UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
SETOR DE MONOGRAFIA
A DISCRICIONARIEDADE DO PODER EXECUTIVO NA CONCESSÃO
DA NATURALIZAÇÃO
Monografia apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de bacharel em Direito na
Universidade do Vale do Itajaí
ACADÊMICO: PAULO HENRIQUE DOS SANTOS
São José (SC), maio de 2005.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
SETOR DE MONOGRAFIA
A DISCRICIONARIEDADE DO PODER EXECUTIVO NA CONCESSÃO
DA NATURALIZAÇÃO
Monografia apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob orientação do
Professor MSc. Luiz Magno Pinto Bastos Júnior.
ACADÊMICO: PAULO HENRIQUE DOS SANTOS
São José (SC), maio de 2005.
1
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
SETOR DE MONOGRAFIA
A DISCRICIONARIEDADE DO PODER EXECUTIVO NA CONCESSÃO
DA NATURALIZAÇÃO
PAULO HENRIQUE DOS SANTOS
A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em
Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
São José, 16 de junho de 2005.
Banca Examinadora:
_______________________________________________________
Prof º. MSc. Luiz Magno Pinto Bastos Júnior - Orientador
_______________________________________________________
Prof. «título, se houver» «Nome» - Membro
_______________________________________________________
Prof. «título, se houver» «Nome» - Membro
2
Enfim, acabou...
Foi uma luta, de muitos obstáculos,
E se aqui cheguei,
Foi porque não estive só.
Comecei esta caminhada e apoio recebi,
Pensei em desistir,
Mas lá estavas, firme e forte, ao meu lado, a dizer,
Continue...
Mãe presente e carinhosa,
Esposa amável e dedicada,
Alma gêmea, companheira para todas as horas,
Josi, a ti dedico esta vitória!
3
AGRADECIMENTOS
A Deus, que meu caminho iluminou, que saúde me proporcionou, pela paz de
espírito que tive para superar todos os obstáculos.
À minha mãe Claudete, pelo seu exemplo de vida, pelo carinho e atenção em
todas as horas, pelo seu imenso amor, por todo o apoio, sem o qual o sonho não seria
realizado.
A meu pai Mário, homem íntegro e honesto, profissional exemplar, no qual me
espelhei, referência para toda vida, pela formação que me proporcionou.
A meus filhos Arthur e Gustavo, sentidos da minha vida, pela compreensão
ante minha ausência, pelos momentos felizes, pelos sorrisos que tanta força me deram.
A todos os familiares e amigos, que de forma indireta, contribuíram para que
eu chegasse até aqui.
A meu orientador Professor Luiz Magno, parceiro neste trabalho, pela
dedicação e contribuição a essa pesquisa.
À minha esposa Josiane, a quem dedico este momento.
4
“... os que madrugam no lêr, convem madrugar tambem no
pensar. Vulgar é o lêr, raro o reflectir. O saber não está na
sciencia alheia, que se absorve, mas, principalmente, nas idéas
proprias, que se geram dos conhecimentos absorvidos, mediante
a transmutação, por que passam, no espírito que os assimila. Um
sabedor não é armário de sabedoria armazenada, mas
transformador reflexivo de acquisições digeridas”.
Ruy Barbosa
5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 10
1. NACIONALIDADE:
RELAÇÃO
COM
OS
DIREITOS
DE
CIDADANIA,
CRITÉRIOS DE AQUISIÇÃO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO BRASIL.................. 12
1.1. A RELAÇÃO ENTRE OS DIREITOS DE CIDADANIA E NACIONALIDADE. ...12
1.2. FORMAS E CRITÉRIOS DE AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE .....................18
1.3. POLIPATRIA E APATRIDIA.................................................................................. 21
1.4. HISTÓRICO NACIONAL .......................................................................................23
2. AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE BRASILEIRA............................................... 33
2.1. NACIONALIDADE ORIGINÁRIA: BRASILEIRO NATO.....................................33
2.2. NACIONALIDADE DERIVADA: O BRASILEIRO NATURALIZADO ................36
2.2.1. A Naturalização Ordinária................................................................................. 36
2.2.2. A Naturalização Extraordinária. ........................................................................ 41
2.3. PERDA DA NACIONALIDADE ............................................................................. 43
2.4. PRERROGATIVA DOS NACIONAIS.....................................................................46
2.4.1. Distinção entre Brasileiros e Estrangeiros .........................................................47
2.4.2. Distinção entre Brasileiros Natos e Naturalizados ............................................. 48
3. CONCESSÃO DE NATURALIZAÇÃO: ATO DISCRICIONÁRIO OU ATO
VINCULADO DO PODER EXECUTIVO .......................................................................50
3.1. ATO ADMINISTRATIVO: CONCEITO ................................................................. 50
3.2.
ELEMENTOS DO ATO ADMINISTRATIVO ........................................................ 50
3.3. O ATO ADMINSTRATIVO DISCRICIONÁRIO E O ATO ADMINISTRATIVO
VINCULADO: CARACTERIZAÇÃO E CONTRAPOSIÇÃO ........................................ 52
3.3.1. O Mérito do Ato Administrativo Discricionário ................................................54
3.3.2. Discricionariedade Administrativa e Interpretação da Norma Jurídica............... 56
3.3.3. Os atos de Governo........................................................................................... 57
3.4. A CONCESSÃO DA NATURALIZAÇÃO E O ÂMBITO DA AUTONOMIA DO
PODER EXECUTIVO .....................................................................................................59
3.4.1. Naturalização pela forma ordinária e a natureza do ato concessivo .................... 60
3.4.2. Naturalização pela forma extraordinária e a natureza do ato concessivo ............63
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 67
6
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 71
ANEXOS............................................................................................................................. 75
ANEXO I – DOCUMENTO DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. ...................................... 76
7
RESUMO
A nacionalidade é um tema de jurisdição interna dos Estados, porém, segue alguns
princípios emanados do Direito Internacional. Dentre estes princípios, cabe destacar aquele
que dispõe que “ninguém poderá ser privado de sua nacionalidade e a ninguém será negado o
direito de trocar de nacionalidade”. A troca de nacionalidade se dá pela naturalização. No
Brasil, há duas formas de naturalização previstas constitucionalmente: a ordinária e a
extraordinária. A ordinária requer que o estrangeiro cumpra diversos requisitos previstos na
Lei 6815/80 (Estatuto dos Estrangeiros) para que o Estado possa conceder-lhe a naturalização.
Esta mesma lei prevê que, mesmo satisfazendo os requisitos, o estrangeiro não tem garantido
o direito à naturalização, caracterizando a discricionariedade do ato de concessão. A forma
extraordinária ou simplificada exige do estrangeiro apenas a residência no Brasil por quinze
anos ininterruptos e a ausência de condenação penal. Cumpridos ambos os requisitos, o
estrangeiro faz o requerimento, que vincula o Poder Executivo a conceder-lhe a naturalização.
É uma inovação constitucional que muda o enfoque segundo o qual a naturalização está
necessariamente relacionada à discricionariedade do Poder Executivo. A partir de 1988,
passa-se a ter naturezas jurídicas diferentes para cada tipo de concessão de naturalização. Para
naturalização ordinária, a natureza jurídica é de ato discricionário. Para a extraordinária, a
natureza jurídica é de ato vinculado. Não obstante esta distinção e sem deixar de considerar
que a naturalização seja ato soberano, deve o Poder Executivo sempre motivar o ato que nega
o pedido de naturalização, a fim de, se for o caso, sujeita-lo ao controle judicial quando
desviar-se da finalidade pública. Dessa forma, estar-se-á aproximando o tratamento
dispensado ao estrangeiro do princípio da prevalência dos direitos humanos.
8
ABSTRACT
The nationality is a subject of internal jurisdiction of the States, however, it follows
some emanated principles of the International law. Amongst these principles, it fits to detach
that one that makes use that "nobody could be private of its nationality and nobody will be
denied the right to change of nationality". The nationality exchange if gives for the
naturalization. In Brazil, it has two foreseen forms of naturalization constitutionally: the food
allowance and the extraordinary one. The food allowance requires that the foreigner fulfills
diverse requirements foreseen in Law 6815/80 (Statute of the Foreigners) so that the State can
grant to it naturalization to it. This same law foresees that, exactly satisfying the
requirements, the foreigner has not guaranteed the right to the naturalization, characterizing
the discricionariedade of the concession act. The extraordinary or simplified form demands
of the foreigner only the residence in Brazil per fifteen years uninterrupted and the absence of
criminal conviction. Fulfilled to both the requirements, the foreigner makes the petition, that
ties the Executive to grant to it naturalization to it. It is a constitutional innovation that dumb
the approach according to which the naturalization necessarily is related to the
discricionariedade of the Executive. From 1988, is transferred to have it different legal
natures for each type of concession of naturalization. For usual naturalization, the legal
nature is of discretional act. For the extraordinary one, the legal nature is of entailed act.
Nevertheless this distinction and without leaving to consider that the naturalization is
sovereign act, must the Executive always motivate the act that denies the naturalization order,
in order, will be the case, subjects it it the judicial control when to turn aside itself from the
public purpose. Of this form, one will be approaching the treatment excused to the foreigner
of the principle of the prevalence of the human rights.
9
INTRODUÇÃO
A concessão da naturalização é um tema relevante que tem ganhado maior
proeminência em face do atual estágio em que se encontra o desenvolvimento das sociedades.
Atualmente, o mundo caminha para uma integração econômica cada vez maior e, como
corolário, para uma maior integração social e cultural dos povos. Nesse sentido, acaba por
existir um fluxo de pessoas de um país ao outro cada vez maior, seja para trabalho, estudo ou
turismo, resultando em muitos casos, uma boa oportunidade profissional ou na criação de
laços afetivos que levam a uma perfeita adaptação à nova sociedade e na conseqüente
permanência no país em que o estrangeiro foi acolhido.
Neste contexto, pode ocorrer uma necessidade de os indivíduos se tornarem nacionais
dos países que os recepcionam, para fins de participar ativamente das decisões importantes
que têm reflexos na sociedade como um todo e para ter ampliado sua gama de direitos civis,
em face da diferenciação existente entre os direitos dos nacionais e os direitos dos
estrangeiros.
Este trabalho se insere na problemática da existência ou não do poder discricionário
para a concessão de naturalização e se, em face do reconhecimento da soberania nacional, é
possível falar na existência de direito público subjetivo dos estrangeiros que preencham os
requisitos previstos no ordenamento jurídico nacional para a aquisição da nacionalidade
brasileira.
A hipótese levantada para o desenvolvimento do trabalho consiste em verificar que a
partir da Constituição de 1988 passa-se a ter naturezas jurídicas diferentes para cada tipo de
naturalização. Para a naturalização ordinária, a natureza jurídica é de ato discricionário. Para a
extraordinária, a natureza jurídica é de ato vinculado. Portanto, há que se separar o estudo da
naturalização sob dois enfoques: em primeiro lugar, cabe estudar a naturalização ordinária,
que é prevista constitucionalmente, mas que a própria Carta Maior remete à legislação
ordinária a previsão dos requisitos necessários para que se efetive o ato. O segundo enfoque
diz respeito à análise da naturalização pela via extraordinária, prevista exclusivamente na
Constituição, também conhecida como naturalização simplificada, pelo fato de ser concedida
pelo simples cumprimento dos requisitos constitucionais, isentando o requerente do
cumprimento das condições previstas no Estatuto dos Estrangeiros.
Dessa forma, construiu-se a hipótese do trabalho nos termos de analisar todo os
10
requisitos, com o intuito de dar-lhe um sentido menos voltado aos aspectos da segurança
nacional e mais próximo dos princípios fundamentais da cidadania e da dignidade humana.
Consiste em objetivo geral do trabalho verificar se, cumpridos os requisitos previstos
em lei, a concessão da naturalização é ato discricionário do Poder Executivo ou direito
subjetivo dos estrangeiros. Para tanto, procurou-se fazer uma pesquisa que envolveu
basicamente três áreas do direito.
No primeiro capítulo, buscou-se no Direito Internacional, os princípios norteadores da
nacionalidade, previstos em Convenções da ONU, na Declaração Universal dos Direitos do
Homem e em outros diplomas internacionais, que procuram direcionar os Estados
ratificadores desses tratados a legislar a matéria com respeito aos direitos humanos e
buscando minimizar os conflitos existentes entre as diversas legislações.
Ainda neste primeiro capítulo, desenvolveu-se um estudo dos conceitos de
nacionalidade e cidadania, procurando diferenciá-los, para então proceder à análise das
formas e critérios de aquisição da nacionalidade. Na parte final do capítulo, foram resgatadas
as Constituições brasileiras e leis infraconstitucionais para fazer um estudo da evolução da
legislação que trata da nacionalidade no Brasil e sua contextualização com os diversos
movimentos políticos e sociais por que passou o Brasil neste período.
O Direito Constitucional foi a segunda área de pesquisa. No segundo capítulo
procedeu-se ao estudo das formas de aquisição da nacionalidade (originária e derivada). Em
primeiro lugar, a nacionalidade originária, analisando o dispositivo constitucional que a regula
em consonância com o que apregoa a doutrina nacional. E, posteriormente, a nacionalidade
derivada, procedendo ao estudo das duas espécies existentes, quais sejam, a naturalização
ordinária e a extraordinária, previstas constitucionalmente, sendo analisados criteriosamente
todos os requisitos exigidos pela lei para sua concessão. Ainda neste capítulo, foi pesquisado
sobre a perda da nacionalidade e as prerrogativas dos nacionais como complemento ao
desenvolvimento do tema.
A partir dos fundamentos construídos, no terceiro capítulo, podê-se, após analisar as
lições doutrinárias sobre atos administrativos e sobre os poderes discricionário e vinculado,
enfrentar a questão específica do presente trabalho.
Procedeu-se a análise dos atos concessivos de naturalização pelas formas ordinária e
extraordinária, definindo, com base na lei e apoio doutrinário, qual a natureza jurídica desses
atos. E constatou-se a importância e a necessidade de motivá-los, para que o ato esteja em
consonância com os princípios emanados da Constituição Federal.
11
1. NACIONALIDADE:
RELAÇÃO
COM
OS
DIREITOS
DE
CIDADANIA,
CRITÉRIOS DE AQUISIÇÃO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO BRASIL
Neste primeiro capítulo, procurou-se dar ênfase a definição de nacionalidade e sua
evolução histórica no Brasil. Em primeiro lugar, foi feita a distinção dos conceitos de
nacionalidade e cidadania, que não obstante terem sido historicamente utilizados como
sinônimos, apresentam traços distintos que possibilitam seu estudo sob diferentes enfoques.
Na seqüência, foram apresentados os critérios usualmente utilizados pelos países para a
aquisição da nacionalidade, para em seguida tratar das conseqüências que podem acarretar
para os cidadãos a aplicação desses critérios.
No desenvolvimento deste capítulo, foram trazidos para o trabalho vários princípios
relacionados à nacionalidade, com o objetivo de posicionar o tema perante o Direito
Internacional, pois embora a nacionalidade seja tema de jurisdição interna dos Estados, alguns
princípios internacionais a norteiam.
Por fim, fez-se um apanhado histórico da nacionalidade no Brasil, demonstrando a
evolução do tema nas Constituições brasileiras, bem como na legislação infraconstitucional.
1.1. A RELAÇÃO ENTRE OS DIREITOS DE CIDADANIA E NACIONALIDADE.
Nacionalidade e cidadania são dois atributos dos cidadãos que caminham muito
próximos, a ponto de gerar uma certa confusão entre ambos. Esta confusão se deve muito pela
falta de cuidado dos legisladores que, historicamente, utilizavam um vocábulo pelo outro no
ordenamento jurídico que formulavam para determinado Estado1. Há uma tendência em
relacionar cidadania a direitos políticos. Segundo Dolinger “a confusão entre nacionalidade e
cidadania parece advir dos norte-americanos, conforme acentuado por vários autores2”. A
emenda XIV à Constituição americana proclama que: “todas as pessoas nascidas ou
naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas à sua jurisdição são cidadãos dos Estados Unidos
(...)”. O vocábulo cidadão neste caso é utilizado com o sentido de nacional, gerando confusão.
Porém, para se entender a relação entre direitos de nacionalidade e de cidadania, devese recorrer à evolução histórica e aos fundamentos político-jurídicos da cidadania. Conforme
1
2
DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado (parte geral). 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 139.
DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado (parte geral). p. 138.
12
entendimento de Dal Ri3, a cidadania tem como seu marco mais longínquo a “virtude cívica”,
uma concepção utilizada em Atenas, pelo qual eram considerados cidadãos todos os homens
livres que pertenciam ao grupo dos que contribuíam ativamente à organização da comunidade.
À época, a condição de cidadão não se originava do reconhecimento de um status pessoal,
mas se fundamentava numa antiguíssima tradição ateniense, pela qual eram cidadãos os
homens livres, adultos, aptos a defender os interesses da pólis. Esta concepção excluía
automaticamente do status de cidadão, as mulheres, os escravos e os metecos (estrangeiros
que viviam em Atenas para fins de comércio). Possuíam direitos civis, mas nenhum direito
político. Observa-se, já em atenas, uma vinculação do conceito de cidadania com o de direitos
políticos. E outra constatação que se pode fazer é a da inexistência de vinculação entre
cidadania e território. O cidadão não é cidadão por morar em um certo lugar, porque também
os metecos e os escravos têm comum domicílio. A cidadania não era definida pelo critério do
ius soli. A lei dividia os habitantes da cidade em classes. E só era considerado cidadão, o
indivíduo pertencente à classe dos cidadãos por laços de sangue, estabelecendo o ius
sanguinis4 como critério para definição de cidadania.
Coube ao direito romano evoluir tal conceito.
5
Sob influência da cultura grega, o
direito romano clássico previa que quem pertencesse a um determinado clã romano teria o
status de cidadão, prevalecendo o critério do ius sanguinis para aquisição da cidadania. O ius
soli era utilizado subsidiariamente e em raras ocasiões. Com a expansão da República
Romana, transformada em Império, os jurisconsultos se viram forçados a modificar os
critérios de aquisição de cidadania, abrangendo, gradualmente, os indivíduos originários de
territórios ocupados por Roma. Dal Ri discorre que os cidadãos de algumas comunidades
incorporadas receberam a cidadania plena enquanto outros, uma espécie de semi-cidadania,
que garantia direitos mínimos. A partir daí grandes juristas da época, como Caio Graco e
Marco Lívio propuseram projetos de lei com intuito de estender a cidadania plena a todos os
latinos e itálicos, inclusive o direito a voto. Este fato desencadeou violenta reação da velha
aristocracia, a ponto de gerar um conflito social (bellum sociale), que só teve fim com as
concessões políticas feitas pela aristocracia, estendendo a condição de cidadão a todos os
moradores das comunidades da península itálica. A partir do momento em que Roma se
3
DAL RI JÚNIOR, Arno. Evolução histórica e fundamentos políticos-jurídicos da cidadania. In: DAL RI
JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais,
regionais, globais. Ijuí: Ed. Unijuí, 2002. p. 25-26.
4
Jus soli e jus sanguinis são diferentes critérios utilizados para aquisição da nacionalidade, que serão
especificamente estudados no item 1.2 do presente capítulo.
5
DAL RI JÚNIOR, Arno. Evolução histórica e fundamentos políticos-jurídicos da cidadania. In: DAL JÚNIOR,
Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais, regionais,
globais. p. 29.
13
transforma em Império, começa a haver uma espécie de esvaziamento do conceito de
cidadania. Isto aconteceu devido ao fato de que, através de previsão de lei, concedeu-se o
título de cidadão a todos os indivíduos residentes nos diversos territórios anexados pelo
Império, fato que levou a uma vulgarização do conceito e propiciou um processo de
deteriorização do valor contido no âmago da própria “ civitas” romana. O cidadão é reduzido a
súdito já na época dos primeiros fluxos dos bárbaros em direção à península itálica6.
A evolução da cidadania na Idade Média tem uma primeira fase no período feudal.
Com o nascimento da república Christiana (multiplicidade de Estados estreitamente ligados
entre si por uma só religião, o cristianismo, e por um só elemento de coesão política, a Igreja)
e a instituição do vínculo de vassalagem, criaram-se as condições para reduzir o cidadão
romano em súdito medieval, continuando uma tendência já verificada no final do Império
Romano. Ocorre uma grande restrição de direitos e o completo desaparecimento de certas
atribuições exclusivas da cidadania romana: exercício de direitos, posse de capacidade
jurídica, honra e cargos.7
Através do trabalho do filósofo francês Jean Bodin, entra-se numa segunda fase e
torna-se possível reconstruir a concepção de cidadania. Segundo Dal Ri Júnior:
Jean Bodin lança as bases para a afirmação de um poder absoluto, perpétuo,
incondicionado e, sobretudo, unitário do soberano sobre os súditos. O
instituto da cidadania assume um lugar primordial nesse processo de
constituição da idéia de soberania estatal. Resgatando alguns elementos do
antigo conceito romano e modificando a sujeição de origem feudal, o autor
utiliza a cidadania como instrumento de valorização do poder absoluto do rei
e da intangibilidade da soberania8.
Ainda nesta concepção: “O Estado seria uma entidade pa ra governar, com justiça,
diversas famílias, exercendo sobre as mesmas o seu poder soberano”. 9 Destarte, o cidadão
passa a ser considerado um súdito livre, possui um status jurídico particular, que o possibilita
manter relações com o soberano. Neste contexto, o cidadão possui direitos que coexistem com
as idéias absolutistas de intervenção do soberano, pois a pretensão de Bodin, ao criar a teoria
6
DAL RI JÚNIOR, Arno. Evolução histórica e fundamentos políticos-jurídicos da cidadania. In: DAL RI
JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais,
regionais, globais. p. 34-36.
7
DAL RI JÚNIOR, Arno. Evolução histórica e fundamentos políticos-jurídicos da cidadania. In: DAL RI
JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais,
regionais, globais. p. 42.
8
DAL RI JÚNIOR, Arno. Evolução histórica e fundamentos políticos-jurídicos da cidadania. In: DAL RI
JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais,
regionais, globais. p. 43.
9
DAL RI JÚNIOR, Arno. Evolução histórica e fundamentos políticos-jurídicos da cidadania. In: DAL RI
JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais,
regionais, globais. p. 44.
14
sobre a cidadania, estava ligada à necessidade de instituir uma noção de Poder Público que
viesse a dar suporte ao Estado absoluto, não se preocupando que esse instituto sirva como
elemento de unificação ou integração política e social. Coube aos seus sucessores desenvolver
esta transição.10
Através da obra dos grandes iluministas, há um resgate da cidadania clássica, voltada
aos ideais da cidadania grega, fundamentada na participação política, fruto da “virtude
cívica”. Segundo Dal Ri:
(...) os iluministas partem para a construção de uma cidadania
eminentemente política e fortemente marcada por um caráter abstrato(...)
Pelos escritos de Rosseau, é possível observar o caráter abstrato da cidadania
iluminista, que impedia sua determinação pelo local de nascimento ou
condição do indivíduo.11
A tese que prosperava era a de que só poderia existir a igualdade entre os homens se o
cidadão fosse autônomo e independente.
Se por um lado, o trabalho dos filósofos iluministas resgatou o conceito clássico de
cidadania e elaborou uma doutrina baseada na virtude política, de onde nasceria uma
cidadania militante, a utilização desta elaboração nas intervenções políticas da Revolução
Francesa desencadeou um processo que corroeu quase completamente com o conteúdo do
conceito.12
Em meio às lutas políticas que marcaram a Revolução Francesa, venceu o projeto de
constituição apresentado por Robespierre, pelo qual, reinventou uma divisão entre quem
poderia e quem não poderia ser cidadão. Era cidadão aquele virtuoso, incorruptível e bom
patriota que estava engajado em defender os interesses da pátria. Quem se afastou desses
princípios foi excluído.13
O conceito de cidadania apresentado na Constituição Francesa de 1795 é
extremamente limitado. É considerado cidadão quem, não sendo estrangeiro e tendo sido
registrado como cidadão, paga os impostos para a manutenção do Estado. A cidadania deixa
de ter aquele enfoque clássico, resgatado pelos iluministas, de estar vinculada a direitos
10
DAL RI JÚNIOR, Arno. Evolução histórica e fundamentos políticos-jurídicos da cidadania. In: DAL RI
JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais,
regionais, globais. p. 52-53.
11
DAL RI JÚNIOR, Arno. Evolução histórica e fundamentos políticos-jurídicos da cidadania. In: DAL RI
JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais,
regionais, globais. p. 62.
12
DAL RI JÚNIOR, Arno. Evolução histórica e fundamentos políticos-jurídicos da cidadania. In: DAL RI
JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais,
regionais, globais. p. 70.
13
DAL RI JÚNIOR, Arno. Evolução histórica e fundamentos políticos-jurídicos da cidadania. In: DAL RI
JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais,
regionais, globais. p. 71.
15
políticos e a participação efetiva nas decisões políticas e passa a se confundir inteiramente
com o conceito de nacionalidade.14 A Constituição Francesa de 1799 e o Código Civil de
1804 (o Code de Napoléon) enterraram definitivamente o conceito clássico de cidadania. A
Constituição estabelecia que passavam a ser cidadãos os que nasciam no território francês e os
estrangeiros que lá residiam por mais de dez anos. Os direitos políticos eram limitados pela
Constituição e o Code de 1804 neutralizava o conteúdo político da cidadania, associando-a à
nacionalidade. Como o Code de Napoléon influenciou a maioria dos sistemas jurídicos
europeus, a cidadania ficou aprisionada durante todo o século XIX e por parte do século XX
ao conceito de nacionalidade15.
Diante da perspectiva histórica ora abordada, é plausível admitir, em que pese a
proximidade, que nacionalidade e cidadania não são a mesma coisa. Em seu significado
moderno “a c onstituição da cidadania e a construção da nacionalidade não são processos
antagônicos nem contraditórios. Pelo contrário, são processos sociais que podem ser
complementares, pois a cidadania se processa no marco da construção da nacionalidade. ” 16
Analisando o processo de construção das nações modernas, embora o mesmo não se tenha
processado simultaneamente nas diversas partes do mundo e possua especificidades em
relação a cada país, ela procura instaurar nos diversos países formas universalizadas com
intuito de estabelecer um mesmo código de relações sociais. Trata-se de unificar processos
econômicos, línguas, costumes e desfazer as fronteiras do diverso, sem que isto implique
fazer o mesmo com as fronteiras da desigualdade. É, pois, um processo complexo que envolve
a totalidade das dimensões que constituem a vida na moderna sociedade: a unidade política, a
homogeneização cultural e a regularização de um espaço econômico.17 Dessa forma, “os
processos de formação da nacionalidade visam o estabelecimento de uma legislação sobre
dois aspectos essenciais para o capitalismo contemporâneo: o controle político de um
território – de um espaço econômico, e o controle político de uma população unida e
relacionada pelo atributo comum de possuir a mesma nacionalidade”. 18
Este é o entendimento de Ruben:
14
DAL RI JÚNIOR, Arno. Evolução histórica e fundamentos políticos-jurídicos da cidadania. In: DAL RI
JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais,
regionais, globais. p. 73.
15
DAL RI JÚNIOR, Arno. Evolução histórica e fundamentos políticos-jurídicos da cidadania. In: DAL RI
JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais,
regionais, globais. p. 75-77.
16
RUBEN, Guilhermo Raúl. O que é nacionalidade. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1984. p. 67.
17
RUBEN, Guilhermo Raúl. O que é nacionalidade. p. 40 - 41.
18
RUBEN, Guilhermo Raúl. O que é nacionalidade. p. 30.
16
(...) nacionalidade e cidadania não são a mesma coisa. A diferença entre
esses conceitos é sutil, mas importante. Ela se acha, fundamentalmente, no
caráter liberal da segunda, que dá ênfase ao respeito a individualidade de
cada sujeito, e no caráter estritamente social da construção da nacionalidade.
Na segunda, é o indivíduo dentro da sociedade que está em jogo. Na
nacionalidade, é a sociedade como um todo que se coloca em pauta. É claro
que o indivíduo sem sociedade é uma utopia, porém a cidadania estabelece
diferentes tipos de indivíduos, explícita ou implicitamente.
Conseqüentemente, o pleito se estabelece entre cada indivíduo e a sociedade
como um todo (...)19.
A partir de uma concepção restritiva de cidadania que a identifica ao exercício de
direitos políticos ativos e passivos20, é possível distinguir nacionalidade e cidadania a partir da
afirmação de que todo cidadão é nacional, porém, nem todo nacional é cidadão. Para Celso
Bastos, pela nacionalidade, “o direito procu ra circunscrever no gênero humano os indivíduos
que considera integrantes do Estado por ele regido. Pela cidadania, objetiva delimitar dentre
os nacionais, aqueles que podem participar do processo político decisório do Estado”. 21
Hoje, pode-se afirmar que o conceito de cidadania se amplia a ponto de não se
restringir aos direitos políticos do indivíduo. A cidadania pode ser exercida não só através do
voto, mas pela participação ativa dentro da comunidade. A exemplo de outros países
democráticos, a legislação brasileira permite ao cidadão se reunir em conselhos comunitários
e reivindicar melhorias para sua comunidade, prevê a realização de audiências públicas
quando um assunto de interesse público está em discussão, sendo permitido a qualquer pessoa
da comunidade participar e opinar. Dessa forma, cidadão em acepção ampla é todo aquele que
de alguma forma se manifesta com intuito de participar das decisões que afetam a vida em
sociedade. Segundo Vera Andrade “todo nacional do povo é cidadão em acepção ampla, ma s
nem todo o é em acepção estrita. Daí a necessidade de delimitar, no âmbito do conceito de
povo nacional, o conceito de cidadania ativa que corresponde, via de regra, ao eleitorado”.
22
Não obstante alguns doutrinadores considerarem a distinção entre nacionalidade e cidadania
tênue e latente, vislumbra-se, pelo já exposto, uma diferenciação clara, até porque a
nacionalidade acentua o aspecto internacional, ao distinguir os nacionais dos estrangeiros, ao
passo que a cidadania salienta o aspecto nacional, ou seja, a condição de exercer livremente
seus direitos e de participar ativamente dos processos de deliberação que conduzem os rumos
19
RUBEN, Guilhermo Raúl. O que é nacionalidade, p. 66 - 67.
Advém daí os conceitos de cidadania ativa e passiva. A cidadania ativa é aquela que confere ao cidadão a
possibilidade de escolher os governantes, ao passo que a cidadania passiva, além de possibilitar esta escolha,
permite que o cidadão seja votado, ou seja, escolhido como governante.
21
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, São Paulo: Saraiva, 1988. p. 216.
22
ANDRADE, Vera Regina Pereira. Cidadania: Do Direito aos Direitos Humanos. São Paulo: Acadêmica,
1993. p 28.
20
17
do país.
1.2. FORMAS E CRITÉRIOS DE AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE
A definição do critério de aquisição da nacionalidade a ser utilizado é definido
soberanamente pelo Estado. A nacionalidade é matéria de jurisdição interna dos Estados e
como tal, estes definem que são seus nacionais. Cabe ao Direito Internacional estabelecer tão
somente princípios que servem para nortear os Estados.
Em 1930, na Conferência de Codificação da Liga das Nações foi concluída Convenção
que trata da nacionalidade e que dispõe em seu artigo 1º o seguinte:
Cabe a cada estado determinar por sua legislação quais são os seus
nacionais. Essa legislação será aceita por todos os outros estados desde que
esteja de acordo com as convenções, os costumes internacionais e os
princípios de direito geralmente reconhecidos em matéria de nacionalidade.
Neste sentido, emanam do Direito Internacional alguns princípios que serão
abordados neste item, sendo que um caso julgado pela Corte Internacional de Justiça merece
atenção, pois demonstra claramente que a soberania estatal na definição dos critérios de
aquisição de nacionalidade deve respeitar os princípios internacionais.Trata-se do caso
Nottebohm, julgado pela Corte Internacional de Justiça de Haia. Nottebohm nasceu em
Hamburgo em 1881, com nacionalidade alemã. Em 1905 imigrou para a Guatemala, ali
fixando domicílio e iniciando atividade comercial. Em 1939, com a eclosão da Segunda
Guerra Mundial, Nottebohm, de passagem por Liechtenstein, consegue adquirir a
nacionalidade daquele país, regressando a Guatemala, onde continuou a viver. Em 1943,
como resultado da intervenção norte-americana, Nottebohm é preso e deportado para os
Estados Unidos como cidadão de país inimigo, lá permanecendo preso por mais de dois anos.
Terminada a Guerra, Nottebohm tem negado seu regresso à Guatemala, cujo governo confisca
suas propriedades e vai viver em Liechtenstein, cujo governo acede em defender seus direitos,
processando a Guatemala perante a Corte Internacional, sob a alegação de que este país deve
indenização pela detenção e expulsão de seu nacional e devolva os bens confiscados. A
Guatemala se defende alegando entre outros argumentos, a ilegitimidade de Liechtenstein por
não ser a autêntica nacionalidade de Nottebohm. A Corte assim definiu questão:
A nacionalidade é um laço jurídico que tem na sua base um fato social de
conexão, uma solidariedade efetiva de existência, de interesses, de
sentimentos, ligados a uma reciprocidade, de direitos e deveres. Os laços de
18
Nottebohm com o Liechtenstein são extremamente tênues, concedida que foi
a sua nacionalidade por este país sem atenção à idéia que se faz nas relações
internacionais do instituto da nacionalidade, daí não ser a Guatemala
obrigada a reconhece-la. 23
Assim, a Corte rejeitou a pretensão de Liechtenstein, sem exame do mérito da questão,
numa decisão não unânime e bastante criticada. Porém, desse julgado emana um outro
princípio internacional: “a naturalização deve ser efetiva, isto é, ter residência naquele país,
ou ter ali o seu centro de negócios. Enfim, ter alguma vinculação especial com aquele
estado”. 24
Considerada como um vínculo jurídico-político que liga o indivíduo ao Estado, a
nacionalidade pode ser adquirida de forma originária e derivada.
A originária é aquela que decorre de um fato natural (o nascimento), e de um ato de
vontade do Estado (através da definição de um critério). É uma forma de aquisição de
nacionalidade involuntária do ponto de vista do indivíduo, porém voluntária sob ótica do
Estado, face aos critérios que estabelece para determinar, pelo nascimento, a nacionalidade
das pessoas. Isto em atenção ao imperativo social e político de que todo indivíduo deve ter
uma nacionalidade, previsto no artigo 15 da Declaração Universal dos Direitos do Homem,
aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, que dispõe:
“1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade”.
A nacionalidade originária se materializa por meio de três critérios: o ius sanguinis –
pelo qual confere-se a nacionalidade pela filiação; o ius soli – utiliza o critério territorial, o
lugar do nascimento; e o critério misto, em que há combinação do ius sanguinis e do ius soli.
O ius sanguinis é o sistema mais antigo e tem sua origem no mundo grego-romano,
pelo qual os filhos adquiriam a nacionalidade dos pais. Se legítimo o filho, herdava a
nacionalidade do pai. Se ilegítimo, a da mãe. No direito romano, o nascimento era fato
primordial na aquisição do status de cidadão. Por esse critério, o filho tem a nacionalidade dos
pais, independente do lugar de seu nascimento. Dessa forma, segundo Guimarães, é mais
correto dizer que a determinação da nacionalidade se dá pela filiação e não pela
consangüinidade sob aspecto biológico, pouco importando os laços de sangue ou de raça que
o indivíduo tenha com determinado grupo. 25, “Se assim não fosse, o filho do naturalizado não
23
DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado (parte geral). p. 175-176.
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito constitucional internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 1994. p.
200.
25
GUIMARÃES. Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. Rio de Janeiro:
Forense, 1995, p 10.
24
19
deveria seguir a nacionalidade do pai, ante a sua vinculação étnica a grupo diverso”. 26 Este
critério é dominante nos países de população densa em que o fluxo emigratório supera a
imigração, retratando a vontade do Estado em manter o vínculo originário, não só do
imigrante, como da família por este constituída fora de seu território.27
O segundo critério é o ius soli, o critério territorial, que atribui a nacionalidade pelo
local do nascimento. Este sistema vigiu no regime feudal, em que o homem estava ligado à
terra, depois perdeu espaço na Europa, tendo renascido no Continente americano. Foi adotado
porque os países do Continente americano foram destinatários de acentuadas correntes
migratórias, fato que contribuiu para a formação do seu povo e do desenvolvimento
econômico. A idéia destes países era integrar os filhos dos imigrantes à nova nacionalidade e
evitar o desenvolvimento de comunidades estrangeiras dentro de seus territórios, fato que se
perpetuaria caso adotassem o critério do ius sanguinis.
O sistema misto se caracteriza pela conjugação dos critérios do ius sanguinis e do ius
soli, e reflete a tendência moderna de adoção de formas jurídicas flexíveis que atendam
melhor ao desenvolvimento dos direitos humanos e ao convívio internacional.
Se por um lado compete, exclusivamente, ao Estado o direito de declarar
quais são os seus nacionais, segundo o reclamo de seus interesses e da
conjuntura da vida nacional, por outro, não se pode esquecer que essa
competência não é ilimitada e deve ajustar-se aos princípios geralmente
aceitos pelo direito internacional, convencional ou costumeiro em tal
matéria. No quadro atual da convivência internacional, nenhum país adota,
de per si, o ius soli ou o ius sanguinis. As concessões ao sistema não
adotado são cada vez mais crescentes28.
Isto se deve ao fato de que a adoção exclusiva de um sistema, sem concessões ao
outro, enseja grandes inconvenientes, como se pode identificar nas situações a seguir
apresentadas:29
a) Negar a indivíduos nascidos no seu território, vivenciando os hábitos tradicionais
do Estado, amante do país, a qualidade de nacional, por ser filho de estrangeiro,
por seguir o rigor do critério ius sanguinis;
b) Conferir a qualidade de nacional a descendentes de nacionais, nascidos em país
distante, que tenha hábitos, educação, costumes diversos e sem vivência das
preocupações nacionais, por só adotar o critério da filiação.
26
GUIMARÃES. Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição, p. 11.
FERRANTE. Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. Ed. Saraiva, 2ª ed: São
Paulo, 1984, p. 41.
28
FERRANTE. Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. p. 43.
29
GUIMARÃES. Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição, p. 12.
27
20
Por isso, países que adotam o ius sanguinis, como França, Itália, Espanha, Holanda,
Suécia entre outros, têm levado em conta o lugar do nascimento, oferecendo facilidades para
que os nascidos de pais estrangeiros em seu território, possam, se o preferirem, optar por suas
nacionalidades. Já os países que têm como critério o ius soli, normalmente estendem sua
nacionalidade aos filhos de seus naturais nascidos no estrangeiro, quando aqueles optem pela
nacionalidade de seus pais ou vão residir no país do qual estes procedem.
A nacionalidade derivada ou secundária, também chamada de eleição, é aquela que
surge por solicitação, escolha ou opção do indivíduo e é aceita e concedida pelo Estado, em
substituição à de origem. É aquela que se verifica após o nascimento. Adquire-se a
nacionalidade derivada pela naturalização, pela reintegração na nacionalidade que se perdeu e
através de anexação territorial.
A nacionalidade derivada por naturalização30 é em regra informada por dois critérios,
quais sejam: o ius domicilii – aquisição da nacionalidade do país cujo território tenha fixado
domicílio, e o ius laboris – aquisição da nacionalidade do país em favor do qual foram
prestados serviços relevantes.
A aquisição da nacionalidade pela forma derivada é garantida por diversas
Declarações e Convenções Internacionais. O artigo 15 da Declaração Universal dos Direitos
do Homem dispõe: “2. Ninguém poderá ser privado arbitrariamente de sua nacionalidade e a
ninguém será negado o direito de trocar de nacionalidade”. A Declaração Americana de
Direitos e Deveres do Homem, aprovada em Bogotá, em 1948, reza, em seu artigo 19, que
“toda pessoa tem direito à nacionalidade que legalmente lhe corresponda, podendo mudá -la se
assim o desejar, pela de qualquer outro país que estiver disposto a concedê-la”.
1.3. POLIPATRIA E APATRIDIA
A existência de critérios distintos para a determinação da nacionalidade – ius
sanguinis, ius soli e o critério misto – resultam em efeitos e situações conflituosas face às
diferenças nas leis dos diversos países. Os conflitos podem ser positivos, ensejando a
polipatria, ou negativos, acarretando a apatridia.
A polipatria refere-se à situação dos indivíduos que possuem mais de uma
30
A aquisição da nacionalidade por naturalização constitui um dos objetivos específicos desta pesquisa, razão
pela qual a mesma será melhor explicitada nos próximos capítulos.
21
nacionalidade. São fontes mais constantes do conflito positivo, ensejando a dupla
nacionalidade31:
a) A adversidade de sistemas de aquisição de nacionalidade originária (ius
sanguinis e ius soli). O filho do nacional de um Estado que adota o jus sanguinis,
nascido em território de outro que consagra o ius soli, é considerado por ambos
os Estados como seu nacional. Ex: O filho de italiano nascido no Brasil é italiano
segundo a lei da Itália, pelo ius sanguinis, e brasileiro, de acordo com a lei
brasileira, que adota o ius soli;
b) A existência de uma diversidade de leis nos vários Estados, relativas à perda da
nacionalidade por efeito de naturalização. Se um indivíduo cumpre os requisitos
para efetuar sua naturalização frente a determinado Estado, sem preencher as
condições legais relativas a perda da sua nacionalidade originária, terá ele dupla
nacionalidade (cláusula de países árabes);
c) A adoção por um Estado da naturalização tácita, isto é, aquela outorgada aos
estrangeiros residentes em seu território, sob certas condições, na ausência de
manifestação em contrário. No Brasil, ficou conhecida como a grande
naturalização, ocorrida com o advento da República. Pode gerar a polipatria, na
medida em que o naturalizado tacitamente pode não ter perdido a nacionalidade
de origem;
d) A legislação de Estado que atribui a nacionalidade do marido à mulher casada,
cuja lei nacional dispõe em contrário. Nesse caso, a mulher casada adquire a
nacionalidade do esposo, sem perder sua nacionalidade originária.
e) A reaquisição da nacionalidade de origem, sem a correspondente perda da
nacionalidade adquirida.
A apatridia é o nome que se dá à condição dos que não têm nacionalidade. Consiste na
situação da pessoa que, dada a circunstância de nascimento, não se vincula a nenhum
daqueles critérios, que lhe determinam uma nacionalidade. Na 1ª Conferência de Haia (1930),
recomendou-se aos Estados que, no exercício de sua liberdade de regulamentação em matéria
de nacionalidade, se esforçassem para reduzir, na medida do possível, os casos de apatridia.
Pelo Decreto nº 21.798, de 08.10.1932, o Brasil ratificou e promulgou o Protocolo Especial de
Haia, de 12.04.1930, relativo à apatridia, segundo o qual se um indivíduo, depois de ter
31
Este rol é baseado na obra de FERRANTE, Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e
naturalizados, p. 32 - 33, para demonstrar alguns casos em que pode, na prática, ocorrer a dupla nacionalidade.
22
entrado em um país estrangeiro, perder a nacionalidade, sem adquirir outra, o Estado cuja
nacionalidade possuía em último lugar é obrigado a recebê-lo, a pedido do país onde se
encontra, nos casos e hipóteses que menciona.
Segundo Ferrante32, as hipóteses mais comuns de conflito negativo são as seguintes:
a) Quando o filho do nacional de um Estado que adota o ius soli nasce no território
de outro, cuja legislação agasalha o ius sanguinis: nenhum desses Estados o
reconheceu como seu nacional;
b) A circunstância de um Estado atribuir efeito coletivo à perda da nacionalidade,
por naturalização em outro Estado, cuja lei empresta apenas efeito individual à
aquisição de nacionalidade secundária. O antigo código civil italiano (não mais
vigente) considerava estrangeiros a mulher e os filhos menores daquele que
houvesse perdido a nacionalidade italiana, caso não continuassem a residir em
território italiano. Se por exemplo, viessem residir no Brasil, seriam considerados
apátridas, pois para a lei brasileira, a naturalização tem efeito individual.
c) A circunstância de perder a mulher a nacionalidade originária, pelo casamento,
sem adquirir a nacionalidade do marido estrangeiro.
Alguns dos conflitos acima tratados estão no campo teórico-doutrinário, pois mesmo
tendo ocorrido em tempos remotos, existe possibilidade limitada de que vinham a ocorrer nos
dias de hoje. Porém, há uma tendência de os países ocidentais flexibilizarem suas legislações
a ponto de minimizarem cada vez mais estes conflitos.
1.4. HISTÓRICO NACIONAL
A primeira Constituição brasileira (Constituição do Império), outorgada em 1824, não
diferenciava a condição de cidadão da de nacional, “devido ao próprio regime político da
monarquia, onde a condição de nacional coincidia com a de súdito, juridicamente passiva,
titular de uma proteção por parte do poder soberano e, em âmbito político, praticamente
incapaz”. 33
32
FERRANTE. Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. p. 34.
POSENATO, Naiara. A evolução histórico-constitucional da nacionalidade no Brasil. p. 216. In: DAL RI
JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais,
regionais, globais.
33
23
A Constituição Imperial estabeleceu o ius soli como critério principal para
determinação da nacionalidade, “como conseqüência natural da necessidade de promover o
povoamento de um país de extensão continental, com vastos espaços vazios”. 34 Por este
critério, brasileiros eram todos que no Brasil tivessem nascido, fossem ingênuos ou libertos35,
mesmo de pai estrangeiro, exceto se residissem por serviço de sua nação36.
Apesar da necessidade de povoar o território brasileiro, o critério do ius soli não
reinava absoluto no Brasil Imperial. O ius sanguinis, critério predominantemente adotado
pelos países europeus, foi adotado pela corte aqui no Brasil, porém, sempre combinado com
outro critério37.
No que tange à nacionalidade derivada, ou seja, a naturalização, a Carta imperial
previa uma aquisição tácita ou automática, ao acolher como cidadão brasileiro todos os
portugueses residentes no Brasil. E, uma aquisição de nacionalidade derivada expressa ou
ordinária, na qual a constituição remetia à lei ordinária para a fixação dos pressupostos
necessários para a obtenção da naturalização, condição que seria reiterada em quase todas as
demais constituições brasileiras.
A primeira Constituição Republicana de 1891 optou por continuar dando ênfase ao ius
soli como principal critério de aquisição de nacionalidade38, com a concessão ao ius sanguinis
34
FERRANTE. Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. p. 47.
Durante o período em que foi outorgada a Constituição Imperial, vigia no Brasil o período da escravidão.
Possuíam a nacionalidade brasileira os indivíduos que gozavam do estado de liberdade (status libertatis), ou seja,
aqueles que não estavam sob domínio de outros, como escravos. “Ingênuos eram as pessoas que nasciam de pai e
mãe livres, ou só de mãe livre, ainda que o pai fosse escravo, ou ainda os que nasciam de mãe escrava, se esta
era livre ao tempo da concepção, ou do parto, ainda que momentaneamente. Liberto era aquele que, sendo
escravo, foi manumitido, ou restituído à liberdade natural”. In: FERRANTE, Miguel Jerônymo. Nacionalidade:
brasileiros natos e naturalizados. p. 47.
36
Art. 6. São Cidadãos Brasileiros: I. Os que no Brasil tiverem nascido, quer sejam ingênuos, ou libertos, ainda
que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua Nação. II. Os filhos de pai brasileiro, e
os ilegítimos de mãe brasileira, nascidos em país estrangeiro, que vierem estabelecer domicilio no Império.
III. Os filhos de pai brasileiro, que estivesse em país estrangeiro em serviço do Império, embora eles não venham
estabelecer domicilio no Brasil. IV. Todos os nascidos em Portugal, e suas Possessões, que sendo já residentes
no Brasil na época, em que se proclamou a Independência nas Províncias, onde habitavam, aderiram á esta
expressa, ou tacitamente pela continuação da sua residência. V. Os estrangeiros naturalizados, qualquer que seja
a sua religião. A Lei determinará as qualidades precisas, para se obter Carta de naturalização.
37
Ius sanguinis somado a uma função exercida pelo pai, sempre a serviço do Império: conforme art 6º, inciso III
supracitado; Ius sanguinis somado ao domicílio fixo no Brasil: conforme art 6º, inciso II supracitado.
38
Art 69 - São cidadãos brasileiros:
1º) os nascidos no Brasil, ainda que de pai estrangeiro, não, residindo este a serviço de sua nação;
2º) os filhos de pai brasileiro e os ilegítimos de mãe brasileira, nascidos em país estrangeiro, se estabelecerem
domicílio na República;
3º) os filhos de pai brasileiro, que estiver em outro país ao serviço da República, embora nela não venham
domiciliar-se;
4º) os estrangeiros, que achando-se no Brasil aos 15 de novembro de 1889, não declararem, dentro em seis
meses depois de entrar em vigor a Constituição, o ânimo de conservar a nacionalidade de origem;
5º) os estrangeiros que possuírem bens imóveis no Brasil e forem casados com brasileiros ou tiverem filhos
brasileiros contanto que residam no Brasil, salvo se manifestarem a intenção de não mudar de nacionalidade;
35
24
no caso de filhos de pais brasileiros nascidos no exterior que estivesse noutro país a serviço da
República (ius sanguinis + função) e os filhos de pai brasileiro e os ilegítimos de mãe
brasileira nascidos no exterior e que estabelecessem domicílio no Brasil (ius sanguinis +
domicílio).
A Constituição previu ainda duas hipóteses de naturalização tácita: a naturalização de
estrangeiros residentes no Brasil em 15/11/1889, e dos estrangeiros que, casados com
brasileiras ou que tivessem filhos brasileiros, possuíssem imóveis no Brasil. A Constituição,
dessa forma, inovou e conferiu status constitucional ao Decreto 58-A. Por este Decreto, foi
concedido a todos os estrangeiros residentes no Brasil no dia 15 de novembro de 1889, a
nacionalidade brasileira, salvo declaração em contrário feita em sua municipalidade no prazo
de 6 (seis) meses. Esta providência foi tomada, em virtude de que, a partir da segunda metade
do século XIX, houve um grande fluxo de imigrantes europeus para o Brasil. Em resposta a
esta situação, o Governo Provisório editou o referido Decreto, que promoveu uma
naturalização em massa dos estrangeiros aqui estabelecidos, que ficou conhecida como “a
grande naturalização”. Este Decreto causou protesto dip lomático de alguns países, “sob o
fundamento de ser contrário à liberdade individual, aos princípios de direito internacional e
não assente em base jurídica, não podendo ser considerado tal silêncio do estrangeiro. A isto,
o Governo contestou com o princípio da soberania do Estado, em virtude do qual, este tem o
direito de estabelecer regras relativas à aquisição e perda da qualidade de cidadão”. 39
Assim, a Constituição Republicana preservou a naturalização tácita, não obstante a
pressão de nações estrangeira, que foi suprimida posteriormente pela Carta Magna de 1934.
A Constituição de 1934 ratificou plenamente o critério do ius soli, mas ampliou a
concessão do ius sanguinis conforme previsão legal do artigo 106, alínea “b”.
40
Neste
Diploma o elemento territorial deixa de ter importância, caracterizando o ius sanguinis típico,
pois cai a condição do domicílio como necessária à aquisição da nacionalidade e aparece o
instituto da opção, ou seja, passam a ser brasileiros os filhos de brasileiro ou brasileira,
nascidos no exterior que ao atingirem a maioridade, optarem pela nacionalidade brasileira.
6º) os estrangeiros por outro modo naturalizados.
RODAS, João Grandino. A nacionalidade da pessoa física. P. 22. Apud: CAVALCANTI, João Barbalho
Uchoa. Comentários à Constituição Brasileira. Rio de Janeiro, 1902.
40
Art 106 - São brasileiros:
a) os nascidos no Brasil, ainda que de pai estrangeiro, não residindo este a serviço do Governo do seu país;
b) os filhos de brasileiro, ou brasileira, nascidos em país estrangeiro, estando os seus pais a serviço público e,
fora deste caso, se, ao atingirem a maioridade, optarem pela nacionalidade brasileira;
c) os que já adquiriram a nacionalidade brasileira, em virtude do art. 69, nºs 4 e 5, da Constituição, de 24 de
fevereiro de 1891;
d) os estrangeiros por outro modo naturalizados.
39
25
Procedendo desta forma, o legislador pôs fim às críticas feitas às constituições anteriores que
não consideravam a situação dos brasileiros nascidos em países que não adotavam o ius soli,
como é o caso da maioria dos estados europeus.41 Exigindo o domicílio no Brasil para
reconhecer a nacionalidade, a nossa lei criava, em relação a tais estados, um conflito negativo
de leis sobre a nacionalidade, que em geral resultava em casos de apatridia, só resolvidos
quando tal indivíduo fixasse domicílio no Brasil. Com o instituto da opção, resolvia-se o
problema, ocorrendo a ratificação da nacionalidade brasileira, pois conforme Ferrante42
(...) a este (o optante) não se reconhece, enquanto menor, e após a
maioridade, até chegar a termo o prazo da opção, outra nacionalidade que
não a brasileira. Portanto, não há escolha de nacionalidade. Há
“confirmação”, “ratificação” da nacionalidade brasileira. O título de
nacionalidade, no caso, é declaratório.
Outra característica da Constituição de 1934 foi a supressão dos casos de naturalização
tácita. A alínea “C” do artigo 106 preserva os casos dos indivíduos que adquiriram a
nacionalidade com base na “grande naturalização” prevista na Const ituição de 1891, mas não
renova essa possibilidade. Segundo Posenato, três motivos explicam a revogação desta
hipótese:
Primeiro, a grande controvérsia internacional gerada pelo tema; segundo, a
sensível diminuição do número de estrangeiros que imigravam ao país após
o final da Primeira Guerra Mundial, que modificou a conjuntura social
geradora da Norma, e terceiro, a grande participação dos imigrados,
principalmente italianos, na política sindical anarco-comunista existente no
período, fato político não condizente com as ambições do governo
Provisório. 43
O Estado brasileiro passa a exigir a naturalização expressa, fazendo valer o seu poder
discricionário de decidir, positiva ou negativamente, pela naturalização ou não dos
estrangeiros aqui residentes.44
Uma tentativa de levante Comunista protagonizado pelo Partido Comunista Brasileiro
impeliu o Golpe de 1937.45 Getúlio Vargas, então Presidente da República, fechou o
Congresso Nacional e instalou o Estado Novo, banindo à clandestinidade os partidos políticos
41
FERRANTE. Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. p. 49.
FERRANTE. Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. p. 49.
43
POSENATO, Naiara. A evolução histórico-constitucional da nacionalidade no Brasil. p. 224. In: DAL RI
JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais,
regionais, globais.
44
POSENATO, Naiara. A evolução histórico-constitucional da nacionalidade no Brasil. p. 224. In: DAL RI
JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais,
regionais, globais.
45
POSENATO, Naiara. A evolução histórico-constitucional da nacionalidade no Brasil. p. 225. In: DAL RI
JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais,
regionais, globais.
42
26
e centralizando todo poder em suas mãos. No mesmo dia do golpe foi outorgada a nova
Constituição. O nacionalismo foi a marca do regime, assumindo características rígidas, como
por exemplo, a determinação de afastar a mão-de-obra estrangeira de alguns setores
produtivos. Porém, no que se refere à nacionalidade, a Constituição “Polaca” (assim ficou
conhecida a Constituição de 193746 pela semelhança com a autoritária Constituição Polonesa)
reiterou o conteúdo da anterior. Em 25 de abril de 1938, foi editado o Decreto-Lei nº 39847,
que regulava a nacionalidade. O ponto marcante deste Diploma diz respeito aos filhos de
brasileiro ou brasileira, nascidos em país estrangeiro, não estando os pais a serviço do Brasil.
Exigia o Decreto que a opção fosse manifestada até um ano depois de atingida a capacidade
civil e exigiu que o optante viesse residir no Brasil.
Em 1946 o mundo vivia sob a égide de mudanças sócio-políticas e econômicas
provenientes do fim da 2ª Guerra Mundial e que dentre outros fatores, resultou na queda do
regime do Estado Novo. Neste contexto, foi promulgada em 18 de setembro de 1946, a
Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Esta Carta serviu-se das Constituições de 1891 e
1934 para sua formação, rompendo com as imposições do Estado Novo. Não obstante este
rompimento, a Constituição de 194648 não alterou significativamente o tratamento dado à
46
Art 115 - São brasileiros:
a) os nascidos no Brasil, ainda que de pai estrangeiro, não residindo este a serviço do governo do seu país;
b) os filhos de brasileiro ou brasileira, nascidos em país estrangeiro, estando os pais a serviço do Brasil e, fora
deste caso, se, atingida a maioridade, optarem pela nacionalidade brasileira;
c) os que adquiriram a nacionalidade brasileira nos termos do art. 69, nº s 4 e 5, da Constituição de 24 de
fevereiro de 1891;
d) os estrangeiros por outro modo naturalizados.
47
Art. 1º São considerados brasileiros:
a) os nascidos no Brasil, ainda que de pais estrangeiros, não residindo estes a serviço do governo do seu país;
b) os filhos de brasileiro, ou brasileira, nascidos em país estrangeiro, estando os pais ao serviço do governo do
Brasil; fora deste caso, se, até um ano depois de atingida a capacidade civil, optarem pela nacionalidade
brasileira;
c) os nascidos em aeronaves brasileiras e em navios de guerra ou mercantes brasileiros, em alto mar ou de
passagem em mar territorial estrangeiro;
d) os que se beneficiaram do disposto no art. 69, nº 2, da Constituição de 24/02/1891, durante a sua vigência;
e) os que adquiriram a nacionalidade brasileira, nos termos do art. 69, ns. 4 e 5, da mesma Constituição;
f) os estrangeiros que obtiverem naturalização na forma desta lei.
§ 1º Os filhos dos que houverem optado na forma da letra b não gozarão da mesma faculdade se não vierem
residir no Brasil.
§ 2º A opção a que se refere a letra b, constará de um termo assinado no Ministério da Justiça e Negócios
Interiores ou, nos Estados e no Território da Justiça e Negócios Interiores ou, nos Estados e no Território do
Acre, perante os respectivos governos, se o optante se achar no Brasil, e no Consulado brasileiro, se estiver no
estrangeiro.
A opção será inscrita no registro civil, sempre por intermédio do Ministério da Justiça e Negócios Interiores.
§ 3º Não são brasileiros os filhos de estrangeira que resida no Brasil a serviço do governo do seu país, ainda que
o pai seja brasileiro.
48
Art 129 - São brasileiros:
I - os nascidos no Brasil, ainda que de pais estrangeiros, não residindo estes a serviço do seu país;
27
nacionalidade. O artigo 129, I, manteve a regra do ius soli afirmando “serem brasileiros os
nascidos no Brasil, ainda que de pais estrangeiros, não residindo estes a serviço de seu país”.
O inciso II preservou o critério do ius sanguinis somado à residência, que a constituição
anterior não previa, mas fora regulado por lei ordinária (Decreto-Lei 398, de 25-04-1938).
Este critério ius sanguinis + residência+ opção, substituiu os critérios de domicílio no Brasil,
consagrado nos textos de 1824 e 1891 e de opção até a maioridade das cartas de 1934 e 1937.
Inovou ao prever que os filhos de brasileiros nascidos no exterior, cujos pais não estiverem a
serviço do Brasil, seriam brasileiros se viessem a residir no Brasil. Cumprido o critério da
residência, o brasileiro, para conservar a nacionalidade, deveria, atingida a maioridade, optar
por ela em 4 anos. Dessa forma, o legislador reconhecia a condição de brasileiro até no
máximo os 25 anos de idade, haja vista a liberalidade proposta com a ampliação do prazo de
opção para 4 anos, a partir do momento que atingisse a maioridade.49 Ao exigir a residência, o
constituinte deve ter objetivado impedir que filhos de brasileiros nascidos no exterior viessem
a gozar dos benefícios da nacionalidade brasileira, sem ter qualquer identificação com o povo
e a cultura do Brasil.50 No inciso III, o texto resguardou o direito dos que haviam adquirido a
nacionalidade de acordo com o artigo 69, §§ 4º e 5º da Constituição de 1891 (grande
naturalização). Inovou a Carta de 1946, no tocante à naturalização, ao fixar condições
facilitadas aos portugueses em relação aos estrangeiros provenientes de outros países51.
Em 1949 foi editada a lei 81852, que regulou a aquisição, a perda e a reaquisição da
II - os filhos de brasileiro ou brasileira, nascidos no estrangeiro, se os pais estiverem a serviço do Brasil, ou, não
o estando, se vierem residir no País. Neste caso, atingida a maioridade, deverão, para conservar a nacionalidade
brasileira, optar por ela, dentro em quatro anos;
III - os que adquiriram a nacionalidade brasileira nos termos do art. 69, n os IV e V, da Constituição de 24 de
fevereiro de 1891;
IV - os naturalizados pela forma que a lei estabelecer, exigidas aos portugueses apenas residência no País por um
ano ininterrupto, idoneidade moral e sanidade física.
Art 130 - Perde a nacionalidade o brasileiro:
I - que, por naturalização voluntária, adquirir outra nacionalidade;
II - que, sem licença do Presidente da República, aceitar de governo estrangeiro comissão, emprego ou pensão;
III - que, por sentença judiciária, em processo que a lei estabelecer, tiver cancelada a sua naturalização, por
exercer atividade nociva ao interesse nacional.
49
FERRANTE. Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. p. 52.
50
POSENATO, Naiara. A evolução histórico-constitucional da nacionalidade no Brasil. p. 230. In: DAL RI
JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais,
regionais, globais.
51
A Constituição de 1946 estabelece que aos portugueses será exigida apenas a residência no país por um ano
ininterrupto, idoneidade moral e sanidade física, critérios aproveitados nas Constituições posteriores.
52
Art. 1º - São brasileiros:
I - os nascidos no Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que não residam estes a serviço de seu país;
II - os filhos de brasileiro ou brasileira, nascidos no estrangeiro se os pais estiverem a serviço do Brasil, ou, não
o estando, se vierem residir no país. Neste caso, atingida a maioridade, deverão, para conservar a nacionalidade
brasileira, optar por ela dentro em quatro anos;
III - os que adquiriram a nacionalidade brasileira, nos termos do artigo 69, ns. 4 e 5, da Constituição de 24 de
fevereiro de 1891;
28
nacionalidade brasileira, e a perda dos direitos políticos, repetindo o texto constitucional.
Porém, o artigo 2º ensejou ao nascido no Brasil, quando um dos pais fosse estrangeiro, aqui
residente a serviço do seu governo, e o outro for brasileiro, a faculdade de optar pela
nacionalidade brasileira.53
A Constituição de 1967 inovou e fixou expressamente quem é brasileiro nato (artigo
140, I) e quem é brasileiro naturalizado (artigo 140, II). A Emenda Constitucional de 1969,
em seu artigo 145, manteve com pequenas modificações a redação do artigo 140 da
Constituição de 1967. O artigo 140, I, a, de 1967 e o artigo 145, I, a, de 1969 consagraram o
critério do ius soli, posto que determinava a nacionalidade pelo nascimento no território
brasileiro, mesmo que de pais estrangeiros, não estando estes a serviço do seu país. O artigo
140, I, b, de 1967 e o artigo 145, I, b, de 1969 previam o ius sanguinis, considerando
brasileiros os nascidos fora do território nacional, de pai ou mãe brasileiros, desde que
qualquer deles esteja a serviço do Brasil. O artigo 140, I, c de 1967 e o artigo 145, I, c de
1969 reforçavam a incidência do ius sanguinis fixando duas hipóteses distintas: os que foram
e os que não foram registrados em repartição brasileira no exterior. O filho de brasileiro ou
brasileira, nascido no exterior e registrado em repartição brasileira competente era brasileiro
nato, não precisando fazer opção ou residir no Brasil antes da maioridade. Retratava o critério
ius sanguinis puro, contrariando a tradição consagrada pela Constituição Imperial. Não
ocorrendo o registro em repartição brasileira no exterior, duas condições deveriam ser
preenchidas: vir a residir no território nacional antes da maioridade e optar pela nacionalidade
brasileira no prazo de quatro anos depois de alcançada a maioridade. Estas condições
encerravam a dúvida presente na Carta de 1946 sobre o momento da fixação da residência no
Brasil, ou seja, a partir de 1967, deveria ocorrer antes de atingida a maioridade.
Em relação à naturalização, a Constituição da ditadura inovou ao prever casos de
aquisição derivada extraordinária de nacionalidade, até então não previstos nas cartas
anteriores. O artigo 140, II, 1, admitia como brasileiros naturalizados aqueles nascidos no
estrangeiro que houvessem sido admitidos no Brasil nos cinco primeiros anos de vida e que
estivessem radicados definitivamente no Brasil. O legislador exigia que para preservar a
nacionalidade brasileira, o naturalizado por esta regra deveria manifestar-se favoravelmente
até dois anos após atingir a maioridade. Segundo Ferrante, o termo preservar não está bem
aplicado, pois preservar “é manter e, no caso, não se trata de manter a nacionalidade
brasileira, mas de adquiri-la. Não há opção, mas o exercício de um direito constitucional que
IV - os naturalizados, pela forma estabelecida em lei.
FERRANTE. Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. p 53.
53
29
gera a nacionalidade”. 54 O item 2 do mesmo diploma admitia outro caso de aquisição de
nacionalidade extraordinária ao permitir que pessoas nascidas no estrangeiro, que viessem
residir no Brasil antes de atingir a maioridade e que fizessem curso superior em
estabelecimento nacional poderiam requerer a nacionalidade até um ano após a formatura.
Ambos os casos foram ratificados pela Emenda Constitucional de 1969 (artigo 145, II). O
item 3 compreendia os demais casos de naturalização, mantendo um tratamento diferenciado
aos portugueses, como já acontecerá na Constituição de 1946.
Ainda sob a vigência da Constituição de 1969, foi publicado o Estatuto do Estrangeiro,
Lei 6815, de 19.08.1980 que passou a definir a situação jurídica do estrangeiro no Brasil. Esta
Lei continua em vigor e será estudada no capítulo que trata da nacionalidade derivada.
Mantendo a tradição iniciada pela Carta de 1967, a Constituição de 1988 definiu de
maneira expressa quem é brasileiro nato e quem é brasileiro naturalizado. A Carta de 198855
utiliza a expressão “os nascidos na República Federativa do Brasil” para limitar fisicamente o
território regido pela soberania brasileira. A doutrina considera que a mudança56 pecou pelo
excesso, pois tal denominação envolve a organização territorial do Estado, algo desnecessário,
pois, independente da forma de organização, todos os nascidos no território brasileiro,
inclusive os nascidos no espaço aéreo e mar territorial brasileiro, são brasileiros, pois
conforme Mello, “o território estatal não se limita no domínio terrestre, mas se estende ao
espaço aéreo e determinados espaços marítimos (águas interiores e mar territorial)”. 57
O princípio do ius soli continua como regra geral, para os nascidos no território
brasileiro, mesmo que de pais estrangeiros. À exceção ao ius soli se verifica quando os pais
54
FERRANTE. Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. p. 63.
Art. 12. São brasileiros:
I - natos:
a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a
serviço de seu país;
b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da
República Federativa do Brasil;
c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que venham a residir na República
Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira;
II - naturalizados:
a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua
portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral; (Redação dada pela Emenda
Constitucional de Revisão nº 3 de 1994).
b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de trinta anos
ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.
c) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze
anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira. (Redação dada pela
Emenda Constitucional de Revisão nº 3 de 1994).
56
Nas constituições anteriores, utilizou-se as expressões “os nascidos no Brasil”, até a Constituição de 1946 e
“os nascidos no território brasileiro”, nas Constituições de 1967 e 1969.
57
MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de direito internacional público. 8ª ed. Rio de Janeiro: Ed.
Freitas Bastos, 1986. p. 268.
55
30
são estrangeiros e estão a serviço do seu próprio país. Nesse caso, mesmo nascido em
território nacional, não é considerado brasileiro. A lei 818 de 18/09/1949, que está em vigor
no que trata da perda e reaquisição da nacionalidade, embora tenha vários dispositivos
revogados pela Constituição de 1988, criou em seu artigo 2º, uma hipótese de brasileiro nato
não prevista constitucionalmente, qual seja: “Quando um d os pais for estrangeiro, residente
no Brasil a serviço de seu governo, e o outro for brasileiro, o filho, aqui nascido, poderá optar
pela nacionalidade brasileira”.
A jurisprudência tem orientado pela constitucionalidade da norma:
Quando apenas um dos pais for estrangeiro a serviço do seu governo, não
pode ser negado à pessoa nascida no Brasil o direito de opção pela
nacionalidade brasileira. (Apelação Cível 53.454-SP. Relator: Marcio
Ribeiro, j. 15.12.78, TFR).58
O critério do ius sanguinis também está consagrado no artigo 12, I, b, que repete a
constituição anterior, atribuindo a nacionalidade aos filhos de brasileiro nascidos no exterior,
desde que qualquer um deles esteja a serviço do Brasil.
A maior alteração se dá pela letra “c” do artigo 12, I, que r egula a situação dos
nascidos no estrangeiro, filho de pai ou mãe brasileira, que não estivessem a serviço do país.
A Carta de 1988 previa originariamente, que os nascidos nesta situação e registrados em
repartição competente brasileira sediada no exterior são brasileiros natos independente de
residência ou opção. Já aqueles que não foram registrados em repartição brasileira
competente, para serem aceitam como brasileiros natos, deveriam vir a residir no Brasil antes
da maioridade e realizar a opção a qualquer tempo. A Emenda Constitucional de Revisão nº 3,
de junho de 1994, alterou novamente esta hipótese, exigindo apenas a residência no Brasil e a
opção a qualquer tempo.
No que se refere à naturalização, a Constituição de 1988 suprimiu o critério de
naturalização tácita ou automática previsto pelas Constituições anteriores, até por ter perdido
sua importância prática face ao tempo transcorrido. Além disso, suprimiu duas hipóteses de
naturalização referente a estrangeiros aqui radicados durante os cinco primeiros anos de vida
ou aqueles que realizaram curso superior em estabelecimento nacional.
A Constituição de 1988 estabeleceu ainda, como brasileiros naturalizados, os que na
forma da lei adquiriram a nacionalidade brasileira exigindo aos originários de língua
portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral, suprimindo o
requisito da sanidade física prevista na carta anterior.
58
FERRANTE. Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. p. 48.
31
Inova a Constituição ao estabelecer novo critério de aquisição de nacionalidade pela
via derivada. É a hipótese de naturalização para os estrangeiros residentes há mais de trinta
anos no Brasil, e que não tenham sido condenados penalmente. Estes podem requerer a
nacionalidade brasileira. É o caso de naturalização extraordinária59, que foi alterado pela
Emenda Constitucional nº 3 de 1994, passando de trinta anos de residência para quinze anos.
59
Os casos de naturalização extraordinária previstos na Constituição de 1988 se constituem objeto desta
pesquisa, razão pela qual serão melhor analisados nos capítulos subseqüentes.
32
2. AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE BRASILEIRA
Neste capítulo serão tratadas as formas de aquisição de nacionalidade, procedendo-se
a análise dos critérios e dos requisitos exigidos pela legislação para que o indivíduo seja
considerado brasileiro nato ou naturalizado.
Enfocará ainda as hipóteses de perda da nacionalidade e, como complemento ao
estudo, as prerrogativas dos nacionais, fazendo um comparativo entre os direitos que possuem
os brasileiros natos, os naturalizados e os estrangeiros.
2.1. NACIONALIDADE ORIGINÁRIA: BRASILEIRO NATO
A Constituição em seu artigo 12, I, prevê os critérios e pressupostos para que alguém
seja considerado brasileiro nato. A alínea “a” do referido arti go dispõe que são brasileiros
natos “os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde
que estes não estejam a serviço de seu País”.
O lugar de nascimento é o principal elemento determinador da nacionalidade brasileira
originária. Há, porém, uma exceção ao ius soli. Os nascidos no Brasil, de pais estrangeiros,
que estejam no Brasil a serviço de seu país, não são considerados brasileiros. Trata-se da
adoção do critério ius sanguinis conjugado com o critério da função (a serviço de seu país de
origem). Segundo Moraes,60 para configurar esta exceção, é necessário a conjugação de dois
requisitos: a) Ambos os pais estrangeiros; b) Um dos pais, no mínimo, deve estar no território
brasileiro a serviço do seu país de origem. Frise-se que não bastará outra espécie de serviço
particular ou para terceiro país, pois a exceção ao critério ius soli refere-se a uma tendência
natural do direito internacional, inexistindo na hipótese de pais estrangeiros a serviço de um
terceiro país, que não o seu próprio. Esta exceção teve origem no princípio da
extraterritorialidade diplomática, previsto pela doutrina, convenções e acordos internacionais,
notadamente pela Convenção de Haia de 1930, conforme dispõe Ferrante61:
60
61
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: 12 ed. Atlas. 2002. p. 216.
FERRANTE. Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. p. 55.
33
O Estado que adota o ius soli deve excluir da aplicação desse princípio os
filhos das pessoas que gozem em seu território de imunidades diplomáticas e
daqueles que nele se encontrem a serviço de seus respectivos governos.
Outra hipótese que trata da nacionalidade originária está prevista no artigo 12, I, b, que
dispõe serem brasileiros natos “os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira,
desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil”.
Faz-se nesta alínea concessão ao ius sanguinis, pois conforme ensina Silva62:
(...) a nacionalidade brasileira é reconhecida não em decorrência do
nascimento no território pátrio, mas em função da nacionalidade do pai ou
da mãe (ou evidentemente, de ambos), embora não seja essa a circunstância
determinante, mas o fato de estar qualquer deles a serviço da República
Federativa do Brasil (de qualquer entidade de Direito Público Brasileiro:
União, Estado, Município, Distrito Federal, Território e até entidades da
administração direta).
Note-se que neste caso, o critério ius sanguinis é adotado junto a um requisito
específico, o critério funcional, sendo necessário que o pai ou a mãe, brasileiros natos ou já
naturalizados no momento do nascimento, estejam no estrangeiro a serviço do Brasil.
A terceira hipótese de aquisição da nacionalidade originária está prevista no artigo 12,
I, c, que prevê serem brasileiros natos:
Os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que
venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer
tempo, pela nacionalidade brasileira.
Esta hipótese sofreu importantes modificações pela Emenda Constitucional nº 3 de 7
de junho de 1994 e vem causando, desde então, bastante polêmica
e discussão.
Originariamente, a Constituição de 1988 previa a aquisição da nacionalidade aos nascidos no
estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que registrados em repartição brasileira
competente, ou que viessem a residir no Brasil antes da maioridade e, alcançada esta,
optassem, a qualquer tempo pela nacionalidade brasileira.
Com a emenda de 1994, essa hipótese de aquisição foi alterada, deixando de exigir-se
prazo para fixação de residência e suprimindo a necessidade de registro em repartição
brasileira competente.
O texto anterior à Emenda trazia, no entendimento de Dolinger63, uma incongruência,
como segue:
62
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p.
328.
63
DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado (parte geral). p. 151.
34
(...) a opção é forçosamente precedida do registro para comprovação da
identidade, porque então, perguntávamos, o registro realizado no exterior é
suficiente para caracterizar o status de brasileiro nato, enquanto que a
residência no país, acrescida de registro não é suficiente e pede a opção pela
nacionalidade brasileira?
Para efetuar esta correção, o legislador suprimiu do texto constitucional a hipótese do
registro no exterior, realizado em repartição consular, fato criticado por Guimarães64, que
assim analisa a questão:
O registro feito em tais circunstâncias dava, como continua dando para os
nascidos e registrados até 09.06.1994,então, ensejo a lícita presunção de que
os pais brasileiros desejavam que o filho fosse brasileiro nato, em caráter
definitivo, admitindo-se, validamente, que ele fosse educado segundo os
hábitos e costumes brasileiros, evitando, desde logo, viesse o menor a ser um
estrangeiro dentro do lar brasileiro. Resolvia, ademais, os casos de
nascimento acidental em país estrangeiro.
A redação dada pela Emenda Constitucional prevê, ainda, que a fixação da residência
no Brasil e a opção possam se dar a qualquer tempo.
A fixação de residência no Brasil de filho de brasileiro nascido no estrangeiro constitui
o fato gerador da nacionalidade, que fica sujeito a confirmação, dada pela opção. Como o
texto suprimiu o prazo para que fosse realizada a opção, o filho de brasileiro nascido no
exterior que vem a residir no Brasil é brasileiro nato sob condição suspensiva, até que
sobrevenha a condição confirmativa – a opção. Este é o entendimento de Moraes:65
Agora, nos termos da Constituição atual, em virtude da inexistência de prazo
para realização da opção, que poderá ser a qualquer tempo, parece-nos mais
sensato que, apesar de o momento da fixação da residência no País constituir
o fator gerador da nacionalidade, seus efeitos fiquem suspensos até que
sobrevenha a condição confirmativa – opção (que terá efeitos retroativos).
Nessa situação, este indivíduo que reside no Brasil, mas não realizou a opção, é
considerado brasileiro, mas não pode invocar esta condição para fazer valer seu direito. Dessa
forma manifestou-se Jobim66:
A opção pode agora ser feita a qualquer tempo. Tal como nos regimes
anteriores, até a maioridade, são brasileiros esses indivíduos. Entretanto,
como a norma não estabelece mais prazo, podendo a opção ser efetuada a
qualquer tempo, alcançada a maioridade, essas pessoas passam a ser
brasileiras sob condição suspensiva, isto é, depois de alcançada a
maioridade, até que optem pela nacionalidade brasileira, sua condição de
brasileiro nato fica suspensa. Nesse período o Brasil os reconhece como
nacionais, mas a manifestação volitiva do estado torna-se inoperante até a
64
GUIMARÃES. Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. Rio de Janeiro:
Forense, 1995. p. 29.
65
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. p. 218.
66
JOBIM, Nelson. Congresso Revisor. Relatoria da Revisão Constitucional – Pareceres produzidos (histórico),
Senado Federal, Tomo I, Brasília, 1994. p. 36. Apud: MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. p. 516.
35
realização do acontecimento previsto, a opção. É lícito considerá-los
nacionais no espaço de tempo entre a maioridade e a opção, mas não podem
invocar tal atributo porque pendente da verificação da condição.
2.2. NACIONALIDADE DERIVADA: O BRASILEIRO NATURALIZADO
O brasileiro naturalizado, segundo Moraes,67 é “aquele que adquire a nacionalidade
brasileira de forma secundária, ou seja, não pela ocorrência de um fato natural, mas por um
ato voluntário”.
E a forma prevista no direito brasileiro de aquisição de nacionalidade pela via derivada
é através da naturalização. Pela naturalização, o estrangeiro, que detém outra nacionalidade,
ou o apátrida, que não possui nenhuma, podem assumir a nacionalidade do país em que se
encontram, mediante a satisfação de requisitos legais e constitucionais. Dolinger68 conceitua
naturalização como “ato unilateral e discricionário do Estado no exercício de sua soberania,
podendo conceder ou negar a nacionalidade a quem, estrangeiro a requeira. Esta, na essência,
é a natureza jurídica da naturalização.”
Como restou assinalado anteriormente (item 1.4), a Constituição de 1988 não prevê
mais nenhuma hipótese de naturalização tácita, mas tão somente hipóteses de naturalização
expressa, que depende de requerimento do interessado, sendo, portanto, indispensável a
manifestação livre autônoma de vontade em adquirir a nacionalidade brasileira, podendo ser
dividida em ordinária e extraordinária.
2.2.1.
A Naturalização Ordinária
A naturalização, pelo procedimento comum ou ordinário está prevista no artigo 12, II,
“a” da Consti tuição de 1988.
São brasileiros:
II)naturalizados:
a) Os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidos
aos originários de língua portuguesa apenas residência por um ano
ininterrupto e idoneidade moral.
Quando a alínea “a” do artigo 12 s upracitado se refere a expressão “na forma da lei”,
está remetendo ao Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980), em seu artigo
67
68
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. p. 220.
DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado. p.156.
36
112, que prevê sos seguintes requisitos:
a) Capacidade civil, segundo a lei brasileira:
O legislador trata da maioridade civil, isto é, aquela alcançada aos dezoito anos ou por
emancipação, segundo o Novo Código Civil, artigo 5º. Dessa forma, a legislação originária do
país do naturalizando não é considerada. Para que o estrangeiro requeira a nacionalidade
brasileira, ele deve manifestar sua vontade segundo a lei brasileira. Guimarães ressalta que
“essa exigência tem presente o fato de que a escolha de uma nacionalidade deve resultar de
manifestação plena amadurecida vontade”. 69
b) Ser registrado como permanente no Brasil:
Não basta a residência contínua e ininterrupta no Brasil por período de quatro anos,
mas necessário se faz o visto permanente de estrangeiro para cumprir este requisito.
c) Residência contínua pelo prazo de quatro anos:
A residência tem que ser contínua, pelo prazo mínimo de quatro anos e imediatamente
anterior ao pedido de naturalização. A ausência do território nacional que desfigure o ânimo
de estabelecimento em caráter definitivo, inviabiliza o pedido. O Decreto nº 86.715/81, que
regulamentou o Estatuto do Estrangeiro, estabelece no §3º do artigo 119 a seguinte regra:
Quando exigida residência contínua por quatro anos para a naturalização,
não obstarão o seu deferimento as viagens do naturalizando ao exterior, se
determinadas por motivo relevante, a critério do Ministro da Justiça, e se
soma dos períodos de duração não ultrapassar de dezoito meses.
Portanto, nestes quatro anos o estrangeiro não pode se ausentar do país por período
superior a 18 meses, sob pena de não cumprir este requisito.
A residência mínima de quatro anos constitui-se como requisito objetivo para que o
Poder Público constituído possa auferir se o estrangeiro está integrado à nossa sociedade, aos
costumes e à educação do povo brasileiro, fatos que se constituem em fatores de análise
subjetiva.
d) Ler e escrever em língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizado:
O conhecimento da língua portuguesa se constitui em fator que demonstra a integração
do estrangeiro à comunidade brasileira. Aquele que em quatro anos não demonstra certo
domínio da língua, guardadas as condições sociais e intelectuais de cada pessoa, não o fez por
não estar integrado adequadamente à coletividade, razão pela qual não está apto ao exercício
da vida política e social brasileira.
e) Exercício da profissão ou posse de bens suficientes à manutenção própria e da
69
GUIMARÃES. Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p 44.
37
família:
Para requerer naturalização brasileira, deve o interessado comprovar os seus meios de
vida, isto é, possuir profissão, renda, bens, proventos de aposentadoria ou estar sob a
dependência de ascendente, irmão, tutor ou cônjuge que possuam recursos bastantes a
satisfação do dever legal de prestar alimentos. Conforme ensina Guimarães:70
Trabalho é obrigação social. O que a lei exige é que o naturalizando tenha
uma profissão suficiente para se manter com sua família, uma vez que a
ociosidade não contribui positivamente para a sociedade que deseja integrar
como cidadão. Se a vadiagem e a mendicância são razoes que determinam a
expulsão do estrangeiro do território nacional, natural é que se exija a prova
do meio de vida.
Portanto, o poder público se ampara nesse requisito para não receber como brasileiro
alguém que em nada colaborará para o desenvolvimento do país.
f) Bom procedimento:
Este requisito se refere à conduta moral e civil do naturalizando. É a sua maneira de se
portar na vida pública e privada, sua idoneidade moral que interessa ao poder público. A esta
hipótese não cabe examinar se o naturalizando responde ou tenha eventualmente respondido
processo penal.71 A lei evidencia o propósito de não confundir bom procedimento com
processo criminal quando os registra em itens diferentes. Evidentemente que o
comportamento delituoso tem grande reflexo na conduta moral do indivíduo. Porém, há que
se analisá-la autonomamente.A distinção é defendida por Ferrante72:
No mais, o razoável é perquerir, nesses casos (de análise da conduta de
alguém), em profundidade, um largo período do passado do naturalizado,
para que se tenha a certeza de que o fato criminal constitui um acidente em
sua vida, sem conotação com sua idoneidade.
A Justiça brasileira já recusou pedido de naturalização fundamentado no mau
procedimento. Em novembro de 1982, o Tribunal Federal de Recursos julgou o Mandado de
Segurança nº 97.59673 impetrado pelo estudante universitário Francisco Javier Ulpiano Alfaya
Rodrigues, espanhol, criado no Brasil, militante do movimento estudantil, tendo chegado à
Presidência da União Nacional dos Estudantes (UNE), e que teve seu pedido de naturalização
recusado por motivo de “mau procedimento”, por ter exercido atividade de natureza política,
vedada pelo Estatuto do Estrangeiro, conforme dispõe o artigo 107:
70
GUIMARÃES. Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 46.
GUIMARÃES. Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 47.
72
FERRANTE. Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. p. 71.
73
A Corte considerou que o Impetrante não se enquadrava na hipótese excepcional de naturalização prevista no
artigo 145, II, b, 2 da Constituição de 1967.
71
38
O estrangeiro admitido no território nacional não pode exercer atividade de
natureza política, nem se imiscuir, direta ou indiretamente, nos negócios
públicos do Brasil, sendo-lhes especialmente vedado (...).
O impetrante alega que não tivera mau procedimento, e que assim, não poderia ter seu
pedido negado com fulcro no artigo 112, VII da Lei 6.815/80, inciso VI que determina como
uma das condições para a concessão da naturalização o bom procedimento. Dolinger74 assim
comenta a decisão:
O Tribunal aceitou integralmente as informações do Ministério da Justiça
que continham dois pontos: 1 – a naturalização é ato de soberania, de
política governamental, questão de conveniência e oportunidade e nunca
questão de direito subjetivo que possa ser apreciado pelos juízes e Tribunais.
2 – no caso, nem mesmo esse critério exclusivo de conveniência e soberania
serviriam de fulcro à negativa da autoridade impetrada, que obedeceu ao
princípio da legalidade, desrespeitado pelo impetrante que atuou na área
política, que lhe era defesa.75
Pode-se considerar uma decisão autoritária para os padrões democráticos em que se
vive atualmente em nosso País. Porém, para aquele período, foi uma decisão normal, de
acordo com a norma vigente, e, principalmente, pelo regime autoritário imposto à população.
g) Inexistência de denúncia, pronúncia ou condenação no Brasil ou exterior:
O inciso VII do artigo 112 da Lei dos Estrangeiros refere-se à condenação no Brasil ou
no exterior, por crime doloso a que seja cominada pena mínima, abstratamente considerada,
superior a 1 (um) ano de prisão. Logo, uma condenação por crime de natureza culposa ou até
mesmo dolosa, em que a pena não ultrapasse a 1 (um) ano de prisão, não obsta a concessão da
naturalização.76 O artigo 12, I, “b” da Constituição de 1988 prevê uma forma de naturalização
extraordinária que tem como um dos requisitos para sua concessão a ausência de condenação
penal. Pode parecer que o requisito previsto no inciso VII do artigo 112 da Lei 6.815/80, não
tenha sido recepcionado pela Constituição de 1988, pois aquela norma deixa em aberto à
naturalização para condenados por crime culposo ou doloso com pena inferior a 1 (um) ano,
enquanto que a Constituição exige a ausência de condenação penal. Entretanto, o artigo 12, I,
“a” da Constituição Federal que prevê a forma ordinária de naturalização, remete à lei
ordinária (in casu, Lei 6.815/80) a possibilidade de estabelecer outras modalidades de
naturalização. Guimarães77 assim resume o problema:
Realmente, a Lei 6.815/80 foi, no meu sentir, recebida pela alínea “a” do
inciso II do artigo 12 da Carta de 1988 em sua inteireza, ao admitir outras
74
DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado (parte geral). p. 157.
Esta questão, levantada por Dolinger, referente ao ato de soberania na concessão da naturalização, faz parte do
objeto deste trabalho e será melhor estudada no capítulo 3.
76
GUIMARÃES. Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 47.
77
GUIMARÃES. Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 48.
75
39
formas de naturalização, com prazos de residência inferiores a 15 (quinze)
anos, sem os obstáculos da condenação penal de menor gravidade, com o
acurado exame da capacidade civil segundo a lei brasileira, de regular
permanência em território nacional, da comprovação do saber ler e escrever
a língua portuguesa, de exercício de profissão, atividade lícita ou posse de
bens suficientes à manutenção própria e da família, de bom procedimento e
boa saúde.
Portanto, há que se considerar a recepção da Constituição de 1988 da Lei 6815/80 no
que tange à naturalização ordinária. A denúncia e a pronúncia podem ser consideradas causa
suspensivas do pedido de naturalização, até que se verifique o julgamento do processo penal.
Absolvido o naturalizando, a restrição imposta por este requisito deixa de existir.78
h) Boa saúde, prova essa dispensada ao estrangeiro que residir no país há mais de dois
anos:
Este dispositivo se refere à inexistência de lesões que invalidem a atividade física ou
mental do naturalizando e doenças infecto-contagiosas, nocivas à coletividade. A razão deste
requisito é coibir a naturalização de pessoas incapazes para o trabalho e insuscetíveis de
convívio social pleno. Porém, quando a lei dispensa o cumprimento da prova deste requisito
ao residente há mais de dois anos, torna-o praticamente letra morta, pois, em regra, o
estrangeiro deve ter residência contínua pelo prazo de quatro anos, restando sua aplicação aos
casos previstos no artigo 113 da lei 6815/8079, que trata da redução do prazo de residência.
Os requisitos supracitados são exigidos de todos os estrangeiros, com exceção dos
originários de países de língua portuguesa, dos quais exige-se somente dois requisitos, quais
sejam, residência no Brasil por um ano ininterrupto e idoneidade moral. E aos portugueses
residentes permanentemente no Brasil, a Constituição de 1988 garante, além da naturalização,
a possibilidade de lhes serem atribuídos os direitos inerentes aos brasileiros naturalizados, se
houver reciprocidade em favor dos brasileiros, ou seja, que o ordenamento jurídico português
outorgue a brasileiros o mesmo direito requerido. A Convenção sobre Igualdade de Direitos e
78
GUIMARÃES. Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 47.
Art. 113. O prazo de residência fixada no art.112, item III, poderá ser reduzido se o naturalizado preencher as
seguintes condições:
I – ter filho ou cônjuge brasileiro;
II – ser filho de brasileiro;
III – haver prestado ou poder prestar serviço relevante ao Brasil, a juízo do Ministério da Justiça;
IV – recomendar-se por sua capacidade profissional, científica ou artística; ou
V – ser proprietário, no Brasil, de bem imóvel, cujo valor seja igual,pelo menos, a mil vezes o maior valor de
referência; ou ser industrial que disponha de fundos de igual valor, ou possuir cota ou ações integralizadas de
montante, no mínimo, idêntico, em sociedade comercial ou civil, destinada, principal e permanentemente, à
exploração de atividade industrial e agrícola.
Parágrafo único. A residência será, no mínimo, de um ano, nos casos dos itens I a III; de dois anos, no do item
IV; e de três anos, no do item V.
79
40
Deveres entre brasileiros e portugueses, assinada em 7-9-1971, foi ratificada no Brasil pelo
Decreto Legislativo nº 82, de 24-11-1971 e em Portugal pelo Decreto Legislativo nº 126/72.
2.2.2.
A Naturalização Extraordinária.
Também chamada de naturalização simplificada ou quinzenária, esta forma de
naturalização está prevista no artigo 12, II, alínea b da Constituição Federal.
São brasileiros:
II) Naturalizados:
b) Os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República
Federativa do Brasil há mais de quinze ininterruptos e sem condenação
penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.
Pode-se inferir da norma que três são os requisitos para se conceder a naturalização
pela via simplificada:
a) Residência:
A inovação conferida pela redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº3,
de 07 de junho de 1994, diminui o prazo anteriormente previsto de trinta anos de residência
para quinze anos. Cabe analisar em primeiro lugar o termo ininterrupto. Ele se refere ao
tempo de residência do naturalizando no Brasil, que deve permanecer inalterado, para atender
ao “Princípio da radicação”.
80
Porém, há que se ressaltar que eventuais viagens ao exterior
que não demonstrem o ânimo de mudança de residência para outro país não constituem causa
de interrupção da contagem do prazo. Os deslocamentos do estrangeiro ao exterior que não
afetem a autorização para que permaneça no território nacional se constituem no direito de ir e
vir inerente a todo e qualquer cidadão brasileiro ou estrangeiro aqui residente. Celso Bastos
escreve sobre a matéria:
Ao nosso ver, não interrompe o prazo de residência no Brasil saídas do País
a título eminentemente passageiro e precário, como se dá com aqueles que
viajam na condição de turistas. Seria uma conseqüência muito drástica
imaginar-se que uma simples ida a um país vizinho, com a mera
transposição da fronteira, poderia configurar uma interrupção do prazo,
afastando, assim, a incidência do dispositivo constitucional.81
Dentro disso, cabe destacar que, para a naturalização comum (prevista no artigo 12, II,
“a” da Constituição Federal), cujo requisito de residência contínua no Brasil (previsto no
artigo 119, § 3º do Decreto 86715 de 10 de dezembro de 1981) é de quatro anos, a legislação
80
GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. Rio de Janeiro:
Forense, 1995. p. 52.
81
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil, tomo II, São Paulo: Saraiva, 1989. p. 558.
41
ordinária prevê que o prazo de ausência do país neste período pode chegar a 18 meses. Neste
caso em estudo, a legislação que vier a regulamentar este dispositivo, “por coerência
sistêmica, deve estabelecer que a soma dos períodos de viagens possa ultrapassar dezoito
meses”. 82
Em segundo lugar, vale dizer que o prazo de quinze anos deve ser contado do período
imediatamente anterior ao pedido de naturalização, isto é, do requerimento para trás. Por fim,
se interrompida a contagem do prazo previsto na norma constitucional, nova contagem deve
ser iniciada a partir da última entrada do estrangeiro no território nacional83.
b) Ausência de condenação penal:
No que se refere a este requisito, o legislador não impôs limite temporal e espacial
para aferição da inexistência da condenação penal. No aspecto temporal questiona-se se a
falta de condenação penal se refere ao prazo de quinze anos ou atinge toda a vida pregressa do
requerente. No aspecto espacial indaga-se se a ausência de condenação se refere
exclusivamente no Brasil ou engloba a vida no exterior. A doutrina se posiciona de forma
amplamente majoritária no sentido de admitir que a inexistência de condenação penal alcança
toda a vida pregressa do naturalizando, não somente no território brasileiro, mas também onde
quer que haja residido. Este é o entendimento de Bastos:“A inexistência de condenação penal,
por sua vez, refere-se a toda a vida pregressa do naturalizando e não aos anos de residência no
País” 84. Corrobora deste pensamento Bernardes: “Somos por concluir que a inexistência da
condenação penal alcança toda a vida do naturalizando, não somente no território brasileiro,
mas, também, onde quer que haja residido. Aliás, se o texto quisesse restringir expressamente
definiria: sem condenação penal no Brasil”. 85
De outro lado, Peña Moraes entende que “somente obsta a obtenção da naturalização
extraordinária, a existência de condenação penal transitada em julgado, por infração penal,
dolosa ou culposa, praticada no território nacional, no prazo de quinze anos de residência
ininterrupta”. 86 Utilizando o método de interpretação constitucional histórico, enfatiza que o
Direito Positivo Brasileiro sempre tratou o estrangeiro aqui residente com grande liberalidade,
especialmente em sede de expulsão e extradição, não sendo plausível interpretar a norma de
maneira restritiva à possibilidade do estrangeiro. Acrescenta ainda que pela interpretação
82
PEÑA MORAES, Guilherme. Nacionalidade: Lineamentos da Nacionalidade Derivada e da Naturalização
Extraordinária. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000. p..33.
83
GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 49.
84
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil, tomo II, São Paulo: Saraiva, 1989. p. 558
85
BERNARDES, Wilba Lúcia Maia. Da nacionalidade – brasileiros natos e naturalizados. Belo Horizonte: Del
rey, 1996. p. 190-191.
86
PEÑA MORAES, Guilherme. Nacionalidade: Lineamentos da Nacionalidade Derivada e da Naturalização
Extraordinária. p. 36.
42
sistemática o posicionamento retro assinalado não pode prosperar, visto que enquanto a norma
construída a partir do artigo 112, VII, do Estatuto dos Estrangeiros expressamente ressalva a
inexistência de condenação no Brasil ou no exterior (grifo do autor), a norma inserida no
artigo 12, II, alínea b, da Constituição da República, prevê, única e exclusivamente, a
ausência de condenação penal, de sorte que, onde o legislador não distinguiu, não cabe ao
intérprete fazê-lo.87 Já pelo método de interpretação teleológica, o fim prático da norma é
facilitar a naturalização daqueles que pelo seu próprio passado já estão a revelar nítida opção
pela nacionalidade brasileira88, que não ocorre se der outro entendimento ao dispositivo
constitucional.
c) Requerimento do interessado:
A aquisição de nacionalidade brasileira derivada na forma simplificada é feita através
de requerimento do interessado, sendo respeitada pela Constituição Federal, a declaração de
vontade. E para que haja a declaração de vontade, necessária se faz a capacidade civil plena.
Logo, o relativamente incapaz, ainda que cumpra os demais requisitos constitucionais, não
poderá naturalizar-se, devido à inexistência de aptidão (capacidade jurídica) para livremente
manifestar-se89.
2.3. PERDA DA NACIONALIDADE
A perda da nacionalidade só pode ocorrer nas hipóteses taxativamente previstas no
artigo 12, § 4º:
Será declarada a perda na nacionalidade do brasileiro que:
I – Tiver cancelada sua naturalização por sentença judicial, em virtude de
atividade nociva ao interesse nacional:
II – Adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos:
a) De reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira:
b) De imposição de naturalização pela norma estrangeira, ao brasileiro
residente em Estado estrangeiro, como condição para permanência em seu
território ou para o exercício de direitos civis.
A grande inovação do texto constitucional de 1988, em relação aos anteriores, é de
natureza supressiva. A hipótese, prevista desde a Constituição do Império, que considerava
87
PEÑA MORAES, Guilherme. Nacionalidade: Lineamentos da Nacionalidade Derivada e da Naturalização
Extraordinária. p. 35.
88
PEÑA MORAES, Guilherme. Nacionalidade: Lineamentos da Nacionalidade Derivada e da Naturalização
Extraordinária. p. 35-36.
89
GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 52.
43
causa de perda da nacionalidade para o brasileiro que, sem licença do Presidente da
República, aceitasse comissão, emprego ou pensão de governo estrangeiro, foi suprimida do
texto constitucional.
Segundo Guimarães90, o propósito do pedido de licença ao governo brasileiro era de
impedir que o cidadão brasileiro assumisse compromisso político capaz de colocar a sua
fidelidade ao governo estrangeiro acima da lealdade devida ao Brasil. Com a supressão desta
hipótese de perda da nacionalidade, o cidadão brasileiro que, estando vinculado a governo
estrangeiro, adotar procedimento desleal à pátria, será punido na forma da legislação penal
brasileira.
A primeira hipótese de perda da nacionalidade brasileira prevista na Constituição é a
chamada perda-punição, e refere-se aos brasileiros naturalizados. Trata-se da perda da
nacionalidade em virtude de realização de atividade nociva ao interesse nacional, reconhecida
por sentença judicial com trânsito em julgado. A ação de cancelamento de naturalização é
proposta pelo Ministério Público Federal e imputará ao brasileiro naturalizado a prática de
atividade nociva ao interesse nacional. Segundo Moraes91, “não há, porém, uma tipicidade
específica na lei que preveja quais são as hipóteses de atividade nociva ao interesse nacional,
devendo haver um interpretação por parte do Ministério Público no momento da propositura
da ação e do Poder Judiciário ao julgá-la”. O cancelamento da naturalização efetua -se pela
própria sentença, o que não deixa de ser um desvio da doutrina que confere ao Poder
Executivo, com exclusividade, o juízo da conveniência, em se tratando de matéria de
soberania92. Portanto, o cancelamento é feito pelo Poder Judiciário, sendo que os efeitos da
sentença são ex nunc, ou seja, não são retroativos, atingindo a relação jurídica entre o
indivíduo e o estado somente após seu trânsito em julgado.93 Ressalte-se que a reaquisição da
nacionalidade perdida só se dá por meio de ação rescisória e nunca por novo procedimento de
naturalização.
A segunda hipótese de perda da nacionalidade se dá pela aquisição voluntária de
outra. Também conhecida por perda-mudança, é aplicável tanto aos brasileiros natos quanto
aos naturalizados. Nesta hipótese, não há necessidade de processo judicial, pois a perda da
nacionalidade será decretada por meio de processo administrativo e oficializada mediante
decreto do Presidente da República, garantida sempre a ampla defesa.
90
GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 90.
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. p. 229
92
GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 91.
93
MORAES, Alexandre. Constituição anotada. p. 527.
91
44
Para que esta hipótese constitucional seja levada a termo, necessário se faz o
cumprimento de três requisitos, quais sejam, a voluntariedade da conduta do interessado, a
capacidade civil para o cometimento do ato e a aquisição propriamente dita da nacionalidade
estrangeira. Note-se que, a mera formalização do pedido de naturalização a país estrangeiro,
não gera perda da nacionalidade. Há que se cumprir a efetiva aquisição da nacionalidade para
gerar a perda. Neste caso, tal qual a primeira hipótese de perda da nacionalidade, os efeitos
são ex nunc, ou seja, atingindo a relação jurídica do indivíduo com o Estado apenas após a
edição do decreto Presidencial.
O brasileiro naturalizado que perde esta condição em virtude do artigo 12, § 4º,
inciso II da Constituição de 1988, poderá readquiri-la por meio de outro processo de
naturalização.
Já em relação ao brasileiro nato, a doutrina diverge no que diz respeito a reaquisição
da nacionalidade brasileira. Uma corrente, representada por Alexandre Moraes, entende que o
brasileiro nato que se vê privado da nacionalidade originária, tornando-se, pois estrangeiro,
somente poderá readquiri-la sob forma derivada, mediante processo de naturalização,
tornando-se, conseqüentemente, brasileiro naturalizado. 94 A outra corrente, representada por
José Afonso da Silva entende que a reaquisição da nacionalidade poderá ocorrer por decreto
do Presidente da República (previsto no artigo 36 da lei 818/49), desde que o ex brasileiro
esteja domiciliado no território nacional. Assim, se a condição era de brasileiro nato, voltará a
ostentá-la, fosse brasileiro naturalizado, retornará a esta situação.95
O artigo 12, § 4º, II, prevê duas exceções ao fato de o brasileiro adquirir outra
nacionalidade e por conseqüência perder a nacionalidade brasileira. A primeira delas diz
respeito ao reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira. Nesta hipótese, o
indivíduo tem, além da nacionalidade brasileira, o reconhecimento por Estado estrangeiro de
nacionalidade originária, em razão do critério do ius sanguinis. É o caso da Itália que
reconhece aos descendentes de seus nacionais, a cidadania italiana. Os brasileiros
descendentes de italiano que adquirem àquela nacionalidade por processo administrativo, que
reconheça a cidadania italiana baseado no critério do ius sanguinis, não perdem a
nacionalidade brasileira, passando a portar dupla nacionalidade.
A segunda exceção refere-se à imposição de naturalização pela norma estrangeira, ao
brasileiro residente em Estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território
ou para o exercício de direitos civis. Sobre esta hipótese de dupla nacionalidade manifestou-se
94
95
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. p. 230.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 334-335.
45
o então Ministro da Justiça, atualmente Presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson
Jobim, “ no sentido de que a perda de nacionalidade brasileira não deve ocorrer quando a
aquisição da outra nacionalidade decorrer de imposição da norma estrangeira”. 96 O parecer
diz respeito a um caso concreto que se passou com uma brasileira que trabalhava nos Estados
Unidos desde 1975. Lá, concluiu curso de mestrado jurídico, casou-se com cidadão americano
e necessitou naturalizar-se norte-americana para seguir carreira jurídica. Além disso, sua
condição de estrangeira inviabilizaria eventual herança deixada por seu marido, face a
excessiva tributação. O Consulado Geral do Brasil, em Nova York, instaurou processo de
perda da nacionalidade brasileira. Porém, entendeu-se que a norma constitucional procura
“preservar a nacionalidade brasileira daquele que, por motivos de trabalho, acesso aos
serviços públicos, fixação de residência , praticamente se vê obrigado a adquirir nacionalidade
estrangeira, mas, que na realidade, jamais teve a intenção ou a vontade de abdicar da
cidadania originária”. 97
Portanto, o dispositivo constitucional protege cidadão brasileiro contra a perda da
nacionalidade, que só deve ocorrer nos casos em que o indivíduo demonstrar expressamente a
vontade de mudar de nacionalidade.
2.4. PRERROGATIVA DOS NACIONAIS
A Constituição de 1988, no caput do artigo 5º dispõe:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade dos direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade(...).
Face ao Princípio da igualdade, a Constituição não faz distinção entre nacionais e
estrangeiros residentes no País quanto ao acesso a direitos fundamentais.
Fazendo um breve histórico da evolução do nosso Direito Constitucional face ao
direito dos nacionais e estrangeiros, observa-se que somente a Constituição de 1824 distinguiu
os cidadãos brasileiros, dedicando-lhes certas garantias com exclusividade. Assim, o título
VIII, denominava-se “das disposições gerais e garantias dos direitos civis e políticos dos
cidadãos brasileiros” e o artigo 179, consagrador da inviolabilidade dos direitos civis e
96
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. p. 230. Apud: Despacho do Ministro da Justiça Nelson Jobim,
04.08.1995, processo nº 08000.00.009836/93-08, adotando integralmente o parecer da Drª Sandra Valle,
Secretária de Justiça.
97
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. p. 231.
46
políticos “que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade” foi garantida
pela Constituição do Império para os “cidadãos brasileiros”, especificando -se entre as alíneas
do dispositivo vários direitos dedicados exclusivamente ao “cidadão”.
98
A Carta Republicana de 1891 inovou, assegurando no seu artigo 72 “a brasileiros e a
estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à
segurança individual e à propriedade...” mantendo -se esta equiparação nas Cartas seguintes.
2.4.1.
Distinção entre Brasileiros e Estrangeiros
Estrangeiro é aquele que nasceu fora do território nacional e não adquiriu a
nacionalidade brasileira. Cabe analisar os estrangeiros residentes no Brasil.
Os estrangeiros aqui residentes têm, em princípio, o gozo dos mesmos direitos dos
brasileiros. Até porque nenhum Estado tem obrigação de admitir estrangeiros em seu
território. Mas, uma vez admitidos, devem-lhes ser concedidos um mínimo de direitos que
lhes garanta igualdade com os nacionais no que se refere aos direitos fundamentais da pessoa
humana. O Código de Bustamante, no seu artigo 1º dispõe que:
Os estrangeiros que pertencerem a qualquer dos estados contratantes gozam,
no território dos demais, dos mesmos direitos civis que se concedem aos
nacionais. Cada Estado contratante pode, por motivos de ordem pública,
recusar ou rejeitar a condições especiais o exercício de determinados direitos
civis aos nacionais dos outros, e qualquer desses Estados pode, em casos
idênticos, recusar o mesmo exercício dos nacionais do primeiro.
Há diversas restrições no direito pátrio quanto a atuação dos estrangeiros no Brasil,
entre eles a ocupação de cargos e funções públicas, a propriedade de empresas jornalísticas, a
compra de terras de fronteira, bem como a vedação a atuação sindical, o exercício de certas
profissões e de atividades políticas, previstos no artigo 107 do Estatuto do Estrangeiro. Esta
última vedação emana de inúmeros diplomas internacionais, entre eles a Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem, que dispõe em seu artigo 38 que “Todo
estrangeiro tem o dever de se abster de tomar parte nas atividades políticas que, de acordo
com a lei, sejam privativos dos cidadãos do Estado em que se encontram”.
O artigo 5º da Constituição de 1988 que trata dos direitos e garantias fundamentais
traz em seus diversos incisos várias liberdades atinentes aos nacionais e estrangeiros,
inclusive alguns que tem relação com atividade política, tais como liberdade de manifestação
de pensamento, liberdade de comunicação, direitos de reunião pacífica e de associação.
98
DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado (parte geral). p. 196.
47
Porém, a prática de atos que correspondem ao exercício de atividade política é vedada ao
estrangeiro. Segundo Dolinger “a atividade de natureza política, a ingerência nos negócios
públicos do Brasil – esta atividade lhe é vedada por lei99”.
Portanto, a maior restrição aos estrangeiros está na proibição ao exercício de
atividades políticas de qualquer espécie (votar e ser votado). Porém, não há que se proibir aos
estrangeiros a possibilidade de discutir doutrinariamente matéria política. A proibição deve
ser restrita a crítica, a oposição feita a atividades governamentais, a propaganda contra a
ordem política existente.
2.4.2.
Distinção entre Brasileiros Natos e Naturalizados
Com fulcro no princípio da igualdade previsto no artigo no artigo 5º da Constituição
de 1988, caput, preceitua o artigo 12, § 2º100 da referida norma que ficam vedadas quaisquer
distinções entre brasileiros natos e naturalizados, ressalvados os casos expressamente
previstos na Constituição de 1988. Este dispositivo Constitucional veio recepcionar a Lei
6.192 de 19 de dezembro de 1974, que dispõe sobre restrições a brasileiros naturalizados,
versando seu artigo 1º nos seguintes termos: “é vedada qualquer distinção entre brasileiros
natos e naturalizados”.Constitui a referida lei, como contravenção penal qualquer violação ao
disposto neste artigo 1º.
A Constituição Federal emana como as únicas hipóteses de tratamento diferenciado
àquelas pertinentes a cargos, função, extradição e propriedade de empresa jornalística e de
radiodifusão sonora e de sons e imagens.
Segundo Moraes, o “legislador constituinte fixou dois critérios para a definição dos
cargos privativos aos brasileiros natos: a chamada linha sucessória e a segurança nacional”. 101
São critérios que têm sustentação em questões de soberania, face ao perigo que eventualmente
poderia representar se, interesses estranhos ao Brasil, levasse alguém a se naturalizar e a
ocupar posição importante dentro da República.
Em relação à linha sucessória, o artigo 79 da Constituição de 1988 prevê que o
Presidente da República será substituído, em caso de impedimento, pelo Vice-Presidente.
Segue o artigo 80 dispondo que em caso de impedimento de ambos ou vacância dos
respectivos cargos, os sucederão no comando do Poder Executivo, pela ordem, o Presidente
99
DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado (parte geral). p. 198.
Artigo 12, § 2º - A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos
previstos nesta Constituição.
101
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. p. 226.
100
48
da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal.
No que se refere à Segurança Nacional, pela posição estratégica em que se encontram,
o legislador constituinte relacionou os diplomatas, os Oficiais das Forças Armadas e o
Ministro de Estado da Defesa.
São, portanto, privativos de brasileiros natos, segundo o artigo 12. § 3º da Constituição
de 1988, os cargos de: Presidente e Vice-Presidente da República; de Presidente da Câmara
dos Deputados; de Presidente do Senado Federal; de Ministro do Supremo Tribunal Federal;
da Carreira Diplomática; de Oficial das Forças Armadas e de Ministro de Estado da Defesa102.
Quanto à função, a Constituição de 1988 diferencia brasileiro nato dos naturalizados,
pois reserva àqueles seis assentos no Conselho da República103.
O brasileiro naturalizado pode fazer parte do Conselho da República como líder da
maioria e da minoria na Câmara dos Deputados e no Senado Federal ou como Ministro da
Justiça, porém, ele sofre restrições aos demais assentos que são privativos de brasileiros natos.
A terceira hipótese de tratamento diferenciado entre brasileiros natos e naturalizados,
diz respeito à extradição. O artigo 5º, inciso LI da Constituição de 1988 prevê que brasileiro
nato nunca será extraditado, enquanto que o brasileiro naturalizado poderá ser extraditado
somente em dois casos: por crime comum, praticado antes da naturalização; e por crime de
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, independente do momento do fato, ou seja, não
importa se foi antes ou depois da naturalização.
Por fim, restringe-se o direito dos brasileiros naturalizados quando se trata de
propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens. O artigo
222 da Constituição de 1988 dispõe que a propriedade dessas empresas é privativa de
brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, que exercerão obrigatoriamente a
gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação.
102
O cargo de Ministro de Estado da Defesa foi acrescentado no rol dos cargos privativos de brasileiros natos
pela Emenda Constitucional nº 23, de 2 de setembro de 1999.
103
O Conselho da República é órgão superior de consulta do Presidente da República e têm como integrantes: o
Vice-Presidente da República; o Presidente da Câmara dos Deputados; o Presidente do Senado Federal; os
líderes da maioria e da minoria na Câmara dos Deputados e no Senado Federal; o Ministro da Justiça; seis
brasileiros natos, com mais de 35 anos de idade, sendo dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos
pelo Senado Federal e dois eleitos pela Câmara dos Deputados, todos com mandato de três anos, vedada a
recondução.
49
3. CONCESSÃO DE NATURALIZAÇÃO: ATO DISCRICIONÁRIO OU ATO
VINCULADO DO PODER EXECUTIVO
Neste capítulo, procurar-se-á caracterizar a natureza jurídica do ato de concessão da
naturalização. Para tal, será utilizado o estudo realizado no capítulo anterior, principalmente
no que se refere à análise dos requisitos e pressupostos exigidos pela legislação para que seja
concedida a naturalização. Porém, antes de entrar definitivamente no problema a que o
trabalho se propõe a analisar, ou seja, a discussão em torno da discricionariedade ou não do
ato de concessão da naturalização, se faz necessário caracterizar os atos administrativos
discricionários e vinculados, que servirá de substrato para definir a natureza jurídica do ato de
concessão da naturalização.
3.1. ATO ADMINISTRATIVO: CONCEITO
Para se conceituar o ato administrativo é preciso ter claro que não há uma definição
legal face à diversidade de conceitos desenvolvidos pelos doutrinadores. Cretella Júnior
assinala que “não é exagero afirmar serem as definições propostas em número quase igual ao
dos autores que as formulam”. 104 Segundo Meirelles “ato administrativo é toda manifestação
unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim
imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor
obrigações aos administrados ou a si própria”. 105 Ressalte-se que o ato administrativo é uma
espécie do gênero ato jurídico que se diferencia por destinar-se a fins de interesse público,
sem o qual seriam atos jurídicos.” 106
3.2. ELEMENTOS DO ATO ADMINISTRATIVO
Para que o ato administrativo seja válido deve reunir cinco elementos ou requisitos, a
104
CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 190.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p.145.
106
CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. p.189.
105
50
saber: competência, finalidade, forma, motivo e objeto.107
Meirelles assim define competência:
Competência administrativa é o poder atribuído ao agente da Administração
para o desempenho específico de suas funções. A competência resulta da lei
e por ela é delimitada. Todo ato emanado do agente incompetente, ou
realizado além do limite de que dispõe a autoridade incumbida de sua
prática, é inválido, por lhe faltar um elemento básico de sua perfeição, qual
seja, o poder jurídico para manifestar a vontade da administração.108
A competência não pode ser alterada ao livre arbítrio do administrador, pois, sendo
um requisito de ordem pública, é intransferível e improrrogável pela vontade das partes,
podendo ser delegada e avocada desde que permitam as normas reguladoras da
administração.109
Finalidade se traduz no objetivo de interesse público a atingir. No dizer de Di Pietro “é
o resultado que a Administração quer alcançar com a prática do ato”.
110
É requisito vinculado
de todo ato administrativo porque o Direito positivo não admite ato administrativo sem
finalidade pública, sem que atenda ao interesse público.
Bandeira de Mello define forma como o revestimento exterior do ato; portanto, o
modo pelo qual este aparece e revela sua existência111. Diferentemente da vontade dos
particulares, que pode manifestar-se livremente, os atos da Administração exigem
procedimentos especiais e forma legal para que se expresse validamente. Meirelles explica
esta exigência pela necessidade que tem o ato administrativo de ser contrastado com a lei e
aferido, freqüentemente, pela própria Administração e até pelo Judiciário, para verificação de
sua validade.112
Motivo na definição de Di Pietro “é o pressuposto de fato e de direito que serve de
fundamento para o ato administrativo”. 113 Pressuposto de direito é o fato descrito na norma.
Pressuposto de fato corresponde ao conjunto de circunstâncias que levam a Administração a
praticar o ato. Segundo Meirelles, motivo “é a situação de direito ou de fato que autoriza ou
determina a realização do ato administrativo”.
Não se confunde motivo com motivação do ato. Motivo é a causa que leva a
107
Esta é a classificação adotada por MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p.148.
Bandeira de Mello classifica os elementos do ato administrativo como: conteúdo e forma. Sujeito, motivo e
finalidade são pressupostos do ato administrativo. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de direito
administrativo. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 357.
108
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 147.
109
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 147.
110
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 194.
111
BANDEIRA DE MELLO. Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. p. 361.
112
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 148.
113
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 195.
51
Administração à prática do ato, enquanto que a motivação é a exposição dos motivos, por
escrito, de que os pressupostos de fato existiram114.
O quinto requisito do ato administrativo é o objeto ou conteúdo do ato, que se traduz
no efeito jurídico que o ato produz. Na visão de Cretella Júnior, “objeto do ato administrativo
é o efeito prático que, na órbita administrativa, o sujeito pretende alcançar através de sua ação
direta ou indireta: é a própria substância do ato, seu conteúdo”. 115 O objeto identifica-se com
o conteúdo do ato, através do qual a Administração manifesta sua vontade.116
3.3. O ATO ADMINSTRATIVO DISCRICIONÁRIO E O ATO ADMINISTRATIVO
VINCULADO: CARACTERIZAÇÃO E CONTRAPOSIÇÃO
A Administração Pública, para bem executar as tarefas inerentes às funções de
organismo estatal, dispõe de poderes que lhe asseguram certa supremacia sobre os
particulares, a fim de executar seus atos, buscando o interesse público, fim de todo ato
administrativo. Estes atos praticados pela Administração são classificados sob variados
critérios. Para este estudo, merecem atenção os atos classificados quanto ao seu regramento,
quanto ao grau de liberdade de apreciação por parte da Administração Pública para expedilos: atos vinculados e atos discricionários.
Atos vinculados, segundo Meirelles, são:
aqueles para os quais a lei estabelece os requisitos e condições de sua
realização. Nessa categoria de atos, as imposições legais absorvem, quase
que por completo, a liberdade do administrador, uma vez que sua ação fica
adstrita aos pressupostos estabelecidos pela norma legal para a validade da
atividade administrativa. Desatendido qualquer requisito, compromete-se a
eficácia do ato praticado, tornando-se passível de anulação pela própria
Administração, ou pelo Judiciário, se assim o requerer o interessado.117
No ato vinculado, o princípio da legalidade impõe ao agente público que observe
todos os requisitos expressos em lei para a prática do ato. E os requisitos do ato (competência,
finalidade, forma, motivo e objeto) vêm expressamente descritos na lei, ficando o agente
público adstrito ao seu fiel cumprimento. A lei não deixa opções. Por isso se diz que diante de
um poder vinculado, o particular tem um direito subjetivo de exigir da autoridade a edição de
114
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 195.
CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. p. 257.
116
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 150.
117
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 162-163.
115
52
determinado ato, sob pena de não o fazendo, sujeitar-se à correção judicial.118
Na prática de atos vinculados, impõe-se à Administração o dever de motivá-los, no
sentido de evidenciar a conformação de sua prática com as exigências e requisitos legais que
constituem pressupostos necessários de sua existência e validade.
Os atos discricionários são aqueles em que o regramento não atinge todos os aspectos
da atuação administrativa, ou seja, a lei deixa certa margem de decisão diante do caso
concreto, de tal forma que o administrador poderá optar por uma dentre as várias soluções
possíveis.
Cretella Júnior, assim, define ato administrativo discricionário:
É a manifestação concreta e unilateral da vontade da Administração que,
fundamentada em regra objetiva de direito que a legitima e lhe assinala o
fim, se concretiza livremente, independente de qualquer lei que lhe dite,
previamente, a oportunidade e a conveniência da conduta, sendo, pois, neste
campo, insuscetível de revisão judiciária.
No ato discricionário, o agente possui liberdade quanto à escolha dos motivos
(oportunidade) e do objeto (conveniência). Assim, fica vinculado o agente apenas quanto aos
elementos da competência, finalidade e forma. Segundo Meirelles, a discricionariedade não se
manifesta no ato em si, mas no poder de a Administração praticá-lo pela maneira e nas
condições que repute mais convenientes ao interesse público.119
A liberdade de ação que possui o administrador à prática de atos discricionários é
regulada pelo princípio da legalidade, ou seja, a atividade discricionária não dispensa a lei,
nem se exerce sem ela, mas com observância e sujeição a ela. Exorbitando-se à lei, estará o
agente agindo ilicitamente, ilegitimamente, constituindo ato arbitrário. Não há que se
confundir ato discricionário e ato arbitrário. Ato arbitrário é aquele que se opera sem qualquer
limite, sem observância à norma jurídica.120 É, portanto, sempre ilegítimo, inválido.
Meirelles ensina que a discricionariedade administrativa encontra fundamento e
justificativa na complexidade e variedade dos problemas que o poder público tem que
solucionar e para os quais a lei não pode prever todas as soluções, ou pelo menos, a mais
vantajosa para cada caso ocorrente.121 Assim, caracteriza-se a relevância jurídica da
discricionariedade. É uma ferramenta entregue ao Administrador Público para que, na gestão
da coisa pública, possa realizar determinados atos em que a lei lhe permite escolher, dentre
duas ou mais soluções e segundo critérios de oportunidade e conveniência, àquela que melhor
118
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 196.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 164.
120
CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. p. 222.
121
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 164.
119
53
se direcione na busca do interesse público.
3.3.1.
O Mérito do Ato Administrativo Discricionário
Antes de caracterizar o mérito do ato administrativo, mister se faz diferenciar o
conceito de mérito no âmbito processual e no âmbito do direito administrativo. No campo
processual, mérito é o núcleo do litígio, ou seja, é a própria substância da lide, o seu elemento
principal, que existe em toda demanda e centraliza as pretensões das partes.122 No âmbito do
direito administrativo, este sentido processual também está presente, pois no processo
administrativo o mérito não deixa de ser o conteúdo da lide.123 Porém, considerando o mérito
em relação ao ato administrativo, há que se deixar de lado o conceito processual de mérito
para relacioná-lo com a ponderação pessoal da autoridade administrativa sobre determinados
fatos, que na definição de Cretella Júnior, “a levam a decidir num sentido ou noutro e, até
mesmo, de nada decidir”. 124
Em sentido análogo conceitua Meirelles, “o mérito
administrativo consubstancia-se, portanto, na valoração dos motivos e na escolha do objeto do
ato, feitas pela Administração incumbida de sua prática, quando autorizada a decidir sobre a
conveniência, a oportunidade e justiça do ato a realizar”. 125
A relação que se faz do mérito do ato administrativo com a discricionariedade tem
origem no direito italiano. No direito brasileiro, o primeiro autor a desenvolver o tema de
forma aprofundada foi Seabra Fagundes. Para ele, o mérito consiste no sentido político do ato
administrativo. É o sentido em função das normas de boa administração, que atenda ao
interesse público e, ao mesmo tempo, se ajuste aos interesses privados, que toda medida
administrativa tem de levar em conta.126
Este sentido político “decorre da função de atender ao interesse público, para o
desempenho da qual a Administração deve preencher uma definição específica
incompletamente feita na lei”. 127 Trata-se, na visão de Moreira Neto, de uma integração
administrativa da legitimidade. Os aspectos a serem definidos pelo Administrador são,
sinteticamente, os de oportunidade e conveniência. Para o autor “se são essas definições, de
122
CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. p. 273.
CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. p. 273.
124
CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. p. 273.
125
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 150-151.
126
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. São Paulo:
Atlas, 1991. p. 89.
127
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e Discricionariedade: novas reflexões sobre os
limites e contole da discricionariedade de acordo com a Constituição de 1988. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
1989. p. 30.
123
54
conveniência e oportunidade que vão compor o mérito do ato administrativo, a
discricionariedade exsurge como meio para que essa função possa ser exercida pela
Administração”. 128
Embora o mérito do ato administrativo não se constitua um dos requisitos essenciais
do ato, ele relaciona-se com o motivo e objeto, requisitos existentes tanto no ato
administrativo vinculado como no discricionário. Por isso alguns autores defendem que existe
mérito em ambos os atos. Esta é a posição de Cretella Júnior, que assim explica esta hipótese:
No ato discricionário, em que a competência é “livre”, o administrador
valora a decisão a tomar, orientando-se pelo critério da oportunidade e da
conveniência (...) Tais atos envolvem sempre o mérito, a valoração, a opção,
o juízo de valor do “administrador” (...) No ato vinculado, entretanto, em
que a competência é “regrada”, o agente administrativo fica preso a motivos
predeterminados, não podendo optar por esta ou aquela conduta (...) O
mérito deste caso fica submetido à vinculação. Entendemos, assim, que
mesmo no ato administrativo vinculado, existe parcela subjacente de mérito,
se bem que in potentia, não utilizável pela autoridade, por ser “absorvida”
pelos demais fatores determinantes da edição do ato. Mesmo que o
administrador entenda inoportuno ou inconveniente o ato, deve
necessariamente editá-lo, desde que o destinatário tenha preenchido os
requisitos exigidos por lei.129
Contudo, há doutrinadores que divergem desta posição, pois consideram que “o
merecimento é aspecto pertinente apenas aos atos administrativos praticados no exercício da
competência discricionária”.
130
Meirelles ensina que nos atos vinculados, onde não há faculdade de opção do
administrador, pois fica restrito à possibilidade de verificação dos pressupostos de direito e de
fato do ato, não há que se falar em mérito, visto que toda atuação do Executivo se resume ao
atendimento das imposições legais. Diversamente do que ocorre nos atos discricionários, em
que, além dos elementos sempre vinculados (competência, finalidade e forma), outros existem
(motivo e objeto) em relação aos quais a Administração decide livremente.131
Não obstante a controvérsia que existe no tocante à identificação ou não do mérito no
ato vinculado, quanto ao ato discricionário esta situação não se repete, uma vez que este é
resultado sempre do exercício da discricionariedade, como definição da oportunidade e da
128
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e Discricionariedade: novas reflexões sobre os
limites e contole da discricionariedade de acordo com a Constituição de 1988. p. 31.
129
CRETELLA JÚNIOR, José. Controle jurisdicional do ato administrativo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
1998. p. 245.
130
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 151, Apud: SEABRA FAGUNDES,
Miguel. “ Conceito de mérito no Direito Administrativo”, RDA 23/1 -16.
131
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 151.
55
conveniência, na função de integrar os elementos motivo e objeto.132
3.3.2.
Discricionariedade Administrativa e Interpretação da Norma Jurídica
Uma das maiores dificuldades de entender a discricionariedade administrativa está
relacionada a sua distinção da simples interpretação da norma. O entendimento dessa
discussão passa pelo conhecimento dos conceitos jurídicos indeterminados.133
A expressão conceito jurídico indeterminado é empregada para designar vocábulos ou
expressões que não têm um sentido preciso, determinado, mas que se encontram com certa
freqüência nas normas jurídicas. Por exemplo, expressões como boa-fé, conduta
irrepreensível, interesse público, ordem pública, bom procedimento, idoneidade moral,
notório saber e tantos outros que não trazem um sentido objetivamente determinado.
Se existem conceitos jurídicos indeterminados, existem também os determinados que
“delimitam a esfera do real a que se referem, de maneira precisa (como exemplo destes
conceitos temos: a delimitação legal de setenta anos para aposentadoria compulsória de
servidor público) com isto não pairam dúvidas sobre o âmbito material aos quais tais
conceitos se referem”. 134
No que tange aos conceitos indeterminados, “a lei se refere a uma esfera da realidade
cujas delimitações não são precisas no seu enunciado”. 135 E embora a lei não determine com
precisão os limites desses conceitos, está se referindo a hipóteses da realidade e estes
conceitos tornam-se determinados no momento de sua incidência no caso concreto.136
No Estado de Direito, reconhece-se ao Judiciário e à Administração o poder de
interpretar a lei antes de sua aplicação. Advém “a idéia de que determinados conceitos
utilizados em lei, por serem vagos, são ininterpretáveis, gerando para a administração, a
liberdade de fazer uma apreciação subjetiva diante dos fatos concretos, liberdade essa que
corresponderia precisamente ao poder discricionário”. 137 Porém, segundo Di Pietro, outra
corrente doutrinária entende que todos conceitos vagos são passíveis de interpretação, não
implicando discricionariedade para a Administração. Existe ainda uma posição intermediária
132
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e Discricionariedade: novas reflexões sobre os
limites e controle da discricionariedade de acordo com a Constituição de 1988. p. 33.
133
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. p. 83.
134
CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Discricionariedade Administrativa no Estado Constitucional
de Direito. 1ª ed. Curitiba: Juruá, 2001, p. 136.
135
CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Discricionariedade Administrativa no Estado Constitucional
de Direito. p. 136.
136
CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Discricionariedade Administrativa no Estado Constitucional
de Direito. p. 136-137.
137
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. p. 83-84.
56
na doutrina que reconhece o poder discricionário para a Administração Pública em face dos
conceitos indeterminados. Porém, essa discricionariedade não implica livre apreciação, pois a
autoridade administrativa tem o dever de buscar o interesse público que o legislador quis
proteger ao conferir-lhe discricionariedade. Esta começa onde termina a interpretação.138
Neste sentido, todas as teorias extremas que denotam apenas atividade de
interpretação sempre que a lei utilize conceitos indeterminados devem ser evitadas. É verdade
que existem casos em que os conceitos indeterminados previstos na norma afastam a
discricionariedade administrativa, porque existem meios que permitem à Administração
transformar em determinado um conceito aparentemente indeterminado. Porém, existem tipos
de conceitos jurídicos que implicam uma apreciação subjetiva por parte da autoridade
administrativa, propiciando certa margem de discricionariedade. Isto não quer dizer que a
Administração tenha liberdade total, pois por via da interpretação e da apreciação dos fatos
pode-se reduzir a certos limites a discricionariedade. Mas conforme sintetiza Di Pietro, “se a
autoridade administrativa, pelo método da interpretação, não puder chegar a uma solução
única, mas a várias soluções igualmente válidas perante o direito, devendo a escolha ser feita
segundo critérios puramente administrativos (e não jurídicos) estar-se-á no campo da
discricionariedade”. 139
Ante o exposto, pode-se concluir que a interpretação da norma deve ser feita com a
intenção de extrair seu sentido preciso para então aplicá-la. Diferentemente da atividade
discricionária, em que a lei, após interpretada, faculta a Administração Pública escolher entre
duas ou mais soluções, consideradas legais, sendo que a opção é feita segundo critérios de
conveniência e oportunidade.140
3.3.3.
Os atos de Governo
De origem jurisprudencial, nasceu na França a teoria dos atos políticos ou atos de
governo, segundo a qual as questões de governo não seriam passíveis de controle judicial. Isto
se deu por uma necessidade de sobrevivência do Conselho de Estado Francês que perdera
força com o restabelecimento da Monarquia francesa na segunda metade do século XIX.141A
teoria irradiou para outros países e foi reestruturada conforme às necessidades jurídicas e
sociais e às condições peculiares de cada sistema.
138
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. p. 84.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. p. 85.
140
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. p. 86.
141
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. p. 58.
139
57
Os atos políticos ou de governo são aqueles praticados com grande margem de
discrição e em obediência direta à constituição, no exercício de função puramente política.142
Conforme Cretella Júnior “é aquele que promana do g overno, no exercício do poder político”.
Bandeira de Mello diferencia os atos de governo dos atos administrativos nos
seguintes termos:
Por corresponderem ao exercício da função política e não administrativa;
não há interesse em qualificá-los como atos administrativos, já que sua
disciplina é peculiar. Inobstante também sejam controláveis pelo Poder
Judiciário são praticados de modo amplamente discricionário, além de serem
expedidos em nível imediatamente infraconstitucional – ao invés de
infralegal – o que lhes conferem fisionomia própria.
Porém, Cretella Júnior tem outro entendimento. Pelos seus ensinamentos:
O ato político é, antes de tudo, “espécie” em que se desdobra o “gênero” ato
administrativo, do mesmo modo que Poder Administrativo e Poder
Executivo também se acham nessa relação (...) Por sua vez o ato
administrativo é o ato do Estado matizado de juridicidade. Logo, ato político
é a manifestação de cunho administrativo a que não é estranho o traço
jurídico.143
Admitindo-se este entendimento, não há distinção substancial entre o ato
administrativo e o ato político ou de governo, pois ambos têm em mira a concretização do
direito, objetivando a aplicação da lei ao caso concreto, formando os atos de governo apenas
uma classe à parte, entre as manifestações da vontade do Estado.144
Cabe ressaltar que, o ato de governo ou político não poderá atingir nem de forma
reflexiva, tampouco diretamente, o direito subjetivo de um cidadão, sob pena de correção
judicial.145
Ante ao exposto, percebe-se que no Brasil os atos políticos ou de governo são
passíveis de controle judicial, diferentemente do que aduz a doutrina européia. Segundo
Bandeira de Mello, “esta os concebe para efeitos de qualificá -los como os atos insuscetíveis
de controle jurisdicional, entendimento que repelimos de modo absoluto e que não se
coadunaria com o Texto Constitucional brasileiro, notadamente com o artigo 5º, XXXV”146
que dispõe: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
142
BANDEIRA MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. p. 351.
CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. p. 233.
144
CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. p. 233.
145
CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. p. 233.
146
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. p. 352.
143
58
3.4. A CONCESSÃO DA NATURALIZAÇÃO E O ÂMBITO DA AUTONOMIA DO
PODER EXECUTIVO
Conforme já tratado nos capítulos anteriores, as questões relativas à nacionalidade são
disciplinadas pela lei interna de cada país, que para editá-las, devem ter como norte os
princípios do Direito Internacional relativos à matéria.
Dentro deste contexto, a concessão da naturalização brasileira é ato autônomo e
soberano do Estado. Soberano porque é o Estado, em última análise, que define quais critérios
e procedimentos que deve adotar para conceder a naturalização. É um exercício de poder de
sua competência, reconhecido pelo Direito Internacional, por ser o Brasil, um Estado
soberano. E este ato soberano é exercido pelo Poder Executivo, pois conforme ensina
Guimarães “a concessão de naturalização é ato de exclusiva comp etência do Poder Executivo,
devendo fazer-se mediante portaria do Ministro da Justiça”. 147 O pedido de naturalização,
assim, é instruído via procedimento administrativo, perante o Ministério da Justiça, onde é
aferido o atendimento às condições impostas por lei, iniciando-se o processo por petição do
interessado, manifestando esse sua vontade, requisito indispensável para a admissão e estudo
do pedido.148
O pedido de naturalização inicia-se perante o Departamento de Polícia federal, que ao
processar o pedido, investigará a conduta do requerente, opinará sobre a conveniência da
naturalização, certificará se o mesmo sabe ler e escrever a língua portuguesa e então
encaminhará o processo ao Departamento de Estrangeiros do Ministério da Justiça. Cabe a
este Departamento o exame do processo, com verificação da regularidade instrutória e
formular as exigências complementares que se tornem necessárias a sua convicção.
Cumpridos todos os requisitos legais, o Diretor do Departamento de Estrangeiros dá seu
parecer conclusivo e o submete ao Ministro da Justiça, seguindo-se a publicação da Portaria
Ministerial concessiva da naturalização.149
Caso algum requisito não seja cumprido pelo naturalizando, o Diretor do
Departamento de Estrangeiros determinará o arquivamento do processo, do qual caberá
pedido de reconsideração em trinta dias contados da publicação do ato, com recurso, em caso
de desatendimento, ao Ministro da Justiça.150
Por todo esse procedimento e pela própria previsão legal estatuída pelo Estatuto dos
147
GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 60.
GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 60.
149
GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 65.
150
FERRANTE, Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. p. 73.
148
59
Estrangeiros, a concessão de naturalização, tradicionalmente, vem sendo reconhecida como
ato discricionário da Administração e não como direito subjetivo do estrangeiro.
Porém, a Constituição Federal de 1988 possibilita uma nova abordagem sobre a
questão: previu a forma de naturalização extraordinária, através da qual os requisitos
necessários a sua concessão são definidos diretamente pelo texto constitucional
independentemente da existência de um juízo subjetivo ou discricionário da autoridade como
condição para a realização do ato de concessão da naturalização. Assim, a naturalização passa
a ter natureza jurídica diferenciada conforme se trate de naturalização ordinária ou
extraordinária.
Peña Moraes ensina que “a naturalização comum ou ordinária é dotada de natureza
jurídica de ato administrativo discricionário,” 151 ou seja, o agente público pode praticá-lo com
liberdade de escolha no que concerne aos motivos (oportunidade e conveniência) e ao objeto
(conteúdo).Ao reverso, a “a naturalização extraordinária é provida de natur eza jurídica de ato
administrativo vinculado, isto é, ato administrativo em que o agente público está adstrito à lei
em todos os seus elementos integrativos (competência, finalidade, forma, motivo e
objeto)”. 152 Na seqüência do capítulo serão tratadas as formas de naturalização e a natureza de
seus atos concessivos, buscando fornecer novos elementos à questão.
3.4.1.
Naturalização pela forma ordinária e a natureza do ato concessivo
A concessão da naturalização pela forma ordinária é ato discricionário do Poder
Executivo. Esta é uma questão pacífica entre os doutrinadores, pois a outorga da
nacionalidade brasileira se constitui em ato de soberania nacional. Neste sentido,
manifestaram-se Mello Filho e Martins:
A concessão da naturalização é faculdade exclusiva do Poder Executivo. A
satisfação das condições, exigências e requisitos legais não assegura ao
estrangeiro direito à naturalização. A outorga da nacionalidade brasileira
secundária a um estrangeiro constitui manifestação de soberania nacional,
sendo faculdade discricionária do Poder Executivo.153
Moraes corrobora este entendimento ao afirmar que “não existe direito público
subjetivo à obtenção da naturalização, que se configura ato de soberania estatal, sendo,
151
PEÑA MORAES, Guilherme. Nacionalidade: Lineamentos da Nacionalidade Derivada e da Naturalização
Extraordinária. p.17.
152
PEÑA MORAES, Guilherme. Nacionalidade: Lineamentos da Nacionalidade Derivada e da Naturalização
Extraordinária. p. 17.
153
MELLO FILHO, José Celso de; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários a Constituição do Brasil.
São Paulo: Saraiva, 1988. p. 558.
60
portanto, ato discricionário do Chefe do Poder Executivo”. 154
O artigo 12, II, alínea “a”, da Constituição Federal dispõe que são brasileiros
naturalizados os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, sendo exigidos aos
originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e
idoneidade moral. Não obstante o privilégio concedido aos originários de países de língua
portuguesa, para que possam adquirir a nacionalidade brasileira baseados apenas nos
requisitos previstos na Constituição Federal, não fica afastada a natureza discricionária do
Poder Executivo em conceder ou não a naturalização nestes casos. Além disso, necessário se
faz o requisito da capacidade civil, pois a aquisição da nacionalidade secundária decorre de
um ato de vontade.155 Aos demais estrangeiros não provenientes de países de língua
portuguesa são exigidos os requisitos previstos no Estatuto dos Estrangeiros (artigo 112).
O artigo 112 do Estatuto dos Estrangeiros enumera sete condições que devem ser
cumpridas pelo estrangeiro para que a ele seja concedida a naturalização brasileira, conforme
já estudado no item 2.2.1 deste trabalho. O artigo 121 do referido diploma legal assim dispõe:
“A satisfação das condições previstas nesta Lei não assegura ao estrangeiro direito à
naturalização” .
Mesmo que o estrangeiro cumpra os requisitos exigidos pela Lei, o Poder Executivo
pode negar o pedido de naturalização, baseado no que disciplina o artigo 121 do Estatuto dos
Estrangeiros, que se caracteriza no fundamento legal que confere o poder discricionário ao
Poder Executivo para deliberar sobre a conveniência e oportunidade para a concessão da
naturalização. Reforça esta tese a existência de um conceito jurídico indeterminado dentre os
requisitos previstos pelo artigo 112 do Estatuto dos Estrangeiros para a concessão da
naturalização (o bom procedimento) que também poderá conduzir à discricionariedade da
Administração.
Existe um entendimento, proveniente do Código de Nacionalidade da França, de que o
Estado ao negar o pedido de naturalização, pode fazê-lo sem motivar o ato, sob pretexto de
que se trata de ato soberano. Dolinger assim leciona:
Na França, por exemplo, o artigo 110 do Código de Nacionalidade dispõe
que “as decisões desfavoráveis em matéria de naturalização... não
especificam sua motivação”. Todas as tenta tivas efetuadas na França para
obter a intervenção dos tribunais administrativos em casos de indeferimento
foram infrutíferas, sempre sustentada e mantida a teoria da soberania do
governo nesta matéria.156
154
MORAES, Alexandre. Constituição anotada. p. 518.
MORAES, Alexandre. Constituição anotada. p. 519
156
DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado (parte geral). p. 157.
155
61
Porém, este entendimento não prospera no Direito Positivo brasileiro, em razão do
princípio da legalidade. O Estatuto do Estrangeiro dispõe, no parágrafo único do artigo 118,
que o dirigente do Órgão competente do Ministério da Justiça determinará o arquivamento do
pedido, se o naturalizando não satisfizer a qualquer requisito previsto no artigo 112, cabendo
reconsideração desse despacho; e, se o arquivamento for mantido, poderá o naturalizando
recorrer ao Ministro da Justiça, conforme já aduzido anteriormente. Sendo assim, o
naturalizando, obrigatoriamente, terá acesso ao despacho de indeferimento, para que possa
propor seu recurso. Reforça a tese o direito que possui do naturalizando de acompanhar o
processo, podendo nele intervir e juntar documentos.157
Neste sentido, há entendimento doutrinário que reputa como necessária à motivação
do ato, pelo mesmo princípio de garantia da legalidade. Este é o entendimento de Di Pietro:158
Entendemos que a motivação é, em regra, necessária, seja para os atos
vinculados, seja para os atos discricionários, pois constitui garantia de
legalidade, que tanto diz respeito ao interessado como à própria
Administração Pública; a motivação é que permite a verificação, a qualquer
momento, da legalidade do ato, até mesmo pelos demais Poderes do Estado.
Note-se que o artigo 111 da Constituição Paulista de 1989 inclui motivação
entre os princípios da Administração Pública.
Fica claro que a lei ordinária, in casu, o Estatuto dos Estrangeiros, não vincula os
elementos motivo e objeto do ato administrativo de concessão de naturalização. O agente
possui liberdade quanto à escolha da oportunidade e da conveniência em realizar o ato.
Oportunidade no sentido de que possibilita ao agente a apreciação dos motivos que levam a
edição ou não do ato. Faz-se a análise do pedido de naturalização baseado nas condições
previstas no artigo 112 do Estatuto dos Estrangeiros para ter o suporte fático da decisão, ou
seja, se é oportuno conceder a naturalização. Conveniência no sentido de verificar se a edição
do ato satisfaz ao interesse público, se é conveniente ter aquele estrangeiro como nacional do
Brasil. Moreira Neto assim define os critérios de oportunidade e conveniência.
Diz que há conveniência quando o conteúdo jurídico de um ato convém à
produção de um resultado que, em tese, está adequado ao atendimento de sua
finalidade e há oportunidade quando, considerados os pressupostos de fato
de direito, o momento da ação é adequado à produção desse resultado que,
em tese, atende sua finalidade.159
Assim, a conveniência e a oportunidade são critérios usados na formação do mérito, a
fim de atender um interesse público específico, previsto na lei.
Neste contexto, reconhecendo a discricionariedade do Poder Executivo em deferir a
157
GUIMARÃES. Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 65.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p.195-196.
159
MOREIRA NETO, Diego de Figueiredo. Constituição e revisão. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 89.
158
62
naturalização, entende-se ser possível submeter, da mesma forma que se discute a
possibilidade de se submeter os atos administrativos em geral, os atos concessivos de
naturalização, como atos que exigem motivação, para que o naturalizando possa requerer a
reconsideração do despacho denegatório, ou até mesmo recorrer, se for o caso, ao Ministro da
Justiça.
Dessa maneira, estar-se-ia respeitando o princípio fundamental da soberania (artigo 1º,
I, da Constituição de 1988), sob a ótica do Estado, mas também os princípios da dignidade da
pessoa humana (artigo 1º, III, do mesmo Diploma) e da prevalência dos direitos humanos, no
que se refere às relações internacionais (artigo 4º, II, também da Constituição de 1988),
conferindo ao cidadão estrangeiro todo o respeito por parte do Poder Público, constituindo
assim, uma abordagem soberana e democrática à questão da naturalização.
3.4.2.
Naturalização pela forma extraordinária e a natureza do ato concessivo
A naturalização extraordinária é uma forma de naturalização simplificada, pois
diferentemente da naturalização ordinária (artigo 12, II, “a” da Constituiç ão Federal), não faz
qualquer referência à legislação ordinária, estando o estrangeiro dispensado do preenchimento
das condições previstas no Estatuto dos Estrangeiros. Assim, assinala Wilba Bernardes: “esse
modo de naturalização difere da naturalização da alínea a, do item II, do artigo 12 da nossa
Constituição, pelo simples fato de que nesta, o estrangeiro está dispensado de preencher os
requisitos previstos pelo Estatuto dos Estrangeiros”. 160
O texto constitucional definidor da naturalização extraordinária tem o intuito de
facilitar a aquisição da nacionalidade brasileira àquele estrangeiro que está perfeitamente
adaptado aos hábitos e costumes de vida dos brasileiros. Conforme destaca Guimarães:
É louvável, ademais, a inovação constitucional de 1988 pela adoção da
forma simplificada, porque a desvinculação do naturalizando de suas origens
e a assimilação dos hábitos e costumes brasileiros constituem, validamente,
presunção que decorre do largo período de 15 anos de convívio afetivo e
definitiva integração com o povo brasileiro, sem condenação penal, a tornar
desnecessária a comprovação de outros requisitos.161
Esta vinculação por largo período ao território brasileiro se dá de maneira formal, ou
seja, o estrangeiro, obrigatoriamente, deverá ter obtido um visto permanente. A instrução de
160
BERNARDES, Wilba Lúcia Maia. Da nacionalidade – brasileiros natos e naturalizados. Belo Horizonte: Del
rey, 1996. p. 191.
161
GUIMARÃES. Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 52.
63
Serviço nº 3, de 17/08/1990, do Ministério da Justiça, dispõe no seu artigo 64, alínea “a”,
“que é mister que o requerente instrua o requerimento com cópia da Cédula de Identidade de
Estrangeiro Permanente, comprovando estar radicado no País há, pelo menos, trinta anos”. 162
Com a Emenda Constitucional de Revisão nº3, de 07/06/1994, o prazo exigido pela Carta
Magna foi reduzido para quinze anos. E para obter o visto permanente, o estrangeiro deverá
satisfazer algumas exigências, conforme dispõe o artigo 27 do Estatuto dos Estrangeiros:
Para obter visto permanente, o estrangeiro deverá satisfazer as exigências de
caráter especial, previstas nas normas de seleção de imigrantes, estabelecidas
pelo Conselho Nacional de Imigração (...).
No mesmo sentido, o artigo 28 do referido diploma também fixa condições para a
concessão do visto permanente, in verbis:
A concessão do visto permanente poderá ficar condicionada, por prazo não
superior a cinco anos, ao exercício de atividade certa e à fixação em região
determinada do território nacional.
A concessão de permanência definitiva a asilado ou refugiado deverá atender aos
requisitos da Resolução Normativa nº 06, de 21 de agosto de 1997, do Conselho Nacional da
Imigração.163 Da mesma forma, a concessão de permanência definitiva ao titular de visto
temporário na condição de professor, técnico ou pesquisador de alto nível, deve obedecer a
Resolução Normativa nº 01/97, também do Conselho Nacional da Imigração.164 Estes são
exemplos que servem para demonstrar que, alguém que vive por largo período no Brasil, o faz
seguindo normas previstas no Estatuto do Estrangeiro e resoluções emanadas do Conselho
Nacional da Imigração, as quais acabam por qualificá-lo como alguém integrado à sociedade
brasileira, justificando que este cidadão tenha acesso, se assim desejar, a tornar-se brasileiro
por uma via mais simplificada.
Não obstante a míngua de dispositivos legais referentes à naturalização extraordinária,
o certo é que o estrangeiro que pretendê-la deverá, na conformidade com o “modelo de
requerimento de naturalização extraordinária”, aprovado pelo artigo 2º da Portaria do nº 703
do Ministério da Justiça, de 13/06/1995, requerê-la ao Ministro da Justiça.165
162
GUIMARÃES. Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 33.
O Conselho Nacional de Imigração é órgão vinculado ao Ministério do Trabalho e integrado por
representantes dos Ministérios do Trabalho, Justiça, Relações Exteriores, Agricultura, Saúde, Desenvolvimento e
do Conselho Nacional Científico e Tecnológico. Têm as funções de orientar e coordenar as atividades de
imigração, formular objetivos para a elaboração da política imigratória e estabelecer normas de seleção de
imigrantes.
164
Informações pesquisadas em http://www.mj.gov.br.
165
PEÑA MORAES, Guilherme. Nacionalidade: Lineamentos da Nacionalidade Derivada e da Naturalização
Extraordinária. p. 27.
163
64
Assim, na peça inicial deverão constar nome, CPF, sexo, naturalidade, nacionalidade,
data de nascimento, filiação, estado civil, profissão, endereço completo e o prazo de
residência contínua e ininterrupta em território nacional. O requerimento deverá ser
instruído166 com cópia autenticada da cédula de identidade para estrangeiro permanente;
comprovante de residência atual (conta de luz, telefone, água e esgoto, pagamento de
condomínio); atestado de antecedentes criminais expedido pelo Instituto de Identificação da
Secretaria de Segurança Pública do Estado de residência; certidões dos cartórios de
distribuição de ações da comarca de residência e da Justiça federal (esta última, se houver) ,
devendo, caso tenha respondido processo, informar detalhes e anexar certidões judiciais
respectivas; apresentar declaração na qual conste todas as ausências do país desde que fixou
residência e os respectivos períodos; e comprovante de recolhimento da taxa estipulada.167
Cumpridos os requisitos da residência e a ausência de condenação penal, já tratados no
item 2.2.2 deste trabalho, e feito o requerimento conforme exige o Ministério da Justiça, o
estrangeiro passa a ter direito subjetivo à naturalização, pois a norma do artigo 12, II, alínea b,
da Constituição Federal é do tipo definidora ou concessiva de direito subjetivo,168 ficando o
Poder Público adstrito a deferi-la, na hipótese do naturalizando preencher todos os requisitos.
Este é o entendimento de Dolinger:
Na Constituição de 1988 foi criada uma nova figura de naturalização
constitucional, independente do poder discricionário do Estado. É a hipótese
de estrangeiro de qualquer nacionalidade, residente no Brasil há mais de
quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a
nacionalidade brasileira. Este estrangeiro só terá que provar sua residência
ininterrupta no Brasil, sem condenação penal, pelo período fixado e requerer
a naturalização, que lhe deverá ser concedida.169
No mesmo sentido, manifestou-se, Celso Bastos:
O efeito principal da naturalização extraordinária é dispensar o estrangeiro
dos requisitos previstos na legislação ordinária para a aquisição da
nacionalidade brasileira. É um direito que ele adquiriu mediante a satisfação
de dois requisitos: o transcurso da residência neste País por mais de quinze
anos ininterruptos e a não-incidência em condenação penal. Destes
pressupostos segue-se necessariamente o direito do estrangeiro que para
materializá-lo deverá tão somente requerer a nacionalidade brasileira.170
166
Assim dispõe a Portaria do Ministério da Justiça nº 703, de 17/06/1995, disponível em http://www.mj.gov.br.
PEÑA MORAES, Guilherme. Nacionalidade: Lineamentos da Nacionalidade Derivada e da Naturalização
Extraordinária. p. 28.
168
PEÑA MORAES, Guilherme. Nacionalidade: Lineamentos da Nacionalidade Derivada e da Naturalização
Extraordinária. p. 46.
169
DOLINGER, Jacob. Nacionalidade e direitos dos estrangeiros, in Comentários à Constituição do Brasil,
tomo II. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1991, p. 146.
170
BASTOS, Celso Ribeiro, Comentários à Constituição do Brasil, tomo II. p. 558.
167
65
Em se tratando de direito subjetivo do naturalizando, se futura legislação ordinária
exigir outros requisitos para a concessão da naturalização pela forma extraordinária, estaria
rebaixando um direito subjetivo, previsto constitucionalmente, a mera norma programática171
ensejando, neste caso, uma inconstitucionalidade.
Portanto, o ato que concede a naturalização pela forma extraordinária é ato
administrativo vinculado, ficando afastada, nesta hipótese, a discricionariedade do Poder
Executivo.
171
PEÑA MORAES, Guilherme. Nacionalidade: Lineamentos da Nacionalidade Derivada e da Naturalização
Extraordinária. p. 46-47.
66
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final do presente trabalho pôde-se compreender que o Direito Internacional dá
especial atenção às questões referentes à nacionalidade. Embora a nacionalidade seja matéria
de jurisdição doméstica dos Estados, do Direito Internacional emanam vários princípios que
regulam a nacionalidade. Assim, abstraem-se dos artigos da Declaração Universal dos
Direitos do Homem, de 1948, os princípios de que toda pessoa tem direito a uma
nacionalidade, a mudar de nacionalidade, e de que ninguém será privado arbitrariamente da
sua nacionalidade. Dos julgados da Corte Internacional de Justiça emana o princípio da
efetividade, ou seja, o cidadão para obter uma nacionalidade derivada deve ter laços de
conexão com o país no que diz respeito à residência, ou qualquer vinculação especial.
Pôde-se identificar como as formas e critérios de aquisição da nacionalidade podem
acarretar em situações não recomendadas pelas Convenções Internacionais (polipatridia e
apatridia) se as legislações dos países não forem flexibilizadas. Neste sentido, com relação à
nacionalidade originária, aos critérios ius soli e ius sanguinis são cada vez mais feitas
concessões com intuito de minimizar estes problemas, numa clara preocupação de
cumprimento dos princípios internacionais que norteiam este tema. À nacionalidade adquirida
de forma derivada, pela via da naturalização, o Direito Internacional tem demonstrado a
mesma preocupação, com o fim de garantir o direito que tem o cidadão de fazer valer sua
vontade e eleger uma nacionalidade diferente daquela que lhe acometeu por um fato natural,
qual seja, o nascimento, contribuindo para identificar também uma tendência global de maior
flexibilidade das regras para a concessão da naturalização.
A partir desta visão macro dos aspectos pertinentes à nacionalidade, passou-se a
estudar o assunto em consonância com a legislação brasileira. Para o melhor entendimento do
problema em estudo, foi importante buscar nas origens da legislação brasileira, como se
formou e que contornos ganhou a nacionalidade no Brasil, buscando apoio nas constituições
brasileiras e leis ordinárias que regularam o tema. Vale ressaltar que, historicamente, o Brasil
viveu uma variação de regimes de governo, alternando entre regimes democráticos e regimes
autoritários, porém, a legislação, no que se refere à nacionalidade, seguiu a mesma linha, não
se contaminando pelo excessivo nacionalismo de determinadas épocas.
A aquisição da nacionalidade originária não trás em seu bojo questões polêmicas, até
por sua própria natureza, pois se dá através de um fato natural, o nascimento. Causa alguma
67
discussão a hipótese que trata dos nascidos no estrangeiro, que sejam filhos de pai ou mãe
brasileira e que venham a residir no Brasil e façam a opção, a qualquer tempo pela
nacionalidade brasileira. Esta hipótese faz com que até a opção, o brasileiro não possa invocar
essa condição para fazer valer alguns direitos, fato incomum e que mereceria um melhor
esclarecimento, seja pela própria norma constitucional ou por lei ordinária que venha a
regulamentar objetivamente a situação do brasileiro em condição suspensiva.
O problema central discutido no trabalho se refere à aquisição da nacionalidade pela
forma derivada, obtida através da naturalização, conforme dispõe a Constituição de 1988 no
artigo 12, II. A aquisição da nacionalidade através da naturalização pode ocorrer
ordinariamente ou extraordinariamente.
Na aquisição da nacionalidade realizada pela naturalização ordinária, a Constituição
remete à lei ordinária, in casu, o Estatuto dos Estrangeiros, que define os critérios que devem
ser cumpridos pelo estrangeiro para que seja admitido como brasileiro. A referida legislação
prevê para o Poder Executivo a discricionariedade na análise da concessão da naturalização.
A discricionariedade transparece pela previsão legal. O artigo 121 do Estatuto dos
Estrangeiros dispõe que, mesmo cumpridos os requisitos previstos na lei, não assegura ao
estrangeiro o direito à naturalização. Ao analisar a questão, deve-se ter em mente que o
Estatuto do Estrangeiro foi sancionado sob a égide de um regime de governo autoritário, que
possuía como característica o nacionalismo, e que o foco da legislação para estrangeiros era a
segurança nacional. Assim, o ato de concessão de naturalização era mais do que um ato
soberano, pois servia para que o Estado não permitisse que dentre os nacionais fosse admitido
alguém que pudesse perturbar a ordem. Além disso, dentre os requisitos exigidos pela lei para
a concessão da naturalização, existe um conceito jurídico indeterminado (o bom
Procedimento), que através da interpretação pode-se tornar determinado. Porém,
invariavelmente,
conceitos
jurídicos
indeterminados
concedem
uma
margem
de
discricionariedade à Administração, caracterizando, dessa forma, pelos motivos acima
expostos, a natureza jurídica do ato de concessão da naturalização pela forma ordinária, como
ato administrativo discricionário.
Após a Constituição de 1988, a previsão da naturalização extraordinária trouxe um
novo enfoque à questão. A Constituição de 1967 previa duas formas de naturalização
extraordinária, mas tinham abrangência limitada: para os nascidos no exterior viessem a
residir no Brasil até os cinco primeiros anos de vida e aqui se radicassem definitivamente e
para os que viessem residir no Brasil antes da maioridade e aqui fizessem curso de nível
superior. A Constituição de 1988 inovou, prevendo uma naturalização genérica, exigindo
68
apenas dois requisitos (ausência de condenação penal e residência por quinze anos
ininterruptos), que cumpridos ensejam o direito à naturalização. Segundo a doutrina, o ato de
concessão de naturalização extraordinária tem natureza jurídica de ato administrativo
vinculado, pois a norma constitucional que o estabelece vincula todos os elementos
constitutivos do ato administrativo, não dando margem a que o Poder Executivo, titular da
concessão do ato, utilize-se da discricionariedade para fazer juízo de conveniência e
oportunidade.
Outra questão relevante abordada neste trabalho diz respeito à necessidade ou não de
motivação do ato de concessão da naturalização. Não obstante a existência de entendimentos
contrários à necessidade de motivação, pelo simples fato de o ato concessivo de naturalização
ser ato soberano do Estado, o entendimento doutrinário majoritário dá ênfase à necessidade de
motivação, pela garantia da legalidade, pois através da motivação poderá se auferir a qualquer
momento se o ato praticado foi legal.
Além disso, um país que vive sob um Estado
Democrático de Direito não pode se furtar a cumprir princípios emanados de sua própria
constituição. Assim, sendo o ato administrativo concessivo da naturalização motivado, seja
discricionário ou vinculado, atenderá aos princípios da dignidade da pessoa humana e da
prevalência dos direitos humanos, pois transmitirá ao naturalizando uma situação de respeito à
sua condição. E não deixará de ser soberano, pois, afinal, quem decide quais os critérios
exigidos para a concessão da naturalização são os Poderes Constituídos.
Dentro deste contexto, o Ministério da Justiça criou uma comissão interministerial,
cuja primeira reunião se deu em 17 de setembro de 2004, que será responsável pela
elaboração do novo Estatuto dos Estrangeiros. Diferentemente da conjuntura e do modelo
com que foi sancionada a lei 6.815/80 – a atual legislação dos estrangeiros, o novo estatuto
vem sendo discutido à luz do princípio do Estado Democrático de Direito. Segundo
informações disponibilizadas pelo Ministério da Justiça, o novo estatuto será amplamente
discutido com a sociedade antes de ser encaminhado para a votação no Congresso Nacional e
trará mudanças na essência da Lei. No atual Estatuto, o tratamento dado ao estrangeiro está
mais voltado para o ponto de vista da segurança nacional e no novo estatuto o enfoque
pretende ser o do tratamento mais digno aos estrangeiros, ou seja, a lei estará caminhando ao
encontro da garantia dos direitos humanos.
Faz mister salientar que o novo estatuto deverá prever normas que garantam a
segurança nacional. Não adotando restrições à entrada e permanência de estrangeiros no
Brasil, mas com critérios ágeis e claros para deportação de estrangeiros que cometeram crime
no Brasil, ou julgando-os aqui mesmo, conforme o caso. A segurança nacional deve ser feita
69
com a adoção de tecnologia e serviços de inteligência e não através de atos discricionários
contra o imigrante.
A atualização que se pretende fazer na legislação ordinária deverá trazer avanços
significativos no diz respeito à integração do estrangeiro ao nosso país. Isto se constitui fato
importante, na medida em que os governos estão empenhados numa maior integração política,
econômica, social e cultural entre os povos da América Latina, e esse objetivo, para ser
colocado em prática, necessitará de legislações flexíveis, focadas mais nos princípios de
cidadania e dignidade da pessoa humana. É importante que se tenha um Estatuto dos
Estrangeiros que esteja em maior sintonia com os princípios que norteiam a Constituição do
Brasil.
70
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74
ANEXOS
75
ANEXO I – DOCUMENTO DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA.
Governo criará modalidades de visto em novo Estatuto do Estrangeiro172
Brasília, 17/09/04 (MJ) – A nova Lei de Imigração brasileira ampliará as modalidades de
vistos concedidos a estrangeiros em trânsito ou residentes no País. Esta é uma das propostas
da comissão interministerial responsável pela elaboração do novo Estatuto do Estrangeiro,
cuja primeira reunião ocorreu nesta sexta-feira (17) na sede do Ministério da Justiça, órgão
encarregado da coordenar os trabalhos do grupo.
Diferentemente da conjuntura e do modelo com que foi sancionada a Lei 6.815/80 – a atual
legislação dos estrangeiros – o novo estatuto será amplamente discutido com a sociedade, por
meio de consulta pública, antes de ser encaminhado para votação no Congresso Nacional, o
que está previsto para até o final deste ano. "A essência da lei também mudará", adianta o
secretário-executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Barreto, presidente da comissão
interministerial. "Desta vez, a imigração será vista sob a ótica dos direitos humanos e do
tratamento ainda mais digno aos estrangeiros e não mais do ponto de vista da segurança
nacional", explica Barreto, referindo-se à argumentação que justificou a Lei 6.815, sancionada
durante o regime militar.
Uma das propostas em análise é a criação de novos tipos de vistos – além das atuais sete
modalidades (entre turismo, trabalho e residência) – para a admissão de categorias, como
consultores técnicos, cientistas, professores, investidores, empresários, voluntários de
Organizações Não-Governamentais, aposentados, estudantes, assistentes técnicos, tripulantes
marítimos, prestadores de serviço. Casos como esses são, atualmente, avaliados e atendidos
por resoluções do Conselho Nacional de Imigração, que dispõe sobre as mais variadas
hipóteses de acolhimento de imigrantes.
Outro objetivo do novo Estatuto é resguardar os direitos civis e fundamentais do imigrante
previstos na Constituição de 1988; assegurar tratamento diferenciado aos imigrantes sulamericanos, buscando a integração econômica, política, social e cultural dos povos da
América Latina, e facilitar a emissão de vistos e documentos (inclusive barateando custos).
"Somos uma nação formada por diversas nacionalidades, produto de várias correntes
imigratórias e temos de reconhecer, na lei, essa característica. Por isso, é preciso, sempre,
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Documento disponível em http://www.mj.gov.br.
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receber e tratar bem os estrangeiros que escolheram o Brasil para visitar, trabalhar ou morar,"
defende Luiz Paulo Barreto.
SEGURANÇA – O novo Estatuto também prevê critérios mais claros e ágeis para a
deportação ou expulsão de estrangeiros que cometerem crime no Brasil, especialmente
integrantes de máfias. Como forma de garantir a segurança nacional, a proposta é que o País
adote equipamentos ainda modernos de identificação de imigrantes nos aeroportos.
Na avaliação do secretário-executivo do Ministério da Justiça, a prevenção de delitos ou o
combate ao terrorismo não acontecem com a adoção de restrições à entrada e permanência de
estrangeiros, mas com tecnologia e serviços de inteligência. "O Brasil tem tradição histórica
de não tratar a questão imigratória sob o ponto de vista xenófobo. Temos de acolher o
imigrante da melhor forma, sem qualquer discriminação, permitindo que ele tenha garantido
todas as possibilidades para uma perfeita integração", completa Barreto.
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a discricionariedade do poder executivo na concessão da