TRATAMENTO ARTROSCÓPICO DA TENDINITE CALCÁRIA DO OMBRO
Tratamento artroscópico da
tendinite calcária do ombro*
GLAYDSON GOMES GODINHO1, JOSÉ MÁRCIO ALVES FREITAS2, AGNUS WELERSON VIEIRA3,
LEONARDO CÔRTES ANTUNES4, EDUARDO WATANABE CASTANHEIRA4
RESUMO
Uma das mais comuns afecções do manguito rotador, a
tendinite calcária, tem etiologia desconhecida e, geralmente, apresenta resposta satisfatória ao tratamento conservador. Para pacientes nos quais a cirurgia está indicada,
a artroscopia representa alternativa menos traumática do
que o procedimento “aberto”, tradicional. Neste trabalho, os autores apresentam as duas correntes teóricas que
tentam explicar a fisiopatologia da tendinite calcária: 1)
uma “área crítica”, onde fenômenos de hipóxia levariam
à necrose e deposição de cálcio local e 2) um ciclo formativo-absortivo, mediado por células e, portanto, tecido vivo, e não distrófico, levando à deposição e, posteriormente, à absorção do cálcio no local. Foram revistos 66 ombros, correspondendo a 66 pacientes, operados pelo mesmo
cirurgião, entre setembro de 1990 e agosto de 1996, com
seguimento mínimo de 10 meses de evolução pós-cirúrgica e máximo de 80 meses, com média de 30 meses. O tempo médio, decorrido entre o início dos sintomas e o procedimento cirúrgico, foi de 39 meses, mínimo de 1 mês e
máximo de 240 meses (20 anos). Os dados foram compilados dentro dos critérios de avaliação da UCLA com resultados globais excelentes em 58 pacientes (87,9%); bons,
em 4 pacientes (6,1%); razoável, em 1 paciente (1,5%) e
pobres, em 3 pacientes (4,5%). Os autores analisaram a
influência da ressecção, completa e parcial da calcifica-
* Trab. realiz. no Hosp. Ortopédico – AMR (Associação Mineira de Reabilitação) e Hosp. Belo Horizonte, Belo Horizonte, MG.
1. Cirurgião-Chefe do Serviço de Cirurgia e Reabilitação do Ombro dos
Hosp. Ortopédico-AMR e Belo Horizonte.
2. Cirurgião Especialista de Ombro dos Hosp. Ortopédico-AMR e Belo Horizonte.
3. Estagiário de Cirurgia do Ombro nos Hosp. Ortopédico-AMR e Belo
Horizonte.
4. Residente R3 da Reiot (Residência Integrada de Ortop. e Traumatol. dos
Hosp. Ortopédico-AMR e Belo Horizonte).
Rev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 9 – Setembro, 1997
ção, sobre os resultados excelentes (88,9% e 83,3%, respectivamente) e concluíram, como a maioria absoluta dos
autores, que esses resultados são semelhantes. Análise
idêntica foi feita em relação à influência da acromioplastia, que, quando realizada, mostrou 89,1% de excelentes
resultados, contra 81,8% quando não realizada, o que coincide com a opinião generalizada dos autores, de que a
acromioplastia é desnecessária na cirurgia da tendinite
calcária do ombro.
SUMMARY
Arthroscopic treatment of shoulder calcifying tendinitis
One of the most common disorders of the rotator cuff, the
calcifying tendinitis, is of unknown etiology, generally presenting satisfactory results with conservative treatment. For
patients to whom surgery is indicated, the arthroscopy represents a less traumatic procedure than the “open” traditional ones. In this paper, the authors try to explain the calcifying tendinitis physiopathology: 1) one “critical zone”
where a reduction in oxygen tension transforms a portion of
the tendon into necrotic tissue where calcium deposition will
occur; 2) one formative-resorptive cell-mediated reactive process that takes place in living tissue where calcium will deposited and resorbed later. Sixty-six shoulders, corresponding to sixty-six patients, were reviewed, operated on by the
same surgeon between September 1990 and August 1996, with
minimum follow-up of 10 months, maximum of 80 months
(mean follow-up of 30 months). The mean time between the
beginning of symptoms and surgery was 39 months, with minimum of 1 month and maximum of 240 months (20 years).
Results were analyzed using UCLA classification: 58 (87.9%)
excelent results; 4 (6.1%) good results; 1 (1.5%) fair result
and 3 (4.5%) poor results. The authors analyzed the effect of
partial and complete calcium resection on the excelent results (88.9% and 83.3% respectively) and concluded, like
most authors, that these results are the same in both hypo669
G.G. GODINHO, J.M.A. FREITAS, A.W. VIEIRA, L.C. ANTUNES & E.W. CASTANHEIRA
theses. A similar analysis was made in relation to the effect
of acromioplasty. Excelent results were obtained in 89.1% of
patients submitted to acromioplasty, as well as in 81.8% of
those not submitted to this process. Therefore, the authors
concluded that acromioplasty is not necessary in shoulder
calcifying tendinitis surgeries.
INTRODUÇÃO
A tendinite calcária, uma das mais comuns afecções do
manguito rotador, tem etiologia desconhecida e, geralmente,
apresenta resposta satisfatória ao tratamento conservador.
De Palma & Kruper(5) propõem uma classificação clínicoradiográfica, dividindo as tendinites calcárias em lesões amorfas, geralmente associadas com sintomas agudos, e em lesões definidas homogêneas, geralmente subagudas ou crônicas. Essas lesões apresentam um triplo polimorfismo(19) – clínico, radiográfico e evolutivo:
a) Polimorfismo clínico, porque acometem principalmente
o sexo feminino, entre 30 e 50 anos. Podem ser totalmente
assintomáticas, apresentando episódios agudos de dor ou
evoluindo sobre um fundo doloroso crônico;
b) Polimorfismo radiográfico, com dois aspectos extremos e com grande variação de imagens intermediárias: por
um lado, com o aspecto de verdadeiro “abscesso” de aspecto
radiográfico homogêneo e, por outro lado, verdadeira infiltração calcária do tendão, de extensão variável e aspecto nãohomogêneo, radiograficamente;
c) Polimorfismo evolutivo, porque algumas formas são
imutáveis, enquanto outras desaparecem em algumas semanas por ocasião de crises hiperálgicas típicas.
O conceito da existência de uma área específica no tendão
supra-espinhal, conhecida como “área crítica”, suscetível à
calcificação, foi primeiro descrito por Codman(4).
A vascularização dessa área tem sido repetidamente investigada. Acredita-se que possível hipoperfusão local inicie
o processo degenerativo que, subseqüentemente, levará à calcificação ou à ruptura.
De acordo com McLaughlin(12), a lesão primária é uma
hialinização focal das fibras que se destacam do tecido normal que as contorna, constituindo-se em desbridamento necrótico focal sobre o qual ocorre a calcificação.
Uhthoff & Sarkar(17) teorizam que a tendinite calcária é
uma condição autolimitante, caracterizada por um ciclo formativo-reabsortivo, mediado por células e, portanto, de ocorrência em tecidos vivos, e não de natureza distrófica. Esses
autores postulam uma fase pré-calcificante, na qual uma redução na tensão local de oxigênio transforma parte do ten670
dão em fibrocartilagem, onde condrócitos funcionam como
mediadores da deposição de cálcio em múltiplos focos. Em
seguida à fase formativa, o cálcio pode existir por período
indefinido de tempo no local de depósito. Eventualmente,
células fagocitárias se acumulam em torno de alguns focos,
proliferando formação de verdadeiros canais vasculares locais.
A fase reabsortiva inicia-se quando esses novos canais
vasculares passam a formar uma via de reabsorção, restaurando assim a perfusão e tensão normal de oxigênio nos tecidos. Depois que a calcificação é reabsorvida, o tendão é capaz de retornar à função normal, presumivelmente através
da síntese de nova matriz. É durante essa fase que os sintomas dolorosos se intensificam.
Ambas as fases podem ocorrer simultaneamente.
Baseando-se nessa teoria, longo período de tratamento conservador deve ser observado, antes que se defina pelo tratamento cirúrgico.
Para os pacientes nos quais a cirurgia está indicada, a artroscopia representa alternativa menos traumática do que o
procedimento “aberto”, tradicional.
O objetivo deste trabalho é estudar o tratamento cirúrgico
artroscópico da tendinite calcária do ombro, o qual representa importante e eficiente opção para os casos crônicos, resistentes ao tratamento conservador.
CASUÍSTICA E MÉTODO
No período compreendido entre setembro de 1990 e agosto de 1996, 68 pacientes, correspondentes a 68 ombros, portadores de quadros clínico e radiográfico de tendinite calcária, de evolução crônica, resistentes ao tratamento conservador, foram submetidos ao tratamento cirúrgico por via artroscópica, todos operados pelo mesmo cirurgião nos Hospitais Belo Horizonte e Ortopédico.
O período escolhido permite recuo mínimo de dez meses
após a cirurgia, para essa avaliação.
Desse total, foram revistos 66 pacientes, correspondendo
a 66 ombros, avaliados através de entrevista, exame físico e
radiográfico, em quatro incidências: ântero-posterior (AP)
em posição neutra, AP em rotação interna e rotação externa,
e no perfil de escápula (outlet view).
Os dados foram compilados dentro dos critérios de avaliação da UCLA (tabela 1).
O seguimento mínimo foi de 10 meses e o máximo, de 80
meses, com média de 30 meses. A faixa etária média foi de
50,5 anos, com mínimo de 36 e máximo de 79 anos. Quanto
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TRATAMENTO ARTROSCÓPICO DA TENDINITE CALCÁRIA DO OMBRO
TABELA 1
Escore de resultados segundo a UCLA
Dor
Presente todo o tempo, insuportável, analg. fortes freq.
1
Presente todo o tempo, suportável, analg. forte ocasional
2
Fraca/ausente em repouso, pres. ativ. leves, salicilatos freq. 4
Pres. atividades pesadas/especif., salicilatos freq.
6
Ocasional e fraca
8
Ausente
10
Função
Incapaz de usar o membro
1
Somente ativ. leves possíveis
2
Capaz/ ativ. caseiras leves/ ativ. da vida diária
4
Ativ. caseiras/compras/dirigir/pent./vestir/abotoar atrás
6
Restrição leve/capaz de trabalhar acima do nível do ombro 8
Atividades normais
10
Flexão ativa
150 graus ou mais
120 a 150 graus
90 a 120 graus
45 a 90 graus
30 a 45 graus
Menos de 30 graus
5
4
3
2
1
0
Força de flexão anterior (teste muscular manual)
Grau 5 (normal)
Grau 4 (bom)
Grau 3 (regular)
Grau 2 (fraco)
Grau 1 (contrações musculares)
Grau 0 (ausente)
5
4
3
2
1
0
Satisfação do paciente
Satisfeito e melhor
Insatisfeito e pior
5
0
Escore máximo: 35 pontos
Pontuação de Ellmann (UCLA)
34-35
28-33
21-27
00-20
excelente
bom
razoável
pobre
ao sexo, 40 pacientes (60,6%) são femininos e 26, masculinos (39,4%). Quanto à dominância, 64 pacientes são destros
(97%) e 2, sinistros (3%). O ombro direito foi acometido em
42 pacientes (63,6%), enquanto o esquerdo, em 24 (36,4%).
Apenas 5 pacientes (7,6%) praticavam esportes, todos como
lazer, enquanto 61 (92,4%) não eram desportistas.
O tempo médio, decorrido entre o início dos sintomas e o
procedimento cirúrgico, foi de 39 meses, mínimo de 1 mês e
máximo de 240 meses (20 anos).
Um contingente expressivo de 40 pacientes (60,6%) teve
curso clínico superior a um ano, antes de submeter-se à cirurgia.
Rev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 9 – Setembro, 1997
Fig. 1
Drenagem
percutânea da
calcificação
utilizando
agulha de
punção lombar
nº 18
Foi relatado por 30 pacientes o número exato de infiltrações prévias, cujas média foi de 2,6, com mínimo de 1 e
máximo de 8.
Quanto aos tendões acometidos, o supra-espinhal esteve
presente 65 vezes (98,5%) e o subescapular, em 1 paciente
(1,5%).
O tratamento fisioterápico pré-operatório foi realizado em
60 pacientes (90,9%), enquanto 6 não foram submetidos a
ele (9,1%).
Fisioterapia pós-cirúrgica, em ginásio, foi realizada em 9
pacientes (13,6%), enquanto 57 (86,4%) fizeram apenas exercícios domiciliares e em piscina.
Técnica cirúrgica
O procedimento é realizado com o paciente sob anestesia
geral, complementada com bloqueio do plexo braquial e posicionado em decúbito lateral oposto. O membro superior é
posicionado por mecanismos de tração longitudinal e vertical.
Usamos os portais habituais para artroscopia e bursoscopia do ombro e, através do portal lateral, introduzimos o shaver, com o qual realizamos a sinovectomia subacromial(2,3,6,
7,14).
Com movimentos de rotação interna e externa, além de
adução e abdução do braço, localizamos o “tofo” calcário
que produz um abaulamento na superfície do tendão, de coloração mais pálida que o tecido circundante, assemelhando-se em muito à protuberância de hérnia discal.
Com auxílio de uma agulha nº 18 ou uma agulha de punção lombar, via percutânea, perfuramos a área, de onde a
saída de material pastoso, característico, ou de grânulos calcários irá confirmar a topografia da calcificação (fig. 1).
671
G.G. GODINHO, J.M.A. FREITAS, A.W. VIEIRA, L.C. ANTUNES & E.W. CASTANHEIRA
Fig. 2
Desbridamento
da calcificação
com shaversucção
Nesse tempo cirúrgico, a solução salina de irrigação é substituída por solução de glicina a 1,5%, para possibilitar o uso
do eletrocautério(7), com o qual realizamos a abertura parcial
e superficial do tendão no mesmo sentido de suas fibras, ou
seja, de medial para lateral, evitando-se assim o enfraquecimento pela incisão transversal delas.
Em seguida, realizamos o desbridamento da área com o
shaver-sucção (fig. 2) e uma cureta artroscópica de 3mm pode
ser usada na remoção do cálcio.
Todo o cuidado é necessário para não criar dano adicional
ao tendão.
Pequenos pontos de calcificação residual podem aparecer
no exame radiográfico pós-operatório, mas, geralmente, são
reabsorvidos na fase de recuperação. Por vezes, o cálcio não
é localizado, ou então é multiloculado e apenas os depósitos
maiores são visibilizados. Nessa circunstância, o exame radiográfico intra-operatório pode tornar-se necessário.
Após a excisão do cálcio, deve-se proceder a exaustiva
lavagem com solução fisiológica, pois resíduos de cálcio podem causar sinovite e dor no pós-operatório.
Quando a calcificação ocorre com dimensões muito pequenas e não conseguimos localizá-la, procedemos, necessariamente, à descompressão subacromial com acromioplastia, que também é realizada quando há evidência de esporões acromiais ou acromioclaviculares, ou quando existe um
típico acrômio do tipo III.
Nos pacientes operados até novembro de 95, realizamos,
sistematicamente, a descompressão subacromial com secção
do ligamento coracoacromial, isoladamente, ou associada à
acromioplastia.
672
Fig. 3 – Drenagem calcificação
Após esse período, abandonamos a secção ligamentar e
mantivemos a acromioplastia, com indicação apenas nos pacientes que apresentaram esporões acromiais ou acromioclaviculares, nos portadores de acrômio do tipo III, quando a
drenagem da calcificação foi incompleta e quando o tempo
de evolução foi muito longo.
Recomendamos o uso intermitente de tipóia durante os
primeiros 10 a 15 dias e estimulamos a realização de exercícios autopassivos em elevação anterior e rotações interna e
externa, desde o primeiro dia pós-operatório, acrescentandose exercícios em piscina, com proteção das feridas cirúrgicas dos portais desde o 5º dia PO.
RESULTADOS
Foi avaliada a influência da descompressão subacromial
realizada através da acromioplastia, associada ou não à ressecção do ligamento coracoacromial.
Essa descompressão foi realizada em 55 pacientes, nos
quais obtivemos 49 resultados excelentes (89,1%). Em 11
pacientes ela não foi realizada e 9 deles (81,8%) obtiveram o
mesmo índice de excelentes resultados.
Realizamos a drenagem completa da calcificação em 54
pacientes (81,8%) e, parcialmente, em 12 deles (18,2%) (fig.
3).
Apenas 1 paciente apresentava ruptura completa do manguito rotador associada, com localização no tendão supraespinhal, reparada através de incisão mini open.
Lesão parcial, localizada exclusivamente na face articular
do tendão do músculo subescapular, foi identificada em associação, em 1 paciente.
Slap lesions(16) apresentaram-se associadas em 4 pacientes
(6,1%), 2 com o tipo I e 2 com o tipo II.
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TRATAMENTO ARTROSCÓPICO DA TENDINITE CALCÁRIA DO OMBRO
Como complicação, tivemos apenas um paciente com capsulite adesiva detectada no período pós-operatório recente.
Nenhum caso de infecção, lesão nervosa ou dor de grande
intensidade e que tenha merecido cuidados de urgência foi
detectado.
O resultado global, segundo os critérios de classificação
da UCLA, foi o seguinte:
Excelentes resultados foram observados em 58 pacientes
(87,9%). Bons resultados foram obtidos por 4 pacientes
(6,1%). Razoável resultado ocorreu em 1 paciente (1,5%).
Pobres resultados foram obtidos em 3 pacientes (4,5%).
DISCUSSÃO
Dois aspectos no estudo da tendinite calcária do ombro
apresentam pontos de concordância entre a maioria dos autores: o primeiro deles é de que a reabsorção espontânea geralmente ocorre, mas a dúvida é sobre quando isso acontece(17). O segundo ponto de convergência é de que a maioria
dos pacientes (78,9 a 90%) responde muito bem ao tratamento conservador(1,5,8-10).
Todos os autores concordam em que a tendinite calcária
não tem correlação com qualquer doença sistêmica e Welfling et al.(21) concluem, categoricamente, que a calcificação
tendinosa é, por si só, uma doença.
Existem concordâncias entre nossos achados e os da literatura(1,11,17,19) quanto à maior incidência no sexo feminino,
entre 30 e 50 anos, com raros acometimentos acima dos 70
anos de idade(11) e maior no lado dominante. Tivemos apenas
um paciente com 71 anos e outro com 79 anos de idade.
Embora a literatura asiática evidencie alta incidência de
rupturas completas do manguito rotador em associação(11),
esse achado não tem correspondência no Ocidente(9,11,13). Entre
nossos pacientes, apenas um apresentou-se com ruptura completa do tendão supra-espinhal.
A ruptura completa corresponde à expressão de grave doença tendínea, cujo prognóstico não é favorável, desaparecendo ou não a calcificação. Nesses casos o tratamento cirúrgico é indiscutivelmente necessário(13).
Recomenda-se o tratamento conservador por período extenso, por mais de um ano, antes de indicar a cirurgia(1,17).
O tempo médio decorrido entre o início dos sintomas e a
cirurgia em nossos pacientes foi de 39 meses, com mínimo
de 1 mês e máximo de 20 anos, chamando atenção para o
fato de que 40 (60,6%) tiveram curso clínico superior a 1
ano.
A ansiedade do paciente e do médico diante do quadro de
dor crônica, prolongada, ou a agravação da dor na fase reabRev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 9 – Setembro, 1997
Fig. 4 – Drenagem parcial
sortiva, tem levado certamente à indicação cirúrgica precoce
em muitos casos, passíveis de serem tratados conservadoramente.
Gschwend et al.(8,9) propõem os seguintes critérios de indicação cirúrgica: 1) progressão dos sintomas; 2) dor constante, interferindo com as atividades de vida diária; 3) ausência
de melhora dos sintomas através do tratamento conservador.
Quanto ao tratamento cirúrgico, a maioria dos autores opina
que a ressecção parcial da calcificação não interfere negativamente nos resultados(1,6).
Em nosso estudo, verificamos que 48 pacientes, entre os
54 nos quais realizamos a ressecção completa da calcificação, obtiveram excelentes resultados (88,9%), ao passo que
10 entre os 12 nos quais a ressecção foi parcial também conseguiram o mesmo padrão de resultados excelentes (83,3%)
(fig. 4), o que nos põe em concordância com a maioria dos
autores, já que a diferença é estatisticamente desprezível.
Quanto à descompressão subacromial, a maioria dos autores não aconselha sua indicação sistemática(1,6,13,20), limitando-a geralmente para os casos nos quais existam sinais evidentes de pinçamento subacromial, observados no exame radiológico pré-operatório ou na visibilização direta no ato cirúrgico, bem como quando a ressecção feita é apenas parcial.
Em nosso estudo, o achado de 49 pacientes, entre os 55
submetidos à acromioplastia (89,1%), com excelentes resultados, contra 9 pacientes, entre 11 que não se submeteram a
ela (81,8%) (fig. 5), também com excelentes resultados, nos
permite concluir que a acromioplastia é desnecessária, exceto na evidência dos sinais de pinçamento subacromial, quando a evolução clínica foi muito longa, diante de um acrômio
673
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Fig. 5 – Sem acromioplastia
do tipo III, ou quando a excisão do cálcio foi apenas parcial,
como temos procedido.
A ressecção isolada do ligamento coracoacromial, postulada por alguns autores(8,9) e julgada desnecessária pela maioria deles(18,20), não nos parece lógica, especialmente se analisarmos a importância dessa estrutura na estabilização ascensional da cabeça do úmero(14,15).
Apenas 9 pacientes (13,6%) realizaram fisioterapia pósoperatória, em nível de ginásio, enquanto 57 (86%) fizeram
apenas exercícios para preservação das amplitudes de movimentos e, em piscina, quando possível, em nível domiciliar.
Não trabalhamos a força muscular, pois, em nenhum dos
pacientes ocorreu perda real, observada após desaparecimento
das dores.
É importante enfatizar que o tratamento cirúrgico artroscópico não representa substituição para o adequado tratamento conservador, mas importante e eficiente opção para
os casos crônicos, resistentes a essa conduta, bem conduzida
e por período de tempo suficientemente longo.
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