1822: a História de um país chamado Brasil
Por: Érica Fabrícia Silva, profª de História
É preciso que voltes com a maior brevidade; esteja persuadido de
que não é só o amor, a amizade que me faz desejar, mais que nunca,
a sua pronta presença, mas sim as críticas circunstâncias em que se
acha o amado Brasil; só a sua presença, muita energia e rigor, para
salvá-lo da ruína. As notícias de Lisboa são péssimas.
(trecho da carta de d. Leopoldina a d. Pedro antes da declaração da
independência. LUSTOSA, 2008, p.152)
“Amigos, as Cortes portuguesas querem escravizar-nos e
perseguem-nos. De hoje em diante nossas relações estão quebradas.
Nenhum laço nos une mais”. Arrancou do chapéu o laço azul e
branco, símbolo da nação portuguesa, dizendo: “Laços fora,
soldados. Viva a Independência, a liberdade e a separação do Brasil!”
(LUSTOSA, 2008, p.153)
Lendo estes trechos tão singulares da história da nossa independência,
ficamos orgulhosos dessa princesa tão preocupada com o futuro da nossa sociedade
e desse príncipe tão garboso que lutou pela “liberdade” do Brasil, como inclusive diz
um trecho do Hino da Indepedência “Já raiou a liberdade no horizonte do Brasil”.
Porém, há muitos questionamentos girando em torno do sete de setembro (e os outros
dias depois deste) e seus reais significados históricos? De fato, nasceu um país do
grito de d. Pedro às margens do Ipiranga?
Se na atualidade um dos “lemas” de ser brasileiro é “não desistir nunca” (como
eternizou uma emissora de tevê), destaca-se na história que essa é uma grande
característica de ser brasileiro desde o príncipio, quando para se conquistar autonomia
política teve que enfrentar e vencer obstáculos (internos e externos) que pareciam
insuperáveis em 1822. Era tudo impreciso, inseguro e indefinido no cenário brasileiro
às vésperas do Grito do Ipiranga. Ou como disse Laurentino Gomes no livro 1822,
Quem observasse o Brasil nessa época teria razões de sobra para
duvidar de sua viabilidade como país. Às vésperas do Grito do
Ipiranga, o Brasil tinha tudo para dar errado. De cada três brasileiros,
dois eram escravos, negros forros, mulatos, índios ou mestiços. Era
uma população pobre e carente de tudo. O medo de uma rebelião
branca pairava como um pesadelo sobre a minoria branca. Os
analfabetos somavam mais de 90% dos habitantes. [...] À beira da
falência, o novo país não tinha exércitos, navios, oficiais, armas ou
munição par sustentar a guerra pela sua independência [...].
(GOMES, 2010, p. 57,58 e 59
Assim, fazer o Brasil acontecer não foi tarefa fácil, mesmo para alguém tão
jovem e idealista como d. Pedro. Principalmente se considerarmos o fato de que um
país não se faz sem um povo que carregará não só a bandeira da liberdade, mas
também o orgulho de estar construindo a sua liberdade, situação que não chegou a
acontecer em terras brasileiras, já que os interesses vinculados ao “Independência ou
Morte” partiram da elite agrária temerosa de ser recolonizada e não da população
comum, que sequer sabia o que estava acontecendo. Para variar, não é de hoje que o
povo brasileiro é o último a saber sobre os acontecimentos do seu país!
Nesse contexto o novo país nascia falido e de certa maneira sem muita
credibilidade. Em 1822 eram poucos a apoiar a separação definitiva de Portugal. Por
que? Porque poucos sabiam o que acontecia nos corredores da história política
brasileira. Além disso, a elite que amadureceu e influenciou d. Pedro com a ideia da
independência, de se tornar rei/imperador do Brasil, se segurou a ele, depois do grito,
por temer as possíveis reviravoltas que poderiam acontecer em um território tão
dividido e tão pouco informado quanto ao seu futuro. Não havia nada de heroico ou
virtuoso na emancipação brasileira que a fizesse triunfar, se consolidar. Pelo contrário,
para alguns pensadores, teria sido a sua fragilidade responsável por provocar o
primeiro passo de união de ideiais em torno de garantir a nossa separação lusitana.
Como bem afirmou Sérgio Buarque de Holanda “[...] foi o sentimento de medo que fez
com que a elite colonial brasileira nas diversas provincias se mantivesse unida em
torno da Coroa. Conseguiu dessa forma preservar seus interesses e viabilizar um
projeto único de país no continente americano”. (HOLANDA, Sérgio Buarque. In:
GOMES, Laurentino – Dossiê 1822, Revista História Viva, p.28, Ano VIII, nº 85).
Os inúmeros problemas não poderiam continuar a ser entraves na
consolidação do Estado Brasileiro. Mesmo reconhecendo as grandes dificuldades d.
Pedro I sabia que era mais que necessário forjar a identidade brasileira através dos
símbolos nacionais, como bandeira, brasão, hino. Mas também estabelecendo limites
e reconhecendo a partir das leis o apoio das elites. Assim, nasce a primeira Carta
Magna brasileira, em 1824, filha do autoritarismo do imperador, pois para executá-la a
Assembleia
Constituinte
foi
dissolvida, e apesar de ser um dos
textos
constitucionais
mais
inovadores da época, já “nasceu”
autoritário porque estabelecia o
poder moderador que colocava o
imperador acima dos outros três
poderes, elitista porque garantia o
direito ao grande latifúndio e a
manuntenção
da
ordem
escravocrata. Dessa forma, o Brasil
conseguiu se separar de Portugal,
cujo reconhecimento custou uma
dívida com a Inglaterra de 2 milhões de libras esterlinas além das dívidas anteriores de
Portugal com os ingleses que se tornaram brasileiras, sem alterar a ordem social já
estabelecida.
O Brasil que surge é o resultado de uma edificação hierárquica, de cima para
baixo. A elite imperial, formada na Europa, portanto bem preparada, que conduziu o
processo de construção nacional, evitando a participação do povo com o objetivo de
impedir que este exigisse direitos e democracia. E o povo nessa história? Continuou
no seu silêncio!
Como podemos perceber na charge ao lado, ao se colocar acima da Constituição, pelo
poder moderador, o imperador deixava claro que não se submeteria a ela ou qualquer
situação política que o desagradasse.
A Charge ainda ironiza uma das características mais marcantes do imperador: ser
galanteador demais.
Mas o heroi, conquistador de corações, o “foguinho” ou “demonão” como
gostava de ser identificado em cartas pessoais enviadas para sua amante mais
famosa, a marquesa (que ele presenteou com o título para que ela pudesse circular
livremente pela corte) Domitilia de Castro Canto e Melo, pouco a pouco foi se tornando
vilão de sua própria história. A sua vida privada de homem boêmio e conquistador era
alvo de inúmeras críticas pelos escândalos frequentes. Se houvesse redes sociais na
época, essa história iria “bombar” com certeza, já imaginou as rashtags que poderiam
existir, do tipo #imperadorplayboy ou #fogãodopedrão. Somada a isso sua dúvida
entre o Brasil e Portugal, pois por mais que se declarasse brasileiro ainda continuava
ligado à antiga metrópole, principalmente se o assunto fosse a cabeça que usaria a
Coroa, de preferência a dele, é claro! Um terceiro motivo para a mudança na
identidade do imperador de heroi para vilão com certeza foi a desgastante guerra
brasileira pela provincia Cisplatina e a vergonhosa derrota, que deixou em situação
lastimável os cofres públicos brasileiros. E por fim, mas não menos importante, a
instabilidade política e a forma cruel e autoritária de resolver os problemas internos
que o soberano tinha. Dissolver a Assembleia em 1823, censurar a imprensa,
massacrar os líderes da Confederação do Equador, estas e outras ações o levaram a
perder o apoio e se isolar.
Assim, quando abdicou em 1831, não se lastimou, pelo contrário, algumas
fontes relatam que parecia relaxado e até um pouco alegre, como se estivesse livre de
um fardo. Isabel Lustosa (2008) relata da seguinte maneira: “[...] segundo o diplomata
francês, que a tudo assistiu, d. Pedro soube abdicar melhor do que soubera reinar.
[...].Depois do embarque, d.Pedro parecia muito sereno, até mesmo alegre [...] logo
que se instalou a bordo tomou da viola e tocou um miudinho, como se tudo não tivesse
importância”.(LUSTOSA, 2008p. 301, 304)
E assim, da mesma forma intempestuosa que começou também terminou o
primeiro passo “trôpego” da identidade e emancipação brasileira.
Vejamos agora como os vestibulares tem abordado este assunto:
1.(UFTPR 2008 – adaptada do Enem) A independência do Brasil, em 7 de setembro
de 1822, é um dos fatos históricos mais importantes de nosso país, pois marca o fim
do domínio político português. Sobre o desenrolar desse episódio, podemos afirmar
que:
A) consolidou os ideias da Inconfidência mineira.
B) marcou o inicio da participação popular na política brasileira.
C)assinalou a predominância dos interesses ingleses, com a imediata libertação dos
escravos.
D) provocou profundas transformações sociais nas estruturas econômicas e sociais do
país.
E) preservou os interesses básicos dos proprietários de terras e de escravos.
COMENTÁRIO: resposta correta E
O processo histórico que resultou na independência brasileira foi motivado
principalmente pelos interesses das elites agrárias (donas de terras e de escravos).
Não consolidou os ideais da Conjuração mineira, pois estes queriam a república.
Favoreceu apenas a aristocracia latifundiária, uma vez que o povo não participou e
não teve direitos reconhecidos, assim como os escravos não foram libertos.
2. Os membros da loja maçônica fundada por José Bonifácio em 2 de junho de 1822
(e que no dizer de Frei Caneca não passava de um “clube de aristocratas servis”)
juraram “procurar a integridade e independência e felicidade do Brasil como Império
constitucional, opondo-se tanto ao despotismo que o altera quanto à anarquia que o
dissolve”. Na visão de José Bonifácio e dos membros da referida loja maçônica, o
despotismo e a anarquia eram encarnados, respectivamente,
A) pelos que defendiam a monarquia e a autonomia das províncias.
B) por todos quantos eram a favor da independência e união entre as províncias.
C) pelo chamado partido português e os republicanos ou exaltados.
D) pelos partidários da separação com Portugal e da união sul-americana.
E) pelos partidos que queriam acabar com a escravidão e a centralização do poder.
COMENTÁRIO: resposta correta C
A expressão utilizada por Frei Caneca serve para nos lembrar a origem
socioeconômica dos membros da maçonaria, a aristocracia rural brasileira, que
organizou o processo de independência política do Brasil, preocupada em manter seus
privilégios econômicos e garantir para si, o controle político do país. Aqueles que
apoiaram a outorga da Constituição eram denominados de “partido português e
aqueles que pretendiam reformas mais profundas, os republicanos – mais tarde
exaltados.
3.(UNESP 2009) A nação independente continuaria na dependência de uma estrutura
colonial de produção, passando do domínio português à tutela britânica.Da Monarquia
à República - Emília Viotti da Costa. O texto permite concluir que:
a) a Inglaterra teve importante papel na articulação da independência do Brasil,
interessada nos amplos mercados que se abririam ao comércio britânico na América
Ibérica.
b) após a independência, o país passou por grandes mudanças sociais e econômicas,
rompendo com a dependência.
c) os ingleses apoiaram, sem restrições, a política da Santa Aliança, oferecendo ajuda
militar para combater a independência das colônias ibéricas.
d) a Inglaterra apoiou nossa emancipação, sem fazer nenhuma exigência de caráter
econômico.
e) o liberalismo político e econômico, praticado por nossas elites, mudou radicalmente,
após a independência, o quadro sócio-econômico do país.
COMENTÁRIO: resposta correta A
A Inglaterra industrializada e defensora do liberalismo (do séc. XVIII), colocou-se
contra a política expansionista de Napoleão e também contra a política recolonizadora
da Santa Aliança, defendendo a independência das colônias ibéricas, como forma de
ampliar seus mercados consumidores.
4. (Ufrrj 2005) Leia os textos a seguir, reflita e responda.
Após a Independência política do Brasil, em 1822, era necessário organizar o novo
Estado, fazendo leis e regulamentando a administração por meio de uma Constituição.
Para tanto, reuniu-se em maio de 1823, uma Assembléia Constituinte composta por 90
deputados pertencentes à aristocracia rural.(...) Na abertura dos trabalhos, o
Imperador D. Pedro I revelou sua posição autoritária, comprometendo-se a defender a
futura Constituição desde que ela fosse digna do Brasil e dele próprio.
a) foi consagrada a extinção do tráfico de escravos, devido à pressão da sociedade
liberal do Rio de Janeiro.
b) foi introduzido o sufrágio universal, somente para os homens maiores de 18 anos e
alfabetizados, mantendo a exigência do voto secreto.
c) foi abolido o padroado, assegurando ampla liberdade religiosa a todos os brasileiros
natos, limitando os cultos religiosos aos seus templos.
d) o poder moderador era atribuição exclusiva do Imperador, conferindo a ele,
proeminência sobre os demais poderes.
e) o poder executivo seria exercido pelos ministros de Estado, tendo estes total
controle sobre o poder moderador.
COMENTÁRIO: resposta correta D
O modelo social e político que o
Brasil
assumiu
após
a
independência
permaneceu
o
mesmo da época da colônia –
latifundiário e escravocrata. Eram
os privilégios da elite agrária que
prevalecia
na
Constituição,
confirmado com o direito do voto
censitário que excluia quem não podia declarar renda anual de 100 mil réis. Além
disso a ligação do Estado com a Igreja ficou ainda mais estreita, refletindo o Padroado,
em que Igreja e Estado interferiam mutuamente na área de atuação do outro. E
mantendo-se totalmente no poder o imperador criou o poder moderador que se
estabelecia sobre os outros poderes.
5. (UEPB 2008)
Em relação aos primeiros anos de independência política do Brasil, é correto afirmar:
a) A Constituição de 1824 consagrou o princípio democrático e garantiu às camadas
populares o direito de voto e acesso a candidatura para os diversos cargos eletivos.
b) O Primeiro Reinado (1822-1831) foi marcado pelas lutas entre as elites regionais
das províncias e os partidários de D. Pedro I, que defendiam medidas centralizadoras
e não afastavam a hipótese de uma reunificação do império luso-brasileiro.
c) A independência política do Brasil formalizada em 1822 garantiu mudanças
estruturais da economia brasileira, inclusive com a extinção do sistema plantation.
d) O primeiro país a reconhecer a independência do Brasil foi a França, em 1825, que
emprestou dois milhões de libras ao Brasil para pagar de indenização a Portugal.
e) O espírito liberal de D. Pedro I garantiu o fim do centralismo político no Primeiro
Reinado, bem como maior autonomia para as províncias do Nordeste, sobretudo após
a Confederação do Equador.
COMENTÁRIO: resposta correta B
A independência foi resultado dos interesses das elites agrárias, que mesmo depois
da ação de D. Pedro I continuou temerosa quanto a fragilidade do recém criado
Estado Brasileiro. Havia muitos que brigavam pelo poder político local e
permaneceram ligados aos interesses de Portugal, por considerarem a emancipação
brasileira fraca demais e sem apoio suficiente para se estabilizar.
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1822: a História de um país chamado Brasil Por: Érica Fabrícia Silva