seu Secretário de Administração e Finanças, Sr. Hélio de Jesus dos Santos;
SINDICATO DOS ENFERMEIROS DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL – SERGS, inscrito no CNPJ sob o nº 88.917.166/0001-18, com
sede na Av. Borges de Medeiros, nº 308, sala 75, Centro, Porto Alegre/RS, neste
ato representado por sua Presidente, Sra. Nelci Dias da Silva;
SINDICATO DOS FARMACÊUTICOS NO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL - SINDIFARS, inscrito no CNPJ sob o nº 88.012.919/0001-46,
com sede na Rua Dr. Alcides Cruz, nº 305, Porto Alegre/RS, neste ato
representado por sua Presidente, Sra. Debora Raymundo Melecchi;
SINDICATO DOS MUNICIPÁRIOS DE PORTO ALEGRE –
SIMPA, inscrito no CNPJ sob o nº 90.856.709/0001-86, com sede na Rua João
Alfredo, nº 61, Porto Alegre/RS, neste ato representada por sua Presidente, Sra.
Carmen Celinda Munhoz Padilha;
SINDICATO DOS SERVIDORES DA CÂMARA MUNICIPAL
DE PORTO ALEGRE – SINDICÂMARA, inscrito no CNPJ sob o nº
94.392.057/0001-27, com sede na Rua Washington Luiz, nº 556, Porto Alegre/RS,
neste ato representado por seu Presidente, Sr. Renato Guimarães de Oliveira, e
por sua Secretária, Sra. Sílvia Helena Tremarin;
SINDICATO DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL – SINDSEPE/RS, inscrito no CNPJ sob o nº
93.803.047/0001-74, com sede na Av. Otávio Rocha, nº 161, 8º andar, Porto
Alegre/RS, neste ato representado por seu Presidente, Sr. Claudio Augustin;
SINDICATO DOS SERVIDORES DO MINISTÉRIO
PÚBLICO DO RIO GRANDE DO SUL – SIMPE/RS, inscrito no CNPJ sob o nº
06.274.668/0001-03, com sede na rua Cel. Fernando Machado, n° 226, Porto
Alegre/RS, neste ato representado por seu presidente, Sr. Alberto Freire Ledur;
SINDICATO DOS TRABALHADORES FEDERAIS DA
SAÚDE, TRABALHO E PREVIDÊNCIA NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
– SINDISPREV/RS, inscrito no CNPJ sob o nº 92.516.392/0001-64, com sede na
Travessa Francisco Leonardo Truda, nº 40, 12º andar, Porto Alegre/RS, neste ato
representado por seu Diretor da Secretaria de Administração e Finanças, Sr. Joel
Orestes Brasil Soares; vêm, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência,
por intermédio dos procuradores signatários, propor
AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE
em face da CÂMARA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE, na pessoa de seu
Presidente, e do PREFEITO MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE/RS, com
fundamento nos arts. 93, IX, e 95, XII, ‘d’, e § 2°, VI, da Constituição Estadual,
pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos.
I. DA LEGITIMIDADE ATIVA.
De início, cumpre destacar a legitimidade das entidades
listadas para a propositura da presente ação direta de inconstitucionalidade. As
requerentes são entidades associativas e sindicais devidamente constituídas e
estabelecidas nos âmbitos nacional, estadual e municipal, conforme documentos
que acompanham a peça de início.
E independente da qualificação jurídica ostentada pelos
autores – associação, sindicato, federação ou confederação – versando a
presente demanda sobre a inconstitucionalidade de Lei Municipal que autoriza a
criação de fundação privada na área da saúde, com reflexos importantes na
prestação do aludido serviço público - dotado de caráter universal e revestido de
essencialidade -, bem como nas relações de trabalho de toda a gama de
servidores da área da saúde, há de se entender por cumprido o requisito da
legitimidade ativa, ante os prejuízos que a legislação reputada inconstitucional
poderá acarretar a todo o rol de substituídos pelas proponentes.
Ademais, no caso, há estreita relação entre o objeto do
pedido de declaração de inconstitucionalidade e os objetivos institucionais das
entidades autoras. Veja-se, nesse aspecto, que todos os demandantes ostentam
entre suas finalidades estatutárias a defesa de servidores públicos da área da
saúde, diretamente atingidos pelos efeitos da lei cuja inconstitucionalidade se
pretende ver declarada, ou de servidores públicos e trabalhadores em geral que,
se não afetados em sua relação funcional com o poder público, poderão sê-lo na
condição de usuários dos serviços de saúde, razão pela qual merecem ter seus
interesses tutelados pelas respectivas entidades representativas.
Nesse sentido, a documentação que acompanha a inicial
não deixa margem para qualquer espécie de dúvida. O Estatuto da ABRASUS,
em seu art. 2º, I, lista entre as finalidades e objetivos da entidade “auxiliar o
usuário do Sistema de Saúde, por meios técnicos, jurídicos, intelectuais,
organizacionais, ou outras formas permitidas em lei, a exigir e alcançar o pleno
atendimento de saúde previsto no art. 196 da Constituição Federal”. Do mesmo
modo, a ASSMS, que representa servidores vinculados à Secretaria Municipal de
Saúde de Porto Alegre, tem por finalidade “representar e congregar seus
associados, defendendo seus interesses no todo ou em parte” (art. 2º, “a”).
Disposição semelhante encontra-se no Estatuto Social da ASERGHC, que
congrega servidores do Grupo Hospitalar Conceição (art. 4º, I). E tratando-se de
associações regularmente constituídas, com nítida finalidade de representar seus
associados, muitos deles servidores públicos, e todos titulares do direito humano
fundamental à adequada prestação dos serviços de saúde, deve ser reconhecida
sua legitimidade para figurar como autoras do presente feito, em atenção ao
espírito das normas constantes no art. 95, § 2º, incisos VI e IX, da Constituição do
Estado do Rio Grande do Sul.
No que concerne às entidades de índole sindical,
inquestionável sua legitimidade para intentar a ação em apreço, na defesa das
classes de trabalhadores que representam, nos termos do art. 95, § 2°, inciso VI,
da Constituição Estadual, que arrola as entidades sindicais dentre os sujeitos
aptos a promover tal espécie de demanda. Assim já decidiu este Egrégio Tribunal:
Ementa: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO
DE PORTO ALEGRE. PUBLICIDADE EM TÁXIS.
Ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Sindicato dos
Taxistas de Porto Alegre em relação à Lei Municipal n. 10.465/08, que
incluiu o parágrafo único no art. 1º da Lei n. 5.090/82, alterada pela Lei
Complementar n.º 364/1995, regulamentando a utilização e exploração
de publicidade em táxis. Reconhecimento da legitimidade ativa do
sindicato
para
a
inconstitucionalidade.
propositura
da
Desacolhimento
ação
da
direta
de
alegação
de
inconstitucionalidade por vício de iniciativa, que não é privativa do
Prefeito
Municipal.
IMPROCEDÊNCIA
Precedentes
DO
INCONSTITUCIONALIDADE.
PEDIDO
deste
DE
UNÂNIME.”
Órgão
Especial.
DECLARAÇÃO
DE
(Ação
de
Direta
Inconstitucionalidade Nº 70025061839, Tribunal Pleno, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, Julgado em
03/11/2008). (Grifou-se).
Feitas tais considerações, passa-se à análise
dispositivos legais impugnados e das normas constitucionais violadas.
dos
II. DA LEI ATACADA: DOS DISPOSITIVOS LEGAIS
IMPUGNADOS E DOS DISPOSITIVOS
CONSTITUCIONAIS VIOLADOS.
Vem ganhando força, nos últimos anos, o pensamento que
busca redefinir o modelo de organização estatal delineado na Carta Política
vigente, para reduzir o papel do Estado como agente executor de serviços
públicos. Nesse contexto, os entes federados têm criado maneiras de transferir
para o setor privado a prestação de serviços públicos essenciais, apoiados na
ideia de que essa nova ordem se conformaria mais com o princípio da eficiência,
por retratar forma mais moderna de gestão administrativa.
No Município de Porto Alegre, esse fenômeno fez-se sentir,
de modo bastante destacado, no que concerne aos serviços de saúde. Criado em
1994 em âmbito federal, o Programa de Saúde da Família (PSF) foi implantado
em Porto Alegre em 1996, na modalidade de contratação por meio de pessoa
interposta (primeiro foram as associações de moradores, após a Fundação de
Apoio da UFRGS (FAURGS), posteriormente a organização social paulista
Instituto Sollus e, por último, o Instituto Fundação Universitária de Cardiologia). O
modelo, entretanto, não se mostrou adequado, em virtude, principalmente, da
ausência de controle sobre os gastos realizados e contratação de trabalhadores
por intermediação, muitas vezes sem a prévia realização de concurso público.
Com o objetivo de solucionar o problema, e após a
fracassada criação do Departamento do Programa de Saúde da Família,
idealizado pela Lei Municipal nº 10.861/10, que sequer chegou a ser implantado, o
Prefeito Municipal de Porto Alegre, no exercício de suas atribuições, apresentou à
Câmara de Vereadores projeto de lei ordinária versando sobre a criação do
INSTITUTO MUNICIPAL DE ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA - IMESF,
fundação pública com personalidade jurídica de direito privado, voltada à gestão e
à execução de serviços de atenção básica à saúde familiar.
Tal projeto restou aprovado no Legislativo municipal e foi
sancionado pelo Chefe do Poder Executivo, originando, assim, a Lei Municipal n°
11.062/2011, que autorizou a criação da mencionada fundação, cuja estrutura foi
inteiramente regulada pelo citado diploma legal.
Ocorre
que
dita
lei
padece
de
evidentes
inconstitucionalidades, cujo reconhecimento ora é perseguido. Vejamos.
II.1. DA INCONSTITUCIONALIDADE DECORRENTE DA
AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR DISPONDO SOBRE
AS ÁREAS DE ATUAÇÃO DAS FUNDAÇÕES: VIOLAÇÃO
AO ART. 8°, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. DO
PRINCÍPIO DA SIMETRIA.
Neste tópico, necessário tecer algumas observações a fim
de evidenciar a ocorrência da aludida violação à Constituição Estadual.
O referido art. 8° da Constituição Estadual, em seu caput,
assim dispõe:
Art. 8º - O Município, dotado de autonomia política, administrativa e
financeira, reger-se-á por lei orgânica e pela legislação que adotar,
observados os princípios estabelecidos na Constituição Federal e
nesta Constituição.
Tal dispositivo determina a observância, por parte dos
Municípios, não apenas do quanto estabelecido na Carta Política Estadual, mas,
também, na Constituição Federal. Dessa forma, eventual contrariedade, por lei ou
ato normativo municipal, a norma inserta na Lei Maior da República implica, de
conseqüência, afronta direta ao art. 8°, caput, da Constituição Estadual.
Nesse sentido é a orientação desta Corte:
(...) De fato, inexiste no sistema jurídico brasileiro controle abstrato de
constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal face à Constituição
Federal.
Todavia, construção jurisprudencial encabeçada por este próprio
Colegiado firmou posição no sentido de que, em virtude de a
Constituição Estadual, notadamente pelo seu art. 8º, impor aos
Municípios respeito aos princípios estabelecidos na Constituição Federal,
toda e qualquer afronta a esta irá de encontro, inevitável e
simetricamente, à própria Constituição Estadual, razão pela qual se
entende que a presente demanda se cuida de ação direta de
inconstitucionalidade de lei municipal em face da Constituição Gaúcha.
(...)
Com todo o respeito que devo ao Supremo ou a qualquer tribunal do
País, entendo que há um equívoco nessa questão de não-conhecimento
de uma ação de inconstitucionalidade frente à Constituição Federal pelo
Tribunal de Justiça. Para mim, o art. 1º da Constituição do Estado do Rio
Grande do Sul é muito claro a esse respeito ao dispor: “O Estado do Rio
Grande do Sul, integrante com seus Municípios, de forma indissolúvel,
da República Federativa do Brasil, proclama e adota, nos limites de sua
autonomia e competência, os princípios fundamentais e os direitos
individuais, coletivos, sociais e políticos universalmente consagrados e
reconhecidos pela Constituição Federal a todas as pessoas no âmbito de
seu território.”
Diz o art. 8º: “O Município, dotado de autonomia política,
administrativa e financeira, reger-se-á por lei orgânica e pela legislação
que adotar, observados os princípios estabelecidos na Constituição
Federal e nesta Constituição.” Portanto, a Constituição Estadual está
encaminhando de forma expressa, em duas disposições, e não em uma
só, que os Municípios devem adotar, assim como o Estado, os princípios
basilares da Constituição Federal (...). (ADIN n° 70017521683, julgada
em 28/05/2007. Relator: Des. Osvaldo Stefanello)
Dito isto, cumpre identificar a violação apontada.
Consoante já exposto, a Lei Municipal n° 11.062/2011
autorizou a criação de fundação voltada à atuação na área da saúde. O art. 1° do
mencionado diploma legal tem a seguinte redação:
Art. 1º Fica o Executivo Municipal autorizado a instituir fundação pública de direito privado com personalidade jurídica de direito privado,
a ser denominada Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família
(IMESF), entidade jurídica sem fins lucrativos, com atuação exclusiva
no âmbito da Estratégia de Saúde da Família de Porto Alegre do Sistema Único de Saúde (SUS), de interesse coletivo e de utilidade pública, com autonomia gerencial, patrimonial, orçamentária e financeira e
prazo de duração indeterminado, que integrará a Administração Indireta
do Município de Porto Alegre e se sujeitará ao regime jurídico próprio
das entidades privadas sem fins lucrativos e de assistência social,
quanto aos direitos e às obrigações civis, comerciais, trabalhistas,
tributárias e fiscais, observadas as regras desta Lei. (Grifou-se).
Da leitura de tal
inconstitucionalidade de que se reveste.
dispositivo,
resta
flagrante
a
A Constituição Federal, em seu art. 37, XIX, dispõe que
“somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição
de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à
lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação”.
Estabeleceu o referido artigo, assim, a necessidade de edição de lei
complementar definidora das áreas de atuação das fundações.
Isso significa que o art. 37, XIX, da Carta Magna federal,
cuja observância se impõe aos Municípios em atenção ao princípio da simetria e
ao art. 8º da Constituição Estadual, constitui norma de eficácia limitada, ou seja:
possibilita a criação, pelo Poder Público, de fundações, requerendo, contudo, a
edição de lei complementar definidora das áreas de atuação de tais entes para
que atinja plena eficácia. Em outras palavras: enquanto não for editada a
mencionada lei complementar – que há, necessariamente, de ser nacional, visto
que se trata de preceito aplicável a todos os entes federativos -, não pode o Poder
Público, seja Estadual ou Municipal, conceder autorização para a criação de
fundação apta a atuar em determinada área, sob pena de usurpação de
competência.
A Lei Municipal em questão, todavia, descumpriu dita
diretriz. O art. 1° da Lei n° 11.062/2011, como acima destacado, autorizou a
criação de fundação para atuar na área da saúde, olvidando-se da
impossibilidade de fazê-lo em razão da inexistência de lei complementar
definidora da área de atuação das fundações, nos termos da Constituição
Federal, estando eivado, portanto, de evidente vício de inconstitucionalidade
formal.
Com efeito, dito diploma legal imiscuiu-se em campo
reservado à atuação da União. Ainda que inexista, até o momento, a aludida lei
complementar, é certo que a inércia do Poder Público Federal não pode servir de
pretexto para a edição de lei que invada sua competência. Nesse sentido é o
parecer exarado pela Procuradoria-Geral da República nos autos da Ação Direta
de Inconstitucionalidade nº 4.197 (em anexo), que trata de questão semelhante à
presente:
(...)
De fato, o inciso XIX do art. 37 não deixa dúvidas sobre a necessidade de se ter uma lei complementar que defina as áreas em que as fundações públicas podem atuar, lei complementar esta que deve logicamente preceder o ato de autorização de criação dessas fundações.
(...)
Considerando, portanto, que ainda não há lei complementar federal
que defina as áreas de atuação das fundações públicas, são inconstitucionais as leis estaduais que autorizam a instituição dessas fundações.
(...)
Tem-se, portanto, que o diploma legal contestado autorizou
a criação de fundação para atuar na área da saúde sem que exista lei
complementar assim prevendo, em evidente ofensa ao princípio da simetria, e, de
conseqüência, ao art. 8°, caput, da Constituição Estadual. Mister, portanto, a
declaração da inconstitucionalidade da Lei nº 11.062/2011 em sua integralidade.
II.2. DA INCONSTITUCIONALIDADE DA FUNDAÇÃO
MUNICIPAL NO QUE DIZ RESPEITO À PERSONALIDADE
JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO A ELA CONFERIDA:
AFRONTA AO ART. 21, § 2°, DA CONSTITUIÇÃO
ESTADUAL.
A criação de fundação pública municipal, com personalidade
jurídica de direito privado, para a prestação de serviço essencialmente público,
reflete, antes da busca por uma maior eficiência da Administração, a mudança do
modelo de organização estatal delineado na Carta da República de 1988. Ao
contrário do que se pretende fazer crer, a alternativa mencionada não caracteriza
tendência oposta ao movimento de privatização tão defendido em momento
anterior, especialmente nos anos noventa. Trata-se, apenas, de forma distinta de
se transferir para a esfera privada a prestação de serviços públicos.
O caminho escolhido, sem dúvida, leva a uma acentuada
redução do tamanho do Estado, aproximando-o, ainda que de forma não tão
radical, à concepção vigente antes da constitucionalização dos direitos sociais. A
submissão de determinados serviços públicos a regime jurídico mais próximo do
direito privado, visa à redução do campo de atuação estatal como prestador
positivo, responsável pelo implemento dos direitos sociais assegurados na ordem
constitucional. Tem-se, na verdade, duplo movimento: externalizam-se serviços
públicos, inclusive os de caráter essencial, e importam-se, para o domínio da
Administração Pública, princípios do modelo de gestão utilizado na esfera
particular.
Celso Antônio Bandeira de Mello descreve, com
propriedade, a evolução histórica que resultou na incorporação, por diversas
ordens constitucionais, de direitos de segunda geração, bem como o contexto da
atual tentativa de se estabelecer um Estado Social residual, mais conformado
com o ideário liberalista:
Até um certo ponto da história havia a nítida e correta impressão
de que os homens eram esmagados pelos detentores do Poder Político.
A partir de um certo instante começou-se a perceber que eram vergados, sacrificados ou espoliados não apenas pelos detentores do Poder
político, mas também pelos que o manejavam: os detentores do Poder
econômico. Incorporou-se, então, ao ideário do Estado do Direito o ideário social, surgindo o Estado Social de Direito (Welfare State) e EstadoProvidência. O arrolamento de direitos sociais aparece pela primeira vez
na história constitucional na Constituição Mexicana de 1917, vindo depois a encontrar-se estampado também na Constituição de Weimar de
1919. O Estado Social de Direito representou, até a presente fase histórica, o modelo mais avançado de progresso a exibir a própria evolução
espiritual da espécie humana. A Constituição Brasileira de 1988 representa perfeitamente este ideário, que, todavia, entre nós, jamais passou
do papel para a realidade.
É verdade que nos recentes últimos anos o Estado Social de
Direito passou, em todo o mundo, por uma enfurecida crítica, coordenada por todas as forças hostis aos controles impostos pelo
Estado e aos investimentos públicos por ele realizados. Pretenderam elas reinstaurar o ilimitado domínio dos interesses econômicos dos mais fortes, tanto no plano interno de cada País, quanto no
plano internacional, de sorte a implantar não um abertamente confessado “darwinismo” social e político. Este movimento estribouse em uma gigantesca campanha publicitária denominada “globalização”, que preconizou um conjunto de providências concretas representativas do chamado “neoliberalismo”. (MELLO, Celso Antônio
Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 16ª edição. São Paulo:
Malheiros, 2003, p. 43/44). (Grifou-se).
Os serviços de saúde, responsáveis por parcela significativa
dos orçamentos dos entes federados, não ficaram imunes ao movimento de fuga
da Administração para o direito privado. Nesse aspecto, é possível verificar, já há
algum tempo, o incansável exercício de criatividade dos gestores públicos, nas
esferas federal, estadual e municipal, para criar instrumentos capazes de
viabilizar a privatização da saúde. O objetivo é, sempre, desonerar a
Administração do dever de atuar positivamente na prestação efetiva e eficiente do
mencionado direito social, repassando ao setor privado ônus que, por imperativo
constitucional, pertence ao Estado. O que se busca, enfim, é submeter o
fornecimento de serviços essencialmente públicos a regras outras que não as do
Regime Jurídico Administrativo, ainda que o custeio, em regra, permaneça
dependendo integralmente de verbas públicas.
A justificativa de que se valem os gestores públicos é a
busca pela melhoria da qualidade da prestação ofertada à sociedade. Entretanto,
o que se tem percebido, na prática, é a utilização da eficiência como escudo para
explicar o repasse de serviços públicos ao setor privado, afastando, assim, a
incidência das regras de direito administrativo, as quais oferecem mecanismos de
controle mais seguros para supervisionar os gastos estatais.
O Procurador Regional da República Marlon Alberto
Weichert destaca, em recente estudo sobre o tema, que a transferência à
sociedade civil do dever de implementar direitos sociais realizou-se, num primeiro
momento, através de organizações sociais (OS), de organizações da sociedade
civil de interesse público (OSCIP) e de fundações de apoio. Entretanto, segundo o
membro do Ministério Público Federal, tal modelo não se mostrou exitoso, pois “o
repasse a particulares da atividade típica de Estado na saúde resultou, em vários
casos: em desvio nas prioridades do SUS (a atividade preventiva é preterida
pelos agentes particulares), na instituição de portas duplas de atendimento (SUS
e planos de saúde, com prejuízo ao primeiro), na supressão do concurso público
para acesso à carreira, em desvio de recursos, em falta de transparência etc.”
(WEICHERT, Marlon Alberto. Fundação Estatal no Serviço Público de Saúde:
Inconsistências e Inconstitucionalidades. Revista de Direito Sanitário, São Paulo,
v. 10, nº 1, p. 84, 2009).
Contudo, apesar dos evidentes óbices decorrentes da
utilização de tal estratégia, a Prefeitura de Porto Alegre editou a já mencionada
Lei n° 11.062/2011, autorizando a criação do IMESF, justamente com a finalidade
de repassar ao setor privado serviços públicos da área da saúde, sem atentar
para o fato de que norma com esse teor padece de manifesta
inconstitucionalidade material.
Da análise das atribuições da fundação criada e do regime
estabelecido pelo citado diploma legal, conclui-se que, embora o art. 1° tenha a
ela conferido personalidade jurídica de direito privado, trata-se, em verdade, de
fundação de direito público.
Com efeito, a fundação criada pela Lei n° 11.062/2011
destina-se à prestação de serviço público essencial, de notável relevância e que
apenas de forma complementar pode ser prestado por pessoa jurídica de direito
privado. O art. 6° assim delineou as finalidades da entidade:
Art. 6º O IMESF terá a finalidade exclusiva de, no âmbito da atenção
primária do SUS, operar especificamente a rede integrada e articulada da Estratégia de Saúde da Família, sob a forma de promoção,
prevenção e proteção da saúde coletiva e individual, e deverá, também,
desenvolver atividades de ensino e pesquisa científica e tecnológica que
favoreçam a melhoria e o aperfeiçoamento dessa Estratégia, revertendo
em benefício da qualidade assistencial oferecida à população. (Grifouse).
Da leitura da mencionada lei extrai-se, ainda, que tal
fundação tem seu patrimônio e autonomia administrativa vinculados à Prefeitura
Municipal de Porto Alegre. Trata-se, pois, evidentemente, de entidade dotada de
personalidade jurídica de direito público, a despeito do que prevê a lei de sua
criação.
Em casos análogos, esta Corte já reconheceu a
personalidade jurídica de direito público de fundações criadas com propósitos
idênticos ou semelhantes:
EMBARGOS À EXECUÇÃO. FUNDAÇÃO PÚBLICA. EXECUÇÃO SOB
O RITO DOS ARTS. 730 DO CPC C/C O ART. 100 DA CF.
PRERROGATIVAS
E
PRIVILÉGIOS
INERENTES
À
FAZENDA
PÚBLICA.
A Fundação Hospital Centenário foi criada pela Lei nº 3.504/89 e,
embora ela seja dotada de personalidade jurídica de direito
privado, o seu patrimônio e autonomia administrativa estão
vinculados à Prefeitura Municipal de São Leopoldo, tendo como
objetivo principal o atendimento médico e hospitalar à população,
atividade essa inequivocamente pública, sobrevivendo assim de
recursos
provenientes
do
erário
municipal,
enquadrando-se
perfeitamente no conceito de Fundação Pública, dado pela Lei nº
7.596/87, integrando a administração indireta, equiparando-se às
autarquias (art. 21, § 2º, da Constituição Estadual) sendo-lhe
garantida, por isso, todos os privilégios inerentes à Fazenda
Pública. Apelação improvida.
(Apelação Cível Nº 70007402613, Décima Primeira Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Voltaire de Lima Moraes, Julgado
em 30/06/2004). (Grifou-se).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. FUNDAÇÃO
PARA O DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS HUMANOS - FDRH.
NATUREZA DE DIREITO PÚBLICO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA
PELO RITO PREVISTO NO ART. 730 DO CPC. CONHECIMENTO DE
OFÍCIO DA ALEGADA VIOLAÇÃO AO RITO PROCESSUAL CABÍVEL,
PELA EQUIVOCADA A ADOÇÃO DAQUELE PREVISTO NO ART. 475J, DO CPC. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE DE
PENHORA E ALIENAÇÃO DOS BENS PÚBLICOS. ARTS. 100 DO CC
E 649 DO CPC.
1. Embora a decisão que determinou a intimação da agravante para o
cumprimento da sentença, nos termos do art. 475-J, do CPC, seja
aquela do dia 17.02.2010, na qual foi intimada por meio da Nota de
Expediente n.º 150/2010 (disponibilizada em 25.03.2010 - e irrecorrida),
e mesmo que a decisão ora atacada constitua apenas uma
consequência da adoção daquele rito processual, porquanto se trata do
bloqueio de valores pelo descumprimento da intimação para o
pagamento espontâneo, tenho que a observância de rito processual é
matéria de ordem pública, sendo, portanto, passível de conhecimento
ex officio pelo órgão julgador.
2. Em que pese a FDRH tenha personalidade jurídica de direito
privado (fundação de direito privado), é vinculada ao Estado do Rio
Grande do Sul, tendo sido criada pelo Poder Executivo, por
autorização
legislativa (Lei Estadual nº 6.464/1972)
e com
patrimônio público, de maneira que a execução contra ela
promovida deve seguir o procedimento previsto no art. 730 do
CPC, e não o previsto no art. 475-J do CPC. Sendo assim, não há
que se falar em penhora e alienação dos bens públicos, consoante
arts. 100 do CC e 649 do CPC.
AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.
(Agravo de Instrumento Nº 70037174455, Quarta Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado
em 18/08/2010). (Grifou-se).
No mesmo sentido é o posicionamento do Superior Tribunal
de Justiça:
RECURSO ESPECIAL - ALÍNEA "C" - FUNDAÇÃO DE CIÊNCIA E
TECNOLOGIA (CIENTEC) - APELAÇÃO NÃO CONHECIDA POR
AUSÊNCIA DE PREPARO - CONSIDERADO INCABÍVEL O REEXAME
NECESSÁRIO PELO TRIBUNAL - NATUREZA DE DIREITO PÚBLICO
DA ENTIDADE - REALIZAÇÃO DE ATIVIDADES DE INTERESSE
PÚBLICO - APLICAÇÃO DAS REGRAS INSERTAS NOS ARTIGOS
475, I E 511 DO CPC - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL
CONFIGURADA. Do website da recorrente extrai-se a informação de
que a CIENTEC "é órgão da Administração Indireta do Governo do
Estado do RS, vinculada à Secretaria da Ciência e Tecnologia. Ao longo
de seus 59 anos, colaborou efetivamente para o desenvolvimento sócioeconômico do RS, atuando em Tecnologia Industrial Básica e
executando projetos de Pesquisa e Desenvolvimento. São mais de 8000
laudos/ano, e cerca de 5359 empresas entre públicas e privadas – no
cadastro
de
clientes
ativos
da
Fundação"
(cf.
http://www.cientec.rs.gov.br). Embora a lei estadual que autorizou a
criação da fundação recorrente a denomine como de direito
privado, observa-se que a entidade exerce atividade tipicamente de
interesse público, razão por que deve ser considerada de direito
público, a exemplo de diversas outras fundações públicas
existentes, que atuam, em regra, nas áreas de ensino, saúde,
cultura,
assistência,
pesquisa,
ciência,
desenvolvimento
administrativo e levantamento de dados (cf. Odete Medauar, in
"Direito Administrativo Moderno", Revista dos Tribunais, São
Paulo, 1998, p. 90). "É absolutamente incorreta a afirmação normativa
de que as fundações públicas são pessoas de direito privado. Na
verdade, são pessoas de direito público, consoante, aliás, universal
entendimento, que só no Brasil foi contendido. Saber-se se uma pessoa
criada pelo Estado é de Direito Privado ou de Direito Público é
meramente uma questão de examinar o regime jurídico estabelecido na
lei que a criou. Se lhe atribuiu a titularidade de poderes públicos, e não
meramente o exercício deles, e disciplinou-a de maneira a que suas
relações sejam regidas pelo Direito Público, a pessoa será de Direito
Público, ainda que se lhe atribua outra qualificação. Na situação
inversa, a pessoa será de Direito Privado, mesmo inadequadamente
denominada" (Celso Antônio Bandeira de Mello in "Curso de direito
administrativo", Malheiros Editores, São Paulo, 2002, p. 161). Impõe-se
reconhecer, dessarte, o direito da recorrente ao reexame necessário da
sentença (nos termos do art. 475, inciso I, do CPC, na redação dada
pela Lei n. 10.352, de 26.12.01) e a dispensa do preparo, na forma do
art. 511, § 10º, do CPC (cf. Theotonio Negrão e José Roberto Ferreira
Gouvêa, in "CPC e legislação...", 35ª ed., Ed. Saraiva, 2003, nota n. 9a
ao artigo 511, p. 557). Precedentes: AGREsp n. 337.475/RS, Rel. Min.
Gilson Dipp, DJU 22.04.2002, REsp n. 92.406/RS, Rel. Min. Francisco
Peçanha Martins, DJU 01.08.2000 e REsp n. 148.521/PE, Rel. Min.
Adhemar Maciel, DJU 14.09.1998). Recurso especial provido.
(RESP 480632 Relator: Ministro FRANCIULLI NETTO – Segunda
Turma – DJ 28/10/2003). (Grifou-se).
O tema da natureza jurídica das fundações instituídas pelo
Estado foi sempre tormentoso no Direito Administrativo, especialmente no período
anterior à Constituição Federal de 1988. Para alguns, tais entidades seriam
pessoas jurídicas de direito público, semelhantes às autarquias. Para outros, suas
características se adequariam mais ao direito privado, dentro da tradição
civilística. Também há quem creia que é o Estado, ao instituí-las, quem determina
se públicas ou privadas.
Se Hely Lopes Meirelles sempre considerou que as
fundações estivessem no âmbito do Direito Civil, como pessoas jurídicas de
Direito Privado, não deixou de reconhecer que com o fato de o Poder Público ter
passado a instituí-las em nome da busca de objetivos de interesse coletivo –
com a personificação de bens públicos e o fornecimento de subsídios
orçamentários para sua manutenção – passou-se a atribuir personalidade pública
a essas entidades (Direito Administrativo Brasileiro, 24 ed. São Paulo: Malheiros,
1999, p. 319/320).
Nesse sentido, de há muito Celso Antônio Bandeira de Mello
expunha que "saber-se se uma pessoa criada pelo Estado é de Direito Privado ou
de Direito Público é meramente uma questão de examinar o regime jurídico
estabelecido na lei que a criou". Vai além: "se lhe atribuiu a titularidade de
poderes públicos e não meramente o exercício deles e disciplinou-a de maneira a
que suas relações sejam regidas pelo Direito Público, a pessoa será de Direito
Público, ainda que se lhe atribua outra qualificação". Lembra ainda o
administrativista, com profundo senso crítico, que, no Brasil, foram criadas
inúmeras fundações, com atribuições nitidamente públicas que, entretanto, foram
batizadas como pessoas de Direito Privado apenas para se evadirem dos
controles moralizadores ou, então, para permitir que seus agentes
acumulassem cargos e empregos (Curso de Direito Administrativo, 10 ed. São
Paulo: Malheiros, 1998, p. 109).
Mesmo antes da CF/88 (que, especialmente após a Emenda
Constitucional nº 19, alterando o caput do art. 37, pacificou a controvérsia
doutrinária), a matéria foi analisada perante o Supremo Tribunal Federal, pondo
termo às altercações:
Acumulação de cargo, função ou emprego. Fundação instituída pelo
Poder Público.
- Nem toda fundação instituída pelo Poder Público é fundação de direito
privado.
- As fundações, instituídas pelo Poder Público, que assumem a
gestão de serviço estatal e se submetem a regime administrativo
previsto, nos Estados-membros, por leis estaduais são fundações
de direito público, e, portanto, pessoas jurídicas de direito público.
- Tais fundações são espécie do gênero autarquia, aplicando-se a
elas a vedação a que alude o § 2º do artigo 99 da Constituição Federal.
- São, portanto, constitucionais o artigo 2º, § 3º, da Lei nº 410, de 12 de
março de 1981, e o artigo 1º do Decreto nº 4.086, de 11 de maio de
1981, ambos do Estado do Rio de Janeiro. Recurso extraordinário
conhecido e provido.
(STF, Tribunal Pleno, RE 101.126/RJ, Rel. Exmo. Min. MOREIRA
ALVES, RTJ 113/314). (Grifou-se).
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE A JUSTIÇA FEDERAL E A
JUSTIÇA
COMUM.
NATUREZA
JURÍDICA
DAS
FUNDAÇÕES
INSTITUÍDAS PELO PODER PÚBLICO.
1. A Fundação Nacional de Saúde, que é mantida por recursos
orçamentários oficiais da União e por ela instituída, é entidade de
direito público.
2. Conflito de competência entre a Justiça Comum e a Federal. Artigo
109, I, da Constituição Federal. Compete à Justiça Federal processar e
julgar ação em que figura como parte fundação pública, tendo em vista
sua situação jurídica conceitual assemelhar-se, em sua origem, às
autarquias.
3. Ainda que o artigo 109, I, da Constituição Federal, não se refira
expressamente às fundações, o entendimento desta Corte é o de
que a finalidade, a origem dos recursos e o regime administrativo
de tutela absoluta a que, por lei, estão sujeitas, fazem delas
espécie do gênero autarquia.
4. Recurso extraordinário conhecido e provido para declarar a
competência da Justiça Federal.
(STF, 2ª Turma, RE 215.741/SE, Rel. Exmo. Min. MAURÍCIO CORREA,
j. 30.03.1999, DJ 04.06.1999, p. 19). (Grifou-se).
Em se tratando, portanto, de fundação dirigida à prestação
de serviço tipicamente público, dotada, pois, de personalidade jurídica de direito
público, equipara-se às autarquias, conforme prevê o art. 21, § 2°, da Constituição
Estadual, devendo submeter-se ao mesmo regime jurídico que rege tais entidades
– qual seja, o regime jurídico administrativo, conforme reconhecem os
precedentes acima colacionados e de acordo com a doutrina administrativista:
Tal como acima já apontado, se a fundação for um instrumento para a
realização dos mesmos fins de uma autarquia, ter-se-á de reconhecer
sua submissão ao mesmo regime jurídico. Ou seja, se a criação da
fundação envolver um processo de descentralização de competências
próprias e inerentes à Administração direta, o único regime jurídico
admissível será o público. Não é cabível imaginar que o Estado possa
criar uma pessoa privada para realizar suas próprias funções,
atribuir-lhe patrimônio público e impedir a incidência sobre ela do
regime de direito público. Isso corresponderia à desnaturação do
direito constitucional e do direito administrativo, gerando situação
incompatível com o próprio Estado de Direito. (JUSTEN FILHO,
Marçal. Curso de direito administrativo. 3ª edição. São Paulo: Saraiva,
2008, p. 197). (Grifou-se).
Ao comentar os termos de Projeto de Lei Complementar (o
PLP 92/2007) enviado ao Congresso Nacional em 2007, com o objetivo de
regulamentar o art. 37, XIX, da Constituição Federal, Dalmo de Abreu Dallari
destaca:
Observe-se, ainda, que o projeto em questão pretendeu equiparar as
fundações estatais às entidades privadas do art. 173 da Constituição,
que são empresas públicas e sociedades de economia mista. Estas,
segundo
esse
dispositivo
constitucional,
poderão
participar
da
exploração direta de atividade econômica pelo Estado, quando isso por
um imperativo de segurança nacional ou houver interesse coletivo
relevante. E tais entidades, de acordo com o disposto no § 1º, inciso II,
desse mesmo artigo, ficarão sujeitas ao regime jurídico próprio das
empresas privadas. Um dos fatores que, provavelmente, influiu para que
surgisse
a
pretensão
de
estabelecer
fundações
estatais
com
personalidade jurídica de direito privado foi o fato de que no inciso XIX
do art. 37 da Constituição há referências àquelas entidades e também às
fundações que poderão ser criadas no âmbito público. Entretanto, a
simples leitura desse inciso constitucional deixa mais do que evidente
que, embora seja o mesmo dispositivo, ele estabelece situações
completamente diferentes, nada autorizando a conclusão de que fiquem
sujeitas a regras comuns e de que a sujeição de umas ao regime jurídico
das empresas privadas imponha ou autorize a atribuição de natureza de
direito privado às fundações públicas. Eis o que diz o inciso XIX:
“somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a
instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista ou de
fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as
áreas de sua atuação”. Se fosse aceitável a conclusão de que todas as
entidades aí referidas ficam sujeitas ao mesmo regime jurídico, chegarse-ia ao absurdo de pretender que as autarquias tenham personalidade
jurídica de direito privado. Assim, pois, as fundações criadas no
âmbito público não se confundem com as empresas públicas e as
sociedades de economia mista, não sendo resultantes dos mesmos
pressupostos e não ficando sujeitas ao mesmo regime jurídico.
(DALLARI, Dalmo de Abreu. Fundações Estatais: Proposta Polêmica.
Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 10, nº 1, pp. 75-76, 2009).
(Grifou-se).
Desse modo, flagrante a inconstitucionalidade material do
art. 1° da Lei n° 11.062/2011, ao submeter a fundação criada ao “regime jurídico
próprio das entidades privadas sem fins lucrativos e de assistência social, quanto
aos direitos e às obrigações civis, comerciais, trabalhistas, tributários e fiscais”.
Ora, as autarquias, consabido, são pessoas jurídicas de
direito público, sujeitando-se, em tudo, ao regime jurídico administrativo. Assim,
diante do que dispõe o art. 21, § 2°, da Constituição Estadual, é evidente a
inconstitucionalidade da norma que submete fundação de direito público ao
regime privado. Mister, portanto, o reconhecimento do vício denunciado.
II.3. DA INCONSTITUCIONALIDADE DA ADOÇÃO DO
REGIME DE PESSOAL CELETISTA: AFRONTA AO ART.
30 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL.
Em sendo a fundação criada pela Lei n° 11.062/11 pessoa
jurídica de direito público, dirigida à prestação de serviço essencial e equiparada
às autarquias – submetida, como se disse, ao regime jurídico administrativo –, o
regime de pessoal há de ser o estatutário, haja vista o disposto no art. 30 da
Constituição Estadual.
Com efeito, o fato de se tratar de entidade constituída com a
finalidade de prestar serviço público básico e essencial remete à necessidade de
formação de um quadro de servidores estáveis, no intuito de assegurar a correta
prestação e de evitar que mudanças políticas influenciem o bom desenvolvimento
de atividade de tamanho relevo.
A importância da manutenção do regime estatutário de
pessoal nesse tipo de entidade é destacada pela doutrina:
(...) Já para os servidores da Administração direta, autarquias e
fundações de direito público (ou seja: servidores das pessoas jurídicas
de Direito Público), indubitavelmente, o regime normal, corrente, terá de
ser o de cargo público, admitindo-se, entretanto, como ao diante se
explicará, casos em que é cabível a adoção do regime de emprego para
certas atividades subalternas.
(...)
Finalmente, o regime normal dos servidores públicos teria
mesmo de ser o estatutário, pois este (ao contrário do regime
trabalhista) é o concebido para atender a peculiaridades de um
vínculo
no
qual
não
estão
em
causa
tão-só
interesses
empregatícios, mas onde avultam interesses públicos básicos, visto
que os servidores públicos são os próprios instrumentos de
atuação do Estado.
Tal regime, atributivo de proteções peculiares aos providos em
cargo público, almeja, para benefício de uma ação impessoal do
Estado – o que é uma garantia para todos os administrados -,
ensejar aos servidores condições propícias a um desempenho
técnico isento, imparcial e obediente tão-só a diretrizes políticoadministrativas inspiradas no interesse público, embargando,
destarte, o perigo de que, por falta de segurança, os agentes
administrativos
possam
ser
manejados
pelos
transitórios
governantes em proveito de objetivos pessoais, sectários ou
político-partidários – que é, notoriamente, a inclinação habitual dos que
ocupam a direção superior do País. A estabilidade para os concursados,
após três anos de exercício, a reintegração (quando a demissão haja
sido ilegal), a disponibilidade remunerada (no caso de extinção do cargo)
e a peculiar aposentadoria que se lhes defere consistem em benefícios
outorgados aos titulares de cargos, mas não para regalos destes e sim
para propiciar, em favor do interesse público e dos administrados, uma
atuação impessoal do Poder Público. (MELLO, Celso Antônio Bandeira
de. Curso de Direito Administrativo. 22ª edição. São Paulo: Malheiros,
2007, p. 256/257). (Grifou-se).
No mesmo sentido:
Uma democracia republicana exige que as competências estatais
fundamentais sejam exercitadas por indivíduos submetidos a
vínculo jurídico apropriado. A condição de órgão do Estado impõe
um regime jurídico diferenciado, próprio do direito público. Por
isso, todas as atividades que materializem as competências
essenciais do Estado devem ser exercitadas segundo o regime
estatutário.
Por isso, a figura do empregado público é reservada para as
atividades destituídas de relevância política e que não traduzam as
competências estatais mais essenciais. Não é casual, então, que o
regime estatutário não seja aplicado no âmbito das pessoas estatais de
direito privado, nem é estranho afirmar que o regime trabalhista será
aplicado somente por exceção na esfera das pessoas estatais de direito
público. (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 3ª
edição. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 789). (Grifou-se).
A Lei n° 11.062/11, todavia, adotou o regime celetista – em
decorrência do previsto no seu art. 1°, que submeteu a fundação a ser criada ao
“regime jurídico próprio das entidades privadas sem fins lucrativos e de
assistência social” -, consoante restou expresso em seu art.:
Art. 21. Os empregados públicos do IMESF, que integrarão as
equipes multiprofissionais para o desenvolvimento da Ação
Estratégica à Saúde da Família, conforme previsto no Anexo I desta
Lei, serão regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e respectiva legislação
complementar, integrando o Quadro de Pessoal Permanente do
IMESF, devendo sua admissão ser precedida de concurso público de
provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a
complexidade do emprego, e, no caso dos Agentes Comunitários de
Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias, de processo seletivo
público com provas de conhecimento.
Ao assim prever, acabou a citada lei por violar o já
mencionado art. 30 da Constituição Estadual, que assim dispõe, in verbis:
Art. 30 - O regime jurídico dos servidores públicos civis do Estado,
das autarquias e fundações públicas será único e estabelecido em
estatuto, através de lei complementar, observados os princípios e as
normas da Constituição Federal e desta Constituição.
A discussão quanto ao regime jurídico a que devem se
submeter os servidores públicos foi alvo de intensa discussão no âmbito federal.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2.135, em trâmite perante o STF,
discute a constitucionalidade da alteração promovida pela Emenda Constitucional
n° 19/98 no caput do art. 39 da Constituição Federal. A principal modificação
introduzida no mencionado artigo foi o fim da obrigatoriedade de manutenção do
regime jurídico único no âmbito da administração direta, autárquica e fundacional.
Em decisão de caráter cautelar, à qual foi concedido efeitos ex nunc, restou
suspensa a eficácia da alteração realizada pela emenda, voltando, de
consequência, a vigorar o artigo em sua forma original, restaurando, portanto, o
regime jurídico único – tal como previsto, também, no art. 30 da Constituição
Estadual -, o qual, pelo princípio da simetria, deve ser observado tanto pelos
Estados quanto pelos Municípios.
Vale frisar, ainda, que a Lei Orgânica do Município de Porto
Alegre, diante dos mandamentos constitucionais, previu que “o regime jurídico
dos servidores da administração centralizada do Município, das autarquias e
fundações por ele instituídas será único e estabelecido em estatuto, através de lei
complementar, observados os princípios e normas da Constituição Federal e
desta Lei Orgânica” (art. 33). A Lei Complementar n° 133/90, em obediência à Lei
Maior Municipal, estabeleceu o estatuto aplicável aos servidores da Administração
direta, autárquica e fundacional. Dessa forma, não podem os servidores da
fundação criada ser submetidos ao regime celetista, conforme prevê a lei atacada,
sob pena, inclusive, de afronta ao princípio da isonomia (art. 1° da Constituição
Estadual c/c art. 5°, caput, da Constituição Federal).
Por derradeiro, cabe mencionar que, em caso análogo ao
presente, alvo da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4.247 – que tem, dentre
seus objetos, a Lei do Estado do Rio de Janeiro de n° 5.164/2007, pela qual o
Poder Executivo restou autorizado a instituir a Fundação Estadual dos Hospitais
Gerais, a Fundação Estadual dos Hospitais de Urgência e a Fundação Estadual
dos Institutos de Saúde e da Central Estadual de Transplante -, em análise pelo
Egrégio STF, a Advocacia-Geral da União exarou parecer destacando a
inconstitucionalidade da adoção do regime de pessoal celetista por parte de
fundações públicas:
(...) Nesse passo, releva registrar que a Lei estadual n° 5.164, de 17
de dezembro de 2007 – cujo art. 22 é objeto de impugnação na presente
via de controle abstrato – foi editada na vigência da medida cautelar
parcialmente deferida nos autos da ADI n° 2.135/DF. Os efeitos da
aludida decisão têm como marco inicial o dia 14 de agosto de 2007, data
em que publicada, no Diário de Justiça da União, a ata da sessão de
julgamento da referida medida.
Conclui-se, pois, que o art. 22 da Lei estadual n° 5.164/2007, ao
prever que as relações de trabalho das fundações públicas que
enumera serão regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho,
ofendeu a redação original do art. 39, caput, da Lei Fundamental,
que, revigorada por força de medida cautelar deferida nos autos da
ADI-MC n° 2.135/DF, estabelece o regime jurídico único para os
servidores das fundações públicas, no âmbito de competência da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (Grifouse).
A Procuradoria-Geral da República opinou no mesmo
sentido:
(...) Quanto ao art. 22 da Lei 5.164, além de ter a sua
inconstitucionalidade
decorrente
de
arrastamento,
está
em
desconformidade com o art. 39 da Constituição, na redação anterior à
EC 19/98.
É que, como ressaltado na inicial, na ADI 2.135, o STF deferiu a
medida cautelar suspendendo a eficácia do art. 39, caput, na redação
que lhe foi dada pela referida emenda constitucional.
A principal alteração introduzida pela EC 19/98, no caput do art. 39,
foi o fim da obrigatoriedade da manutenção do regime jurídico único, no
âmbito da administração direta, autárquica e fundacional, o que permitia
a contratação de servidores pelo regime da CLT. Já agora, com a
suspensão da eficácia da alteração introduzida no art. 39, caput, retornase ao modelo jurídico anterior, do regime jurídico único.
Portanto, a previsão do art. 22 da Lei 5.164, do Rio de Janeiro,
de contratação de servidores pela CLT, está em descompasso
com o atual parâmetro constitucional, em face da decisão
proferida naquela ADI. (Grifou-se).
Diante do exposto, afigura-se impositivo o reconhecimento
da inconstitucionalidade do art. 21 da Lei n° 11.062/11.
II.4. DA CONTRARIEDADE AO PRINCÍPIO DA
MORALIDADE: AFRONTA AO ART. 19 DA
CONSTITUIÇÃO ESTADUAL.
O Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família IMESF, que teve a criação autorizada por meio da Lei n° 11.062/11, foi idealizado,
em verdade, com o fim de gerar mecanismos para driblar a necessidade da
contratação de pessoal sob a regência de normas pertencentes a regime jurídico
estatutário. Evidente, portanto, a intenção do gestor público de esquivar-se do
cumprimento
da
Notificação
Recomendatória
EA-MPT
nº
001619.2007.04.000/3/2006, expedida com o objetivo de ver observados, além
dos compromissos assumidos pelo Município de Porto Alegre no Termo de
Ajustamento de Conduta – TAC firmado em 03 de setembro de 2007, perante o
Ministério Público Estadual, o Ministério Público Federal e o Ministério Público do
Trabalho, as normas constitucionais disciplinadoras do ingresso de pessoal no
âmbito da Administração Pública.
As recomendações dirigidas ao Município de Porto Alegre
levaram em consideração, além das ilegalidades verificadas quanto à realização
de contratações temporárias e terceirizações de serviços públicos na área da
saúde, a existência de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em 02
de agosto de 2007, nos autos da Medida Cautelar em Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 2135, declarando inconstitucional a redação conferida ao
art. 39, caput, da Constituição da República pela Emenda Constitucional nº 19/98,
implicando no ressurgimento da obrigação de se adotar o regime jurídico único
para os servidores da administração pública direta, autárquica e fundacional.
Não obstante, mesmo após a assinatura do Termo de
Ajustamento de Conduta mencionado, e apesar das recomendações expedidas
ao gestor público municipal, a Prefeitura de Porto Alegre não adotou as medidas
necessárias à criação e ao preenchimento de cargos públicos para o atendimento
à saúde da população, tampouco estabeleceu a obrigatoriedade de vínculo
estatutário para aqueles que viessem a ocupar tais vagas. Ao revés, o ente
municipal editou a lei ora questionada, criando pessoa jurídica de direito privado
no intuito de “legalizar” a admissão por meio de regime celetista de profissionais
para prestar serviços na área da saúde.
Resta evidente, portanto, que a Lei n° 11.062/11 é
inconstitucional, por afrontar o basilar princípio da moralidade, previsto no art. 19
da Constituição Estadual. Isso porque a edição da norma referida teve como
intuito isentar o Município de Porto Alegre do cumprimento das obrigações
assumidas quando da assinatura, em 03 de setembro de 2007, do já referido
Termo de Ajustamento de Conduta, além de livrá-lo do dever de observar as
diretrizes
constantes
na
Notificação
Recomendatória
EA-MPT
nº
001619.2007.04.000/3/2006, especialmente no que concerne ao dever de
respeitar o regime estatutário nas contratações de servidores de instituições
ligadas ao Programa de Saúde da Família.
Nesse ponto, oportuno citar a lição de Odete Medauar
acerca do princípio em tela:
(...) O princípio da moralidade é de difícil tradução verbal talvez
porque seja impossível enquadrar em um ou dois vocábulos a ampla
gama de condutas e práticas desvirtuadoras das verdadeiras finalidades
da Administração Pública. Em geral, a percepção da imoralidade
administrativa ocorre no enfoque contextual; ou melhor, ao se considerar
o contexto em que a decisão foi ou será tomada. A decisão, de regra,
destoa do contexto, e do conjunto de regras de conduta extraídas da
disciplina geral norteadora da Administração. (...).
(MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10ª edição. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 127).
Observe-se que dita lei, antes de ser editada, recebeu
parecer contrário da Procuradoria da Câmara Municipal de Porto Alegre (Proc. nº
4225/10 - PLE nº 053/10, de 10 de dezembro de 2010), nos seguintes termos:
O IMESF será o principal responsável e executor das atividades de
atenção básica à saúde em Porto Alegre (art. 8º, § 2º), ou seja, assumirá
a gestão de serviço estatal. O IMESF receberá repasses financeiros do
Município pelos serviços que prestará. O que será, sem dúvida, sua principal fonte de recursos uma vez que prestará a população serviços gratuitos (arts. 9º, VI, 19, I e § 1º). Além disso, estará sob direção do Executivo Municipal que escolherá seus dirigentes, estando vinculado a Secretária Municipal de Saúde, inclusive com a Presidência do Instituto exercida pelo Secretário da SMS (art. 30).
Por tudo isso, é que tenho como inconstitucional atribuição de
personalidade de Direito Privado à Fundação que se propõe criar, e
de tudo que daí decorre e que consta no projeto de lei em exame.
Quanto ao regime de pessoal cabe observar que sendo pessoa
de direito público, por força da liminar concedida, com efeitos ex
nunc na ADI nº 2.135-4 já referida acima, não pode adotar o regime
celetista. Salvo para os agentes comunitários de saúde e de combate às
endemias em razão da promulgação da Emenda nº 51/2006, com amparo nos §§ 4º, 5º e 6º do art. 198 da Constituição Federal, e Lei Federal nº
11.350/2006, que permite a contratação desses profissionais sob o regime de emprego da CLT. Mesmo assim, seriam necessários ajustes no
art. 20 e seguintes do projeto em exame.
No mais é de se observar que o § 5º do art. 20 do projeto em exame
encerra hipótese de contratação temporária. A qual deve observar o disposto no inciso IX da CF, ou seja, a) previsão dos casos em lei, b) contratação por prazo determinado e c) necessidade temporária de excepcional interesse público. No caso, projeto estabelece 2 (duas) hipóteses
de contratação, ou seja, 1) ações e programas de prazo determinado,
definidos em contratos de gestão ou convênios e 2) vacância de postos
de trabalho.
(...)
Ademais, não se pode supor que todas as ações e programas, ainda
que na área de saúde, configuram situação de excepcional interesse público. O mesmo ocorre com a segunda hipótese. A vacância de postos
de trabalho não é por si só situação excepcional. Ao contrário é situação
no geral normal e previsível, que a realização planejada de concursos
públicos consegue resolver. Vago algum cargo, por qualquer motivo,
basta chamar o próximo candidato aprovado em concurso público realizado e ainda válido. (Grifou-se).
Do mesmo modo, refletindo a opinião de vários segmentos
da sociedade, o Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre, nos termos da
Resolução nº 01/2011, publicada em 09 de março de 2011, por constatar a
presença de diversos vícios no projeto de lei que redundou na criação do IMESF,
e destacando, em especial, a necessidade da contratação, através de concurso
público, de profissionais para o trabalho na área da saúde, vinculando-os ao
regime estatutário, consignou:
“O CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE PORTO ALEGRE, por uso
de suas atribuições legais, conferidas pelas Leis Federais 8080/90 e
8142/90 e Lei Complementar 272/92, e considerando:
- as diretrizes e princípios constitucionais do Sistema Único de Saúde,
especialmente no que diz respeito ao seu caráter público;
- que as ações e serviços de saúde são atribuições de responsabilidade
das três esferas de governo, cabendo aos municípios a oferta direta dos
serviços básicos de saúde;
- a Resolução 37/2008 do CMS/POA, que define a Estratégia de Saúde
da Família como o modelo de Atenção à Saúde que deve estruturar a
Atenção Básica em Porto Alegre;
- as deliberações e resoluções emanadas pelas instâncias estadual e
nacional de Controle Social, e 13ª Conferência Nacional de Saúde;
- a necessidade de estruturar de forma definitiva a rede de Atenção
Básica, através da Estratégia de Saúde da Família em Porto Alegre, com
criação dos cargos necessários para a contratação dos profissionais
através de concursos públicos no regime estatutário;
- a necessidade e de expandir e converter a rede de Atenção Básica hoje
existente no modelo da Estratégia da Saúde da Família, em reunião
ordinária do dia 6 de janeiro de 2011
RESOLVE:1
1 – rejeitar, por 28 votos a 2, a criação do Instituto Municipal de
Estratégia de Saúde da Família – IMESF, encaminhado pelo governo
municipal à Câmara de Vereadores sob a forma de Projeto de Lei
053/10;
2 – encaminhar cópia desta resolução ao Prefeito Municipal, à Câmara
de Vereadores e ao Ministério Público Estadual.”
Ademais, a 14ª Conferência Nacional de Saúde - convocada
por força do Decreto da Presidência da República de 03 de março de 2011 e
regulamentada pela Portaria/GM nº 935, de 27 de abril de 2011, que aprovou seu
regimento interno - realizou-se no período de 30 de novembro a 04 de dezembro
de 2011, tendo como tema: “TODOS USAM O SUS! SUS NA SEGURIDADE
SOCIAL, POLÍTICA PÚBLICA, PATRIMÔNIO DO POVO BRASILEIRO” (art. 8º,
caput, da Portaria/GM nº 935, de 27 de abril de 2011). Após extenso debate sobre
os temas propostos, a aludida conferencia, nos termos da Diretriz nº 5 do seu
Relatório Final, decidiu “rejeitar a proposição das Fundações Estatais de Direito
Privado (FEDP), contida no Projeto de Lei nº. 92/2007, e as experiências
estaduais/municipais que já utilizam esse modelo de gestão, entendido como uma
forma velada de privatização/terceirização do SUS”. Logo, também no âmbito
nacional, não encontram eco as tentativas dos gestores públicos de transferir para
o setor privado a prestação dos serviços de saúde.
Vê-se, pois, que a Lei n° 11.062/11 “nasceu”
inconstitucional, porquanto editada com finalidade contrária à moralidade
administrativa, fato que, por apresentar-se incontroverso, vem gerando inúmeras
reações da sociedade civil contra o modelo de gestão para a saúde que o Poder
Público pretende adotar como regra. Portanto, seja pelos argumentos
anteriormente alinhados com relação a regras específicas nela previstas, seja
pelo ora exposto, inafastável a declaração de sua inconstitucionalidade.
II.5. SUCESSIVAMENTE: DA AFRONTA AO ART. 241 DA
CONSTITUIÇÃO ESTADUAL E AO PRINCÍPIO DA
COMPLEMENTARIDADE DA PARTICIPAÇÃO PRIVADA
NA ASSISTÊNCIA À SAÚDE.
Por derradeiro – e sucessivamente –, na hipótese de se
entender que a entidade criada pela Lei n° 11.062/11 não se trata de fundação de
direito público, mas, sim, de direito privado, há de se reconhecer que a norma
municipal instituidora de pessoa jurídica de direito privado para a realização de
atividade precipuamente pública afronta o art. 241 da Constituição Estadual e o
princípio da complementaridade da participação privada na assistência à saúde.
Com efeito, visto que a prestação de serviços de saúde é
dever do Município, nos termos do art. 241 da Carta Política Estadual, afigura-se
incabível sua transferência integral a entidade de direito privado, que, segundo
princípio insculpido na Constituição Federal (art. 199, § 1°), deve participar do
sistema de saúde de forma complementar, e não exclusiva, conforme destaca a
doutrina:
No caso de fundação estatal em saúde, a possibilidade de revestir a
natureza de pessoa jurídica de direito privado dependerá, portanto, da
atividade que lhe for afetada. Não é possível afirmar, a priori, que todas
as atividades são (in)compatíveis com esse modelo de pessoa jurídica
instituída pelo Poder Público. Algumas atividades realizadas pelo Estado
no âmbito da promoção à saúde podem, efetivamente, ser consideradas
econômicas e, nessa hipótese, adequadas às fundações estatais de
direito privado. Por exemplo, parece-nos que uma fundação estatal
poderia se dedicar à produção de medicamentos, ou sua distribuição, ou
mesmo comercialização a instituições privadas, realizando em todos
esses casos atividades de natureza econômica, que também poderiam
ser exercidas por sociedades de economia mista ou empresas públicas.
Entretanto, a prestação do serviço público de assistência à
saúde da população através do SUS é atividade típica do Poder
Público; é serviço público de relevância pública, que não pode ser
transformado em atividade econômica.
(...)
Não se olvida que o art. 199, caput, da Lei Fundamental autoriza
a participação da iniciativa privada na área da saúde. Entretanto,
essa liberdade de iniciativa é para ser exercida fora do SUS, ou seja,
em paralelo aos serviços públicos de saúde. A iniciativa privada pode
concorrer com o SUS, mediante os segmentos (a) da atenção particular
tradicional, com contratação pelo interessado do médico ou hospital, e
(b) da saúde suplementar, prestada por intermédio de empresas de
assistência e seguros em saúde, também numa relação de direito
privado.
Dentro
do
estritamente
SUS, a
participação
complementar
à
rede
de serviços privados
pública.
O
é
constituinte
reconheceu que as estruturas públicas poderiam ser insuficientes
para acolher toda a demanda do SUS e, por esse motivo, admitiu
que o Poder Público pudesse complementar a sua rede própria com
serviços
privados
instituições
contratados
particulares
podem
ou
conveniados.
participar
do
Ou
SUS
seja,
quando
indispensável para satisfazer as necessidades sociais. Essa
participação será em caráter precário, pois a prestação do serviço
público de saúde é responsabilidade direta do Estado. O legislador
ordinário federal percebeu, com rigor técnico, a decisão constitucional,
tendo regulado no art. 24 da Lei n. 8.080/90 que:
Art.
24.
Quando
as
suas
disponibilidades
forem
insuficientes para garantir a cobertura assistencial à
população de uma determinada área, o Sistema Único de
Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços ofertados pela
iniciativa
privada.
Parágrafo
único.
A
participação
complementar dos serviços privados será formalizada
mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as
normas de direito público.
Há, portanto, dois universos bem distintos de atuação em saúde:
o SUS e o privado. No SUS, o papel da iniciativa privada é
acessório, coadjuvante, sempre por decisão do próprio Estado. Não
há um direito subjetivo do particular a integrar o SUS. Decorre, daí,
uma suposta confusão pelos formuladores da proposta da
fundação estatal. A área da saúde não é de atuação exclusiva do
Poder Público; porém, o SUS é essencialmente estatal. Os dois
planos (SUS e não-SUS) não se misturam, exceto quando o Poder
Público exerce o controle e a fiscalização das ações privadas (nãoSUS), em regra por meio da vigilância sanitária e epidemiológica.
O Poder Público, no SUS, é sempre um prestador de serviço público.
Não há outra possibilidade. E, fora do SUS, não há autorização para
atuar. Todo esforço estatal em saúde deve ser realizado dentro do SUS.
E será, evidentemente, parte da prestação do serviço público de saúde.
Afigura-se manifestamente sem sentido jurídico a proposta de
instituir uma pessoa estatal para prestar serviços ao SUS como se
iniciativa privada fosse. Seria o Estado vendendo serviços ao
Estado, simulando que é uma instituição privada, a qual sequer
deveria compor o SUS (frise-se, só está no SUS precariamente).
A formulação constitucional, densificada pela Lei n. 8.080/90, é muito
clara: toda estrutura pública de saúde é parte do SUS. E, não seria
necessário dizer, presta serviço público de saúde.
Mas não é só. A fundação estatal — na hipótese estudada — será
mantida com recursos públicos. Ainda que percebidos mediante um
“contrato de gestão”, os recursos não perderão sua natureza pública.
São verbas provenientes do Fundo de Saúde.
Em suma, a fundação estatal prestará serviços públicos e será
mantida com recursos públicos. Sua natureza, à luz da jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, é de fundação de direito público, adstrita ao
regime
administrativo
constitucional.
Não
será,
portanto,
constitucionalmente adequada a instituição de uma entidade estatal, no
regime de direito privado, para atuar como prestadora de serviços dentro
do SUS. (Grifou-se). (WEICHERT, Marlon Alberto. Fundação Estatal no
Serviço Público de Saúde: Inconsistências e Inconstitucionalidades.
Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 10, nº 1, p. 89-92, 2009).
É notória a tentativa do Estado brasileiro, em suas três
esferas, de transferir a execução de funções que lhe foram atribuídas pela
Constituição Federal a terceiros, como concretização da ideia de um “Estado
mínimo”. Contudo, tal noção revela-se incompatível com a função estatal típica de
assistência à saúde. Dita questão foi abordada de modo irretocável pelo Ministério
Público Estadual na peça inicial da ação de execução de termo de ajuste de
conduta não cumprido (Processo nº 001/1.10.0286310-5), em trâmite perante a
10ª Vara da Fazenda Pública desta Capital, movida em face do Município de
Porto Alegre, justamente com o intuito de impedir a contratação, sem prévio
concurso público, de profissionais para trabalhar na área da saúde. Eis as
considerações do Parquet sobre o tema (grifos no original):
Tratando-se de atividade básica de saúde pública, inaceitável a pretendida substituição do público pelo privado.
O Estado brasileiro tem cada vez mais empenhado-se em se despir
de atribuições e funções constitucionalmente definidas, buscando transformar-se em um “Estado mínimo”. Entretanto, mesmo os defensores
dessa idéia sustentam que o Poder Público não pode se despojar das
suas atividades consideradas essenciais.
A prestação à saúde, à segurança e à educação são funções típicas
e fundamentais do Estado, e, como tal, merecem ser por esse exercitadas primordialmente, diretamente, em prol da realização do bem-estar
coletivo.
A Constituição da República assinala que saúde é direito de todos e
dever do Estado, imputando ao poder público sua regulamentação, fiscalização e controle, e estabelecendo que sua execução seja feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica
de direito privado (arts. 196 e 197 CF).
O art. 199 da CF estabelece que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada. Entretanto, essa idéia está substancialmente atrelada à idéia de complementação, conforme o § 1°: “os serviços de saúde são
essencialmente públicos, podendo ser complementados pela iniciativa
privada se e na medida em que for esgotada a capacidade instalada das
unidades hospitalares públicas”.
Regulamentando tais disposições constitucionais, a Lei Orgânica da
Saúde, n° 8.080/90, dispõe em seu artigo 24:
“Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a
cobertura assistencial à população de uma determinada área, o Sistema
Único de Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada.”
Portanto: (1) compete ao Estado (Poder Público) a prestação direta
dos serviços de saúde. (2) sendo insuficiente a capacidade instalada das
unidades públicas, os serviços de saúde poderão ser prestados por terceiros (entes privados, preferencialmente de caráter filantrópico ou sem
finalidade lucrativa). (3) a prestação de serviços por entes privados, em
caráter complementar, submete-se aos mesmos regramentos do SUS,
decorrendo de contratos.
Desse modo, o papel da iniciativa privada na prestação de serviços
do SUS é acessório, de modo que toda e qualquer tentativa de investir a
iniciativa privada na condição de protagonista confronta o texto constitucional e a Lei Orgânica da Saúde.
Tal é a situação da hipótese em tela: pretendeu o Município
de Porto Alegre, com a edição da Lei 11.062/11, transferir atividade de sua
competência, porquanto afeta a necessidades básicas e essenciais da população,
a terceiros, em evidente afronta à ordem constitucional vigente. Desse modo,
tendo em conta que a prestação do serviço de saúde municipal foi integralmente
transferida, por meio do mencionado diploma legal, a pessoa jurídica de direito
privado, impõe-se a declaração de inconstitucionalidade da norma referida.
III. DA CONCESSÃO DE MEDIDA CAUTELAR.
Diante do exposto, impositiva a concessão de medida
cautelar para a suspensão da eficácia da Lei nº 11.062/11, seja integralmente,
seja quanto aos seus arts. 1° e 21. Os pressupostos para tanto estão presentes,
como a seguir demonstrado.
Com efeito, o fumus boni iuris consubstancia-se na
plausibilidade das teses jurídicas sustentadas nesta ação, que apontam no
sentido da incompatibilidade da lei editada com a ordem constitucional vigente.
Resta claro que o diploma legal impugnado, desde o seu nascedouro, encerra
vícios de inconstitucionalidade, violando, especialmente, os já mencionados
artigos 8°, caput; 19; 21, § 2°; 30 e 241 da Constituição Estadual.
O periculum in mora, por seu turno, resta evidenciado pelo
fato de que a organização dos serviços de saúde pública em Porto Alegre tal
como estabelecido pela lei contestada, coloca em risco a sua correta prestação –
serviço este que, não é despiciendo lembrar, além de essencial à comunidade é,
por força de mandamento constitucional, de responsabilidade dos entes políticos,
cabendo às instituições privadas prover a sua prestação em caráter meramente
complementar, e não exclusivo.
Ademais, a presente medida cautelar justifica-se pela
iminência de ser instituído o IMESF no âmbito do Município de Porto Alegre, com
a concretização de todos os vícios apontados na presente manifestação. Tal
conclusão, diga-se, é corroborada por recente notícia extraída do sítio eletrônico
da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, dando conta de que o processo de
estruturação da entidade teve início, oficialmente, em 28 de julho de 2011, com a
constituição dos seus Conselhos Curador e Fiscal. A matéria informa, ainda, que
a intenção do Poder Executivo Municipal seria, até outubro de 2011, tomar as
medidas necessárias à admissão de todos aqueles que comporão o quadro
funcional da instituição (notícia extraída do sítio eletrônico da Prefeitura Municipal
de Porto Alegre, publicada em 28 de julho de 2011, no endereço eletrônico
http://www2.portoalegre.rs.gov.br/portal_pmpa_novo/default.php?p_noticia=14383
8).
Por outro lado, como, na prática, ainda não houve a
concretização de todos os atos necessários à implantação da referida fundação
pública - o que, destaque-se uma vez mais, está em vias de ocorrer -, inexiste
qualquer prejuízo na suspensão cautelar da eficácia da Lei Municipal n°
11.062/11, pois, na hipótese, milita em favor da parte autora, como representante
de parcela significativa da sociedade, o perigo de dano irreparável ou de difícil
reparação. Logo, coaduna-se com natureza do provimento acautelatório a
suspensão dos efeitos da norma em questão, até que se decida, em definitivo,
sobre a sua constitucionalidade, de modo a evitar eventuais danos advindos da
sua apressada aplicação.
Sendo assim, e considerando o fato de que o julgamento do
mérito da presente ação pode vir a se alongar, dada a sua relevância, mister a
suspensão cautelar da eficácia, até o julgamento final do feito, da Lei Municipal n°
11.062/11, em sua integralidade, ou, sucessivamente, dos artigos 1° e 21, a fim
de impedir que a prestação dos serviços de saúde no Município de Porto Alegre
seja realizada por fundação com personalidade jurídica de direito privado,
mediante a contratação de pessoal por vínculo diverso do estatutário, uma vez
que presentes a plausibilidade do direito alegado e o receio de dano irreparável.
IV. DOS PEDIDOS.
Isso posto, pugnam os requerentes:
1)
seja deferida a medida cautelar postulada, com a suspensão
da eficácia da Lei n° 11.062/11 em sua integralidade, ou,
sucessivamente, com a suspensão da eficácia dos arts. 1° e 21 do
mencionado diploma legal, nos termos acima expostos;
2)
seja determinada a notificação da(s) autoridade(s)
responsável(eis) pelo ato impugnado, a fim de que, no prazo legal,
apresente(m) as informações entendidas necessárias, bem como
seja ordenada a citação, com prazo de quarenta (40) dias, do
Procurador-Geral do Estado, na forma do art. 212, § 2°, do
Regimento Interno desta Corte;
3)
decorridos os prazos para a prestação de informações, seja
aberta vista ao Procurador-Geral de Justiça, pelo prazo de quinze
(15) dias, para emitir parecer;
4)
seja reconhecida a inconstitucionalidade integral da Lei
Municipal de Porto Alegre de n° 11.062/11 ou, sucessivamente, de
seus artigos 1° e 21;
Nestes termos, pedem deferimento.
Porto Alegre, 16 de dezembro de 2011.
p.p.
RAQUEL PAESE,
OAB/RS 15.663
GLÊNIO OHLWEILER FERREIRA,
OAB/RS 23.021
RENATO KLIEMANN PAESE
OAB/RS 29.134
THIAGO CECCHINI BRUNETTO,
OAB/RS 51.519
PABLO DRESCHER DE CASTRO,
OAB/RS 82.739
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excelentíssimo senhor presidente do tribunal de justiça do estado