UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE ESCOLA DE ENFERMAGEM ANNA NERY COORDENAÇÃO GERAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA A AMAMENTAÇÃO DE PRÉ-TERMO EM UM HOSPITAL AMIGO DA CRIANÇA – Contribuições da enfermagem a partir da História de Vida das mães ANGELINA MARIA APARECIDA ALVES Tese de Doutorado apresentada à Banca Examinadora como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor em Enfermagem. Orientadora Profa. Dra. Rosângela da Silva Santos RIO DE JANEIRO Dezembro, 2006 ANGELINA MARIA APARECIDA ALVES A AMAMENTAÇÃO DE PRÉ-TERMO EM UM HOSPITAL AMIGO DA CRIANÇA – Contribuições da Enfermagem a partir da História de Vida das Mães RIO DE JANEIRO DEZEMBRO, 2006 FICHA CATALOGRÁFICA Alves, Angelina Maria Aparecida A amamentação de pré-termo em um Hospital Amigo da Criança Contribuições da enfermagem a partir da História de Vida das mães / Angelina Maria Aparecida Alves - Rio de Janeiro: UFRJ/EEAN, 2006. xi, 173f. Orientadora: Profa Dra Rosangela da Silva Santos. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro / Escola de Enfermagem Anna Nery / Programa de Pós-graduação em Enfermagem, 2006. Referências bibliográficas: f. 166-173. 1. amamentação 2. pré-termo 3. história de vida 4. enfermagem. I.Título CDD: 610.73 A AMAMENTAÇÃO DE PRÉ-TERMO EM UM HOSPITAL AMIGO DA CRIANÇA – Contribuições da enfermagem a partir da História de Vida das mães Aprovada por: ______________________________________________ Profa Dra Rosângela da Silva Santos Presidente ______________________________________________ Profa Dra Leila Rangel da Silva 1a Examinadora ______________________________________________ Prof. Dr. Valdecyr Herdy Alves 2a Examinador ______________________________________________ Profa Dra Telma Spindola 3a Examinadora __________________________________ Profa Dra Ívis Emilia de Oliveira Souza. 4a Examinadora RIO DE JANEIRO Dezembro / 2006 ii ORIENTADORA Profª Drª Rosângela da Silva Santos Agradeço pelo apreço e dedicação com que concedeu seu tempo, discutiu idéias e dúvidas, apresentou sugestões e críticas pertinentes ao estudo com o propósito de enriquecê-lo, contribuindo com seus ensinamentos e orientações para a aquisição de novos conhecimentos e para o meu aperfeiçoamento profissional e pessoal. iii DEDICATÓRIA Dedico este trabalho aos meus pais, José Alves e Angelina de Jesus Pires Alves, que me deram a vida e desde criança me fazem sentir amada, estando sempre ao meu lado, me apoiando e me ensinando a lutar por novos ideais. Amo vocês! iv AGRADECIMENTOS ESPECIAIS Ao meu irmão Antônio José Alves, à minha cunhada Adriana Cintra e ao meu lindo afilhado Raphael, pelo incentivo, apoio e compreensão pelos inúmeros momentos de ausência no núcleo familiar. À você Irene Nunes, minha amiga, irmã dos sonhos de criança. Agradeço a Deus por tê-la conhecido e partilhado com você diferentes etapas da minha vida. O seu carinho, compreensão e incentivo foram decisivos nesta minha trajetória. Agradeço a ajuda e dedicação na correção ortográfica do texto. A Manoel Sesto Sanches, por estar sempre ao meu lado, pelo companheirismo, cumplicidade e pelo seu incansável esforço para compreender os meus momentos difíceis durante a realização deste estudo. À amiga Inês Maria Meneses dos Santos, que não mediu esforços para a concretização deste trabalho, pela colaboração, pela participação afetuosa e por suas opiniões críticas pertinentes. v AGRADECIMENTOS A DEUS, supremo orientador e fortalecedor, por ter me dado coragem para enfrentar mais este desafio. Às mulheres, mães de pré-termo, que partilharam comigo as suas histórias e me possibilitaram avançar no conhecimento. Aos amigos José Luiz Souza Moura Júnior, Rose Brandão Honório, Adriana Fratani e Odália Uidack, por quem tenho um especial carinho, agradeço por me acolherem e por estarem sempre ao meu lado me incentivando, me apoiando nos momentos difíceis e acreditando no meu sucesso. Ao corpo docente da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto da UNIRIO, pelo constante incentivo na minha carreira, apoio e carinho que tem demonstrado ao longo dos anos. Aos meus amigos, docentes do Departamento de Enfermagem MaternoInfantil, Ângela Maria La Cava, Cristiane Rocha, Fernando Rocha Porto, Maria Filomena Pereira Vancellote Almeida, Leila Rangel da Silva, Selma Villas Boas Teixeira e Thereza Christina dos Santos Figueira Cardoso, pela amizade, colaboração e apoio nos momentos difíceis desta trajetória. Aos funcionários da Secretaria do Curso de Pós-graduação da Escola de Enfermagem Anna Nery, Sônia e Jorge, pela presteza, atenção e carinho dispensados durante toda a trajetória do doutorado. Aos enfermeiros do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE), Sérgio C. Marques, Coordenador de Enfermagem; Jorge D. Gaspar, Chefe do Serviço de Enfermagem da Mulher e da Criança e Glória R. G. da Silva, Chefe de Enfermagem da Unidade Neonatal, pela oportunidade de crescimento profissional e pessoal. À minha prima Simone Cristina, por quem tenho uma profunda admiração; ao José Carlos, à pequena Maria Vitória e à minha tia Victória, por todo carinho e incentivo na construção desta tese. Aos meus amigos, enfermeiros do HUPE Ana Beatriz, Reginaldo, Lizie, Rosana, Marcos, Maria Coelho, Kátia, Silvia, Cristina, e Vânia pela disponibilidade e paciência, sempre torcendo para que tudo desse certo. Às enfermeiras, Simone Sisnando e Débora Santiago que sempre demonstraram seu carinho, me incentivaram e colaboraram com dedicação e competência durante as minhas ausências no Hospital. vi À enfermeira, ex-aluna da UNIRIO, Taís, agradeço ao incentivo, amizade e oportunidade em poder compartilhar e discutir idéias no Hospital Universitário Pedro Ernesto, em mais uma etapa de sua formação, como residente. À equipe de enfermagem da UTI-neonatal, do Hospital Universitário Pedro Ernesto por possibilitar a realização desta pesquisa, em especial aos integrantes do meu plantão, envolvidos desde o processo de seleção para o Doutorado, me incentivando e vibrando com a minha aprovação, vivenciando comigo todos os momentos difíceis e ajudando-me a lograr êxito. Aos colegas de turma do Curso de Doutorado, Roberto, Elza, Denise, Almir, Beth, Stela Maris, Eliane, Jurema e Laisa agradeço ao convívio harmonioso, possibilidade de juntos compartilhamos nossas ansiedades, medo, angústia, fazendo com que os momentos de encontro nas aulas se desse de forma harmoniosa, possibilitando a troca de conhecimentos e experiências indispensáveis para o crescimento pessoal e profissional. Ao corpo docente do Curso de Doutorado da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em especial, às profas Ivis Emília de Oliveira Souza e Ana Beatriz Azevedo Queiroz pelos ensinamentos e brilhantes contribuições na construção desta tese, durante as disciplinas do curso e nas bancas de avaliação do projeto de doutorado e na qualificação. vii «Ela me ensina a viver e me ensina sobre a vida. Mostra-me sua coragem a cada dia. A cada dia eu aprendo cada vez mais com aquela criatura tão frágil e imensamente tão forte. A força dela reflete a minha fraqueza e a sua fragilidade me devolve a força de que preciso para continuar a lutar». Maria Júlia Miele viii SUMÁRIO Resumo ...................................................................................................... Abstract ....................................................................................................... Resumé ....................................................................................................... 01 01 01 Capítulo 1 - CONSIDERAÇÕES INICIAIS Situação Problema ...................................................................................... 01 Objeto do Estudo ........................................................................................ Questões Norteadoras ................................................................................ Objetivos do Estudo..................................................................................... 01 07 07 Capítulo 2 - REFERÊNCIAS CONTEXTUAIS A História da Amamentação: do Brasil Colônia aos dias atuais .................. A Mulher e a Política de Saúde – do Incentivo à Promoção, Proteção e Apoio a Amamentação .............................................................. Capítulo 3 - REFERENCIAL TEÓRICO A Teoria da Diversidade e Universalidade do Cuidado Cultural ................. de Madeleine Leininger. Refletindo a Assistência à Mulher no Processo de Amamentação .............. do Pré-termo: o Filho Imaginário e o Filho Real 09 17 41 58 Capítulo 4 - ABORDAGEM METODOLÓGICA Sujeitos do Estudo ...................................................................................... Cenário do Estudo ...................................................................................... A Autorização da Pesquisa ......................................................................... A Coleta de Dados....................................................................................... Análise dos Depoimentos .......................................................................... 73 73 74 74 80 Capítulo 5 - ANÁLISE DOS RELATOS DE VIDA A Gestação e o Nascimento do Filho Pré-Termo:Sentimentos Maternos.... O Processo da Amamentação do Pré-Termo: A Percepção Materna.......... Amamentando o Filho Pré-Termo em um Hospital Amigo da Criança ........ 92 112 113 Capítulo 6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS 162 BIBLIOGRAFIAS......................................................................................... 169 ANEXO Autorização do Comitê de Ética .................................................................. 182 APÊNDICES Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ............................................ 179 Ficha de Identificação ................................................................................. 180 ix RESUMO ALVES, Angelina Maria Aparecida. A amamentação de pré-termo em um Hospital Amigo da Criança -: contribuições da enfermagem a partir da História de Vida das mães. Rio de Janeiro, 2006. Tese.173p (Doutorado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. Trata-se de um estudo descritivo, de natureza qualitativa, utilizando o método História de Vida, cujo objeto de estudo foi a percepção de mães de recém-nascido pré-termo internado, em um Hospital Amigo da Criança, acerca da amamentação. Os objetivos foram: 1) compreender, a partir da percepção materna, os fatores que interferem na amamentação do filho pré-termo internado em um Hospital Amigo da Criança; e 2) analisar a percepção materna sobre a amamentação de seu filho pré-termo internado em um Hospital Amigo da Criança a partir de sua História de Vida. O cenário de pesquisa foi uma unidade neonatal, de um Hospital Universitário do Estado do Rio de Janeiro, com título de Hospital Amigo da Criança. Foram entrevistadas vinte mães de pré-termo que estavam vivenciando a amamentação. A coleta de dados foi realizada utilizando-se entrevista aberta com a seguinte pergunta orientadora: Fale o que você considera importante a respeito de sua vida que tenha relação com a amamentação do seu filho. O Projeto de Pesquisa foi aprovado por Comitê de Ética e Pesquisa, como determina a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. O referencial teórico pautou-se à luz das políticas públicas de promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno; conceitos sobre o Cuidado Cultural de Leininger e nas reações frente a uma doença grave ou fatal de Kübler-Ross. A análise resultou em três categorias temáticas: 1) A gestação e o nascimento do filho pré-termo: sentimentos maternos; 2) O processo de amamentação do pré-termo: a percepção materna; 3) Amamentando o filho pré-termo em um Hospital Amigo da Criança. O estudo evidenciou a preocupação das mães no que se refere à sobrevivência do seu filho e a superação das condições críticas do nascimento. A maioria das mães destacou a qualidade das informações e a competência dos profissionais; queixou-se do radicalismo dos profissionais na imposição da ordenha com horário fixo, de o aleitamento materno exclusivo ser condição para alta do pré-termo e de não serem consideradas suas necessidades individuais, como problemas de saúde, sociais e financeiros. Somente (6) entendiam e consideravam importante a postura da equipe de saúde. Na percepção das mães, a amamentação do pré-termo se configurou como um processo difícil, cansativo, estressante, que exigiu dedicação e aprendizagem tanto da mulher quanto do pré-termo. Nenhuma das mulheres havia tido anteriormente a experiência de ter um bebê pré-termo; tampouco havia conhecido as especificidades que giram em torno da alimentação destes pequenos. O desconhecimento do processo, as técnicas utilizadas para oferta de leite até o bebê ter condições de sugar e a postura dos profissionais desencadearam sentimentos de irritabilidade, angústia e insegurança. A possibilidade da inclusão do Curso de Aconselhamento no Hospital Amigo da Criança, abre possibilidade para a capacitação de profissionais para a assistência em amamentação. Enquanto sujeito ativo do processo da amamentação, a mulher deve ser ouvida, valorizada e respeitada como cidadã. Palavras-Chave: amamentação, pré-termo, história de vida, enfermagem. x ABSTRACT ALVES, Angelina Maria Aparecida. The breast-feeding of premature in a Friend of the Child Hospital: contributions for the nursing from the History of Life of the mothers. Rio de Janeiro, 2006. Thesis.173p (Doctorate in Nursing) – Anna Nery School of Nursing, Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. It is about a descriptive study, of qualitative nature, using the method History of Life, whose object of study was the perception of mothers of premature newborn interned in a Friend of the Child Hospital, concerning breast-feeding. The objectives were: 1) to understand, from the mother’s perception, the factors that intervene with breastfeeding of the premature child interned in a Friend of the Child Hospital; and 2) to analyze the mother’s perception about breast-feeding of their premature child interned in a Friend of the Child Hospital from their History of Life. The scene of the research was a neonatal unit, of a University Hospital of the State of Rio de Janeiro, titled Friend of the Child Hospital. Twenty mothers of premature had been interviewed who were living the breast-feeding. The collection of data was carried through using opened interview in the following orienting question: Tell me what you consider important regarding your life that has relation with breast-feeding of your child. The Project of Research was approved by Committee of Ethics and Research, as it determines the Resolution 196/96 of the National Advice of Health. The theoretical referential was based in the light of the public politics of promotion, protection and support to the maternal breast-feeding; in the concepts of Leininger about the Cultural Care and in the reactions face a serious or fatal disease of Kübler-Ross. The analysis resulted in three thematic categories: 1) the gestation and the birth of the premature child; maternal feelings 2) the process of breast-feeding of premature: the mother’s perception; 3) breast-feeding the premature child in a Friend of the Child Hospital. The study has evidenced the concern of the mothers related to the survival of their child and the overcoming of the critical conditions of the birth. The majority of the mothers detached the quality of the information and the ability of the professionals; they complained of the radicalism of the professionals in the imposition of milks with fixed hour, of the exclusive maternal breast-feeding to be condition for the discharge of the premature and not being considered their individual necessities, as problems of health, social and financial. Only (6) understood and considered important the position of the health team. In the perception of the mothers, breast-feeding of the premature configured as a difficult, tiring, stressed process, that demanded devotion and learning such from the woman as from the premature. None of the women had had previously the experience to have a premature baby; neither they had known the specificities that turn around the feeding of these small ones. The unfamiliarity of the process, the techniques used for offers of milk until the baby have conditions to suck and the posture of the professionals had unchained feelings of irritability, agony and insecurity. The possibility of the inclusion in the Adviser Course in the Friend of the Child Hospital, opens possibility for the qualification of professionals for the assistance in breastfeeding. As active subject of the process of breast-feeding, the woman must be heard, be valued and be respected as citizen. Keywords: breast-feeding, premature, history of life, nursing. xi RESUMÉ ALVES, Angelina Maria Aparecida. L´allaitement de pré-terme en un Hôpital Ami de l´Enfant: contributions pour l´infirmier à partir de l´ Histoire de Vie de les méres. Rio de Janeiro, 2006. Thèse.150f (Doctorat en Infirmier) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. Il s´agit d´un étude descriptif, de nature qualitatif, en utilisant le méthode Histoire de Vie, dont objet d´étude a fut la perceptión de méres de nouveau-né pré-terme interné, en un Hôpital Ami de l`Enfant, au sujet de l´allaitement. Les objectifs furent: 1) comprendre, à partir de la perception maternelle, les facteurs que intervene en l´allaitement du fils pré-terme interné en un Hôpital Ami de l´Enfant; et 2) analiser la perception maternelle sur l´allaitement de son fils pré-terme interné en un Hospital Amigo da Criança à partir de sa Histoire de Vie. La scène de recherche a fut un unité néonatal, d´un Hôpital Unniversitaire de l´Êtad de Rio de Janeiro , avec titre d´Hôpital Ami de L´Enfant. Furent interviewées vingt mères de pré-terme que étaient vivant l´allaitement. La collecte de donnés a fut realisée se utilisant entrevue ouverte avec la seguinte question orientateur: Parle sur le que vous considère important au sujet de sa vie qu´il ait relation avec l´allaitement du son fils. Le Projet de Recherche a fut par le Comitê de Ética e Pesquisa (“ Comité d´Éthique et Recherche, comme détermine la Resolutión 196/96 de le Conselho Nacional de Saúde (« Conseil National de la Santé »). Le Référentiel Théorique a réglé à la lumière de les politiques publiques de promotión, protectión et appui à l´allaitement maternel, concepts sur le Soin Cultural de Leininger et en les réactions devant une maladie grave ou fatale de Kübler-Ross. L´ analyse a resulté en trois categories thèmatiques: 1) La gestation et le naissance du fils pré-terme; sentiments maternels 2) le procès de l´allaitement du pré-terme: la perception maternelle; 3) En allaitant le fils pré-terme en un Hôpital Ami de L´Enfant. L´étude a rendu évident la préoccupation de les mères en le que se rapporte à la survivance du son fils et la supération de les crytiques du naissance. La majorité de les mères a détachée la qualité de les informations et la compétence de les professionelles; s´a plaint du radicalisme de les professionels en l´imposition de la traite avec horaire fixe, de l´allaitement maternel exclusif être condition pour libération du pré-terme et de ne serem considerées sa necessités individuelles, comme problèmes de santé, sociales et financiers. Seulement (6) entendaient et consideraient important la posture de l´équip de santé. En la perception de les mères, l´allaitement du pré-terme se configurou comme un procès difficile, fatigant, stressant, que a exigé dedication et aprprentissage autant de la femme autant du pré-terme. Aucune de les femmes avait eues antérieurement l´expérience d´avoir un bébé préterme; ni avait connue l´spécifités que s´agit autour de l´alimentation de ces petits. Le méconnaissance du procès, les tecniques utilisés pour offre de lait jusque le bébé avoir conditions de sugar et la posture de les professionels desencadearam sentiments d´irritabilité, angustie et insecurité. La possibilité de l´inclusion du Cours de Conseilment en l´ Hôpital Ami de l`Enfant, ouvre possibilité pour la capacitation de professionelles pour l´ assistance en allaitement. Pendant que sujet actif du procês de l´allaitement, la femme doit être écoutée, valorisé et respectée comme citoyenne. Mots - Clefs: allaitement, pré-terme, histoire de vie, infirmier. Capítulo 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS O interesse em realizar uma pesquisa que apresente como objeto de estudo a percepção de mães de recém-nascido pré-termo1, internado em um Hospital Amigo da Criança, acerca da amamentação2, delineou-se ao longo dos anos de atuação como enfermeira na área neonatal. No dia-a-dia, como enfermeira, defendia e estimulava a amamentação; transmitia orientações às mães, sempre enfocando o aspecto biológico, consciente de que este seria essencial à sobrevida destes pequenos. Em meu discurso, totalmente favorável à amamentação, não considerava os inúmeros fatores que poderiam determinar as opções maternas distintas e responsabilizava sempre as mães pela decisão de amamentar ou não os seus filhos. Em 1990, após a conclusão do Curso de Graduação na Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ, na qualidade de residente do Instituto Fernandes Figueira, tive a oportunidade de aprender com os enfermeiros as especificidades do cuidado à criança e de trabalhar com outros profissionais da área da saúde sensíveis e preocupados com o bem-estar da mulher e do recém-nascido. O Instituto Fernandes Figueira, por ser referência para gestante de risco, recebia na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTI-neonatal) um elevado número de recém-nascidos pré-termo. Devido à imaturidade de seus órgãos, essas crianças têm maiores riscos de morbimortalidade neonatal, quando comparadas às que nascem a termo3, e, na maioria das vezes, 1 Prematuro: Idade gestacional inferior a 37 semanas (BRASIL, 1994a). Neste estudo, será utilizado o vocábulo pré-termo como sinônimo de prematuro. 2 O Mistério da Saúde utiliza a expressão aleitamento materno como sinônimo de amamentação quando a criança recebe leite materno, seja diretamente do seio ou ordenhado da própria mãe, ou ainda leite humano de banco de leite e aleitamento materno exclusivo, quando não recebe nenhum outro líquido ou alimento sólido. (BRASI, 2001). Neste estudo, o vocábulo amamentação é utilizado pela pesquisadora quando houver a ação da mulher dar o leite de peito à criança através da sucção no mamilo. Ao referenciar outros estudos, será mantido o termo utilizado na obra. 3 Recém-nascido a termo: Idade gestacional entre 37 e 41 semanas e 6 dias (BRASIL, 1994a). 2 necessitam permanecer no hospital por um período prolongado, o que permite um contato efetivo com as mães desses pequenos. O Instituto Fernandes Figueira dispõe de um Banco de Leite4, implantado desde 1943, para atender aos casos considerados especiais, como o recém-nascido pré-termo, de baixo peso5 e aqueles que necessitam de tratamento na UTI-neonatal. Os profissionais da área da saúde desenvolvem ações de incentivo à amamentação; procuram enfatizar além dos benefícios para o recém-nascido, os benefícios para a mulher e se ancoram na proposição de que toda mulher é capaz de produzir leite em quantidade e qualidade necessárias ao adequado desenvolvimento da criança. Em 1995, ao realizar o Curso de Mestrado com base em inquietações da prática assistencial relacionadas às mães de crianças com malformações congênitas, desenvolvi uma pesquisa com mães de crianças com hidrocefalia congênita, onde tive a oportunidade de ampliar leituras e discussões sobre questões relacionadas à mulher no que tange aos aspectos históricos, sociais, políticos, culturais, econômicos e religiosos, trazendo à tona aspectos até então não refletidas, especialmente, a partir da leitura do livro “Um amor conquistado – O Mito do Amor Materno” de Elizabeth Badinter (1985). Com a construção da dissertação de mestrado, passei a ter um novo olhar em relação ao nascimento de crianças que fogem aos padrões de “normalidade”, sendo possível identificar que o nascimento de um pré-termo, também, é um evento de proporções catastróficas, que provoca impacto não só nos pais como em toda família. Moreira et al (2003, p.4) enfatizam que o impacto é tão maior quanto mais distante for o bebê real do imaginado pela mãe. 4 O Banco de Leite Humano é um centro especializado, responsável pela promoção e incentivo ao aleitamento materno e execução de atividades de coleta, processamento e controle de qualidade de colostro, leite de transição e leite humano maduro, para posterior distribuição, sob prescrição de médicos ou de nutricionistas, sendo este obrigatoriamente vinculado a um hospital materno e/ou infantil. É uma instituição sem fins lucrativos, sendo vedada a comercialização dos produtos por ela distribuídos (ALMEIDA, 1999). 5 É considerado recém-nascido de baixo peso todo aquele que nasce com peso inferior a 2.500 g, independentemente da idade gestacional (BRASIL, 1994a). 3 Os resultados obtidos na dissertação de mestrado e o ingresso, em 2002, como enfermeira de uma UTI-neonatal de um Hospital Universitário do Estado do Rio de Janeiro, que tem o título “Hospital Amigo da Criança”, possibilitaram repensar o atendimento às mães de recém-nascido pré-termo, no processo de amamentação. O meu discurso teórico, pautado nas informações científicas e nos protocolos governamentais, deu origem a reflexões sobre a conduta profissional e pessoal a respeito da maternidade e amamentação. A Iniciativa “Hospital Amigo da Criança” patrocinado, principalmente, pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), é um esforço mundial para promover, proteger e apoiar o aleitamento materno, a partir da adoção, pelos hospitais, dos “Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno”. Esta Iniciativa tem por objetivo mobilizar profissionais de saúde dos serviços obstétricos e pediátricos, a fim de promover mudanças de condutas e rotinas que visam à prevenção do desmame precoce (BRASIL, 2004). O Hospital conta com uma equipe multiprofissional treinada para que possa orientar as mães a manter a lactação, através da ordenha de leite, enquanto seus filhos não podem ser levados ao peito para sugar. Como não dispõe de Banco de Leite e o serviço de lactário não armazena leite cru para oferta posterior, este tem que ser utilizado imediatamente após a ordenha devido aos riscos de contaminação e conseqüentes prejuízos para o bebê. As mães de pré-termo tinham, então, que fazer a ordenha do leite em cada horário da dieta, na maioria das vezes com intervalo de 2 horas, para que este fosse administrado ao filho por sonda orogástrica. Este procedimento, em tempo integral e por vários dias ou meses, levava as mães à exaustão. Observava que, com o passar do tempo, o cansaço evidenciava-se nas mães, refletindo, inclusive, na capacidade de concentração e na alteração do humor, que se acentuava quando elas não conseguiam ordenhar o volume de leite solicitado pela equipe para ser ofertado ao filho. Ficavam irritadas, chorosas, sentindo-se culpadas. Quanto mais aumentava a necessidade do pré-termo, menos leite algumas mães conseguiam ordenhar. 4 Percebiam-se, em alguns momentos, críticas de alguns profissionais de saúde às mães quando elas não compareciam a unidade no horário préestabelecido e, em contrapartida, algumas mães queixavam-se da incompreensão dos profissionais. Além da ordenha, as mães de pré-termo vivenciavam as diversas etapas de transição da dieta da sonda para o peito, o que exigia ainda mais dedicação e aumento da permanência na unidade no horário das dietas. Porém, nem sempre o processo de amamentação era bem sucedido, gerando mais ansiedade e, consequentemente, alteração na produção de leite. Ao realizar levantamento bibliográfico de estudos sobre a amamentação, observei que, na década de 80, a maioria dos estudos buscava conhecer os fatores que condicionavam o desmame precoce, o que foi de grande contribuição na avaliação dos programas governamentais instituídos. A partir destes resultados, passava-se a conhecer as variáveis que poderiam estar interferindo de forma positiva ou negativa nos resultados destes programas implantados. Silva (2000, p. 242) ressalta a importância destes estudos na vigilância do movimento pró-amamentação, porém afirma que estes não tinham elementos suficientes para explicar o desmame na sociedade moderna e não dispunham de dados com vistas à compreensão dos elementos decisórios que a nutriz utiliza para definir o curso da amamentação. Em pesquisa utilizando os descritores amamentação e prematuridade, na biblioteca virtual em saúde da BIREME e no catálogo da Associação Brasileira de Enfermagem, que congrega teses e dissertações desde 1980, identifiquei que a maioria dos estudiosos descreve intercorrências durante o período da amamentação, avaliação do ganho de peso do pré-termo em relação ao aleitamento materno e o leite artificial bem como, o conhecimento das mães sobre os benefícios do aleitamento para o recém-nascido. Verifiquei, em termos teóricos, uma carência de discussão sobre as questões da amamentação do pré-termo, e, na prática, uma deficiência no conhecimento acerca da amamentação do pré-termo do ponto de vista da 5 perspectiva da mulher, sobretudo quando essa vivência se dá em uma instituição credenciada como “Hospital Amigo da Criança”. O nascimento do pré-termo, na maioria das vezes, envolve período de hospitalização prolongado numa UTI-neonatal, o que pode ocasionar stress psicológico nos familiares, em especial na mãe, devido à separação abrupta do filho. Scochi et al (1999, p.497) comentam que: Para a família de um bebê prematuro é muito difícil não só estabelecer como manter o vínculo com o filho. As dúvidas acerca de sua sobrevivência são muitas e o sentimento de culpa por ter tido um filho prematuro faz com que, muitas vezes, os pais se afastem dele até mostrar sinais concretos de que está fora de perigo. Além de toda expectativa e preocupação que giram em torno do filho, essas mulheres, logo após o nascimento, passam a conviver com um novo desafio: a amamentação do pré-termo. A alimentação do pré-termo, em geral, não se dará por sucção, em virtude da imaturidade desse reflexo ao nascer, mesmo se o bebê apresentar condições clínicas favoráveis. Segundo Tamez (2002, p.165) “até a 34ª semana de idade gestacional os recém-nascidos não apresentam coordenação da sucção, deglutição e respiração”. A mãe de pré-termo terá, então, que manter a lactação através da ordenha, sem que ocorra a sucção, por um longo período, para que este leite seja administrado por sonda orogástrica. A experiência em um Hospital Amigo da Criança mostra que as mães de pré-termo são orientadas sobre a importância de permanecerem no hospital para a manutenção da lactação e são ajudadas, pela equipe de enfermagem, na massagem e retirada manual do leite. Todos os esforços dos profissionais são empreendidos objetivando que a mãe amamente o filho e que este receba alta em aleitamento materno exclusivo. Pelo fato de ser um “Hospital Amigo da Criança”, as mães se deparam com as diretrizes instituídas pelo Programa, sem, no entanto, muitas vezes, terem conhecimento prévio da existência destas condutas. Por ser um 6 hospital que atende as gestantes de risco, muitas vêm transferidas de outras unidades, não havendo tempo hábil de serem orientadas no pré-natal. Observei que, mesmo para as mulheres que já haviam tido a vivência de amamentarem outros filhos, o processo de amamentação do pré-termo é uma experiência singular, revestida de tensão, ansiedade, insegurança, medo, angústia, raiva. É uma mistura de sentimentos que se exacerbam a cada dia, durante todo o período de hospitalização do recém-nascido. As mães de pré-termo encontram na Instituição, um discurso de valorização do leite pelos profissionais, não tão enfatizado nos hospitais que não têm o título Hospital Amigo da Criança, assim como rotinas de alimentação com a exclusão da mamadeira, utilizando-se em substituição o “copinho”. A mulher, com um filho tão pequeno, frágil e indefeso, se depara com duas realidades distintas: suas crenças, seus valores e suas dificuldades em relação à amamentação, frutos de um processo histórico e cultural; e o discurso dos profissionais sobre o leite materno como condição ímpar ao processo de recuperação, por ser rico em nutrientes e ter elevado fator imunológico. Observei, na assistência às mães de recém-nascidos pré-termo, internado em Hospital Amigo da Criança, que alguns profissionais da área da saúde apresentam uma postura radical, com cobrança excessiva das mães no que concerne à produção de leite e à ordenha, a partir de um olhar cartesiano e biomédico do processo de amamentação. A prioridade está em seguir as normas institucionais em qualquer situação. Como conseqüência, as mães ficam ansiosas, estressadas e se sentem culpadas por não conseguirem prover o filho da quantidade de leite necessária e, via de regra, apresentam diminuição da produção láctea, o que aumenta a tensão, estabelecendo-se, pois, um ciclo vicioso. Ao refletir sobre minha postura profissional, mesmo após apresentar mudança na forma de cuidar da mulher que tem um filho em condições especiais, percebi que, no desenvolvimento das atividades assistenciais, considerava necessário conscientizar a mãe sobre a importância da 7 amamentação para o pré-termo com vistas a atender às diretrizes estabelecidas pela Iniciativa Hospital Amigo da Criança. Nos plantões noturnos, se percebia uma mãe exausta e que por isso, poderia ter o seu quadro clínico agravado, prejudicando, futuramente, a amamentação do pré-termo, argumentava com a equipe médica a prescrição de complemento para seu filho. Hoje, tenho consciência de que, no fundo, a minha preocupação era com a criança, e não com a mãe. Procurava mantê-la descansada porque desta forma, garantiria a lactação. Entendendo a amamentação como um processo complexo, que envolve não apenas os aspectos biológicos, mas, também, o cultural, o econômico, o psicológico, tentava estabelecer com a mãe de pré-termo uma relação de ajuda e entendimento. Refletia o quão difícil deveria ser para uma mulher que tem um filho pré-termo e que vivencia tantos momentos de stress e conflitos conseguir amamentá-lo e, até mesmo, decidir quanto à amamentação. A partir da situação problema delineada, foram elaboradas as seguintes questões norteadoras: • Qual a percepção da mãe de pré-termo internado em um Hospital Amigo da Criança sobre a amamentação? • Que fatores interferem na amamentação do pré-termo, na percepção materna? Alicerçados nestas questões, foram traçados os seguintes objetivos: • Compreender, a partir da percepção6 materna, os fatores que interferem na amamentação do filho pré-termo internado em um Hospital Amigo da Criança. • Analisar a percepção materna sobre a amamentação de seu filho pré-termo internado em um Hospital Amigo da Criança, a partir de sua história de vida. 6 No presente trabalho o vocábulo percepção é utilizado no sentido etimológico, significando “ato, efeito ou faculdade de perceber; adquirir conhecimento de, por meio dos sentidos, formar idéia de; conhecer” (FERREIRA, 1995, p.1066), e na sua acepção filosófica, na qual “é o ato pelo qual a consciência ‘capta’ ou ‘fixa’ um objeto, se utilizando de um certo número de dados elementares. Assim, a percepção não encerra nenhuma garantia da sua validade, nenhuma certeza, ela se mantêm na esfera do provável”. (CHAUÍ, 1999, p.124). 8 Defendo a tese que a postura dos profissionais que atuam no Hospital Amigo da Criança é um fator gerador de stress na mãe do pré-termo e interfere no processo de amamentação. Acredita-se que partindo do conhecimento da percepção de mães de pré-termo sobre a amamentação, pode-se contribuir para a elaboração de estratégias e ações que contemplem a assistência destas mães na perspectiva do aleitamento materno e traga importantes contribuições para a revisão da política pública em relação à amamentação. O reconhecimento dos condicionantes que determinam à amamentação ou não do pré-termo, com base na história de vida das mães, em um hospital que tem uma política de valorização do aleitamento materno exclusivo, oferece subsídios para se promover um repensar da prática assistencial, atendendo às necessidades da criança e, também, da mulher. Dar voz a esta mulher contribui para torná-la cidadã. No ensino, esse trabalho visa contribuir para o enriquecimento de novas discussões, tanto na graduação quanto na pós-graduação strictu e lato sensu, na área da saúde da mulher e da criança e para estimular a elaboração de pesquisas que versem sobre esta temática, colaborando com o fortalecimento do Núcleo de Pesquisa de Enfermagem da Saúde da Mulher – NUPESM, do Departamento de Enfermagem Materno Infantil da Escola de Enfermagem Anna Nery, no qual este estudo está inscrito, e do Núcleo de Pesquisa Estudos e Experimentação em Enfermagem, na área da Mulher e da Criança (NUPEEMC), do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, onde atuo como docente. Capítulo 2 REFERÊNCIAS CONTEXTUAIS A História da Amamentação — Do Brasil Colônia aos dias atuais Ao longo da evolução da humanidade, a prática da amamentação tem se mostrado variada, existindo diferenças entre as classes sociais, desde alguns séculos antes de Cristo. No Brasil, a amamentação era uma prática socialmente difundida na comunidade indígena (Tupinambá) por um período mínimo de 18 meses, até a época do descobrimento. O desmame ocorria em situações especiais, como nos casos de doença grave da mãe ou morte materna e em interdições estabelecidas pela cultura, ou seja, quando a criança não era desejada - filhos de inimigos com mulheres da tribo ou filhos de índias que mantinham relações sexuais com vários homens (SILVA, 1990). A mulher contava com uma organização social que a permitia amamentar o filho e trabalhar para a comunidade, embora a sociedade indígena imputasse uma carga de trabalho para a mulher superior a do homem. Porém, esta prática foi fortemente influenciada com a chegada dos portugueses, que trouxeram em sua bagagem cultural o hábito do desmame. Para as mulheres européias, a amamentação e o amor materno tinham valor social e moral bem distinto do que se atribui nos dias de hoje, o que as levava a considerar o ato de amamentar uma tarefa indigna para a mulher da classe dominante. Esse comportamento tendia a ser copiado pelas demais classes como forma de distinção social. Silva (1990) comenta que, em Lisboa, a amamentação mercenária era uma prática que era instituída socialmente, cabendo às camponesas das periferias (saloias) amamentarem os filhos das mulheres da classe dominante. Na época, entre os argumentos utilizados pelas mulheres para não amamentarem estavam a preocupação com a estética - que ainda perdura até os dias atuais, ou seja, o medo da deformidade do peito com a amamentação 10 -, o cansaço físico decorrente desta prática e a alteração da sexualidade do casal. As mães também se apoiavam nas questões sociais e morais para justificar sua atitude. Amamentar o próprio filho equivalia a confessar que não pertencia à melhor sociedade; era considerado um comportamento ridículo e repugnante. Badinter (1985, p. 97) descreve que a amamentação era considerada um atentado ao pudor e os maridos demonstravam uma aversão pelas mulheres que amamentavam. Para ela, a amamentação era considerada um sinônimo de sujeira. As orientações médicas também poderiam estar influenciando o comportamento materno, pois havia uma proibição das relações sexuais durante a amamentação por considerarem que “o esperma estraga o leite e o faz azedar; portanto, põe a vida da criança em perigo” (BADINTER, 1985, p.97). Desta forma, as mulheres de elevada classe social recorriam às amasde-leite, que representavam uma alternativa socialmente adequada para assegurar a alimentação da criança. O costume das mulheres brasileiras ricas, de não amamentar, importado de Portugal, gerou a necessidade de se também contratarem amas-de-leite, que inicialmente eram representadas pelas índias cunhãs. Porém, em virtude da rejeição cultural que apresentavam a tal prática, foram substituídas pelas escravas, vindas da África. As escravas negras passaram então a amamentar e a cuidar das crianças brancas, cabendo às mães ricas o gerenciamento da casa. Em favor da amamentação da criança branca, o desmame foi imposto às escravas, que se tornaram mães negras de aluguel. Segundo Almeida (1999, p. 30), a importância atribuída a este novo ator social assumiu tamanha proporção que alguns senhores de escravos chegaram a admitir que criar negras para alugar como amas era mais rentável do que plantar café. 11 Jornais e periódicos do século XIX chamavam a atenção para a figura e o papel da escrava negra como ama-de-leite. Silva (1990) comenta que o jornal do comércio trazia reportagens ressaltando que a mãe negra era mãe do filho branco, com anúncios do tipo: “Aluga-se uma preta para ama de leite. Parida há 7 dias com muito bom leite” (15/08/1850); “Aluga-se uma optima ama sem cria” (01/02/1850); “Vende-se uma preta, moça, com bom leite, com filho ou sem elle, que tem dous meses” (08/08/1850); “Vende-se, muito em conta, com filho de um ano, muito bonito e gordo, uma preta” (29/08/1850). Havia um desrespeito com o ser humano, com a mulher escrava e com o filho recém nascido. Esta vivia para servir ao outro, tendo que abnegar de seus próprios desejos e de suas tradições. Arantes (1991, p.197) refere que o motivo principal que levou as mulheres brancas a recorrerem às escravas negras para a amamentação encontra-se em seu maior “vigor” decorrente de suas melhores condições eugênicas. Desta forma, elevavam-se, também, os índices de mortalidade das crianças, filhos das escravas, que eram entregues à Roda dos Expostos, negando-se à ama de leite o direito de exercer sua maternidade. Registra-se em alguns artigos que tratam sobre a evolução histórica do aleitamento materno que o antigo tratado de pediatria de Soranus de Efésus, 100 anos a.C. já recomendava a escolha de uma ama-de-leite quando a mãe não podia amamentar. O leite das amas era testado através do escoamento, sendo considerado fraco o que escorria rapidamente e danoso à saúde da criança aquele que escorria lentamente. Desta forma, estes eram rejeitados. Vinha e Scochi (1989, p.820) apontam em seu artigo que, no livro “Cânones de Medicina”, de Avicenna, no século II dC, o leite materno era visto como sendo o melhor alimento para a criança, devendo ser ministrado sempre quando possível; também fazia referência às amas-de-leite como forma de solução diante da impossibilidade de a mãe amamentar. Este livro recomendava, ainda, à ama: que deveria manter abstinência sexual, devendo ter vida calma, boa conduta, ter firmeza de caráter, saúde perfeita, ausência 12 de más paixões, tranqüilidade, segurança e que tivesse dado à luz á uma criança sadia na semana precedente à data prevista para o parto. Além da amamentação pelas amas-de-leite, existem relatos de amamentação de crianças por animais. Tamez (2002, p. 98) comenta que a cabra era o animal indicado, pela forma e volume das tetas e pela abundância e qualidade do leite e, também, devido à sua docilidade. Existia na época prescrição médica sobre esta prática e, quanto ao animal, este deveria ter tido cria recentemente, ser de cor branca, domesticado, não possuir chifres, ser bem tratado e cuidado com higiene. O Brasil colônia fundava-se com a miscigenação entre índios, brancos e negros e passava-se a difundir os elementos culturais trazidos da Europa e da África. Para Silva (1999, p.31), “esta dinâmica intercultural criou uma realidade complexa – o sistema social brasileiro - composto por um conjunto de forças e tendências freqüentemente contraditórias”. No século XIX, a amamentação, pela primeira vez, passa a ter um significado econômico e político para a vida da criança, assumindo contornos de maior relevo no cenário social e científico brasileiro. Havia uma forte preocupação do Estado em relação aos elevados índices de mortalidade infantil, pois isso refletia na redução da população brasileira. A criança passou a não ser mais vista como um fardo, mas como uma força de produção em longo prazo. Estabeleceu-se então uma aliança entre a Medicina e o Estado, por reciprocidade de interesses. A Medicina buscava sua independência e o Estado precisava instituir um sistema de controle da população. Desta forma, o Estado aceitou medicalizar suas ações políticas, reconhecendo o valor político das ações médicas e a prática higienista relacionou de forma direta a saúde da população à saúde estatal, e, para consecução de seus objetivos, elegeu a “família de extração elitista” como alvo principal. Tinha-se como meta converter a família ao Estado pela higiene (COSTA, 1989). A medicina higienista passou a determinar um novo papel para a mulher no núcleo familiar e elevou a mulher à categoria de mediadora entre os filhos 13 e o Estado. A maternidade e a amamentação passaram a ser trazidas para as mulheres como um evento natural e essencial para a sobrevida das crianças. Na verdade, como as idéias da higiene não conseguiriam atingir a realidade dos escravos, conforme aborda Costa (1989), a medicina começou a combater a prática de aluguel de escravas como amas-de-leite. O discurso científico em relação à amamentação passou a reforçar questões relacionadas à utilidade, aumento populacional, dever e amor. Ao mesmo tempo, o discurso científico transferia para a mãe a responsabilidade pelo cuidado de seus filhos, buscando modular seu comportamento através da culpabilização pela não execução desta determinação. Destarte, esta prática passou a ser abordada como um evento meramente biológico e diretamente relacionado às expectativas e interesses do poder médico e do Estado. Todo o movimento da medicina higienista em favor à amamentação tinha objetivos que iam além do benefício para a vida da criança, apesar de propagarem em seus textos que o leite humano era uma substância mágica, com capacidade para influenciar a constituição física da criança e o caráter. Costa (1989, p.32) comenta “que o ato de amamentar prestava-se a regular a vida da mulher no universo disciplinar imposto pela normatização higiênica”. Assim, passou-se a regular o tempo livre da mulher na casa, livrando-a do ócio e dos passatempos considerados nefastos à moral e aos bons costumes familiares. Com este novo papel atribuído à mulher, passou-se a preservá-la mais em casa e, conseqüentemente, a retardar a independência feminina, pois, segundo os higienistas, ela não poderia ultrapassar as fronteiras da casa e do consumo de bens e idéias que reforçassem a imagem de mulher-mãe; caso contrário, a sobrevivência do machismo estaria comprometida (COSTA, 1989). Em meados do século XIX, no Brasil, surgiram as primeiras regras para normatizar a amamentação, pautadas nos referenciais teóricos emanados pelas escolas francesa e alemã. Dentre os diversos cuidados preconizados, 14 destacam-se: a regulamentação de horários, determinando o tempo de intervalo entre as mamadas; a amamentação em ambos os seios e o tempo em cada uma delas; a prática do decúbito lateral; o emprego da chupeta como meio de acalmar o bebê; o estímulo ao uso de água com açúcar para o bebê e as restrições alimentares para a mãe lactante (SILVA, 1990). Embora estas condutas estejam ultrapassadas, ainda hoje se observa este discurso por alguns profissionais de saúde e por algumas mulheres, independentemente de elas amamentarem ou não. A normatização do comportamento da mulher em relação à amamentação estabelecida pelo médico era pautada na perspectiva biológica, implementada de forma autoritária e verticalizada. Fazia-se propaganda em relação à amamentação utilizando-se como slogan: “a saúde de seu filho depende de você. Amamente”. Ao colocar-se a responsabilidade da saúde do filho dependente somente da mulher, tira-se ou ameniza-se a responsabilidade do Estado (dos profissionais), aumenta-se o sentimento de culpa da mulher. Na época, o modelo higienista, por ter configurado a amamentação como um ato meramente instintivo e biológico, não contava com recursos para explicar as falhas desse modelo, ou seja, o insucesso vivenciado por mulheres que cumpriam de forma efetiva as regras impostas, mas não conseguiam amamentar. Desta forma, os higienistas passaram a atribuir os problemas destas mulheres a uma falha na dimensão individual, imputando às mulheres que não conseguiam amamentar uma patologia designada: síndrome do leite fraco. Conforme Souza e Almeida (2005, p.18): Para os higienistas, a criação deste mito, do leite fraco, contribuía para resguardar o modelo vigente, diminuir a responsabilidade materna e, conseqüentemente, a culpa desencadeada pelo insucesso da amamentação. O mito do leite fraco tomou outras dimensões e se desdobrou em inúmeras outras alegações maternas para justificar as diversas razões para o 15 desmame precoce, que ainda ocorrem nos dias de hoje, como: leite fraco, pouco leite e leite que secou. O modelo higienista impôs o aleitamento materno, informando sobre os benefícios do leite, porém não capacitou a mulher para desempenhar o seu novo papel social, o de mãe-nutriz. Os médicos atuavam como promotores do aleitamento materno, entretanto, a promoção não bastava para transformar a mãe em nutriz, eis que a amamentação envolve uma série de questões não biológicas, como as sociais, culturais e psicológicas, que, na época, não eram discutidas. Na virada do século XIX e início do século XX, inúmeras foram as transformações sociais que conduziram à nova discussão da amamentação, como a proclamação da República e o fim da escravidão formal. Foi atribuída à amamentação uma importância econômica e política, levando o Estado a começar a se preocupar pela primeira vez com as crianças pobres. Considerando que a amamentação era um fator primordial para a sobrevivência da criança, Almeida (1999, p.38) comenta que as autoridades propuseram que houvesse uma estimulação desta prática nos segmentos mais pobres da sociedade como estratégia de implantação de mão-de-obra para o capitalismo exportador. A taxa do desmame começou a se acentuar com a pressão social de urbanização e a inserção da mulher pobre no trabalho, adotando-se como medida para solucionar o problema o aleitamento materno misto. Orlandi (1985) refere que a figura da nova ama-de-leite, não mais a escrava e, sim, a pobre, voltou a ter relevo na sociedade. Refere que foi fundada, inclusive, por Moncorvo Filho, em 1991, no Rio de Janeiro, o Instituto de Proteção e Assistência à Infância, com o objetivo de proceder ao exame rigoroso da saúde das nutrizes mercenárias. No início do século XX, com as transformações econômicas, a partir do abandono do modelo agroexportador em favor do urbano-industrial, houve uma ascensão da burguesia, com a incorporação dos hábitos das classes dominantes pelas classes dominadas. 16 A esta época, a Medicina Social, para ajudar o Estado a redirecionar a mulher de volta ao lar e, conseqüentemente, ampliar a inserção do mercado de trabalho para o homem, concedeu à maternidade novos atributos que recaíam sobre a questão da nutrição, do sentimento de amor ao filho e da necessidade de criação de homens saudáveis, reafirmando, segundo Almeida (1999), o aleitamento materno, como algo inato, instintivo e biológico. Este movimento de valorização da maternidade, na sociedade francesa, havia se iniciado, no final do século XVIII. Badinter (1985, p 54) aponta que, na época, a publicação de Émile, em 1762, por Rousseau, cristalizou as idéias e deu um verdadeiro impulso inicial à família moderna, fundada no amor materno. Trazia como concepção que a mulher era feita para agradar ao homem, para ser mãe, pronta a viver pelo e para o filho. A falta de amor era considerada um crime imperdoável. Embora a medicina tenha se esforçado para retornar a prática da amamentação, utilizando-se de um discurso ideológico, houve uma redução desta prática, a partir da década de 1920 e a incorporação do leite artificial. As mulheres atribuíam a não amamentação a uma questão social e à própria impossibilidade física. Desta forma, as indústrias passaram a apresentar o leite industrializado como uma alternativa segura, quando comparado às amas-de-leite ou ao leite de vaca in natura. Além disso, Goldemberg (1988) apud Souza e Almeida (2005) comenta que a indústria trilhou um caminho para introjetar na sociedade o valor cultural de seu produto como sendo uma opção ideal para a mulher urbana e moderna. Como conseqüência do uso do leite industrializado, surgiu à mamadeira. 17 A Mulher e a Política de Saúde — Do Incentivo à Promoção, Proteção e Apoio à Amamentação Na história da amamentação, o desmame tem sido objeto de discussão e o ato de amamentar ao seio apresenta certas características que variam de acordo com o tempo e lugar, obedecendo a determinantes sociais, políticos, culturais e econômicos. Entre as várias causas do desmame precoce, está a influencia da presença e da propaganda de alimentos industrializados (leites infantis modificados ou fórmulas, leite integral, além de farinhas, potinhos e cereais infantis), bem como a comercialização de outros produtos, como mamadeiras, chupetas, que podem ser usados como substitutos do leite materno (BRASIL, 2002a). Deste modo, a Política de Saúde direcionada à amamentação vem ao longo dos anos criando estratégias para que a criança possa ser alimentada exclusivamente ao seio materno nos primeiros seis meses de vida, considerado este como instrumento básico para solucionar a desnutrição infantil, as doenças diarréicas e os agravos à saúde. Para melhor compreensão das ações adotadas no Brasil objetivando atingir a meta do aleitamento materno exclusivo, faz-se necessário traçar alguns marcos históricos a partir do século XX, pois foi com a industrialização do leite artificial no Brasil que houve um aumento significativo das taxas de interrupção da amamentação. A cultura dos leites industrializados no Brasil tem importantes marcos referenciais no início do século XX. Dentre eles, pode-se apontar a chegada das primeiras remessas de leite condensado e de farinha Láctea importados da Suíça, possibilitando que se constituíssem em uma alternativa terapêutica para a antiga impossibilidade clínica de amamentar, caracterizada pelos higienistas como ‘pouco leite’ e ‘leite fraco’. Inicialmente, a alusão a este alimento mostrava-se de forma velada, mas poucos anos depois, em 1922, veiculava-se na propaganda de leite em 18 pó sua equivalência com o leite humano e a facilidade de preparo, enfatizando-se também sua indicação para a clientela de casos excepcionais. Segundo Almeida (1999, 39) os discursos médicos que antes condenavam o desmame passaram a estimular o aleitamento artificial. Os médicos eram influenciados pela estratégia promocional da indústria do leite artificial, que construiu elementos culturais de valorização do leite em pó, introjetados na sociedade brasileira. Em meio a estas transformações e novas concepções está a mulher, que vem sofrendo nas diferentes épocas influências do contexto econômico e político. Os papéis destinados à mulher têm sido determinados de acordo com os valores e necessidades sociais. Badinter (1985, p.152) comenta que, em determinadas épocas, o pai era valorizado pela sociedade em detrimento da mãe, sendo destinado a ele todos os poderes; mas quando essa valorização passa a ser canalizada para a sobrevivência e a educação dos filhos, a mulher ocupa lugar de destaque e é considerada essencial. Vinha e Scochi (1989, p.822) recordam que a partir da segunda década do século XX houve um grande desenvolvimento industrial e muitos alimentos surgiram. Com as limitações impostas no mercado de seus países de origem, as grandes multinacionais produtoras de leite em pó tiveram que se organizar e procurar sua expansão para os países em desenvolvimento, onde passaram a fazer propaganda maciça de substitutos do leite materno, utilizando-se para isto de agentes vestidas de enfermeiras, as quais visitavam as mães nas maternidades e nos Serviços de Puericultura, distribuindo ampla propaganda impressa e amostras grátis dos produtos industrializados. As mulheres, a partir de 1930, com o surgimento da fabricação em larga escala do leite em pó no Brasil, e, posteriormente, de leite modificado, passaram a conviver com o novo discurso médico, que ampliava um conjunto de exceções para a não amamentação. Nesta época, alardeava-se que a produção nacional possibilitaria a oferta garantida deste produto por um preço mais barato e enfatizava-se a 19 qualidade do leite nacional em relação ao importado e como substituto adequado ao leite humano. Destacavam-se os aspectos relacionados à facilidade no preparo, pureza bacteriológica, boa digestibilidade, riqueza de nutrientes, não referindo os riscos relacionados à contaminação no preparo, as dificuldades econômicas para aquisição do produto e a possibilidade de alergia para alguns bebês. Rea e Toma (2000, p.3) comentam que a substituição da amamentação e do leite humano por produtos industrializados representou um grande desafio no início do século. Na busca de mercados, fazia-se marketing convincente tanto à população em geral como aos médicos pediatras e nutricionistas. Nas campanhas, enfatizava-se, que o leite artificial traria alguns benefícios para a mulher como a liberdade para sair à noite e a participação do marido na alimentação do filho. O papel social da mulher em relação ao filho, resgatado no século XVIII, no qual era compelida a ela “ser mãe antes de tudo”, novamente entrava em conflito. À época, o interesse pela mudança do comportamento materno em relação à criança também havia sido conduzido pela pressão econômica e social. A intensa propaganda junto às mães, maternidades e pediatras tornaram essa indústria uma das mais prósperas do mundo. Vinha e Scochi (1989, p.820) ratificam que a amamentação começou novamente a ser menos freqüente, fato facilitado pela propaganda de leites industrializados cada vez mais sofisticados e pelo desinteresse dos próprios médicos no incentivo às mães. Havia uma reciprocidade de interesses entre médicos e fabricantes; à indústria multinacional interessava a expansão dos lucros no fértil mercado brasileiro; os médicos, por sua vez, encontravam nos produtos industrializados uma forma de manter sua autoridade e soberania (ALMEIDA, 1999). Ao término da Segunda Guerra Mundial, com a redução das taxas de nascimento nos países industrializados, os fabricantes de leite infantil 20 começaram a investir em novos mercados para os seus produtos, sendo atraídos pelas altas taxas de nascimento nos países em desenvolvimento. Nesta época, não havia nenhuma regulamentação sobre a mercadização dos substitutos do leite materno. A indústria de leite em pó passou a contribuir na sustentação das revistas médicas especializadas, aumentando, assim, a propaganda deste alimento. No início da década de 50, os produtos eram apresentados como forma de facilitar a tarefa dos médicos. Era propagada na mídia que o cuidado das crianças, em geral, era uma tarefa do pessoal especializado da área da saúde; a figura do médico era vista como responsável pelo ato de alimentação da criança. Nesta década, o Estado passou a expandir suas ações sociais, devido às necessidades do atendimento à demanda de serviços de saúde, em decorrência do elevado crescimento das camadas assalariadas urbanas. Foi criado, então, o Ministério da Saúde, que tinha como propósito formular políticas explícitas, em âmbito nacional, direcionadas aos cuidados à saúde. A medicalização se expandiu, potencializando os investimentos da área de saúde, particularmente no que tange às práticas assistenciais ao cuidado das crianças e à atenção ao parto. Nos anos seguintes, reforçava-se o incentivo à introdução do leite em pó desde o nascimento. A partir da universalização da cobertura do parto hospitalar, a distribuição do leite em pó iniciava-se nas maternidades e completava-se nos centros de saúde (BRASIL, 1991, p.17). Neste período, as revistas especializadas para o pessoal da área da saúde difundiam a idéia da utilização do leite artificial como complemento ou substituto do leite humano. Vinha e Scochi (1989, p.823) comentam que: As indústrias de leites artificiais expandiram-se porque detectaram e atenderam a uma necessidade social – a mulher que deseja ou não pode amamentar – e criaram necessidades e hábitos em locais subdesenvolvidos devido a interesses econômicos de determinados países. 21 Era introduzido no mercado um número cada vez maior de alimentos destinados à criança, em especial ao lactente, e artefatos necessários à sua administração, tais como: mamadeiras e bicos. Até a década de setenta, a legislação brasileira sobre alimentos, em especial no que tange àqueles direcionados às crianças, não acompanhava o crescente desenvolvimento industrial na área de alimentação. Além disso, há de se considerar que, em 1960 surgia o movimento feminista, nos Estados Unidos, tendo como participante Simone Beauvoir. O novo discurso feminista teve uma expansão rápida pelo mundo ocidental, dando início à destruição do mito freudiano da mulher normal, passiva e masoquista, devota, nascida para o sacrifício, distribuidora de amor no lar; capaz de secundar o marido antes de tudo, Este movimento pôde se beneficiar com as recomendações da época, em que a mamadeira era vista como um passaporte para a liberdade da mulher, facilitando que ela exercesse atividades extra - lar. As mudanças nas representações sobre o papel da mulher na sociedade, a emancipação feminina, as contradições sobre o trabalho e a vida reprodutiva constituíram um conjunto de fatores que, simultaneamente, interferiram no condicionamento sócio-cultural da amamentação (BADINTER, 1985). Outros fatores também contribuíram para o aumento do desmame entre 1930 a 1970, como, por exemplo; a formação da família nuclear, resultante do processo de urbanização; o aumento dos partos hospitalares; a implantação de berçários para recém-nascidos normais nas maternidades; a falta de conhecimento do profissional de saúde sobre o alimento infantil. O surgimento da televisão por volta dos anos 70, também, teve um papel significativo na divulgação do leite em pó, pois se faziam inúmeras propagandas estimulando a utilização deste produto. Em 1974, surgiu uma nova polêmica entre diversos grupos sociais e os fabricantes de leite em pó ao ser publicado uma reportagem pelo jornalista inglês Mike Muller intitulada ‘The Baby Killer’. O jornalista demonstrou que o 22 índice da mortalidade infantil nas populações pobres de países da África, Ásia e América Central eram decorrentes das propagandas dos fabricantes do leite em pó. A partir desta publicação, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) iniciaram uma mobilização em todo o mundo a fim de trazer de volta à sociedade a valorização da amamentação. Segundo Alves (2003), o ato de amamentar foi trazido como natural nas campanhas pró-amamentação, sendo apontado como valor vital, estético, afetivo e social. Neste sentido, percebe-se que, em toda a história da amamentação, a retomada de conceitos e valores sempre esteve atrelada às questões sociais e econômicas, beneficiando-se, de certa forma, apenas a criança, não havendo discussão de questões envolvendo a mulher, sujeito da ação. O Ministério da Saúde, em 1974, preocupado com o grupo maternoinfantil, no Brasil, elaborou o Programa Nacional de Saúde Materno-Infantil, pois o desmame precoce representava um dos sérios agravos de saúde pública. Dentre as ações, determinava-se o estímulo ao aleitamento materno para evitar o desmame precoce, a fim de contribuir para a redução da morbimortalidade infantil. A operacionalização se deu através das Secretarias dos Estados e seus Centros de Saúde. Na época, a mulher era vista como objeto de reprodução, sendo privilegiada nas ações os aspectos biológicos. O papel social resumia-se em ser mãe e organizadora do lar. A Organização Mundial de Saúde e o UNICEF em 1979 recomendavam não somente que se adotasse um Código Internacional de Mercadização de substitutos do leite materno, como também que este código fosse apoiado por todos os países e observado por todos os fabricantes de leite, pois a mercadização inadequada de substitutos do leite materno era considerada fator contribuinte para a queda alarmante da amamentação, com o 23 conseqüente aumento de desnutrição, morbidade e mortalidade na infância em todo o mundo. Apesar destas medidas, na década de 80, as taxas de morbimortalidade entre as crianças menores de 1 ano continuaram se elevando, ocasionando uma enorme preocupação ao governo brasileiro, o que culminou com a Criação do Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno (PNIAN) pelo Ministério da Saúde, em 1981. Este programa investiu na divulgação da amamentação através da propaganda na televisão - realizada por pessoas conhecidas na sociedade, como jogadores de futebol, cantores e atores - e, da orientação e distribuição de pôsteres e folhetos no pré-natal. O desenvolvimento do PNIAN desencadeou um movimento de valorização da prática da amamentação natural na sociedade brasileira. Além das propagandas enfatizarem os benefícios à saúde da criança no que concerne aos aspectos nutricionais, imunológicos, emocionais e fisiológicos, reforçava as vantagens para a mãe, família, sociedade e Estado. A abordagem do profissional estava centrada em um discurso técnico do manejo da amamentação e o foco de atenção não era direcionado para a mulher e sim para a possibilidade de amamentar como benefício para a criança. Corroboro com o pensamento de Almeida (1999, p. 20) ao afirmar que o paradigma da amamentação adotado pelo PNIAM biologizou as questões referentes à prática da amamentação e, ao tratar o desmame, foi incapaz de admitir a assimetria entre os humanos e as demais espécies de mamíferos, enfatizando que o ato de amamentar fosse considerado como instintivo, natural e biológico. É certo que a grande mobilização social pró-amamentação foi de grande significado para a promoção do aleitamento materno no Brasil, mas não foi suficiente para se compreenderem as questões que envolviam esta prática. Faltava a esta mulher a proteção, o apoio e o entendimento de toda 24 uma influência histórica e cultural que deveria ser resgatada e discutida com ela própria. Nesta década, período da implantação do programa, a mulher passou a ser vista como sujeito de reprodução, sendo imputada a ela a obrigação de ser mãe e cuidar dos filhos. A disseminação do aleitamento artificial no Brasil deve-se ao processo de urbanização do estilo de vida do país, à distribuição dos excedentes de produção do leite em pó no período pós-guerra através de programas da importação do produto e ao próprio crescimento da produção do leite em pó a partir dos anos 70 (BRASIL, 1991, p.15). O desmame precoce tem sido uma tônica constante em vários países do mundo, tanto nos desenvolvidos como nos países em desenvolvimento, conforme afirma Arantes (1991, p.16). Porém, é nos países em desenvolvimento que o desmame passa a se concretizar como um real problema, pois as condições de vida e o poder aquisitivo da maioria da população não são satisfatórios, contribuindo para o aumento do índice de mortalidade infantil. É certo que a amamentação é capaz de reduzir esta estatística, e é respaldado nesta perspectiva que o desmame precoce tem sido objeto de preocupação de várias instâncias em nível governamental. Em 1983, o Ministério da Saúde, através da Resolução INAMPS/MS nº 18, estabeleceu normas e tornou obrigatória a permanência do filho junto à mãe, 24 horas por dia, através do alojamento em hospitais públicos e maternidades conveniadas. A partir desta Resolução, pretendia-se resgatar a prática do aleitamento materno nas unidades do INAMPS. Silva (1999) refere que uma das finalidades principais da adoção do alojamento conjunto foi o incentivo à amamentação através da interação precoce mãe-filho, fator eficaz no incremento dos índices de amamentação. Os esforços desenvolvidos no sentido de incentivar a amamentação no âmbito da saúde coincidiram com uma reorganização da assistência à mulher e à criança no país, tendo como principais metas: a elaboração de normas de assistência na área materno-infantil, a capacitação de recursos humanos e a 25 distribuição de material educativo para a clientela que freqüentava os serviços de saúde. O Ministério da Saúde, em 1984, elaborou o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher: Bases de Ação Programática - que dentre os seus objetivos visava a aumentar os índices de aleitamento materno, fornecendo condições para implantação do alojamento conjunto - e o Programa de Assistência Integral à Saúde da Criança: Ações Básicas, - que tinha como umas de suas ações básicas o aleitamento Materno e a orientação alimentar para o desmame. Em 1987, o Ministro da Educação estabeleceu a adoção de “Alojamento Conjunto” nos hospitais universitários com o objetivo de incentivar o aleitamento materno e, em 1998, através da Portaria SVS/MS nº 322, foram fixadas disposições acerca da implantação e funcionamento de Banco de Leite Humano, em todo território nacional, o qual tinha como função suprir as necessidades das crianças e, ao mesmo tempo, realizar um trabalho de promoção do aleitamento materno junto às mães, de forma a assegurar a continuidade da amamentação após a alta hospitalar. Embora o primeiro Banco de Leite Humano tenha sido implantado no Brasil em 1943, no então Instituto Nacional de Puericultura, atualmente Instituto Fernandes Figueira (IFF), da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), sua expansão deu-se apenas na década de 80. Seu principal objetivo era coletar e distribuir leite humano para atender os casos considerados especiais, como prematuridade, perturbações nutricionais e alergias a proteínas heterólogas (ALMEIDA, 1999, p. 91). Um marco também importante foi a elaboração da Constituição Federal do Brasil em 1988, que traz como direitos sociais em seu inciso XVIII do artigo 7º, a proteção à licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário com duração de 120 dias; no inciso XIX, garantia da licença – paternidade e, no inciso XX, a proteção do mercado de trabalho da mulher (BRASIL, 1998).. A elaboração da Constituição foi de grande valia, pois com um número cada vez maior de mulheres inseridas no mercado de trabalho desde a 26 década de 70, a maioria não estava protegida por qualquer legislação. Ressalta-se que neste período as estatísticas mostravam que o trabalho assalariado da mulher aparecia como um dos fatores mais relevantes para o desmame precoce. Porém, a previsão constitucional ainda não resolve o problema de muitas mulheres, uma vez que desenvolvem trabalhos chamados informais, não sendo as mesmas, portanto, beneficiadas efetivamente pela Constituição. A Organização Mundial de Saúde e o UNICEF, em 1989, fizeram uma mobilização importante, no sentido de acelerar a implementação do Código Internacional de Mercadização de Substitutos do Leite Materno e de outras medidas que visavam a apoiar a amamentação no mundo inteiro, sendo divulgada a Declaração de Innocenti, recomendando o que deveria ser feito pelos serviços de maternidade para estimular e apoiar a amamentação. A Declaração de Innocenti foi adotada, em 1990, por gestores de políticas de saúde do mundo todo. Segundo Sokol (1999, p.17): Esta declaração defende a criação de um ambiente social em que todas as mulheres tenham condições de alimentar seus filhos por meio da utilização exclusiva de leite materno pelo menos de 4 a 6 meses de idade e a admissão, em todos os países, de medidas para estabelecer, até 1995, o Código Internacional. Em 1989, a Organização Mundial de Saúde e o UNICEF lançaram a “Iniciativa Hospital Amigo da Criança”, visando a estimular hospitais e maternidades a adotarem “Os Dez Passos Para o Sucesso do Aleitamento Materno”, tendo se iniciado no Brasil em 1992. Esse código de conduta foi compromissado pelo Brasil na “Declaração de Innocent”, em 1º de agosto de 1990, na Itália, durante um encontro que reunia um grupo de formuladores de políticas de saúde de governos, de agências bilaterais e das Nações Unidas. Em 1990, o Encontro Mundial da Cúpula pela Infância e, em 1994, o Pacto pela Infância no Brasil, assinado pelos governadores, vieram reforçar o trabalho sobre aleitamento materno nos níveis mundial e nacional. Nesses acordos, os governadores assumiram o compromisso de promover condições adequadas para que todas as mulheres pudessem amamentar seus filhos 27 exclusivamente ao peito durante os primeiros seis meses de vida e continuar a amamentação, acrescida de alimentos complementares, se possível até o segundo ano de vida (BRASIL, 1995, p.5). Neste mesmo ano, foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente, que, no seu artigo 8º, assegura à gestante, através do sistema Único de Saúde, o atendimento pré e perinatal. O artigo 8º apresenta que “O Poder Público, as instituições e os empregadores propiciarão condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos das mães submetidas à medida privativa de liberdade”. No artigo 10º, inciso V, trata da obrigatoriedade da adoção do alojamento conjunto (BRASIL, 2002, P. 14). Após um encontro de organizações não governamentais (ONG) organizado pelo UNICEF, em 1991, foi firmada uma aliança mundial para desenvolver ações de promoção, proteção e apoio à amamentação. E, no ano seguinte, houve a aprovação do novo texto da Norma Brasileira para Comercialização de Alimentos para Lactante, que incluiu item específico sobre o uso de bicos e mamadeiras, Resolução CNS nº 31, em substituição a Resolução CNS nº 05/88 (BRASIL, 1997). Em 1992, o Ministério da Saúde, através da Portaria nº 1016, obriga hospitais e maternidades vinculados ao SUS, próprios e conveniados, a implantarem alojamento conjunto, que até então era obrigatório apenas nos hospitais universitários. O afastamento mãe-filho através do sistema de berçário era considerado inadequado à proposta de incentivo ao aleitamento materno. Ainda nesse ano, foi firmado um Acordo Mundial, assinado pelo UNICEF e pela Organização Mundial de Saúde, com a Associação Internacional de Fabricantes de Alimentos, para cessar o fornecimento gratuito a baixo custo de leites artificiais a maternidades e hospitais. A implantação do Programa “Iniciativa Hospital Amigo da Criança” trouxe um novo fôlego para o aleitamento materno no circuito das políticas públicas. Almeida (1999, p. 49) enfatiza que a incorporação dos aspectos 28 relacionados à proteção e ao apoio à amamentação superava as formulações anteriores que contemplavam apenas aspectos relativos à promoção. Podemos distinguir os termos promoção, proteção e apoio à amamentação. A promoção tem como propósito criar valores e comportamentos favoráveis à amamentação com iniciativas de mobilização social como as Semanas Mundiais de amamentação; a proteção tem o objetivo de assegurar o cumprimento de um conjunto de leis que apóia a prática da amamentação, como por exemplo, a Constituição Federal; e o apoio visa ao desenvolvimento de ações e cuidados assistenciais, fornecendo informações pautadas na atitude de aconselhamento, com suporte emocional e respeitando os valores culturais e o conhecimento da mulher. Nesta última modalidade, tem-se a proposta do Hospital Amigo da Criança. (PADOIN, 2006). Analisando este novo contexto, a amamentação deixa de ser vista apenas como uma prática natural. Esta nova forma de pensar a amamentação exige que se estabeleça um novo foco sobre a mulher, não podendo continuar a ser tratada como sinônimo de mãe-nutriz, responsável pelo êxito da amamentação e culpada pelo desmame. Em 1994, através da Portaria SAS/MS nº 155, foram estabelecidos os critérios para o credenciamento dos hospitais como Amigo da Criança e, por meio da Portaria 1.113 do Ministério da Saúde, estabeleceu-se que todos os hospitais vinculados ao Sistema Único de Saúde que fossem credenciados pelo UNICEF/OMS como “Hospital Amigo da Criança” receberiam o pagamento adicional de 10% sobre a assistência aos partos. (BRASIL, 1994b). Cabe ressaltar que, apenas no Brasil, os “Hospitais Amigos da Criança” recebem incentivo financeiro, pago pelo Ministério da Saúde, sobre os procedimentos obstétricos realizados nos mesmos. Todos os estabelecimentos que oferecem serviços obstétricos e cuidados ao recém-nascido e desejam receber o título de Hospital Amigo da Criança necessitam cumprir criteriosamente os “Dez Passos para o Sucesso 29 do Aleitamento Materno” propostos pela OMS e pelo UNICEF em 1989, quais sejam: 1. Ter uma norma escrita sobre aleitamento, que deve ser rotineiramente transmitida a toda equipe de saúde; 2. Treinar toda a equipe de cuidados de saúde, capacitando-a para implementar esta norma; 3. Informar todas as gestantes sobre as vantagens e o manejo do aleitamento; 4. Ajudar as mães a iniciar o aleitamento na primeira meia hora após o nascimento; 5. Mostrar às mães como amamentar e como manter a lactação, mesmo se vierem a ser separadas de seus filhos; 6. Não dar aos recém-nascidos nenhum outro alimento ou bebida além do leite materno, a não ser que tal procedimento seja indicado pelo médico; 7. Praticar o alojamento conjunto – permitir que as mães e bebês permaneçam juntos – 24 horas por dia; 8. Encorajar o aleitamento sob livre demanda; 9. Não dar bicos artificiais ou chupetas a crianças amamentadas ao seio; 10. Encorajar o estabelecimento de grupos de apoio ao aleitamento para onde as mães deverão ser encaminhadas, por ocasião da alta do hospital ou ambulatório; O Brasil, através da elaboração de programas, vem trabalhando com a visão de um novo paradigma que é o da atenção humanizada à criança, à mãe e à família. Essa nova concepção compreende ações desde o pré-natal. Há uma preocupação do Ministério da Saúde quanto ao atendimento à gestante, ao preparo do profissional que atende ao recém-nascido, bem como com as condições hospitalares nas quais este binômio mãe-filho será atendido. Esta iniciativa da Organização Mundial de Saúde deixa bem definida o papel de apoio que os hospitais podem exercer, objetivando tornar a amamentação uma prática universalmente adotada nas maternidades, o que poderá contribuir para a saúde e o desenvolvimento de milhões de crianças. 30 Apesar de a política atual englobar a promoção, proteção e apoio e trazer a mulher como sujeito de cidadania, na prática, observa-se que a amamentação ainda tem sido valorizada pelo prisma da criança. A Portaria nº 756, de 16 de dezembro de 2004 (BRASIL, 2004), revogando a Portaria Conjunta SAS/SPS nº 29, de 22 de junho de 2001, reformulou, em seu Anexo, as normas estabelecidas em 1994 para o processo de habilitação do Hospital Amigo da Criança integrante do Sistema Único de Saúde – SUS, determinando como critérios: 1. Comprovar cadastramento no Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde – CNES; 2. Comprovar cumprimento à Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças na Primeira Infância; 3. Não estar respondendo à sindicância no sistema Único de Saúde; 4. Não ter sido condenado judicialmente nos últimos dois anos, em processo relativo à assistência prestada no pré-parto, parto, puerpério e período de internação em unidade de cuidados neonatais; 5. Dispor de profissional capacitado para a assistência à mulher e ao recém-nascido no ato do parto; 6. Garantir, a partir da habilitação, que pelo menos 70% dos recémnascidos saiam de alta hospitalar com o Registro de Nascimento civil, comprovado pelo sistema de informações hospitalares, mediante incentivo instituído pela Portaria nº 938/GM, de 20 de maio de 2002; 7. Possuir comitê de investigação de óbitos maternos, infantis e fetais, implantado e atuante, que forneça trimestralmente ao setor competente da Secretaria Municipal de Saúde – SMS – e/ou da Secretaria Estadual de Saúde – SES – as informações epidemiológicas e as iniciativas adotadas para a melhora na 31 assistência para análise pelo Comitê Estadual e envio semestral ao Comitê Nacional de Prevenção do Óbito Infantil e Fetal; 8. Apresentar estabelecida taxa pelo percentual gestor de cesarianas estadual/municipal, conforme tendo a como referência as regulamentações precedidas do Ministério da Saúde – MS; 9. Apresentar tempo de permanência hospitalar – mínima de 24 horas para parto normal e de 48 horas para parto cesariana; 10. Permitir a presença de acompanhante no alojamento conjunto; 11. Realizar os “Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno”, proposto pela Organização Mundial da Saúde e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância. O processo de credenciamento/habilitação inicia-se com o preenchimento, pelo hospital, do questionário de auto-avaliação padronizado pelo Ministério da Saúde e fornecido pela Secretaria de Estado de Saúde. Tal questionário deve ser encaminhado pelo responsável do estabelecimento hospitalar à área competente da Secretaria Estadual de Saúde para análise. Posteriormente, a Secretaria Estadual de Saúde designa um avaliador da “Iniciativa Hospital Amigo da Criança” para realizar a pré-avaliação. Quando o Hospital é aprovado no processo de pré-avaliação, a Secretaria Estadual de Saúde solicita ao Ministério da Saúde a avaliação global da unidade, que, por sua vez, encaminha dois avaliadores externos para realizar o procedimento. O credenciamento acontece, no Brasil, quando a unidade cumpre, na avaliação global os “Dez Passos” e critérios estabelecidos (BRASIL, 2004). Consta, nas normas para o processo de habilitação do Hospital, que as reavaliações serão realizadas pelo Departamento de Ações Programáticas Estratégicas – DAPES/SAS/MS, Área Técnica de Saúde da Criança e Aleitamento Materno, a cada três anos ou quando houver denúncia de irregularidades. O Hospital poderá ser descredenciado/desabilitado caso seja 32 constatado o não cumprimento dos critérios e dos Dez Passos, o que será feito mediante publicação de portaria, editada pela Secretaria de Atenção à Saúde/SAS/MS, revogando o ato anterior de habilitação. Araújo et al (2003, p. 411) comentam que o processo de avaliação da “Iniciativa Hospital Amigo da Criança” fora realizado pela primeira vez no Brasil após uma década (1990 e 2000) de implantação. Até então, não havia monitoramento destes hospitais. Os autores enfatizam que a área técnica de aleitamento materno da saúde da criança do Ministério da Saúde, por meio de denúncias, tomou conhecimento de que alguns hospitais estavam deixando de cumprir alguns dos passos da “Iniciativa Hospital Amigo da Criança” ao longo dos anos, sendo planejada então, a primeira avaliação dos hospitais credenciados para se verificar o cumprimento dos “Dez Passos”. O estudo foi realizado em 137 instituições credenciadas, correspondendo a 90% do total de 152 Hospitais Amigos da Criança credenciados no país à época do estudo, no período de outubro de 1999 a abril de 2000, utilizando-se o formulário de pré-avaliação da “Iniciativa Hospital Amigo da Criança”, realizado por avaliadores credenciados pelo Ministério da Saúde. O resultado do estudo revelou, conforme apontam Araújo et al (2003, p. 418), que, apesar de a grande maioria dos hospitais estar cumprindo integralmente os “Dez Passos”, no país, alguns hospitais estavam apresentando dificuldades para cumprir especialmente o passo 5 e o passo 10. Nesse estudo, não houve nenhum caso de descredenciamento por descumprimento de mais de seis passos, conforme previsto na avaliação. Desde a década de 80, tem sido atribuída importância especial ao aspecto psicológico, ao contato pele a pele entre mãe e filho, a partir de uma experiência pioneira realizada na Colômbia, conhecida como Método Mãe Canguru. Esperava-se que este método propiciasse um maior vínculo mãe- 33 filho, que auxiliasse o desenvolvimento psicomotor dos recém-nascidos, especialmente os de baixo peso, e promovesse o aleitamento materno. O cuidado canguru foi criado em 1978, em Bogotá (Colômbia), no Instituto Materno Infantil (IMI), por Dr. Edgar Rey Sanambria e, posteriormente, pelos pediatras Drs. Hector Martinez Gomes e Luiz Navarrete Perez, devido ao elevado número de bebês hospitalizados. Observavam-se, por vezes, dois a três dentro da incubadora, levando-se também em consideração o tempo de separação entre mãe e bebê, que, às vezes levava ao abandono (CHARPAK e CALUMEl,1999, P.08). O Método Mãe-Canguru, de acordo com Brasil (2002a, p.18): É um tipo de assistência neonatal que implica em contato pelea-pele precoce entre a mãe e o recém-nascido de baixo peso, de forma crescente e pelo tempo que ambos entenderem ser prazeroso e suficiente, permitindo, dessa forma, uma maior participação dos pais no cuidado a seu recém-nascido. No Brasil, os primeiros programas aplicando esta nova tecnologia foram os Hospitais Guilherme Álvaro, em Santos (1992), e o Instituto Materno Infantil de Pernambuco - IMIP (1994), em Recife. Atualmente, temos mais de 60 maternidades adotando este inovador paradigma de assistência perinatal. O Ministério da Saúde criou um grupo de trabalho que elaborou a Norma de Atenção Humanizada ao Recém-Nascido de Baixo Peso - Método Mãe-Canguru - e apresentou publicamente esta regulamentação no final deste mesmo ano, tornando-se portaria nº. 693 GM/MS (5 de julho de 2000). Os resultados têm sido surpreendentes, não só pela diminuição da morbi-mortalidade neonatal, mas na qualidade e humanização da atenção proporcionada pela nova atuação da equipe de "cuidadores" - onde a mãe tem o papel protagônico. O Ministério da Saúde, a partir da década de 80, vem traçando metas e ações por meio de Programas de Assistência Integral à Saúde da Mulher e da Criança, dentre outros, conforme já discutido anteriormente. Porém, observase que muito ainda tem que ser feito para que se consiga prestar uma 34 assistência mais humanizada e de qualidade e para se conseguir uma redução drástica da morbimortalidade materno-infantil. A taxa de mortalidade infantil é considerada um dos indicadores mais eficazes para refletir não apenas os aspectos da saúde das crianças, mas também a qualidade de vida de uma determinada população. Além das infecções perinatais, nossas crianças têm morrido por infecções respiratórias, doenças diarréicas e desnutrição, que poderiam ser reduzidas através da amamentação. Ações específicas para a população infantil foram desenvolvidas pelo Ministério da Saúde, como programa de incentivo ao aleitamento materno, controle das doenças diarréicas, controle das doenças respiratórias, programa ampliado de imunizações, suplementação alimentar e acompanhamento do crescimento e desenvolvimento, dentre outros; no entanto, estas ações não foram suficientes para aumentar de forma significativa a taxa de crianças em aleitamento exclusivo. Desde 1992, foi instituída a Semana Mundial da Amamentação, que se inicia em 1º de agosto, com participação de diversos profissionais de saúde, organizações não governamentais, serviços de maternidade, associações de classe, etc., considerada importante para mobilizar a comunidade para a importância da amamentação. A cada ano a WABA–World Alliance for Breastfeeding, Ong que idealizou essa iniciativa no mundo, estabelece um tema para ser trabalhado nas atividades da semana. No Brasil, a Semana Mundial da Amamentação vem sendo comemorada, normalmente, no período de 1 a 7 de outubro. O Ministério da Saúde tem assumido a coordenação da Semana no Brasil, produzindo e distribuindo material educativo da campanha para todos os Estados brasileiros. Diversos temas já foram abordados, como: “Hospitais Amigos da Criança” (1992); “Amamentação – Direito da Mulher no Trabalho” (1993); “Amamentação fazendo o código funcionar” (1994); “Amamentação fortalece a Mulher” (1995); “Amamentação: Responsabilidade de todos (1996)”; 35 “Amamentar é um ato ecológico (1997)”; “Amamentar: o melhor Investimento” (1998); Amamentar: Educar para a vida” (1999); “Amamentar é um direito humano” (2000); “Amamentação na Era da Informação” (2001); “Amamentação: Mães Saudáveis, Bebês Saudáveis” (2002); “Amamentação: Trazendo Paz no Mundo Globalizado” (2003); “Amamentação exclusiva: Satisfação, segurança e sorrisos” (2004); “Do peito para a comida caseira: saúde a vida inteira” (2005) e “Amamentação: Garantir este direito é responsabilidade de todos” (2006). Outro marco importante ocorreu em 2002, quando os países membros da Organização Mundial de Saúde endossaram, durante a Assembléia Mundial de Saúde, a Estratégia Mundial para Alimentação do lactante e da Criança Pequena, com o objetivo de revitalizar esforços para promover, proteger e dar apoio apropriado à alimentação de Lactantes e crianças pequenas. Foram elaborados a partir de iniciativas passadas, como os Hospitais Amigos da Criança e a Declaração Innocenti, e direcionam-se as necessidades de todas as crianças, incluindo aquelas que vivem em circunstâncias difíceis, como filhos de mães infectadas com HIV, bebês de baixo peso e crianças em situação de emergência. Ainda em 2002, através da Portaria nº 938/GM, de 20 de maio, o Ministério da Saúde, no sentido de aprimorar a assistência ao recém-nato e adotar medidas destinadas a assegurar as informações relacionadas ao atendimento neonatal, inclui na Tabela de Procedimentos Especiais do SIH/SUS o Incentivo ao Registro Civil de Nascimento, em conformidade com o sexto critério necessário à habilitação do Hospital Amigo da Criança (BRASIL, 2002b). Desde 2002 está sendo feita ampla divulgação e mobilização social nos Congressos de neonatologia e canais via Internet, da “Lei do Prematuro”, idealizada pelo Prof. Dr. Marcus Renato de Carvalho, da Faculdade de Medicina IBFAN Rio-WABA Brasil, na qual faz-se uma campanha nacional para ampliação da licença maternidade para as mulheres que tenham bebês antes do tempo (CARVALHO, 2003). 36 A aprovação da “Lei do Prematuro”, segundo o Dr. Marcus Renato de Carvalho, permitiria o prolongamento do contato mãe e filho. Algumas alterações são propostas no artigo 7º, inciso XVIII, da Constituição da República, que passaria a vigorar com a seguinte redação: Art 1º: “Toda a criança recém-nascida no território brasileiro deverá ter nas primeiras 48 horas de vida uma avaliação de sua idade gestacional, determinada pelos métodos de exame clínico-Capurro, Ballard, Dubowic, realizada por um pediatra para classificá-la como recém-nascido a termo ou pré-termo. No caso de pré-termo (menos de 37 semanas), deve ter o número de semanas de idade registrada”. Art 2º: “A licença maternidade de mães de recém-nascido pré-termo deverá ser acrescida do número de semanas equivalentes à diferença entre o nascimento (37 semanas) e a idade gestacional do recém-nascido, devidamente comprovada na forma do artigo anterior”. Grandes foram os avanços, não só a partir da elaboração do artigo 7°. da referida Constituição Federal, como também do dia em que a mesma foi promulgada; porém, esta legislação não atende à demanda de mulheres que dão a luz ao bebê pré-termo; pois, no momento da alta do filho, o período de licença está se esgotando. Para que a mulher tivesse a oportunidade de desfrutar de um maior período com seu filho, seria necessária alteração na lei que assegura a licença gestacional. O bebê pré-termo tem desvantagens frente ao bebê nascido a termo, pois terá que completar a sua maturação fora do útero materno, nas unidades de terapia intensiva neonatal. No decorrer dos séculos, a amamentação apresentou diferentes significados, que oscilaram em torno do biológico e do social e, ainda hoje, tem-se relacionado o abandono da amamentação a diferentes fatores, dentre eles: falta de consciência materna sobre as vantagens relacionadas a esta prática; ao despreparo dos profissionais de saúde na orientação às mães sobre as vantagens do aleitamento exclusivo; ao marketing dos leites 37 industrializados; à emancipação da mulher como força de produção; e á política de saúde direcionada a mulher. Ramos e Almeida (2003, p. 390) apontam, ainda, a necessidade ainda de ajustes no modelo vigente do aleitamento materno, a fim de privilegiar ações que contemplem a introjeção de novos valores culturais em favor da amamentação, valores esses que a considerem como um ato que precisa ser aprendido pela mulher e protegido pela sociedade. O Brasil é um país de grandes contrastes regionais e de grandes dimensões, com diferentes raízes culturais que podem influenciar o papel da mulher e interferir nas estatísticas que apontam sobre a incidência da amamentação e o índices de morbi-mortalidade infantil. Desta forma, trabalhos diferenciados deveriam ser implementados pelos profissionais de saúde para atender às necessidades de cada família. A concepção de mulher-mãe, mulher-esposa possui conotações variadas. Em algumas regiões, as meninas são criadas e orientadas sobre a necessidade de aprenderem a lavar, passar, cozinhar, costurar, para que possam arranjar bons casamentos e, sobretudo, sobre a “obrigação” em amamentar, mas nem todas as mulheres vivem nesta completa abnegação, e nem todas as mulheres planejam ou desejam amamentar o filho. O profissional de saúde que assiste essas mulheres deveria conhecer esses aspectos e respeitá-los, não instituindo comportamentos de cobrança. Silva (1990) aponta que a amamentação é condicionada por fatores biológicos, mas sofre influência de fatores sócio-culturais, podendo ter representações variadas, dependendo da época e dos costumes, despertando na mulher sentimentos muitas vezes ambíguos, que oscilam entre o fardo e o desejo. É possível compreender os impulsos que levaram a sociedade a exaltar ou a ser indiferente com os rumos da prática da amamentação, quando se compreende também que “a ideologia do discurso sobre o aleitamento materno depende dos papéis ocupados pela mãe e seu filho na sociedade” (MOTA, 1990, p.3). Neste sentido, os valores sociais, relacionados 38 ao papel da mulher e da criança, têm determinado o comportamento da sociedade e, conseqüentemente, da mulher em relação à amamentação em toda a história da civilização. Corroboro com o pensamento de Silva (2000, p. 241) ao afirmar que “a sociedade re-elabora seus conceitos e representações sobre um determinado fenômeno, junto ao dinamismo de seu desenvolvimento”. Isto também acontece com a prática da amamentação, que tem sido influenciada pelos valores sociais, pela visão simbólica do que representa esta prática na conjunção dos papéis da mulher/mãe e da criança. Embora a Iniciativa Hospital Amigo da Criança tenha representado um importante avanço por introduzir a proteção e o apoio à amamentação e tenha obtido aceitação dos profissionais de saúde e gestores, as mudanças desejadas não ocorreram na magnitude desejada (BRASIL, 1997). Zen (2001) refere que um dos elementos desencadeadores, ainda, do desmame precoce, é a falta de preparo dos profissionais de saúde no atendimento às mães na amamentação, sendo trazido como proposta pelo Ministério da Saúde o Curso de Aconselhamento. O Curso de Aconselhamento em Amamentação ministrado pelo Ministério da Saúde pode ser apontado no cenário da política pública de saúde como um avanço em relação às estratégias anteriores que incluem como proposta o entendimento dos problemas subjetivos que envolvem o contexto da mulher. Representa uma possibilidade de ajuda e apoio à família para lidar com problemas/dificuldades e possibilitar mudanças de atitudes. Esse Curso traz como concepção a idéia de integralidade e individualidade no atendimento ao cliente pelo profissional de saúde. O foco do aconselhamento passou, então, a ser ajudar as pessoas a clarificarem seus próprios objetivos e a construírem planos de ação de acordo com eles próprios. O princípio básico da teoria é o de que as pessoas possuem, em especial, capacidade para solucionar suas dificuldades, desde que lhes seja proporcionada uma oportunidade, ou seja, uma ajuda. 39 O Curso de Aconselhamento possibilita, na assistência à amamentação, o reconhecimento das dimensões da estrutura cultural e social da mulher proposto pelo Modelo de Sunrise e traçar ações de cuidado facilitadoras e apoiadoras. O desconhecimento é relacionado, especialmente, ao despreparo dos profissionais no manejo de problemas subjetivos surgidos no cotidiano da amamentação. Diante dessa perspectiva, o Ministério da Saúde tem priorizado a capacitação de profissionais para a assistência em amamentação, com o foco direcionado para a escuta das questões subjetivas e objetivas, trazidas pela mulher. Este curso visa dar aos trabalhadores de saúde as habilidades de “ouvir e aprender” e “desenvolver a confiança e dar apoio”, de modo que eles possam de fato ajudar as mães. (OMS/UNICEF, 1997, P.1). De acordo com Rea e Venâncio (1999), o Curso de Aconselhamento em Amamentação remonta da década de 80, quando surgiu pela primeira vez um curso internacional no Wellstart, com um mês de duração em San Diego, EUA, chamado Lactation Management and Education. Seu principal objetivo era capacitar adequadamente os profissionais quanto aos aspectos teórico/técnicos da lactação. Os autores também ressaltam que na década de 90, na Universidade de Londres, surgiu um novo curso internacional, apoiado pela OMS. A aplicação dos princípios do Aconselhamento ao assistir em amamentação, no Brasil, teve início em 1997 e é uma das principais estratégias da atual política em amamentação. Diversos estudos como, por exemplo, Souza (2000), Silva (1997) Silva (1999) apontam esta iniciativa do Ministério da Saúde um avanço na construção de caminhos em busca de apoio individual à mulher lactante. A discussão sobre as questões que perpassa a amamentação, atualmente, é discutida e ampliada na perspectiva da compreensão dos diversos significados deste processo para a mulher, porém o que ainda 40 predomina nos discursos da maioria dos profissionais é a visão biologicista e romântica da amamentação. Orlandi (1985, p. 36) na década de 80 referia que: Seja como for, os seios, por muito tempo, despertarão um interesse político. Mas é preciso lembrar que eles pertencem às mulheres e que elas não são chamadas a opinar e a decidir na política do aleitamento materno desde o século XVIII. No século XX, os homens continuam cometendo os mesmo erros. Capítulo 3 REFERENCIAL TEÓRICO A Teoria da Diversidade e Universalidade do Cuidado Cultural de Madeleine Leininger A Teoria do Cuidado Cultural de Madeleine Leininger, elaborada a partir da necessidade de se prestar ao ser humano um cuidado integral, respeitando-se a sua cultura traz conceitos e reflexões que nos conduzem à avaliação dos cuidados de enfermagem que ainda hoje são aplicados às mulheres no período de amamentação do pré-termo. Embora já reconhecida e discuta por vários profissionais de saúde toda a influência histórica, biológica, econômica, social, psicológica e cultural que envolve e interfere no processo e na decisão pela amamentação ou não, ainda hoje a prática assistencial destes profissionais segue um modelo autoritário e direcionador que não considera a individualidade do sujeito. Desta forma, os conceitos de Leininger em relação à Teoria do Cuidado Cultural servem como referencial para este estudo, que revelou, a partir da fala das mães, a necessidade de se prestar um cuidado diferenciado e integral durante o período de hospitalização, bem como o imperativo de se traçar junto com elas estratégias para o retorno ao seu ambiente familiar. Para melhor entendimento, será realizada uma descrição sobre os fatos que conduziram Madeleine Leininger a construir essa Teoria, os principais conceitos da Teoria do Cuidado Cultural no Modelo de Sunrise e sua aplicabilidade. 42 Construindo a Teoria do Cuidado Cultural O cuidado cultural como essencial às práticas de enfermagem no atendimento ao cliente começou a ser pensado por Madeleine Leininger na década de 40, nos Estados Unidos. Neste período, trabalhava em um hospital como enfermeira chefe de uma unidade médico-cirúrgica, cuidando de pacientes com diferentes problemas de saúde e tratamentos médicos. Ao exercer suas atividades na unidade, teve a oportunidade de ouvir dos pacientes que as enfermeiras tinham um papel importante em sua recuperação e os ajudavam a readquirir saúde. Segundo Leininger (2002, p.8) ainda diziam, por exemplo: “As enfermeiras que dão bom tratamento realmente podem fazer a diferença de como eu me sinto e se eu vou ficar bem ou vou morrer”, “Eu nunca deixaria esse hospital sem o seu bom cuidado de enfermagem”. A partir das afirmações dos pacientes e do comentário de outros que Leininger começou a pensar nas atividades do cuidado de enfermagem como essencial para o paciente. Essas idéias a desafiaram a enfocar as práticas de cuidado e a valorizar o trabalho da enfermeira. Na época Leininger (1991) observava as diferenças entre os pacientes e o modo como eles respondiam às enfermeiras e às suas práticas de cuidados. Tais diversidades eram comuns, e as diferenças nas respostas dos pacientes reforçavam para ela a importância do cuidado humano. Durante a metade de 1940, as altas tecnologias estavam sendo expandidas, porém ainda não tinham invadido a prática de enfermagem. As enfermeiras se ocupavam do cuidado aos pacientes, uma vez que havia poucos medicamentos para serem administrados e nenhuma máquina para controlar na sua prática diária, tendo como função e responsabilidade no hospital a prestação do cuidado integral aos pacientes. Na época, as enfermeiras eram vistas como sacerdotisas, pois, além dos cuidados integrais aos pacientes, incluíam os cuidados espirituais, familiares e ambientais. 43 Para muitas enfermeiras nos anos 40 e 50, cuidar significava passar o tempo com os pacientes e ouvir suas estórias e sentimentos sobre eles próprios, suas famílias, vida no lar, e comumente suas situações de trabalho. Havia sinais de respeito pelos pacientes como seres humanos. Embora o conceito de cuidado humanístico não fosse ensinado explicitamente, havia modelos e instrutores que demonstravam interesse humano e respeito pelos pacientes como indivíduos e membros de algum grupo familiar (LEININGER, 1991, p.8). Para a teórica, o cuidado humanístico, na época, consistia em prestar uma assistência voltada às necessidades dos pacientes, levando em consideração suas idéias éticas, moral, espiritual, bem como psicológicas. O termo “boa enfermeira” e “bom cuidado de enfermagem” era incorporado no modelo humanístico. Em final dos anos 50 e após a inserção da alta tecnologia no ambiente hospitalar, Leininger (1991) refere que as enfermeiras que antes praticavam “bons cuidados” abandonaram tais práticas e passaram a valorizar à alta tecnologia e atender às ordens médicas. A autonomia e o reconhecimento pelo trabalho das enfermeiras eram evidentes nos hospitais, porém a prática do cuidado implementada antes dos anos 50 havia desaparecido; os médicos é que mantinham o controle sobre tudo. Em geral, depois da 2ª guerra Mundial e antes dos dias pré-feministas, a maioria das enfermeiras permanecia a maior parte do tempo em salas de aulas e laboratórios de enfermagem ou unidades, aprendendo a manusear equipamentos, ministrar tratamentos complexos e executar procedimentos efetivos. Foi na metade dos anos 50 que Leininger (1991), ao trabalhar como enfermeira numa clínica psiquiátrica cuidando de crianças com problemas mentais, descobriu a importância da cultura no cuidado de crianças de origens culturais diferentes. Observava no dia a dia que o comportamento e os cuidados de enfermagem prestados às crianças judias, africanas, apaches, 44 alemães e anglo-americanas eram diferentes, exceto no atendimento de algumas necessidades físicas. As crianças expressavam suas culturas no brincar, comer, dormir, interagir e explicitavam claramente as suas necessidades. Naquele momento, sentiu-se despreparada para assisti-las, pois não entendia os seus comportamentos. Com o decorrer do tempo passou a compreender que o comportamento das crianças era culturalmente constituído e influenciado por diversos fatores. No entendimento de Leininger (1991, p.47), Cultura “são os valores, crenças, normas e modos de vida de um determinado grupo, aprendidos, compartilhados e transmitidos e que orientam seu pensamento, suas decisões e suas ações de maneira padronizada”. Apesar de Leininger ter conhecimento de psicoterapia e saúde mental na enfermagem, não os achava suficiente para que pudesse compreender e ajudar aquelas crianças na prestação dos cuidados. Sua curiosidade atrelada à falta de conhecimento do papel dos fatores culturais na saúde física e mental levou-a a estudar a antropologia, e mais tarde, a desenvolver o campo de enfermagem transcultural com um foco comparativo do cuidado. Assim, em meados dos anos 50 e no final de 1960, trouxe à idéia da enfermagem transcultural, a Teoria do Cuidado Cultural e a preservação do cuidado como a essência da enfermagem. A Enfermagem Transcultural foi definida por Leininger (1991, p. 15) como: Sub-campo ou ramo da enfermagem que enfoca o estudo comparativo e a análise de culturas com respeito à enfermagem e as práticas de cuidados de saúde-doença, às crenças e os valores, objetivando proporcionar um serviço de atendimento de enfermagem significativo e eficaz para as pessoas de acordo com os seus valores, culturas e seu contexto de saúde-doença. Ainda na década de 60 e no início da década de 70, autora supra citada evidenciou um afastamento de muitas enfermeiras do hospital, pois optavam por permanecer em casa para cuidar de seus filhos. As que permaneciam no hospital lutavam para ser “produtivas”, “eficientes” e de “alta tecnologia”; eram 45 vistas como “mini médicos” ou assistentes de médicos. Porém, graças ao investimento de algumas enfermeiras que acreditavam no cuidado humanístico, foi possível reviver e trazer de volta o cuidado na enfermagem e, ao mesmo tempo, avançar no conhecimento e na ciência do cuidado. . Foi um grande desafio para Leininger (1991, p. 22) conservar as enfermeiras interessadas em focalizar e examinar o fenômeno do cuidado de enfermagem pelos novos conhecimentos, até que o movimento cultural do cuidado humano tomou impulso na metade dos anos 70. Para Leininger (1991, p. 47) a Enfermagem é: Uma disciplina e profissão humanística, aprendida e cientificamente focalizada no fenômeno do cuidado humano com o intuito de ajudar, apoiar, facilitar, permitir ou capacitar que indivíduos ou grupos mantenham ou recuperem seu bemestar (saúde) de modo culturalmente significante e benéfico ou ajudando as pessoas a enfrentar sofrimento físico/mental ou morte. Os estudos da antropologia fizeram-na compreender a relevância do cuidado transcultural para a enfermagem, e contribuiu para o lançamento do seu primeiro livro de enfermagem transcultural intitulado: “Enfermagem e antropologia: dois mundos para combinar” em 1970. Na época, sentia necessidade do desenvolvimento de um trabalho direto de liderança com as enfermeiras para também desperta-las e incentivá-las ao estudo da cultura e, desta forma, conduzir à compreensão da sua importância para a enfermagem. Esta não era uma tarefa fácil, pois as enfermeiras não eram preparadas em programas de graduação em antropologia e não estavam interessadas em aplicar os conceitos antropológicos à enfermagem. Desta forma trabalhou no sentido de fazer as enfermeiras pensarem sobre suas ligações entre a antropologia e a enfermagem para estabelecer o campo de enfermagem transcultural. Leininger (1991, p.15) antecipou que “as enfermeiras seriam incapazes de prover cuidados significativos, terapêuticos e de qualidade, ou cuidado holístico, sem a inclusão do conhecimento e aptidões de enfermagem culturalmente baseadas no transcultural”. 46 Entende-se por cuidado cultural: Os valores, as crenças e os modos de vida padronizados, aprendidos, subjetiva e objetivamente, que ajudam, apóiam, facilitam ou capacitam outros indivíduos ou grupos a manter seu bem-estar, saúde, melhorar sua condição humana e seu modo de vida ou lidar com a doença, a deficiência e a morte (LEININGER,1991, p. 44). A Teoria do Cuidado Cultural formulada e disseminada por Madeleine Leininger não teve na época (1970) a aderência de muitas enfermeiras, pois até então este era um preceito estranho à enfermagem. Muitas enfermeiras, inclusive, relutavam em falar sobre a própria teoria de enfermagem, pois a consideravam impraticável e irrelevante. Nos anos 50 e 60, a cultura da enfermagem era tão fortemente orientada para o prático e concreto nas atividades de enfermagem e médica que a maioria das enfermeiras não estava geralmente interessada nas teorias de enfermagem. Influenciadas pelo modelo de formação, as enfermeiras confiavam nas explicações biofísicas e psicológicas e não compreendiam como a cultura poderia influenciar a enfermagem e o cuidado. Antes dos anos 50 e durante os anos 60, não havia o conteúdo cultural com uma perspectiva de enfermagem. Na concepção de Leininger (1991, p.16) para se estabelecer qualquer disciplina e conhecimento relevante para o futuro da enfermagem, seriam necessárias a Enfermagem Transcultural e a Teoria do Cuidado Cultural. O mundo estava se movendo muito mais rapidamente em direção ao multiculturalismo do que a profissão realizava, e, desta forma, as enfermeiras necessitavam do conhecimento cultural e de uma teoria para estruturar o conhecimento de enfermagem e guiar sua prática. Problemas eram identificados no atendimento aos clientes de culturas estrangeiras, pois as enfermeiras tentavam ajudar utilizando a educação unicultural focalizada que elas possuíam. Para que esta prática fosse mudada, Leininger percebia a necessidade de preparo das enfermeiras em enfermagem transcultural. 47 Destarte, na metade dos anos 60, começou a desenvolver e estabelecer cursos de enfermagem transcultural e, posteriormente, diversos programas de estudo no novo campo. Encorajou também as enfermeiras a fazerem cursos fundamentais em antropologia de um modo similar àqueles de anatomia e fisiologia. Embora poucas enfermeiras se interessassem inicialmente no novo campo, no início dos anos 70, Leininger (1991) tinha conseguido atrair muitas enfermeiras a estudarem antropologia e enfermagem transcultural como vital e relevante à enfermagem em sua totalidade. Esse núcleo de pessoas treinadas assim ajudaria a estabelecer e dar suporte ao novo campo. A idéia de enfermagem transcultural gradualmente se expandiu através de artigos, endereços públicos, “workshops”, conferências e contatos pessoais com enfermeiras estrangeiras, em meados de 1970. Leininger (1991, p.21) acreditava nas mudanças na enfermagem e vislumbrava uma profissão bem diferente no século XX, pois acreditava que “as mudanças no mundo traria as pessoas mais perto umas das outras devido ao social e cultural”. Vários fatores interferiram negativamente para retardar o avanço de suas idéias, pois, antes de 1975, muitas enfermeiras estavam profundamente envolvidas com identidade profissional, revisão curricular de enfermagem, referências ao rápido avanço tecnológico e relação enfermeira-médico. Duas décadas se passaram até que a Teoria do Cuidado Cultural dentro da Enfermagem Transcultural estivesse pronta para ser avaliada e utilizada pelas enfermeiras. As enfermeiras precisavam não somente de uma visão holística “biopsicosociocultural”, mas também de uma visão comparativa das diferenças culturais e similaridades enquanto elas trabalhavam com pessoas em diferentes contextos ambientais, e suas idéias necessitavam ser incluídas na teoria (LEININGER; 1991, p. 23). Leininger (1991, p.23) não conceituou o cuidado cultural como uma idéia fragmentada, compartimentalizada, com perspectivas separadas fisicamente, biologicamente, sociologicamente, socialmente ou culturalmente. 48 Em vez disso, ela teorizou a cultura do cuidado humano como uma perspectiva holística e unificada para refletir no individual e nos grupos, nos cuidados totais ao modo de viver ou influenciar no bem estar ou doença. Postulou, ainda, que o cuidado ou modelo do cuidar incluía assistir, apoiar, facilitar e tornar possíveis atos ou atitudes individuais, familiares, de grupos e instituições, bem como as condições gerais humanas, modos de viver e contexto ambiental. Ao conceituar a Teoria do Cuidado Cultural, assegurou que o Cuidado, era a essência e o foco central da enfermagem. Acreditava que a Teoria poderia ajudar a estabelecer a natureza, essência, significado, expressões e formas do cuidado humano ou cuidar e poderia prover também um corpo de conhecimento para a enfermagem que fosse único e significativo. Leininger (1991, p. 39) postulou que “o cuidado com as modalidades do cuidar era importante para cura e que a cura não ocorreria sem o cuidado”. Na formulação da Teoria, sentiu necessidade de traçar definições sobre o termo “cuidado” e “cuidando”, pois estavam sendo utilizados por enfermeiras de diferentes maneiras e em diferentes contextos, deixando as pessoas com visão limitada na sua compreensão. Desta forma, Leininger (1991, p.46) trouxe as seguintes definições: Cuidado (substantivo) são os fenômenos concretos e abstratos relacionados com a assistência, apoio ou capacitação de experiências ou comportamentos para outros ou por outras, com evidentes ou antecipadas necessidades para melhorar a condição humana ou modos de vida. Cuidando (gerúndio) são as ações e as atividades dirigidas para a assistência, apoio, ou capacitação do outro, individual ou em grupos, com necessidades evidentes ou antecipadas para melhorar a condição humana ou modos de vida, ou para enfrentar a morte. Através do conhecimento do cuidado cultural, Leininger (1991) acreditava que poderia orientar as decisões e ações das enfermeiras em 49 assistir as pessoas sob diferentes condições humanas e em diferentes circunstâncias. O propósito da Teoria do Cuidado Cultural foi descobrir as diversidades e universalidades do cuidado humano em relação à estrutura social mundial e outras dimensões e, a partir daí, descobrir os meios de prover o cuidado culturalmente coerente às pessoas que têm culturas diferentes ou semelhantes, a fim de que mantenham ou voltem a ter bem-estar, saúde ou enfrentem a doença e/ou morte de modo culturalmente apropriado. Diversidade do Cuidado Cultural indica as variações e/ou diferenças nos significados, padrões, valores, modos de vida ou símbolos de cuidado dentro ou entre coletividades, que são relacionados às expressões assistenciais, apoiadoras ou capacitadoras do cuidado humano (LEININGER, 1991, p.47). Universalidade do Cuidado Cultural indica os significados, padrões, valores, modos de vida ou símbolos comuns, similares ou dominantemente uniformes de cuidados, que se manifestam em muitas culturas e refletem as formas assistenciais, apoiadoras, facilitadoras ou capacitadoras de auxiliar as pessoas (LEININGER, 1991, p. 47). Leininger (1991) teorizou ainda que todas as culturas têm práticas de cuidados de saúde genéricos e que algumas práticas profissionais de enfermagem nem sempre poderiam ser coerentes com o cuidado genérico prestado ao cliente. Deste modo, as enfermeiras seriam desafiadas a reconhecer isso e fazer alterações adequadas a fim de prover o cuidado coerente. O que era semelhante ou diferente entre o cuidado popular e o sistema profissional ainda estava para ser descoberto, porém, entendia-se que era necessário combinar o cuidado genérico e o profissional, pois se essa ligação não ocorresse, poderiam existir conflitos culturais e demais problemas de cuidados de enfermagem desfavoráveis. O Cuidado profissional de Enfermagem refere-se ao saber do cuidado formal, o profissional cognitivamente aprendido e a prática de habilidades obtidas através das instituições educacionais usadas para dar assistência, 50 suporte, habilitar ou facilitar os atos para um outro individuo ou grupo, a fim de melhorar a condição humana (ou bem-estar) ou enfrentar com os seus clientes situações de invalidez ou a morte. (LEININGER, 1991, p. 38). O Cuidado Genérico refere-se ao conhecimento e às habilidades culturalmente aprendidos e transmitidos, tradicional ou popularmente (cuidado doméstico), usados para dar assistência, apoiar, capacitar, facilitar as ações (ou fenômeno) em direção ou para outro indivíduo, grupo ou instituição, com necessidades evidentes ou antecipadas para melhorar a condição de saúde humana (ou bem-estar) ou para lidar com situações de deficiência ou morte (LEININGER, 1991, p. 38). Então, a enfermeira foi desafiada pela teoria a descobrir o conhecimento do cuidado humano transcultural que orientasse na provisão da assistência que se combinasse com os valores culturais, crenças e modos de viver das pessoas; de modo que tal conhecimento também contribuísse para os fundamentos básicos dos conhecimentos de enfermagem. Leininger (1991, p. 48) trouxe como definição de Saúde: Um estado de bem-estar, culturalmente definido, avaliado, valorizado e praticado, refletido na habilidade individual (ou grupo) de executar as suas atividades diárias em modos de vida culturalmente expressos, benéficos e padronizados. Ao conceituar a teoria, previa 03 grandes modalidades para guiar os julgamentos da enfermagem, decisões ou ações, de modo que o cuidado cultural coerente fosse satisfatório e trouxesse benefícios e significados às pessoas que fossem atendidas pelas enfermeiras. As modalidades foram definidas como (1) Preservação ou manutenção do Cuidado Cultural; (02) Acomodação ou negociação do Cuidado Cultural e (03) Repadronização ou reestruturação do Cuidado Cultural. Preservação ou Manutenção do Cuidado Cultural inclui as ações e decisões profissionais assistenciais, apoiadoras, facilitadoras ou capacitadoras que ajudam as pessoas de uma determinada cultura a reter ou preservar valores relevantes de cuidados, de forma que possam manter seu 51 bem-estar, recuperar-se da doença ou encarar as deficiências e/ou a morte (LEININGER, 1991, p.48). Acomodação ou negociação do Cuidado Cultural inclui as ações e decisões profissionais criativas assistenciais, apoiadoras, facilitadoras ou capacitadoras que ajudam as pessoas de uma determinada cultura a adaptarse ou a negociar com as outras um resultado de saúde benéfico ou satisfatório com prestadores de cuidados profissionais (LEININGER, 1991, p. 48). Repadronização ou Reestruturação do Cuidado Cultural inclui as ações e decisões profissionais apoiadoras, facilitadoras ou capacitadoras que ajudam o cliente a reorganizar, trocar ou modificar grandemente sua forma de vida para um padrão de atendimento de saúde novo, diferente e benéfico, enquanto são respeitados os valores culturais e as crenças do cliente e, ainda proporcionado um modo de vida benéfico e mais saudável do que o anterior às mudanças co-estabelecidas com o cliente (LEININGER, 1991, p.49). Essas modalidades surgiram a partir das experiências de Leininger (1991) utilizando o conhecimento do cuidado cultural para assistir os clientes das culturas ocidentais e não-ocidentais. Tais experiências eram centradas no cuidado e no uso do conhecimento genérico do cuidado (popular) junto com o conhecimento do cuidado profissional (ético). Alicerçadas no conhecimento do cuidado cultural, as enfermeiras planejariam e tomariam decisões com os clientes a respeito dessas três modalidades de ações ou decisões, a fim de prestar um Cuidado Cultural Coerente (Enfermagem), definido por Leininger (1991, p. 49) como: Os atos ou as decisões assistenciais, apoiadoras, facilitadoras ou capacitadoras, cognitivamente baseadas, que são elaborados para se ajustarem na esfera individual, em grupo ou institucionalmente aos valores culturais, crenças e modos de vida, proporcionando ou apoiando o atendimento de saúde significativo, benéfico e satisfatório ou serviços de bem-estar. Aplicando os conceitos desta Teoria no Modelo de Sunrise 52 O Modelo de Sunrise, projetado como um mapa cognitivo é utilizado para orientar e descrever as dimensões culturais e sociais que impostas pelas influências, componentes, facetas, ou conceitos principais da teoria, o qual integra a visão total destas dimensões. Este modelo, utilizado nas ciências sociais e físicas, foi desenvolvido e refinado durante as três últimas décadas para prover um quadro das dimensões principais da estrutura cultural e social. Estas dimensões ou influências do cuidado cultural não são vistas, de forma isolada, fragmentada, ou em partes, sem conexões. Ao invés disso, elas são : asseguradas para serem relacionadas umas com as outras muito próximas da visão do funcionamento total dos seres humanos, ou da totalidade do mundo cultural da pessoa. Os conceitos de tal teoria e o Modelo de Sunrise foram utilizados por Leininger (1991, p.49) com o objetivo de descobrir indutivamente e explicar, interpretar e predizer o conhecimento do cuidado cultural e suas influencias, para entender e desenvolver modos para prover a cultura correspondente ao cuidado de enfermagem. Esse modelo ajuda o investigador a pressentir um mundo cultural de vida com diferentes forças ou influências das condições humanas que precisam ser consideradas ou descobertas para se estabelecer o cuidado humano. Ao utilizar o Modelo de Sunrise, normalmente, o investigador começa pelo topo do modelo com a visão de mundo e as características das estruturas sociais, e gradualmente exploram os sistemas de cuidado de saúde profissionais e genéricos, bem como possíveis modos de ações e decisões de enfermagem. A visão de mundo é definida por Leininger (1991, p.47) “como a forma como as pessoas se vêem no mundo ou universo, formando um quadro ou uma posição de valor em torno da vida ou do mundo ao seu redor”. As dimensões culturais e de estrutura social são definidas como: Os padrões, os aspectos dinâmicos e as características dos fatores estruturais e organizacionais inter-relacionados de uma 53 cultura em particular (subcultura ou sociedade), que incluem os fatores culturais, religiosos, companheirismo/familiar (social), políticos (ético/legal), econômicos, educacionais, tecnológicos, etnohistóricos e como estes fatores podem estar interrelacionados para influenciar o comportamento humano em diferentes contextos ambientais (LEININGER, 1991, p. 47). O Modelo de Sunrise, segundo Leininger (1991, p. 52), “pode ser usado com flexibilidade e de modo criativo, como alguém que estuda a pessoa e permanece sensível ao indivíduo, grupo, família, cultura (ou subcultura) ou uma comunidade”. Desta forma, para que a enfermeira possa utilizá-lo, deverá ter habilidades e conhecimentos sobre a cultura de uma comunidade e/ou instituição. 54 Para melhor entendimento do modelo de Sunrise, segue um esquema gráfico. É importante lembrar que os fatores de estruturas sociais são dinâmicos, tendendo a mudar, com o passar do tempo, em qualquer cultura, a passo lento ou moderado. Estas mudanças raramente ocorrem de forma rápida. Se analisarmos a história da amamentação e do cuidado à criança, verifica-se que as crianças nem sempre eram criadas e amamentadas pela mãe, mas por amas-de-leite. Até o século XVIII, a infância era curta e dura. A relação mãe-filho, tão exaltada nos tempos modernos, não existia. “O imenso amor materno que a maioria das mulheres sente pelos filhos é alimentado e 55 apoiado pelos valores sociais e ambientais que existem hoje” (BADINTER 1985). No contexto da época, o comportamento das mulheres em relação às crianças não era absolutamente fora das normas e dos padrões sociais e culturais. A possibilidade da utilização do Modelo de Sunrise no planejamento de ações às mães em processo de amamentação pode representar um avanço na assistência. A amamentação é um evento complexo e, ao longo dos anos tem sido evidenciado por diversos estudiosos como Rea (1995), Scochi (1999) e Souza (2000) que os fatores sociais, culturais, econômicos e não apenas o biológico tem determinado certos comportamentos e culminado para o aumento do desmame. Neste entendimento, se analisarmos o Nível 1 do Modelo de Sunrise podemos identificar que as dimensões da estrutura social e cultural proposto por Leininger têm influenciado de forma significativa na decisão da mulher pela amamentação ou não do filho. Na concepção de Leininger (1991) o conhecimento da visão de mundo e as características das estruturas sociais permitem ao enfermeiro a tomada de decisões mais eficientes. Observando o modelo de Sunrise, podemos identificar setas e linhas pontilhadas. As setas indicam influências, mas não são relações causais ou lineares e fluem em áreas diferentes através dos principais fatores para descrever o inter-relacionamento dos fatores culturais e sociais e a influência do padrão de cuidado e as expressões. As linhas pontilhadas indicam o mundo aberto ou sistema aberto de viver que se reflete no mundo natural da maioria dos humanos. Leininger (1991, p. 53) considera a parte superior do Modelo de Sunrise extremamente importante. Muitas vezes desafia as enfermeiras porque leva freqüentemente à descoberta por trás dos bastidores de dados profundamente válidos e significativos sobre o cuidado humano e bem-estar. Requer que o investigador use não somente os insights (perspicácias), mas, 56 também, o conhecimento das ciências sociais e ciências humanas para facilitar o entendimento de áreas de vital importância para uma cultura e modos de cuidado. Quando um relacionamento de confiança é estabelecido com os informantes, o investigador percebe que os informantes muitas vezes apreciam e expressa orgulho, prazer e interesse em suas idéias centrais. Leininger (1991, p. 54) comenta “que para muitos informantes, é agradável discutir os significados de cuidado (inclusive psicocultural e sociocultural) dentro da perspectiva cultural”. Enquanto explora as idéias de cuidado cultural com os informantes, o investigador tem que estar atento à dicotomia das idéias recebidas ou condições mentais ou físicas do entrevistado. A obtenção de dados de todas as dimensões do modelo contribuirá para o enfermeiro definir e decidir sobre as ações de enfermagem previamente nomeadas como preservação ou manutenção do cuidado cultural, acomodação ou negociação do cuidado cultural e repadronização ou reestruturação do cuidado cultural. Os clientes, as famílias de clientes ou grupos culturais são, a todo o momento, envolvidas neste processo de descoberta como co-participantes. Este é um princípio importante para se manter e adquirir dados ricos e estimular o envolvimento dos participantes da pesquisa. Desde que todos os dados coletados sejam fundamentados e baseados nas pessoas, as opções e decisões terão significados mais especiais - e os informantes provavelmente levarão a cabo as decisões ou planos de cuidados por um longo período de tempo - do que se o informante não participasse do processo de pesquisa. A enfermeira deverá estar pronta a ouvir as idéias dos informantes. Eles podem refutar o que esta afirma, desafiando a enfermeira a idealmente acreditar no conhecimento por eles demonstrado ou assegurar-lhes como verdades profissionais as idéias que pertencem às enfermeiras. Leininger (1991, p.56) não utiliza o termo intervenção de enfermagem na sua Teoria e nem no Modelo de Sunrise. As intervenções tendem a comunicar algumas idéias sobre os informantes e as interferências culturais e 57 práticas de imposição, interferindo com os modos de vida cultural e crença, através das intervenções determinadas. A idéia de problemas de enfermagem também não é utilizada por Leininger (1991), pois, às vezes, o cliente pode não ter um problema, ou o problema pode não ser visto como relevante para o informante. As enfermeiras ao utilizarem o Modelo de Sunrise como um guia, descobrem novas perspectivas sobre cuidado, procuram as diferenças no cuidado e as semelhanças com uma cultura, um grupo ou individualmente. Devem manter uma posição neutra por causa dos fatores aculturais, mudanças súbitas e outras condições em uma sociedade que podem fazer alguma diferença sobre as práticas de cuidado e as interpretações. A Teoria do Cuidado Cultural é ampla em extensão e explora muitos aspectos do cuidado padronizado, com representações individuais de uma cultura com o passar do tempo. O uso da teoria depende da habilidade do investigador em compreendê-la e usá-la, associando-a a métodos, como a etnoenfermagem ou outro método qualitativo apropriado. O foco no Cuidado Cultural requer estratégias sensíveis para obter informações. O entrevistador deverá ter paciência, imersão nos dados e habilidade analítica para avaliar periodicamente e sintetizar dados que possibilitem assegurar o conhecimento sobre o cuidado com os informantes, respeitando-se os princípios éticos. Leininger (1991, p.55), estudando 54 culturas em mundos ocidentais e não-ocidentais, identificou que há mais sinais de diversidades do que de universalidades entre o conhecimento do cuidado cultural do cliente e da enfermeira. As maiores diferenças aparecem mais freqüentemente em contextos hospitalares do que no cuidado domiciliar. Como conseqüências destas diferenças de cuidado cultural entre o cliente e a equipe de saúde, surgem conflitos culturais, tensões e descumprimento do tratamento. Isto leva-nos a ressaltar a necessidade não só da enfermeira, mas também dos profissionais de saúde levantar as idéias culturais, convicções e modos de vida para prestarem uma assistência coerente. 58 Enquanto das práticas genéricas (populares) de uma cultura provêem valores, havendo preocupação com este conhecimento para guiar a prática da enfermagem profissional, o cuidado genérico ainda é muito pouco entendido e avaliado pelas enfermeiras e outros profissionais de saúde. Refletindo a assistência à mulher no processo de amamentação do prétermo: o filho imaginário e o filho real. No ciclo vital da mulher, a maternidade nem sempre se fez presente no decorrer dos séculos. Até por volta do século XVIII, segundo Badinter (1985), na Europa, o desejo de engravidar e de cuidar do filho, assim como o amor materno, tal como hoje se concebe era inexistente. Tal mudança foi significativa, já que a criança saiu do anonimato e, mesmo que ainda não ocupasse um lugar privilegiado, passou a ser mais valorizada. O conceito de maternidade floresceu, passando a família a se organizar em torno da criança, principalmente a mãe. O desenvolvimento do culto à maternidade teve seu apogeu nos séculos XIX e XX, nos quais, devido às condições econômicas e políticas, o homem foi levado a sair de casa e a entregar toda a responsabilidade desta à mulher. Ela, que tinha apenas uma função biológica, assumiu o papel de educadora e passou a ter uma função social. Também, sob a influência da psicanálise e admitida por psicólogos, ginecologistas, obstetras e cientistas sociais, foi delegada à mãe a responsabilidade pelo desenvolvimento emocional dos filhos. Por uma mistura de razões sociais e econômicas, o ideal da supermãe amorosa, totalmente dedicada e sempre em casa, tornou-se modelo, permanecendo, até hoje, a visão estabelecida de que a maternidade constituise em algo normal. A maternidade se transformou num processo rígido, carregado de normas, governado por dogmas produzidos por supostos especialistas, cuja visão é sempre formulada em termos do que é melhor para o bebê. 59 Atualmente, em nossa sociedade, a gravidez tem uma importante representação na vida das mulheres. Assim como a adolescência e o climatério, a gravidez também é considerada um período crítico que envolve o desenvolvimento da personalidade. Esses períodos são caracterizados por alterações metabólicas complexas e equilíbrio instável, devido às perspectivas de mudanças de papel social, necessidade de novas adaptações e reajustamentos interpessoais. A partir do diagnóstico da gravidez, a mulher passa a se olhar e ser olhada de forma diferente, independentemente de já ter vivenciado esse processo anteriormente. As mulheres, que são mães, referem que as experiências são singulares, bem como as expectativas que norteiam cada gravidez. Esta fase envolve mudança de identidade e uma nova definição de papéis: a mulher grávida passa de esposa a mãe. O mesmo processo de mudança de identidade e de papel se verifica no marido. (MALDONADO, 1997). As complexidades de transformações desencadeadas no período gestacional não se relacionam apenas à esfera psicológica e fisiológica, envolvem, também, os fatores sócio-econômicos. Estudo realizado por Silva (2003, p.137) evidenciou que a gravidez implica na reformulação de identidade da mulher, mediante os pressupostos dos novos papéis que passa a desempenhar. Refere ainda, que: O significado desta vivência é construído a partir da percepção de sentimentos gerados pela adaptação orgânica e emocional provocada pela gravidez e, principalmente, pela percepção de si na reformulação de concepções e elaboração de novos conceitos sobre os sentimentos de ser/estar grávida [...] Desta forma, a mulher vive a situação da gravidez caracterizada pela percepção de si e dos demais elementos que compõem seu ambiente e sua relação com o filho, a família e as mudanças advindas da presença deste. 60 Maldonado (1997, p.11) considera importante a integração do pai da criança no pré-natal, por considerar “o nascimento de uma criança uma experiência familiar”. De forma geral, os homens vivenciam com a mulher os temores e ansiedades na gestação, no parto e no puerpério, compartilhando com ela as expectativas e fantasias em relação ao bebê e, assim, também elaboram dentro de si uma relação com o filho. Observa-se que a atitude do marido relativamente à gravidez contribui de forma significativa tanto para a aceitação ou rejeição da gestante ao filho que está sendo gerado, quanto para a maneira como a mulher irá vivenciar as diversas modificações que envolvem o período gestacional, como, por exemplo, as alterações do corpo. Klaus e Kennel (1993) acrescentam que o modo como as mulheres se sentem com relação às mudanças físicas e emocionais pode variar largamente, dependendo de fatores: haver planejado ou não a gravidez, ser casada, estar vivendo com o pai do bebê ou ter outros filhos. Relaciona, ainda, a idade dos outros filhos, sua ocupação e as lembranças da infância – de seus sentimentos com relação aos próprios pais – como aspectos que interferem neste fracasso. Em nosso cotidiano, verificamos que, para a maior parte das mulheres, a gravidez é um período de intensas emoções, frequentemente ambivalentes, variando do positivo ao negativo, A mulher precisa se adaptar à perspectiva de mudança em seu modo de vida, à medida que deixa de ser apenas um indivíduo responsável primeiramente por si mesma para tornar-se mãe, responsável pela vida do filho. Mesmo com a evolução dos séculos, ainda hoje, a sociedade impõe ao casal a condição de maternagem e paternagem para a plena realização. Vários são os significados atribuídos ao nascimento do filho; dentre eles, Maldonado (1997, p.84) comenta que uma das motivações para se gerar um filho “é o desejo de transcendência, de certa imortalidade pela continuidade das gerações”. 61 A imagem cultural que se tem dos sentimentos maternos, transmitidos através de histórias tidas como verdadeiras ou como contos, mostra a dedicação da mãe à prole, às vezes, até mesmo levado a extremo, abrangendo capacidade de renúncia em prol da preservação e sobrevivência dos filhos. O casal idealiza o bebê, ainda no útero. Pensando em todos os pontos positivos, prepara o ambiente para recebê-lo e traça algumas rotinas que considera essencial para o recebimento do filho. Além dos sonhos, existem fantasias que também expressam os temores referentes à maternidade. Regen, Ardore & Hoffmann (1993, p.18) consideram que um dos temores mais intensos dos pais é a possibilidade de gerar um filho malformado. Foi relatado por Glat (1989, p.30), após entrevistas realizadas com mães primíparas, que as experiências que elas vivenciam são recorrentes em cada pós-parto. Em cada gestação vivenciarão novas expectativas, assim como, novas idealizações em relação ao filho se farão presentes. No período gestacional, observa-se que as mulheres vivenciam momentos significativos que se relacionam à confirmação do diagnóstico da gravidez, ao início dos movimentos fetais e ao nascimento da criança. A partir da suspeita e, posteriormente, da confirmação da gravidez, a mulher poderá apresentar diversos sentimentos determinados pelo desejo de engravidar ou não, pela sua situação emocional, conjugal, econômica, aliada, principalmente, ao tipo de relação que mantém com o marido e seus familiares. Durante esta fase, Maldonado (1997, p.19) refere que “a mulher pode apresentar sentimentos ambivalentes do querer e do não querer ter um filho”, o que também é apontado por Klaus e Kennel (1993). Uma atitude inicial de rejeição ao filho que está sendo gerado pode dar lugar a uma atitude predominante de aceitação e vice-versa. Todas estas situações são consideradas normais dentro do processo de desenvolvimento da gravidez, pois o casal passa por um processo que exige reestruturação e reajustamentos em várias dimensões. 62 Silva (2003, p.138) afirma que os sentimentos que a mulher desenvolve a partir da interação inicial com a gravidez com os elementos componentes do seu ambiente, sejam eles reais ou potenciais, “têm forte influência na tomada de decisão na manutenção da gravidez”. No primeiro trimestre da gravidez a mulher demonstra grande preocupação com o desenvolvimento do feto e temores relativos à possibilidade de se ter um filho deformado, com algum tipo de deficiência. Pode surgir sentimento de culpa e, ainda, preocupação com seus hábitos de vida, para não fazer mal ao feto. O segundo trimestre é considerado por Maldonado (1997, p. 24) “o mais estável do ponto de vista emocional”. Com a percepção dos movimentos do feto, instalam-se nas mulheres os sentimentos de personificação do feto; é a primeira vez que a mulher sente o feto como uma realidade concreta dentro de si. É neste período que as mulheres, comumente, apresentam graus variados de diminuição do desejo sexual e, em algumas situações, frigidez ou desinteresse total, o que pode interferir negativamente no seu relacionamento com o marido. Nota-se que as alterações da sexualidade da mulher estão diretamente atreladas à sua própria percepção quanto às mudanças do próprio corpo, à atitude do marido em relação às suas modificações corporais, assim como à maneira pela qual ela mesma se situa diante da gravidez. Ressalta-se, também, que várias influências culturais que são transmitidas de geração a geração sobre a sexualidade durante e após a gravidez podem interferir diretamente no comportamento do casal. No período gestacional, as mulheres demonstram uma grande preocupação com a deformidade do corpo; têm dificuldade em acreditar na reversibilidade das alterações corporais, o que contribui para o aumento do seu nível de ansiedade. 63 Observa-se, nesta fase, que as mulheres tornam-se mais sensíveis, parecem mais fragilizadas e sentem necessidade de apoio, carinho, cuidado e proteção. Após as primeiras manifestações de vida do filho, que se evidenciam com os movimentos fetais, as mulheres, de uma maneira geral, começam a ter fantasias sobre como será o filho. Klaus e Kennell (1993) consideram que, neste período, a mulher pode aceitar melhor a gravidez e apresentar mudanças significativas de seu comportamento em relação ao feto. O filho não planejado e/ou não desejado pode ser mais bem aceito. Ressaltam, ainda, que as mulheres com problemas de saúde mostram que sua preocupação primeira é com o bebê que está carregando e, apenas secundariamente, com a sua própria saúde. Ao iniciar o terceiro trimestre, o nível de ansiedade tende a elevar-se ainda mais, devido à proximidade do parto e a perspectiva de mudança na rotina de vida após o nascimento do filho. Essa ansiedade torna-se mais perceptível nos dias que antecedem a data prevista para o parto ou quando a tal data é ultrapassada. As mulheres apresentam sentimentos contraditórios: querem logo que a criança nasça ou demonstram uma vontade de prolongar a gravidez para, desta forma, adiar as novas adaptações. Maldonado (1997) e Klaus e Kennell (1993) comentam que, no 3º trimestre, mesmo na gestação que evolui normalmente, surgem temores de morte do filho, manifestando-se, mais claramente, o temor universal de se ter um filho com alguma deficiência física evidente. Ressaltam, além disso, que as mulheres expressam insegurança e medo de não saber como cuidar do bebê, de não ter leite suficiente para sustentar o filho, gerando muita expectativa e ansiedade. Werneck (1992, p.92) reforça, inclusive, que é comum a todos os casais o receio de não gerar um filho saudável e perfeito, pois foram preparados para gerar filhos dos quais tivessem orgulho e, assim, considera natural que o casal passe por um período de luto pelo nascimento do filho não idealizado. 64 Quando do nascimento de uma criança normal, Glat (1989, p.62), após entrevistar mulheres no pós-parto, constatou que o nascimento de uma criança interfere no relacionamento de um casal. Há sentimento de raiva; não do bebê e sim da situação em que se encontram; sentimento de ciúme, pois após o nascimento do filho ele passa a ser o centro das atenções; a mulher deixa de existir enquanto pessoa e passa a ser apenas mãe. Todos esses aspectos contribuem para as alterações do comportamento das mães no pós-parto, em sua fase de adaptação. Tal fato torna-se ainda mais significativo quando o “filho” tão esperado não satisfaz aos seus sonhos. Ao invés de um bebê “gordo” e “belo”, nasce uma criança “magra” e “feia”. Embora a gestação seja um fenômeno fisiológico e, por isso, a sua evolução devesse acontecer sem intercorrências, há de se considerar que um determinado percentual de mulheres que engravidam possui certas características ou sofre de patologias, o que resulta em maiores chances de desenvolver uma prenhez desfavorável, quer para si mesma ou para seus conceptos e, conseqüentemente, dar à luz a um pré-termo. (BRASIL, 1995) A família sofre momentos de crise, especialmente a mãe, que terá que enfrentar situações mais complexas no cuidado com o filho pré-termo, o que lhe exige grandes atenções. Cada família reagirá de forma distinta ao nascimento do bebê pré-termo, de acordo com sistemas de valores pessoais e religiosos e com a personalidade individual de cada um. Klaus e Kennell (1993) consideram que a maneira como a mulher foi criada, o que inclui as práticas de sua cultura, pode influenciar diretamente no seu comportamento com relação ao seu próprio filho. Até a mãe chegar a aceitar completamente o bebê diferente daquele inicialmente sonhado, passará por etapas diferenciadas. Estas fases, apresentadas por familiares, em especial, pela mulher que se encontra na situação de “Ser Mãe” de uma criança pré-termo, são compatíveis com os 65 estágios apresentados por pacientes e familiares frente a uma doença grave ou fatal, conforme descrito por Kübler-Ross (2005). Kübler-Ross (2005) enfatiza que o indivíduo diante do diagnóstico de uma doença grave passa por estágios diferenciados, descritos como: negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação. Inicialmente, reagem negando a situação, especialmente quando o diagnóstico é informado abrupta e prematuramente. Esclarece que a negação inicial funciona como uma defesa temporária e que uma das primeiras reações pode ser o estado de choque, do qual se recupera gradualmente. Em suas entrevistas com pacientes terminais, ouve-se freqüentemente a expressão: “Não, não pode ser comigo”, o que se evidencia também nos relatos das mães de pré-termo. Com relação a esta fase inicial do diagnóstico, percebemos que a ansiedade e a culpa são os sentimentos que mais se evidenciam. Para Klaus e kennell (1993), o sentimento de culpa pode aumentar ainda mais a ansiedade. A negação é reconhecida como um mecanismo temporário de defesa que se utiliza quando não estamos prontos para lidar com um problema. O modo como cada mãe reagirá e o período que passará em cada fase dependerão de alguns fatores externos e de sua própria concepção sobre a prematuridade. Klaus e Kennell (1993) apontam a necessidade de o profissional de saúde levar a mãe e a família para verem o filho tão logo seja possível, para que possam ter a certeza de que, apesar da prematuridade, o filho não apresenta nenhuma malformação. Observamos que, nesta fase, deve ser dispensada uma maior atenção à família, especialmente à mãe de pré-termo, que, na maioria das vezes, na tentativa de arranjar alguma justificativa pela prematuridade, acaba por se culpar e se responsabilizar pela condição do filho, retardando a formação do apego. 66 Klaus e Kennell (1993) referem que, Independentemente da prematuridade, o bebê real jamais é como o bebê retratado mentalmente na gravidez e que, durante os primeiros dias após o nascimento do filho, a mãe terá que se ajustar à imagem real do filho. A separação decorrente da internação do pré-termo gera nos pais tristeza, medo, stress e culpa, pois os mesmos encontram-se fragilizados e inseguros quanto à vida de seus filhos. Este processo foi descrito por Klaus e Kennell (1993) como uma “reação de luto” que os pais sentem pela perda do bebê perfeito que não tiveram, necessitando estes de tempo e apoio para se adaptar, ao seu bebê real. Segundo Kübler-Ross (2005, p.63), quando não é mais possível manter firme o primeiro estágio de negação, ele é substituído por sentimentos de raiva, de revolta, de inveja e de ressentimento. Neste momento, torna-se difícil lidar com a família, posto que a raiva pode projetar-se em todos os que se aproximam da criança, muitas vezes, sem razão plausível. No começo as famílias sentem-se fragilizadas e vulneráveis, reagindo freqüentemente com surpresa, choque e tristeza, apresentando emoções e comportamentos imprevisíveis. Às vezes, parecem enfrentar bem a situação, porém, em outros momentos, choram intensamente, lamentando a condição de prematuridade do filho. Em muitas situações, as mães se sentem culpadas pela situação vivenciada pelo filho, sempre questionando o motivo da prematuridade e a sua incapacidade para gerar um filho perfeito. O terceiro estágio, o da barganha, é referido por Kübler-Ross (2005, p.87) como sendo uma fase em que se apela para religiões, na tentativa de um milagre, de obtenção de bênção e de cura. Considera este período útil às mães e familiares, embora seja por um curto espaço de tempo. A maioria das barganhas, pedidos e promessas é feito a Deus e aos santos no sentido de encontrar um lenitivo para o sofrimento e o milagre da cura. 67 Um grande número de pessoas tende a procurar alguma explicação de natureza religiosa ou mística para alcançar uma perspectiva de entendimento da situação. É comum às famílias recorrerem às promessas, orações e santos protetores, procurando manter a fé na resolução do problema, esperando um milagre mesmo quando se trata de algo grave. O quarto estágio é o da depressão e aparece quando não se pode mais negar a doença. A revolta e raiva darão lugar a um sentimento de grande perda. Kübler-Ross (2005, p.193) considera a depressão “Um instrumento na preparação da perda iminente de todos os objetos amados”. Nesta fase, o enfermeiro perceberá que nem sempre as conversas são desejáveis e que ele pode demonstrar o seu apoio ao sentar-se silenciosamente ao lado da mãe ou expressar seus sentimentos através de um gesto carinhoso, fazendo que elas sintam-se agradecidas pela solidariedade demonstrada. Kübler-Ross (2005, p.117) enfatiza, também, que somente os que conseguirem superar suas angústias e ansiedades serão capazes de alcançar o quinto estágio, caracterizado como o da aceitação e que os que tiverem tido tempo e ajuda, o atingirão na maioria das vezes. Nesta fase, não mais observaremos depressão e raiva. Assim, é importante que os profissionais de saúde conheçam as fases apresentadas pelos pacientes e/ou familiares frente a uma doença grave ou fatal para que possam compreender as fases apresentadas por mães de crianças pré-termo e saibam reconhecer aquela que a mãe está vivenciando, para que possam ajudá-la no processo de aceitação do filho. Espera-se que a fase de aceitação seja sempre alcançada e que as mães e familiares possam, assim, acolher o filho pré-termo e integrá-lo no cotidiano de suas vidas. Os estágios são vivenciados pelas mães de pré-termo e pela família de forma individual. É comum às mães vivenciarem mais de uma fase ao mesmo tempo, assim como retornar às fases anteriores durante o processo de 68 aceitação. Estes estágios têm duração variável, sendo freqüente, em todas as fases, as mães e os familiares mostrarem-se esperançosos quanto à “cura” da criança. Amaral (1995, p.88) considera, ainda, que os pais somente conseguirão assumir a criança à medida que aceitarem a perda dos sonhos projetados na gravidez. Pais e familiares deverão ter de contactar com suas perdas para que tenham condições de estabelecer sólidos vínculos com a criança. Capítulo 4 ABORDAGEM METODOLÓGICA Trata-se de um estudo descritivo, de natureza qualitativa, utilizando o método História de Vida. A História de Vida é um tipo de pesquisa qualitativa que permite colher informações na essência subjetiva da vida inteira de uma pessoa (ATKINSON, 1998). Sendo assim, esse método vai ao encontro do nosso objeto de estudo. Para se saber a experiência e perspectiva de um indivíduo, não há melhor caminho do que obter estas informações através da própria voz da pessoa. Quanto ao termo História de Vida, a língua inglesa dispõe de duas palavras para traduzir o vocábulo francês historie, que são story e history. Em 1970, o sociólogo americano Denzin propôs a distinção de terminologia, conforme esclarece Bertaux (1980, p.20) em life story e life history. Life story, a estória ou o relato da vida, que designa o relato de vida narrado tal como a pessoa vivenciou. O pesquisador não confirma a autenticidade dos fatos, pois o importante é o ponto de vista de quem está narrando. Life history é utilizada para aprofundar estudos sobre a vida de um indivíduo, como nos estudos de caso. Nestes, além da narrativa da vida, inclui-se todos os documentos que possam ser consultados, tais como prontuário médico, processo judiciário, testes psicológicos, testemunhos de familiares, amigos, entrevistas com pessoas que conhecem o sujeito ou a situação do estudo. Denzin (1984, p.42) afirma que: O propósito da investigação da estória de vida é revelar como as pessoas comuns dão sentido às suas vidas, dentro dos limites que lhes são concebidos. O problema mais importante da pesquisa de uma estória de vida é o da investigação de como as pessoas vivem o ciclo de acontecimentos chamado 70 tempo de vida, e o fazem imprimindo a própria marca ou assinatura. Uma História de Vida é a essência do que tenha acontecido a uma pessoa. O que é importante é que a história de vida seja contada no formato e estilo que sejam mais confortáveis para o narrador. Atkinson (1998, p.8) comenta que: A estória de vida sempre traz ordem e que está sendo contada, tanto para o ouvinte; considerado como um modo passado e o presente e um modo de para o futuro. significado para a vida narrador como para o de entender melhor o deixar legado pessoal Neste estudo, utilizou-se a life story, uma vez que os dados foram coletados diretamente com as mães de pré-termo, não havendo necessidade de confirmação de autenticidade do depoimento. O relato de vida é a única fonte de informação, sendo este dado definido pelo sujeito. Segundo Bertaux (1980, p.1), o relato de vida resulta de uma forma particular de entrevista, a entrevista narrativa durante a qual um pesquisador pede a uma pessoa denominada “sujeito”, para contar-lhe toda ou parte de sua experiência vivida. O ato de contar história é muito antigo; foi através da história que os elementos de vida foram transmitidos. Segundo Atkinson (1998, p.1): Contar histórias é uma forma fundamental da comunicação humana. Pode servir como uma função essencial em nossas vidas. Nós sempre pensamos na forma da história, falamos na forma da história e trazemos significados as nossas vidas, através da história. Contar histórias, na sua forma mais comum de todos os dias, é contar uma narrativa por conta de um evento, uma experiência, ou outro qualquer acontecimento. Nós podemos falar desses acontecimentos porque nós sabemos o que aconteceu. Isto é o conhecimento básico de um evento que permite e nos inspira a falar sobre ele. O método História de Vida utiliza-se das trajetórias pessoais no âmbito das relações humanas. Busca conhecer as informações contidas na vida pessoal de um ou de vários informantes, fornecendo uma riqueza de detalhes sobre o tema. Dá-se ao sujeito liberdade para dissertar livremente sobre uma 71 experiência pessoal em relação ao que está sendo indagado pelo entrevistador. A História de Vida é uma narrativa completa, agradável, de toda a experiência de vida como um todo, focalizando os mais importantes aspectos. Cada história de vida conterá uma visão de mundo pessoal, uma filosofia própria e sistema de valores pessoais. Para Atkinson (1998, p. 27): Os narradores de estórias de vida oferecem significados altamente pessoais, lembranças e interpretações próprias, fazendo do contar a estória de vida, uma forma de arte. O método História de Vida pode ser utilizado de diversas formas. Dentre elas, pode-se destacar: como autobiografia, entrevista biográfica e fonte de pesquisa, conforme proposta deste estudo. Glat (1989, p.32) destaca que uma característica fundamental deste método é que o pesquisador não tem controle da situação; ao contrário, todo o estudo é direcionado pelo entrevistado, a partir de sua visão de mundo, de como vivencia os fatos e de como interage com estes. Ressalta, ainda, que a diferença fundamental do método História de Vida para outras abordagens metodológicas, é que: O pesquisador terá que ter respeito pela opinião do sujeito, não sendo visto como objeto passivo de estudo. Pelo contrário, o pesquisador e o sujeito se completam e modificam mutuamente em uma relação dinâmica e dialética (GLAT, 1989, p.32). A utilização da história de vida como meio de pesquisa é muito utilizada na sociologia, antropologia e psicologia e, nos últimos anos, tem sido utilizada nas pesquisas na área de educação e enfermagem. É uma abordagem interdisciplinar para entender, não só uma vida através do tempo, como também como vidas individualmente interagem com o todo. Na enfermagem, o método História de Vida tem sido empregado na construção de dissertações e teses com enfoques diversificados, conforme se pode observar no quadro a seguir. 72 Autor SANTOS, R.S SILVA, M. G. A. A. ASSAD, L. G. SANTOS, I. M. M. RUBIO, S. A. R. GONÇALVES, L. R. R. RIBEIRO, M. G. MARQUES, C.O. MALUHI, M. VASCONCELOS CHAMILCO. R. A. S. I. SPINDOLA, T. SANTOS, C. SILVA, L. R. DIAS, I. M. A. V. SÃO BENTO, P. A. Objeto de Estudo Ano O significado para a mulher de ter um filho especial A percepção que a pessoa portadora de doença renal crônica, em tratamento hemodíalítico, tem a respeito de sua condição de vida. A trajetória de vida do cliente transplantado renal com doador vivo desde a opção pelo transplante até o primeiro ano após a cirurgia. A percepção materna do desenvolvimento do seu filho de 0 a 12 anos residente em uma favela. A percepção de mães de crianças com anomalia congênita em relação à assistência de saúde recebida. A percepção da mulher sobre DST A percepção da gestante HIV positivo em relação à soropositividade. Percepção das promotoras de saúde sobre seu papel social e suas relações desenvolvidas com as instituições de saúde e a comunidade de Villa el Salvador A percepção da mulher, profissional da equipe de enfermagem, como cliente, no exame ginecológico. A percepção da enfermeira obstetra sobre o cotidiano de sua prática assistencial As práticas obstétricas por parteiras tradicionais na assistência ao parto domiciliar. O cotidiano da mulher mãe-trabalhadora de enfermagem A visão da gestante de alto risco sobre sua condição de risco na perspectiva da Teoria Transculural de Madeleine Leininger Os fatores sociais e culturais que interferem no tratamento da sífilis na visão materna A percepção que a equipe de enfermagem tem de sua experiência profissional em atuar no nascimento de uma criança portadora de malformação congênita Rasgando o verbo: A voz de mulheres submetidas a episiotomia 1995 1996 1997 1998 1999 1999 2000 2000 2001 2001 2001 2002 2003 2003 2004 2005 Para Glat (1989, p. 32), a diferença fundamental do método de história de vida para outras abordagens metodológicas é que este método “tira o pesquisador de seu pedestal de dono do saber”. O entrevistador ouve o que o 73 sujeito tem a dizer sobre ele mesmo, o que ele acredita que seja importante sobre sua vida. Sujeitos do Estudo Os sujeitos deste estudo foram 20 mães de pré-termo que estavam acompanhando seus filhos internados na Unidade Neonatal e vivenciando a amamentação. Optou-se por realizar o estudo com estas mães, pois, devido à imaturidade do pré-termo especialmente os que têm idade inferior a 34 semanas, eles permanecem na Instituição por vários dias ou meses, o que permitirá uma maior vivência da amamentação em um “Hospital Amigo da Criança”, onde existe toda uma política voltada para a alta do bebê em aleitamento materno exclusivo. Cenário do Estudo Este estudo foi realizado em uma unidade neonatal de um Hospital Universitário de grande porte do Estado do Rio de Janeiro, que tem o título “Hospital Amigo da Criança” e é referência para gestante de alto risco. Como cenário, foi escolhido este Hospital, por atuar como enfermeira da unidade neonatal e ter sido o local onde surgiram minhas inquietações acerca da amamentação do pré-termo, já que esta unidade segue normas e diretrizes estabelecidas pelo Ministério da Saúde para promoção do aleitamento materno e tem como meta a alta do bebê em aleitamento materno exclusivo. No período da coleta de dados, dispunha-se de 08 vagas na unidade de terapia intensiva neonatal (UtI-neonatal) e 10 vagas na unidade intermediária neonatal (UI-neonatal) direcionadas, em sua maioria, aos recém-nascidos cuja mãe tenha realizado o pré-natal no hospital. A unidade neonatal tinha, integrando seu quadro, uma equipe multiprofissional composta por médicos, enfermeiros, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e técnicos de enfermagem. Até abril de 2006, havia 01 74 enfermeiro chefiando a unidade, 02 enfermeiros plantonistas e, em média, 5 técnicos de enfermagem. Era disponibilizado 01 quarto, próximo à unidade neonatal, com capacidade para abrigar 04 mães, que se encontravam de alta hospitalar, mas continuavam na Instituição para amamentarem o filho. As mães de pré-termo que ainda não haviam recebido alta da obstetrícia ou de outra especialidade médica permaneciam no alojamento conjunto. Na existência de vaga no alojamento conjunto, os bebês que estavam sendo amamentados, mas necessitavam permanecer no Hospital para realizar algum exame ou alcançar o peso mínimo de 2000 gramas, eram transferidos da unidade intermediária neonatal para o alojamento conjunto, até a alta hospitalar. . A partir de abril de 2006, a unidade neonatal foi ampliada, passando a disponibilizar de 9 leitos na UtI-neonatal e 14 leitos na UI-neonatal. No mesmo andar da unidade neonatal, 01 quarto foi construído e 15 poltronas reversíveis foram disponibilizadas para acomodar as mães que estivessem acompanhando seus filhos. A Autorização da Pesquisa Foi encaminhado ao Centro de Estudos do Hospital o projeto de doutorado solicitando-se autorização para a realização da pesquisa com as mães de pré-termo, bem como Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice 1), conforme a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde que dispõe sobre as Diretrizes e Normas Regulamentares de Pesquisa em Seres Humanos. Após avaliação do Comitê de Ética do Hospital, houve autorização, em abril de 2005 (Anexo 1), A Coleta de Dados A técnica adotada para obter os depoimentos foi a entrevista aberta mediada pela seguinte questão norteadora: “Fale o que você considera 75 importante a respeito da sua vida que tenha relação com a amamentação do seu filho pré-termo”. A entrevista, de acordo com Bertaux (1980, p. 20) “deve ser uma combinação de escuta atenta e questionamento porque o sujeito não relata simplesmente a sua vida, ele reflete sobre a mesma, enquanto conta”. Foram entrevistadas 22 mães de pré-termo que estavam amamentando seus filhos, internados na Unidade Intermediária Neonatal, no período de abril a novembro de 2005, porém, apenas 20 entrevistas foram utilizadas para análise. Ao realizar a primeira entrevista algumas interferências como indagações e orientações acerca de situações expressas por mãe de prétermo, foram cometidas por a pesquisadora, como, por exemplo, o aleitamento materno cruzado e utilização de substâncias para aumentar a produção do leite, por acreditar que as contribuições assistencialistas poderiam, naquele momento, contribuir para a saúde da criança e conhecimento das mães. Estava preocupada com o tempo de fala das mães e curiosa em saber sobre o que iriam abordar mediante o questionamento, e deste modo, a entrevista foi considerada contaminada, por este motivo não foi aproveitada para o estudo. No transcorrer da coleta de dados, perdi também uma entrevista, pois, ao fazer a transcrição, percebi que nada havia sido gravado, apesar de ter testado o gravador no início da entrevista. Isto reforçou a minha atenção para que, ao término de cada entrevista, me certificasse da existência de algum problema que pudesse interferir na gravação. Na entrevista embora o papel do entrevistador seja apenas de ouvinte, não deve conduzi-la como uma conversação, deve encorajar o entrevistado com assentimentos de cabeça e sorrisos. Este entendimento é corroborado por Atkinson (1998, p. 42) ao afirmar que “ouvir é um trabalho árduo que demanda concentração e atenção focalizada”. Para Bertaux (1980) a escuta deve ser atenta, mas não passiva. A experiência de campo ajudou-me a melhorar progressivamente a capacidade para entrevistar e escutar com atenção o que estava sendo dito; a 76 compreender, naquele momento, as palavras do outro, a dominar meus impulsos e fazer as perguntas certas no momento certo. Ao prestar profunda atenção no que as mães tinham para me dizer, fazia com que elas se sentissem importantes, contribuindo para o desenrolar das entrevistas. Ouvir bem significa ter respeito pela pessoa que está nos contando sua história de vida. Ficava atenta não somente às falas, mas também aos sentimentos expressos por elas, sempre respeitando seus momentos de silêncio. Atkinson (1998, p.44) nos fala que: “um silêncio, mesmo uma parada completa por alguns momentos, pode ser o tempo necessário para outras reflexões, um tempo para deixar pensamentos íntimos virem para fora”. Por ser enfermeira da unidade neonatal, foi possível fazer uma aproximação inicial com as mães desde a internação do recém-nascido prétermo, correspondente à ambientação. Inicialmente, após selecionar as mães que atendiam aos critérios do estudo através do prontuário dos recém-nascidos admitidos na Unidade neonatal, foi realizado um convite para participação, sendo lhes apresentados os objetivos e importância do estudo, havendo o aceite de todas as mães selecionadas. Em seguida, foi realizado agendamento de data e horário, de acordo com a preferência das mães e disponibilidade da entrevistadora. Bertaux (1980, p.15) ressalta a importância de o sujeito ser informado dos interesses de conhecimento do pesquisador, seja através deste, seja por um intermediário, no momento do primeiro contato. Para este autor “se o sujeito aceita a proposta, ela se transforma em pacto que será reiterado quando da frase que lançará a entrevista”. As entrevistas foram realizadas em uma sala de aula com acesso restrito, localizado próximo à unidade neonatal, o que permitiu que as mesmas transcorressem de forma reservada e sem interrupção. A proximidade da sala com a unidade neonatal deixou as mães mais tranqüilas e seguras. Inicialmente, foi apresentado e lido em conjunto com as mães o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, garantindo o sigilo e anonimato, 77 conforme Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, e apresentado o roteiro de identificação, contendo dados relacionados ao recém-nascido e à mãe (Apêndice 3). Após a assinatura do Termo de Consentimento, foi dado início às entrevistas. As entrevistas ocorreram no período da tarde, entre os horários das dietas, pois, no período da manhã, as mães participavam dos cuidados de higiene do filho e permaneciam na unidade aguardando a visita médica. Os depoimentos foram gravados em fita magnética, após consentimento escrito das mães. Para o método, a gravação em áudio ou em vídeo é fundamental, pois possibilita que todos os detalhes sejam registrados. Para Brioschi e Trigo (1987, p.831), o desenvolvimento tecnológico favoreceu a efervescência dos métodos qualitativos, na medida em que o uso do gravador substituiu, no campo, apontamentos manuscritos ou mesmo memorizados, de formas, muitas vezes, imperfeitas ou incompletas. A fim de garantir o sigilo e o anonimato, as mães de pré-termo foram identificadas com nomes fictícios. No período destinado à coleta de dados, houve redução de internação na unidade neonatal devido a problemas relacionados à infecção e restrição de material, o que inicialmente trouxe-me grande ansiedade. Por considerar que as entrevistas ocorreriam na fase de pré-alta do recém-nascido, para que todas as mães tivessem tido igual oportunidade de ter vivenciado o processo de amamentação no Hospital Amigo da Criança, deixei de entrevistar algumas depoentes, por terem recebido alta antes da data prevista, ou seja, antes dos bebês atingirem 2000 gramas. Desta forma, passei a acompanhar mais diretamente as mães, sujeitos do estudo, a fim de possibilitar o agendamento com maior segurança. Durante a coleta dos depoimentos, contei com a colaboração e apoio de enfermeiros, residentes e técnicos de enfermagem da unidade, que muitas vezes me telefonavam informando que a equipe médica havia decidido antecipar a alta do bebê. As entrevistas ocorreram sem determinação do tempo de duração. Santos et al (2004, p.28) afirmam que não há duração limite para que a 78 entrevista transcorra, podendo variar de acordo com a pessoa que conta a história e acaba quando a depoente não tem mais nada a acrescentar. Algumas vezes, há circunstâncias que prevalecem e podem limitar uma entrevista. Em alguns momentos, senti necessidade de estimular as mães para falarem mais sobre determinados aspectos por elas abordados e necessidade de trazer novamente a pergunta norteadora para que continuassem a falar de sua história. Atkinson (1998, p.530) comenta que algumas pessoas necessitam só de um impulso e de um ouvido atento para trazer sua história de vida até o fim, porém outras precisam de questões periódicas para continuar a contar sua história. Santos et al (2004, p.5) recomendam que o entrevistador “não deve trazer à tona nenhum tema que não tenha sido mencionado pelo entrevistado”. Caso a depoente aborde determinado assunto superficialmente, a entrevistadora deve estar atenta e estimular a falar mais sobre o assunto; Neste sentido, Santos et al (2004, p.4) afirmam que: O método História de Vida consiste em uma entrevista aberta, isto é, sem um roteiro pré-determinado, na qual se pede ao sujeito para falar livremente sobre sua vida, um determinado período ou aspecto dela. A partir de suas colocações, o entrevistador irá formulando questões ou tecendo comentários para esclarecer ou aprofundar determinado ponto, porém a direção da conversação e os tópicos a serem abordados são escolhas espontâneas do sujeito. Nos momentos que antecederam a entrevista, algumas mães mostraram-se ansiosas, preocupadas com o conteúdo das falas e em falar coisas que considerassem importantes para a entrevistadora. Imediatamente, estas mães foram orientadas a falar o que elas considerassem importante para elas e para a vida delas, esclarecendo-se que tudo que elas falassem, com certeza, seria relevante. Ao encerrar o processo de entrevista, agradecia a participação das mães e comentava o quanto tinha sido importante e significativo para mim a experiência de poder partilhar com ela a sua história de vida. 79 Ao término das entrevistas, pude observar que as mães estavam felizes e que toda aquela angústia e ansiedade inicial haviam sido substituídas por tranqüilidade. Algumas, inclusive, agradeceram a oportunidade de falar, referindo que a entrevista para ela tinha servido para um “desabafo”. Atkinson (1998, p.32) comenta que: Para a grande maioria das pessoas, dividir as estórias de vida é qualquer coisa que elas realmente querem fazer. Tudo que as pessoas precisam é de alguém para ouvi-las ou alguém que mostre interesse em suas estórias. Após cada entrevista, perguntava às mães se elas gostariam de ouvir a fita ou ler o material após transcrição para ver se alguma coisa necessitava ser acrescentada ou omitida, conforme recomenda Atkinson (1998). Apenas 02 mães solicitaram ouvir a entrevista, mas nada foi alterado. Na pesquisa qualitativa, não há determinação prévia do número de entrevistas. Bertaux (1980, p.21) propõe que se busque o ponto de saturação, que surge a partir de certo número de entrevistas, quando o pesquisador tem a impressão de não apreender nada de novo no que se refere ao objeto de estudo. A transcrição foi realizada logo após a realização da entrevista, pois, de acordo com Bertaux (1980, p.21), “a transcrição imediata permite organizar as idéias em relação ao questionamento e ponto de saturação”. Santos et al (2004) também recomendam que a transcrição seja feita imediatamente e que “a análise seja realizada ao longo da pesquisa”. Isto possibilita que os dados sejam organizados na medida em que forem sendo coletados. Atkinson (1998, p,33) recomenda que após a transcrição, o entrevistador deixe as perguntas e comentários do entrevistador e outras repetições fora e que somente as palavras das pessoas que contam a história permaneça, de modo que ela se torne mais fluente. Após cada transcrição das fitas magnéticas, ouvia novamente a gravação enquanto lia a transcrição, para ter a certeza de que não houve omissão, pois, quanto mais próximo o entrevistador estiver do próprio texto, 80 mais fácil será para identificar as categorias interpretativas e entender melhor o modo como a história foi contada. Poirier et al (1999, p. 58) comentam que: Através de re-escutas, assegurar-nos-emos de que o escrito é a reprodução muito fiel do falado. O discurso assim realizado reproduz fielmente o discurso registrado, com as suas repetições, os seus eventuais erros de linguagem, as pausas, suspiros, silêncios, etc. As interpretações ou perguntas do entrevistador são igualmente notadas com fidelidade, no momento em que ocorreram. Cada entrevista é datada e a sua duração assinalada. Análise dos Depoimentos A análise foi realizada de forma progressiva, contínua, durante toda a pesquisa, permitindo, assim, construir gradativamente a representação do objeto. Para Bertaux (1980, p. 53): A análise começa desde as primeiras entrevistas. A partir da escuta e análise das primeiras entrevistas e das informações recolhidas em outras que o entrevistador começa a dispor de uma representação mental. A organização do material recolhido, a sua sistematização e a sua condensação são necessárias. Poirier et al (1999, p. 67) orientam para que se efetuem as aproximações com as narrativas, anteriores ou ulteriores, de uma mesma situação, através de um sublinhado ou de jogos de cores, organizando-se os elementos que trazem os suplementos de informação que será preciso integrar no texto, de forma que, sem perder o seu caráter próprio, ele dê conta, por enriquecimentos sucessivos, do máximo de fatos expressos. Além disso, sugere que, em cada uma das frases, devem ser agrupados os temas que voltem em várias conversas e que constituem um núcleo temático em torno do qual, num inquérito por histórias de vida a informação vai se saturar, o que preparará o ordenamento temático. No presente estudo foi utilizado a técnica de caneta colorida para destacar as falas das depoentes. Em uma folha A4 foi estabelecido um título provisório, para que pudesse associar à cor utilizada no texto, passando-se, através das leituras, a procurar nas entrevistas a existência de falas que tivessem uma aproximação. 81 Foi utilizada a análise temática que, de acordo com Bertaux (2001, p.91) “consiste em reportar em cada relato de vida as passagens concernentes a tal ou qual tema, com o objetivo de comparar depois os conteúdos dessas passagens de um relato a outro". Esta fase demandou muito tempo e envolvimento para tentar captar os verdadeiros significados. Faz-se necessário que o entrevistador preste a maior atenção a tudo o que o surpreende, o incomoda, até mesmo o choca, porque estas reações espontâneas constituem os sinais de que o real não corresponde àquilo que se imaginava. Bertaux (2001, p.97) afirma que, na maioria das vezes, “os significados não são aparentes numa primeira leitura, entretanto eles emergem uns após os outros no curso de leituras sucessivas”. Cada leitura revela novos conteúdos. Inicialmente, a partir da leitura exaustiva dos depoimentos e escuta das falas, buscou-se identificar nas falas das mães de pré-termo aspectos destacados no texto considerados relevantes e, então, passou-se a procurar, nas entrevistas, partes dos depoimentos que se aproximavam, sendo realizado, portanto, a Codificação, o que originou 30 categorias preliminares. • Medo da morte do filho • Insegurança para cuidar do filho • Preocupação com a perda de peso • Valorização do peso pelo profissional • Desejo de engravidar • Preocupação com a amamentação • Conhecimento sobre o aleitamento materno • Experiência atual com a amamentação • Desejo de amamentar • Dúvidas sobre o aleitamento materno • Percepção sobre a amamentação • Medo de fazer perguntas ao profissional • Tristeza em ver o filho prematuro 82 • Experiência de cura • Participação e envolvimento do marido • Orientação do profissional • Interferência externa na amamentação • Amamentação e sistema sócio-econômico • Postura do Hospital em relação à amamentação • Reação materna em relação à obrigação de amamentar • Sentimentos e reações em relação à amamentação e hospitalização • O filho pré-termo e o impacto da UTI neonatal • Responsabilidade materna e a obrigação de cuidar e amamentar • Experiência pregressa com a amamentação • Não planejamento da gravidez • Experiência em ter um filho pré-termo • Percepção em relação ao hospital • Culpa pelo filho pré-termo • Preocupação com os outros filhos • Planejamento após a alta Após ter sido realizado a codificação, várias leituras das entrevistas foram realizadas, procurando associá-las às unidades temáticas, sendo reagrupadas, considerando-se a convergência e divergência do significado. Este processo é denominado segundo Bertaux (2001, p.92) como ‘análise comparativa (por temas)’. Desta forma a partir da re-codificação surgiram as seguintes categorias: 1- A gestação e o nascimento do filho pré-termo: Sentimentos maternos. 2- O processo de amamentação do pré-termo: A percepção materna. 3- Amamentando o filho pré-termo em um Hospital Amigo da Criança. 83 Os significados atribuídos pelas mães de recém-nascidos pré-termo à amamentação em um Hospital Amigo da Criança, a partir de sua História de Vida, foram analisados com base nos conceitos teóricos da Teoria do Cuidado Cultural de Madelaine Leininger, visto que os depoimentos revelaram que esta prática é influenciada por dimensões sociais e culturais, estando estes, portanto, inter-relacionados, conforme observado no modelo de Sunrise. Os conceitos teóricos de maternidade e formação do vínculo mãe-filho foram discutidos à luz da psicanálise, utilizando-se os seguidores da linha Freudiana – Winnicott, Bowlby e Klaus e Kennell, assim como trouxe para discussão o conceito de maternidade a partir da psicologia, com Maldonado. Os estágios vivenciados pelas mães quando do nascimento do filho pré-termo foram analisados a partir dos conceitos de Kübler-Ross. As mães de prétermos trouxeram nos depoimentos os aspectos relacionados ao período gestacional e o impacto pelo nascimento do filho diferente do idealizado. Estratégias adotadas pelo governo de Promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno foram discutidas na análise. Estas questões foram evidenciadas nos relatos, devido ao estudo ter sido realizado em um Hospital credenciado como Hospital Amigo da Criança. 32 anos 23 anos Ensino médio incompleto Cabeleireira 43 anos 41 anos 16 anos Ensino médio incompleto 23 anos 29 anos 33 anos Alice Ione Samanta Valéria Graça Marisa Paloma Fonte: Prontuário das 20 mães depoentes do estudo 6ª série Ensino médio completo Ensino médio completo 1ª série Ensino médio completo Ensino médio completo Professora 1º grau Vendedora Doméstica Estudante Téc contabilidade Doméstica Do lar Secretária Elisângela Ensino médio completo 34 anos Do lar Profissão Clara 5ª série Escolaridade 45 anos Idade Guadalupe Rio Bonito Caxambi Vila Isabel Jacarepaguá Irajá São João Meriti Curicica Mesquita Bairro que reside Vila Isabel Situação conjugal Com parceiro Com parceiro Com parceiro Com parceiro Com parceiro Com parceiro Sem parceiro Sem parceiro Com parceiro Sem parceiro Quadro 1 - Caracterização das Entrevistadas Cecília Nome pré-termo. 03 02 02 01 08 01 02 02 02 04 nº filhos 480,00 500,00 _ 4.000,00 900,00 3.800,00 1.935,00 300,00 1.800,00 Renda familiar 400,00 identificação das depoentes, mães de pré-termo e, no quadro 3, os dados de identificação dos recém-nascidos Para facilitar a compreensão do leitor, inicialmente apresentamos, nos Quadros 1 e 2, os dados de 31 anos 21 anos 43 anos 23 anos 36 anos 30 anos Vitória Noemi Amanda Marlene Mônica Fonte: Prontuário das 20 mães depoentes do estudo. Superior completo 5ª série Ensino médio completo 5ª série 5ª série 4ª série Arquivista Auxiliar fábrica Balconista Copeira Doméstica Manicura Do lar Luciana Ensino médio completo 21 anos Carmen Pérola 31 anos Ensino médio incompleto Promotora / venda 19 anos Fundamental completo Do lar Estudante Profissão Catarina Superior incompleto Escolaridade 27 anos Idade Rafaela Nome Rocha Caxias Caxias Queimados São João Meriti São João Meriti Nova Iguaçu Nova Iguaçu Sulacape Bairro que reside São João Meriti Situação conjugal Com parceiro Com parceiro Com parceiro Sem parceiro Com parceiro Com parceiro Com parceiro Sem parceiro Sem parceiro Com parceiro Quadro 1 - Caracterização das Entrevistadas (cont...) 01 03 01 04 01 04 01 01 01 01 nº filhos 2800,00 280,00 - 600,00 800,00 500,00 _ 300,00 1.800,00 Renda familiar 3.500,00 Conforme se pode observar, no quadro 1, a idade das 20 mães de recém-nascidos pré-termo entrevistadas variou entre 16 a 45 anos. Destas, 35% (07) estavam na faixa etária de 20 a 29 anos, 35% (07) na faixa etária de 30 a 40 anos, 20% (04) tinham idade superior a 40 anos e apenas 10% (02) tinham idade inferior a 20 anos. Quanto à escolaridade, 35% (07) completaram o ensino médio, 35% (07) não concluíram o ensino fundamental, 15% (03) não completaram o ensino médio, 5% (01) concluíram o ensino fundamental, 5% (01) concluíram o ensino superior e 5% (01) das entrevistadas ainda estão cursando o ensino superior. No que tange ao labor, 70% (14) das mães afirmaram trabalho; sendo 15% (03) como domésticas, 15% (03) como vendedoras e as demais - com igual percentual cada (5%) têm profissões variadas. Em relação à situação conjugal, 70% (14) referiram ter um parceiro e 30% (06) referiram não ter. O número de filhos variou entre um (01) e oito (08); 45% (09) tinham apenas 01 filho, 25% (05) tinham 02 filhos, 15% (03) tinham 04 filhos, 10% (02) possuíam 02 filhos e somente 5% (01) aludiram ter 8 filhos. No que concerne à renda familiar 50% (10) referiram dispor de uma renda familiar abaixo de R$1.000,00, 20% (04) acima de R$2.000,00, 15% (03) entre R$1.000,00 e R$2.000.00 e 15% (03) negaram possuir alguma renda. Das 20 mães entrevistadas, 50% (10) residem na Baixada, 35% (07) na Zona Norte, 5% (01) na zona Oeste, 5% (01) na Zona da Leopoldina e 5% (01) em Rio Bonito. No quadro 2, são apresentadas: história obstétrica, intercorrências gestacionais e doença atual das 20 mães de recémnascidos pré-termo, bem como o tempo de permanência no hospital. . - IV - I / II* II / II I/I VIII / VIII I/I II / II II / II VII / III I/I I/I I/I I/I IV / IV I/I IV / IV I/I II / III* I/I Elisângela Alice Ione Samanta Valéria Graça Marisa Paloma Rafaela Catarina Pérola Carmen Luciana Vitória Noemi Amanda Marlene Mônica Hipertensão Hipertensão arterial; asma Artrite reumatóide Úlcera gástrica Hipertensão Hipertensão; IRA Doença atual Hipertensão Ameaça de parto prematuro Hipertensão - Hipertensão; amniorrex prematura Sangramento; amniorrex prematura Pré-eclâmpsia Amniorrex prematura Amniorrex prematura Hipertensão; eclampsia Amniorrex prematura Hipertensão; insuficiência renal aguda Hipertensão; SAAF Hipertensão; SAAF Hipertensão; pré-eclâmpsia Hipertensão Diabetes; hipertensão Diabetes; hipertensão; febre reumática; coréia Lúpus Lúpus Hipertensão Hipertensão DHEG; pré-eclâmpsia Hipertensão Amniorrex prematura; DHEG Hepatite C Hipertensão; pré-eclâmpsia Hipertensão Hipertensão; pré-eclâmpsia Hipertensão arterial; oligodramnia Intercorrências Gestacionais 28 dias 23 dias 26 dias 30 dias 46 dias 37 dias 32dias 19 dias 10 dias 19 dias 15 dias 20 dias 21 dias 19 dias 63 dias 20 dias 40 dias 61 dias 75 dias 36 dias Tempo de permanência no hospital Fonte: Prontuário das 20 mães depoentes do estudo. Legenda: * - Gemelaridade Doença Hipertensiva Específica da Gravidez (DHEG) Síndrome do anticorpo antifosforolipídico - SAAF - - - I IV / IV III / II Cecília Clara Natimorto Gesta/Para Identificação Paridades Aborto Quadro 2 - História Obstétrica, Intercorrências Gestacionais e Doença Atual Das 20 mães entrevistadas, 55% (11) são multíparas e 45% (09) são primíparas; sendo que apenas 10% (02) referiram história de aborto. Dentre as intercorrências obstétricas apresentadas pelas entrevistadas, 70% têm hipertensão arterial; destas, 30% evoluíram com diagnóstico de préeclâmpsia, favorecendo o nascimento do recém-nascido pré-termo. No momento da entrevista, no que tange ao tempo de permanência no hospital referido pelas mães de pré-termo, 40% (08) informaram que já estavam no hospital há mais de 30 dias, 35% (07) entre 20 a 30 dias e apenas 25% (05) encontravam-se no hospital há menos de 20 dias. Se relacionarmos o tempo de internação das mães (quadro 1) com o tempo de internação do recémnascido, conforme mostra o quadro 3, podemos identificar que 45% (09) das mães necessitaram ser hospitalizadas até o nascimento do filho, devido às intercorrências apresentadas no período gestacional. Conforme se observa no quadro 2, 75% (15) das mães referiram um problema de saúde. No quadro 3, estão sintetizadas as informações relativas à história dos pré-termo, filhos das mães que participaram do nosso estudo. Pode-se identificar que o período de nascimento dos filhos das 20 entrevistadas variou entre janeiro a outubro de 2005. Do total de recémnascidos (22), 86% (19) nasceram com idade entre 30 a 34 semanas e 6 dias de idade gestacional, avaliada pelo Ballard, sendo considerados prematuros moderados e 14% (03) com idade inferior a 30 semanas de idade gestacional, sendo considerados prematuros extremos. O total de recém-nascidos (22) justifica-se pelo fato de 02 mães terem parido gemelares, conforme mostra o quadro 3. Na data da coleta de dados, 45% (10) destes recém-nascidos encontravam-se com idade gestacional corrigida entre 35 a 36 semanas e 6 dias, 41% (09) com idade gestacional corrigida abaixo de 34 semanas e 14% (03) com idade superior a 37 semanas, sendo considerados a termo. Do total de recém-nascidos (22), 59% (13) apresentaram APGAR acima de 7 no 1º minuto de vida, indicando boa vitalidade; 27,24 % (06) Apgar entre 4 e 6, apontando asfixia moderada, e 13,62 % (03) APGAR inferior a 3, indicando quadro de asfixia grave. A maioria destes recém-nascidos pré-termo, 81,72% (18), nasceu com peso entre 1000 a 2000 gramas. Quando da entrevista com as mães, 72,64% (16) ainda encontravam-se com peso entre 1000 a 2000 gramas e os demais, 27,24% (06), já apresentavam peso superior a 2000 gramas. 40,86% (09) dos recém-nascidos encontravam no hospital por um período compreendido entre 20 a 30 dias, 36,32% (08) a menos de 20 dias e 22,7% (05) a mais de 30 dias. Dentre as causas de internação, a prematuridade encontrava-se em 100% (22) dos casos. 25/01/2005 18/03/2005 27/05/2005 27/05/2005 06/04/2005 04/05/2005 23/05/2005 25/05/2005 03/07/2005 28/06/2005 04/06/2005 Fº Cecília Fº Clara Fº Elisângela Fº Elisângela Fº Alice Fº Ione Fº Samanta Fº Valéria Fº Graça Fº Marisa Fº Paloma 28s 30s 32s 28s 34s 34s e 2d 33s e 3d 32s 32s 30s 28s e 3d Ballard 36s e 6d 33s e 4d 34s e 2d 35s e 3d 36s e 5d 36s 34s e 3d 34s 34s 34s e 6d 41s e 3 d Idade Gestacional Corrigida 5e8 5e7 6e8 2 e 10 8e9 4e8 8e9 8e9 8e9 6e9 3/5/7 APGAR 965g 1450g 1435g 1225g 2480g 1575g 1890g 1760g 1895g 1270g 925g Peso Nascimento 1950g 1675g 1705g 2595g 2570g 1985g 2050g 1755g 2020g 1940g 2570g Peso Atual 61 dias 26dias 20 dias 51 dias 19 dias 21 dias 18 dias 15 dias 15 dias 36 dias 75 dias Tempo de Internação PMT; DRP; DMH, asfixia PMT; DRP; DMH, asfixia PMT; DRP, icterícia PMT; DRP; DMH, asfixia, infecção PMT, DRP Prematuridade PMT, infecção PMT, DRP PMT, DRP PMT; DRP; DMH PMT; DRP; DMH, asfixia, infecção História da Internação LEGENDA: (PMT) – Prematuridade; (DRP) - Desconforto respiratório precoce; (DMH) – Doença de membrana hialina; (PIG) – Pequeno para a idade gestacional; (Fº). – Filho de (Depoente) Data do Nascimento Nome Quadro 3 – Dados de Identificação do Pré-termo 22/07/2005 28/07/2005 20/07/2005 16/07/2005 01/08/2005 09/07/2005 15/08/2005 22/09/2005 29/09/2005 29/09/2005 21/10/2005 Fº Rafaela Fº Catarina Fº Pérola Fº Carmen Fº Luciana Fº Vitória Fº Noemi Fº Amanda Fº Marlene Fº Marlene Fº Mônica 33s e 6d 32s 32s 30s 32s 33s e 4d 32s 32s 32s 36s 32s Ballard 35s e 5d 35s 35s 36s e 1d 35s e 2d 36s e 2d 34s e 3d 38s e 6d 34s e 4d 37s e 2d 34s e 1d Idade Gestacional Corrigida 3e9 7e8 8e9 7e8 8e9 4e7 8e9 7 e 10 8e8 7e9 9 e 10 APGAR 1385g 1995g 2020g 1445g 1530g 1130g 1760g 1680g 1610g 1905g 1805g Peso Nascimento 1825g 1855g 1995g 1885g 1990g 2010g 1815g 1910g 1750g 1800g 1800g Peso Atual 28 dias 22 dias 22 dias 30dias 23 dias 45 dias 18 dias 26 dias 19 dias 10 dias 15 dias Tempo de Internação PMT, DRP PMT, DRP, PIG, Síndrome de Down PMT, DMH, PIG, distensão abdominal, icterícia, PIG PMT,DRP, DMH PMT,DRP, infecção perinatal PMT, PIG, sofrimento fetal PMT, hipoglicemia PMT,DRP, icterícia, infecção PMT,DRP PMT, PIG, hipoglicemia, icterícia PMT, icterícia História da Internação LEGENDA: (PMT) – Prematuridade; (DRP) - Desconforto respiratório precoce; (DMH) – Doença de membrana hialina; (PIG) – Pequeno para a idade gestacional; (Fº). – Filho de (Depoente) Data do Nascimento Nome Quadro 3 – Dados de Identificação do Pré-termo (cont...) Capítulo 5 ANÁLISE DOS RELATOS DE VIDA A Gestação e o Nascimento do Filho Pré-termo: Sentimentos Maternos A História de Vida de mães de recém-nascido pré-termo internados na Unidade Neonatal evidenciou que a prematuridade, para estas mulheres, é um fato marcante, preocupante e que envolve a quebra de um ideal imaginário de um bebê saudável. O impacto é tão maior quanto mais distante for o bebê real do imaginado pela mãe. Durante a gravidez, amoldam-se inúmeras expectativas e projetam-se planos em torno do filho que está sendo gerado. A mulher vive um período crítico de transição e de transformações, não apenas fisiológicas, mas psicológicas e sociais, nos três trimestres de gestação. Da suspeita à confirmação do diagnóstico, a mulher vivenciará cada situação de forma diferenciada. Neste estudo, das 20 mulheres entrevistas, 15 gestantes foram consideradas de risco, com doenças pré-existentes, como hipertensão arterial, diabetes, lupus, o que aumenta o risco durante a gravidez e contribui para o nascimento de bebês antes da data provável do parto; apenas 01 referiu que, no pré-natal, o médico havia conversado sobre a possibilidade do nascimento do filho antes da data provável do parto. Independentemente de ser gestante de risco ou não, 05 depoentes relataram que, em determinado período da gestação, ficaram preocupadas com o desenvolvimento do feto, com medo da existência de alguma anormalidade, mas não aventaram a possibilidade do nascimento pré-termo, como se observa nos relatos: Na verdade, eu não sabia que ele seria prematuro porque na ultrasonografia não dava nada não, não dava nada, dava tudo normal, normal. No exame a idade era compatível com a gestação, dava tudo normal, mas ele nasceu prematuro. (Ione) Não passava na minha cabeça que o meu filho seria 93 prematuro, eu nunca havia pensado nisso e não conhecia ninguém que tinha tido bebê prematuro. (Samanta) Klaus e Kennel (1993) e Maldonado (1997) consideram que, durante o período gestacional, especialmente no 1º e 3º trimestres, as mulheres podem apresentar medo e angústia em relação à possibilidade da existência de algum problema com o desenvolvimento do filho. Os temores específicos da maternidade, muitas vezes, se expressam em sonhos e fantasias conscientes antes do parto, porém logo dão lugar às expectativas de se ter um bebê saudável e bonito, conforme esperado pela sociedade e pela própria mulher. Todavia, nem sempre os pensamentos negativos são compartilhados, nem mesmo com o marido; as mulheres tendem a guardar para si os seus sentimentos e pensamentos. O bebê imaginário é a figura de um bebê normal, com padrões de beleza instituídos. A mulher passa a projetar no filho, ainda no útero, expectativa em relação a um futuro, muitas vezes diferente do vivenciado por ela. Os sentimentos em relação ao filho normalmente acontecem após as primeiras manifestações de vida do bebê, com a sensação de movimento fetal, que ocorre no 2º trimestre (KLAUS e KENNEL,1993). Neste momento, há a concretização da gravidez para a mulher e ela passa a identificar o feto em crescimento como uma parte integrante de si mesma. Considera-se que a gestante, neste período, poderá aceitar melhor sua gravidez e mostrar algumas mudanças significativas em seu comportamento com relação ao feto. Os bebês não planejados e não desejados podem ser mais bem aceitos. Maldonado (1997) refere que a percepção da gravidez, para algumas mulheres, pode ocorrer antes da confirmação pelo exame clínico e, até mesmo, antes da data em que deveria ocorrer a menstruação, fato que foi relatado por uma das mães, conforme relato abaixo: Quando eu estava grávida, logo no início, eu senti alguma coisa diferente dentro de mim. Não sei te falar o que era, mas senti uma sensação diferente, tinha certeza que estava grávida, mas não tive coragem de falar para ninguém; só mesmo depois que confirmou, para não gerar expectativa e ser 94 em vão. (Ione) O receio de Ione falar sobre a possibilidade da gestação antes da confirmação foi evidente no relato, o que pode estar relacionado ao fato de ser primípara idosa, 43 anos. Não foi abordado por ela se a gravidez havia sido planejada. Acompanhando as mulheres, mães de pré-termo, ao longo dos anos, observa-se que a maioria das mulheres que, durante a gravidez, pensaram na possibilidade do aborto ou tentaram abortar, ao ouvir pela primeira vez os batimentos cardio-fetais, decidiu não mais interromper a gravidez e vivenciou todo o processo de gestação cercada de culpa e medo pela possibilidade de ter causado algum transtorno para o filho. Observações e estudos realizados por Klaus e Kennel (1993), sobre gestantes de alto risco, evidenciaram que sua resposta em relação à gravidez ocorre de forma individualizada. Muitas desenvolvem um medo exagerado de que o bebê no útero não seja normal, podendo gerar problemas específicos para a mãe na aceitação e conforto inicial do seu filho após o nascimento. De certa forma, a gestação ocorre, na maioria das vezes, sem maiores problemas; gestam-se expectativas e amoldam-se projetos para acolher o filho, mesmo que este não tenha sido planejado. Maldonado (1997) comenta que sempre estão presentes, em maior ou menor graus, os temores de parto prematuro ou de malformações, porém, quando efetivamente isto acontece, gera-se no âmbito familiar o susto pelo inesperado e a quebra do ideal de se sair do hospital com o bebê no colo. O parto prematuro, tendo como resultado o nascimento de uma criança pequena e frágil, altera o ritmo natural que envolve o nascimento de uma criança, podendo provocar alterações na dinâmica familiar e nos relacionamentos pessoais. Projetos, expectativas e sonhos se desfazem e a mãe passa a vivenciar uma fase crítica, permeada de intensas dúvidas e incertezas. Diferentes autores, como Amaral (1995) e Kübler-Ross (2005), discutem um ciclo de adaptações dos pacientes e/ou familiares após a constatação de 95 uma malformação ou de uma doença grave ou fatal, o que também tem sido relatado quando do nascimento do pré-termo, por Klaus e Kennel (1993). As mães de pré-termo vivenciam a morte do filho imaginário e apresentam um choque inicial, pois o filho real, pela prematuridade, em nada preencherá a sua fantasia do período gestacional. Um estudo realizado com a dupla, pai-mãe evidenciou que a maioria das famílias que havia tido bebês pré-termo apresentava reações de luto análogas àquelas dos pais cujos bebês haviam morrido. (KLAUS E KENNEL, 1993). É necessário, então, viver o processo de luto daquele filho perdido, para que se torne possível receber o filho real. A não elaboração desse luto, para Klaus e Kennel (1993), pode, inclusive, impedir o estabelecimento do vínculo da mãe com o bebê real. Kübler-Ross (2005) descreve os estágios como negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação. Nem todos os estágios ocorrem nessa ordem e nem todos os indivíduos alcançarão o último estágio, conforme observado nos depoimentos. O estado de choque apresentado pelas mães no nascimento do filho pré-termo surge no primeiro estágio, descrito por Kübler-Ross (2005) como de negação. Normalmente, a negação é uma defesa temporária, sendo logo substituída por uma aceitação parcial. Gradativamente, a mãe do recémnascido pré-termo recupera-se do impacto inicial e elabora a figura do bebê real. Nesta fase, pode-se observar o desejo de fugir da realidade, na tentativa de negar o problema, assim como pode apresentar intensos sentimentos de tristeza, reação emocional mais comum, consoante se observa no relato: Eu só fui ver o meu filho 3 dias depois do nascimento, porque eu não agüentava. Eu estava muito chorosa, muito chorosa, chorava a toa. Só em entrar na UTI e olhar para a cara dele, me dava vontade de chorar..[...] no 3º dia a psicóloga me levou para eu ver o bebê. [...].. eu chorava muito, olhava para a carinha dele e não conseguia passar a mão nele e nem 96 conversar com ele. Eu não sei explicar o que acontecia. Dava uma tristeza, me dava vontade de chorar. (Pérola.) A equipe de saúde, não apenas o psicólogo tem uma importante participação no interagir com essa mãe, nesta fase. Mesmo que, num primeiro momento, ela não tenha vontade de falar, desenvolverá um sentimento de confiança no profissional por encontrar, num ambiente estranho do seu contexto social, alguém solícito, disposto a ajudá-la. Foi relatado pela depoente Pérola que, desde os 15 anos de idade, já pensava em ficar grávida. Teve três gravidezes psicológicas, inclusive chegando a internar-se na penúltima gravidez para ter o filho, quando foi informada de que não havia nenhum bebê. Este acontecimento a deixou transtornada, sem acreditar mais na possibilidade de engravidar, conforme relatado abaixo: Eu comecei a pensar em engravidar só aos 15 anos, pois antes eu ficava com medo de fazer saliência. Normalmente eu descobria que não estava grávida só aos cinco meses. Os sintomas eram os mesmos. Sentia até mesmo ele se mexendo na minha barriga, igual se tivesse grávida. Todo mundo que botava a mão na minha barriga sentia ele se mexendo. Quando o médico falava que eu não estava, o mundo se acabava para mim. (Pérola) Foi evidente também, em alguns relatos, o segundo estágio descrito por Kübler-Ross (2005). A raiva e o ressentimento normalmente aparecem quando não é mais possível negar a situação. A mãe de pré-termo passa, então, a questionar porque aquela situação foi acontecer logo com ela, como mostra o relato: Foi muito difícil no começo e hoje em dia, assim, eu já pego ele, mas fico pensando: ‘Puxa, meu Deus, 03 meninas, assim normais e aí vem esse prematuro’. Tem hora que é difícil; tenho vontade de ir para casa. Tem hora que eu nem sei, nem sei o que penso. (Cecília) A depoente Cecília, inicialmente, não permaneceu no hospital, comparecia poucas vezes para visitar o filho, apesar de morar próximo, não demonstrando muito envolvimento com ele. Sua atitude, muitas vezes, não 97 era compreendida e pouco aceita pelos profissionais de saúde que atendiam a esta mulher. Nesta fase, as mulheres, às vezes, referem sentirem raiva de si mesmas, devido à condição do filho. Os seus ressentimentos relacionam-se ao medo de que alguma coisa que ela tenha feito ou tenha deixado de fazer, durante a gravidez, possa ter afetado o bebê e provocado a prematuridade, por isso sente-se culpada, conforme afirma Klaus e Kennel (1993) e observase no depoimento: Está sendo uma experiência difícil; está sendo muito difícil. Eu não consigo ver de outra forma, a culpa é minha. Talvez eu não tenha me prevenido, não tenha evitado certos alimentos. (Luciana) Kübler-Ross (2005), inclusive, aponta que nesta fase, a raiva pode ser contra tudo e contra todos, muitas vezes sem razão de ser, tornando-se difícil lidar com as mães. Os depoimentos revelaram que, durante a hospitalização, em determinados momentos, as mães de pré-termo mostraram-se muito irritadas, angustiadas e com raiva da postura e conduta de alguns membros da equipe de saúde em relação à amamentação. Desta forma, ressalta-se a importância de aquele que atua com essas mulheres tentar compreender, inicialmente, o significado do nascimento deste bebê pré-termo para elas, a fim de poder ajudá-las. No entendimento de Brito (2004, p. 55): O profissional precisa estar atento para saber decodificar, decifrar e perceber o significado das mensagens enviadas, para só então estabelecer um plano de cuidados adequado e coerente. Para isso é necessário estar atento à comunicação verbal e não-verbal do familiar. Atrelado à frustração do sonho de se ter um bebê normal, vem o medo de que o pré-termo não sobreviva, verbalizado pela maioria das depoentes durante a entrevista, como, por exemplo, nos relatos a seguir: Gente, o meu filho não vai resistir. Eu pensava que ele não fosse conseguir sobreviver. Mesmo com a confiança, tinha um negócio lá no fundo que me fazia pensar que o meu filho não 98 iria resistir, não iria conseguir sobreviver porque ele era muito miudinho e respirava cansadinho. ((Pérola) Meu Deus do céu, ele deve estar com alguma coisa grave; ele não vai sobreviver! A gente pensa muita coisa ali dentro; bate um desespero, dá uma angústia, que eu nem ei como te explicar. (Carmen) Algumas mulheres hesitaram, no início, em se aproximar do filho, com medo de ligar-se a ele e vir a perdê-lo, em estreitar uma relação de afetividade. Algumas, inclusive, adiaram a ida à unidade neonatal, por não acreditarem na sobrevivência do filho. Este nascer diferente freqüentemente é muito complicado, pois, na maioria das vezes, os bebês pré-termo são encaminhados diretamente à UTI neonatal e a mãe não poderá recebê-lo no alojamento conjunto. Este é um momento difícil, bem como receber alta, não poder levar o filho para casa e ter que permanecer no hospital. Assim como referenciado pelas mães de pré-termo, Miele (2004), ao contar sua vivência com um filho internado na UTI-neonatal em decorrência de uma malformação cardíaca, reforçou o quanto é difícil para as mães serem separadas de seus filhos logo após o nascimento, vendo as outras mães com os filhos, recebendo visitas, flores e ela ali, sozinha, tendo o medo e a incerteza como companheiros constantes. Há de se considerar que, normalmente, as mulheres vivenciam o 3º trimestre de gestação com muita ansiedade. Maldonado (1997, p.27) afirma que esta ansiedade tende a elevar-se ainda mais com a proximidade do parto e a perspectiva de mudança na rotina de vida após o nascimento do filho. As mulheres apresentam sentimentos contraditórios: querem logo que a criança nasça ou demonstram uma vontade de prolongar a gravidez para, desta forma, adiar as novas adaptações, conforme se nota no relato: Tem horas que vai dando uma agonia, parece que o tempo não passa, nunca chega os 9 meses. Vai dando uma ansiedade, talvez por ser o meu primeiro filho. Às vezes eu fico horas e horas pensando como será depois que ele nascer, quanta coisa vai mudar na minha vida; logo eu que gostava de fazer tanta coisa e não tinha compromisso para nada Eu não sei se 99 você entende: Da mesma forma que eu quero ver logo ele, pegar ele, bate uma coisa que eu não sei como te explicar e aí dá vontade de ficar mais tempo com a barriga. Dizem que depois que a criança nasce, nunca mais a sua vida será a mesma, nunca mais conseguirá dormir tranqüila. (Rafaela) Em contraste com a gravidez, que tem uma evolução lenta permitindo que gradualmente as diversas mudanças ocorram, o parto é um processo abrupto, introduzindo rapidamente intensas mudanças. Com o nascimento do filho pré-termo, a mulher deixa de vivenciar esta fase e começa a enfrentar uma nova situação: passa de uma forma repentina, da condição de gestante para a condição de mãe de um bebê pré-termo, o que pode gerar ainda mais ansiedade. As mães de pré-termo passam a conviver com a rotina de uma UTI, confrontam seus limites, sem terem sido preparadas para essa tão difícil fase. De uma hora para outra, são absorvidas para esse universo tão novo, estranho, repleto de termos técnicos, procedimentos invasivos e previsões incertas. Para Klaus e Kennell (1993) e Maldonado (1997), mesmo quando nasce um bebê saudável e a termo, os pais têm que fazer um ajuste entre o bebê imaginário e o bebê real. Os pais de pré-termo enfrentam, em grau muito maior, a diferença entre o esperado e o real, bem como o trabalho do luto pelo ideal perdido, no caminho de adaptação a uma realidade com muitas frustrações, como evidenciado pelo depoimento: Eu demorei a me aproximar dele, entendeu? Quando eu o vi ali na incubadora eu já ficava nervosa, parecia até um ratinho. Gente parece um rato este garoto! Sabe assim foi muito difícil, no começo foi muito difícil eu chegar perto dele e pegar ele; eu não consegui pegar ele... demorei a chegar perto dele, porque ele era muito pequeno, me dava nervoso, me dava aflição, não que eu tivesse rejeitando ele, entendeu? (Cecília) Os diversos relatos revelaram que, com o nascimento do bebê prétermo, a mãe apresenta sentimentos ambíguos, especialmente nos primeiros dias de vida do filho, pois, durante a gravidez, ela elabora um retrato mental do filho, mas o bebê que nasce jamais é como o bebê retratado mentalmente, 100 mesmo que não seja pré-termo. O parto prematuro traz uma profunda sensação de quebra da continuidade. Surge, na maioria das vezes, inconscientemente, a sensação de incapacidade e culpa por ter tido o filho antes da época; é a sensação de insuficiência, que se reflete também no medo de acabar o leite e de não conseguir alimentar o filho, da mesma maneira que não conseguirem completar o tempo de gestação. A partir das observações e dos relatos das mães de pré-termo, pode-se afirmar que a ansiedade e a culpa foram muito evidentes. A mãe mostra-se apreensiva com a sobrevivência de seu filho e o sentimento de culpa aumenta mais ainda sua ansiedade. Ao relacionar as fases descritas por Kübler-Ross (2005) e as reações apresentadas pelas mães de pré-termo, observa-se que a culpa, muito presente no segundo estágio, estava sendo vivenciada e verbalizada pela maioria das mães destes pequenos. A frustração de não conseguir levar a gravidez até o final gera, com freqüência, conforme identificada nas histórias das mães de pré-termo, a sensação de impotência e a certeza de que tiveram alguma parcela de culpa. Atribuem o nascimento do filho pré-termo ao seu problema de saúde, consoante podemos observar com o relato de Luciana: Está sendo uma experiência difícil, está sendo muito difícil para mim. Eu me culpo a toda hora; acho que se eu tivesse uma saúde legal ele não teria nascido prematuro; eu acho que a culpa é minha. Eu me culpo o tempo todo e eu não consigo ver de outra forma; a culpa é minha... eu não aceito, não consigo aceitar o meu filho ser prematuro; não consigo aceitar isso. Eu tento, mas não consigo... ele sofreu muito na UTI, toda hora sendo furado, toda hora. Então, eu me vejo como culpada. (Luciana.) Neste momento, considera-se relevante que a equipe de saúde que lida com esta mulher não elabore julgamentos ou críticas, de modo a não aumentar a ansiedade nem reafirmar o sentimento de culpa pela condição do filho, o que poderia contribuir para o afastamento e o adiamento na formação do vínculo com o bebê. 101 Durante a entrevista com Luciana, observou-se, também, muita tristeza e angústia, especialmente ao abordar a tentativa de aborto, pois nem ela e nem o marido haviam planejado a gravidez. Diante do diagnóstico da gravidez, fez uso de diversos medicamentos e produtos indicados por amigas, causando um intenso sangramento por um período de um mês, mas não a expulsão do feto. Então, iniciou o pré-natal apenas aos cinco meses de gestação. Ao relatar a sua História de Vida, abordou sobre a gestação anterior, reforçando que, mesmo à época, já sendo hipertensa, havia conseguido conduzir a gravidez até os 9 meses, por ter realizado o pré-natal desde o início e seguido todas as orientações médicas. Atrelada a todos esses acontecimentos, Luciana mostrou-se, também, muito angustiada e deprimida, ao relatar que durante a gravidez havia verbalizado o desejo de que o filho nascesse antes de 9 meses, por não agüentar carregar a barriga, conforme demonstra o relato: Eu também ficava brincando assim: “Ah, a gente podia escolher o tempo da gestação; se pudesse escolher eu queria ter agora aos sete meses”. Eu ficava falando isso todo o dia. “Não agüento mais carregar esta barriga!” Então isso está na minha cabeça, sabe! Pode ser uma coincidência, mas isso está na minha cabeça porque eu falava isso direto para o meu marido, minha cunhada. “Ah, se ter neném de sete meses não fosse complicado, eu queria ter de sete meses porque eu estou irritada com esta barriga”. Eu sentia falta de ar para dormir, indisposição, estava sem paciência com a barriga. (Luciana) É possível compreender as questões abordadas por Luciana no que se refere ao não desejo de engravidar. Ao contar a sua História de Vida, deixou claro que o fator sócio-econômico, associado ao problema de saúde havia sido decisivo para a tomada de decisão em relação ao aborto, que, no momento, estava conduzindo-a ao desespero e contribuindo para aumentar o sentimento de culpa. Pôde-se apreender, não apenas com a História de Vida de Luciana, mas também com as demais histórias, que a condição de se ter um filho prétermo acarreta profundas alterações intra e interpessoais, permitindo uma 102 série de reflexões e modificações no modo de ser das mães. Uma atitude inicial de rejeição pode dar lugar a uma atitude predominante de aceitação do filho, conforme identificado em alguns depoimentos. A mãe do pré-termo, independentemente de ter ou não planejado a gravidez, sente-se a principal responsável por tudo que estiver relacionado ao filho e na obrigação de fazer o melhor por ele. Em nenhum dos relatos, houve referência das mulheres à tentativa de atribuir à responsabilidade e/ou a culpa pela condição do filho ao marido. Paralelamente à imagem idealizada e aos mitos criados sobre a maternidade, está o mito da “Mãe Perfeita”, completamente devotada, não só aos filhos, mas ao seu papel de mãe, sendo a culpa o segundo instrumento de imposição que recai sobre as mulheres. A culpa ficou tão fortemente atrelada à maternidade que é considerada por todos como um sentimento natural. Normalmente, as mulheres sentem-se culpadas porque o grupo social as faz se sentir assim. Em nossa sociedade ocidental, como na maioria das sociedades, as mulheres não apenas geram os filhos, elas também assumem a responsabilidade pelo cuidado do filho. Tudo relacionado ao filho é centrado de imediato na mãe, não havendo, na maioria das vezes, recusa em assumir este papel e, conseqüentemente, a responsabilidade por tudo que estiver relacionado à criança. O ideal maternal se baseia numa crença no que é natural, em noções de instinto maternal, ou seja, todas as mulheres são feitas com o mesmo molde, com as mesmas respostas biologicamente determinadas. Entretanto, houve períodos na história em que as mulheres pareciam não ligar para o filho. Era comum mandar o filho recém-nascido para a casa de uma ama-deleite, e o infanticídio era usado como modalidade de planejamento familiar, segundo Badinter (1985). Analisando o contexto histórico de tal época, o comportamento das mulheres não era considerado fora do normal. O que era prática padrão na 103 criação dos filhos naqueles dias, hoje seria classificado como mau-trato de crianças e crime (artigo 123 do Código Penal Brasileiro). Forna (1999, p.44) comenta que “a maternidade não tinha um status especial, deveres ou pressupostos iniciais. A mulher dava à luz e pronto”. Não se presumia que ela fosse amar o filho. Não se esperava sequer que ela cuidasse do bebê. A motivação dos pais a novos sentimentos em relação à criança surgiu no século XVIII, como afirma Badinter (1985, p.540), com a publicação do livro Émile, em 1762, por Jean Jacques Rousseau. Em sua obra, o filósofo cristalizou as novas idéias e deu um verdadeiro impulso inicial à família moderna, fundada no amor materno, dando início a uma nova concepção sobre a maternidade. Neste período, eram feitas inúmeras recomendações às mulheres para que cuidassem pessoalmente dos filhos, caso contrario, poderiam ser castigadas. Lançada a nova idéia de maternidade, as mulheres passaram a ser criadas para serem esposas e donas-de-casa eficientes. Aprendiam mais ou menos a ler e a escrever; o ensino se dividia entre os trabalhos de agulha e os cursos de religião. Era imposta à mulher “a obrigação de ser mãe antes de tudo”. Este mito do amor espontâneo de toda mãe pelo filho prolongar-se-á por vários anos. No século XIX, o amor materno imperava e as mulheres passaram a estar prontas a assumir a responsabilidade e a aceitar todos os sacrifícios pelos filhos. Através de uma retrospectiva histórica, podemos concluir que os padrões considerados normais de maternidade de hoje é produto de um determinado tempo e espaço. O conceito de maternidade que herdamos, com raízes na família nuclear, foi moldado de uma forma particular, em um determinado tempo da história, por necessidade e utilidade. Historicamente, as exigências da sociedade em relação às mulheres para o cuidado dos filhos diminuíram, mas a maternidade dá-se ainda no âmbito familiar e o papel da atividade materna adquiriu significado psicológico 104 e ideológico, tendo vindo cada vez mais a definir a vida das mulheres. Para Chodorow (1990, p.21), “as funções produtivas e reprodutivas das mulheres mudaram e a família também mudou, mas as mulheres continuam a maternar”. A reprodução do mito da maternidade no final do século XIX e início do século XX teve uma grande influência de Freud, com a ampliação da teoria sobre o comportamento humano e o desenvolvimento da personalidade. Por mais de 40 anos, Freud explorou o inconsciente e desenvolveu a primeira teoria abrangente da personalidade. A teoria psicanalítica do desenvolvimento da personalidade masculina e feminina de Freud trouxe à tona a reflexão acerca do entendimento da consciência humana, indo de encontro aos pensamentos da tradicional psicologia, que considerava que a consciência humana era constituída apenas por elementos estruturais estreitamente correlacionados a processos nos órgãos dos sentidos. De acordo com Hall, Lindzey e Campbell (2000), na concepção de Freud, a mente não era representada apenas pela consciência, mas por uma imensa região, a qual chamaram de inconsciente, representado por: impulsos, paixões, idéias, sentimentos reprimidos, um grande mundo subterrâneo de forças vitais, invisíveis, que exerciam um controle imperioso sobre os pensamentos e as ações dos indivíduos. Dentro da estrutura da personalidade, Freud trouxe o conceito de id, como sendo tudo àquilo que é psicológico, que é herdado e que se acha presente no nascimento, incluindo os instintos. Analisando a Teoria de Freud, o sentimento de culpa ocorre pelo medo da consciência. As pessoas tendem a sentir culpa quando pensam em fazer alguma ação contrária ao código moral pelo qual foram criadas, dizemos que são aprisionadas pela consciência. Utilizando-se do conceito de Freud, podemos compreender os sentimentos das mães de pré-termo ao verbalizarem o sentimento de culpa pela condição do filho. De certa forma, ao rejeitarem a gravidez e/ou 105 maternidade, contrapõem-se aos preceitos estabelecidos pela sociedade. A teoria psicanalítica trouxe aspectos relevantes do desenvolvimento da personalidade e do desenvolvimento da estrutura psíquica, assim como o desenvolvimento da personalidade do gênero. Na concepção de Freud, desde a infância, as crianças adquirem, internalizam e organizam experiências em sua família, e essas experiências primitivas da infância irão incidir em eventos e comportamentos posteriores. As mulheres crescem identificando-se com suas mães e, deste modo, reproduzirão a maternagem. Analisando as idéias trazidas pela Teoria de Freud, observa-se a sua enorme contribuição na disseminação da tendência em responsabilizar e culpar as mães pelos infortúnios do filho e de estimular o relacionamento entre mãe e bebê. Freud deu um novo impulso à maternidade, nas discussões acerca da relação entre pais e filho e na resolução do complexo de Édipo, que foi a pedra fundamental em sua teoria. No entanto, corroboro com o pensamento de Hall, Lindzey e Campbell (2000), ao apontarem que Freud não se aprofundou muito na personalidade e no comportamento das mães, nem nas práticas específicas com a infância. Para Hall, Lindzey e Campbell (2000, p.57), na visão de Freud, “o bebê é impulsionado por instintos; ama a mãe por ser a pessoa que o alimenta, abriga e acalenta”. A partir da teoria e das idéias freudianas, a psicanálise teve um enorme avanço e, mais tarde, outros estudiosos da psicanálise vieram a descrever sobre a relação mãe-filho. John Bowlby descreveu o vínculo e os efeitos da privação e Donald Winnicott sofisticou e desenvolveu os temas do vínculo e da maternidade. O argumento apresentado por psicanalistas e admitido por ginecologistas, obstetras, cientistas sociais, fisiologistas e psicólogos é de que as mulheres têm um instinto maternal, sendo, portanto natural que maternem seus filhos. A maternagem das mulheres perpetua-se, então, através de 106 mecanismos psicológicos e sociais, induzidos pela sociedade. Destante, a mulher passa a se sentir a principal responsável pelo filho, conforme podemos observar nos relatos das mães de pré-termo. A mulher não apenas dá à luz a um filho, ela torna-se a principal responsável ou cuidadora da criança. O pressuposto mais comum entre as teorias não feministas que tratam sobre os cuidados maternos e paternos relaciona a maternação sob o ponto de vista biológico. Esse pressuposto segundo Chodorow (1990, p.31), se sustenta na teoria de que “tudo aquilo que parece universal é instintual e aquilo que é instintual, é inevitável e imutável”. Desde a infância, as mulheres são criadas para serem mães abnegadas, e, em muitas sociedades, as mulheres acreditavam piamente ser esse o seu destino. O cuidado dispensado aos filhos é visto como adequado quando exercido pelas mães e não pelos pais. Discute-se entre os estudiosos a possibilidade da existência de alguma base hormonal para justificar a maternagem das mulheres, mas não há nenhuma evidência científica. Observa-se que algumas mulheres podem ser mães biológicas totalmente inadequadas, enquanto mães adotivas podem ser perfeitamente adequadas. Contudo, corroboro com o pensamento de Chodorow (1990), ao afirmar que, apesar de as mulheres terem a capacidade de dar a luz e amamentar por um lado, e por outro, das suas responsabilidades no cuidado da criança, e, não obstante a comprovável relação pré-histórca de uma divisão de trabalho por sexo na qual as mulheres maternam, biologia e instinto não oferecem adequadas explicações para como as mulheres vêm a maternar. Observa-se que nem todas as mulheres são mães ou querem ser mães e que nem todas as mulheres são maternais ou cuidadoras. Algumas mulheres são muito mais maternais que outras e querem muito mais ter filhos. Alguns homens são mais maternais que algumas mulheres. Para Chodorow (1990), o fato de as mulheres terem um interesse e desempenharem o papel da maternagem deve-se a uma transposição social e 107 cultural das suas capacidades de dar à luz e amamentar. Desde o nascimento, meninos e meninas desenvolvem diferentes capacidades relacionais e são preparados para desempenhar diferentes papéis. A maternagem, considerada então como um fato meramente natural, é um pressuposto em conflito com os cientistas sociais. Para os cientistas sociais, o comportamento humano não é determinado apenas de forma instintual, porém mediado de modo contínuo pelo cultural. Os depoimentos também revelaram que o sentimento de culpa é intensificado quando, efetivamente, as mães vêem o filho na incubadora, cheio de fios, marcas de picada de agulhas, cercado de aparelhos barulhentos. Além disso, as mulheres vivenciam a dor de não poder ter o filho ao seu lado e o choque da primeira visita a uma UTI-neonatal, conforme identificado no depoimento. Logo quando eu cheguei na UTI fiquei muito nervosa; tem muita gente, aparelhos alarmando, todo mundo falando ao mesmo tempo. Está sendo uma experiência que jamais poderia imaginar que um dia iria acontecer comigo. (Elisângela) A Unidade de Terapia Intensiva é um ambiente desconhecido e incerto e que culturalmente, traz aos familiares uma representação de gravidade associada à possibilidade de morte, o que exacerba ainda mais os sentimentos negativos nas mães. Embora este seja um momento difícil, corroboro com o pensamento de Klaus e Kennel (1993, p.176), ao valorizarem a necessidade de a mãe ver o bebê pré-termo tão logo seja possível, a fim de minimizar as fantasias que ela possa estar alimentando e ajudá-la a lidar com a nova situação. As práticas hospitalares e os profissionais de saúde podem exercer uma influência positiva ou negativa neste momento. Devemos fazer a mãe entender o quanto um bebê pré-termo difere de um bebê a termo, em termos de necessidades especiais. Entretanto, é igualmente importante que ela veja estas necessidades como temporárias, percebendo que cederão, com o tempo, e se ajustarão a padrões normais. É relevante, também, propiciar a orientação de forma individualizada, 108 uma vez que nem todo pré-termo tem o mesmo prognóstico. Dependendo de sua idade gestacional e das intercorrências que possam advir no período de hospitalização, alguns poderão ter seqüelas e precisarão de maior estimulação, assim como alguns poderão não sobreviver. Observa-se, no dia-a-dia, que a busca da culpa, com freqüência, deixa a pessoa impermeável aos argumentos lógicos e pode dificultar a aproximação da mãe com o filho. Para Maldonado (1997, p.430), “o medo de tocar e acariciar o filho não ocorre somente pela estranheza do ambiente da UTI e pela novidade da situação, mas também pela culpa pelo parto prematuro”. O pré-termo é percebido pelas mulheres como um ser frágil e indefeso, fazendo com que, muitas vezes, apesar da condição clínica, elas não demonstrem o desejo de segurar e acariciar o filho, pois têm medo de lhes causar algum mal. Além disso, é evidente o sentimento de impotência das mães para cuidar do filho. Ah, eu tive muita dificuldade; tive muito medo de segurar ele porque ele era muito pequeno! Ele era não, ele é muito pequeno, muito pequenininho e magrelinho demais; eu fiquei nervosa! (Alice) O meu bebê não estava com muita coisa, ele só estava com a sonda na boca, só com a sonda na boca para poder alimentar ele. Ele também estava com um negócio no pé, no pezinho, uma luz que fica assim no pé da criança. Era só aquilo só, mas eu fiquei com medo né! Eu nunca tinha entrado na UTI. Eu fiquei assustada. Eu fiquei assustada em tocar nele, porque ele era tão miudinho. Ele era tão pequenininho que eu fiquei com medo de deixar ele cair. Ah, eu fiquei assustada. Ele era muito miudinho. Fiquei tremendo! Ai meu Deus, estou com medo de deixar cair. (Graça) Por outro lado, algumas depoentes aduziram em seus discursos a uma enorme frustração em não poder pegar o filho no colo, aconchegá-lo, embalálo e levá-lo para casa. Na maioria das vezes, este sonho só era realizado meses após o nascimento do filho. Em alguns depoimentos das mães de pré-termo, foi verbalizada a busca de ajuda através da religião, o que caracteriza o terceiro estágio descrito por 109 Kubler-Ross (2005) como barganha. A fé direcionada a Deus pode auxiliá-la no enfrentamento do problema e a manter viva uma esperança de cura do filho, conforme mostra o relato: Aí no início eu me peguei mesmo foi com Deus e com muita fé porque se não.(pausa).Se não fosse Deus, eu não sei não. Eu não sei se ela estaria viva aqui. (Paloma) . Gradativamente, à medida que o recém-nascido apresenta melhora clínica, a insegurança e o medo pela morte do filho vão cedendo e dando lugar à confiança, intensificando, desta forma, o elo afetivo, que se fortalece com o toque. As mães dos recém-nascidos relataram que o filho que é muito mais tocado pelos profissionais de saúde, consegue distinguir o toque materno do toque do profissional de saúde conforme revela a depoente Clara: Eles precisam de uma pegada, de um toque na pele de mãe e não de um estranho, porque um profissional vai lá e meche e depois vem outro e meche também, mas ele precisa mesmo de um carinho de uma mãe, porque eles ficam mais resistentes, eles começam a lutar mais para sobreviver porque eles têm ali alguém lutando junto com eles aqui fora, também, para que eles saiam dessa, né? Eles conseguem perceber quando são tocados por nós. (Clara) A depoente Clara relatou, também, sobre a enorme emoção em tocar o filho pela primeira vez, poder tirá-lo da incubadora e segurá-lo, mesmo sendo este momento revestido de muito medo de lhe fazer algum mal, ou até mesmo de ser rejeitada por ele, pois, no fundo, o sentimento de culpa sempre vem em sua mente. O quarto estágio, depressão, descrito por Kübler-Ross (2005, p.91), esteve presente em todos os depoimentos e “é considerada um instrumento na preparação da perda iminente de todos os objetos amados, para facilitar a aceitação”. Esta perda, para as mães de pré-termo, refere-se ao filho imaginário, ao bebê planejado e idealizado durante toda uma gestação, mas que não nasceu. Neste período, as mães de pré-termo mostram-se muito tristes, chorosas e sentem-se muito desamparadas. 110 Os estágios vivenciados pelas mães de pré-termo ocorrem de forma individualizada. Nem todas as mães passam por todas as fases, podendo vivenciar mais de uma fase ao mesmo tempo, assim como, retornarem às fases anteriores durante o processo de aceitação do filho pré-termo, conforme evidenciado nos depoimentos. Os pré-termos extremos, em especial, estão mais propensos a desenvolverem problemas respiratórios e infecções. São freqüentes as oscilações entre a melhora e piora do estado de saúde do bebê, levando a que os pais, em especial as mães, apresentem sentimento variado, oscilando entre a esperança, o desânimo e a descrença. Eu fiquei muito triste e achava que ele não iria sobreviver. Ele era muito pequenininho. Um dia ela melhorava e o outro piorava, aí eu entrava em desespero e chorava muito. (Pérola) A instabilidade do pré-termo acaba por repercutir na manutenção dos sentimentos de frustração, culpa e baixa auto-estima. Esta frustração tende a aumentar ainda mais quando, devido à gravidade do filho, a mãe não pode nem mesmo prover-lhe o alimento, no caso o leite materno. Por um lado, tem-se o pré-termo tão frágil, pequeno, magrinho e, por outro lado, tão forte em sua luta pela sobrevivência, conforme mostra o relato de Clara: Ele nasceu com 1270 gramas e aí caiu para 1060 gramas. Quando ele começou a cair e a perder peso eu fiquei apavorada; eu achava que ela ia, sei lá, sabe? (pausa) esses pensamentos sempre negativos na minha cabeça. A gente pensa tanta besteira, pensa que aquela criança não vai mais...depois você vê que aquela criança é mais forte do que uma de 9 meses; lutam mais para sobreviver. (Clara) As mães de pré-termo abordaram, também, que estavam muito preocupadas e com medo dos problemas que poderiam advir da prematuridade. O futuro do filho e a possibilidade de alguma seqüela tornam este momento ainda mais conturbado, consoante se observa: Eu fiquei muito preocupada quando ele fez esse exame porque eu não sabia nada. Então para mim estava tudo bem e depois 111 a pediatra falou que tinha dado alteração e eu falei: “Meu Deus, ah, meu Deus! Olha, o meu filho veio tão bem, tão bem, será que Deus vai fazer isso comigo? Tirar a visão dele? Pelo amor de deus, não! Deus me perdoe, mas isso não pode acontecer!”. (Paloma) Para Maldonado (1997, p. 40): Uma das dificuldades que os pais de prematuros têm que enfrentar é digerir emocionalmente o período de internação com todas as frustrações, temores, preocupações e angústias inevitáveis para conseguirem acompanhar, posteriormente, a evolução do filho em suas diferentes etapas. Neste período, é importante que o profissional que atua com estas mulheres possa fazê-las acreditar que, embora o nascimento e as primeiras semanas de vida não tenham acontecido de acordo com o ideal sonhado, é possível fazer muita coisa para atenuar ou contornar problemas que possam surgir da prematuridade, a fim de minimizar o estresse desencadeado pelas expectativas que giram em torno de um prognóstico ainda incerto. O relato das Histórias de Vida de mães de pré-termo mostrou que, mesmo próxima à alta do filho, a maioria ainda não aceitava a condição de ter tido um filho pré-termo. Dedicava-se ao filho em demasia, sobretudo na amamentação, mas ainda vivenciava de forma clara a culpa e a depressão. Entendendo o cuidado como a essência da enfermagem, conforme postulado por Leininger (2002), considera-se relevante o estabelecimento de uma relação de ajuda às mães, a partir do entendimento das suas necessidades. Isto só será possível se for dado às mulheres a oportunidade de expressarem suas idéias, seus medos, angústias, expectativas e vivência de dar à luz a um filho pré-termo. 112 O Processo da Amamentação do Pré-termo: A percepção Materna Ao se analisar a História de Vida de mães de recém-nascido pré-termo, observa-se o quanto difícil é vivenciar o processo da amamentação. Devido à prematuridade, a mamada ao seio não se dará de imediato; o bebê terá que ter condições mínimas de peso e maturidade, além de estar clinicamente estável, a fim de possibilitar a sucção ao seio, já que esta exige coordenação e esforço. A amamentação do pré-termo apresenta, então, peculiaridades bastante diferentes. A maioria destes bebês, especialmente os que têm idade inferior a 34 semanas, em virtude da imaturidade, não poderá ser levado direto ao peito; terá que passar por todo um processo de estimulação e aprendizado e ser alimentado, inicialmente, através de sonda orogástrica, o que, para as depoentes, se revelou uma grande surpresa, conforme mostra o relato: [...] eu estou aqui há quase um mês e está sendo muito difícil, muito cansativo [...] a gente fica muito estressada aqui, em casa é mais fácil. Tem muita coisa aqui que eu nunca tinha visto: finger, copinho, ordenha, sonda, eu nunca tinha visto. Eu pensei que fosse pegar ele, botar ele no peito e acabou, mesmo sendo prematuro. [...] Eu estava assim, só chorava, eu estava assim por preocupação com o bebê, porque estava aqui, porque o leite não saia e o meu peito ficou duro, a minha mão ficou dormente e não conseguia ordenhar. (Ione) O nascimento destes pequenos precipita um evento estressante para os pais e promove uma inevitável e precoce separação mãe-filho, o que contribui de forma negativa para o estabelecimento da amamentação. Esta situação acarreta sentimentos de luto e reações de desajuste que os pais deverão elaborar num processo adaptativo até a condição de equilíbrio. Em meio ao impacto pelo nascimento do filho, há todo um trabalho da equipe de saúde que cuida dessas mulheres no sentido de tentar manter a lactação, visando, na maioria das vezes, aos benefícios para o bebê. No cenário do nosso estudo, hospital que tem o título Amigo da Criança, esses 113 esforços são evidentes. As Histórias de Vida de mães de recém-nascido pré-termo revelaram que, independentemente de já terem tido uma experiência pregressa com a amamentação, quer seja de forma exclusiva ou não, esta estava sendo uma experiência nova para elas. Imaginavam que, apesar da prematuridade, o bebê poderia ser levado direto ao peito, como evidenciam os depoimentos: Apesar de eu já ter outro filho, as experiências são diferentes porque o outro, ele logo veio para o meu peito mamar; ele sugava mais do que esse, ele sugava direto, direto! ...para mim, quando ele saísse de lá da UTI, ele já vinha direto para o meu peito. Eu não tinha essa noção de ficar tanto tempo mamando numa sonda por ele ser prematuro, até ele aprender a sugar, eu não tinha essa noção não. (Marisa) Esse negócio de ficar ordenhando, eu nunca passei por isso. Eu achei que iria poder mamar normalmente. Eu nunca achei que ela iria passar por esse negócio de ter que tirar no copinho, botar na sonda, botar para sugar, tirar no copinho. Eu nem sabia que isso existia. (Noemi) Tanto as depoentes Marisa quanto Noemi referiram ter amamentado os filhos nas gestações anteriores, porém apenas a depoente Marisa o fez na modalidade exclusiva, mesmo sendo influenciada de forma negativa por alguns parentes e amigos em relação ao risco da queda do peito. A depoente Noemi relatou que, nas 03 gestações anteriores, não havia amamentado de forma exclusiva, por não acreditar que o leite materno fizesse o bebê engordar. Ela atribuía o sucesso do crescimento da criança ao leite em pó; o leite materno era visto apenas como um remédio para a criança. Comentou inclusive, que naquela época, 21 anos atrás, amamentou o seu filho mais velho e, também, o filho da vizinha. Cabe ressaltar que, neste período referido pela depoente Noemi, início da década de 80, eram práticas comuns, em diversas famílias, a amamentação cruzada, a não-amamentação da criança de forma exclusiva e a introdução de fórmulas logo após o nascimento. Estas práticas inadequadas influenciaram de maneira decisiva o aumento das taxas de desmame precoce e, consequentemente, a 114 morbimortalidade infantil, o que levou à criação do Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno pelo Ministério da Saúde em 1981. Existe toda uma questão cultural que norteia a amamentação e que perpassa gerações. Ainda hoje, embora proibido, pratica-se a amamentação cruzada por algumas mulheres e o uso de fórmulas continua a ser uma prática negativa quando se pensa em bem-estar da criança. O estudo evidenciou a necessidade de valorização do entendimento das questões culturais que envolvem a prática da amamentação. Na concepção de Leininger (2002, p.5), as enfermeiras precisam aprender as questões culturais para poder ajudar os clientes a prevenir doenças e manter o bem-estar dentro de uma perspectiva cultural. Foi evidente, também, no relato da depoente Noemi, que sua vivência na amamentação dos 03 filhos anteriores entrou em conflito com a prática hospitalar. Não é fácil para a mulher, de uma hora para outra, apreender novos conceitos, sem colocar em cheque a verdade instituída pelos profissionais no hospital, o que contribui para aumentar a ansiedade e o estresse diante de tantas adversidades. Não é possível discutir o comportamento das mulheres em relação à amamentação apenas analisando o contexto cultural; as questões sociais e econômicas também conduzem muitas mulheres ao não aleitamento materno, conforme referido por diversos estudiosos como Almeida (1999), Vinha e Scochi (1989) e Silva (2000). Inicialmente, em meio aos sentimentos de tristeza, choque, culpa e preocupação com o bebê pré-termo, a mulher enfrenta a dificuldade de produzir leite sem que ocorra a sucção, elemento essencial de estimulação. A ordenha mantém a lactação, para que possa ser oferecido ao filho o leite materno através de uma sonda, tão logo sua condição clínica permita. O estresse, a dor, o cansaço físico e a preocupação foram pontos importantes que surgiram nos depoimentos das mães de pré-termo, consoante se pode identificar no relato abaixo: [...] Tirar o leite é horrível! Não é igual a ele mamando porque 115 no peito ele suga melhor, a gente tirando não é igual a ele sugando; sai mais fácil e não dói. Eu fiquei até com um caroço em cima do meu peito de tanto espremer para poder sair. Sabe, chegou uma hora que eu achei que não ia ter mais leite. Eu pensando assim: “Ah, logo agora que ele vai precisar do meu leite, eu não vou ter mais leite”. Eu acho que o nervoso de eu ver ele ali dentro que não deixava eu tirar, eu ficava muito ansiosa muito nervosa...quando ele começou a tomar o meu leite eu tinha que ordenhar de 3 em 3 horas, até de madrugada. De 3 em 3 horas eu tirava o leite. Eu achava muito ruim. Eu passava a noite inteira acordada andando para lá e para cá. Às vezes bate um desespero, cansaço, stress, vontade de ir embora; você tenta, espreme e sai muito pouco. (Elisângela) Fisiologicamente, a prolactina, hormônio que induz a produção do leite nos alvéolos, é liberada pelo estímulo da sucção no mamilo – um reflexo somático. A ocitocina, que é responsável pela descida do leite, é liberada por um reflexo somático-psíquico; então, quando a mãe está tensa, ansiosa, poderá ter uma produção de ocitocina insuficiente e, em conseqüência, pouca ejeção. Embora a depoente Elisângela já tivesse vivenciado a amamentação na gestação anterior, a experiência com o pré-termo era totalmente nova, uma vez que, do nascimento até a sucção ao peito, inúmeras serão as etapas pela qual a maior parte dos bebês terá que passar. Não diferente da maioria das depoentes, a depoente Elisângela não havia pensado na possibilidade de ter um bebê pré-termo, mesmo sendo uma gravidez de risco, devido ao quadro de hipertensão e de gravidez de gemelar. Assim, deparou-se com uma situação jamais pensada e conhecida: amamentar um filho pré-termo. Durante a entrevista, comentou sobre a necessidade dos profissionais que acompanham as mulheres no pré-natal discutirem questões que envolvem o nascimento de bebê pré-termo, como por exemplo: internação, afastamento do bebê, equipamentos, rotinas da UTI-neonatal, em especial, a amamentação no Hospital Amigo da Criança, por ser cercada de peculiaridades não divulgadas no meio social, que contribui para o aumento 116 da ansiedade das mães. A depoente Elisângela teve pouco contato com os profissionais da Instituição onde pariu os bebês, cenário do nosso estudo, pois, na semana em que foi transferida para esta unidade, devido à sua condição de risco, apresentou ruptura prematura da membrana amniótica, tendo os bebês antes da data prevista para o parto. A partir dos relatos de mães de pré-termo, foi possível reforçar a concepção em relação à importância do atendimento individualizado aos pais no pré-natal, bem como à formação de grupos, para que possam compartilhar suas variadas experiências, preocupações, ansiedades e dúvidas. De modo geral, os bebês pré-termo necessitarão permanecer no hospital até que adquiram 2000 gramas, estejam clinicamente estáveis e sugando seio materno, o que representa para as mães um afastamento do convívio social e familiar. Há uma recomendação para que se inicie a alimentação do recémnascido pré-termo, utilizando-se preferencialmente o leite humano, tão logo seja possível, pois é imaturo imunologicamente. Segundo Lana (2001, p.277): “O leite da própria mãe do prematuro supre esta desproteção, pois estes fatores estão em muito maior quantidade no leite da mãe do prematuro que no leite de uma mãe de recém-nascido a termo”. Desta forma, os hospitais, especialmente os que têm o título Hospital Amigo da Criança, trabalham no sentido de tentar alimentar estes pequenos exclusivamente com o leite humano de sua mãe. Torna-se extremamente cansativo para as mães todo esse processo, sobretudo porque, na Instituição pesquisada, não há Banco de leite ou geladeira disponível para acondicioná-lo, sendo necessário que a mãe ordenhe o leite a cada dieta, para que seja administrado imediatamente, devido aos riscos de contaminação existentes quando mantido em temperatura ambiente. Apesar de todo o cansaço referido pela depoente, ela considera não só a amamentação, mas, também, o cuidado ao filho uma obrigação das 117 mulheres, conforme podemos observar no depoimento: Eu acho que quando a mãe decide engravidar ela tem que assumir a responsabilidade do filho; saber que muita coisa na vida dela vai mudar; vai ter que deixar de fazer algumas coisas para poder cuidar do filho. Não querer amamentar é negar a responsabilidade e um dever, ainda mais sabendo que a amamentação é tão importante para ele. Se a mulher não quer assumir isso, então para que colocar o filho no mundo? (Elisângela) A determinação das mulheres não apenas pela amamentação, mas, inclusive, pelo cuidado do filho, é influenciada pelos acontecimentos históricos que instituíram a maternidade e a amamentação no decorrer dos séculos como uma condição natural e instintiva, tornando-se uma responsabilidade única da mulher, não apenas um dever, mas uma vocação altamente idealizada, cercada de emoção. Os elementos essenciais que vieram produzir a ideologia materna atual avançaram ao longo dos tempos e foram também extremamente influenciados por alguns teóricos discípulos de Freud. Dentre os diversos teóricos que discutiram sobre a maternidade, John Mostyn Bowlby é apontado como um dos que teve maior influência na determinação do comportamento da mulher em relação à criança, com sua teoria sobre o vínculo e o efeito da privação emocional para a criança, lançada na década de 40. De acordo com Forna (1999), Bowlby estudou todos os tipos de distúrbios emocionais psicológicos e de caráter que poderiam resultar da privação materna e trouxe à tona considerações acerca do bem-estar psicológico e saúde mental da criança. Em sua teoria, postulava que a mãe não só deveria ser a companheira constante do filho, além disso, deveria encontrar nesse papel sua realização pessoal. Na época, os achados de Bowlby rapidamente influenciaram na política vigente, levando ao fechamento de escolas maternais. Forna (1999) comenta que esta decisão era apoiada pelos profissionais da saúde, assistentes sociais e professores, que aceitavam a idéia de que a mãe que trabalhasse fora poderia prejudicar os filhos. 118 Embora o governo tivesse abraçado tão prontamente a teoria de Bowlby, não há como desconsiderar o possível interesse do governo, algo além da felicidade das crianças, não diferente dos séculos anteriores. Havia um entendimento de Bowlby de que, por motivos financeiros, algumas mulheres necessitavam trabalhar fora, levando-o a sugerir ao governo a possibilidade do pagamento de um salário de dona-de-casa para dar às mães estímulo e possibilidade de permanecerem em casa com o filho, porém não houve implementação de sua proposta. Esta concepção teórica foi construída sob uma realidade internacional, não específica do Brasil, mas que mesmo assim atingiu os brasileiros. Até hoje, as mulheres, conforme se identificou no estudo, continuam a conviver em conflito. Reconhecem a importância da amamentação e da relação afetiva com o filho, contudo, algumas precisam trabalhar para sobreviver. Há uma valorização extrema da amamentação e da dedicação integral ao filho pelo profissional e pela sociedade, o que gera ainda mais sentimento de culpa. Embora o Ministério da Saúde traga em sua política a recomendação do aleitamento materno exclusivo até os 6 meses de idade, a Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XVIII, só assegura 120 dias de licençamaternidade para mulher trabalhadora. As que não têm um trabalho formal estão desamparadas. O quadro torna-se ainda mais complicado quando o bebê nasce antes da data prevista do parto, fato que trará prejuízo para as mulheres que têm direito a licença, pois utilizarão parte do período acompanhando a hospitalização, tendo, portanto, pouco tempo para adaptação após a alta. As trabalhadoras informais têm essa situação agravada, posto que não têm nenhum proveito durante a estada hospitalar. Embora a amamentação seja um direito que a sociedade deve garantir a toda mulher e a toda criança, somente as mulheres empregadas com contrato de trabalho formal têm direito aos benefícios da legislação, o que não é o caso de boa parcela de mulheres que acompanha os bebês pré-termo na 119 Instituição. Outra influência também marcante ocorreu na década de 50, quando Donald Winnicott definiu maternidade e desenvolveu os temas do vínculo e da interdependência lançados por John Mostyn Bowlby, sendo dado ênfase ao papel único e insubstituível da mãe no desenvolvimento emocional da criança. Para Winnicott (1988, p.20): A saúde mental do indivíduo está sendo construída desde o início pela mãe. Ser mãe suficientemente boa não é fácil. A mulher precisa ter uma paciência, abnegação, auto-sacrifício e capacidade para encontrar satisfação nas tarefas mais prosaicas da maternidade. Forna (1999, p.82), ao analisar as idéias lançadas por Bowlby e Winnicott, afirma que, para os teóricos, “a mulher não podia ficar menos que tempo integral com o filho e qualquer coisa abaixo de dedicação total ao papel de mãe era negligência absoluta de um dever imposto pela natureza”. Analisando o comportamento das mulheres em relação à criança e da sociedade em relação às mulheres, observa-se, ainda hoje, uma influência marcante da teoria de Bowlby e Winnicott. A criação dos filhos se tornou cada vez mais centrada na criança, cujas necessidades são consideradas o foco da atenção. Embora esta teoria tenha causado algumas controvérsias, nos dias atuais, a maioria das mulheres continua a sentir-se culpada por ter que deixar o filho numa creche ou sendo cuidado por outras pessoas; tendo receio de que possam estar prejudicando o filho. Contudo, hodiernamente muitos psicólogos e psicanalistas concordam que a criança não é prejudicada pelo fato de a mãe trabalhar, nem por ficar aos cuidados de outra pessoa. Analisando todo um contexto, observa-se que o vínculo não é exclusivo entre mãe e filho, nem irreversível, pois não se sustentaria enquanto teoria para explicar o vínculo entre mãe e filho adotivo e o abandono das crianças pelas mães. A criança pode se apegar às outras pessoas além da mãe e os vínculos podem se fortalecer ou se enfraquecer durante qualquer período da vida. 120 Sobre a questão do vínculo, Chodorow (1990, p.223) vai mais além, ao afirmar que “obrigar a mãe a passar todo o tempo com os filhos e suportar toda a carga emocional é garantir o fracasso da própria relação que Bowlby tentou promover”. Refere, ainda, que, por influência da ciência, da psicologia, da política e da polêmica em torno dos gêneros, houve uma exaltação do mito da maternidade. Num processo de valorização não apenas da amamentação, mas, também, do cuidado do filho pré-termo, há uma dedicação quase que exclusiva da mulher, como se pode observar no relato da depoente Catarina: Eu não sabia que amamentar fosse tão cansativo, até porque é uma experiência nova para mim, eu nunca tinha engravidado antes. Eu sempre vi as mulheres amamentando, aquela coisa do leite; sabia que era importante, mas não sabia que era tão cansativo. É muito cansativo! [...] Então, é muito cansativo, muito cansativo. Dia e noite sem dormir, madrugada então, nem se fala! (Catarina) Um fato que chamou atenção é que, de todas as 20 depoentes entrevistadas, a depoente Catarina era a que se encontrava a menos tempo no hospital, 10 dias, período considerado curto pelo profissional de saúde, o qual convive com situações de bebês pré-termo extremo, que necessitam permanecer no hospital por um tempo mais prolongado. Estes depoimentos reforçam a necessidade de o profissional, no dia-a-dia, olhar as mães de forma individualizada e não compará-las. A internação hospitalar, por si só, é estressante, especialmente para aquelas mulheres que estão vivenciando esta situação pela primeira vez, como é o caso de Catarina, ou as que tiveram experiências anteriores negativas. A mãe passa a viver em um ambiente estranho, longe dos parentes próximos; surgem expectativas em relação ao filho, colaborando significativamente para este stress. Evidencia-se nos relatos das depoentes Elisângela e Catarina que a experiência da amamentação estava distante do que era vinculado pela mídia, ao trazer sempre a figura de uma mulher amamentando, sorrindo para o filho. Nas campanhas de divulgação da amamentação são transmitidos à 121 sociedade os aspectos positivos e uma visão otimista desta prática, não sendo trazidas ao conhecimento das mulheres as eventuais dificuldades que podem ocorrer durante todo o processo. São feitas alusões às mulheres que conseguiram lograr êxito, utilizando-se de figuras importantes do meio público para sensibilizar as mulheres e mostrar que este é um fenômeno natural e que todas, independentemente da formação e classe social, podem e devem amamentar o filho. O próprio Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno, na década de 80, tentou resgatar esta prática ao conceber a amamentação como um ato natural, instintivo, inato e biológico e desconsiderou a mulher do seu contexto social. Almeida (1999, p.20) considera que um dos maiores problemas do atual paradigma da amamentação refere-se ao fato de se operar com conceitos “que reforçam a separação entre ciência e sociedade, distanciando fatos sociais e fenômenos biológicos, como se ambos fossem mutuamente excludentes”. Num ambiente muito tumultuado ou numa situação em que a mãe seja pouco protegida, pouco apoiada e muito cobrada, a ansiedade materna tende a ser maior, o que irá interferir na produção do leite. Há uma valorização do profissional em relação ao bem-estar da criança, acabando por rotular a mulher apenas como mãe do recém-nascido prétermo, fato este que também foi vivenciado e relatado por Miele (2004, p.37). Para a autora, “com o passar do tempo todas iam perdendo suas identidades pessoais, éramos somente mães de UTI”. Mesmo com o apoio do marido, as diversas preocupações externas da depoente Elisângela, como por exemplo, com o outro filho, com a casa, com as contas, estavam interferindo na produção de leite e contribuindo para o aparecimento da sensação de desespero. Dessa forma, é necessário que o profissional esteja atento às necessidades expressadas pela mulher que está amamentando o filho no hospital, a fim de prestar um cuidado diferenciado, que, segundo Leininger 122 (1991, p.8), “consiste em prestar uma assistência voltada às necessidades dos pacientes, levando em consideração as idéias éticas, moral, espiritual e necessidades psicológicas”. É preciso refletir, então, sobre o cuidado que está sendo prestado pelos profissionais de saúde a essas mulheres. É necessário que a mãe do prétermo participe do planejamento das ações e decisões, com vistas a manterse um completo bem-estar. Antes de se pensar na mulher enquanto mãe de um pré-termo e na amamentação dever-se-ia considerá-la como cidadã. Em algumas situações, estas mulheres têm inúmeros outros problemas, o que coopera para aumentar o estresse, conforme identificado no relato de Luciana: [...] eu acho que eles deveriam colaborar com a mãe, porque a gente tem uma vida lá fora.,né? [...] eu estou com 03 filhos em casa. [...] só que sugando e perdendo peso eu não vou sair nunca. Então a minha cabeça vai a lua e volta [...] Poxa, eu penso assim: Será que o Dr. não poderia ver isso? O neném dela está com 1815 gramas e quando chegar em casa vai para o pré-nam. Eu sei que é caro, mas não é uma coisa absurda que não possa comprar para o neném. Ela vai entrar no prénan porque ela vai ter que trabalhar, não vai? Então, vamos mandar ela para casa.. Nós estamos sobrevivendo a cada dia. [...] o desespero bate, o desespero bate mesmo. Então eu não tenho mais condições de ficar aqui, mais 15, 20 dias. Olha, eu já estou aqui pensando no amanhã e ouvir: O Pablo perdeu tantas gramas. Toma uma providência, então! Tem que tomar uma providência, tem que tomar uma providência. Então bota aí um complemento. [...] Gente, eu tenho que trabalhar, eu não vou ficar de resguardo não, eu tenho que trabalhar! (Luciana) Observa-se, a partir do relato das mães, que, pelo fato deste hospital ter o título “Hospital Amigo da Criança”, alguns profissionais têm um posicionamento mais radical e não dão muita oportunidade às mães para falarem do seu querer, não querer, ou não poder amamentar; para exporem suas fantasias ou receios, suas crenças, seu cotidiano; e tentam direcionar e impor a amamentação na instituição, embora o Ministério da Saúde institua que “o desejo materno de amamentar ou não deve ser compreendido e respeitado. Apesar dos benefícios do aleitamento, deve-se aceitar a escolha informada e consciente da mãe pela não amamentação” (BRASIL, 2001). 123 A História de Vida das mulheres entrevistadas evidencia que sua situação sócio-econômica impede-as de permanecer em casa por um período maior, mesmo que seu filho necessite. Em certos casos, ela é a única provedora da renda familiar. A preocupação com a situação econômica foi muito presente no relato de Luciana. Em que pese outras mulheres também tenham revelado preocupação em relação à necessidade de ir embora para retornar ao trabalho, o relato da Luciana foi o que mais despertou a reflexão sobre esta questão. Isto porque, mora de aluguel com os 03 filhos e o marido; possuem uma dívida de R$ 12.000,00 (doze mil reais) e dispõem em torno de R$ 500,00 (quinhentos reais) mensais para prover o sustento da família. Por ser considerada uma gestante de risco, devido ao quadro de hipertensão, teve que parar de trabalhar na gravidez e ser internada na instituição 12 dias antes do nascimento do filho pré-termo, o que colaborou para elevar ainda mais o seu estresse. Foi a partir do seu relato que se começou a compreender os comportamentos apresentados por ela durante os 30 dias de acompanhamento do filho no hospital, questionando-se como fatores tão significativos não eram valorizados por nós, profissionais da saúde. Talvez, isto tenha ocorrido porque nunca tenhamos dado oportunidade para que ela realmente compartilhasse conosco a sua história. Este depoimento reafirma a necessidade de não só as enfermeiras, mas todos os profissionais que assistem a essas mulheres manterem uma comunicação efetiva, para possibilitar o conhecimento da sua história de vida e, desta forma, conforme recomenda Leininger (2002, p.18), “prestar um cuidado coerente com a realidade e tomar decisões assistenciais apoiadoras e facilitadoras”. Cada vez mais as mulheres têm combinado vidas produtivas com reprodutivas. Hardy (2001, p.129) comenta que, com sua inserção no mercado de trabalho, as mulheres se esforçam para equilibrar suas necessidades de subsistência, atuando contra o tempo, acumulando energia e 124 recursos necessários para a criação dos filhos. A depoente Luciana é manicura e, por não ter finalizado o ensino fundamental, tem dificuldade em ser absorvida no mercado formal de trabalho. Por uma série de razões, Luciana vive num mar de inquietações; porém, não se dá conta e nem correlaciona o cansaço, o stress, a preocupação, a ansiedade, a alteração do sono, presentes no dia-a-dia, com o agravamento de seu quadro de hipertensão e com a diminuição ou dificuldade na produção do leite. Além de todos estes problemas, Luciana ainda referia preocupação com os outros filhos que estavam em casa, em especial com a filha de 13 anos, como mostra o relato: Eu estou com uma filha super complicada de 13 anos, rebelde, fugindo de casa e não está indo para a escola. Ela está revoltada, dizendo que vai sumir, que ninguém vai ver ela e eu estou aqui dentro de mãos atadas e sem poder fazer nada. [...] Olha, a minha vida está complicada aqui dentro. Os meus filhos ficam sozinhos; o meu marido trabalha aqui perto e só chega em casa 10 ou 11 horas da noite. [...] Então você imagina se minha filha sumir, se ela sumir para sempre eu vou me culpar para o resto da vida. Eu tenho essa mania, tudo o que acontece com as minhas filhas, eu acho que a culpada sou eu. (Luciana) A depoente Luciana sente-se responsável pelos filhos, isenta a responsabilidade do marido, em virtude do trabalho, e culpa-se por estar afastada do lar. Na concepção de Winnicott (1988), muitas mães não se contentam em ser boas mães, querem ser perfeitas. Exigem de si mesmas cuidados com os filhos acima de seus limites. É um ideal, uma super-exigência que não conseguem realizar; daí sentir-se sempre culpadas, pois estão e estarão aquém de suas expectativas. Na nossa cultura ocidental, cuidar das crianças ainda é uma atividade e atribuição essencialmente feminina. Embora, com a entrada da mulher no mercado de trabalho, haja, em algumas famílias, uma reivindicação para que o homem divida com ela a responsabilidade pelo lar e pelos filhos, isto não foi 125 observado em nossos relatos. A História de Vida da depoente Marlene revela, também, uma série de situações que contribuem para o aumento do estresse e preocupação, não se restringindo à amamentação do filho pré-termo. Vive com um filho de 14 anos, ganha menos de um salário mínimo e, nesta 2ª gestação, teve gemelares. Inclusive, informou que o pai dos gemelares ainda não havia assumido o compromisso com os filhos. Quando eu termino com um já está na hora de dar para o outro, quando termino com o outro já está na hora de começar a dar de novo. É muito cansativo! Tem horas que eles estão falando, mas não entra nada na minha cabeça, parece que eu estou voando. [...] na semana passada eu fiquei estressada, pois não tinha leite. Imagina você ficar segurando um filho seu passando fome no colo. Eu vi que eu estava com falta de leite. Eu vivia falando: “o meu leite está diminuindo, o meu leite está acabando”. As pessoas só falavam: “ordenha! tem que amamentar” [..] até que aquele dia, de uma hora para outra, quando eu fui tirar o leite, não saiu quase nada. A minha mama estava completamente vazia, não saia nada e eles, não queriam prescrever o NAN. Graças a Deus você conseguiu que eles prescrevessem o leite para aquela madrugada, foi um alívio. [...] chegando em casa eles vão ter que tomar na mamadeira porque eu trabalho. Então, por que tem que sair daqui pegando no peito? [...] eles nasceram prematuros, não vou conseguir ficar acompanhando eles lá fora os 4 meses Eu vou ter que voltar ao trabalho no final de novembro Eu trabalho lá há 2 anos, mas como eles estão com problema na justiça eles não estão conseguindo assinar a minha carteira. (Marlene) Cabe registrar que a filha da depoente Marlene (um dos gemelares) nasceu com Síndrome de Down. Fato este não explicitado durante toda a entrevista. Seu comportamento, até o momento, foi de ignorar totalmente esta condição. Fazia comparações entre os filhos gemelares, mas deixava claro que a dificuldade de sucção da menina estava relacionada à prematuridade. No período gestacional, os pais elaboram uma imagem mental do filho ideal e, quando nasce um bebê diferente, pode haver uma negação inicial, por não se admitir que o filho tenha um problema, conforme afirma Miller (1995, p.51). Desta forma, para assistirmos à mãe de pré-termo, é fundamental que 126 se conheça a sua concepção sobre a amamentação e a sua cultura, definida por Leininger (1991) como “os valores, crenças, normas e modos de vida de um determinado grupo, apreendidos, compartilhados e transmitidos e que orientam seu pensamento, suas decisões e suas ações de maneira padronizada”. A complexidade da permanência da mulher no hospital, acompanhando um filho pré-termo no processo da amamentação, toma dimensões ainda mais complicadas quando existem outros filhos em casa. Mesmo tendo um companheiro, ainda hoje, a mulher permanece sendo a responsável principal pela organização da casa e pelos cuidados dos filhos, cobrando-se dela desempenho satisfatório como dona-de-casa, esposa, mãe. Face às dificuldades em dividir tempo e espaço, freqüentemente, acumula ressentimentos de não ter como cuidar de outros filhos, consoante se observa nos relatos de Samanta e Alice: É muito tempo e eu tenho duas pequenininhas, tenho a de 7, tenho a de 8, são pequenininhas. Elas ficam com a avó. Aí eu fico aqui no desespero querendo resolver as coisas e não posso resolver, por causa dele aqui também. A gente fica preocupada em casa; aí se eu vou em casa eu preocupo com ele aqui. Então é uma agonia que tem que acabar. Eu já estou em desespero! (Samanta) A pressão que você tem de ir para casa, ainda mais eu que tenho outro filho, você quer ir para casa porque um precisa e o outro também precisa; você é uma pessoa só; quer dizer, você fica nessa adrenalina que você não sabe como assimilar as coisas. (Alice) Segundo Maldonado (1997, p. 15): “muitas se sentem presas à culpa, principalmente, com relação aos filhos e o conflito entre sentir-se no direito de dedicar-se a atividades de seu interesse e a cobrança de dar assistência integral às crianças”. A conquista do lugar de trabalho e a produção da mulher fora do lar não diminuíram a exigência do papel tradicional da mulher. As novas possibilidades se somam às antigas expectativas e, daí, muitas vezes, surge a sensação de sobrecarga e o sentimento de culpa por não ter conseguido. 127 A implementação do Programa Hospital Amigo da Criança no Brasil, a partir de 1992, deu uma grande contribuição para o aleitamento materno, pelo fato desta iniciativa ter incorporado o significado de proteção e apoio à amamentação, superando as formulações anteriores que só contemplavam os aspectos relacionados à promoção. Porém, não obstante estes avanços, um longo caminho ainda precisa ser percorrido. Segundo Almeida (1999, p.49): Ao se focalizar a amamentação com as lentes da relação promoção-proteção-apoio, tornam-se visíveis os contornos que a caracterizam como um fato social, cuja historicidade revela o equívoco das reformulações políticas que a contemplam como uma prática natural e possível de resgate. Os valores da amamentação são definidos com base em elementos culturais construídos socialmente, configurando-a como um híbrido natureza-cultura, no qual os condicionantes sócio-culturais tendem a se sobrepor aos determinantes biológicos. . Na unidade hospitalar, há uma sistematização do cuidado às mães em amamentação, que, na maioria das vezes, restringe-se à orientação e ajuda visando à saúde do bebê. Segue-se um modelo de atendimento hierárquico e uma ideologia direcionada ao sucesso da alta do bebê em aleitamento exclusivo. É necessário, no entanto, que haja uma adequação do conhecimento do profissional às expectativas dos clientes, a fim de tornar o cuidado humano significativo e terapêutico, como aponta Leininger (2002). A mãe do pré-termo passa a conviver num ambiente totalmente diferente, cercado de situações que acabam por afetar a sua saúde mental, conforme se pode observar nos depoimentos de Clara e de Pérola: [...] é claro que é bem cansativo ficar aqui, você vê coisas boas, coisas tristes dentro de um hospital. Está dentro de um hospital é um ambiente super carregado, você vê coisas maravilhosas e meia dúzia não tão agradável; é muito cansativo mesmo, mexe muito com a cabeça da gente. (Clara) [...] eu não estou agüentando mais, está me dando até uma depressão de tanto ficar aqui. Eu estou morta de cansaço de ficar aqui [...] eu estou com uma depressão de tanto ficar aqui dentro. Eu gostaria de ter coragem para largar ele e ir embora gostaria de ter coragem e ir embora descansar um pouco, mas 128 eu não tenho coragem. (Pérola) Estas mulheres convivem, no seu dia-a-dia, com uma população diversificada no alojamento, com diferentes histórias de vida e diferentes visões de mundo. Este convívio permite a troca de idéias e experiências, que podem reforçar um conceito previamente apreendido ou modificar outros. No alojamento conjunto nós conversamos muito; há um grande stress das mães pela demora da saída do leite materno. Eu tenho certeza que se muitas estivessem em casa, já teriam dado a mamadeira. A criança necessita de algum alimento; a mãe não está tendo leite; então você acha que a mãe vai querer ver o filho morrendo de fome? [...] quero ir embora, quero descansar. (Catarina) Não podemos ignorar, enquanto profissionais da área da saúde, que existem várias influências culturais passadas de geração a geração sobre a amamentação que podem interferir diretamente no comportamento das mães e entrar em conflito com a equipe interdisciplinar no ambiente hospitalar. Estas influências somadas às condições adversas da vida de cada mulher, aumentam o stress e desgaste emocional. Por isso, considera-se que discutir as questões da amamentação com as mulheres apenas no alojamento conjunto não é adequado. Normalmente, quando as mulheres têm filhos a termo e sem problemas, permanecem pouco tempo internadas. Assim, a equipe de saúde mantém pequeno contato com as mesmas, não existindo tempo hábil para conhecer as condições de vida de cada uma e planejar a alta, respeitando-se suas necessidades e individualidades. Para assistir a mulher, mãe do pré-termo, é necessária a compreensão de que as suas percepções, visões de mundo e suas reações têm uma razão de ser, sejam quais forem e por mais estranhas que possam parecer. Cuidar bem das mães significa escutá-las com carinho, com interesse, com desejo de ajudar e tentar resolver algum problema que possa estar preocupando-as. Se a mãe se sentir julgada, censurada, criticada ou reprovada; terá dificuldade de se abrir e, desta forma, não será possível o estabelecimento de uma relação que possa contribuir para o estabelecimento 129 do cuidado coerente. Leininger (1991) ao abordar o cuidado transcultural, na Teoria do Cuidado Cultural, esclarece que o cuidado deve ser congruente, ou seja, deve combinar o cuidado popular com o profissional para evitar estresses culturais. A conduta da enfermeira na assistência à mulher, no processo da amamentação, é muito influenciada pelo modelo de formação profissional vigente. Silva (1999, p.167) afirma que, “o perfil desta formação, ainda predomina o modelo biomédico, cujo destaque operacional do processo ensino-aprendizagem centra-se no caráter tecnicista”. Deste modo, ao atender mulheres com expectativas distintas, poderá promover-se um choque cultural. Foi notório, também, nos depoimentos, preocupação em relação à perda de peso do filho no processo de amamentação, especialmente quando este se encontrava próximo à alta, como se nota no relato de Pérola: Hoje eu já estava perdendo a paciência; ele botava a boca, ficava procurando desesperadamente, mas não conseguia. Eu pensei: “Gente, o meu filho vai perder peso!” eu pensava muito nisso. E quando o Dr. chegou lá na sala? “ah, meu Pai, me ajuda! Eu estava empurrando o peito na boca dele, para ele não emagrecer. (Pérola) O manejo da amamentação de pré-termo é um processo difícil e muitas vezes demorado. Cada bebê é avaliado individualmente e a alimentação, no copo ou no seio, é feita com cautela e sob supervisão. Devido à imaturidade, muitos não conseguem coordenar a sucção, deglutição e respiração, sendo necessária a permanência por um tempo mais prolongado de uma sonda orogástrica. O início da sucção destes recém-nascidos é um novo desafio, tanto para a mãe quanto para o bebê. Normalmente, eles são muito sonolentos e apresentam dificuldades de sucção nas primeiras tentativas; assim, é importante que se avalie o período de atividade do recém-nascido pré-termo para levá-lo ao seio, pois quando está sonolento, a experiência é desanimadora e pode causar frustração na mãe. Nas primeiras tentativas, 130 freqüentemente lambe o seio e, gradativamente, desenvolve seu próprio ritmo de mamar. As mães ficam ansiosas, frustradas, temerosas quando o bebê não tem uma “pega” adequada ou quando nos primeiros dias de sucção começam a perder peso, conforme relatado neste estudo, pois, para elas isto significa aumento do tempo de hospitalização e do risco de o bebê contrair alguma doença. Foi referido pela maioria das depoentes que, no momento em que o bebê era liberado para sugar o seio, ela não conseguia mais ter uma boa descida de leite. Neste momento, técnicas, como a translactação1 eram utilizadas para estimular a produção do leite. É exatamente na transição da sonda para o peito que se observa a maior preocupação das mães, pois, ao iniciar a sucção, o pré-termo tende a perder peso por conta do gasto de energia ou por não conseguir manter um padrão de sucção adequado, evoluindo rapidamente para um quadro de sono profundo, conforme relato: Depois que ele saiu da sonda e que veio para o peito ele perdeu bastante peso, né? Me deixou bastante ansiosa; com isso; fiquei ansiosa porque eu não queria que ele perdesse peso. (Alice) Os bebês pré-termo são mais sonolentos, menos ativos e apresentam dificuldade na amamentação, no começo da vida extra uterina. Desta forma, têm maior probabilidade de perder peso. (TAMEZ e CARVALHO, 2002, p. 165): Normalmente quando o bebê pré-termo é admitido na UTI-neonatal, ele permanece em dieta zero por um determinado período; porém, neste momento, o peso do bebê não é a prioridade da mãe. A preocupação com a sobrevida do filho é o que toma conta do seu pensamento. Com a melhora 1 Na translactação fixa-se uma fita adesiva na roupa da mãe, à altura do ombro, uma seringa de 10 a 20ml, sem o êmbolo, acoplada a uma sonda gástrica nº4, com a extremidade com furos colocada ao nível do mamilo. Colocar o bebê no peito, abocanhando a aréola e a sonda. Colocar leite na seringa. O bebê ao sugar retrairá leite ao mesmo tempo que recebe leite que flui da seringa. A sonda deverá ser fechada, dobrando-a quando o bebê parar de sugar. (BRASIL, 2002, p.103) 131 clínica destes pequenos e o início da amamentação, começa uma nova fase, na qual o ganho de peso passa a ser o fator crucial para a alta. Embora a avaliação do peso diário dos bebês pré-termo seja necessária, este procedimento gera muita ansiedade e insegurança nas mães, consoante pode ser percebido no relato de Elisângela: A cada dia que amanhece a expectativa é a mesma; quanto será que ele perdeu? Eu já nem chego lá perguntando quanto ganhou, pergunto quanto ele perdeu. (Elisângela) A história de vida de Noemi mostra inclusive a repercussão desta preocupação no padrão de sono materno: No domingo os médicos me falaram: “a gente vai fazer uma experiência, vamos tirar esse leite artificial e deixar ela só no peito para poder ver se ela vai ganhar algumas gramas”. Eu não dormi aquela noite, parece que ela mamou mais do que os outros dias. Eu estava com muito medo de não ter leite e aí eu não agüente! Fiquei a noite toda acordada; tirava leite num copo; botava ela no peito e aquela agonia. Graças a Deus ela conseguiu ganhar 40 gramas. (Noemi) Aspectos culturais relacionados à amamentação também puderam ser observados em alguns depoimentos, como o de Cecília, ao incutir a culpa pelo não ganho de peso do filho ao leite fraco. Ele mama o tempo todo e não pega peso. Quer dizer, leite eu tenho bastante. [...] ah, meu Deus, o que está acontecendo que não resolve logo. Será que o meu leite é fraco? (Cecília) A formulação da teoria do leite fraco pela medicina higienista, no século XIX configurou-se como uma forma de tentar justificar os problemas das mulheres que não conseguiam obter sucesso na amamentação, sendo rapidamente assimilada na cultura brasileira. Souza e Almeida (2005, p.18) apontam: O paradigma construído pela medicina higienista fundou socialmente a figura do leite fraco e colaborou de forma decisiva para a introjeção de seus valores culturais, valores esses que atravessaram séculos e que são a principal alegação materna para o desmame em nossos dias. É notória a introjeção de valores relacionados à amamentação na 132 história de vida de Cecília. Embora estivesse na sua 4ª gestação, deixou claro que nunca havia dado importância à amamentação, tendo introduzido de modo precoce a mamadeira nas vivências anteriores. A preocupação das mães em relação ao ganho de peso do filho estava muito relacionada à valorização deste parâmetro pelo profissional, conforme revela o depoimento de Alice: Mãe, ele só vai sair daqui do berçário intermediário quando ganhar peso, porque ele fez uma transição e ele precisa ganhar peso. Aí eu fiquei muito nervosa e ai ela falou: “Mãe não fica assim não, porque é pior ainda para o seu leite, né? Porque para o aleitamento materno fica mais difícil, porque quanto mais nervosa e ansiosa você ficar, o que acontece? o leite vai sumindo, a produção vai diminuindo. (Alice) Analisando o relato de Alice, observa-se que a postura do profissional acaba por atribuir à mãe o papel de única responsável pela alta do filho, uma vez que esta só poderá ser concedida quando o bebê estiver sugando adequadamente e ganhando peso. Há uma fragmentação do cuidado à mulher, na medida em que a amamentação passa a ser o foco do cuidado. Segundo Leininger (1991): “para que o cuidado seja significativo e terapêutico, é necessário que haja adequação do conhecimento profissional aos valores culturais, convicções e expectativas dos clientes”. Aqui as pessoas também gostam que a gente amamente, porque eles querem ver o bebê pegando peso. Acho que é por isso que eles ficam em cima da gente, entendeu? É para o neném sair mais rápido do hospital. (Graça) A História de Vida das entrevistadas evidencia que a mulher vive intensos conflitos para permanecer ao lado do filho pré-termo, posto que tem que abdicar das suas outras funções, o que gera inúmeras preocupações, como por exemplo, com o companheiro, filho, emprego, dívidas. De certa forma, a expectativa de ganho de peso do filho não é um fator isolado, está entrelaçado com outras questões, pois repercute no aumento de tempo de hospitalização e, conseqüentemente, no afastamento da mulher de seus diferentes papéis na sociedade. 133 Apesar de as mães mostrarem-se ansiosas pela alta do filho, em alguns momentos verificam-se sentimentos ambivalentes, o que pode estar relacionado ao medo. Não é fácil para as mães ir para casa com o filho após terem vivenciado tantas situações na UTI-neonatal. Devido a isto, muitos cuidados realizados com o bebê podem persistir bastante tempo após terem deixado de ser necessários. Maldonado (1997, p.49) refere que “O neném deixa de ser prematuro, mas a família ainda o vê como tal, dando margem a condutas de superproteção e excessos de cuidados”. Inclusive, comenta que há registros de casos de crianças que, ao atingirem 1 ano de idade estavam com excesso de peso, face à alimentação excessiva, continuação da antiga ansiedade vivenciada no período de hospitalização. Os depoimentos revelaram que a complexidade das mudanças provocadas pelo nascimento do pré-termo não se restringem às variáveis psicológicas, estendendo-se aos fatores sócio-econômicos e culturais. O incentivo à amamentação sem que sejam dadas condições para que se efetive pode aumentar os sentimentos de culpa nas mães, impotentes para remover tantos obstáculos colocados em seu caminho. O profissional de saúde tem condições de modificar e melhorar o apoio e a proteção a esta mãe, porém não tem como interferir de forma integral em sua condição de vida, pois esta envolve questões de cunho social e econômico. Daí a importância da realização de um trabalho transdiciplinar, considerando-se a integralidade do cuidado e a necessidade de um cuidado holístico. Embora a proposta do Hospital Amigo da Criança traga um grande impacto social, é preciso atentar para as diferentes histórias de vida de mães de pré-termo para não se homogeneizar arbitrariamente o cuidado em prol apenas da saúde da criança. Conhecendo a realidade da mulher, poder-se-á, segundo Leininger (1991, p.48), reforçar a necessidade do profissional “acomodar ou reestruturar o cuidado humano visto como essencial para o bem-estar, a saúde, a cura, o 134 crescimento, a sobrevivência e o enfrentamento de dificuldade”. O nascimento da ideologia médica de prática e cura, apoiada na tecnologia, levou à escassez dos valores culturais e da arte do cuidado (LEININGER, 1991). Neste sentido, há que se tomar cuidado para que a prática impositiva do aleitamento materno não se sobreponha aos significados, valores e desejos das mulheres. Assim, Almeida (1999, p.19) afirma que: Todas as vantagens da amamentação descobertas pela ciência e difundidas na sociedade não têm sido suficientes para garantir a introjeção de valores culturais capazes de reverter a sempre presente tendência ao desmame. Amamentando o filho pré-termo em um Hospital Amigo da Criança As mulheres, mães de recém-nascido pré-termo, com base na vivência da amamentação no Hospital Amigo da Criança, ao contarem suas histórias de vida, fizeram referências à assistência recebida pelos profissionais de saúde e às normas estabelecidas pelo Hospital à cerca da amamentação. Na percepção destas mulheres, o Hospital oferece um atendimento de qualidade e tem em seu quadro uma equipe treinada e envolvida com a assistência. A maioria relacionou a qualidade do atendimento à assistência prestada pela equipe ao filho internado na unidade de terapia intensiva neonatal (UTIneonatal). É importante registrar que durante a permanência no alojamento conjunto, elas referiram que o foco da assistência dos profissionais era direcionado à amamentação, embora a maioria apresentasse problema de saúde. Houve alusão ao apoio dos profissionais de saúde, em especial da equipe de enfermagem, o que contribuiu para minimizar a ansiedade e, para reforçar o espírito de luta pela sobrevivência do filho, possibilitando a amamentação. O nascimento do bebê pré-termo, consoante observado neste estudo, leva as mulheres a um período de desequilíbrio emocional e insegurança, o 135 que reforça a necessidade da atenção dos profissionais de saúde às mães destes pequenos. É freqüente o aparecimento de sentimentos de negação, depressão, culpa e medo de morte do filho, que se relacionam aos estágios descritos por Kubler-Ross (2005) diante de uma situação grave ou fatal, já abordado anteriormente. Na percepção das mães, o apoio da enfermagem foi fundamental, tendo em vista estarem vivenciando um momento conflituoso, de crise, não apenas em relação à amamentação, mas, também, pelo nascimento do filho prétermo. Neste momento, surge espaço para a atuação do profissional no sentido de dar suporte às mães, podendo, ajudá-la, desta forma, conforme refere uma das depoentes: A gente passa muito tempo ali dentro; começa a conhecer toda equipe, o jeitinho de cada um. É claro que alguns são mais falantes com a gente, conversam mais, nos animam mais e até perdem algum tempo ouvindo as nossas histórias, as nossas reclamações. Trocamos receitas, experiências e até conselhos (risos). Isso ajuda o tempo a passar e por incrível que pareça nos deixa mais tranqüila e mais confiante em relação ao nosso filho e até mesmo para ordenhar e amamentar. (Samanta) Observa-se que a possibilidade dada pelo profissional à mãe para falar de seus problemas, de sua vida, interferiu de forma positiva no processo da amamentação. Na perspectiva de Samanta, a escuta terapêutica do profissional de enfermagem quanto às questões subjetivas de sua condição de vida foi mais importante do que o apoio recebido em relação às questões práticas do manejo da lactação. Cabe ressaltar que esta depoente referiu que o profissional de enfermagem interferiu junto à equipe médica para solucionar problemas inerentes à amamentação, a partir do conhecimento de sua história de vida. No estabelecimento do cuidado, como refere Leininger (2002, p. 9), deve-se, inicialmente, estabelecer estratégias sensíveis para obter-se informações junto ao cliente e, assim, implementar ações que repercutam no seu modo de vida. No entanto, na percepção da maioria das mães de pré-termo, o “apoio” dos profissionais de saúde não transcendeu as questões práticas, 136 relacionadas ao manejo e manutenção da lactação. Estes profissionais, em verdade, mostraram-se coerentes com a concepção teórica de Almeida (1999), na qual, os profissionais limitam-se ao atendimento das necessidades biológicas; contudo faz-se mister ultrapassar-se a fronteira biológica da amamentação. Faltou ao profissional, na percepção da maioria das mulheres, o entendimento de sua condição enquanto mulher e mãe, inserida no contexto da amamentação, conforme se verifica no relato: Eu acho que aqui é amigo da criança e inimigo das mães, porque a mãe fica destruída. Eu acordo de 3 em 3 horas para amamentar e tipo assim, a gente cansa muito, muito. Eu acho que aqui tem um radicalismo demais porque eu só queria dormir um pouco; eu já não estava mais ouvindo o meu telefone despertar, de tão cansada que eu estava! Eu queria dormir um horário, mas não podia. (Alice) O estudo demonstrou que os profissionais que assistem as mães de pré-termo ainda atuam respaldados em um modelo de assistência caracterizado pela política de saúde do início da década de 80, de valorização da amamentação como um atributo natural, em detrimento à sua condição feminina, o que vai ao encontro dos resultados da investigação teórica realizada por Serra e Scochi (2004). De forma geral, a cobrança social e dos profissionais à mulher para que amamente seu filho tem se respaldado no avanço do conhecimento que reforça os benefícios do leite humano no desenvolvimento bio-psico-social da criança, estando, portanto, o papel social da mãe definido por determinantes biológicos. Observa-se, a partir dos relatos, dificuldade da equipe de saúde que cuida dessas mulheres em compreender o caráter singular e específico da amamentação, tendo em vista que este tema não é abordado no curso de treinamento para os profissionais que atuam no Hospital Amigo da Criança. É importante ressaltar a determinação da Organização Mundial de Saúde em relação ao treinamento do profissional da área da saúde que atua no Hospital Amigo da Criança. O treinamento destes profissionais tem sido 137 direcionado apenas ao manejo da amamentação e lactação, através de um curso de 18 horas, incluindo um mínimo de 3 horas de experiência clínica sob supervisão, abrangendo, pelo menos, oito dos Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno (BRASIL, 1994b). Este treinamento, no entanto, não capacita a equipe para lidar com outras questões, como por exemplo, para estimular a mãe a falar sobre seus bloqueios e ansiedades. Estudo realizado por Souza (1996) em dois hospitais do Rio de Janeiro, um candidato e outro credenciado pela Iniciativa Hospital Amigo da Criança, evidenciou que o paradigma da amamentação era fortalecido como um ato natural e de amor e que, por isso, não necessitava ser ensinado, aprendido e apoiado. Ao ouvir, também, mulheres usuárias de um Hospital credenciado como Hospital Amigo da Criança, a autora identificou a falta de apoio de forma constante, revelando um descompasso entre o discurso oficial e a prática. Na perspectiva da maioria das mães de pré-termo, houve apoio do profissional no processo da amamentação, porém existiu uma enorme cobrança por parte de médicos e equipe de enfermagem, o que contribuiu para aumentar a ansiedade. Embora tenha sido reconhecido pelas mães o mérito do Hospital em relação à assistência, elas se ressentem do impacto gerado pelas regras e rotinas estabelecidas na Instituição, como por exemplos, a não utilização de mamadeira e chupeta e a valorização dada pelos profissionais de saúde à amamentação, em detrimento de suas dificuldades e condições física e emocional. As mães de pré-termo referiram nunca terem ouvido falar no Hospital Amigo da Criança, tão pouco nas diretrizes que norteiam estes hospitais. O fato de a maioria das mulheres (17) ter iniciado o pré-natal em outro Hospital e, devido ao parto prematuro, ter freqüentado poucas consultas na Instituição, em torno de 02, pode ter sido um dos contribuintes para o seu desconhecimento, o que reforça a necessidade de ampliar-se a divulgação da política implementada pelo Ministério da Saúde sobre a amamentação à 138 população. Até junho de 2003, registravam-se 271 Hospitais Amigos da Criança, no Brasil, sendo 125 no nordeste, 50 no sudeste, 47 no sul, 34 na região centrooeste e 15 no norte do país. Dentre os Hospitais do sudeste, 11 estão localizados no Estado do Rio de Janeiro. (BRASIIL, 2003). A iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC) idealizada em 1990 pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) para promover, proteger e apoiar o aleitamento materno deixa bem definido o importante papel de apoio que os hospitais podem desempenhar visando a tornar o aleitamento materno uma prática universalmente adotada nas maternidades, contribuindo significativamente para a saúde e desenvolvimento de milhões de bebês. Considerando que os pré-termos ou doentes são separados de suas mães para receberem a assistência necessária e adequada para a manutenção de suas funções vitais, o que atrasa temporariamente ou interrompe a amamentação, a OMS e o UNICEF afirmam o dever de se mostrar à mãe como iniciar ou manter a lactação no caso de ela ser separada de seu filho (BRASIL, 1997b). Os pré-termos, além de tratamento e cuidados especiais, demandam também específica atenção em relação à alimentação, a fim de se lhes assegurar uma melhor qualidade de assistência e de vida a partir do nascimento. Consta no Projeto “Hospital Amigo da Criança”, que a alimentação de recém-nascidos internados na unidade neonatal deve ser decidida individualmente, dada às necessidades nutricionais e capacidades funcionais específicas, ainda que o leite materno seja o alimento mais recomendado. Dentre as crianças sujeitas a cuidados especiais em relação à alimentação, estão incluídos, de acordo com Brasil (1997b, p. 11). Recém-nascidos com peso muito baixo, ou nascido prematuramente com menos de 1500 gramas ou 32 semanas de gestação; crianças com imaturidade severa, ou que requeiram terapia para hipoglicemia, e que não manifestem ganho ponderal através da amamentação ou administração de 139 leite humano. A iniciativa “Hospital Amigo da Criança” representa um esforço para promoção da amamentação através da mobilização das equipes de saúde dos serviços obstétricos e pediátricos. Dentre as diretrizes que norteiam esta política, na qual constam “Os Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno”, está previsto no 5º passo que os profissionais de saúde devem ajudar as mães a iniciar e manter a lactação, caso a criança necessite de cuidados especiais, o que foi evidenciado com as mães entrevistadas, conforme o depoimento: Eu recebi orientação das enfermeiras aqui para eu massagear a mama e fornecer o meu leite para o Banco de Leite do outro Hospital até que ele começasse a mamar. Eu não cheguei a fazer isso, porque no início eu ficava muito nervosa e o leite não saia, mas aos poucos eu fui relaxando e ele começando a tomar do meu leite pela sonda. (Mônica) As mães de recém-nascidos pré-termo relataram terem recebido várias orientações acerca da amamentação, cuidado com a mama e manutenção da lactação, quer seja de forma individualizada, no alojamento conjunto ou na unidade neonatal, ou através de orientação de grupo, consoante se observa nos relatos: Tive muitas orientações sobre a amamentação; conversas, explicações, coisas que desde a primeira gravidez eu não tive.[...].. depois de muitas conversas me explicaram sobre as proteínas e eu dei mais valor assim a amamentação. Já sento com prazer, já o amamento com prazer, entendeu? (Cecília) Eles falam que o aleitamento é bom para a criança, para prevenir algumas doenças, né? (Graça) Analisando as normas e diretrizes estabelecidas pelos “Hospitais Amigos da Criança”, nota-se o cumprimento pela instituição do 2º passo para o sucesso do aleitamento materno no que concerne a “treinar toda a equipe de cuidados de saúde capacitando-a para implementar esta norma” (BRASIL,1994b). O envolvimento dos profissionais que acompanham as mães de pré- 140 termo na orientação em relação à amamentação foi relatado nos depoimentos, porém algumas mães referiram ainda terem dúvidas em relação a algumas questões não discutidas nas palestras, como por exemplo, a existência de benefícios de saúde para as mulheres, o aleitamento cruzado, fatores que interferem na produção de leite, interferência da mamadeira na amamentação, conforme observado nos relatos: Eu fiquei muito curiosa na reunião, mas não tive coragem de perguntar por que fiquei com vergonha; se existia algum benefício da amamentação para a mãe, porque só falou sobre a importância para o bebê. (Rafaela) Tem uma coisa que eu não entendo. Por que tem algumas mães que têm mais leite e outras não? Alimentação eu acho que não é; a gente vê aquelas mães lá na África, nesses países que não tem comida com os filhos pendurados no peito e tem leite! (Paloma) Ela pediu até para eu amamentar o filho dela, mas eu não quis. Se fosse a minha sobrinha e se fosse preciso eu daria, mas como o hospital fala que não pode, eu não dou... eu acho que essas coisas de não poder dar o leite para outra criança deveria ser falado nas palestras aqui no hospital. Eu achava que deveria ter palestra para explicar sobre o aleitamento materno, os benefícios que traz para mim e para o meu filho. Eu achava que tinha que ter isso aqui! (Pérola) Estes depoimentos vêm reforçar que as orientações dos profissionais de saúde neste Hospital Amigo da Criança não são realizadas a partir da necessidade das mães. O discurso sobre a amamentação é instituído, mas acaba por não contemplar as necessidades de forma individualizada. Leininger (1991) refere que as enfermeiras no processo de cuidar precisam não somente de uma visão holística bio-psico-socio-cultural mas, também, de “uma visão comparativa das diferenças culturais enquanto trabalham com pessoas em diferentes contextos ambientais”. Assim, baseando-se na Teoria do Cuidado Cultural de Leininger, entende-se que não só o enfermeiro, mas toda equipe que assiste às mães de pré-termo, no processo de amamentação, deve conhecer a visão de mundo da cliente, para poder programar um cuidado coerente com a sua real necessidade. 141 Das mães entrevistadas, 06 referiram não acreditar em tudo que havia sido falado pelos profissionais de saúde em relação à amamentação, como mostra o depoimento: Eu acho muita coisa lorota (risos), porque elas dizem assim: “ah, porque até aquela mãe da Etiópia que não dorme e que não come tem leite”. Então, como é que a gente que se alimenta, bebe líquido, trocentos líquidos e muitas vezes o leite some, desaparece? A gente fica tentando entender isso. (Alice) As orientações que foram repassadas pelos profissionais de saúde às mães de pré-temo foram avaliadas e confrontadas com suas percepções e vivências; algumas, desta forma, questionaram a importância da amamentação, como evidenciado a seguir. Não entra na cabeça das mães que o leite materno é o que eles passam para a gente: vitamina, segurança. Eu converso muito, né? “Ah, fulano não mamou; não mamou nenhum dia e não morreu; está bem de saúde até hoje!” É isso que a gente vê, né? E aquelas mães que têm alguma infecção e não podem amamentar? E ai? O filho nem por isso morre. É assim que a gente vê. Então, é difícil você achar alguma mãe dizer: “Não, o leite é importante, vou amamentar o meu filho!” Você não escuta isso mesmo! (Luciana) Conforme discutido por diversos pesquisadores, como Almeida (1999), Souza (2005) e Silva (2000), a amamentação depende de concepções e valores assimilados e construídos pela mulher no decorrer de sua vida. Antes de ser biologicamente determinada, é social e culturalmente condicionada; mutável, de acordo com as épocas e costumes. Destarte, fundamentado neste entendimento, o reconhecimento da bagagem cultural das clientes torna-se objeto facilitador na implementação do cuidado. Estes pressupostos vão ao encontro da Teoria do Cuidado Cultural de Leininger (1991) quando, na década de 40, nos Estados Unidos, percebeu a necessidade do conhecimento pelos enfermeiros das diversas culturas para adequação do cuidado. Tal autora (1991, p.47) traz como definição de cultura: Valores, crenças, normas e modos de vida de um determinado grupo aprendidos, compartilhados e transmitidos e que orientam seu pensamento, suas decisões e suas ações de maneira padronizada. 142 O que se observa, a partir dos depoimentos, é a falta de um suporte adequado no hospital, capaz de responder aos anseios das mães, suas dúvidas, inquietações e necessidades, de forma individualizada. Há influência da cultura popular em relação à prática da amamentação. Entretanto, quando as mães são inseridas no hospital, o que prevalece é o saber do profissional. Conforme os depoimentos demonstraram, não há espaço para a troca de experiências e conhecimentos. Leininger (1991, p.47) traz como pressuposto que “o cuidado cultural é o meio holístico mais amplo para conhecer, explicar, interpretar e prever o fenômeno do cuidado de enfermagem guiando as práticas”. As convicções, aprendidas e partilhadas, os valores e o modo de viver das mães de pré-termo são transmitidos de geração a geração e influenciam o seu pensamento e o modo de agir. Analisando a Teoria do Cuidado Cultural de Leininger, Silva (2003, p.37) refere que as orientações conceituais para esta Teoria “derivam de uma Enfermagem holística não apenas com a visão biopsicosociocultural, mas com a perspectiva antropológica dos seres humanos, considerando que convivem em diferentes culturas e contextos ambientais”. De forma geral, as atitudes e as práticas dos profissionais que prestam assistência à mulher não estão dissociadas das suas visões de mundo, com as quais operam na assistência, influenciada, também, pelo modelo de formação acadêmica. Muitos ainda vêem a amamentação como decorrência inevitável da maternidade; não compreendendo a necessidade de se apoiar a mulher nos aspectos subjetivos que permeiam o processo da amamentação. A maioria das depoentes (13), após receberem orientações dos profissionais, desmistificou conceitos inadequados acerca da amamentação, como se pode observar no relato a seguir: Bom para os meus outros filhos eu dava o peito e a mamadeira. Eu achava que aqueles outros leites é que engordavam eles, apesar de eu ter muito leite... eu pensava 143 que o leite do peito era um complemento como remédio para fortalecer, tipo uma vitamina. Agora eu descobri que nem água precisa dar. Antigamente eu dava água e dava chazinho, quando eu for para casa eu pretendo fazer as coisas que eu aprendi aqui. (Noemi) Tanto a depoente Cecília quanto a depoente Noemi estavam vivenciando a amamentação pela 4ª vez e atribuía o não aleitamento exclusivo anterior, ao desconhecimento da real importância para a saúde do filho. Embora a depoente Noemi afirme que após a alta seguirá todas as recomendações relacionadas à amamentação, comenta ser difícil aceitar que o leite materno possua água e todos os nutrientes de que a criança necessita. Esse depoimento demonstra toda uma influência histórica e cultural da medicina higienista do século XIX e da indústria do leite do século XX na determinação do comportamento materno no que tange à amamentação ao longo dos anos. Nos depoimentos das mães de pré-termo, as questões referentes ao leite fraco e pouco leite foram decisivas para a introdução de alimentos antes dos seis meses de vida, em relação aos outros filhos, o que, na maioria das vezes, era reforçado e apoiado pela família. Ao serem inseridas no “Hospital Amigo da Criança”, conceitos até então apreendidos por algumas mulheres foram postos em cheque, gerando, inclusive, certa revolta e ressentimentos quanto às experiências anteriores, conforme mostra o depoimento: Eu sabia antigamente, minha mãe falava: “o seu leite é fraco, entendeu? Da sua irmã é leite forte; olha como ela produz bastante leite; você, coitada vai ficar o dia inteiro e quase não tem leite nenhum para alimentar aquela menina; o leite dela é fraquinho, por isso que a garota é magrinha. Tem que botar um complemento; vamos dar um reforço, um mingau, qualquer coisa assim”. Quer dizer, isso aí mexeu bastante, mexe bastante com a nossa cabeça a pessoa falar que o seu leite não serve, é fraco e da outra é mais forte. Quer dizer que não é nada disso; aqui você descobre que não tem nada disso, não tem leite mais fraco ou mais forte, né? Aí isso mexe muito, muito, mexeu muito com a minha cabeça, mexeu bastante. (Clara). 144 O mito do leite fraco e, posteriormente, o paradigma da hipogalatasia, segundo Souza e Almeida (2005), surgiam como resposta à incapacidade dos médicos do século XIX e do início do século XX de lidarem com o fracasso da amamentação, uma vez que utilizavam basicamente pressupostos biológicos, embasados pelo conhecimento da época, e, em nenhum momento, discutiram possibilidades outras, como fatores de ordem emocional e social. O mito do leite fraco e do pouco leite se desdobrou em várias outras alegações das mulheres para justificar o desmame de forma precoce, assim como a introdução de leites industrializados, ainda presentes nos dias atuais, sendo estas justificativas bem aceitas socialmente. Os depoimentos mostraram que as mulheres sofrem uma intensa influência de familiares na introjeção de valores culturais em relação à amamentação, quer seja de forma positiva ou negativa. Algumas mulheres, inclusive, referiram a incompreensão dos familiares pela demora da alta da criança. Criticavam o critério definido pelo hospital em que concerne à alta do bebê em aleitamento materno exclusivo; ao uso do copinho e à proibição da mamadeira. Embora as mães dos recém-nascidos pré-termo tenham valorizado em seus depoimentos a qualidade das orientações e dos esclarecimentos acerca da amamentação, estes se centraram nas questões de cunho biológico e benefícios para o bebê, vindo a reforçar a amamentação como uma prática instintiva e natural. As recomendações internacionais de promoção da amamentação, bem como a proteção, resultaram de esforços iniciados ao final da década de 70 e início da década de 80, período em que se firmou o movimento mundial em favor da amamentação, tendo em vista o elevado índice de morbi-mortalidade infantil. À época, os estudos evidenciaram que a falta de informações sobre a amamentação, a insegurança e ansiedade das mães, o despreparo dos 145 serviços de saúde, particularmente no pré-natal, eram as principais causas do desmame precoce. A partir desses resultados, propôs-se revisão das práticas das instituições de saúde, mudança de atitudes dos profissionais e formulação de programas de governo que resultassem em políticas dirigidas à proteção, promoção e incentivo à amamentação, como, por exemplo, o Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno (PNIAM), lançado em 1981 no Brasil. O início da década de 80 foi marcado, então, pelo intenso movimento de valorização da amamentação, desencadeado pela implantação do PNIAM. Reconhecida a superioridade do leite materno em relação aos leites industrializados no meio científico, inúmeras campanhas foram realizadas de esclarecimento à população. No processo de operacionalização, foram incluídas campanhas de comunicação de massa, incentivo às ações educativas no pré-natal, parto e puerpério, formação de grupos de mães, treinamento dos profissionais de saúde, discussão do tema em seminário e congressos, publicações de pesquisas sobre a amamentação, implantação do sistema de alojamento conjunto, normas para implementação e funcionamento dos Bancos de Leite Humano, proteção ao trabalho da mulher com a licença maternidade de 120 dias, direito das mulheres privadas da liberdade de permanecer com o filho durante o período de amamentação, instituição do código internacional de comercialização de alimentos e sucedâneos do leite humano, introdução nos currículos de primeiro e segundo graus do tema aleitamento materno, assim como no ensino universitário. Na década 90, dez anos após a implantação do Programa, identificouse o impacto positivo dessas políticas a partir de resultados de estudos no âmbito nacional (Brasil) que mostraram, aumento de 134 dias na mediana do aleitamento materno e de 72 dias na mediana do aleitamento materno exclusivo (LEÃO et al, 1992). Todavia, o aleitamento materno exclusivo está distante do que é vislumbrado pela Organização Mundial de Saúde. 146 O discurso teórico que embasou o Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno foi dirigido ao atendimento das necessidades da criança, não contemplando a mulher em suas especificidades. Ao ser incorporado à mulher o valor da amamentação para a criança, acabava-se por instituir a ela a responsabilidade sobre o desenvolvimento do filho. O paradigma de amamentação adotado pelo PNIAM biologizou as questões relativas ao aleitamento e, ao tratar do paradoxo do desmame, o Programa foi incapaz de admitir a assimetria entre os humanos e as demais espécies de mamíferos, instituindo que o ato de amamentar fosse considerado como instintivo, natural e biológico (ALMEIDA e GOMES, 1998). Embora duas décadas tenham se passado, os discursos das mulheres que vivenciaram a amamentação do pré-termo no Hospital Amigo da Criança estavam impregnados de responsabilidade e culpa, centrados nos aspectos biológicos, frutos de uma construção histórica, em que a valorização da amamentação deu-se a partir de interesses relacionados à saúde da criança, o que pode ser evidenciado no relato a seguir: Eu fui orientada a ficar tirando o leite, mas é muito cansativo. As pessoas me falavam que eu precisava me esforçar para continuar a tirar o leite para estimular a produção; eu queria dormir e aí mandavam me chamar e eu perdia o sono, porque eu tinha que estar na hora certinha para dar de mamar. (Samanta) Apesar da valorização pelas mães da política implementada no Hospital no que tange à amamentação do pré-termo, de forma geral, na percepção de 16 mães, tal política se deu de forma impositiva pela maioria dos profissionais de saúde. Algumas (06) entenderam ser necessária esta imposição para que o Hospital conseguisse alcançar a meta planejada, outras criticaram o radicalismo com que era determinada à mãe a obrigação de amamentar o filho, mesmo reconhecendo a superioridade e benefícios do leite humano quando comparado em relação aos leites industrializados, consoante demonstrado a seguir: 147 Aqui dentro você tem que fazer; até por questão de norma, se o hospital começar a abrir mão, abrir mão, vai perder o título de Hospital Amigo da Criança; eles frisam muito sobre o aleitamento materno, sobre a questão de ordenhar, da doação de leite, mesmo se o bebê não tivesse mamando você teria que tirar para poder doar para outro hospital; aquela questão de não ter chupeta, mamadeira nem pensar! Aqui eles cobram mesmo! Cobrar no sentido de orientar, de frisar. (Marisa) Aqui eles são muito persistentes na meta da amamentação, conforme falou a enfermeira. Eles são muito persistentes na meta, na diretriz; ficam ali mesmo para cumprir mesmo e atingir a meta do hospital. Então, isso dá um pouquinho de angústia porque, às vezes, você não consegue atingir a meta junto com o médico, com a enfermeira e dá um pouco de frustração. (Rafaela) Segundo Ramos e Almeida (2003), o modelo assistencial ora vigente tende a modular o comportamento da mulher em prol da amamentação, responsabilizando-a pela saúde do seu filho. Esses autores apontam que, mais do que responsabilizar, esse modelo confere culpa à mulher pelo desmame precoce, esquivando-se de compreender as necessidades das mães. Consideram este modelo falho na medida em que não abrange e não acolhe a dimensão subjetiva da mulher. Muitas vezes, o profissional de saúde preso a um determinado modelo, priva-se de escutar o sujeito, provocando com seu discurso, um sentimento de impotência na mulher, conforme evidenciado neste estudo. De certa forma, o entendimento e a aceitação de algumas mães em relação à postura do hospital dão-se pelo reconhecimento da importância do leite materno para a saúde do pré-termo, porém a padronização das normas e rotinas, em muitas ocasiões, corroborou para o aumento do stress e, conseqüentemente, para a diminuição da produção de leite. As críticas em relação às normas do hospital foram atreladas, também, ao não reconhecimento, por parte de alguns profissionais de saúde, dos problemas e dificuldades vivenciados pelas mães, conforme mostra o relato: Tem um dia que você ordenhando de 3 em 3 horas, você fica cansada e não consegue ordenhar a quantidade toda e as pessoas ficam cobrando: elas dizem: “Não! Vai sim! Consegue 148 sim! Massageia o peito, lava o peito, vira o peito, faz o que você quiser com o peito que você vai conseguir sim” acho que eles não vêem muito o nosso lado...é estressante, é muito cansativo” . Para aquele que é responsável pelo cumprimento dos passos do Hospital é fácil, acha que a mãe pode dar conta. Ele nunca amamentou né? Se passa a visita para saber como está o bebê, mas o que a mãe acha, o que ela pensa ninguém quer saber, não! Conversar diretamente como a mãe, não se conversa; tem hora que a mãe está cansada ou não tem a quantidade de leite suficiente e se tivesse um complemento ajudaria bastante. Seria bom para ela descansar um pouco, por mais que ele tenha leite. É um hospital que nem é muito amigo da criança, porque às vezes ele fica com fome né? (Paloma) A depoente Paloma referiu que o único momento em que era dada a ela a possibilidade de expressar seus sentimentos, suas opiniões, era na reunião com a psicóloga, realizada uma vez na semana, da qual, também participavam a assistente social e a enfermeira. Durante a permanência no hospital, a depoente Paloma observou que, embora os profissionais cumpram as normas estabelecidas para a manutenção do título “Hospital Amigo da Criança”, alguns não concordam com todas as condutas. Além disso, referiu existirem na instituição alguns profissionais mais sensíveis e flexíveis e outros indiferentes aos seus problemas, como se observa no depoimento: Tem uns que são maleáveis e acham que isso não está certo, mas a maioria que consegue enxergar isso é mulher e já teve filho também. Enfermeira que já passou por isso; quem nunca passou por isso não vai saber, não vai entender você não ter leite e a criança ficar chorando; Isso porque o hospital é amigo da criança. É um contra-senso! O Hospital é muito amigo da criança, mas está se esquecendo da mãe. Agora a criança sem a mãe fica difícil! O que adianta ser muito amigo da criança e a mãe não ter leite no peito? Vai fazer o que? Acho que nem da criança ele está sendo amigo. Aí fica muito difícil. Se a pessoa que é responsável pelo suprimento liberasse o leite seria diferente, mas acho que ela não está entendendo isso, não está vendo o sofrimento da mãe e do bebê. (Paloma) Tal depoente, em que pese demonstrasse, em seu relato, seu descontentamento em relação a algumas normas estabelecidas na instituição, em nenhum momento deixou transparecer sua falta de interesse na 149 amamentação. Ao contrário, para ela, a amamentação era vista como responsabilidade e obrigação das mães. O stress e a ansiedade estavam associados ao cansaço pela permanência no hospital há 61 dias, preocupação com a sobrevivência do filho, dificuldade de transição da dieta do filho da sonda para o peito, dentre outros fatores. Os profissionais que assistiram as mães no processo de amamentação no Hospital Amigo da Criança mostraram-se, em verdade, presos às concepções biológicas de valorização da amamentação, no cumprimento das diretrizes estabelecidas pelo Ministério de Saúde, o que foi percebido e relatado também pela depoente Graça: Aqui as pessoas também gostam que a gente amamente, porque elas querem ver o bebê pegando peso. Acho que é por isso que eles ficam ali em cima da gente entendeu? É para o neném sair mais rápido do hospital. (Graça) Em geral, as rotinas hospitalares adotadas na instituição, em atenção ao cumprimento dos “Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno”, preconizados pela iniciativa, “Hospital Amigo da Criança” se configuraram em objeto de crítica por grande parte das depoentes. Metade das depoentes não concordava com a conduta do Hospital, quanto ao uso da mamadeira e introdução de leite artificial, pois estava distante de suas expectativas quando da alta do filho, conforme exemplifica o relato: Uma coisa que eu não concordo e que tem me deixado muito irritada é essas coisas de não ter mamadeira neste hospital. Eu acho errado por que, por exemplo, o meu filho vai chegar em casa e vai entrar no NAN porque eu tenho que trabalhar. Eu não vou cortar o seio dele entendeu? Eu vou trabalhar perto de casa e ter 2 horas de almoço; eu vou dar o peito para ele. Então se ele vai para o NAN, por que não o deixar acostumar com a mamadeira? Filho meu eu gosto que chupe chupeta porque eu acho que acalma muito a criança. Com os outros filhos foi totalmente diferente. Fiquei no hospital 72 horas após o parto eles pegaram o peito rápido e quando chegaram em casa entraram na mamadeira. Eu dividi o tempo: uma hora era peito e na outra mamadeira porque eu tinha que trabalhar. (Carmen) 150 As questões relativas à conciliação da amamentação com o retorno ao trabalho constituem-se em um dos principais indicadores para a opção materna de interrupção da amamentação e introdução do leite artificial, após a alta do filho. Assim, a mãe do pré-termo passa a viver momentos de conflitos ao se deparar com condutas de valorização da amamentação, sem, no entanto, ter condições para manter a amamentação exclusiva do filho até o 6º mês de vida. Por não possuir um trabalho formal, a maioria não é amparada pela Constituição Federal do Brasil, que assegura a licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de 120 dias. O profissional exerce uma pressão em relação à permanência das mães no hospital para a alta do filho em aleitamento materno exclusivo, porém este processo se dá de forma lenta, gerando stress e ansiedade, consoante abordado pelas mães. Diante das regras estabelecidas pelo Hospital, a depoente Carmem revelou que, às vezes, as mulheres pensam em ir para casa e deixar o filho na Instituição para forçar os profissionais a prescreverem leite artificial, pois têm conhecimento de que este leite, comparado ao leite humano, acelera o ganho de peso; ao passo que a sucção ao seio contribui para a perda de peso, devido ao maior esforço, elevando o tempo de hospitalização. Enfatizou, contudo, que falta coragem às mulheres para se afastarem dos filhos. A partir dos depoimentos das mães, observa-se que a promoção da amamentação necessita ser visualizada preliminarmente como parte integrante de um contexto social mais amplo. Ao ser conhecida a dinâmica familiar interna e sua inter-relação com os demais fatores constituintes da sociedade, a promoção da amamentação poderá ser feita de forma mais significativa e, portanto, mais eficiente. O desejo de ter um filho e amamentar sofre influências antigas e que seguem atuais; porém, a evolução dos papéis sociais desempenhados pela 151 mulher criou um descompasso entre a antiga e a atual condição da mulher, com conseqüentes reflexos também no modo de ser mãe e na amamentação. Leininger (1991) refere que, para que se alcance a efetividade das ações desejadas, é essencial a incorporação da perspectiva transcultural como um guia das práticas assistenciais. A enfermagem transcultural objetiva prover uma forma de cuidar que seja sensível e tenha origem nas necessidades das pessoas, de suas famílias e grupos culturais. O entendimento das percepções das próprias mães de pré-termo em relação à amamentação e seus papéis no âmbito familiar pode minimizar, então, o stress e ansiedade vivenciada por elas, o que, de certa forma, poderá contribuir na inter-relação com o filho, independentemente de estar amamentando ou não. Winnicott (1988, p.21), ao criticar a excessiva valorização do aleitamento materno, atribui, até certo ponto, aos psicanalistas responsáveis pela teoria do desenvolvimento emocional da criança, “a responsabilidade pelo exagero com que o seio foi posto em evidência”. Embora considere a amamentação importante para o desenvolvimento do bebê, afirma que “o ato de segurar e manipulá-lo é mais importante, em termos vitais, do que a experiência concreta da amamentação”. O autor ainda refere que: Atualmente um número enorme de pessoas se desenvolveu satisfatoriamente sem que tenha passado pela experiência da amamentação. Isto significa que existem outras formas através da qual um bebê pode experimentar um contato físico íntimo com a mãe. (WINNICOTT,1988, p.21) Assim como a depoente Carmen, a depoente Marlene também fez algumas críticas em relação à rigidez das normas do Hospital: Eu acho que é um direito deles não querer mamadeira aqui no hospital; cada um faz o que achar certo. Então eu não vou questionar a conduta deles; deixa a mamadeira para dar em casa! (risos). Eu só sou contra eles dizerem que só vão mandar embora caso esteja mamando no peito. Chegando em casa eles vão ter que tomar na mamadeira porque eu trabalho. Tem mãe que não gosta mesmo e não quer dar o seio, mas tem mãe que não tem condições. Então tem que usar o leite artificial. Eu acho que eles poderiam ser menos radicais e avaliar cada situação. Se eu tivesse condições de ficar em 152 casa para cuidar dos meus filhos, eu iria amamentar eles até os 6 meses ou até quando eles quisessem e eu tivesse leite. Ninguém vai ter paciência de dar o leite no copinho. (Marlene) O estudo revelou, então, que algumas diferenças na percepção das mães de pré-termo em relação à amamentação são influenciadas não apenas pelas questões biológicas e culturais, mas, também, pela condição sócioeconômica. A depoente Marlene, além de ter tido gemelares, tinha mais uma filha de 14 anos e não dispunha de apoio do companheiro, nem de ajuda financeira do mesmo, referindo uma renda mensal de R$280,00 (duzentos e oitenta reais). Almeida (1999, p.17), citando um estudo realizado na cidade do Rio de Janeiro, em 1994, aduz que se calculou um desperdício médio de U$43 (quarenta e três dólares) /mês ao longo do primeiro ano de vida do bebê, se o seio materno fosse substituído pela alternativa alimentar de menor custo disponível no mercado àquela época. Este valor representando apenas o custo direto, necessário à compra do alimento alternativo. Se considerarmos a população deste estudo, pré-termo, ao se introduzir alimentação artificial, o custo é muito maior, cerca de 12 vezes a mais por lata. E, no caso de Marlene, torna-se inviável a manutenção dos bebês com uma dieta, em termos protéico-calórica adequada, podendo os pequenos futuramente vir a terem problemas de carência nutricional, estando suscetível a doenças diarréicas e respiratórias. Dever-se-ia, pois, encaminhar essas mães em dificuldades financeiras aos programas de ajuda social governamentais, de modo que, desta forma, fossem-lhes garantidas condições mínimas de sobrevivência. Araújo et al (2004, p. 8) afirmam que o gasto com saúde de uma criança em aleitamento artificial é maior, especialmente em função dos gastos maiores por internações hospitalares. Logo, prover a alimentação complementar da mãe carente, para que a mesma possa amamentar seu filho, além de ser mais saudável, tanto para a mãe, que melhorará seu estado nutricional, como para seu filho, que receberá o melhor alimento, o leite 153 materno, traz vantagens econômicas importantes para famílias, unidades de saúde, estados e governos. Compreendendo as questões ora referenciadas por Marlene como relevantes dentro do seu contexto de vida, reforça-se a necessidade de reavaliação de condutas dos profissionais nos “Hospitais Amigos da Criança”. A necessidade preliminar da mãe de trabalhar se sobrepõe ao desejo de cuidar e amamentar o filho. Assim, corroboro com o pensamento de Klaus & Kennel (1993, p.70), ao explicitarem que: Muitas variáveis influenciam a decisão de uma mulher para continuar amamentando, para tomar isto como comprovação válida de apego. Uma mulher que descontinua a amamentação para voltar ao trabalho, a fim de sustentar a família pode ter um apego tão forte quanto uma mãe sueca que amamenta no peito e tem uma licença maternidade de nove meses. Ao relatar a sua História de Vida, a depoente Marlene informou participação da família como coadjuvantes, no cuidado dos filhos, por isso considerava as condutas e técnicas utilizadas no Hospital para prover o alimento dos filhos distantes de sua realidade. Neste sentido, entendendo a impossibilidade das mães em manterem o aleitamento materno exclusivo após a alta do filho pré-termo, percebe-se a precariedade de estratégias de apoio pelas instituições governamentais às mulheres não contempladas pela Constituição Federal no que concerne à licença maternidade, devendo-se, durante a hospitalização do pré-termo, discutir com as mães estratégias de cuidado e alimentação. Leininger (1991, p.48) refere que o conhecimento do cuidado popular poderá guiar, de forma benéfica e significativa, as decisões ou ações de enfermagem, quais sejam: Preservação ou Manutenção do Cuidado Cultural; Acomodação ou Ajustamento do Cuidado Cultural e Reestruturação do Cuidado Cultural. A alimentação do pré-termo tem algumas peculiaridades que diferem do a termo, quando se trata da utilização de leite artificial. É um saber novo, não vivenciado pelas mães e que precisa ser debatido com a equipe, para, a partir 154 daí, fazer-se a reestruturação do cuidado com a família. Leininger (1991, p. 48) define a Reestruturação do Cuidado como “ações e decisões profissionais apoiadoras, facilitadoras ou capacitadoras que ajudam o cliente a reorganizar ou modificar sua forma de vida”. Conforme observado nos depoimentos, há necessidade da inserção da família no processo de planejamento do cuidado e decisão, pois será ela que permanecerá com o pré-termo. A depoente Marlene referiu que, na gestação anterior, em 1991, não havia amamentado a filha. Além dos fatores econômicos, concluiu que a falta de orientação e apoio dos profissionais de saúde também foi decisivo para a tomada de decisão. Segundo essa depoente, naquela época, a amamentação não era valorizada e não se ouvia falar nada sobre os benefícios para a saúde da criança. Os bebês permaneciam no alojamento conjunto com as mães, mas os profissionais não se interessavam em orientá-las sobre a amamentação, o que também foi relatado no estudo de Ichisato (1999). As mulheres, em seu estudo, verbalizaram dificuldades na amamentação e, além disso, indiferença e insensibilidade do profissional diante das dificuldades por elas vivenciadas. Com base nos depoimentos, podemos afirmar que as mães assumem o papel da pessoa constantemente preocupada e zelosa com tudo que envolve a família. Esta inquietação e cuidado traduzem-se como uma atenção permanente em relação a tudo que envolve uma família, em especial, os filhos. Estes papéis são apreendidos pela menina desde a infância e encontram-se, portanto, profundamente incorporados pelas mães de prétermo. Tais funções são consideradas como suas e são cumpridas quase como uma obrigação, não se permitindo falhar em nenhuma delas, pois isto causaria sensação de culpa por não exercer plenamente seu papel de mãe. A eficiência e o impacto da Iniciativa “Hospital Amigo da Criança”, comparado com outros Hospitais ou maternidades tradicionais, têm resultado em aumento na incidência do aleitamento, e, o que é mais importante, na duração do aleitamento materno (LAMOUNIER; 1998) 155 Estudo realizado por Vannuchi et al (2004) evidenciou um aumento dos índices do aleitamento exclusivo nas unidades de neonatologia, elevando a mediana de duração de 12 dias, em 1994, para 45 dias, em 1999, bem como noticiou a abolição do uso de fórmulas em um Hospital de ensino, o que contraria a opinião apresentada por Levin (2000), na qual afirma que a Iniciativa Hospital Amigo da Criança tenderia a beneficiar somente os bebês saudáveis, uma vez que apenas as rotinas das maternidades contemplariam os “Dez Passos”, enquanto uma UTI- neonatal, no mesmo hospital, não responderia a todos os passos. Embora a Instituição onde fora realizado o estudo não apresente, até o momento, dados que proporcionem uma análise sobre o impacto do credenciamento do hospital no índice de aleitamento materno do pré-termo após a alta, os depoimentos revelaram que a orientação às mães sobre a amamentação pode influenciar de forma positiva na decisão pela amamentação. A iniciativa “Hospital Amigo da Criança” representou um importante marco no cenário das políticas públicas, por introduzir a proteção e o apoio à amamentação como elementos estratégicos nas ações desenvolvidas, que, até então, contemplavam apenas as questões relacionadas à promoção. Em que pese estas ações tenham representado uma significativa melhora da qualidade da assistência prestada à mulher e à criança, ainda estão pautados em um discurso autoritário, não sendo trabalhados pelos profissionais de saúde de forma efetiva aspectos individuais e subjetivos em relação ao processo de amamentação do recém-nascido pré-termo. Apesar dos avanços, estudos baseados na análise compreensiva dos resultados alcançados pela iniciativa “Hospital Amigo da Criança”, revelaram a necessidade de ajustes, particularmente no que tange às questões da mulher que demanda apoio (SOUZA, 1997). Desta forma, em virtude das dificuldades apresentadas pelos profissionais de saúde com o lidar com a singularidade no cenário da amamentação, a OMS e o UNICEF propuseram um novo modo de 156 intervenção que se fundamenta no treinamento de profissionais da saúde, direcionando-os para o manejo da amamentação e o desenvolvimento de habilidades técnicas de relacionamento interpessoal, empregadas no interagir com as mães. A aplicação dos princípios do Aconselhamento ao assistir em amamentação surgiu, então, em resposta aos resultados de inúmeros estudos sobre o desmame precoce, em que o profissional de saúde era apontado como o principal elemento desencadeador deste processo. Evidenciava-se não só o desconhecimento teórico e técnico dos profissionais em assistir à mulher no processo de amamentação, mas, também, no lidar com os problemas de ordem subjetiva. O Curso de Aconselhamento tem como propósito (OMS/UNICEF,1997:1): Responder a uma necessidade urgente de treinar todos os profissionais de saúde que cuidam das mães e crianças pequenas em todos os países nas habilidades necessárias para proteger e apoiar a amamentação. Esses cursos formam multiplicadores (instrutores) e capacitam profissionais de saúde a atuarem como conselheiros na amamentação. Enfatiza-se à necessidade do profissional ouvir as questões subjetivas e objetivas, trazidas pela mulher. Segundo Zen (2001, p.38), “um dos focos de atenção do treinamento é a preocupação com os aspectos sócio-culturais que permeiam a prática da amamentação”, o que tem se mostrado presente, no decorrer dos anos como fator influenciador no desmame precoce. O objetivo de tal curso é capacitar os profissionais da área da saúde que atuam na assistência à amamentação para aplicar habilidades de apoio e proteção, ajudando as mulheres a superarem dificuldades. O programa destina-se, portanto, ao desenvolvimento de algumas habilidades, nesses profissionais, como ouvir e aprender, dar confiança e apoio à mulher. Estudo, realizado por Zen (2001) com profissionais de saúde antes e após participarem do Curso de Aconselhamento promovido pelo Ministério da 157 Saúde, possibilitou identificar mudança de comportamento na grande maioria dos profissionais: de uma postura verticalizada e impositiva passarem a adotar uma atitude mais atenta em relação às questões expressas pela mulher. Foi apontado pelos participantes do Curso, segundo Zen (2001) um descompasso conceitual entre as concepções do Aconselhamento em Amamentação – que dá voz à mulher e respeita suas características singulares/subjetivas - e a postura impositiva da iniciativa “Hospital Amigo da Criança”. No entendimento da situação ora investigada, a partir do conhecimento da história de vida das mães, corroboro com as idéias de Borges (1991, p.286) ao afirmar que: Um ponto de partida imprescindível para que nossos atos tenham eficácia terapêutica é aprender a escutar o que as mulheres falam e como falam, o que as faz sofrer e as incomoda, como condição para que o profissional de saúde possa, junto a elas, localizar de que forma seu saber específico pode lhes ser útil. A ausência de escuta do discurso do outro, de sua singularidade e de sua demanda torna a maioria dos atendimentos um grande monólogo. De forma geral, são as mulheres, mães de pré-termo ou que têm seus filhos internados na UTI-neonatal, que vivenciam significativamente o impacto das normas e diretrizes implantadas no “Hospital Amigo da Criança”, pois, quando o bebê nasce a termo e não apresenta problema de saúde, o tempo de permanência hospitalar mínima é de 24 horas para parto normal e de 48 horas para parto cesariano, o que reforça a necessidade de se ampliar discussões a partir do conhecimento das percepções das mulheres que têm um filho pré-termo. Assim, os “Dez Passos para o Sucesso do aleitamento Materno”, propostos pela OMS e UNICEF, ainda privilegiam o bebê a termo, pois quando o bebê nasce pré-termo, em geral, a mãe não é contemplada com os “Dez Passos”, embora traga em seu bojo estratégias que favoreçam a amamentação do pré-termo como, por exemplo, a manutenção da lactação da 158 mãe do pré-termo quando esta é separada de seu filho. Devido à multiplicidade e complexidade do processo da amamentação do pré-termo e às necessidades identificadas a partir deste estudo com da metodologia História de Vida, o profissional deveria ouvir esta mulher para, então, traçar estratégias que a contemplassem no seu modo de ser e de viver. Neste sentido, o Curso de Aconselhamento para os profissionais que integram a área materno-infantil do “Hospital Amigo da Criança” pode ser vislumbrado como uma possibilidade e um avanço na assistência à mulher. Capítulo 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao realizar este estudo, tive a oportunidade de conhecer a história de vida de vinte mães de pré-termo em unidade neonatal de um Hospital Amigo da Criança, o que revelou aspectos importantes que devem ser considerados na adequação das políticas públicas de saúde. Foi possível fazer uma reflexão crítica das práticas implantadas no Hospital Amigo da Criança e vislumbrar a necessidade de reorganização da assistência com vistas a melhorar o atendimento à mãe de pré-termo na unidade neonatal. Enquanto enfermeira atribuía à postura dos profissionais de saúde em relação à amamentação o principal fator gerador de stress na mãe do prétermo. Porém, após ouvir os depoimentos identifiquei que a prematuridade; as questões sociais, econômicas, culturais e as normas estabelecidas no “Hospital Amigo da Criança” visando à amamentação exclusiva contribuem de forma significativa para aumentar o stress e ansiedade. . A pesquisa aponta algumas limitações da assistência às mães de prétermo no processo de amamentação no “Hospital Amigo da Criança”, descritas anteriormente. Não é possível tratar o aleitamento como um fato distinto, conforme aponta Silva (2000); deve-se ter um olhar abrangente sobre a mulher, sujeito da ação, que desde o nascimento do pré-termo sofre alterações emocionais e de adaptação à nova realidade. O profissional da área da saúde deve ter em mente que o nascimento do pré-termo normalmente representa um momento de crise para a família, um período limitado de tempo de desequilíbrio e/ou confusão, durante o qual os pais ficam temporariamente incapazes de responder adequadamente (BRASIL, 2002a). O impacto do nascimento de um pré-termo leva a mãe a vivenciar estágios diferenciados: negação, isolamento, raiva, barganha, depressão, até 160 chegar a aceitação da prematuridade (KÜBLLER-ROSS, 2005). Os estágios de negação e depressão foram os mais evidenciados entre os depoimentos das mães. Muitas enfatizaram o sentimento de culpa pelo nascimento prematuro devido à sua condição de saúde; a maioria foi gestante de risco, culpando-se também pelo sofrimento do filho hospitalizado na unidade neonatal. O estudo evidenciou que poucas mães, no momento da entrevista, haviam chegado ao estágio de aceitação da condição de prematuridade, apesar de os filhos já estarem próximos da alta hospitalar, aguardando ganho ponderal. Foi notória a preocupação inicial da mãe de pré-termo em relação à sobrevivência do seu filho e a superação das condições críticas do nascimento. Quando dos primeiros contatos da mãe com os profissionais da UTIneonatal, para ela não fazia muito sentido a solicitação de ordenhar a mama para manter a lactação, já que o leite não iria ser ofertado. Após a estabilização e melhora do estado de saúde, a mãe passava a direcionar sua atenção para a amamentação. As mães relataram o entendimento da importância do leite materno como um fator favorável à sobrevivência e melhora do estado de saúde do pré-termo. Foi destacado que ordenhar e, posteriormente, amamentar eram atos que só a própria mãe poderia fazer pelo seu filho. Isto reforçava a questão da maternidade de forma positiva, mas, ao mesmo tempo, havia uma responsabilização da mulher pela saúde da criança, alimentando o ciclo de culpa quando não conseguia ordenhar leite em quantidade suficiente. De forma geral, o estudo revelou que os profissionais de saúde continuam presos aos aspectos biológicos da amamentação, reforçando a necessidade de encaminhar os resultados deste estudo a área temática da saúde da criança do Ministério da Saúde. 161 Outra questão que também não pode ser deixada de lado é o fato de que esta mulher, além da condição de ser mãe de um pré-termo, é uma puérpera, está vivenciando a maternagem, passando por todas as alterações fisiológicas e psicológicas do período pós-parto, e não teve suas necessidades atendidas. As mães de pré-termo revelaram que, quando receberam apoio, foi de um pequeno grupo de profissionais de enfermagem que estava atento às questões subjetivas e suas condições sociais, posto que a maioria seguia um modelo de assistência pautado no atendimento biológico. Observou-se a dificuldade ou a falta de habilidade da equipe de saúde que atua na unidade neonatal de um hospital credenciado pela iniciativa “Hospital Amigo da Criança” em cuidar dessas mulheres, em compreender o caráter singular e específico da amamentação. O foco dos profissionais é o pré-termo, todavia, com o avanço das políticas públicas para a humanização, garantindo que toda criança tenha um acompanhante, deve-se repensar a prática assistencial e inserir também à mulher-mãe como cliente. Na análise dos depoimentos das mães de pré-termo, percebeu-se, também, que o discurso dos profissionais estava impregnado pela filosofia do “Hospital Amigo da Criança”. Por um lado, as mães consideraram esta filosofia positiva em termos de aprendizado da importância da amamentação para a criança, principalmente quando pré-termo, porém, algumas referiram dúvidas em relação aos benefícios para a mulher. As mães que tinham filhos mais velhos e não os amamentaram, afirmaram que, se tivessem recebido as orientações nas gestações anteriores, teriam amamentado. A maioria destacou a qualidade das informações e a competência dos profissionais do hospital. Por outro lado, das vinte mães entrevistadas, dezesseis queixaram-se do radicalismo dos profissionais na imposição da ordenha com horário fixo e de o aleitamento materno exclusivo ser condição para alta do pré-termo. Referiram que não eram consideradas as necessidades individuais maternas, já que muitas tinham problemas de saúde, sociais e financeiros. Entretanto, 162 dentre estas, seis entendiam e consideravam importante a postura da equipe para garantir a permanência do título “Hospital Amigo da Criança”. Assim, conforme observado nos depoimentos, o modelo composto por normas e diretrizes rígidas a serem cumpridas pela Instituição e pelos profissionais de saúde gera limitações do “Hospital Amigo da Criança” o que concerne ao estabelecimento do apoio às mães de pré-termo. Outro aspecto evidenciado foi o de que o conhecimento e a vivência que as mães traziam sobre amamentação entravam em conflito com as orientações do hospital, como a questão da exclusividade do peito, a ordenha, a proibição de chupeta e mamadeira. As mães do estudo destacaram a importância do apoio dos familiares para conseguir permanecer com seus filhos na unidade neonatal. Entretanto, algumas relataram a dificuldade de entendimento das normas rígidas do “Hospital Amigo da Criança” pelos familiares, devido ao conflito cultural entre o conhecimento popular a respeito da amamentação e o científico do profissional. O hospital, por ser uma instituição pública, atende a uma clientela de baixo poder aquisitivo. O fator econômico foi um gerador de stress para as mães de pré-termo entrevistadas, das quais onze tinham renda familiar inferior a três salários mínimos, sendo que três não tinham nenhum provento financeiro e estavam sem parceiro. De certa forma, os relatos revelaram que a inserção delas no mercado de trabalho ocorreu por necessidade e não por ideologia; algumas por não terem apoio financeiro do pai da criança e outras por terem que dividir a responsabilidade pelo sustento dos filhos. A pressão social, resultante das transformações econômicas e da crescente inserção da mulher no mercado de trabalho, que tece um cenário favorável ao desmame, se fez então perceber neste estudo. A proteção conferida pela Constituição Federal não atinge aquelas sem contrato de trabalho formal. 163 Tal evidência reforça a necessidade de ampliar-se, ainda, a discussão sobre questões que permeiam a amamentação, a mulher, a criança e o direito à cidadania. O avanço na resolutividade dessas questões depende, dentre outros, da reformulação da política e do investimento realizado nas ações de promoção, proteção e apoio à amamentação, que se configuram como elementos estratégicos da política estatal em saúde para redução da morbimortalidade infantil. Na percepção das mães, a amamentação do pré-termo se configurou como um processo difícil, cansativo, estressante, que exigiu dedicação e aprendizagem tanto da mulher quanto do pré-termo. Nenhuma das mulheres havia tido anteriormente a experiência de ter um bebê pré-termo; tampouco havia conhecido as especificidades que giram em torno da alimentação destes pequenos. O desconhecimento do processo, as técnicas utilizadas para oferta de leite até o bebê ter condições de sugar e a postura dos profissionais desencadearam sentimentos de irritabilidade, angústia e insegurança. De forma geral, as propagandas da amamentação não veiculam a imagem de um pré-termo sendo amamentado e pouco divulgam as estratégias que têm sido implementadas pelo governo para aumentar os índices da amamentação no Brasil. A amamentação quando divulgada pelos canais de comunicação é pautada na prevenção de doenças como desnutrição, diarréia e infecções respiratórias. O que falta, no entanto, é a difusão em massa, mostrando os benefícios, não só para a saúde da criança, mas também para a saúde da mulher, e as repercussões econômico-sociais para a família. De certa maneira, os depoimentos revelaram a necessidade de ajustes e ampliação da promoção da amamentação na sociedade. Entendendo a mulher como um ser bio-psico-sócio-cultural-espiritual, não se pode deixar de lado os vários problemas por ela enfrentados diante do nascimento do pré-termo e de sua condição de mulher, mãe, esposa, 164 trabalhadora e tratar a amamentação como um ato isolado. É inegável o avanço da iniciativa “Hospital Amigo da Criança” como uma estratégia de aumento dos índices de prevalência da amamentação. Este modelo de assistência aceito pelo Ministério da Saúde no início da década de 90, introduziu elementos importantes sobre a amamentação a partir da inclusão do “apoio” nas formulações anteriores, nos quais operam proteção, promoção e incentivo à amamentação. A promoção, proteção e apoio à amamentação são reconhecidos unanimemente na literatura como atividades essenciais para a saúde da mulher e da criança, além, de trazerem benefícios consideráveis para a família e para o Estado, devendo ser realizado por todo profissional de saúde que lida com a população materno-infantil, quer seja na rede publica ou privada, ambulatorial ou hospitalar. As intervenções em diversos momentos do processo de promoção da amamentação podem favorecer resultados positivos, como o aumento da prevalência e/ou duração da amamentação. Abordagens integradas, envolvendo mais de uma etapa do processo, como, por exemplo: educação pré-natal, alojamento conjunto e apoio no puerpério, são mais efetivas que abordagens isoladas ou que intervenções realizadas sem um adequado treinamento dos recursos humanos envolvidos, em que não se obteria bons resultados (WHO, 1998). Em virtude da complexidade, o apoio à amamentação exige uma ação integrada de toda equipe, e não de um único profissional. Na perspectiva da assistência à mãe do pré-termo, a possibilidade da inclusão do Curso de Aconselhamento, ministrado pelo Ministério da Saúde, no “Hospital Amigo da Criança”, em substituição ao Curso de Treinamento, abre possibilidade para a capacitação de profissionais para a assistência em amamentação. 165 Zen (2001) refere que um dos focos de atenção do Curso de Treinamento é a preocupação com os aspectos sócio-culturais que permeiam a prática da amamentação, traduzida sob a forma do interesse demonstrado pelo profissional na compreensão da realidade da mulher e no reconhecimento das diferenças individuais. À medida que as percepções maternas sobre a vivência na amamentação foram se revelando nesse estudo, reflexões sobre a prática profissional como integrante deste cenário foram sendo realizadas. Assim, percebi que o meu discurso, enquanto profissional, também era impregnado de ideologia no que tange à amamentação como instrumento de benefício apenas para o bebê. Apesar de, à época, reconhecer e buscar apoiar as mulheres neste processo, prestando um atendimento que considerava ser mais humanizado, na verdade, pensava nas repercussões e benefícios que o meu cuidado à mãe poderia representar na amamentação do pré-termo. A amamentação destes pequenos era o foco do cuidado à mulher-mãe desde a internação do filho na UTI-neonatal, não se valorizando os aspectos que se referiam ao nascimento do pré-termo e que se mostraram neste estudo como determinantes, no primeiro momento, para levar as mães a uma ansiedade, angústia e depressão. A possibilidade do conhecimento das Histórias de Vida das mães de pré-termo que vivenciaram a amamentação no Hospital Amigo da Criança permite apontar, então, que a humanização da assistência à mulher deve contemplar além da abordagem biológica, de cunho social e cultural e perpassar todo o período gravídico puerperal. Enquanto sujeito ativo do processo da amamentação, a mulher deve ser ouvida, valorizada e respeitada como cidadã. BIBLIOGRAFIAS ALMEIDA, J. A. G. Amamentação – Um híbrido natureza-cultura. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1999. ALMEIDA, J. A.; GOMES, R. Amamentação: um híbrido natureza-cultura. Revista Latino-Am. Enf., Ribeirão Preto, v. 6, n. 3, p. 71-76, jun. 1998. ALVES, V. H. O ato da amamentação: um valor em questão ou uma questão de valor? 2003. 171f. Tese (Doutorado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003. AMARAL, L. A. Conhecendo a deficiência (em companhia de Hércules). São Paulo: Robe Editorial, 1995. ARANTES, C. I. S. O fenômeno amamentação: uma proposta compreensiva. 1991. 86f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Universidade Federal de Ribeirão Preto, São Paulo, 1991. ARAÚJO et al. Primeira avaliação do cumprimento dos “dez passos para o sucesso do aleitamento materno” nos hospitais amigos da criança do Brasil. Rev. Bras. Saúde Materno-Infantil, Recife, v.3, n.4, out/dez. 2003. ARAÚJO et al. Custo e economia da prática do aleitamento materno para a família.. Rev. Bras. Saúde Materno-Infantil, Recife, v.4, n.2, abr/jun. 2004. ASSAD, L. G. Entre o sonho e a realidade de ser transplantado renal. 1997. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1997. ATKINSON, R. The life story interview. Thousand oaks: Sage University Paper Series on qualitative Researchs methods, v. 44, 1998. BADINTER, E. Um amor conquistado – o mito do amor materno. 7. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. BERTAUX, D. L’Approche biographique: sa validité métthodologique, les potentialities. Cathies Internationaux de sociologie, LXIX, p. 197-225, 1980. ___________ Les récits de vie. Perspective ethnosociologique. Claire hennaut France, 2001. BORGES, S. M. N. Propostas para uma relação: profissionais de saúde e mulheres. Cadernos de Saúde Pública. Rio de Janeiro, n.7 (2), 1991. São Camilo, 2004. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 1998. 251p. 167 BRASIL. Conselho Nacional de Saúde. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Resolução Nº 196, de 10 de outubro de 1996. Brasília, 2000. BRASIL. Estatuto da criança e do Adolescente. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília. Secretaria de Estado dos direitos humanos. Departamento da criança e do adolescente. Brasília, 2002. 176p. BRASIL. Ministério da Saúde - INAN. Programa nacional de incentivo ao aleitamento materno. Brasília, DF, 1991. 43p. ______.. Ministério da Saúde. Manual de assistência ao recém-nascido. Brasília, 1994(a). 175p. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência a Saúde. Promoção do aleitamento materno através de criação de Hospitais Amigo da Criança: Portaria nº 155, de 14 de setembro de 1994. S.N Brasília, DF,1994(b). ______.. Ministério da Saúde. Gestação de alto risco. Departamento de assistência e promoção à saúde. Brasília, DF, 1995. ______. Ministério da Saúde. Programa nacional de incentivo ao aleitamento materno – Iniciativa “Hospital Amigo da Criança”. Brasília, DF,1997. ______. Ministério da Saúde. Parto, aborto e puerpério: Assistência humanizada à mulher / Ministério da Saúde, Secretaria de Políticas de Saúde, área técnica da mulher, Brasília: Ministério da Saúde, 2001. 199p. ______. Ministério da Saúde. Normas de atenção humanizada do recémnascido de baixo-peso: método mãe canguru. Manual do curso / Secretaria de Políticas de Saúde, Área da Saúde da Criança, Brasília, DF, 2002 (a). 186p. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção á Saúde. Iniciativa Hospital Amigo da Criança: Portaria nº 938/GM, de 20 de maio de 2002; Brasília, DF, 2002b. ______. Ministério da Saúde. Situação da Iniciativa Hospital Amigo da Criança no Brasil. Brasília, DF. 2003. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção á Saúde. Iniciativa Hospital Amigo da Criança: Portaria nº 756, de 16 de dezembro de 2004; Brasília, DF, 2004. ______. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência a Saúde. Normas para o processo de habilitação do Hospital Amigo da Criança. Rio de Janeiro; s. n. 2004. BRIOSCHI, L. R.; TRIGO, M. H. B. Relato de vida em ciências sociais: considerações metodológicas. Ciência e Cultura, v.39, n. 7, p. 631-637, jun.1987. 168 BRITO, C. M. O tempo do enfermeiro com a família na unidade de terapia intensiva. In: Maria Júlia Paes Silva (org). Qual o tempo do cuidado? Humanizando os cuidados de enfermagem. São Paulo: Centro universitário São Camilo, 2004. CARVALHO, M.R. Lei do prematuro. Disponível em:< http://www.aleitamento materno.med. br >. Acesso em: 21 de outubro de 2003. CHARPAK, N.; CALUMEI, C.S. O método mãe canguru: Pais e familiares dos bebês prematuros podem substituir as incubadoras? Rio de Janeiro: MaccGrawhill, 1999. CHAMILCO, R. A. S. I. Práticas obstétricas adotadas pelas parteiras tradicionais na assistência ao parto e nascimento domiciliar na Amazônia Legal Santana, AP. 2001 Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2001. CHAUI, M. Convite à filosofia. Rio de Janeiro: Átila, 1999. CHODOROW, N. Psicanálise da maternidade: uma crítica a Freud a partir da mulher. Tradução Nathanael C. Caixeiro. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1990. 319p. COSTA, J. F. Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro: Graal, 1989. DENZIN, N. K., Interpretando as vidas de pessoas comuns: Sartre, Heidegger e Faulkner. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 27, n.1, p. 29-32, 1984. DIAS, I. M. A V. Os profissionais de enfermagem frente ao nascimento da criança com malformação congênita. 2004 Tese (Doutorado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de janeiro, 2004. FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário da língua português. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.1498p. FORNA, A. Mãe de todos os mitos: como a sociedade modela e reprime as mães. Tradução Angela Lobo de Andrade – Rio de Janeiro: Ediouro, 1999. 317p. GLAT, R. Somos iguais a vocês: depoimentos de mulheres com deficiência mental. Rio de Janeiro: Agir, 1989. 225p. GOLDEMBERG, F. Repensando a desnutrição como questão social. Campinas, 1988. GONÇALVES, L. R. R. A mulher portadora de DST: compartilhando sua vivência na consulta de enfermagem. 1999. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de janeiro, 1999. HARDY, S. B. A mãe natureza - uma visão feminista da evolução: maternidade, filhos e seleção natural. Rio de Janeiro: Campus, 2001. 169 HALL, C. S.; LINDZEY, G.; CAMPBELL, J. B. Teorias da personalidade. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. 591p. ISCHISATO, S. R. T. Lactogogos e a mulher lactante. 1999. Dissertação (Mestrado). – Universidade de São Paulo, São Paulo,1999.. KLAUS, M. H. e KENNELL, J. H. Pais/Bebê: a formação do apego. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. 360p. KÜBLER-ROSS, E. Sobre a morte e o morrer. Tradução de Paulo Meneses. 8.ed , São Paulo: Martins fontes, 2005. LAMOUNIER, J. Experiência Iniciativa Hospital Amigo da Criança. Revista da Associação Médica Brasileira. São Paulo, v. 44, n. 4, p. 77-84 out/dez. 1998. LANA, A. P. B. O livro de estímulo à amamentação: uma visão biológica, fisiológica e psicológica comportamental da amamentação. São Paulo: Atheneu, 2001. LEÃO, M. M. et al. O perfil do aleitamento materno no Brasil. In: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/fundo das Nações Unidas para a Infância, organizadores. Perfil estatístico de crianças e mães no Brasil. Aspectos de saúde e nutrição de crianças no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 1992. p. 97-102. LEININGER, M. Culture care diversity and universality: a theory of nursing. New York: National League for Nursing Press. 1991, 351p. LEININGER, M.;Mc FARLAND, M. Transcultural nursing: concepts, theories, research & practies. 3.ed. New York: McGraw Hill, 2002. LEVIN A. Amamentação, vínculo afetivo e humanização da assistência perinatal. Documento do mês sobre amamentação n. 04/99. Tradução Trajano Ribeiro Filho e Tereza Setsuko Toma. Acta Paediatric, Stockholm, n. 880, p. 353-355, 2000. MALDONADO, M. T. P. Psicologia da gravidez: parto e puerpério. São Paulo: Saraiva, 1997. MALUHI, M. A percepção da mulher frente ao exame ginecológico. 2001. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2001. MARQUEZ, C. O trabalho comunitário de saúde em Villa el Salvador (Lima/Peru): percepções das promotoras de saúde. 2000 Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 2000. MIELE, M. J. Mãe de UTI: amor incondicional. Rio de Janeiro: Terceiro Nome: 2004. MILLER, N. B. Ninguém é perfeito: vivendo e crescendo com crianças que têm necessidades especiais. Campinas. 1995. 300 p. 170 MOREIRA, M. E. L. et al. Quando a vida começa diferente: o bebê e sua família na UTI neonatal / Organizado por Maria Elisabeth Lopes Moreira; Nina de Almeida Braga e Denise Streit Morsch. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2003. MOTA, J. A. C. Ideologia implícita no discurso da amamentação materna e estudo retrospectivo comparando crescimento e mortalidade de lactentes em uso de leite humano e leite de vaca. 1990, 226f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais,1990. OMS/UNICEF. Guia do treinador. Aconselhamento em Amamentação: Um Curso de Treinamento. Ano: 1997. Título original: Breastfeeding Couselling: A Trainer’s Guide. Tradução: Cristina Maria Gomes do Monte (UFC) setembro 1995. Edição revisada: maio 1997. 422p. ORLANDI, O. V. Teoria e pratica do amor à criança: introdução à pediatria social no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. PADOIN, S. M.M. O cotidiano da mulher com HIV/AIDS diante da (Im)possbilidade de amamentação: Um estudo na perspectiva Heideggeriana. 2006, 184f. Tese (Doutorado em Ednfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006. POIRIER, J.; CLAPIER-VALLADON, S.; RAYBAUT, P. Histórias de vida: teoria e prática. Trad. João Quintela. 2.ed. Portugal: Celta, 1999 RAMOS, C. V ; ALMEIDA, J. A. G. Alegações maternas para o desmame: estudo qualitativo. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v. 79, n. 5, p. 385-390. fev. 2003.. REA, M. F. Amamentação: a visão das mulheres e a semana mundial. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro, v.28, n.3, jan. 1995. REA, M. F.; TOMA, T. S. Proteção do leite materno e ética. Revista de Saúde Pública, Brasília, v. 34, n. 4, ago. 2000. REA, M. F.; VENÂNCIO, S. I. Avaliação do Curso de Aconselhamento em Amamentação OMS/UNICEF. Jornal de Pediatria, v. 75, nº 2, março-abril, 1999. REGEN, M.; ARDORE, M.; HOFFMANN, V. M. Mães e filhos especiais: um relato de experiência com grupos de mães de crianças com deficiência. Brasília: Coordenadoria Nacional para integração da pessoa portadora de deficiência – Corde, 1993, 137p. RIBEIRO, M. G. Gestantes HIV positivo: a história de vida contribuindo para a assistência de enfermagem. 2000. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2000. RUBIO, S. A . R. Relato de mães de crianças com anomalia congênita sobre a assistência recebida na gestação: um estudo comparado no Rio de Janeiro/Brasil e em Piura/Peru. 1995. Dissertação (Mestrado em 171 Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999. SANTOS, R. S. Ser mãe de uma criança especial – do sonho à realidade. 1995. 279f. Tese (Doutorado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de janeiro, 1995. SANTOS, I. M. M. O olhar da mãe sobre o desenvolvimento do seu filho de 0 a 5 meses residentes em uma favela. 1998.104f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1998. SANTOS, et al. O método de história de Vida na pesquisa em educação especial. Rev. Bras., Marília. maio-ago. 2004, v.1, n.2, p. 235-250. Edição especial SANTOS, C. A História de vida de gestantes de alto risco na perspectiva da Teoria Trasnscultural de Enfermagem de Madelene Leiniger.. 2003. 162 f Tese (Doutorado em Enfermagemt) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003. SÃO BENTO, P. A. Rasgando o verbo: a voz de mulheres submetidas a episiotomia. 2005. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005. SCOCHI, C. et al. Assistência aos pais de recém-nascidos pré-termo em unidades neonatais. Rev. Brasileira de Enfermagem, Brasília; v. 52, n. 4, out/dez. 1999. SERRA, S. O. A.; SCOCHI, C.G.S. Dificuldades maternas no processo de aleitamento materno de prematuros em um UTI neonatal. Rev LatinoAmericana de Enfermagem. Ribeirão Preto, v.12 n. 4, jul/ago. 2004. disponível em http://www.scielo.br (acessado em 27/11/2004). SILVA, A . A . Amamentação: fardo ou desejo? Estudo histórico-social dos saberes e práticas sobre aleitamento materno na sociedade brasileira. 1990. Dissertação (Mestrado), Ribeirão Preto: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1990. SILVA, I. A. Desvendando as faces da amamentação através da pesquisa qualitativa. Rev. Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 53 n.2, abr/jun. 2000. SILVA, I. A. O significado de amamentar para a mulher. In: MERIGH, M. A. PRAÇA, N. S. Abordagens teórico-metodológicas qualitativas – a vivência da mulher no período reprodutivo. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 2003, 167p. SILVA, L. R. Cuidado de enfermagem na dimensão cultural e social – história de vida de mães com sífilis. 2003. 165 f..Tese (Doutorado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003. 172 SILVA, M. G. A. A. O cliente renal crônico e sua adaptação a nova condição de vida. 1996. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1996. SILVA, I. A. Construindo perspectivas sobre a assistência em amamentação: Um processo interacional. 1999. Tese (Livre docência) – Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo. 1999. SILVA, I. A. Amamentar: uma questão de assumir riscos ou garantir benefícios. São Paulo: Robe Editorial, 1997. SOKOL, E. J. Em defesa da amamentação – manual para implementar o código Internacional de mercadização de substitutos do leite materno. São Paulo: IBFAN Brasil, 1999. SOUZA, I. E.O. O. O desvelar do ser-gestante diante da possibilidade de amamentação. Rev. de Enfermagem Escola Anna Nery, Rio de Janeiro, ano 1 n. de lançamento, jul. 1997. SOUZA. A. Aleitamento materno: um estudo prospectivo de intervenção em favelas do município de São Paulo. 1996. Dissertação (Mestrado em Nutrição). Escola Paulista de Medicina. São Paulo, 1996. SOUZA, K. S. O dito e o não dito da amamentação: o sentido das mães nutrizes na vivência do alojamento conjunto. 2000, Dissertação (Mestrado) - Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de janeiro, 2000. SOUZA, L. B. M.; ALMEIDA, J. A. G. História da alimentação do lactente no Brasil – do leite fraco à Biologia da Excepcionalidade. Rio de Janeiro: Revinter, 2005. SPINDOLA, T. Trabalho feminino: muitos papéis, uma só mulher – ambivalência do cotidiano. 2002 Tese (Doutorado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de janeiro, 2002 TAMEZ. N. R.; C.N. R. Amamentação – bases científicas para a prática profissional. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. 278 p. UNICEF. Situação Mundial da Infância. Brasília, 1994. 90p. VASCONCELOS, S.D.D. Dominação e autonomia: os elementos básicos da enfermagem obstétrica. 2001. 172f Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2001. VANNUCH, M. T. O. et al. Iniciativa Hospital Amigo da Criança e aleitamento em unidade de neonatologia. Rev. de Saúde Pública, São Paulo; v. 38, n. 3, jun.2004. 173 VINHA, V. H. P.; SCOCHI, C. G. S. Aleitamento materno – evolução histórica. Revista Femina. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo, v. 27, n 5, out. 1989. ZEN, E. T. Princípio do aconselhamento aplicados ao assistir em amamentação na perspectiva dos profissionais de saúde. 2001. 135 f..Dissertação (Mestrado) – Instituto Fernandes Figueira – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2001. WERNECK, C. Muito prazer eu existo: um livro sobre o portador da síndrome de down. São Paulo: Memnon, 1992. WINNICOTT, D. Os bebês e suas mães. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1988. WHO (World Health Organization). Evidence for tem step to successful breastfeeding world organization, divisor of child health and development, 1998. ANEXO 1 APÊNDICE 1 TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO ESCOLA DE ENFERMAGEM ANNA NERY COORDENAÇÃO GERAL DO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA CURSO DE DOUTORADO EM ENFERMAGEM Prezada participante Venho por meio deste consulta-la a respeito da sua participação na pesquisa que pretendo desenvolver neste hospital. Para tanto, cabe esclarecer os seguintes pontos: Meu nome é Angelina Maria Aparecida Alves, sou enfermeira do Hospital Universitário Pedro Ernesto e professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO. Atualmente sou doutoranda da Escola de Enfermagem Anna Nery. Sobre a pesquisa: Trata-se de um pesquisa cujo título é “O Aleitamento materno de crianças pré-termo em um Hospital amigo da criança a partir da história de vida das mães”e tem como orientadora a profª Drª Rosângela da Silva Santos. Esta pesquisa resultará em uma tese de doutorado que me dará o título de Doutora em Enfermagem, importante para a minha carreira profissional. Terá por objetivos conhecer a percepção de mães de crianças pré-termo internadas em um Hospital Amigo da Criança, sobre o aleitamento materno; discutir os fatores que interferem no aleitamento de crianças pré-termo na percepção materna e analisar a percepção materna sobre o aleitamento do seu filho pré-termo, em um Hospital Amigo da Criança. Os dados da pesquisa serão obtidos através de uma entrevista semiestruturada, gravada em fita K-7, caso você concorde em faze-lo. Será garantido o sigilo e o anonimato dos seus depoimentos, assim como o direito de retirar a sua fala após a gravação, caso seja essa a sua decisão, .em qualquer fase da pesquisa., bem como o direito a receber esclarecimentos de quaisquer dúvidas que venham a surgir antes, durante e após a entrevista. Esta pesquisa não trará prejuízo para você nem para seu filho. Telefone para contato: 2295-5737 Ramal: 273 Rio de Janeiro, Assinatura do depoente pesquisadora de Assinatura da de 2005 APÊNDICE 2 FICHA DE IDENTIFICAÇÃO DADOS DO RECÉM-NASCIDO NOME: DATA DO NASCIMENTO: BALLARD: IDADE GESTACIONAL CORRIGIDA: APGAR: PESO DO NASCIMENTO: TEMPO DE INTERNAÇÃO: HISTÓRIA DA INTERNAÇÃO: DADOS DA MÃE NOME: IDADE: NATURALIDADE: ESCOLARIDADE: PROFISSÃO: ESTADO CIVIL: RENDA PRÓPRIA: RENDA FAMILIAR: BAIRRO RESIDENCIAL: Nº FILHOS: INTERCORRÊNCIA GESTACIONAL: DOENÇA ATUAL: TEMPO DE PERMANÊNCIA NO HOSPITAL: PESO ATUAL: Livros Grátis ( http://www.livrosgratis.com.br ) Milhares de Livros para Download: Baixar livros de Administração Baixar livros de Agronomia Baixar livros de Arquitetura Baixar livros de Artes Baixar livros de Astronomia Baixar livros de Biologia Geral Baixar livros de Ciência da Computação Baixar livros de Ciência da Informação Baixar livros de Ciência Política Baixar livros de Ciências da Saúde Baixar livros de Comunicação Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE Baixar livros de Defesa civil Baixar livros de Direito Baixar livros de Direitos humanos Baixar livros de Economia Baixar livros de Economia Doméstica Baixar livros de Educação Baixar livros de Educação - Trânsito Baixar livros de Educação Física Baixar livros de Engenharia Aeroespacial Baixar livros de Farmácia Baixar livros de Filosofia Baixar livros de Física Baixar livros de Geociências Baixar livros de Geografia Baixar livros de História Baixar livros de Línguas Baixar livros de Literatura Baixar livros de Literatura de Cordel Baixar livros de Literatura Infantil Baixar livros de Matemática Baixar livros de Medicina Baixar livros de Medicina Veterinária Baixar livros de Meio Ambiente Baixar livros de Meteorologia Baixar Monografias e TCC Baixar livros Multidisciplinar Baixar livros de Música Baixar livros de Psicologia Baixar livros de Química Baixar livros de Saúde Coletiva Baixar livros de Serviço Social Baixar livros de Sociologia Baixar livros de Teologia Baixar livros de Trabalho Baixar livros de Turismo