A face oculta da Síndrome do Burnout nos profissionais de enfermagem:
uma leitura a partir da Psicodinâmica do Trabalho
Autoria: Lis Andréa Pereira Soboll
Resumo: A Síndrome do Burnout é definida como uma reação à tensão emocional crônica
gerada pelo contato direto e excessivo com seres humanos e tem como características
principais a exaustão emocional, a despersonalização das relações e a falta de envolvimento
pessoal no trabalho. Utilizando como referência a teoria crítica dejouriana - Psicopatologia do
Trabalho - este artigo apresenta a Síndrome do Burnout como uma estratégia defensiva
mobilizada pelo confronto do aparelho psíquico do sujeito com a organização do trabalho. O
caráter defensivo foi identificado por meio da análise da realidade dos profissionais de
enfermagem, tendo como bases empíricas: 1) a observação do trabalho de enfermagem em
uma UTI, durante um ano; 2) a intervenção desenvolvida durante dois anos com o pessoal de
enfermagem de um pronto-atendimento; e 3) duas entrevistas em profundidade. Identificou-se
que na face oculta da Síndrome do Burnout encontram-se os mecanismos defensivos do
individualismo e do descomprometimento no trabalho, mobilizados diante do sofrimento da
falta de reconhecimento e da fadiga física e psíquica. Dentro desta perspectiva, novas
estratégias de diagnóstico e de intervenção desta síndrome ocupacional precisam ser
desenvolvidas, contemplando a análise do discurso dos trabalhadores.
1 . Introdução
A Síndrome do Burnout, definida como a síndrome de exaustão emocional e da
desistência, é diagnosticada freqüentemente em profissões que envolvem cuidado de pessoas,
como professores, profissionais da saúde, religiosos, agentes penitenciários entre outros
(CODO, 1999). O termo “burnout” é originário da língua inglesa e significa “queimar
completamente” (CODO, 1999:238), podendo ser interpretado como ser consumido.
Apesar de recentemente explorada no Brasil, a Síndrome do Burnout é catalogada no
Código Internacional de Doenças (CID-10: Z73.0) e relacionada como uma doença
ocupacional pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, com procedimentos
médicos-periciais protocolados desde 06 de maio de 1999.
O Burnout surgiu em meio aos anos 70, num momento de queda do setor industrial e
ascensão do setor terciário. Freguenbauer, em 1974, foi o primeiro a utilizar o termo
“burnout”, com o objetivo de expressar a diminuição gradual de energia, a perda da
motivação e do comprometimento, acompanhado de sintomas físicos e psíquicos,
diagnosticado em profissionais que trabalhavam com dependentes de substâncias químicas
(TAMAYO, 1997:5; RAMOS et al., 1998; CODO,1999).
Em 1977, Christianne Maslach, psicóloga, empregou o termo no Congresso Anual da
Associação Americana de Psicologia, referindo-se ao fenômeno encontrado em alguns
profissionais que trabalham no cuidado de pessoas (AMORIM, 1998). Após este evento
muitos estudos foram realizados, surgindo várias abordagens da síndrome1, sem um consenso
conceitual até o momento. A abordagem mais aceita e mais utilizada é a interpessoal, tendo
como principais representantes Maslach e Jackson (MONTE;1991; TAMAYO,1997).
A despersonalização e a falta de envolvimento no trabalho, somados ao esgotamento
emocional são características essenciais da Síndrome do Burnout, conforme a perspectiva
interpessoal representada por Maslach, principal referência atual nos estudos sobre o tema.
1
A abordagem interpessoal considera que a síndrome é resultado da dedicação excessiva
ao cuidado de outras pessoas. Porém, Siqueira, Watanabe e Ventola (1994) afimam que os
aspectos da organização, das condições e da estrutura do trabalho também devem ser
considerados ao avaliar o desgaste físico e psíquico dos profissionais de enfermagem. Este
estudo é corroborado pela teoria de Dejours (1992a) ao destacar que a organização do
trabalho muitas vezes impulsiona o sujeito a um processo de desintegração emocional e física,
diante da tensão constante e crônica vivenciada no trabalho.
Este artigo apresenta a ampliação do conceito de Síndrome do Burnout proposto pela
abordagem interpessoal, incluindo também a análise da relação dos profissionais com a
organização do trabalho. Utilizando como base a teoria dejouriana, epistemologicamente
fundamentada na teoria crítica da administração, destacam-se os aspectos psicodinâmicos da
Síndrome do Burnout, desvendando a face oculta deste quadro, ressaltando seu caráter
defensivo.
A fim de discutir a Síndrome do Burnout em profissionais de enfermagem foram
utilizadas como referências empíricas: 1) a observação do trabalho da equipe de enfermagem
em uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva), durante um ano, dentro de um hospital geral
particular de médio porte; 2) a intervenção desenvolvida durante dois anos com o pessoal de
enfermagem de um pronto-atendimento em um hospital público de grande porte. Estas
experiências são utilizadas aqui como demonstrativos da realidade, mas não constituem a
parte estrutural do presente trabalho. Os dados não são descritos sistematicamente e nem
representam a totalidade dos processos desenvolvidos.
Com o propósito de especificar mais detalhadamente algumas situações, foram
realizadas duas entrevistas em profundidade. Uma das entrevistas aborda o relato da
enfermeira M.L. que atua há quinze anos no pronto atendimento onde a intervenção foi
desenvolvida. A outra entrevista contempla o relato do auxiliar de enfermagem O.S. que
trabalha há dois anos em um hospital privado de grande porte, no setor de queimados, onde o
período mínimo de internação dos pacientes é de um mês, podendo chegar a seis meses.
Este trabalho restringe-se a discutir a Síndrome do Burnout nos profissionais de
enfermagem2, considerando as relações interpessoais e a organização do trabalho, conforme a
realidade descrita a seguir.
2. O trabalho dos profissionais de enfermagem3
Os trabalhadores da equipe de enfermagem constituem o maior grupo profissional de um
hospital, prestam assistência 24 horas e são os que mantêm maior contato com os pacientes e
familiares (ROBAZZI e MARZIALE, 1999:335). A equipe de enfermagem ministra a
medicação, arruma os leitos, faz higiene e alimenta cada paciente, além de acompanhá-los
durante o tempo que estiverem dentro do hospital.
A sustentação da estrutura hospitalar pelos profissionais de enfermagem pode ser
percebida em todos os setores. Os profissionais de enfermagem do pronto-atendimento e da
UTI estudados acompanham a evolução do paciente e sinalizam aos médicos melhoras ou
pioras significativas, mediando a relação entre o paciente e a equipe médica. Na UTI, no
período noturno, os pacientes são atendidos apenas pelos profissionais de enfermagem. O
médico de plantão tem um espaço para seu descanso e é solicitado somente em emergências
ou imprevistos. Isto é ainda mais visível em setores de internamento não críticos (maioria dos
setores de um hospital geral), nos quais os únicos profissionais presentes no período noturno
são da equipe de enfermagem.
2
Os trabalhadores da área de enfermagem estão expostos a situações mobilizadoras de
sentimentos, como por exemplo o contato com o sofrimento e a morte dos pacientes, a
manipulação do corpo dos pacientes que foram a óbito, o contato físico através dos
procedimentos de limpeza ou terapêuticos. Estas situações são vivenciadas com ansiedade
pelos profissionais, uma vez que os confrontam com sentimentos ambíguos e muitas vezes
negados, além de explicitar a própria finitude humana (MENZIES, 1969; KASTENBAUM e
AISENBERG,1983; WALLACE-BARNHILL, 1992).
Na UTI observada, o procedimento mais evitado pelos profissionais de enfermagem é a
‘preparação’ do corpo do paciente que foi a óbito. Não é incomum que estes profissionais
conheçam a história e a família do paciente, tenham cuidado do paciente durante alguns dias e
então, após a sua morte - como se não bastasse a sensação de fracasso - resta ainda o corpo
para ser ‘preparado’. Sem dúvida é uma atividade que confronta o profissional com suas
limitações e com suas fantasias e concepções de vida e morte.
A oscilação entre o sentimento de onipotência e impotência, diante da recuperação ou
morte dos pacientes, o alto custo de erros ocasionais, a pressão das emergências são fatores
presentes no cotidiano destes trabalhadores. A própria atividade ocupacional propicia a
contagem dos fracassos, dos pacientes perdidos, afinal, por melhor que seja o atendimento ou
por maior que seja o esforço, muitos pacientes são vencidos pela doença (MENZIES, 1969;
KASTENBAUM e AISENBERG, 1983).
Os pacientes e familiares muito freqüentemente se mostram ansiosos e exigem dos
trabalhadores de enfermagem soluções que eles também não têm, sobrecarregando ainda mais
as tensões emocionais vividas por eles (SILVA e KIRSCHBAUM,1998).
M.L., enfermeira do pronto-atendimento, em entrevista relata: “Têm pacientes que me
marcaram há 10 anos e eu ainda não esqueci. Eu procuro amenizar pensando nos casos que
deram certo. Os que mais marcam são os casos graves, por exemplo, fase final de câncer. A
gente não sabe se é melhor ele ir ou ficar. A gente fica com raiva de outros profissionais que
ficam tentando manter uma pessoa que não tem mais condições, mesmo que ela ou a família
digam que não querem mais. Eu peço para os médicos que deixem ele morrer em paz, mas
eles acham que têm que tentar tudo que der. Estes casos me marcam muito, principalmente
quando o paciente pediu para mim que deixasse ele morrer. Foi o último pedido que ele fez.
Eu não sou familiar e nada mas eu não consegui realizar seu último pedido.”
Conforme pesquisa desenvolvida por Siqueira, Watanabe e Ventona (1994), além do
contato permanente com a dor e o sofrimento humano, as condições de trabalho também são
fatores que devem ser analisados quando se observa o desgaste físico e mental dos
profissionais da enfermagem. Além das pressões próprias das relações com pacientes e
familiares, os profissionais de enfermagem são confrontados com a própria organização do
trabalho. A divisão das atividades, a hierarquia que precisa ser respeitada e a competição
constante com outros profissionais acentuam as pressões vividas por estes trabalhadores. As
precárias condições de trabalho, tanto pela falta de segurança, pela escassez de profissionais
como de materiais são outros fatores que estão presentes na atividade ocupacional dos
profissionais de enfermagem no Brasil (SIQUEIRA, WATANABE e VENTOLA, 1994)
O técnico de enfermagem O. S., atuando há 2 anos no setor de queimados de um hospital
privado, em entrevista, comenta: “Se você tem um bom entrosamento com a equipe, se você
tem material, se você olha e tem uma chefia que está ao seu lado quando você está com
alguma dificuldade, dá diferença. Mas quando você olha para o lado, não tem ninguém, não
tem material, não tem colega para te ajudar porque ele está atendendo outra pessoa,
desmotiva. Às vezes dá vontade de “jogar a toalha”, mas a gente não pode fazer isto. Você
tem outros pacientes para cuidar e não pode simplesmente ir embora. É estressante.”
3
A baixa remuneração é fonte de grande insatisfação (SIQUEIRA, WATANABE e
VENTOSA,1994). Em busca de sobrevivência econômica, muitos trabalham em até três
empregos. Os baixos salários, a não valorização social da profissão, o desprezo demonstrado
por outras equipes, além dos poucos gestos de gratidão por parte dos pacientes, são
indicativos da falta de reconhecimento vivenciada pelos trabalhadores desta área (ROBAZZI
e MARZIALE, 1999).
Os hábitos de vida impostos pelo horário de trabalho e, na maioria dos casos, pela
necessidade de ter mais de um emprego influenciam nos relacionamentos familiares e nas
suas condições de saúde. A predominância do sedentarismo nesta categoria profissional
aumenta o número de pedidos de licenças de saúde e o índice de absenteísmo (ROBAZZI e
MARZIALE, 1999).
R.G., 22 anos, técnica de enfermagem que trabalha no período noturno no prontoatendimento, pode dar uma amostra dos hábitos de vida desta categoria profissional. Além do
seu trabalho no pronto-atendimento, durante o período diurno, faz faculdade de enfermagem e
trabalha na UTI de um outro hospital. Mora na região metropolitana da cidade e necessita de
uma hora e meia para chegar em casa. A cada 36 horas de atividade de trabalho e estudo, R.G.
tem 12 horas de descanso. Assim como ela, vários profissionais da área da saúde vivem dias
de 48 horas, mantendo dois ou três empregos, a fim de sustentar a família. É importante
ressaltar que a maioria dos profissionais de enfermagem dos locais estudados são mulheres e
muitas são responsáveis pelo sustento total da família.
Num levantamento realizado durante a intervenção no pronto-atendimento identificou-se
que: a) nenhum dos 36 profissionais de enfermagem do setor realizavam atividades físicas; b)
a maioria não fazia exames preventivos e tratamento dentário; e c) os hábitos alimentares
eram inadequados.
Tendo em vista as diversas situações enfrentadas no desenvolvimento de seu trabalho, os
profissionais de enfermagem estruturam mecanismos de defesa contra a ansiedade, que foram
estudados inicialmente por Isabel Menzies, na década de 60. A teoria Psicodinâmica do
Trabalho, elaborada a partir do início dos anos 70 pelo médico psiquiatra francês Christopher
Dejours, tem explorado profundamente os mecanismos defensivos de diversas categorias
profissionais, mobilizados frente aos fatores de sofrimento no trabalho.
Apesar de Dejours não abordar especificamente as estratégias defensivas dos
profissionais de enfermagem4, pesquisas atuais (MENDES e LINHARES, 1996) têm utilizado
desta teoria a fim de verificar os mecanismos de defesa destes trabalhadores. Mesmos nestes
estudos a relação dos profissionais de enfermagem com a organização do trabalho tem sido
pouco explorada, dando mais ênfase à relação com os pacientes e familiares.
Partindo dos estudos de Menzies e tendo como base a teoria Psicodinâmica do Trabalho,
a Síndrome do Burnout será abordada a seguir como uma estratégia defensiva dos
profissionais de enfermagem, estruturada diante do confronto com a organização do trabalho e
do contato direto e excessivo com pacientes e familiares, os principais fatores de sofrimento
no trabalho destes profissionais.
3. A Síndrome do Burnout
A abordagem interpessoal da Síndrome do Burnout será adotada como ponto de partida
para uma leitura mais aprofundada do fenômeno, dentro da perspectiva psicodinâmica. Sendo
assim faz-se necessário explorar, em mais detalhes, o conceito da Síndrome do Burnout na
visão interpessoal.
3.1. Abordagem interpessoal:
4
Síndrome do Burnout como uma resposta à tensão emocional crônica
A abordagem interpessoal, desenvolvida por Maslach, conceitua o Burnout como a
síndrome da desistência e da exaustão emocional, que se constitui como uma reação à tensão
emocional crônica gerada pelo contato direto e excessivo com outros seres humanos.
O contato direto com pessoas, muitas vezes em situações de sofrimento, a identificação e
o envolvimento afetivo, o alto grau de responsabilidade nas decisões e a intensidade com que
esses fatores ocorrem justificam o esgotamento emocional de profissionais de ”caring”. O
Burnout aparece quando os recursos pessoais dos profissionais são perdidos ou não são
suficientes para responder às demandas de maneira satisfatória. Considerada como uma
resposta ao estresse laboral crônico, a Síndrome do Burnout afeta o bem–estar físico e
emocional do indivíduo. A pessoa torna-se exausta e pode apresentar sintomas físicos de
estresse (LIPP, 1996).
A Síndrome do Burnout caracteriza-se por três fatores (CODO,1999:238): exaustão
emocional, despersonalização das relações interpessoais e falta de envolvimento pessoal no
trabalho.
O que evidencia a exaustão emocional é o fato do profissional sentir que não tem mais
energia e que está esgotado, como resultado da demanda psíquica que surge da relação
interpessoal e do desgaste do vínculo afetivo, fundamental nas profissões que envolvem
cuidado.
A despersonalização manifesta-se nas atitudes negativas para com as pessoas no trabalho,
no comportamento de isolamento, distanciando-se dos seus clientes e colegas. Ocorre um
endurecimento afetivo e “coisificação” das relações, chegando à insensibilidade e às atitudes
impessoais. A despersonalização ocorre quando o vínculo afetivo é substituído por um
racional, conduzindo à desumanização das relações interpessoais.
A falta de envolvimento pessoal no trabalho é vista como conseqüência da perda do
investimento afetivo e da perda do sentimento de realização no trabalho, tendo como efeito
uma produtividade diminuída e uma evolução negativa, levando o profissional a avaliar a si
próprio negativamente e a sentir-se impotente.
Dentro desta perspectiva, os três componentes essenciais do Burnout estão ligados entre
si por uma relação assimétrica na qual o esgotamento emocional desencadeia as outras duas
características (RAMOS et al., 1998:191), ou seja, a exaustão emocional mobiliza a
despersonalização e a falta de investimento pessoal no trabalho. Os fatores essenciais do
Burnout podem aparecer com intensidades diferentes, ressaltando um ou outro conforme a
situação de estresse e as características individuais.
O Burnout é um processo contínuo e cíclico, que pode apresentar-se em diferentes níveis
de intensidade, “de forma que uma pessoa pode experimentar os três componentes várias
vezes em diferentes épocas de sua vida e no mesmo ou em diferentes trabalhos” (RAMOS et
al., 1998:191).
Esta definição operacionaliza o principal instrumento para interpretar os diferentes níveis
da Síndrome do Burnout, publicado em 1986: Maslach Burnout Inventory – MBI. O
instrumento foi traduzido e validado para o Brasil por Maurício Tamayo (1997), no
Laboratório de Psicologia do Trabalho da UNB – Universidade Nacional de Brasília.
Partindo do conceito proposto por Maslach, Jackson e Shwab (1997), será elaborada uma
leitura psicodinâmica da Síndrome do Burnout, especificamente em relação aos profissionais
de enfermagem, dentro de uma perspectiva crítica, com o objetivo de desvendar os aspectos
defensivos e subjetivos envolvidos, incluindo a análise da relação com a organização do
trabalho.
5
3.2. Abordagem dejouriana:
Síndrome do Burnout como uma estratégia defensiva frente ao sofrimento no trabalho
Para além do conceito interpessoal, a Síndrome do Burnout na perspectiva crítica
dejouriana não é simplesmente uma resposta do indivíduo diante do estresse laboral crônico,
mas é uma estratégia defensiva estruturada tendo em vista o sofrimento no trabalho. Por
estratégia defensiva entende-se um mecanismo psíquico que tem a função de manter a
normalidade do sujeito diante dos fatores de sofrimento no trabalho. Além disto os
mecanismos defensivos possibilitam a continuação da realização da tarefa e estabilizam a
relação subjetiva com a organização do trabalho (DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET,
1994:130).
Dejours (1992a:52) considera que o sofrimento no trabalho tem sua origem no confronto
entre a organização trabalho e o funcionamento psíquico do indivíduo. Entende-se que o
sofrimento no trabalho é o espaço de luta do sujeito contra o que o empurra para a doença
mental; é uma vivência subjetiva intermediária entre o “bem-estar” e a doença
descompensada (DEJOURS, 1992b:153).
Para explicar como a Síndrome do Burnout pode ser considerada uma estratégia
defensiva faz-se necessário ressaltar quais são os fatores de sofrimento mobilizadores desta
defesa em profissionais de enfermagem. Estes fatores de sofrimento podem ser identificados
ao analisar mais detalhadamente as características da Síndrome do Burnout na abordagem
interpessoal: a despersonalização das relações interpessoais, a falta de envolvimento pessoal
no trabalho e a exaustão emocional. Cada uma dessas características, apesar de totalmente
interligadas, será analisada separadamente com o objetivo de facilitar a leitura psicodinâmica
do conceito e dos fatores mobilizadores específicos.
3.2.1. Exaustão emocional ou fadiga física e psíquica ?
A exaustão emocional, conceituada por Maslach, Jackson e Achwab (1997) como o
sentimento do profissional não ter mais energia e se sentir esgotado, pode ser discutida a
partir do conceito de fadiga física e psíquica. Para Dejours (1992a:134, 1992b:154) a fadiga é
tanto física como psíquica, pois “não há fadiga física que não tenha uma tradução
psíquica”(DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET, 1994:29-30) e vice-versa.
A teoria dejouriana considera que o trabalho tem uma função psíquica extremamente
importante para a saúde global do indivíduo, pois pode ser fonte de prazer e/ou de sofrimento:
“pode causar infelicidade, alienação e doença mental, mas também pode ser mediador da
auto-realização, da sublimação e da saúde”(DEJOURS, 2000:98).
O trabalho é considerado equilibrante e fonte de prazer quando possibilita a descarga das
tensões psíquicas advindas do cotidiano5, ou seja, permite ao sujeito um espaço para a
utilização da sua criatividade e para o desenvolvimento de atitudes espontâneas. Entretanto,
na maioria das situações de trabalho predomina a submissão, a falta de liberdade e a
imposição de padrões estabelecidos pela organização de trabalho. Nestas condições, o
trabalho resulta no bloqueio da descarga psíquica, levando o sujeito à fadiga e à
descompensação física e mental (DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET, 1994:23 -26).
Para Dejours, as pressões decorrentes da organização do trabalho atuam sobre o
funcionamento psíquico e podem afetar a saúde mental e o equilíbrio psíquico dos
trabalhadores (DEJOURS,1992b:153; DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET, 1994:120).
A organização do trabalho é composta pela divisão do trabalho e pela divisão de homens.
A divisão de trabalho consiste da divisão de tarefas e do modo operatório prescrito6,
suscitando o sentido e o interesse no trabalho. A divisão de homens é representada pela
6
hierarquia, controle e comando, mobilizando as relações entre os trabalhadores no local do
trabalho (DEJOURS, 1992a:52, 1992b:153; DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET, 1994:120)
Os profissionais de enfermagem percebem estas pressões advinda da organização do
trabalho, tanto da divisão de homens como da divisão do trabalho.
Em entrevista, M. L., enfermeira há 15 anos atuando no pronto-atendimento, comenta que
mesmo sabendo qual remédio ou procedimento que deve ser adotado, os profissionais de
enfermagem só podem atuar após uma prescrição médica por escrito ou uma indicação
explícita dos procedimentos a serem realizados. Na UTI presenciei a ansiedade dos
profissionais de enfermagem diante da inação de um médico de plantão. Ao perceber que os
batimentos cardíacos de um paciente foram diminuindo o grupo de enfermagem avisou o
médico de plantão, que ignorou seus insistentes pedidos de uma intervenção medicamentosa
que pudesse reverter o quadro. A ansiedade dos profissionais de enfermagem aumentava
conforme o paciente piorava e sinalizava a iminência de uma parada cardíaca, como
aconteceu em seguida, exigindo a dedicação completa de todos os profissionais para evitar o
óbito do paciente.
A divisão das tarefas determinada pelo limite profissional submetem os profissionais de
enfermagem a atuações indicadas pela equipe médica, uma vez que estes são legalmente
responsáveis pelos procedimentos adotados. A relação dos profissionais de enfermagem com
a equipe médica indica a dinâmica e os conflitos inerentes as relações dos profissionais no
local de trabalho, referente tanto a hierarquia como a divisão do trabalho.
O confronto da organização do trabalho, por meio da divisão das tarefas, pode ser
identificado na elaboração da escala de trabalho do pronto-atendimento, realizada
mensalmente pela chefia de enfermagem. É elaborado um planejamento diário do quadro
funcional e da divisão do trabalho, ou seja, é determinado quem irá trabalhar, em quais dias e
desenvolvendo qual tarefa, tendo em vista as atividades: atendimento aos pacientes em
observação, preparo de medicação, atendimento à emergências e primeiro atendimento ao
paciente. Sem poder desenvolver seu papel profissional na íntegra, os trabalhadores executam
uma parcela do atendimento ao paciente, perdendo o sentido final do trabalho e a
possibilidade de reconhecimento originária do contato com os pacientes. O que se percebe,
entretanto, é que em algumas equipes do setor o trabalho é desenvolvido em conjunto, sem
respeitar a divisão de tarefas, evitando a fadiga. Quando estas adaptações defensivas não
acontecem a fadiga podem encontrar caminho livre para seu desenvolvimento, podendo levar
a descompensações físicas e psíquicas.
A fadiga pode ser comparada à exaustão emocional e aos sintomas físicos que
acompanham o quadro da Síndrome do Burnout, com a seguinte ressalva: o núcleo no qual se
origina a fadiga física e psíquica se encontra no confronto do sujeito com as relações
hierárquicas - de controle e de comando- , nos padrões de execução e na divisão das tarefas
(DEJOURS, 1992a:52) A abordagem interpessoal não considera o conflito entre a
organização do trabalho e o indivíduo, atribuindo a exaustão emocional somente à constante
relação com pessoas, no caso, pacientes e familiares. O desgaste do vínculo afetivo dos
profissionais com os pacientes e familiares é explorada de maneira adequada pela perspectiva
interpessoal, porém desconsidera a relação com a organização do trabalho, que também pode
originar a Síndrome do Burnout.
É importante ressaltar que a fadiga em si não é um mecanismo defensivo, mas é uma
evidência do confronto do sujeito com a organização do trabalho. Como a função da defesa é
evitar a descompensação, diante da fadiga se estrutura o mecanismo de defesa chamado
individualismo (DEJOURS, 1999:63), diretamente relacionado com a despersonalização das
relações interpessoais. Esta relação já foi identificado pela abordagem interpessoal e pode ser
7
representado por Tamayo (1997:16) ao afirmar que “a despersonalização é uma estratégia
defensiva de confrontamento para lidar com a exaustão emocional.” A despersonalização será
discutida a seguir.
3.2.2. Despersonalização ou individualismo?
A despersonalização é um dos fator mais explorados nos estudos sobre a saúde mental
dos trabalhadores de enfermagem (MENZIES, 1969; SIQUEIRA, WATANABE e
VENTOLA, 1994; MENDES e LINHARES, 1996; SILVA E KIRSCHBAUM, 1998). Na
abordagem interpessoal da Síndrome do Burnout a despersonalização, também denominado
endurecimento afetivo ou “coisificação” da relação, é definida como o desenvolvimento de
sentimentos e atitudes negativas e de cinismo na relação com os clientes (CODO, 1999: 238).
Menzies (1969:62) identificou a despersonalização como uma defesa socialmente
estruturada frente a ansiedade originária na relação com os pacientes e familiares. Cumprindo
sua função defensiva, a despersonalização minimiza os efeitos da confrontação com situações
mobilizadoras de sentimentos ambíguos ao mesmo tempo que torna o atendimento
desumanizado, uma vez que caracteriza-se pela diminuição da sensibilidade ao sofrimento e
às necessidades do paciente.
A função defensiva da despersonalização também foi identificada pelos estudos de
Mendes e Linhares (1996), evidenciada pelo fato dos profissionais pesquisados assumirem
que preferiam não saber das reais condições dos pacientes e de suas dificuldades para “não se
contaminarem com o sofrimento do outro”. Silva e Kirschbaum (1998) consideram que a
despersonalização ameniza os efeitos de um importante fator de sofrimento no trabalho: a
relação com os pacientes e familiares.
M.L., enfermeira do pronto-atendimento, sobre a relação com os pacientes relata:“Se
você está muito sensível, não está num bom dia, vai atender um paciente que sensibiliza você
e não tem ninguém que pode te ajudar você respira fundo, vai lá, não conversa muito,
procura não se envolver, você procura não escutar muito ele. Se você não está bem, se não
tem outra saída e você tem que ir lá aí, você faz o procedimento rápido, dá o remédio para
dor e sai.”
O contato com a dor, o sofrimento e a morte do outro confronta o profissional com sua
própria morte (KASTENBAUM e AISENBERG,1983; MENDES e LINHARES, 1996:274)
ou com o sofrimento de alguma pessoa de sua referência (MENZIES, 1969:64), fator
mobilizador de muita ansiedade.
Profissionais de enfermagem verbalizam que não poderiam trabalhar se todo o tempo
ficassem pensando na possibilidade de um filho ou eles mesmos ficarem doentes, sofrerem
e/ou morrerem como muitos pacientes que vêem. Em entrevista, a mesma enfermeira,
comenta: “Geralmente pacientes muito debilitados me sensibilizam. Olho para eles e penso:
como pode ele agüentar tudo isto, se eu tivesse no lugar dele, que sentido teria minha vida,
será vale a pena viver deste jeito, coitado. E eu não tenho nada com isto... mas olha ... como
eu sou feliz por não ter nada assim, como a minha vida é boa comparada com a dele.”
O sofrimento no trabalho se dá numa dimensão temporal e espacial, pois articula dados
da história do indivíduo, do contexto atual, do ambiente profissional e do espaço das relações
familiares do trabalhador (DEJOURS, 1992b:151).
A enfermeira do pronto-atendimento A.D., mãe de uma criança de 3 anos, evita atender
crianças, encaminhando os casos para suas colegas, pois fica abalada ao se deparar com a
desestruturação dos pais e ao se confrontar com a possibilidade de algum dia sofrer a mesma
situação com sua filha.
8
O contato com o sofrimento e a morte dos pacientes gera um conflito entre a realização
do atendimento ou o afastamento, como uma maneira de não pensar nas próprias questões
(MENDES e LINHARES, 1996:274). A despersonalização é uma via de escape deste
conflito, pois as atividades ocupacionais são desenvolvidas com o mínimo de envolvimento
emocional. Tem-se como conseqüência a baixa qualidade do atendimento prestado aos
pacientes e familiares (PENSON et al., 2000).
Pode-se perceber que os estudos sobre a despersonalização abordados anteriormente a
consideram uma estratégia de defesa dos profissionais de enfermagem diante do sofrimento e
da morte dos pacientes. Apenas Ramos et al (1998:191) considera que a despersonalização
não ocorre somente na relação com os pacientes, mas também na relação com os colegas de
trabalho. Tendo como base a teoria Psicodinâmica do Trabalho pode-se concordar com
Ramos, conforme discutido a seguir.
Segundo Dejours (1999:40-46) a percepção do sofrimento do outro (paciente ou
profissional) implica na consciência de seu próprio sofrimento, mobilizando as defesas do
sujeito. Não perceber o sofrimento alheio é fruto da intolerância em perceber seu próprio
sofrimento. O sofrimento pode ser negado ou subestimado através de uma estratégia defensiva
chamada individualismo (DEJOURS, 1999:63).
O individualismo, segundo Dejours (1999:63, 2000:46-52) é a estratégia de defesa do
silêncio, da cegueira e da surdez, mobilizada contra a consciência do sofrimento tanto de si
próprio como do outro. No individualismo a percepção da realidade é modificada. Não se
percebe mais o sofrimento humano e ocorre a desumanização das relações interpessoais.
Portanto, numa perspectiva da teoria psicodinâmica, a despersonalização das relações é o
mecanismo de defesa do individualismo estruturado contra o sofrimento no trabalho dos
profissionais de enfermagem, decorrente do contato com o sofrimento e a morte dos pacientes
e da negação do sofrimento no trabalho tanto de si como dos colegas no trabalho.
Quando a equipe da UTI recebe um paciente que reclama muito de dor, da demora do
atendimento ou com uma família bastante ansiosa, comentários de que a família é
desestruturada, que o paciente está exagerando e é muito exigente são freqüentes. Nega-se a
veracidade da dor do outro e do seu próprio sofrimento diante da agonia alheia.
Na despersonalização dos profissionais de enfermagem o consenso está na negação do
sofrimento de si e do outro, seja ele paciente ou colega. Os profissionais de enfermagem do
pronto-atendimento na sua maioria verbalizam que não querem ser transferidos do setor, pois
consideram que a alta rotatividade de pacientes é um aspecto muito vantajoso por não
propiciar envolvimento significativo. Além disso a grande demanda de atendimento no setor
também protege os profissionais do contato com seus próprios colegas. Não existem reuniões
sistemáticas da equipe de enfermagem ou do setor como um todo e as relações limitam-se as
tarefas ocupacionais.
A evitação de um contato mais pessoal evidencia a estratégia defensiva da distância e da
negação de sentimentos, identificada no estudo de Menzies (1969). Controlar seus
sentimentos, não misturar vida profissional com vida pessoal, não se perturbar com o
sofrimento alheio são atitudes de “boas enfermeiras”.
É importante observar que a despersonalização das relações interpessoais pode estar
sendo gerada não somente na relação com os pacientes ou pelo isolamento, mas nas próprias
condições de trabalho impostas pela organização, como no caso relatado a seguir.
A enfermeira do protno-atendimento M.L., em entrevista, comenta: “Agora diminuiu o
número de pessoas trabalhando e aumentou tanto a demanda de pacientes que não dá tempo
de envolvimento, nem entre nós (equipe de enfermagem) nem com os pacientes. Às vezes
morre alguém e nem dá tempo de ver quem foi. Como o tempo é curto, ou você morre
9
trabalhando para fazer os procedimentos e medicação ou você cuida do lado emocional do
paciente. De certa forma a gente se protege e não se envolve muito, apesar de, por outro
lado, ficar se cobrando que não está dando atenção aos pacientes. Quando você
vê já deu a hora de ir embora e não deu tempo de fazer quase nada. Com os colegas não dá
tempo de conversar, você vê que um colega não está legal ou alguém diz que precisa
conversar, mas não dá tempo. Nem o café tomamos junto mais por falta de tempo. Além disto
se alguém não está legal vai precisar de um tempo para conversar e nós não temos tempo,
então também não perguntamos muito. Aí, infelizmente cada um tem que se virar como
pode.”
A despersonalização, portanto, pode ser definida como a estratégia defensiva do
individualismo, mobilizada diante das condições de trabalho, da negação do sofrimento do
paciente, dos colegas e do próprio sofrimento no trabalho. Negar os sentimentos significa
romper com a coerência entre pensamento, sentimento e ação, fator que desconecta o
indivíduo de si mesmo e portanto pode conduzir à falta de envolvimento pessoal no trabalho
(MENZIES, 1969), terceira característica fundamental do conceito interpessoal da Síndrome
do Burnout, proposto por Maslach, Jackson e Schwab (1997).
3.2.3.Falta de envolvimento pessoal no trabalho decorrente da falta de reconhecimento
Dejours (1999:63; 2000:34) considera que o descomprometimento no trabalho, assim
como o individualismo são mecanismos de defesa contra o falta de reconhecimento, tanto do
trabalho bem feito como do sofrimento no trabalho.
Menzies (1969:103) afirma que o trabalho de enfermagem oferece poucas satisfações
diretas às pessoas, pois a gratidão dos pacientes, considerada como uma importante
recompensa pelos trabalhadores de enfermagem, geralmente é impessoal, direcionada à toda
equipe. A melhora de um paciente é dificilmente vinculada aos seus próprios esforços.
O pronto-atendimento é um setor de alta rotatividade de pacientes - dificilmente a equipe
de enfermagem atende o mesmo paciente em mais de um plantão - o que dificulta o
estabelecimento de um vínculo significativo entre os profissionais e os pacientes, diminuindo
a expressão de reconhecimento explícito e pessoal dos pacientes pelos trabalhadores de
enfermagem. Mesmo assim “O maior reconhecimento vem por parte dos pacientes”,
conforme relata, M. L., enfermeira do setor há 15 anos.
A falta de reconhecimento também é precário por parte da organização do trabalho,
representada no pronto-atendimento pela chefia e coordenação de enfermagem. Diante de
erros ou conflitos ocasionais reuniões são convocadas e medidas tomadas para restabelece a
ordem e o bom funcionamento. Isto pode ser ilustrado pela fala de uma enfermeira: “Para
elogiar ninguém chama”, se referindo a convocação de uma reunião para esclarecimento de
reclamações. Em outra oportunidade, I. A., auxiliar de enfermagem do pronto-atendimento,
reclama: “Hoje faz 10 anos que trabalho aqui e nunca ganhei nada”, referindo-se ao fato da
organização durante todo este tempo não ter oferecido nenhum sinal de reconhecimento,
como pequenos presentes em datas comemorativas
A falta de reconhecimento não existe somente nos níveis expostos acima. Os baixos
salários evidenciam a falta de reconhecimento social da profissão e, entre os colegas de
equipe, a cooperação e cumplicidade são insuficientes. O técnico de enfermagem O.S. que
atua no setor de queimados, em entrevista, desabafa: “Você tem que ser cúmplice no trabalho
de enfermagem, é uma continuidade, são 24 horas – manhã, tarde, noite. Mas neste caminho
têm pessoas que pensam e outras que não pensam assim e daí dá discussão, conflito,
falatório. Não poderia ser assim.”
10
Dejours (1999:63) considera que a falta de discussão e de reconhecimento do ajuste entre
o trabalho real e o prescrito mobiliza defesas como segredos internos ao coletivo de trabalho,
mentira e dissimulação, segredos individuais, desesperança de ser reconhecido,
descomprometimento e a desmobilização, tendo como conseqüência o individualismo. Os
trabalhadores se vêem privados do reconhecimento, ameaçados e são levados a dissimularem
as dificuldades que a experiência do real da tarefa lhes apresenta (DEJOURS, 2000). A falta
de reconhecimento de suas qualidades e necessidades é inquietante, pois os profissionais
sentem que sua própria pessoa tem pouca importância (MENZIES, 1969:103).
Portanto, o descomprometimento, assim como o individualismo são considerados por
Dejours estratégias defensivas diante da falta de reconhecimento. No reconhecimento estão as
dimensões intelectual e psicoafetiva (DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET, 1994). O
reconhecimento pode transformar o sentido do trabalho, pois ao ter reconhecido a qualidade
do seu trabalho, há também o reconhecimento da dedicação e das angústias que envolveram a
execução do trabalho, o quem pode ser reconduzido à construção da identidade do sujeito
(DEJOURS, 2000:35).
O reconhecimento pela contribuição do ajuste na defasagem entre o trabalho real e o
prescrito constitui-se como uma compensação simbólica, capaz de possibilitar a emancipação
e a reapropriação do sujeito (DEJOURS, 2000:97). Porém o reconhecimento raramente é
conferido de modo satisfatório, o que acarreta um sofrimento que desestabiliza o referencial
em que se apóia a identidade (DEJOURS 2000:35).
Após a discussão dos aspectos ocultos de cada componente da Síndrome do Burnout,
em seguida será apresentada a ampliação do conceito dentro da perspectiva psicodinâmica,
com posterior comparação com a abordagem interpessoal.
4. Burnout – uma estratégia defensiva
A Síndrome do Burnout, enquanto estratégia de defesa, deve cumprir as seguintes
funções: a) manter a normalidade do sujeito diante dos fatores de sofrimento no trabalho; b)
possibilitar a continuação da realização das tarefas e; c) estabilizar a relação com a
organização do trabalho(DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET, 1994:130).
Imaginando que uma defesa como Síndrome do Burnout não fosse estruturada no todas as
angústias e sentimentos mobilizados na relação com os pacientes, colegas e com a
organização do trabalho afetariam diretamente o sistema psíquico do trabalhador, podendo
levá-lo a uma hipersensibilidade e possivelmente a descompensações psíquicas mais graves,
como fobia, psicose, depressão conforme a estrutura psíquica individual. Dejours (1992b:153)
considera que a defesa é o ponto entre a doença e a normalidade.
A Síndrome do Burnout permite que as relações interpessoais, por mais “coisificadas”
que sejam, continuem acontecendo, mantendo a realização da tarefa ocupacional dos
profissionais de enfermagem. O profissional com Síndrome do Burnout consegue executar
sua tarefa (apesar da diminuição da qualidade) e manter uma certa normalidade, ou seja, o
profissional se desvincula emocionalmente dos outros e de si, minimizando o sofrimento
suscitado destas relações, possibilitando a continuação da realização de sua tarefa, porém sem
um envolvimento pessoal no trabalho.
A energia psíquica mobilizada para a manutenção da defesa desvia a mobilização para
confrontação com a organização do trabalho, levando a uma relação submissa, mantendo o
trabalhador nas suas atividades ocupacionais, sem maiores conflitos com a organização do
trabalho, uma vez que este se apresenta-se desmobilizado e não envolvido com o trabalho. O
11
trabalhador se isola dos demais colegas, negando os fatores de sofrimentos próprios do seu
trabalho, como também o sofrimento de seus colegas.
A Síndrome do Burnout pode ser redefinida, em relação aos profissionais de
enfermagem, como um mecanismo defensivo constituído das seguintes estratégias de defesa:
individualismo e falta de envolvimento no trabalho. Os principais fatores de sofrimento
mobilizadores destas defesas são: a) fadiga decorrente da relação com pacientes e familiares e
do confronto com a organização do trabalho; b) percepção do sofrimento dos pacientes e
familiares, do próprio sofrimento no trabalho e do sofrimento dos outros profissionais; c)
falta de reconhecimento - do trabalho bem feito, do sofrimento no trabalho e do ajuste entre
trabalho real e preescrito - por parte da organização do trabalho, de outros profissionais e dos
pacientes.
A Síndrome do Burnout, assim como as demais estratégias defensivas, ao mesmo tempo
que tem a função de minimizar o sofrimento, é impeditiva de um trabalho mais satisfatório. A
negação do sofrimento impossibilita uma luta mais eficaz contra ele (DEJOURS,1992a:136;
DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET, 1994:128). Além disso, a estratégia de defesa não
modifica a realidade que faz sofrer e leva à alienação (DEJOURS, 1999: 171). O resultado da
utilização de mecanismos de defesa é apenas uma operação mental, pois não há modificação
na realidade (DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET, 1994:128). Menzies (1969:111)
considera que as defesas inibem a capacidade do pensamento criador e simbólico, limitando o
desenvolvimento das habilidades práticas e de conhecimento dos indivíduos, o que suscita
sentimento de impotência diante de situações ou problemas novos.
Como não proporciona transformações na realidade, a Síndrome do Burnout não impede
o sofrimento no trabalho e por vezes os profissionais são expostos aos fatores de sofrimento
que mais tentam negar. Num processo crônico de confrontação alguns profissionais desistem,
real ou simbolicamente (CODO, 1999:238). A doença física também pode acompanhar a
Síndrome do Burnout, podendo simbolizar uma desistência diante das pressões do trabalho.
A desistência pode se tornar real, como no caso da auxiliar de enfermagem N.Z., que ao
voltar das férias encontrou a equipe de trabalho com apenas 1 dos 5 integrantes. O volume de
trabalho e o número de emergências do plantão exigiam das duas profissionais muito mais do
que elas poderiam oferecer. Após um tempo sobre intensa pressão, N.Z. abandonou o plantão,
fato nunca ocorrido anteriormente. N.Z. é uma funcionária exemplar, dificilmente falta ao
trabalho ou apresenta atestados de saúde, além de sempre ‘cobria’ plantão de suas colegas.
N.Z., no dia seguinte, pediu transferência do setor, alegando não suportar mais as condições
de trabalho, às quais ficou exposta durante 13 anos no pronto-atendimento daquele hospital. A
Síndrome do Burnout permite a desistência em favor da manutenção de uma certa
normalidade psíquica do sujeito.
É importante ressaltar que a leitura psicodinâmica da Síndrome do Burnout não
desconsidera os aspectos abordados pela abordagem interpessoal, conforme discutido a
seguir.
5. Síndrome do Burnout: comparação entre abordagem interpessoal e psicodinâmica
O conceito de Síndrome do Burnout dado pela abordagem interpessoal é utilizado aqui
como ponto inicial para a análise psicodinâmica desta síndrome. Partindo deste princípio, se
considera que a relação com pacientes e familiares, por si só, são suficientes para que um
quadro de Síndrome do Burnout se desenvolva. Porém, ao abordar o sujeito no seu contexto
global de trabalho, percebe-se que várias outras relações podem afetar sua saúde mental. A
contribuição da abordagem psicodinâmica da Síndrome do Burnout é uma ampliação do
12
conceito proposto pela abordagem interpessoal, considerando o conflito entre a organização
do trabalho e o funcionamento psíquico do trabalhador, destacando o aspecto defensivo
envolvido. A tabela 01 evidencia a complementariedade dos conceitos, apresentando em
detalhes a consideração da relação com os pacientes e familiares na perspectiva crítica
psicodinâmica.
Tabela 01: Comparação da abordagem interpessoal e psicodinâmica do Burnout
ABORDAGEM INTERPESSOAL
Característica
Causa
Relação com
Exaustão
pacientes e
emocional
familiares
Despersonalização
Falta de
envolvimento
Relação com
pacientes e
familiares
Relação com
pacientes e
familiares
ABORDAGEM PSICODINÂMICA
Fator de sofrimento
Fadiga física e psíquica7 - devido ao
--------confronto com a organização do trabalho
e à relação com os pacientes e familiares
Falta de reconhecimento por parte da
Individualismo
organização do trabalho, dos colegas e
dos pacientes e familiares
Sofrimento dos pacientes e familiares, do
próprio sofrimento e do sofrimento dos
outros profissionais no trabalho
Falta de reconhecimento por parte da
Descomprometimento
organização do trabalho, dos colegas e
no trabalho
dos pacientes e familiares
Defesas
Nos estudos de Dejours percebe-se uma preocupação com o funcionamento do contexto
organizacional no qual o indivíduo está inserido para uma posterior análise da relação
(DEJOURS ,1992a:52, 1992b:153; DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET, 1994:120). Além
disto, o trabalhador na análise da relação homem-trabalho nunca é considerado um indivíduo
isolado, “ele sempre toma parte ativa nas relações” (DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET,
1994:138).
Apresentando coerência epistemológica com a teoria crítica, o objetivo da teoria
Psicodinâmica do Trabalho é a repropriação do sujeito como construtor de sua realidade. O
homem é um sujeito pensante, que não é passivo diante das pressões organizacionais e age
sobre o próprio processo de trabalho (DEJOURS , ABDOUCHELI e JAYET, 1994:138, 140).
A diferença fundamental entre as duas abordagens encontra-se primeiramente na base
epistemológica. Enquanto a abordagem dejouriana está fundamentada numa perspectiva
crítica da realidade, a Síndrome do Burnout na abordagem interpessoal apresenta evidência de
uma base epistemológica positivista. Segundo Coelho (1982:94), a visão positivista restringe
os fenômenos subjetivos ao que passa no pensamento do indivíduo, pretendendo descrever as
entradas e as saídas, sem procurar evidenciar os aspectos intrínsecos das transformações
evidenciadas.
Este aspecto é identificado no estrutura do Malasch Burnout Inventory - MBI,
instrumento utilizado para diagnosticar a Síndrome do Burnout. O MBI é um instrumento
composto por 22 ítens que devem ser avaliados pelo próprio trabalhador conforme uma escala
de Likert de 6 pontos, as quais indicam a freqüência que cada situação acontece. Este
instrumento proposto por Maslach, Jackson e Schwab (1997) considera que os sintomas são
facilmente percebidos e aceitos pelos profissionais e passíveis de serem expressados
objetivamente.
O fato de não se considerar os aspectos defensivos pode estar influenciando no
diagnóstico do Burnout, uma vez que a estratégia defensiva altera a percepção da realidade e
como conseqüência, a sua avaliação. No diagnóstico realizado pelo MBI também não se leva
em conta o confronto entre o sujeito e a organização do trabalho, indicando que o intrumento
13
é incompleto e sua forma inadequada, tendo a Síndrome do Burnout numa perspectiva crítica
psicodinâmica. Pesquisas posteriores podem propor um método de diagnóstico do Burnout
tendo em vista a perspectiva psicodinâmica, que necessariamente contemplará a análise do
discurso dos trabalhadores, conforme a metodologia proposta por Dejours (1992a) para o
estudo do sofrimento no trabalho e das estratégias defensivas.
6. Considerações finais
A Síndrome do Burnout em profissionais de enfermagem é um sinal de sofrimento e luta
do sujeito na relação de trabalho: é a estratégia defensiva do individualismo e do
descomprometimento no trabalho, mobilizadas diante da falta de reconhecimento e da fadiga
física e psicológica.
A Síndrome do Burnout está cada vez mais distante de ter um conceito único. Partindo de
bases epistemológicas diferentes torna-se impossível tratá-la de maneira semelhante. A
perspectiva crítica do Burnout, para além da abordagem interpessoal, sinaliza a falta de
reconhecimento, a negação do sofrimento e a fadiga física e psicológica, fatores de sofrimento
que mobilizam a defesa do individualismo e da falta de envolvimento no trabalho, levando o
profissional a desistência e esgotamento no trabalho (e, muitas vezes, na vida).
Rever este conceito dentro de uma perspectiva psicodinâmica, tendo como base
epistemológica a teoria crítica da administração, possibilita reformular a intervenção e a
forma de avaliação desta síndrome, incluindo a organização do trabalho no processo de
desgaste e desistência emocional destes profissionais.
Existem muitos pontos obscuros nas estratégias estruturadas contra os diversos fatores de
sofrimento no trabalho dos profissionais de enfermagem, que para serem compreendidos
exigem uma abordagem mais crítica da realidade.
Muito há que se desvendar sobre o que sustenta a normalidade daqueles que nos hospitais
nascem, trabalham, sofrem, vivem e morrem, acompanhando o nascimento, o sofrimento e a
morte de seus semelhantes. Muito se exige destes profissionais que lutam para manter e
“ganhar” a vida enquanto salvam vidas. Pouco se faz para auxiliá-los na difícil tarefa de ser
cuidador.
A análise das relações de trabalho precisa ultrapassar as fronteiras do óbvio para alcançar
a subjetividade humana. O Burnout, assim como o estresse, as doenças ocupacionais, o
absenteísmo e a desmotivação no trabalho devem ser analisados além dos aspectos formais e
manifestos. Na face oculta destes fenômenos encontra-se o sofrimento, a defesa e a luta contra
a doença e a loucura.
Notas
1
Tamayo (1997) apresenta as várias abordagem existentes da Síndrome do Burnout.
A leitura psicodinâmica da Síndrome do Burnout está fundamentada em evidências empíricas da realidade dos
profissionais da área de enfermagem, devendo ser reavalia para generalizações relativas a outras categorias
profissionais.
3
Os profissionais de enfermagem são representados por três categorias: a) enfermeiro – com formação superior,
é responsável pela administração e pelos procedimentos dos demais profissionais da equipe de enfermagem e
realiza procedimentos mais complexos; b) técnico de enfermagem – tem formação técnica e de ensino médio,
executa a maioria dos procedimentos de enfermagem; c) auxiliar ou atendente de enfermagem: formação escolar
em ensino básico e um curso básico de enfermagem, auxilia no desenvolvimento das atividades dos técnicos.
4
As poucas referências de Dejours (1999:133,165; 2000:102) sobre as estratégias defensivas utilizadas pelos
trabalhadores da área de enfermagem restringem-se a comentários sobre estudos em andamento que indicam que
as estratégias defensivas utilizadas pelas enfermeiras - profissão ocupada na sua grande maioria por mulheres 14
2
são diferentes das utilizadas pelos grupos profissionais predominantemente masculinos (construção civil, piloto
de caça, operários, executivos) - abordadas até o momento pela Psicodinâmica do Trabalho.
5
Menzies e Jaques (1969) discutem como a organização é utilizada pelos indivíduos como defesa contra a
ansiedade. Quando o trabalho impede a descarga das tensões psíquicas a ansiedade fica acumulada e desencadeia
a fatiga e a descompensação (DEJOURS, ABDOUCHELI e JAYET,1994).
6
O modo operatório preescrito refere-se as regras que indicam como uma tarefa deve ser realizada.
7
A fadiga física e psíquica não é uma defesa em si, mas é o fator mobilizante da defesa do individualismo
Referências Bibliográficas
AMORIM, C. Síndrome do Burnout. Jornal de Qualidade de Vida. Curitiba: PUC, 1998.
COELHO, L.M.S. Fundamentos epistemológicos de uma psicologia positiva. São Paulo:
Ática, 1982.
CODO, W. (org) Educação, carinho e trabalho. Petrópolis:Vozes, 1999.
DEJOURS,C. A loucura do trabalho, São Paulo: Cortez/Obóre, 1992a.
________, C. Uma nova visão do sofrimento humano nas organizações in CHANLAT,J.F.
O indivíduo na organização – dimensões esquecidas. São Paulo, Atlas, 1992 b, V. I.
________,C. Conferências Brasileiras: identidade, reconhecimento e transgressão no
trabalho. São Paulo: Fundap - EAESP/FGV, 1999.
________,C. A banalização da injustiça social: identidade, reconhecimento e
transgressão no trabalho. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000.
DEJOURS, C. ABDOUCHELI,E. e JAYET,C. Psicodinâmica do trabalho. São Paulo:
Atlas, 1994.
KASTENBAUM, R. e AISENBERG,R. Psicologia da Morte. São Paulo: USP, 1983.
LIPP, M. Pesquisas sobre stress no Brasil. Campinas – SP: Papirus, 1996.
MASLACH, C. JACKSON, S.E. e SCHWAB, R.L. Malasch Burnout Inventory – MBI.
Madri: TEA, 1997.
MENDES, A.M. e LINHARES,N.J.R. A prática do enfermeiro com pacientes da UTI: uma
abordagem psicodinâmica. Revista Brasileira de Enfermagem. v. 49, n. 2, p. 267-280,
abr/jun, 1996.
MENZIES, I. El funcionamiento de los sistemas sociales como defensa contra la ansiedad :
informe de un estudio del Servicio de Enfermeras de um hospital general. In: MENZIES,
I. JAQUES, E. Los sistemas sociales como defensa contra la ansiedade. Buenos Aires:
Hormé, 1969
MENZIES, I. e JAQUES, E. Los sistemas sociales como defensa contra la ansiedade.
Buenos Aires: Hormé, 1969
MONTE, P.R.G. Una nota sobre el concepto de Burnout: sus dimensiones y estrategias de
afrontamiento. Revista del Colegio Oficial de Psicólogos del País. España -Valencià ,
v.6, p.4-7 ago, 1991.
PENSON, R et al. Burnout: caring for the caregivers. Oncologist. V.5, n.5, p.425-34, 2000.
RAMOS, F et al. Síndrome de desgaste profesional (burnout) Mapfre Medicina, v.9, p.189196, 1998
ROBAZZI, M.L.C. e MARZIALE, M.H.P. Alguns problemas ocupacionais decorrentes do
trabalho de enfermagem no Brasil. Revista Brasileira de Enfermagem, v.52, n.4, p.514519, out/dez, 1999
SILVA, J.B. e KIRSCHBAUM, D. Mental suffering of nurses who care for cancer patients.
Revista Brasileira de Enfermagem. V. 51, n. 2, p. 273-90, 1998.
15
SIQUEIRA, M.M., WATANABE, F.S. e VENTONA, A. Sofrimento físico e mental de
auxiliares de enfermagem: uma abordagem sob o enfoque gerencial. Revista da
ENANPAD – Recursos Humanos. Anais do XVIII ENANPAD, 1994.
TAMAYO, M. Relação entre a Síndrome do Burnout e os valores organizacionais no
pessoal de enfermagem de dois hospitais públicos. Brasília:1997, Dissertação de
Mestrado – Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília.
WALLACE-BARNHILL, G.L. Compreendendo as reações do paciente e da família. In:
CIVETTA, P. M. Tratado de terapia intensiva. São Paulo: Manole, 1992.
16
Download

A face oculta da Síndrome do Burnout nos profissionais de