UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA SETOR DE MONOGRAFIA A DISCRICIONARIEDADE DO PODER EXECUTIVO NA CONCESSÃO DA NATURALIZAÇÃO Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí ACADÊMICO: PAULO HENRIQUE DOS SANTOS São José (SC), maio de 2005. UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA SETOR DE MONOGRAFIA A DISCRICIONARIEDADE DO PODER EXECUTIVO NA CONCESSÃO DA NATURALIZAÇÃO Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob orientação do Professor MSc. Luiz Magno Pinto Bastos Júnior. ACADÊMICO: PAULO HENRIQUE DOS SANTOS São José (SC), maio de 2005. 1 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA SETOR DE MONOGRAFIA A DISCRICIONARIEDADE DO PODER EXECUTIVO NA CONCESSÃO DA NATURALIZAÇÃO PAULO HENRIQUE DOS SANTOS A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. São José, 16 de junho de 2005. Banca Examinadora: _______________________________________________________ Prof º. MSc. Luiz Magno Pinto Bastos Júnior - Orientador _______________________________________________________ Prof. «título, se houver» «Nome» - Membro _______________________________________________________ Prof. «título, se houver» «Nome» - Membro 2 Enfim, acabou... Foi uma luta, de muitos obstáculos, E se aqui cheguei, Foi porque não estive só. Comecei esta caminhada e apoio recebi, Pensei em desistir, Mas lá estavas, firme e forte, ao meu lado, a dizer, Continue... Mãe presente e carinhosa, Esposa amável e dedicada, Alma gêmea, companheira para todas as horas, Josi, a ti dedico esta vitória! 3 AGRADECIMENTOS A Deus, que meu caminho iluminou, que saúde me proporcionou, pela paz de espírito que tive para superar todos os obstáculos. À minha mãe Claudete, pelo seu exemplo de vida, pelo carinho e atenção em todas as horas, pelo seu imenso amor, por todo o apoio, sem o qual o sonho não seria realizado. A meu pai Mário, homem íntegro e honesto, profissional exemplar, no qual me espelhei, referência para toda vida, pela formação que me proporcionou. A meus filhos Arthur e Gustavo, sentidos da minha vida, pela compreensão ante minha ausência, pelos momentos felizes, pelos sorrisos que tanta força me deram. A todos os familiares e amigos, que de forma indireta, contribuíram para que eu chegasse até aqui. A meu orientador Professor Luiz Magno, parceiro neste trabalho, pela dedicação e contribuição a essa pesquisa. À minha esposa Josiane, a quem dedico este momento. 4 “... os que madrugam no lêr, convem madrugar tambem no pensar. Vulgar é o lêr, raro o reflectir. O saber não está na sciencia alheia, que se absorve, mas, principalmente, nas idéas proprias, que se geram dos conhecimentos absorvidos, mediante a transmutação, por que passam, no espírito que os assimila. Um sabedor não é armário de sabedoria armazenada, mas transformador reflexivo de acquisições digeridas”. Ruy Barbosa 5 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 10 1. NACIONALIDADE: RELAÇÃO COM OS DIREITOS DE CIDADANIA, CRITÉRIOS DE AQUISIÇÃO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO BRASIL.................. 12 1.1. A RELAÇÃO ENTRE OS DIREITOS DE CIDADANIA E NACIONALIDADE. ...12 1.2. FORMAS E CRITÉRIOS DE AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE .....................18 1.3. POLIPATRIA E APATRIDIA.................................................................................. 21 1.4. HISTÓRICO NACIONAL .......................................................................................23 2. AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE BRASILEIRA............................................... 33 2.1. NACIONALIDADE ORIGINÁRIA: BRASILEIRO NATO.....................................33 2.2. NACIONALIDADE DERIVADA: O BRASILEIRO NATURALIZADO ................36 2.2.1. A Naturalização Ordinária................................................................................. 36 2.2.2. A Naturalização Extraordinária. ........................................................................ 41 2.3. PERDA DA NACIONALIDADE ............................................................................. 43 2.4. PRERROGATIVA DOS NACIONAIS.....................................................................46 2.4.1. Distinção entre Brasileiros e Estrangeiros .........................................................47 2.4.2. Distinção entre Brasileiros Natos e Naturalizados ............................................. 48 3. CONCESSÃO DE NATURALIZAÇÃO: ATO DISCRICIONÁRIO OU ATO VINCULADO DO PODER EXECUTIVO .......................................................................50 3.1. ATO ADMINISTRATIVO: CONCEITO ................................................................. 50 3.2. ELEMENTOS DO ATO ADMINISTRATIVO ........................................................ 50 3.3. O ATO ADMINSTRATIVO DISCRICIONÁRIO E O ATO ADMINISTRATIVO VINCULADO: CARACTERIZAÇÃO E CONTRAPOSIÇÃO ........................................ 52 3.3.1. O Mérito do Ato Administrativo Discricionário ................................................54 3.3.2. Discricionariedade Administrativa e Interpretação da Norma Jurídica............... 56 3.3.3. Os atos de Governo........................................................................................... 57 3.4. A CONCESSÃO DA NATURALIZAÇÃO E O ÂMBITO DA AUTONOMIA DO PODER EXECUTIVO .....................................................................................................59 3.4.1. Naturalização pela forma ordinária e a natureza do ato concessivo .................... 60 3.4.2. Naturalização pela forma extraordinária e a natureza do ato concessivo ............63 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 67 6 REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 71 ANEXOS............................................................................................................................. 75 ANEXO I – DOCUMENTO DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. ...................................... 76 7 RESUMO A nacionalidade é um tema de jurisdição interna dos Estados, porém, segue alguns princípios emanados do Direito Internacional. Dentre estes princípios, cabe destacar aquele que dispõe que “ninguém poderá ser privado de sua nacionalidade e a ninguém será negado o direito de trocar de nacionalidade”. A troca de nacionalidade se dá pela naturalização. No Brasil, há duas formas de naturalização previstas constitucionalmente: a ordinária e a extraordinária. A ordinária requer que o estrangeiro cumpra diversos requisitos previstos na Lei 6815/80 (Estatuto dos Estrangeiros) para que o Estado possa conceder-lhe a naturalização. Esta mesma lei prevê que, mesmo satisfazendo os requisitos, o estrangeiro não tem garantido o direito à naturalização, caracterizando a discricionariedade do ato de concessão. A forma extraordinária ou simplificada exige do estrangeiro apenas a residência no Brasil por quinze anos ininterruptos e a ausência de condenação penal. Cumpridos ambos os requisitos, o estrangeiro faz o requerimento, que vincula o Poder Executivo a conceder-lhe a naturalização. É uma inovação constitucional que muda o enfoque segundo o qual a naturalização está necessariamente relacionada à discricionariedade do Poder Executivo. A partir de 1988, passa-se a ter naturezas jurídicas diferentes para cada tipo de concessão de naturalização. Para naturalização ordinária, a natureza jurídica é de ato discricionário. Para a extraordinária, a natureza jurídica é de ato vinculado. Não obstante esta distinção e sem deixar de considerar que a naturalização seja ato soberano, deve o Poder Executivo sempre motivar o ato que nega o pedido de naturalização, a fim de, se for o caso, sujeita-lo ao controle judicial quando desviar-se da finalidade pública. Dessa forma, estar-se-á aproximando o tratamento dispensado ao estrangeiro do princípio da prevalência dos direitos humanos. 8 ABSTRACT The nationality is a subject of internal jurisdiction of the States, however, it follows some emanated principles of the International law. Amongst these principles, it fits to detach that one that makes use that "nobody could be private of its nationality and nobody will be denied the right to change of nationality". The nationality exchange if gives for the naturalization. In Brazil, it has two foreseen forms of naturalization constitutionally: the food allowance and the extraordinary one. The food allowance requires that the foreigner fulfills diverse requirements foreseen in Law 6815/80 (Statute of the Foreigners) so that the State can grant to it naturalization to it. This same law foresees that, exactly satisfying the requirements, the foreigner has not guaranteed the right to the naturalization, characterizing the discricionariedade of the concession act. The extraordinary or simplified form demands of the foreigner only the residence in Brazil per fifteen years uninterrupted and the absence of criminal conviction. Fulfilled to both the requirements, the foreigner makes the petition, that ties the Executive to grant to it naturalization to it. It is a constitutional innovation that dumb the approach according to which the naturalization necessarily is related to the discricionariedade of the Executive. From 1988, is transferred to have it different legal natures for each type of concession of naturalization. For usual naturalization, the legal nature is of discretional act. For the extraordinary one, the legal nature is of entailed act. Nevertheless this distinction and without leaving to consider that the naturalization is sovereign act, must the Executive always motivate the act that denies the naturalization order, in order, will be the case, subjects it it the judicial control when to turn aside itself from the public purpose. Of this form, one will be approaching the treatment excused to the foreigner of the principle of the prevalence of the human rights. 9 INTRODUÇÃO A concessão da naturalização é um tema relevante que tem ganhado maior proeminência em face do atual estágio em que se encontra o desenvolvimento das sociedades. Atualmente, o mundo caminha para uma integração econômica cada vez maior e, como corolário, para uma maior integração social e cultural dos povos. Nesse sentido, acaba por existir um fluxo de pessoas de um país ao outro cada vez maior, seja para trabalho, estudo ou turismo, resultando em muitos casos, uma boa oportunidade profissional ou na criação de laços afetivos que levam a uma perfeita adaptação à nova sociedade e na conseqüente permanência no país em que o estrangeiro foi acolhido. Neste contexto, pode ocorrer uma necessidade de os indivíduos se tornarem nacionais dos países que os recepcionam, para fins de participar ativamente das decisões importantes que têm reflexos na sociedade como um todo e para ter ampliado sua gama de direitos civis, em face da diferenciação existente entre os direitos dos nacionais e os direitos dos estrangeiros. Este trabalho se insere na problemática da existência ou não do poder discricionário para a concessão de naturalização e se, em face do reconhecimento da soberania nacional, é possível falar na existência de direito público subjetivo dos estrangeiros que preencham os requisitos previstos no ordenamento jurídico nacional para a aquisição da nacionalidade brasileira. A hipótese levantada para o desenvolvimento do trabalho consiste em verificar que a partir da Constituição de 1988 passa-se a ter naturezas jurídicas diferentes para cada tipo de naturalização. Para a naturalização ordinária, a natureza jurídica é de ato discricionário. Para a extraordinária, a natureza jurídica é de ato vinculado. Portanto, há que se separar o estudo da naturalização sob dois enfoques: em primeiro lugar, cabe estudar a naturalização ordinária, que é prevista constitucionalmente, mas que a própria Carta Maior remete à legislação ordinária a previsão dos requisitos necessários para que se efetive o ato. O segundo enfoque diz respeito à análise da naturalização pela via extraordinária, prevista exclusivamente na Constituição, também conhecida como naturalização simplificada, pelo fato de ser concedida pelo simples cumprimento dos requisitos constitucionais, isentando o requerente do cumprimento das condições previstas no Estatuto dos Estrangeiros. Dessa forma, construiu-se a hipótese do trabalho nos termos de analisar todo os 10 requisitos, com o intuito de dar-lhe um sentido menos voltado aos aspectos da segurança nacional e mais próximo dos princípios fundamentais da cidadania e da dignidade humana. Consiste em objetivo geral do trabalho verificar se, cumpridos os requisitos previstos em lei, a concessão da naturalização é ato discricionário do Poder Executivo ou direito subjetivo dos estrangeiros. Para tanto, procurou-se fazer uma pesquisa que envolveu basicamente três áreas do direito. No primeiro capítulo, buscou-se no Direito Internacional, os princípios norteadores da nacionalidade, previstos em Convenções da ONU, na Declaração Universal dos Direitos do Homem e em outros diplomas internacionais, que procuram direcionar os Estados ratificadores desses tratados a legislar a matéria com respeito aos direitos humanos e buscando minimizar os conflitos existentes entre as diversas legislações. Ainda neste primeiro capítulo, desenvolveu-se um estudo dos conceitos de nacionalidade e cidadania, procurando diferenciá-los, para então proceder à análise das formas e critérios de aquisição da nacionalidade. Na parte final do capítulo, foram resgatadas as Constituições brasileiras e leis infraconstitucionais para fazer um estudo da evolução da legislação que trata da nacionalidade no Brasil e sua contextualização com os diversos movimentos políticos e sociais por que passou o Brasil neste período. O Direito Constitucional foi a segunda área de pesquisa. No segundo capítulo procedeu-se ao estudo das formas de aquisição da nacionalidade (originária e derivada). Em primeiro lugar, a nacionalidade originária, analisando o dispositivo constitucional que a regula em consonância com o que apregoa a doutrina nacional. E, posteriormente, a nacionalidade derivada, procedendo ao estudo das duas espécies existentes, quais sejam, a naturalização ordinária e a extraordinária, previstas constitucionalmente, sendo analisados criteriosamente todos os requisitos exigidos pela lei para sua concessão. Ainda neste capítulo, foi pesquisado sobre a perda da nacionalidade e as prerrogativas dos nacionais como complemento ao desenvolvimento do tema. A partir dos fundamentos construídos, no terceiro capítulo, podê-se, após analisar as lições doutrinárias sobre atos administrativos e sobre os poderes discricionário e vinculado, enfrentar a questão específica do presente trabalho. Procedeu-se a análise dos atos concessivos de naturalização pelas formas ordinária e extraordinária, definindo, com base na lei e apoio doutrinário, qual a natureza jurídica desses atos. E constatou-se a importância e a necessidade de motivá-los, para que o ato esteja em consonância com os princípios emanados da Constituição Federal. 11 1. NACIONALIDADE: RELAÇÃO COM OS DIREITOS DE CIDADANIA, CRITÉRIOS DE AQUISIÇÃO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA NO BRASIL Neste primeiro capítulo, procurou-se dar ênfase a definição de nacionalidade e sua evolução histórica no Brasil. Em primeiro lugar, foi feita a distinção dos conceitos de nacionalidade e cidadania, que não obstante terem sido historicamente utilizados como sinônimos, apresentam traços distintos que possibilitam seu estudo sob diferentes enfoques. Na seqüência, foram apresentados os critérios usualmente utilizados pelos países para a aquisição da nacionalidade, para em seguida tratar das conseqüências que podem acarretar para os cidadãos a aplicação desses critérios. No desenvolvimento deste capítulo, foram trazidos para o trabalho vários princípios relacionados à nacionalidade, com o objetivo de posicionar o tema perante o Direito Internacional, pois embora a nacionalidade seja tema de jurisdição interna dos Estados, alguns princípios internacionais a norteiam. Por fim, fez-se um apanhado histórico da nacionalidade no Brasil, demonstrando a evolução do tema nas Constituições brasileiras, bem como na legislação infraconstitucional. 1.1. A RELAÇÃO ENTRE OS DIREITOS DE CIDADANIA E NACIONALIDADE. Nacionalidade e cidadania são dois atributos dos cidadãos que caminham muito próximos, a ponto de gerar uma certa confusão entre ambos. Esta confusão se deve muito pela falta de cuidado dos legisladores que, historicamente, utilizavam um vocábulo pelo outro no ordenamento jurídico que formulavam para determinado Estado1. Há uma tendência em relacionar cidadania a direitos políticos. Segundo Dolinger “a confusão entre nacionalidade e cidadania parece advir dos norte-americanos, conforme acentuado por vários autores2”. A emenda XIV à Constituição americana proclama que: “todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas à sua jurisdição são cidadãos dos Estados Unidos (...)”. O vocábulo cidadão neste caso é utilizado com o sentido de nacional, gerando confusão. Porém, para se entender a relação entre direitos de nacionalidade e de cidadania, devese recorrer à evolução histórica e aos fundamentos político-jurídicos da cidadania. Conforme 1 2 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado (parte geral). 4ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p. 139. DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado (parte geral). p. 138. 12 entendimento de Dal Ri3, a cidadania tem como seu marco mais longínquo a “virtude cívica”, uma concepção utilizada em Atenas, pelo qual eram considerados cidadãos todos os homens livres que pertenciam ao grupo dos que contribuíam ativamente à organização da comunidade. À época, a condição de cidadão não se originava do reconhecimento de um status pessoal, mas se fundamentava numa antiguíssima tradição ateniense, pela qual eram cidadãos os homens livres, adultos, aptos a defender os interesses da pólis. Esta concepção excluía automaticamente do status de cidadão, as mulheres, os escravos e os metecos (estrangeiros que viviam em Atenas para fins de comércio). Possuíam direitos civis, mas nenhum direito político. Observa-se, já em atenas, uma vinculação do conceito de cidadania com o de direitos políticos. E outra constatação que se pode fazer é a da inexistência de vinculação entre cidadania e território. O cidadão não é cidadão por morar em um certo lugar, porque também os metecos e os escravos têm comum domicílio. A cidadania não era definida pelo critério do ius soli. A lei dividia os habitantes da cidade em classes. E só era considerado cidadão, o indivíduo pertencente à classe dos cidadãos por laços de sangue, estabelecendo o ius sanguinis4 como critério para definição de cidadania. Coube ao direito romano evoluir tal conceito. 5 Sob influência da cultura grega, o direito romano clássico previa que quem pertencesse a um determinado clã romano teria o status de cidadão, prevalecendo o critério do ius sanguinis para aquisição da cidadania. O ius soli era utilizado subsidiariamente e em raras ocasiões. Com a expansão da República Romana, transformada em Império, os jurisconsultos se viram forçados a modificar os critérios de aquisição de cidadania, abrangendo, gradualmente, os indivíduos originários de territórios ocupados por Roma. Dal Ri discorre que os cidadãos de algumas comunidades incorporadas receberam a cidadania plena enquanto outros, uma espécie de semi-cidadania, que garantia direitos mínimos. A partir daí grandes juristas da época, como Caio Graco e Marco Lívio propuseram projetos de lei com intuito de estender a cidadania plena a todos os latinos e itálicos, inclusive o direito a voto. Este fato desencadeou violenta reação da velha aristocracia, a ponto de gerar um conflito social (bellum sociale), que só teve fim com as concessões políticas feitas pela aristocracia, estendendo a condição de cidadão a todos os moradores das comunidades da península itálica. A partir do momento em que Roma se 3 DAL RI JÚNIOR, Arno. Evolução histórica e fundamentos políticos-jurídicos da cidadania. In: DAL RI JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais, regionais, globais. Ijuí: Ed. Unijuí, 2002. p. 25-26. 4 Jus soli e jus sanguinis são diferentes critérios utilizados para aquisição da nacionalidade, que serão especificamente estudados no item 1.2 do presente capítulo. 5 DAL RI JÚNIOR, Arno. Evolução histórica e fundamentos políticos-jurídicos da cidadania. In: DAL JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais, regionais, globais. p. 29. 13 transforma em Império, começa a haver uma espécie de esvaziamento do conceito de cidadania. Isto aconteceu devido ao fato de que, através de previsão de lei, concedeu-se o título de cidadão a todos os indivíduos residentes nos diversos territórios anexados pelo Império, fato que levou a uma vulgarização do conceito e propiciou um processo de deteriorização do valor contido no âmago da própria “ civitas” romana. O cidadão é reduzido a súdito já na época dos primeiros fluxos dos bárbaros em direção à península itálica6. A evolução da cidadania na Idade Média tem uma primeira fase no período feudal. Com o nascimento da república Christiana (multiplicidade de Estados estreitamente ligados entre si por uma só religião, o cristianismo, e por um só elemento de coesão política, a Igreja) e a instituição do vínculo de vassalagem, criaram-se as condições para reduzir o cidadão romano em súdito medieval, continuando uma tendência já verificada no final do Império Romano. Ocorre uma grande restrição de direitos e o completo desaparecimento de certas atribuições exclusivas da cidadania romana: exercício de direitos, posse de capacidade jurídica, honra e cargos.7 Através do trabalho do filósofo francês Jean Bodin, entra-se numa segunda fase e torna-se possível reconstruir a concepção de cidadania. Segundo Dal Ri Júnior: Jean Bodin lança as bases para a afirmação de um poder absoluto, perpétuo, incondicionado e, sobretudo, unitário do soberano sobre os súditos. O instituto da cidadania assume um lugar primordial nesse processo de constituição da idéia de soberania estatal. Resgatando alguns elementos do antigo conceito romano e modificando a sujeição de origem feudal, o autor utiliza a cidadania como instrumento de valorização do poder absoluto do rei e da intangibilidade da soberania8. Ainda nesta concepção: “O Estado seria uma entidade pa ra governar, com justiça, diversas famílias, exercendo sobre as mesmas o seu poder soberano”. 9 Destarte, o cidadão passa a ser considerado um súdito livre, possui um status jurídico particular, que o possibilita manter relações com o soberano. Neste contexto, o cidadão possui direitos que coexistem com as idéias absolutistas de intervenção do soberano, pois a pretensão de Bodin, ao criar a teoria 6 DAL RI JÚNIOR, Arno. Evolução histórica e fundamentos políticos-jurídicos da cidadania. In: DAL RI JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais, regionais, globais. p. 34-36. 7 DAL RI JÚNIOR, Arno. Evolução histórica e fundamentos políticos-jurídicos da cidadania. In: DAL RI JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais, regionais, globais. p. 42. 8 DAL RI JÚNIOR, Arno. Evolução histórica e fundamentos políticos-jurídicos da cidadania. In: DAL RI JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais, regionais, globais. p. 43. 9 DAL RI JÚNIOR, Arno. Evolução histórica e fundamentos políticos-jurídicos da cidadania. In: DAL RI JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais, regionais, globais. p. 44. 14 sobre a cidadania, estava ligada à necessidade de instituir uma noção de Poder Público que viesse a dar suporte ao Estado absoluto, não se preocupando que esse instituto sirva como elemento de unificação ou integração política e social. Coube aos seus sucessores desenvolver esta transição.10 Através da obra dos grandes iluministas, há um resgate da cidadania clássica, voltada aos ideais da cidadania grega, fundamentada na participação política, fruto da “virtude cívica”. Segundo Dal Ri: (...) os iluministas partem para a construção de uma cidadania eminentemente política e fortemente marcada por um caráter abstrato(...) Pelos escritos de Rosseau, é possível observar o caráter abstrato da cidadania iluminista, que impedia sua determinação pelo local de nascimento ou condição do indivíduo.11 A tese que prosperava era a de que só poderia existir a igualdade entre os homens se o cidadão fosse autônomo e independente. Se por um lado, o trabalho dos filósofos iluministas resgatou o conceito clássico de cidadania e elaborou uma doutrina baseada na virtude política, de onde nasceria uma cidadania militante, a utilização desta elaboração nas intervenções políticas da Revolução Francesa desencadeou um processo que corroeu quase completamente com o conteúdo do conceito.12 Em meio às lutas políticas que marcaram a Revolução Francesa, venceu o projeto de constituição apresentado por Robespierre, pelo qual, reinventou uma divisão entre quem poderia e quem não poderia ser cidadão. Era cidadão aquele virtuoso, incorruptível e bom patriota que estava engajado em defender os interesses da pátria. Quem se afastou desses princípios foi excluído.13 O conceito de cidadania apresentado na Constituição Francesa de 1795 é extremamente limitado. É considerado cidadão quem, não sendo estrangeiro e tendo sido registrado como cidadão, paga os impostos para a manutenção do Estado. A cidadania deixa de ter aquele enfoque clássico, resgatado pelos iluministas, de estar vinculada a direitos 10 DAL RI JÚNIOR, Arno. Evolução histórica e fundamentos políticos-jurídicos da cidadania. In: DAL RI JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais, regionais, globais. p. 52-53. 11 DAL RI JÚNIOR, Arno. Evolução histórica e fundamentos políticos-jurídicos da cidadania. In: DAL RI JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais, regionais, globais. p. 62. 12 DAL RI JÚNIOR, Arno. Evolução histórica e fundamentos políticos-jurídicos da cidadania. In: DAL RI JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais, regionais, globais. p. 70. 13 DAL RI JÚNIOR, Arno. Evolução histórica e fundamentos políticos-jurídicos da cidadania. In: DAL RI JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais, regionais, globais. p. 71. 15 políticos e a participação efetiva nas decisões políticas e passa a se confundir inteiramente com o conceito de nacionalidade.14 A Constituição Francesa de 1799 e o Código Civil de 1804 (o Code de Napoléon) enterraram definitivamente o conceito clássico de cidadania. A Constituição estabelecia que passavam a ser cidadãos os que nasciam no território francês e os estrangeiros que lá residiam por mais de dez anos. Os direitos políticos eram limitados pela Constituição e o Code de 1804 neutralizava o conteúdo político da cidadania, associando-a à nacionalidade. Como o Code de Napoléon influenciou a maioria dos sistemas jurídicos europeus, a cidadania ficou aprisionada durante todo o século XIX e por parte do século XX ao conceito de nacionalidade15. Diante da perspectiva histórica ora abordada, é plausível admitir, em que pese a proximidade, que nacionalidade e cidadania não são a mesma coisa. Em seu significado moderno “a c onstituição da cidadania e a construção da nacionalidade não são processos antagônicos nem contraditórios. Pelo contrário, são processos sociais que podem ser complementares, pois a cidadania se processa no marco da construção da nacionalidade. ” 16 Analisando o processo de construção das nações modernas, embora o mesmo não se tenha processado simultaneamente nas diversas partes do mundo e possua especificidades em relação a cada país, ela procura instaurar nos diversos países formas universalizadas com intuito de estabelecer um mesmo código de relações sociais. Trata-se de unificar processos econômicos, línguas, costumes e desfazer as fronteiras do diverso, sem que isto implique fazer o mesmo com as fronteiras da desigualdade. É, pois, um processo complexo que envolve a totalidade das dimensões que constituem a vida na moderna sociedade: a unidade política, a homogeneização cultural e a regularização de um espaço econômico.17 Dessa forma, “os processos de formação da nacionalidade visam o estabelecimento de uma legislação sobre dois aspectos essenciais para o capitalismo contemporâneo: o controle político de um território – de um espaço econômico, e o controle político de uma população unida e relacionada pelo atributo comum de possuir a mesma nacionalidade”. 18 Este é o entendimento de Ruben: 14 DAL RI JÚNIOR, Arno. Evolução histórica e fundamentos políticos-jurídicos da cidadania. In: DAL RI JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais, regionais, globais. p. 73. 15 DAL RI JÚNIOR, Arno. Evolução histórica e fundamentos políticos-jurídicos da cidadania. In: DAL RI JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais, regionais, globais. p. 75-77. 16 RUBEN, Guilhermo Raúl. O que é nacionalidade. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1984. p. 67. 17 RUBEN, Guilhermo Raúl. O que é nacionalidade. p. 40 - 41. 18 RUBEN, Guilhermo Raúl. O que é nacionalidade. p. 30. 16 (...) nacionalidade e cidadania não são a mesma coisa. A diferença entre esses conceitos é sutil, mas importante. Ela se acha, fundamentalmente, no caráter liberal da segunda, que dá ênfase ao respeito a individualidade de cada sujeito, e no caráter estritamente social da construção da nacionalidade. Na segunda, é o indivíduo dentro da sociedade que está em jogo. Na nacionalidade, é a sociedade como um todo que se coloca em pauta. É claro que o indivíduo sem sociedade é uma utopia, porém a cidadania estabelece diferentes tipos de indivíduos, explícita ou implicitamente. Conseqüentemente, o pleito se estabelece entre cada indivíduo e a sociedade como um todo (...)19. A partir de uma concepção restritiva de cidadania que a identifica ao exercício de direitos políticos ativos e passivos20, é possível distinguir nacionalidade e cidadania a partir da afirmação de que todo cidadão é nacional, porém, nem todo nacional é cidadão. Para Celso Bastos, pela nacionalidade, “o direito procu ra circunscrever no gênero humano os indivíduos que considera integrantes do Estado por ele regido. Pela cidadania, objetiva delimitar dentre os nacionais, aqueles que podem participar do processo político decisório do Estado”. 21 Hoje, pode-se afirmar que o conceito de cidadania se amplia a ponto de não se restringir aos direitos políticos do indivíduo. A cidadania pode ser exercida não só através do voto, mas pela participação ativa dentro da comunidade. A exemplo de outros países democráticos, a legislação brasileira permite ao cidadão se reunir em conselhos comunitários e reivindicar melhorias para sua comunidade, prevê a realização de audiências públicas quando um assunto de interesse público está em discussão, sendo permitido a qualquer pessoa da comunidade participar e opinar. Dessa forma, cidadão em acepção ampla é todo aquele que de alguma forma se manifesta com intuito de participar das decisões que afetam a vida em sociedade. Segundo Vera Andrade “todo nacional do povo é cidadão em acepção ampla, ma s nem todo o é em acepção estrita. Daí a necessidade de delimitar, no âmbito do conceito de povo nacional, o conceito de cidadania ativa que corresponde, via de regra, ao eleitorado”. 22 Não obstante alguns doutrinadores considerarem a distinção entre nacionalidade e cidadania tênue e latente, vislumbra-se, pelo já exposto, uma diferenciação clara, até porque a nacionalidade acentua o aspecto internacional, ao distinguir os nacionais dos estrangeiros, ao passo que a cidadania salienta o aspecto nacional, ou seja, a condição de exercer livremente seus direitos e de participar ativamente dos processos de deliberação que conduzem os rumos 19 RUBEN, Guilhermo Raúl. O que é nacionalidade, p. 66 - 67. Advém daí os conceitos de cidadania ativa e passiva. A cidadania ativa é aquela que confere ao cidadão a possibilidade de escolher os governantes, ao passo que a cidadania passiva, além de possibilitar esta escolha, permite que o cidadão seja votado, ou seja, escolhido como governante. 21 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional, São Paulo: Saraiva, 1988. p. 216. 22 ANDRADE, Vera Regina Pereira. Cidadania: Do Direito aos Direitos Humanos. São Paulo: Acadêmica, 1993. p 28. 20 17 do país. 1.2. FORMAS E CRITÉRIOS DE AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE A definição do critério de aquisição da nacionalidade a ser utilizado é definido soberanamente pelo Estado. A nacionalidade é matéria de jurisdição interna dos Estados e como tal, estes definem que são seus nacionais. Cabe ao Direito Internacional estabelecer tão somente princípios que servem para nortear os Estados. Em 1930, na Conferência de Codificação da Liga das Nações foi concluída Convenção que trata da nacionalidade e que dispõe em seu artigo 1º o seguinte: Cabe a cada estado determinar por sua legislação quais são os seus nacionais. Essa legislação será aceita por todos os outros estados desde que esteja de acordo com as convenções, os costumes internacionais e os princípios de direito geralmente reconhecidos em matéria de nacionalidade. Neste sentido, emanam do Direito Internacional alguns princípios que serão abordados neste item, sendo que um caso julgado pela Corte Internacional de Justiça merece atenção, pois demonstra claramente que a soberania estatal na definição dos critérios de aquisição de nacionalidade deve respeitar os princípios internacionais.Trata-se do caso Nottebohm, julgado pela Corte Internacional de Justiça de Haia. Nottebohm nasceu em Hamburgo em 1881, com nacionalidade alemã. Em 1905 imigrou para a Guatemala, ali fixando domicílio e iniciando atividade comercial. Em 1939, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, Nottebohm, de passagem por Liechtenstein, consegue adquirir a nacionalidade daquele país, regressando a Guatemala, onde continuou a viver. Em 1943, como resultado da intervenção norte-americana, Nottebohm é preso e deportado para os Estados Unidos como cidadão de país inimigo, lá permanecendo preso por mais de dois anos. Terminada a Guerra, Nottebohm tem negado seu regresso à Guatemala, cujo governo confisca suas propriedades e vai viver em Liechtenstein, cujo governo acede em defender seus direitos, processando a Guatemala perante a Corte Internacional, sob a alegação de que este país deve indenização pela detenção e expulsão de seu nacional e devolva os bens confiscados. A Guatemala se defende alegando entre outros argumentos, a ilegitimidade de Liechtenstein por não ser a autêntica nacionalidade de Nottebohm. A Corte assim definiu questão: A nacionalidade é um laço jurídico que tem na sua base um fato social de conexão, uma solidariedade efetiva de existência, de interesses, de sentimentos, ligados a uma reciprocidade, de direitos e deveres. Os laços de 18 Nottebohm com o Liechtenstein são extremamente tênues, concedida que foi a sua nacionalidade por este país sem atenção à idéia que se faz nas relações internacionais do instituto da nacionalidade, daí não ser a Guatemala obrigada a reconhece-la. 23 Assim, a Corte rejeitou a pretensão de Liechtenstein, sem exame do mérito da questão, numa decisão não unânime e bastante criticada. Porém, desse julgado emana um outro princípio internacional: “a naturalização deve ser efetiva, isto é, ter residência naquele país, ou ter ali o seu centro de negócios. Enfim, ter alguma vinculação especial com aquele estado”. 24 Considerada como um vínculo jurídico-político que liga o indivíduo ao Estado, a nacionalidade pode ser adquirida de forma originária e derivada. A originária é aquela que decorre de um fato natural (o nascimento), e de um ato de vontade do Estado (através da definição de um critério). É uma forma de aquisição de nacionalidade involuntária do ponto de vista do indivíduo, porém voluntária sob ótica do Estado, face aos critérios que estabelece para determinar, pelo nascimento, a nacionalidade das pessoas. Isto em atenção ao imperativo social e político de que todo indivíduo deve ter uma nacionalidade, previsto no artigo 15 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, que dispõe: “1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade”. A nacionalidade originária se materializa por meio de três critérios: o ius sanguinis – pelo qual confere-se a nacionalidade pela filiação; o ius soli – utiliza o critério territorial, o lugar do nascimento; e o critério misto, em que há combinação do ius sanguinis e do ius soli. O ius sanguinis é o sistema mais antigo e tem sua origem no mundo grego-romano, pelo qual os filhos adquiriam a nacionalidade dos pais. Se legítimo o filho, herdava a nacionalidade do pai. Se ilegítimo, a da mãe. No direito romano, o nascimento era fato primordial na aquisição do status de cidadão. Por esse critério, o filho tem a nacionalidade dos pais, independente do lugar de seu nascimento. Dessa forma, segundo Guimarães, é mais correto dizer que a determinação da nacionalidade se dá pela filiação e não pela consangüinidade sob aspecto biológico, pouco importando os laços de sangue ou de raça que o indivíduo tenha com determinado grupo. 25, “Se assim não fosse, o filho do naturalizado não 23 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado (parte geral). p. 175-176. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito constitucional internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 1994. p. 200. 25 GUIMARÃES. Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p 10. 24 19 deveria seguir a nacionalidade do pai, ante a sua vinculação étnica a grupo diverso”. 26 Este critério é dominante nos países de população densa em que o fluxo emigratório supera a imigração, retratando a vontade do Estado em manter o vínculo originário, não só do imigrante, como da família por este constituída fora de seu território.27 O segundo critério é o ius soli, o critério territorial, que atribui a nacionalidade pelo local do nascimento. Este sistema vigiu no regime feudal, em que o homem estava ligado à terra, depois perdeu espaço na Europa, tendo renascido no Continente americano. Foi adotado porque os países do Continente americano foram destinatários de acentuadas correntes migratórias, fato que contribuiu para a formação do seu povo e do desenvolvimento econômico. A idéia destes países era integrar os filhos dos imigrantes à nova nacionalidade e evitar o desenvolvimento de comunidades estrangeiras dentro de seus territórios, fato que se perpetuaria caso adotassem o critério do ius sanguinis. O sistema misto se caracteriza pela conjugação dos critérios do ius sanguinis e do ius soli, e reflete a tendência moderna de adoção de formas jurídicas flexíveis que atendam melhor ao desenvolvimento dos direitos humanos e ao convívio internacional. Se por um lado compete, exclusivamente, ao Estado o direito de declarar quais são os seus nacionais, segundo o reclamo de seus interesses e da conjuntura da vida nacional, por outro, não se pode esquecer que essa competência não é ilimitada e deve ajustar-se aos princípios geralmente aceitos pelo direito internacional, convencional ou costumeiro em tal matéria. No quadro atual da convivência internacional, nenhum país adota, de per si, o ius soli ou o ius sanguinis. As concessões ao sistema não adotado são cada vez mais crescentes28. Isto se deve ao fato de que a adoção exclusiva de um sistema, sem concessões ao outro, enseja grandes inconvenientes, como se pode identificar nas situações a seguir apresentadas:29 a) Negar a indivíduos nascidos no seu território, vivenciando os hábitos tradicionais do Estado, amante do país, a qualidade de nacional, por ser filho de estrangeiro, por seguir o rigor do critério ius sanguinis; b) Conferir a qualidade de nacional a descendentes de nacionais, nascidos em país distante, que tenha hábitos, educação, costumes diversos e sem vivência das preocupações nacionais, por só adotar o critério da filiação. 26 GUIMARÃES. Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição, p. 11. FERRANTE. Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. Ed. Saraiva, 2ª ed: São Paulo, 1984, p. 41. 28 FERRANTE. Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. p. 43. 29 GUIMARÃES. Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição, p. 12. 27 20 Por isso, países que adotam o ius sanguinis, como França, Itália, Espanha, Holanda, Suécia entre outros, têm levado em conta o lugar do nascimento, oferecendo facilidades para que os nascidos de pais estrangeiros em seu território, possam, se o preferirem, optar por suas nacionalidades. Já os países que têm como critério o ius soli, normalmente estendem sua nacionalidade aos filhos de seus naturais nascidos no estrangeiro, quando aqueles optem pela nacionalidade de seus pais ou vão residir no país do qual estes procedem. A nacionalidade derivada ou secundária, também chamada de eleição, é aquela que surge por solicitação, escolha ou opção do indivíduo e é aceita e concedida pelo Estado, em substituição à de origem. É aquela que se verifica após o nascimento. Adquire-se a nacionalidade derivada pela naturalização, pela reintegração na nacionalidade que se perdeu e através de anexação territorial. A nacionalidade derivada por naturalização30 é em regra informada por dois critérios, quais sejam: o ius domicilii – aquisição da nacionalidade do país cujo território tenha fixado domicílio, e o ius laboris – aquisição da nacionalidade do país em favor do qual foram prestados serviços relevantes. A aquisição da nacionalidade pela forma derivada é garantida por diversas Declarações e Convenções Internacionais. O artigo 15 da Declaração Universal dos Direitos do Homem dispõe: “2. Ninguém poderá ser privado arbitrariamente de sua nacionalidade e a ninguém será negado o direito de trocar de nacionalidade”. A Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, aprovada em Bogotá, em 1948, reza, em seu artigo 19, que “toda pessoa tem direito à nacionalidade que legalmente lhe corresponda, podendo mudá -la se assim o desejar, pela de qualquer outro país que estiver disposto a concedê-la”. 1.3. POLIPATRIA E APATRIDIA A existência de critérios distintos para a determinação da nacionalidade – ius sanguinis, ius soli e o critério misto – resultam em efeitos e situações conflituosas face às diferenças nas leis dos diversos países. Os conflitos podem ser positivos, ensejando a polipatria, ou negativos, acarretando a apatridia. A polipatria refere-se à situação dos indivíduos que possuem mais de uma 30 A aquisição da nacionalidade por naturalização constitui um dos objetivos específicos desta pesquisa, razão pela qual a mesma será melhor explicitada nos próximos capítulos. 21 nacionalidade. São fontes mais constantes do conflito positivo, ensejando a dupla nacionalidade31: a) A adversidade de sistemas de aquisição de nacionalidade originária (ius sanguinis e ius soli). O filho do nacional de um Estado que adota o jus sanguinis, nascido em território de outro que consagra o ius soli, é considerado por ambos os Estados como seu nacional. Ex: O filho de italiano nascido no Brasil é italiano segundo a lei da Itália, pelo ius sanguinis, e brasileiro, de acordo com a lei brasileira, que adota o ius soli; b) A existência de uma diversidade de leis nos vários Estados, relativas à perda da nacionalidade por efeito de naturalização. Se um indivíduo cumpre os requisitos para efetuar sua naturalização frente a determinado Estado, sem preencher as condições legais relativas a perda da sua nacionalidade originária, terá ele dupla nacionalidade (cláusula de países árabes); c) A adoção por um Estado da naturalização tácita, isto é, aquela outorgada aos estrangeiros residentes em seu território, sob certas condições, na ausência de manifestação em contrário. No Brasil, ficou conhecida como a grande naturalização, ocorrida com o advento da República. Pode gerar a polipatria, na medida em que o naturalizado tacitamente pode não ter perdido a nacionalidade de origem; d) A legislação de Estado que atribui a nacionalidade do marido à mulher casada, cuja lei nacional dispõe em contrário. Nesse caso, a mulher casada adquire a nacionalidade do esposo, sem perder sua nacionalidade originária. e) A reaquisição da nacionalidade de origem, sem a correspondente perda da nacionalidade adquirida. A apatridia é o nome que se dá à condição dos que não têm nacionalidade. Consiste na situação da pessoa que, dada a circunstância de nascimento, não se vincula a nenhum daqueles critérios, que lhe determinam uma nacionalidade. Na 1ª Conferência de Haia (1930), recomendou-se aos Estados que, no exercício de sua liberdade de regulamentação em matéria de nacionalidade, se esforçassem para reduzir, na medida do possível, os casos de apatridia. Pelo Decreto nº 21.798, de 08.10.1932, o Brasil ratificou e promulgou o Protocolo Especial de Haia, de 12.04.1930, relativo à apatridia, segundo o qual se um indivíduo, depois de ter 31 Este rol é baseado na obra de FERRANTE, Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados, p. 32 - 33, para demonstrar alguns casos em que pode, na prática, ocorrer a dupla nacionalidade. 22 entrado em um país estrangeiro, perder a nacionalidade, sem adquirir outra, o Estado cuja nacionalidade possuía em último lugar é obrigado a recebê-lo, a pedido do país onde se encontra, nos casos e hipóteses que menciona. Segundo Ferrante32, as hipóteses mais comuns de conflito negativo são as seguintes: a) Quando o filho do nacional de um Estado que adota o ius soli nasce no território de outro, cuja legislação agasalha o ius sanguinis: nenhum desses Estados o reconheceu como seu nacional; b) A circunstância de um Estado atribuir efeito coletivo à perda da nacionalidade, por naturalização em outro Estado, cuja lei empresta apenas efeito individual à aquisição de nacionalidade secundária. O antigo código civil italiano (não mais vigente) considerava estrangeiros a mulher e os filhos menores daquele que houvesse perdido a nacionalidade italiana, caso não continuassem a residir em território italiano. Se por exemplo, viessem residir no Brasil, seriam considerados apátridas, pois para a lei brasileira, a naturalização tem efeito individual. c) A circunstância de perder a mulher a nacionalidade originária, pelo casamento, sem adquirir a nacionalidade do marido estrangeiro. Alguns dos conflitos acima tratados estão no campo teórico-doutrinário, pois mesmo tendo ocorrido em tempos remotos, existe possibilidade limitada de que vinham a ocorrer nos dias de hoje. Porém, há uma tendência de os países ocidentais flexibilizarem suas legislações a ponto de minimizarem cada vez mais estes conflitos. 1.4. HISTÓRICO NACIONAL A primeira Constituição brasileira (Constituição do Império), outorgada em 1824, não diferenciava a condição de cidadão da de nacional, “devido ao próprio regime político da monarquia, onde a condição de nacional coincidia com a de súdito, juridicamente passiva, titular de uma proteção por parte do poder soberano e, em âmbito político, praticamente incapaz”. 33 32 FERRANTE. Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. p. 34. POSENATO, Naiara. A evolução histórico-constitucional da nacionalidade no Brasil. p. 216. In: DAL RI JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais, regionais, globais. 33 23 A Constituição Imperial estabeleceu o ius soli como critério principal para determinação da nacionalidade, “como conseqüência natural da necessidade de promover o povoamento de um país de extensão continental, com vastos espaços vazios”. 34 Por este critério, brasileiros eram todos que no Brasil tivessem nascido, fossem ingênuos ou libertos35, mesmo de pai estrangeiro, exceto se residissem por serviço de sua nação36. Apesar da necessidade de povoar o território brasileiro, o critério do ius soli não reinava absoluto no Brasil Imperial. O ius sanguinis, critério predominantemente adotado pelos países europeus, foi adotado pela corte aqui no Brasil, porém, sempre combinado com outro critério37. No que tange à nacionalidade derivada, ou seja, a naturalização, a Carta imperial previa uma aquisição tácita ou automática, ao acolher como cidadão brasileiro todos os portugueses residentes no Brasil. E, uma aquisição de nacionalidade derivada expressa ou ordinária, na qual a constituição remetia à lei ordinária para a fixação dos pressupostos necessários para a obtenção da naturalização, condição que seria reiterada em quase todas as demais constituições brasileiras. A primeira Constituição Republicana de 1891 optou por continuar dando ênfase ao ius soli como principal critério de aquisição de nacionalidade38, com a concessão ao ius sanguinis 34 FERRANTE. Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. p. 47. Durante o período em que foi outorgada a Constituição Imperial, vigia no Brasil o período da escravidão. Possuíam a nacionalidade brasileira os indivíduos que gozavam do estado de liberdade (status libertatis), ou seja, aqueles que não estavam sob domínio de outros, como escravos. “Ingênuos eram as pessoas que nasciam de pai e mãe livres, ou só de mãe livre, ainda que o pai fosse escravo, ou ainda os que nasciam de mãe escrava, se esta era livre ao tempo da concepção, ou do parto, ainda que momentaneamente. Liberto era aquele que, sendo escravo, foi manumitido, ou restituído à liberdade natural”. In: FERRANTE, Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. p. 47. 36 Art. 6. São Cidadãos Brasileiros: I. Os que no Brasil tiverem nascido, quer sejam ingênuos, ou libertos, ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua Nação. II. Os filhos de pai brasileiro, e os ilegítimos de mãe brasileira, nascidos em país estrangeiro, que vierem estabelecer domicilio no Império. III. Os filhos de pai brasileiro, que estivesse em país estrangeiro em serviço do Império, embora eles não venham estabelecer domicilio no Brasil. IV. Todos os nascidos em Portugal, e suas Possessões, que sendo já residentes no Brasil na época, em que se proclamou a Independência nas Províncias, onde habitavam, aderiram á esta expressa, ou tacitamente pela continuação da sua residência. V. Os estrangeiros naturalizados, qualquer que seja a sua religião. A Lei determinará as qualidades precisas, para se obter Carta de naturalização. 37 Ius sanguinis somado a uma função exercida pelo pai, sempre a serviço do Império: conforme art 6º, inciso III supracitado; Ius sanguinis somado ao domicílio fixo no Brasil: conforme art 6º, inciso II supracitado. 38 Art 69 - São cidadãos brasileiros: 1º) os nascidos no Brasil, ainda que de pai estrangeiro, não, residindo este a serviço de sua nação; 2º) os filhos de pai brasileiro e os ilegítimos de mãe brasileira, nascidos em país estrangeiro, se estabelecerem domicílio na República; 3º) os filhos de pai brasileiro, que estiver em outro país ao serviço da República, embora nela não venham domiciliar-se; 4º) os estrangeiros, que achando-se no Brasil aos 15 de novembro de 1889, não declararem, dentro em seis meses depois de entrar em vigor a Constituição, o ânimo de conservar a nacionalidade de origem; 5º) os estrangeiros que possuírem bens imóveis no Brasil e forem casados com brasileiros ou tiverem filhos brasileiros contanto que residam no Brasil, salvo se manifestarem a intenção de não mudar de nacionalidade; 35 24 no caso de filhos de pais brasileiros nascidos no exterior que estivesse noutro país a serviço da República (ius sanguinis + função) e os filhos de pai brasileiro e os ilegítimos de mãe brasileira nascidos no exterior e que estabelecessem domicílio no Brasil (ius sanguinis + domicílio). A Constituição previu ainda duas hipóteses de naturalização tácita: a naturalização de estrangeiros residentes no Brasil em 15/11/1889, e dos estrangeiros que, casados com brasileiras ou que tivessem filhos brasileiros, possuíssem imóveis no Brasil. A Constituição, dessa forma, inovou e conferiu status constitucional ao Decreto 58-A. Por este Decreto, foi concedido a todos os estrangeiros residentes no Brasil no dia 15 de novembro de 1889, a nacionalidade brasileira, salvo declaração em contrário feita em sua municipalidade no prazo de 6 (seis) meses. Esta providência foi tomada, em virtude de que, a partir da segunda metade do século XIX, houve um grande fluxo de imigrantes europeus para o Brasil. Em resposta a esta situação, o Governo Provisório editou o referido Decreto, que promoveu uma naturalização em massa dos estrangeiros aqui estabelecidos, que ficou conhecida como “a grande naturalização”. Este Decreto causou protesto dip lomático de alguns países, “sob o fundamento de ser contrário à liberdade individual, aos princípios de direito internacional e não assente em base jurídica, não podendo ser considerado tal silêncio do estrangeiro. A isto, o Governo contestou com o princípio da soberania do Estado, em virtude do qual, este tem o direito de estabelecer regras relativas à aquisição e perda da qualidade de cidadão”. 39 Assim, a Constituição Republicana preservou a naturalização tácita, não obstante a pressão de nações estrangeira, que foi suprimida posteriormente pela Carta Magna de 1934. A Constituição de 1934 ratificou plenamente o critério do ius soli, mas ampliou a concessão do ius sanguinis conforme previsão legal do artigo 106, alínea “b”. 40 Neste Diploma o elemento territorial deixa de ter importância, caracterizando o ius sanguinis típico, pois cai a condição do domicílio como necessária à aquisição da nacionalidade e aparece o instituto da opção, ou seja, passam a ser brasileiros os filhos de brasileiro ou brasileira, nascidos no exterior que ao atingirem a maioridade, optarem pela nacionalidade brasileira. 6º) os estrangeiros por outro modo naturalizados. RODAS, João Grandino. A nacionalidade da pessoa física. P. 22. Apud: CAVALCANTI, João Barbalho Uchoa. Comentários à Constituição Brasileira. Rio de Janeiro, 1902. 40 Art 106 - São brasileiros: a) os nascidos no Brasil, ainda que de pai estrangeiro, não residindo este a serviço do Governo do seu país; b) os filhos de brasileiro, ou brasileira, nascidos em país estrangeiro, estando os seus pais a serviço público e, fora deste caso, se, ao atingirem a maioridade, optarem pela nacionalidade brasileira; c) os que já adquiriram a nacionalidade brasileira, em virtude do art. 69, nºs 4 e 5, da Constituição, de 24 de fevereiro de 1891; d) os estrangeiros por outro modo naturalizados. 39 25 Procedendo desta forma, o legislador pôs fim às críticas feitas às constituições anteriores que não consideravam a situação dos brasileiros nascidos em países que não adotavam o ius soli, como é o caso da maioria dos estados europeus.41 Exigindo o domicílio no Brasil para reconhecer a nacionalidade, a nossa lei criava, em relação a tais estados, um conflito negativo de leis sobre a nacionalidade, que em geral resultava em casos de apatridia, só resolvidos quando tal indivíduo fixasse domicílio no Brasil. Com o instituto da opção, resolvia-se o problema, ocorrendo a ratificação da nacionalidade brasileira, pois conforme Ferrante42 (...) a este (o optante) não se reconhece, enquanto menor, e após a maioridade, até chegar a termo o prazo da opção, outra nacionalidade que não a brasileira. Portanto, não há escolha de nacionalidade. Há “confirmação”, “ratificação” da nacionalidade brasileira. O título de nacionalidade, no caso, é declaratório. Outra característica da Constituição de 1934 foi a supressão dos casos de naturalização tácita. A alínea “C” do artigo 106 preserva os casos dos indivíduos que adquiriram a nacionalidade com base na “grande naturalização” prevista na Const ituição de 1891, mas não renova essa possibilidade. Segundo Posenato, três motivos explicam a revogação desta hipótese: Primeiro, a grande controvérsia internacional gerada pelo tema; segundo, a sensível diminuição do número de estrangeiros que imigravam ao país após o final da Primeira Guerra Mundial, que modificou a conjuntura social geradora da Norma, e terceiro, a grande participação dos imigrados, principalmente italianos, na política sindical anarco-comunista existente no período, fato político não condizente com as ambições do governo Provisório. 43 O Estado brasileiro passa a exigir a naturalização expressa, fazendo valer o seu poder discricionário de decidir, positiva ou negativamente, pela naturalização ou não dos estrangeiros aqui residentes.44 Uma tentativa de levante Comunista protagonizado pelo Partido Comunista Brasileiro impeliu o Golpe de 1937.45 Getúlio Vargas, então Presidente da República, fechou o Congresso Nacional e instalou o Estado Novo, banindo à clandestinidade os partidos políticos 41 FERRANTE. Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. p. 49. FERRANTE. Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. p. 49. 43 POSENATO, Naiara. A evolução histórico-constitucional da nacionalidade no Brasil. p. 224. In: DAL RI JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais, regionais, globais. 44 POSENATO, Naiara. A evolução histórico-constitucional da nacionalidade no Brasil. p. 224. In: DAL RI JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais, regionais, globais. 45 POSENATO, Naiara. A evolução histórico-constitucional da nacionalidade no Brasil. p. 225. In: DAL RI JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais, regionais, globais. 42 26 e centralizando todo poder em suas mãos. No mesmo dia do golpe foi outorgada a nova Constituição. O nacionalismo foi a marca do regime, assumindo características rígidas, como por exemplo, a determinação de afastar a mão-de-obra estrangeira de alguns setores produtivos. Porém, no que se refere à nacionalidade, a Constituição “Polaca” (assim ficou conhecida a Constituição de 193746 pela semelhança com a autoritária Constituição Polonesa) reiterou o conteúdo da anterior. Em 25 de abril de 1938, foi editado o Decreto-Lei nº 39847, que regulava a nacionalidade. O ponto marcante deste Diploma diz respeito aos filhos de brasileiro ou brasileira, nascidos em país estrangeiro, não estando os pais a serviço do Brasil. Exigia o Decreto que a opção fosse manifestada até um ano depois de atingida a capacidade civil e exigiu que o optante viesse residir no Brasil. Em 1946 o mundo vivia sob a égide de mudanças sócio-políticas e econômicas provenientes do fim da 2ª Guerra Mundial e que dentre outros fatores, resultou na queda do regime do Estado Novo. Neste contexto, foi promulgada em 18 de setembro de 1946, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil. Esta Carta serviu-se das Constituições de 1891 e 1934 para sua formação, rompendo com as imposições do Estado Novo. Não obstante este rompimento, a Constituição de 194648 não alterou significativamente o tratamento dado à 46 Art 115 - São brasileiros: a) os nascidos no Brasil, ainda que de pai estrangeiro, não residindo este a serviço do governo do seu país; b) os filhos de brasileiro ou brasileira, nascidos em país estrangeiro, estando os pais a serviço do Brasil e, fora deste caso, se, atingida a maioridade, optarem pela nacionalidade brasileira; c) os que adquiriram a nacionalidade brasileira nos termos do art. 69, nº s 4 e 5, da Constituição de 24 de fevereiro de 1891; d) os estrangeiros por outro modo naturalizados. 47 Art. 1º São considerados brasileiros: a) os nascidos no Brasil, ainda que de pais estrangeiros, não residindo estes a serviço do governo do seu país; b) os filhos de brasileiro, ou brasileira, nascidos em país estrangeiro, estando os pais ao serviço do governo do Brasil; fora deste caso, se, até um ano depois de atingida a capacidade civil, optarem pela nacionalidade brasileira; c) os nascidos em aeronaves brasileiras e em navios de guerra ou mercantes brasileiros, em alto mar ou de passagem em mar territorial estrangeiro; d) os que se beneficiaram do disposto no art. 69, nº 2, da Constituição de 24/02/1891, durante a sua vigência; e) os que adquiriram a nacionalidade brasileira, nos termos do art. 69, ns. 4 e 5, da mesma Constituição; f) os estrangeiros que obtiverem naturalização na forma desta lei. § 1º Os filhos dos que houverem optado na forma da letra b não gozarão da mesma faculdade se não vierem residir no Brasil. § 2º A opção a que se refere a letra b, constará de um termo assinado no Ministério da Justiça e Negócios Interiores ou, nos Estados e no Território da Justiça e Negócios Interiores ou, nos Estados e no Território do Acre, perante os respectivos governos, se o optante se achar no Brasil, e no Consulado brasileiro, se estiver no estrangeiro. A opção será inscrita no registro civil, sempre por intermédio do Ministério da Justiça e Negócios Interiores. § 3º Não são brasileiros os filhos de estrangeira que resida no Brasil a serviço do governo do seu país, ainda que o pai seja brasileiro. 48 Art 129 - São brasileiros: I - os nascidos no Brasil, ainda que de pais estrangeiros, não residindo estes a serviço do seu país; 27 nacionalidade. O artigo 129, I, manteve a regra do ius soli afirmando “serem brasileiros os nascidos no Brasil, ainda que de pais estrangeiros, não residindo estes a serviço de seu país”. O inciso II preservou o critério do ius sanguinis somado à residência, que a constituição anterior não previa, mas fora regulado por lei ordinária (Decreto-Lei 398, de 25-04-1938). Este critério ius sanguinis + residência+ opção, substituiu os critérios de domicílio no Brasil, consagrado nos textos de 1824 e 1891 e de opção até a maioridade das cartas de 1934 e 1937. Inovou ao prever que os filhos de brasileiros nascidos no exterior, cujos pais não estiverem a serviço do Brasil, seriam brasileiros se viessem a residir no Brasil. Cumprido o critério da residência, o brasileiro, para conservar a nacionalidade, deveria, atingida a maioridade, optar por ela em 4 anos. Dessa forma, o legislador reconhecia a condição de brasileiro até no máximo os 25 anos de idade, haja vista a liberalidade proposta com a ampliação do prazo de opção para 4 anos, a partir do momento que atingisse a maioridade.49 Ao exigir a residência, o constituinte deve ter objetivado impedir que filhos de brasileiros nascidos no exterior viessem a gozar dos benefícios da nacionalidade brasileira, sem ter qualquer identificação com o povo e a cultura do Brasil.50 No inciso III, o texto resguardou o direito dos que haviam adquirido a nacionalidade de acordo com o artigo 69, §§ 4º e 5º da Constituição de 1891 (grande naturalização). Inovou a Carta de 1946, no tocante à naturalização, ao fixar condições facilitadas aos portugueses em relação aos estrangeiros provenientes de outros países51. Em 1949 foi editada a lei 81852, que regulou a aquisição, a perda e a reaquisição da II - os filhos de brasileiro ou brasileira, nascidos no estrangeiro, se os pais estiverem a serviço do Brasil, ou, não o estando, se vierem residir no País. Neste caso, atingida a maioridade, deverão, para conservar a nacionalidade brasileira, optar por ela, dentro em quatro anos; III - os que adquiriram a nacionalidade brasileira nos termos do art. 69, n os IV e V, da Constituição de 24 de fevereiro de 1891; IV - os naturalizados pela forma que a lei estabelecer, exigidas aos portugueses apenas residência no País por um ano ininterrupto, idoneidade moral e sanidade física. Art 130 - Perde a nacionalidade o brasileiro: I - que, por naturalização voluntária, adquirir outra nacionalidade; II - que, sem licença do Presidente da República, aceitar de governo estrangeiro comissão, emprego ou pensão; III - que, por sentença judiciária, em processo que a lei estabelecer, tiver cancelada a sua naturalização, por exercer atividade nociva ao interesse nacional. 49 FERRANTE. Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. p. 52. 50 POSENATO, Naiara. A evolução histórico-constitucional da nacionalidade no Brasil. p. 230. In: DAL RI JÚNIOR, Arno; OLIVEIRA, Odete Maria de. Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas nacionais, regionais, globais. 51 A Constituição de 1946 estabelece que aos portugueses será exigida apenas a residência no país por um ano ininterrupto, idoneidade moral e sanidade física, critérios aproveitados nas Constituições posteriores. 52 Art. 1º - São brasileiros: I - os nascidos no Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que não residam estes a serviço de seu país; II - os filhos de brasileiro ou brasileira, nascidos no estrangeiro se os pais estiverem a serviço do Brasil, ou, não o estando, se vierem residir no país. Neste caso, atingida a maioridade, deverão, para conservar a nacionalidade brasileira, optar por ela dentro em quatro anos; III - os que adquiriram a nacionalidade brasileira, nos termos do artigo 69, ns. 4 e 5, da Constituição de 24 de fevereiro de 1891; 28 nacionalidade brasileira, e a perda dos direitos políticos, repetindo o texto constitucional. Porém, o artigo 2º ensejou ao nascido no Brasil, quando um dos pais fosse estrangeiro, aqui residente a serviço do seu governo, e o outro for brasileiro, a faculdade de optar pela nacionalidade brasileira.53 A Constituição de 1967 inovou e fixou expressamente quem é brasileiro nato (artigo 140, I) e quem é brasileiro naturalizado (artigo 140, II). A Emenda Constitucional de 1969, em seu artigo 145, manteve com pequenas modificações a redação do artigo 140 da Constituição de 1967. O artigo 140, I, a, de 1967 e o artigo 145, I, a, de 1969 consagraram o critério do ius soli, posto que determinava a nacionalidade pelo nascimento no território brasileiro, mesmo que de pais estrangeiros, não estando estes a serviço do seu país. O artigo 140, I, b, de 1967 e o artigo 145, I, b, de 1969 previam o ius sanguinis, considerando brasileiros os nascidos fora do território nacional, de pai ou mãe brasileiros, desde que qualquer deles esteja a serviço do Brasil. O artigo 140, I, c de 1967 e o artigo 145, I, c de 1969 reforçavam a incidência do ius sanguinis fixando duas hipóteses distintas: os que foram e os que não foram registrados em repartição brasileira no exterior. O filho de brasileiro ou brasileira, nascido no exterior e registrado em repartição brasileira competente era brasileiro nato, não precisando fazer opção ou residir no Brasil antes da maioridade. Retratava o critério ius sanguinis puro, contrariando a tradição consagrada pela Constituição Imperial. Não ocorrendo o registro em repartição brasileira no exterior, duas condições deveriam ser preenchidas: vir a residir no território nacional antes da maioridade e optar pela nacionalidade brasileira no prazo de quatro anos depois de alcançada a maioridade. Estas condições encerravam a dúvida presente na Carta de 1946 sobre o momento da fixação da residência no Brasil, ou seja, a partir de 1967, deveria ocorrer antes de atingida a maioridade. Em relação à naturalização, a Constituição da ditadura inovou ao prever casos de aquisição derivada extraordinária de nacionalidade, até então não previstos nas cartas anteriores. O artigo 140, II, 1, admitia como brasileiros naturalizados aqueles nascidos no estrangeiro que houvessem sido admitidos no Brasil nos cinco primeiros anos de vida e que estivessem radicados definitivamente no Brasil. O legislador exigia que para preservar a nacionalidade brasileira, o naturalizado por esta regra deveria manifestar-se favoravelmente até dois anos após atingir a maioridade. Segundo Ferrante, o termo preservar não está bem aplicado, pois preservar “é manter e, no caso, não se trata de manter a nacionalidade brasileira, mas de adquiri-la. Não há opção, mas o exercício de um direito constitucional que IV - os naturalizados, pela forma estabelecida em lei. FERRANTE. Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. p 53. 53 29 gera a nacionalidade”. 54 O item 2 do mesmo diploma admitia outro caso de aquisição de nacionalidade extraordinária ao permitir que pessoas nascidas no estrangeiro, que viessem residir no Brasil antes de atingir a maioridade e que fizessem curso superior em estabelecimento nacional poderiam requerer a nacionalidade até um ano após a formatura. Ambos os casos foram ratificados pela Emenda Constitucional de 1969 (artigo 145, II). O item 3 compreendia os demais casos de naturalização, mantendo um tratamento diferenciado aos portugueses, como já acontecerá na Constituição de 1946. Ainda sob a vigência da Constituição de 1969, foi publicado o Estatuto do Estrangeiro, Lei 6815, de 19.08.1980 que passou a definir a situação jurídica do estrangeiro no Brasil. Esta Lei continua em vigor e será estudada no capítulo que trata da nacionalidade derivada. Mantendo a tradição iniciada pela Carta de 1967, a Constituição de 1988 definiu de maneira expressa quem é brasileiro nato e quem é brasileiro naturalizado. A Carta de 198855 utiliza a expressão “os nascidos na República Federativa do Brasil” para limitar fisicamente o território regido pela soberania brasileira. A doutrina considera que a mudança56 pecou pelo excesso, pois tal denominação envolve a organização territorial do Estado, algo desnecessário, pois, independente da forma de organização, todos os nascidos no território brasileiro, inclusive os nascidos no espaço aéreo e mar territorial brasileiro, são brasileiros, pois conforme Mello, “o território estatal não se limita no domínio terrestre, mas se estende ao espaço aéreo e determinados espaços marítimos (águas interiores e mar territorial)”. 57 O princípio do ius soli continua como regra geral, para os nascidos no território brasileiro, mesmo que de pais estrangeiros. À exceção ao ius soli se verifica quando os pais 54 FERRANTE. Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. p. 63. Art. 12. São brasileiros: I - natos: a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país; b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil; c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira; II - naturalizados: a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral; (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3 de 1994). b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de trinta anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira. c) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 3 de 1994). 56 Nas constituições anteriores, utilizou-se as expressões “os nascidos no Brasil”, até a Constituição de 1946 e “os nascidos no território brasileiro”, nas Constituições de 1967 e 1969. 57 MELLO, Celso D. De Albuquerque. Curso de direito internacional público. 8ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Freitas Bastos, 1986. p. 268. 55 30 são estrangeiros e estão a serviço do seu próprio país. Nesse caso, mesmo nascido em território nacional, não é considerado brasileiro. A lei 818 de 18/09/1949, que está em vigor no que trata da perda e reaquisição da nacionalidade, embora tenha vários dispositivos revogados pela Constituição de 1988, criou em seu artigo 2º, uma hipótese de brasileiro nato não prevista constitucionalmente, qual seja: “Quando um d os pais for estrangeiro, residente no Brasil a serviço de seu governo, e o outro for brasileiro, o filho, aqui nascido, poderá optar pela nacionalidade brasileira”. A jurisprudência tem orientado pela constitucionalidade da norma: Quando apenas um dos pais for estrangeiro a serviço do seu governo, não pode ser negado à pessoa nascida no Brasil o direito de opção pela nacionalidade brasileira. (Apelação Cível 53.454-SP. Relator: Marcio Ribeiro, j. 15.12.78, TFR).58 O critério do ius sanguinis também está consagrado no artigo 12, I, b, que repete a constituição anterior, atribuindo a nacionalidade aos filhos de brasileiro nascidos no exterior, desde que qualquer um deles esteja a serviço do Brasil. A maior alteração se dá pela letra “c” do artigo 12, I, que r egula a situação dos nascidos no estrangeiro, filho de pai ou mãe brasileira, que não estivessem a serviço do país. A Carta de 1988 previa originariamente, que os nascidos nesta situação e registrados em repartição competente brasileira sediada no exterior são brasileiros natos independente de residência ou opção. Já aqueles que não foram registrados em repartição brasileira competente, para serem aceitam como brasileiros natos, deveriam vir a residir no Brasil antes da maioridade e realizar a opção a qualquer tempo. A Emenda Constitucional de Revisão nº 3, de junho de 1994, alterou novamente esta hipótese, exigindo apenas a residência no Brasil e a opção a qualquer tempo. No que se refere à naturalização, a Constituição de 1988 suprimiu o critério de naturalização tácita ou automática previsto pelas Constituições anteriores, até por ter perdido sua importância prática face ao tempo transcorrido. Além disso, suprimiu duas hipóteses de naturalização referente a estrangeiros aqui radicados durante os cinco primeiros anos de vida ou aqueles que realizaram curso superior em estabelecimento nacional. A Constituição de 1988 estabeleceu ainda, como brasileiros naturalizados, os que na forma da lei adquiriram a nacionalidade brasileira exigindo aos originários de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral, suprimindo o requisito da sanidade física prevista na carta anterior. 58 FERRANTE. Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. p. 48. 31 Inova a Constituição ao estabelecer novo critério de aquisição de nacionalidade pela via derivada. É a hipótese de naturalização para os estrangeiros residentes há mais de trinta anos no Brasil, e que não tenham sido condenados penalmente. Estes podem requerer a nacionalidade brasileira. É o caso de naturalização extraordinária59, que foi alterado pela Emenda Constitucional nº 3 de 1994, passando de trinta anos de residência para quinze anos. 59 Os casos de naturalização extraordinária previstos na Constituição de 1988 se constituem objeto desta pesquisa, razão pela qual serão melhor analisados nos capítulos subseqüentes. 32 2. AQUISIÇÃO DA NACIONALIDADE BRASILEIRA Neste capítulo serão tratadas as formas de aquisição de nacionalidade, procedendo-se a análise dos critérios e dos requisitos exigidos pela legislação para que o indivíduo seja considerado brasileiro nato ou naturalizado. Enfocará ainda as hipóteses de perda da nacionalidade e, como complemento ao estudo, as prerrogativas dos nacionais, fazendo um comparativo entre os direitos que possuem os brasileiros natos, os naturalizados e os estrangeiros. 2.1. NACIONALIDADE ORIGINÁRIA: BRASILEIRO NATO A Constituição em seu artigo 12, I, prevê os critérios e pressupostos para que alguém seja considerado brasileiro nato. A alínea “a” do referido arti go dispõe que são brasileiros natos “os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu País”. O lugar de nascimento é o principal elemento determinador da nacionalidade brasileira originária. Há, porém, uma exceção ao ius soli. Os nascidos no Brasil, de pais estrangeiros, que estejam no Brasil a serviço de seu país, não são considerados brasileiros. Trata-se da adoção do critério ius sanguinis conjugado com o critério da função (a serviço de seu país de origem). Segundo Moraes,60 para configurar esta exceção, é necessário a conjugação de dois requisitos: a) Ambos os pais estrangeiros; b) Um dos pais, no mínimo, deve estar no território brasileiro a serviço do seu país de origem. Frise-se que não bastará outra espécie de serviço particular ou para terceiro país, pois a exceção ao critério ius soli refere-se a uma tendência natural do direito internacional, inexistindo na hipótese de pais estrangeiros a serviço de um terceiro país, que não o seu próprio. Esta exceção teve origem no princípio da extraterritorialidade diplomática, previsto pela doutrina, convenções e acordos internacionais, notadamente pela Convenção de Haia de 1930, conforme dispõe Ferrante61: 60 61 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: 12 ed. Atlas. 2002. p. 216. FERRANTE. Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. p. 55. 33 O Estado que adota o ius soli deve excluir da aplicação desse princípio os filhos das pessoas que gozem em seu território de imunidades diplomáticas e daqueles que nele se encontrem a serviço de seus respectivos governos. Outra hipótese que trata da nacionalidade originária está prevista no artigo 12, I, b, que dispõe serem brasileiros natos “os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil”. Faz-se nesta alínea concessão ao ius sanguinis, pois conforme ensina Silva62: (...) a nacionalidade brasileira é reconhecida não em decorrência do nascimento no território pátrio, mas em função da nacionalidade do pai ou da mãe (ou evidentemente, de ambos), embora não seja essa a circunstância determinante, mas o fato de estar qualquer deles a serviço da República Federativa do Brasil (de qualquer entidade de Direito Público Brasileiro: União, Estado, Município, Distrito Federal, Território e até entidades da administração direta). Note-se que neste caso, o critério ius sanguinis é adotado junto a um requisito específico, o critério funcional, sendo necessário que o pai ou a mãe, brasileiros natos ou já naturalizados no momento do nascimento, estejam no estrangeiro a serviço do Brasil. A terceira hipótese de aquisição da nacionalidade originária está prevista no artigo 12, I, c, que prevê serem brasileiros natos: Os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira. Esta hipótese sofreu importantes modificações pela Emenda Constitucional nº 3 de 7 de junho de 1994 e vem causando, desde então, bastante polêmica e discussão. Originariamente, a Constituição de 1988 previa a aquisição da nacionalidade aos nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que registrados em repartição brasileira competente, ou que viessem a residir no Brasil antes da maioridade e, alcançada esta, optassem, a qualquer tempo pela nacionalidade brasileira. Com a emenda de 1994, essa hipótese de aquisição foi alterada, deixando de exigir-se prazo para fixação de residência e suprimindo a necessidade de registro em repartição brasileira competente. O texto anterior à Emenda trazia, no entendimento de Dolinger63, uma incongruência, como segue: 62 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 328. 63 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado (parte geral). p. 151. 34 (...) a opção é forçosamente precedida do registro para comprovação da identidade, porque então, perguntávamos, o registro realizado no exterior é suficiente para caracterizar o status de brasileiro nato, enquanto que a residência no país, acrescida de registro não é suficiente e pede a opção pela nacionalidade brasileira? Para efetuar esta correção, o legislador suprimiu do texto constitucional a hipótese do registro no exterior, realizado em repartição consular, fato criticado por Guimarães64, que assim analisa a questão: O registro feito em tais circunstâncias dava, como continua dando para os nascidos e registrados até 09.06.1994,então, ensejo a lícita presunção de que os pais brasileiros desejavam que o filho fosse brasileiro nato, em caráter definitivo, admitindo-se, validamente, que ele fosse educado segundo os hábitos e costumes brasileiros, evitando, desde logo, viesse o menor a ser um estrangeiro dentro do lar brasileiro. Resolvia, ademais, os casos de nascimento acidental em país estrangeiro. A redação dada pela Emenda Constitucional prevê, ainda, que a fixação da residência no Brasil e a opção possam se dar a qualquer tempo. A fixação de residência no Brasil de filho de brasileiro nascido no estrangeiro constitui o fato gerador da nacionalidade, que fica sujeito a confirmação, dada pela opção. Como o texto suprimiu o prazo para que fosse realizada a opção, o filho de brasileiro nascido no exterior que vem a residir no Brasil é brasileiro nato sob condição suspensiva, até que sobrevenha a condição confirmativa – a opção. Este é o entendimento de Moraes:65 Agora, nos termos da Constituição atual, em virtude da inexistência de prazo para realização da opção, que poderá ser a qualquer tempo, parece-nos mais sensato que, apesar de o momento da fixação da residência no País constituir o fator gerador da nacionalidade, seus efeitos fiquem suspensos até que sobrevenha a condição confirmativa – opção (que terá efeitos retroativos). Nessa situação, este indivíduo que reside no Brasil, mas não realizou a opção, é considerado brasileiro, mas não pode invocar esta condição para fazer valer seu direito. Dessa forma manifestou-se Jobim66: A opção pode agora ser feita a qualquer tempo. Tal como nos regimes anteriores, até a maioridade, são brasileiros esses indivíduos. Entretanto, como a norma não estabelece mais prazo, podendo a opção ser efetuada a qualquer tempo, alcançada a maioridade, essas pessoas passam a ser brasileiras sob condição suspensiva, isto é, depois de alcançada a maioridade, até que optem pela nacionalidade brasileira, sua condição de brasileiro nato fica suspensa. Nesse período o Brasil os reconhece como nacionais, mas a manifestação volitiva do estado torna-se inoperante até a 64 GUIMARÃES. Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 29. 65 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. p. 218. 66 JOBIM, Nelson. Congresso Revisor. Relatoria da Revisão Constitucional – Pareceres produzidos (histórico), Senado Federal, Tomo I, Brasília, 1994. p. 36. Apud: MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. p. 516. 35 realização do acontecimento previsto, a opção. É lícito considerá-los nacionais no espaço de tempo entre a maioridade e a opção, mas não podem invocar tal atributo porque pendente da verificação da condição. 2.2. NACIONALIDADE DERIVADA: O BRASILEIRO NATURALIZADO O brasileiro naturalizado, segundo Moraes,67 é “aquele que adquire a nacionalidade brasileira de forma secundária, ou seja, não pela ocorrência de um fato natural, mas por um ato voluntário”. E a forma prevista no direito brasileiro de aquisição de nacionalidade pela via derivada é através da naturalização. Pela naturalização, o estrangeiro, que detém outra nacionalidade, ou o apátrida, que não possui nenhuma, podem assumir a nacionalidade do país em que se encontram, mediante a satisfação de requisitos legais e constitucionais. Dolinger68 conceitua naturalização como “ato unilateral e discricionário do Estado no exercício de sua soberania, podendo conceder ou negar a nacionalidade a quem, estrangeiro a requeira. Esta, na essência, é a natureza jurídica da naturalização.” Como restou assinalado anteriormente (item 1.4), a Constituição de 1988 não prevê mais nenhuma hipótese de naturalização tácita, mas tão somente hipóteses de naturalização expressa, que depende de requerimento do interessado, sendo, portanto, indispensável a manifestação livre autônoma de vontade em adquirir a nacionalidade brasileira, podendo ser dividida em ordinária e extraordinária. 2.2.1. A Naturalização Ordinária A naturalização, pelo procedimento comum ou ordinário está prevista no artigo 12, II, “a” da Consti tuição de 1988. São brasileiros: II)naturalizados: a) Os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidos aos originários de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral. Quando a alínea “a” do artigo 12 s upracitado se refere a expressão “na forma da lei”, está remetendo ao Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980), em seu artigo 67 68 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. p. 220. DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado. p.156. 36 112, que prevê sos seguintes requisitos: a) Capacidade civil, segundo a lei brasileira: O legislador trata da maioridade civil, isto é, aquela alcançada aos dezoito anos ou por emancipação, segundo o Novo Código Civil, artigo 5º. Dessa forma, a legislação originária do país do naturalizando não é considerada. Para que o estrangeiro requeira a nacionalidade brasileira, ele deve manifestar sua vontade segundo a lei brasileira. Guimarães ressalta que “essa exigência tem presente o fato de que a escolha de uma nacionalidade deve resultar de manifestação plena amadurecida vontade”. 69 b) Ser registrado como permanente no Brasil: Não basta a residência contínua e ininterrupta no Brasil por período de quatro anos, mas necessário se faz o visto permanente de estrangeiro para cumprir este requisito. c) Residência contínua pelo prazo de quatro anos: A residência tem que ser contínua, pelo prazo mínimo de quatro anos e imediatamente anterior ao pedido de naturalização. A ausência do território nacional que desfigure o ânimo de estabelecimento em caráter definitivo, inviabiliza o pedido. O Decreto nº 86.715/81, que regulamentou o Estatuto do Estrangeiro, estabelece no §3º do artigo 119 a seguinte regra: Quando exigida residência contínua por quatro anos para a naturalização, não obstarão o seu deferimento as viagens do naturalizando ao exterior, se determinadas por motivo relevante, a critério do Ministro da Justiça, e se soma dos períodos de duração não ultrapassar de dezoito meses. Portanto, nestes quatro anos o estrangeiro não pode se ausentar do país por período superior a 18 meses, sob pena de não cumprir este requisito. A residência mínima de quatro anos constitui-se como requisito objetivo para que o Poder Público constituído possa auferir se o estrangeiro está integrado à nossa sociedade, aos costumes e à educação do povo brasileiro, fatos que se constituem em fatores de análise subjetiva. d) Ler e escrever em língua portuguesa, consideradas as condições do naturalizado: O conhecimento da língua portuguesa se constitui em fator que demonstra a integração do estrangeiro à comunidade brasileira. Aquele que em quatro anos não demonstra certo domínio da língua, guardadas as condições sociais e intelectuais de cada pessoa, não o fez por não estar integrado adequadamente à coletividade, razão pela qual não está apto ao exercício da vida política e social brasileira. e) Exercício da profissão ou posse de bens suficientes à manutenção própria e da 69 GUIMARÃES. Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p 44. 37 família: Para requerer naturalização brasileira, deve o interessado comprovar os seus meios de vida, isto é, possuir profissão, renda, bens, proventos de aposentadoria ou estar sob a dependência de ascendente, irmão, tutor ou cônjuge que possuam recursos bastantes a satisfação do dever legal de prestar alimentos. Conforme ensina Guimarães:70 Trabalho é obrigação social. O que a lei exige é que o naturalizando tenha uma profissão suficiente para se manter com sua família, uma vez que a ociosidade não contribui positivamente para a sociedade que deseja integrar como cidadão. Se a vadiagem e a mendicância são razoes que determinam a expulsão do estrangeiro do território nacional, natural é que se exija a prova do meio de vida. Portanto, o poder público se ampara nesse requisito para não receber como brasileiro alguém que em nada colaborará para o desenvolvimento do país. f) Bom procedimento: Este requisito se refere à conduta moral e civil do naturalizando. É a sua maneira de se portar na vida pública e privada, sua idoneidade moral que interessa ao poder público. A esta hipótese não cabe examinar se o naturalizando responde ou tenha eventualmente respondido processo penal.71 A lei evidencia o propósito de não confundir bom procedimento com processo criminal quando os registra em itens diferentes. Evidentemente que o comportamento delituoso tem grande reflexo na conduta moral do indivíduo. Porém, há que se analisá-la autonomamente.A distinção é defendida por Ferrante72: No mais, o razoável é perquerir, nesses casos (de análise da conduta de alguém), em profundidade, um largo período do passado do naturalizado, para que se tenha a certeza de que o fato criminal constitui um acidente em sua vida, sem conotação com sua idoneidade. A Justiça brasileira já recusou pedido de naturalização fundamentado no mau procedimento. Em novembro de 1982, o Tribunal Federal de Recursos julgou o Mandado de Segurança nº 97.59673 impetrado pelo estudante universitário Francisco Javier Ulpiano Alfaya Rodrigues, espanhol, criado no Brasil, militante do movimento estudantil, tendo chegado à Presidência da União Nacional dos Estudantes (UNE), e que teve seu pedido de naturalização recusado por motivo de “mau procedimento”, por ter exercido atividade de natureza política, vedada pelo Estatuto do Estrangeiro, conforme dispõe o artigo 107: 70 GUIMARÃES. Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 46. GUIMARÃES. Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 47. 72 FERRANTE. Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. p. 71. 73 A Corte considerou que o Impetrante não se enquadrava na hipótese excepcional de naturalização prevista no artigo 145, II, b, 2 da Constituição de 1967. 71 38 O estrangeiro admitido no território nacional não pode exercer atividade de natureza política, nem se imiscuir, direta ou indiretamente, nos negócios públicos do Brasil, sendo-lhes especialmente vedado (...). O impetrante alega que não tivera mau procedimento, e que assim, não poderia ter seu pedido negado com fulcro no artigo 112, VII da Lei 6.815/80, inciso VI que determina como uma das condições para a concessão da naturalização o bom procedimento. Dolinger74 assim comenta a decisão: O Tribunal aceitou integralmente as informações do Ministério da Justiça que continham dois pontos: 1 – a naturalização é ato de soberania, de política governamental, questão de conveniência e oportunidade e nunca questão de direito subjetivo que possa ser apreciado pelos juízes e Tribunais. 2 – no caso, nem mesmo esse critério exclusivo de conveniência e soberania serviriam de fulcro à negativa da autoridade impetrada, que obedeceu ao princípio da legalidade, desrespeitado pelo impetrante que atuou na área política, que lhe era defesa.75 Pode-se considerar uma decisão autoritária para os padrões democráticos em que se vive atualmente em nosso País. Porém, para aquele período, foi uma decisão normal, de acordo com a norma vigente, e, principalmente, pelo regime autoritário imposto à população. g) Inexistência de denúncia, pronúncia ou condenação no Brasil ou exterior: O inciso VII do artigo 112 da Lei dos Estrangeiros refere-se à condenação no Brasil ou no exterior, por crime doloso a que seja cominada pena mínima, abstratamente considerada, superior a 1 (um) ano de prisão. Logo, uma condenação por crime de natureza culposa ou até mesmo dolosa, em que a pena não ultrapasse a 1 (um) ano de prisão, não obsta a concessão da naturalização.76 O artigo 12, I, “b” da Constituição de 1988 prevê uma forma de naturalização extraordinária que tem como um dos requisitos para sua concessão a ausência de condenação penal. Pode parecer que o requisito previsto no inciso VII do artigo 112 da Lei 6.815/80, não tenha sido recepcionado pela Constituição de 1988, pois aquela norma deixa em aberto à naturalização para condenados por crime culposo ou doloso com pena inferior a 1 (um) ano, enquanto que a Constituição exige a ausência de condenação penal. Entretanto, o artigo 12, I, “a” da Constituição Federal que prevê a forma ordinária de naturalização, remete à lei ordinária (in casu, Lei 6.815/80) a possibilidade de estabelecer outras modalidades de naturalização. Guimarães77 assim resume o problema: Realmente, a Lei 6.815/80 foi, no meu sentir, recebida pela alínea “a” do inciso II do artigo 12 da Carta de 1988 em sua inteireza, ao admitir outras 74 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado (parte geral). p. 157. Esta questão, levantada por Dolinger, referente ao ato de soberania na concessão da naturalização, faz parte do objeto deste trabalho e será melhor estudada no capítulo 3. 76 GUIMARÃES. Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 47. 77 GUIMARÃES. Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 48. 75 39 formas de naturalização, com prazos de residência inferiores a 15 (quinze) anos, sem os obstáculos da condenação penal de menor gravidade, com o acurado exame da capacidade civil segundo a lei brasileira, de regular permanência em território nacional, da comprovação do saber ler e escrever a língua portuguesa, de exercício de profissão, atividade lícita ou posse de bens suficientes à manutenção própria e da família, de bom procedimento e boa saúde. Portanto, há que se considerar a recepção da Constituição de 1988 da Lei 6815/80 no que tange à naturalização ordinária. A denúncia e a pronúncia podem ser consideradas causa suspensivas do pedido de naturalização, até que se verifique o julgamento do processo penal. Absolvido o naturalizando, a restrição imposta por este requisito deixa de existir.78 h) Boa saúde, prova essa dispensada ao estrangeiro que residir no país há mais de dois anos: Este dispositivo se refere à inexistência de lesões que invalidem a atividade física ou mental do naturalizando e doenças infecto-contagiosas, nocivas à coletividade. A razão deste requisito é coibir a naturalização de pessoas incapazes para o trabalho e insuscetíveis de convívio social pleno. Porém, quando a lei dispensa o cumprimento da prova deste requisito ao residente há mais de dois anos, torna-o praticamente letra morta, pois, em regra, o estrangeiro deve ter residência contínua pelo prazo de quatro anos, restando sua aplicação aos casos previstos no artigo 113 da lei 6815/8079, que trata da redução do prazo de residência. Os requisitos supracitados são exigidos de todos os estrangeiros, com exceção dos originários de países de língua portuguesa, dos quais exige-se somente dois requisitos, quais sejam, residência no Brasil por um ano ininterrupto e idoneidade moral. E aos portugueses residentes permanentemente no Brasil, a Constituição de 1988 garante, além da naturalização, a possibilidade de lhes serem atribuídos os direitos inerentes aos brasileiros naturalizados, se houver reciprocidade em favor dos brasileiros, ou seja, que o ordenamento jurídico português outorgue a brasileiros o mesmo direito requerido. A Convenção sobre Igualdade de Direitos e 78 GUIMARÃES. Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 47. Art. 113. O prazo de residência fixada no art.112, item III, poderá ser reduzido se o naturalizado preencher as seguintes condições: I – ter filho ou cônjuge brasileiro; II – ser filho de brasileiro; III – haver prestado ou poder prestar serviço relevante ao Brasil, a juízo do Ministério da Justiça; IV – recomendar-se por sua capacidade profissional, científica ou artística; ou V – ser proprietário, no Brasil, de bem imóvel, cujo valor seja igual,pelo menos, a mil vezes o maior valor de referência; ou ser industrial que disponha de fundos de igual valor, ou possuir cota ou ações integralizadas de montante, no mínimo, idêntico, em sociedade comercial ou civil, destinada, principal e permanentemente, à exploração de atividade industrial e agrícola. Parágrafo único. A residência será, no mínimo, de um ano, nos casos dos itens I a III; de dois anos, no do item IV; e de três anos, no do item V. 79 40 Deveres entre brasileiros e portugueses, assinada em 7-9-1971, foi ratificada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 82, de 24-11-1971 e em Portugal pelo Decreto Legislativo nº 126/72. 2.2.2. A Naturalização Extraordinária. Também chamada de naturalização simplificada ou quinzenária, esta forma de naturalização está prevista no artigo 12, II, alínea b da Constituição Federal. São brasileiros: II) Naturalizados: b) Os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira. Pode-se inferir da norma que três são os requisitos para se conceder a naturalização pela via simplificada: a) Residência: A inovação conferida pela redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº3, de 07 de junho de 1994, diminui o prazo anteriormente previsto de trinta anos de residência para quinze anos. Cabe analisar em primeiro lugar o termo ininterrupto. Ele se refere ao tempo de residência do naturalizando no Brasil, que deve permanecer inalterado, para atender ao “Princípio da radicação”. 80 Porém, há que se ressaltar que eventuais viagens ao exterior que não demonstrem o ânimo de mudança de residência para outro país não constituem causa de interrupção da contagem do prazo. Os deslocamentos do estrangeiro ao exterior que não afetem a autorização para que permaneça no território nacional se constituem no direito de ir e vir inerente a todo e qualquer cidadão brasileiro ou estrangeiro aqui residente. Celso Bastos escreve sobre a matéria: Ao nosso ver, não interrompe o prazo de residência no Brasil saídas do País a título eminentemente passageiro e precário, como se dá com aqueles que viajam na condição de turistas. Seria uma conseqüência muito drástica imaginar-se que uma simples ida a um país vizinho, com a mera transposição da fronteira, poderia configurar uma interrupção do prazo, afastando, assim, a incidência do dispositivo constitucional.81 Dentro disso, cabe destacar que, para a naturalização comum (prevista no artigo 12, II, “a” da Constituição Federal), cujo requisito de residência contínua no Brasil (previsto no artigo 119, § 3º do Decreto 86715 de 10 de dezembro de 1981) é de quatro anos, a legislação 80 GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 52. 81 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil, tomo II, São Paulo: Saraiva, 1989. p. 558. 41 ordinária prevê que o prazo de ausência do país neste período pode chegar a 18 meses. Neste caso em estudo, a legislação que vier a regulamentar este dispositivo, “por coerência sistêmica, deve estabelecer que a soma dos períodos de viagens possa ultrapassar dezoito meses”. 82 Em segundo lugar, vale dizer que o prazo de quinze anos deve ser contado do período imediatamente anterior ao pedido de naturalização, isto é, do requerimento para trás. Por fim, se interrompida a contagem do prazo previsto na norma constitucional, nova contagem deve ser iniciada a partir da última entrada do estrangeiro no território nacional83. b) Ausência de condenação penal: No que se refere a este requisito, o legislador não impôs limite temporal e espacial para aferição da inexistência da condenação penal. No aspecto temporal questiona-se se a falta de condenação penal se refere ao prazo de quinze anos ou atinge toda a vida pregressa do requerente. No aspecto espacial indaga-se se a ausência de condenação se refere exclusivamente no Brasil ou engloba a vida no exterior. A doutrina se posiciona de forma amplamente majoritária no sentido de admitir que a inexistência de condenação penal alcança toda a vida pregressa do naturalizando, não somente no território brasileiro, mas também onde quer que haja residido. Este é o entendimento de Bastos:“A inexistência de condenação penal, por sua vez, refere-se a toda a vida pregressa do naturalizando e não aos anos de residência no País” 84. Corrobora deste pensamento Bernardes: “Somos por concluir que a inexistência da condenação penal alcança toda a vida do naturalizando, não somente no território brasileiro, mas, também, onde quer que haja residido. Aliás, se o texto quisesse restringir expressamente definiria: sem condenação penal no Brasil”. 85 De outro lado, Peña Moraes entende que “somente obsta a obtenção da naturalização extraordinária, a existência de condenação penal transitada em julgado, por infração penal, dolosa ou culposa, praticada no território nacional, no prazo de quinze anos de residência ininterrupta”. 86 Utilizando o método de interpretação constitucional histórico, enfatiza que o Direito Positivo Brasileiro sempre tratou o estrangeiro aqui residente com grande liberalidade, especialmente em sede de expulsão e extradição, não sendo plausível interpretar a norma de maneira restritiva à possibilidade do estrangeiro. Acrescenta ainda que pela interpretação 82 PEÑA MORAES, Guilherme. Nacionalidade: Lineamentos da Nacionalidade Derivada e da Naturalização Extraordinária. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000. p..33. 83 GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 49. 84 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil, tomo II, São Paulo: Saraiva, 1989. p. 558 85 BERNARDES, Wilba Lúcia Maia. Da nacionalidade – brasileiros natos e naturalizados. Belo Horizonte: Del rey, 1996. p. 190-191. 86 PEÑA MORAES, Guilherme. Nacionalidade: Lineamentos da Nacionalidade Derivada e da Naturalização Extraordinária. p. 36. 42 sistemática o posicionamento retro assinalado não pode prosperar, visto que enquanto a norma construída a partir do artigo 112, VII, do Estatuto dos Estrangeiros expressamente ressalva a inexistência de condenação no Brasil ou no exterior (grifo do autor), a norma inserida no artigo 12, II, alínea b, da Constituição da República, prevê, única e exclusivamente, a ausência de condenação penal, de sorte que, onde o legislador não distinguiu, não cabe ao intérprete fazê-lo.87 Já pelo método de interpretação teleológica, o fim prático da norma é facilitar a naturalização daqueles que pelo seu próprio passado já estão a revelar nítida opção pela nacionalidade brasileira88, que não ocorre se der outro entendimento ao dispositivo constitucional. c) Requerimento do interessado: A aquisição de nacionalidade brasileira derivada na forma simplificada é feita através de requerimento do interessado, sendo respeitada pela Constituição Federal, a declaração de vontade. E para que haja a declaração de vontade, necessária se faz a capacidade civil plena. Logo, o relativamente incapaz, ainda que cumpra os demais requisitos constitucionais, não poderá naturalizar-se, devido à inexistência de aptidão (capacidade jurídica) para livremente manifestar-se89. 2.3. PERDA DA NACIONALIDADE A perda da nacionalidade só pode ocorrer nas hipóteses taxativamente previstas no artigo 12, § 4º: Será declarada a perda na nacionalidade do brasileiro que: I – Tiver cancelada sua naturalização por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional: II – Adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos: a) De reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira: b) De imposição de naturalização pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis. A grande inovação do texto constitucional de 1988, em relação aos anteriores, é de natureza supressiva. A hipótese, prevista desde a Constituição do Império, que considerava 87 PEÑA MORAES, Guilherme. Nacionalidade: Lineamentos da Nacionalidade Derivada e da Naturalização Extraordinária. p. 35. 88 PEÑA MORAES, Guilherme. Nacionalidade: Lineamentos da Nacionalidade Derivada e da Naturalização Extraordinária. p. 35-36. 89 GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 52. 43 causa de perda da nacionalidade para o brasileiro que, sem licença do Presidente da República, aceitasse comissão, emprego ou pensão de governo estrangeiro, foi suprimida do texto constitucional. Segundo Guimarães90, o propósito do pedido de licença ao governo brasileiro era de impedir que o cidadão brasileiro assumisse compromisso político capaz de colocar a sua fidelidade ao governo estrangeiro acima da lealdade devida ao Brasil. Com a supressão desta hipótese de perda da nacionalidade, o cidadão brasileiro que, estando vinculado a governo estrangeiro, adotar procedimento desleal à pátria, será punido na forma da legislação penal brasileira. A primeira hipótese de perda da nacionalidade brasileira prevista na Constituição é a chamada perda-punição, e refere-se aos brasileiros naturalizados. Trata-se da perda da nacionalidade em virtude de realização de atividade nociva ao interesse nacional, reconhecida por sentença judicial com trânsito em julgado. A ação de cancelamento de naturalização é proposta pelo Ministério Público Federal e imputará ao brasileiro naturalizado a prática de atividade nociva ao interesse nacional. Segundo Moraes91, “não há, porém, uma tipicidade específica na lei que preveja quais são as hipóteses de atividade nociva ao interesse nacional, devendo haver um interpretação por parte do Ministério Público no momento da propositura da ação e do Poder Judiciário ao julgá-la”. O cancelamento da naturalização efetua -se pela própria sentença, o que não deixa de ser um desvio da doutrina que confere ao Poder Executivo, com exclusividade, o juízo da conveniência, em se tratando de matéria de soberania92. Portanto, o cancelamento é feito pelo Poder Judiciário, sendo que os efeitos da sentença são ex nunc, ou seja, não são retroativos, atingindo a relação jurídica entre o indivíduo e o estado somente após seu trânsito em julgado.93 Ressalte-se que a reaquisição da nacionalidade perdida só se dá por meio de ação rescisória e nunca por novo procedimento de naturalização. A segunda hipótese de perda da nacionalidade se dá pela aquisição voluntária de outra. Também conhecida por perda-mudança, é aplicável tanto aos brasileiros natos quanto aos naturalizados. Nesta hipótese, não há necessidade de processo judicial, pois a perda da nacionalidade será decretada por meio de processo administrativo e oficializada mediante decreto do Presidente da República, garantida sempre a ampla defesa. 90 GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 90. MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. p. 229 92 GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 91. 93 MORAES, Alexandre. Constituição anotada. p. 527. 91 44 Para que esta hipótese constitucional seja levada a termo, necessário se faz o cumprimento de três requisitos, quais sejam, a voluntariedade da conduta do interessado, a capacidade civil para o cometimento do ato e a aquisição propriamente dita da nacionalidade estrangeira. Note-se que, a mera formalização do pedido de naturalização a país estrangeiro, não gera perda da nacionalidade. Há que se cumprir a efetiva aquisição da nacionalidade para gerar a perda. Neste caso, tal qual a primeira hipótese de perda da nacionalidade, os efeitos são ex nunc, ou seja, atingindo a relação jurídica do indivíduo com o Estado apenas após a edição do decreto Presidencial. O brasileiro naturalizado que perde esta condição em virtude do artigo 12, § 4º, inciso II da Constituição de 1988, poderá readquiri-la por meio de outro processo de naturalização. Já em relação ao brasileiro nato, a doutrina diverge no que diz respeito a reaquisição da nacionalidade brasileira. Uma corrente, representada por Alexandre Moraes, entende que o brasileiro nato que se vê privado da nacionalidade originária, tornando-se, pois estrangeiro, somente poderá readquiri-la sob forma derivada, mediante processo de naturalização, tornando-se, conseqüentemente, brasileiro naturalizado. 94 A outra corrente, representada por José Afonso da Silva entende que a reaquisição da nacionalidade poderá ocorrer por decreto do Presidente da República (previsto no artigo 36 da lei 818/49), desde que o ex brasileiro esteja domiciliado no território nacional. Assim, se a condição era de brasileiro nato, voltará a ostentá-la, fosse brasileiro naturalizado, retornará a esta situação.95 O artigo 12, § 4º, II, prevê duas exceções ao fato de o brasileiro adquirir outra nacionalidade e por conseqüência perder a nacionalidade brasileira. A primeira delas diz respeito ao reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira. Nesta hipótese, o indivíduo tem, além da nacionalidade brasileira, o reconhecimento por Estado estrangeiro de nacionalidade originária, em razão do critério do ius sanguinis. É o caso da Itália que reconhece aos descendentes de seus nacionais, a cidadania italiana. Os brasileiros descendentes de italiano que adquirem àquela nacionalidade por processo administrativo, que reconheça a cidadania italiana baseado no critério do ius sanguinis, não perdem a nacionalidade brasileira, passando a portar dupla nacionalidade. A segunda exceção refere-se à imposição de naturalização pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis. Sobre esta hipótese de dupla nacionalidade manifestou-se 94 95 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. p. 230. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 334-335. 45 o então Ministro da Justiça, atualmente Presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, “ no sentido de que a perda de nacionalidade brasileira não deve ocorrer quando a aquisição da outra nacionalidade decorrer de imposição da norma estrangeira”. 96 O parecer diz respeito a um caso concreto que se passou com uma brasileira que trabalhava nos Estados Unidos desde 1975. Lá, concluiu curso de mestrado jurídico, casou-se com cidadão americano e necessitou naturalizar-se norte-americana para seguir carreira jurídica. Além disso, sua condição de estrangeira inviabilizaria eventual herança deixada por seu marido, face a excessiva tributação. O Consulado Geral do Brasil, em Nova York, instaurou processo de perda da nacionalidade brasileira. Porém, entendeu-se que a norma constitucional procura “preservar a nacionalidade brasileira daquele que, por motivos de trabalho, acesso aos serviços públicos, fixação de residência , praticamente se vê obrigado a adquirir nacionalidade estrangeira, mas, que na realidade, jamais teve a intenção ou a vontade de abdicar da cidadania originária”. 97 Portanto, o dispositivo constitucional protege cidadão brasileiro contra a perda da nacionalidade, que só deve ocorrer nos casos em que o indivíduo demonstrar expressamente a vontade de mudar de nacionalidade. 2.4. PRERROGATIVA DOS NACIONAIS A Constituição de 1988, no caput do artigo 5º dispõe: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade(...). Face ao Princípio da igualdade, a Constituição não faz distinção entre nacionais e estrangeiros residentes no País quanto ao acesso a direitos fundamentais. Fazendo um breve histórico da evolução do nosso Direito Constitucional face ao direito dos nacionais e estrangeiros, observa-se que somente a Constituição de 1824 distinguiu os cidadãos brasileiros, dedicando-lhes certas garantias com exclusividade. Assim, o título VIII, denominava-se “das disposições gerais e garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros” e o artigo 179, consagrador da inviolabilidade dos direitos civis e 96 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. p. 230. Apud: Despacho do Ministro da Justiça Nelson Jobim, 04.08.1995, processo nº 08000.00.009836/93-08, adotando integralmente o parecer da Drª Sandra Valle, Secretária de Justiça. 97 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. p. 231. 46 políticos “que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade” foi garantida pela Constituição do Império para os “cidadãos brasileiros”, especificando -se entre as alíneas do dispositivo vários direitos dedicados exclusivamente ao “cidadão”. 98 A Carta Republicana de 1891 inovou, assegurando no seu artigo 72 “a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade...” mantendo -se esta equiparação nas Cartas seguintes. 2.4.1. Distinção entre Brasileiros e Estrangeiros Estrangeiro é aquele que nasceu fora do território nacional e não adquiriu a nacionalidade brasileira. Cabe analisar os estrangeiros residentes no Brasil. Os estrangeiros aqui residentes têm, em princípio, o gozo dos mesmos direitos dos brasileiros. Até porque nenhum Estado tem obrigação de admitir estrangeiros em seu território. Mas, uma vez admitidos, devem-lhes ser concedidos um mínimo de direitos que lhes garanta igualdade com os nacionais no que se refere aos direitos fundamentais da pessoa humana. O Código de Bustamante, no seu artigo 1º dispõe que: Os estrangeiros que pertencerem a qualquer dos estados contratantes gozam, no território dos demais, dos mesmos direitos civis que se concedem aos nacionais. Cada Estado contratante pode, por motivos de ordem pública, recusar ou rejeitar a condições especiais o exercício de determinados direitos civis aos nacionais dos outros, e qualquer desses Estados pode, em casos idênticos, recusar o mesmo exercício dos nacionais do primeiro. Há diversas restrições no direito pátrio quanto a atuação dos estrangeiros no Brasil, entre eles a ocupação de cargos e funções públicas, a propriedade de empresas jornalísticas, a compra de terras de fronteira, bem como a vedação a atuação sindical, o exercício de certas profissões e de atividades políticas, previstos no artigo 107 do Estatuto do Estrangeiro. Esta última vedação emana de inúmeros diplomas internacionais, entre eles a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, que dispõe em seu artigo 38 que “Todo estrangeiro tem o dever de se abster de tomar parte nas atividades políticas que, de acordo com a lei, sejam privativos dos cidadãos do Estado em que se encontram”. O artigo 5º da Constituição de 1988 que trata dos direitos e garantias fundamentais traz em seus diversos incisos várias liberdades atinentes aos nacionais e estrangeiros, inclusive alguns que tem relação com atividade política, tais como liberdade de manifestação de pensamento, liberdade de comunicação, direitos de reunião pacífica e de associação. 98 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado (parte geral). p. 196. 47 Porém, a prática de atos que correspondem ao exercício de atividade política é vedada ao estrangeiro. Segundo Dolinger “a atividade de natureza política, a ingerência nos negócios públicos do Brasil – esta atividade lhe é vedada por lei99”. Portanto, a maior restrição aos estrangeiros está na proibição ao exercício de atividades políticas de qualquer espécie (votar e ser votado). Porém, não há que se proibir aos estrangeiros a possibilidade de discutir doutrinariamente matéria política. A proibição deve ser restrita a crítica, a oposição feita a atividades governamentais, a propaganda contra a ordem política existente. 2.4.2. Distinção entre Brasileiros Natos e Naturalizados Com fulcro no princípio da igualdade previsto no artigo no artigo 5º da Constituição de 1988, caput, preceitua o artigo 12, § 2º100 da referida norma que ficam vedadas quaisquer distinções entre brasileiros natos e naturalizados, ressalvados os casos expressamente previstos na Constituição de 1988. Este dispositivo Constitucional veio recepcionar a Lei 6.192 de 19 de dezembro de 1974, que dispõe sobre restrições a brasileiros naturalizados, versando seu artigo 1º nos seguintes termos: “é vedada qualquer distinção entre brasileiros natos e naturalizados”.Constitui a referida lei, como contravenção penal qualquer violação ao disposto neste artigo 1º. A Constituição Federal emana como as únicas hipóteses de tratamento diferenciado àquelas pertinentes a cargos, função, extradição e propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens. Segundo Moraes, o “legislador constituinte fixou dois critérios para a definição dos cargos privativos aos brasileiros natos: a chamada linha sucessória e a segurança nacional”. 101 São critérios que têm sustentação em questões de soberania, face ao perigo que eventualmente poderia representar se, interesses estranhos ao Brasil, levasse alguém a se naturalizar e a ocupar posição importante dentro da República. Em relação à linha sucessória, o artigo 79 da Constituição de 1988 prevê que o Presidente da República será substituído, em caso de impedimento, pelo Vice-Presidente. Segue o artigo 80 dispondo que em caso de impedimento de ambos ou vacância dos respectivos cargos, os sucederão no comando do Poder Executivo, pela ordem, o Presidente 99 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado (parte geral). p. 198. Artigo 12, § 2º - A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição. 101 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. p. 226. 100 48 da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal. No que se refere à Segurança Nacional, pela posição estratégica em que se encontram, o legislador constituinte relacionou os diplomatas, os Oficiais das Forças Armadas e o Ministro de Estado da Defesa. São, portanto, privativos de brasileiros natos, segundo o artigo 12. § 3º da Constituição de 1988, os cargos de: Presidente e Vice-Presidente da República; de Presidente da Câmara dos Deputados; de Presidente do Senado Federal; de Ministro do Supremo Tribunal Federal; da Carreira Diplomática; de Oficial das Forças Armadas e de Ministro de Estado da Defesa102. Quanto à função, a Constituição de 1988 diferencia brasileiro nato dos naturalizados, pois reserva àqueles seis assentos no Conselho da República103. O brasileiro naturalizado pode fazer parte do Conselho da República como líder da maioria e da minoria na Câmara dos Deputados e no Senado Federal ou como Ministro da Justiça, porém, ele sofre restrições aos demais assentos que são privativos de brasileiros natos. A terceira hipótese de tratamento diferenciado entre brasileiros natos e naturalizados, diz respeito à extradição. O artigo 5º, inciso LI da Constituição de 1988 prevê que brasileiro nato nunca será extraditado, enquanto que o brasileiro naturalizado poderá ser extraditado somente em dois casos: por crime comum, praticado antes da naturalização; e por crime de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, independente do momento do fato, ou seja, não importa se foi antes ou depois da naturalização. Por fim, restringe-se o direito dos brasileiros naturalizados quando se trata de propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens. O artigo 222 da Constituição de 1988 dispõe que a propriedade dessas empresas é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, que exercerão obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação. 102 O cargo de Ministro de Estado da Defesa foi acrescentado no rol dos cargos privativos de brasileiros natos pela Emenda Constitucional nº 23, de 2 de setembro de 1999. 103 O Conselho da República é órgão superior de consulta do Presidente da República e têm como integrantes: o Vice-Presidente da República; o Presidente da Câmara dos Deputados; o Presidente do Senado Federal; os líderes da maioria e da minoria na Câmara dos Deputados e no Senado Federal; o Ministro da Justiça; seis brasileiros natos, com mais de 35 anos de idade, sendo dois nomeados pelo Presidente da República, dois eleitos pelo Senado Federal e dois eleitos pela Câmara dos Deputados, todos com mandato de três anos, vedada a recondução. 49 3. CONCESSÃO DE NATURALIZAÇÃO: ATO DISCRICIONÁRIO OU ATO VINCULADO DO PODER EXECUTIVO Neste capítulo, procurar-se-á caracterizar a natureza jurídica do ato de concessão da naturalização. Para tal, será utilizado o estudo realizado no capítulo anterior, principalmente no que se refere à análise dos requisitos e pressupostos exigidos pela legislação para que seja concedida a naturalização. Porém, antes de entrar definitivamente no problema a que o trabalho se propõe a analisar, ou seja, a discussão em torno da discricionariedade ou não do ato de concessão da naturalização, se faz necessário caracterizar os atos administrativos discricionários e vinculados, que servirá de substrato para definir a natureza jurídica do ato de concessão da naturalização. 3.1. ATO ADMINISTRATIVO: CONCEITO Para se conceituar o ato administrativo é preciso ter claro que não há uma definição legal face à diversidade de conceitos desenvolvidos pelos doutrinadores. Cretella Júnior assinala que “não é exagero afirmar serem as definições propostas em número quase igual ao dos autores que as formulam”. 104 Segundo Meirelles “ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria”. 105 Ressalte-se que o ato administrativo é uma espécie do gênero ato jurídico que se diferencia por destinar-se a fins de interesse público, sem o qual seriam atos jurídicos.” 106 3.2. ELEMENTOS DO ATO ADMINISTRATIVO Para que o ato administrativo seja válido deve reunir cinco elementos ou requisitos, a 104 CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 190. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p.145. 106 CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. p.189. 105 50 saber: competência, finalidade, forma, motivo e objeto.107 Meirelles assim define competência: Competência administrativa é o poder atribuído ao agente da Administração para o desempenho específico de suas funções. A competência resulta da lei e por ela é delimitada. Todo ato emanado do agente incompetente, ou realizado além do limite de que dispõe a autoridade incumbida de sua prática, é inválido, por lhe faltar um elemento básico de sua perfeição, qual seja, o poder jurídico para manifestar a vontade da administração.108 A competência não pode ser alterada ao livre arbítrio do administrador, pois, sendo um requisito de ordem pública, é intransferível e improrrogável pela vontade das partes, podendo ser delegada e avocada desde que permitam as normas reguladoras da administração.109 Finalidade se traduz no objetivo de interesse público a atingir. No dizer de Di Pietro “é o resultado que a Administração quer alcançar com a prática do ato”. 110 É requisito vinculado de todo ato administrativo porque o Direito positivo não admite ato administrativo sem finalidade pública, sem que atenda ao interesse público. Bandeira de Mello define forma como o revestimento exterior do ato; portanto, o modo pelo qual este aparece e revela sua existência111. Diferentemente da vontade dos particulares, que pode manifestar-se livremente, os atos da Administração exigem procedimentos especiais e forma legal para que se expresse validamente. Meirelles explica esta exigência pela necessidade que tem o ato administrativo de ser contrastado com a lei e aferido, freqüentemente, pela própria Administração e até pelo Judiciário, para verificação de sua validade.112 Motivo na definição de Di Pietro “é o pressuposto de fato e de direito que serve de fundamento para o ato administrativo”. 113 Pressuposto de direito é o fato descrito na norma. Pressuposto de fato corresponde ao conjunto de circunstâncias que levam a Administração a praticar o ato. Segundo Meirelles, motivo “é a situação de direito ou de fato que autoriza ou determina a realização do ato administrativo”. Não se confunde motivo com motivação do ato. Motivo é a causa que leva a 107 Esta é a classificação adotada por MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p.148. Bandeira de Mello classifica os elementos do ato administrativo como: conteúdo e forma. Sujeito, motivo e finalidade são pressupostos do ato administrativo. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 357. 108 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 147. 109 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 147. 110 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 194. 111 BANDEIRA DE MELLO. Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. p. 361. 112 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 148. 113 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 195. 51 Administração à prática do ato, enquanto que a motivação é a exposição dos motivos, por escrito, de que os pressupostos de fato existiram114. O quinto requisito do ato administrativo é o objeto ou conteúdo do ato, que se traduz no efeito jurídico que o ato produz. Na visão de Cretella Júnior, “objeto do ato administrativo é o efeito prático que, na órbita administrativa, o sujeito pretende alcançar através de sua ação direta ou indireta: é a própria substância do ato, seu conteúdo”. 115 O objeto identifica-se com o conteúdo do ato, através do qual a Administração manifesta sua vontade.116 3.3. O ATO ADMINSTRATIVO DISCRICIONÁRIO E O ATO ADMINISTRATIVO VINCULADO: CARACTERIZAÇÃO E CONTRAPOSIÇÃO A Administração Pública, para bem executar as tarefas inerentes às funções de organismo estatal, dispõe de poderes que lhe asseguram certa supremacia sobre os particulares, a fim de executar seus atos, buscando o interesse público, fim de todo ato administrativo. Estes atos praticados pela Administração são classificados sob variados critérios. Para este estudo, merecem atenção os atos classificados quanto ao seu regramento, quanto ao grau de liberdade de apreciação por parte da Administração Pública para expedilos: atos vinculados e atos discricionários. Atos vinculados, segundo Meirelles, são: aqueles para os quais a lei estabelece os requisitos e condições de sua realização. Nessa categoria de atos, as imposições legais absorvem, quase que por completo, a liberdade do administrador, uma vez que sua ação fica adstrita aos pressupostos estabelecidos pela norma legal para a validade da atividade administrativa. Desatendido qualquer requisito, compromete-se a eficácia do ato praticado, tornando-se passível de anulação pela própria Administração, ou pelo Judiciário, se assim o requerer o interessado.117 No ato vinculado, o princípio da legalidade impõe ao agente público que observe todos os requisitos expressos em lei para a prática do ato. E os requisitos do ato (competência, finalidade, forma, motivo e objeto) vêm expressamente descritos na lei, ficando o agente público adstrito ao seu fiel cumprimento. A lei não deixa opções. Por isso se diz que diante de um poder vinculado, o particular tem um direito subjetivo de exigir da autoridade a edição de 114 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 195. CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. p. 257. 116 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 150. 117 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 162-163. 115 52 determinado ato, sob pena de não o fazendo, sujeitar-se à correção judicial.118 Na prática de atos vinculados, impõe-se à Administração o dever de motivá-los, no sentido de evidenciar a conformação de sua prática com as exigências e requisitos legais que constituem pressupostos necessários de sua existência e validade. Os atos discricionários são aqueles em que o regramento não atinge todos os aspectos da atuação administrativa, ou seja, a lei deixa certa margem de decisão diante do caso concreto, de tal forma que o administrador poderá optar por uma dentre as várias soluções possíveis. Cretella Júnior, assim, define ato administrativo discricionário: É a manifestação concreta e unilateral da vontade da Administração que, fundamentada em regra objetiva de direito que a legitima e lhe assinala o fim, se concretiza livremente, independente de qualquer lei que lhe dite, previamente, a oportunidade e a conveniência da conduta, sendo, pois, neste campo, insuscetível de revisão judiciária. No ato discricionário, o agente possui liberdade quanto à escolha dos motivos (oportunidade) e do objeto (conveniência). Assim, fica vinculado o agente apenas quanto aos elementos da competência, finalidade e forma. Segundo Meirelles, a discricionariedade não se manifesta no ato em si, mas no poder de a Administração praticá-lo pela maneira e nas condições que repute mais convenientes ao interesse público.119 A liberdade de ação que possui o administrador à prática de atos discricionários é regulada pelo princípio da legalidade, ou seja, a atividade discricionária não dispensa a lei, nem se exerce sem ela, mas com observância e sujeição a ela. Exorbitando-se à lei, estará o agente agindo ilicitamente, ilegitimamente, constituindo ato arbitrário. Não há que se confundir ato discricionário e ato arbitrário. Ato arbitrário é aquele que se opera sem qualquer limite, sem observância à norma jurídica.120 É, portanto, sempre ilegítimo, inválido. Meirelles ensina que a discricionariedade administrativa encontra fundamento e justificativa na complexidade e variedade dos problemas que o poder público tem que solucionar e para os quais a lei não pode prever todas as soluções, ou pelo menos, a mais vantajosa para cada caso ocorrente.121 Assim, caracteriza-se a relevância jurídica da discricionariedade. É uma ferramenta entregue ao Administrador Público para que, na gestão da coisa pública, possa realizar determinados atos em que a lei lhe permite escolher, dentre duas ou mais soluções e segundo critérios de oportunidade e conveniência, àquela que melhor 118 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p. 196. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 164. 120 CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. p. 222. 121 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 164. 119 53 se direcione na busca do interesse público. 3.3.1. O Mérito do Ato Administrativo Discricionário Antes de caracterizar o mérito do ato administrativo, mister se faz diferenciar o conceito de mérito no âmbito processual e no âmbito do direito administrativo. No campo processual, mérito é o núcleo do litígio, ou seja, é a própria substância da lide, o seu elemento principal, que existe em toda demanda e centraliza as pretensões das partes.122 No âmbito do direito administrativo, este sentido processual também está presente, pois no processo administrativo o mérito não deixa de ser o conteúdo da lide.123 Porém, considerando o mérito em relação ao ato administrativo, há que se deixar de lado o conceito processual de mérito para relacioná-lo com a ponderação pessoal da autoridade administrativa sobre determinados fatos, que na definição de Cretella Júnior, “a levam a decidir num sentido ou noutro e, até mesmo, de nada decidir”. 124 Em sentido análogo conceitua Meirelles, “o mérito administrativo consubstancia-se, portanto, na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato, feitas pela Administração incumbida de sua prática, quando autorizada a decidir sobre a conveniência, a oportunidade e justiça do ato a realizar”. 125 A relação que se faz do mérito do ato administrativo com a discricionariedade tem origem no direito italiano. No direito brasileiro, o primeiro autor a desenvolver o tema de forma aprofundada foi Seabra Fagundes. Para ele, o mérito consiste no sentido político do ato administrativo. É o sentido em função das normas de boa administração, que atenda ao interesse público e, ao mesmo tempo, se ajuste aos interesses privados, que toda medida administrativa tem de levar em conta.126 Este sentido político “decorre da função de atender ao interesse público, para o desempenho da qual a Administração deve preencher uma definição específica incompletamente feita na lei”. 127 Trata-se, na visão de Moreira Neto, de uma integração administrativa da legitimidade. Os aspectos a serem definidos pelo Administrador são, sinteticamente, os de oportunidade e conveniência. Para o autor “se são essas definições, de 122 CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. p. 273. CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. p. 273. 124 CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. p. 273. 125 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 150-151. 126 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1991. p. 89. 127 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e Discricionariedade: novas reflexões sobre os limites e contole da discricionariedade de acordo com a Constituição de 1988. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989. p. 30. 123 54 conveniência e oportunidade que vão compor o mérito do ato administrativo, a discricionariedade exsurge como meio para que essa função possa ser exercida pela Administração”. 128 Embora o mérito do ato administrativo não se constitua um dos requisitos essenciais do ato, ele relaciona-se com o motivo e objeto, requisitos existentes tanto no ato administrativo vinculado como no discricionário. Por isso alguns autores defendem que existe mérito em ambos os atos. Esta é a posição de Cretella Júnior, que assim explica esta hipótese: No ato discricionário, em que a competência é “livre”, o administrador valora a decisão a tomar, orientando-se pelo critério da oportunidade e da conveniência (...) Tais atos envolvem sempre o mérito, a valoração, a opção, o juízo de valor do “administrador” (...) No ato vinculado, entretanto, em que a competência é “regrada”, o agente administrativo fica preso a motivos predeterminados, não podendo optar por esta ou aquela conduta (...) O mérito deste caso fica submetido à vinculação. Entendemos, assim, que mesmo no ato administrativo vinculado, existe parcela subjacente de mérito, se bem que in potentia, não utilizável pela autoridade, por ser “absorvida” pelos demais fatores determinantes da edição do ato. Mesmo que o administrador entenda inoportuno ou inconveniente o ato, deve necessariamente editá-lo, desde que o destinatário tenha preenchido os requisitos exigidos por lei.129 Contudo, há doutrinadores que divergem desta posição, pois consideram que “o merecimento é aspecto pertinente apenas aos atos administrativos praticados no exercício da competência discricionária”. 130 Meirelles ensina que nos atos vinculados, onde não há faculdade de opção do administrador, pois fica restrito à possibilidade de verificação dos pressupostos de direito e de fato do ato, não há que se falar em mérito, visto que toda atuação do Executivo se resume ao atendimento das imposições legais. Diversamente do que ocorre nos atos discricionários, em que, além dos elementos sempre vinculados (competência, finalidade e forma), outros existem (motivo e objeto) em relação aos quais a Administração decide livremente.131 Não obstante a controvérsia que existe no tocante à identificação ou não do mérito no ato vinculado, quanto ao ato discricionário esta situação não se repete, uma vez que este é resultado sempre do exercício da discricionariedade, como definição da oportunidade e da 128 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e Discricionariedade: novas reflexões sobre os limites e contole da discricionariedade de acordo com a Constituição de 1988. p. 31. 129 CRETELLA JÚNIOR, José. Controle jurisdicional do ato administrativo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 245. 130 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 151, Apud: SEABRA FAGUNDES, Miguel. “ Conceito de mérito no Direito Administrativo”, RDA 23/1 -16. 131 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. p. 151. 55 conveniência, na função de integrar os elementos motivo e objeto.132 3.3.2. Discricionariedade Administrativa e Interpretação da Norma Jurídica Uma das maiores dificuldades de entender a discricionariedade administrativa está relacionada a sua distinção da simples interpretação da norma. O entendimento dessa discussão passa pelo conhecimento dos conceitos jurídicos indeterminados.133 A expressão conceito jurídico indeterminado é empregada para designar vocábulos ou expressões que não têm um sentido preciso, determinado, mas que se encontram com certa freqüência nas normas jurídicas. Por exemplo, expressões como boa-fé, conduta irrepreensível, interesse público, ordem pública, bom procedimento, idoneidade moral, notório saber e tantos outros que não trazem um sentido objetivamente determinado. Se existem conceitos jurídicos indeterminados, existem também os determinados que “delimitam a esfera do real a que se referem, de maneira precisa (como exemplo destes conceitos temos: a delimitação legal de setenta anos para aposentadoria compulsória de servidor público) com isto não pairam dúvidas sobre o âmbito material aos quais tais conceitos se referem”. 134 No que tange aos conceitos indeterminados, “a lei se refere a uma esfera da realidade cujas delimitações não são precisas no seu enunciado”. 135 E embora a lei não determine com precisão os limites desses conceitos, está se referindo a hipóteses da realidade e estes conceitos tornam-se determinados no momento de sua incidência no caso concreto.136 No Estado de Direito, reconhece-se ao Judiciário e à Administração o poder de interpretar a lei antes de sua aplicação. Advém “a idéia de que determinados conceitos utilizados em lei, por serem vagos, são ininterpretáveis, gerando para a administração, a liberdade de fazer uma apreciação subjetiva diante dos fatos concretos, liberdade essa que corresponderia precisamente ao poder discricionário”. 137 Porém, segundo Di Pietro, outra corrente doutrinária entende que todos conceitos vagos são passíveis de interpretação, não implicando discricionariedade para a Administração. Existe ainda uma posição intermediária 132 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Legitimidade e Discricionariedade: novas reflexões sobre os limites e controle da discricionariedade de acordo com a Constituição de 1988. p. 33. 133 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. p. 83. 134 CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Discricionariedade Administrativa no Estado Constitucional de Direito. 1ª ed. Curitiba: Juruá, 2001, p. 136. 135 CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Discricionariedade Administrativa no Estado Constitucional de Direito. p. 136. 136 CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. Discricionariedade Administrativa no Estado Constitucional de Direito. p. 136-137. 137 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. p. 83-84. 56 na doutrina que reconhece o poder discricionário para a Administração Pública em face dos conceitos indeterminados. Porém, essa discricionariedade não implica livre apreciação, pois a autoridade administrativa tem o dever de buscar o interesse público que o legislador quis proteger ao conferir-lhe discricionariedade. Esta começa onde termina a interpretação.138 Neste sentido, todas as teorias extremas que denotam apenas atividade de interpretação sempre que a lei utilize conceitos indeterminados devem ser evitadas. É verdade que existem casos em que os conceitos indeterminados previstos na norma afastam a discricionariedade administrativa, porque existem meios que permitem à Administração transformar em determinado um conceito aparentemente indeterminado. Porém, existem tipos de conceitos jurídicos que implicam uma apreciação subjetiva por parte da autoridade administrativa, propiciando certa margem de discricionariedade. Isto não quer dizer que a Administração tenha liberdade total, pois por via da interpretação e da apreciação dos fatos pode-se reduzir a certos limites a discricionariedade. Mas conforme sintetiza Di Pietro, “se a autoridade administrativa, pelo método da interpretação, não puder chegar a uma solução única, mas a várias soluções igualmente válidas perante o direito, devendo a escolha ser feita segundo critérios puramente administrativos (e não jurídicos) estar-se-á no campo da discricionariedade”. 139 Ante o exposto, pode-se concluir que a interpretação da norma deve ser feita com a intenção de extrair seu sentido preciso para então aplicá-la. Diferentemente da atividade discricionária, em que a lei, após interpretada, faculta a Administração Pública escolher entre duas ou mais soluções, consideradas legais, sendo que a opção é feita segundo critérios de conveniência e oportunidade.140 3.3.3. Os atos de Governo De origem jurisprudencial, nasceu na França a teoria dos atos políticos ou atos de governo, segundo a qual as questões de governo não seriam passíveis de controle judicial. Isto se deu por uma necessidade de sobrevivência do Conselho de Estado Francês que perdera força com o restabelecimento da Monarquia francesa na segunda metade do século XIX.141A teoria irradiou para outros países e foi reestruturada conforme às necessidades jurídicas e sociais e às condições peculiares de cada sistema. 138 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. p. 84. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. p. 85. 140 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. p. 86. 141 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. p. 58. 139 57 Os atos políticos ou de governo são aqueles praticados com grande margem de discrição e em obediência direta à constituição, no exercício de função puramente política.142 Conforme Cretella Júnior “é aquele que promana do g overno, no exercício do poder político”. Bandeira de Mello diferencia os atos de governo dos atos administrativos nos seguintes termos: Por corresponderem ao exercício da função política e não administrativa; não há interesse em qualificá-los como atos administrativos, já que sua disciplina é peculiar. Inobstante também sejam controláveis pelo Poder Judiciário são praticados de modo amplamente discricionário, além de serem expedidos em nível imediatamente infraconstitucional – ao invés de infralegal – o que lhes conferem fisionomia própria. Porém, Cretella Júnior tem outro entendimento. Pelos seus ensinamentos: O ato político é, antes de tudo, “espécie” em que se desdobra o “gênero” ato administrativo, do mesmo modo que Poder Administrativo e Poder Executivo também se acham nessa relação (...) Por sua vez o ato administrativo é o ato do Estado matizado de juridicidade. Logo, ato político é a manifestação de cunho administrativo a que não é estranho o traço jurídico.143 Admitindo-se este entendimento, não há distinção substancial entre o ato administrativo e o ato político ou de governo, pois ambos têm em mira a concretização do direito, objetivando a aplicação da lei ao caso concreto, formando os atos de governo apenas uma classe à parte, entre as manifestações da vontade do Estado.144 Cabe ressaltar que, o ato de governo ou político não poderá atingir nem de forma reflexiva, tampouco diretamente, o direito subjetivo de um cidadão, sob pena de correção judicial.145 Ante ao exposto, percebe-se que no Brasil os atos políticos ou de governo são passíveis de controle judicial, diferentemente do que aduz a doutrina européia. Segundo Bandeira de Mello, “esta os concebe para efeitos de qualificá -los como os atos insuscetíveis de controle jurisdicional, entendimento que repelimos de modo absoluto e que não se coadunaria com o Texto Constitucional brasileiro, notadamente com o artigo 5º, XXXV”146 que dispõe: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. 142 BANDEIRA MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. p. 351. CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. p. 233. 144 CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. p. 233. 145 CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de direito administrativo. p. 233. 146 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. p. 352. 143 58 3.4. A CONCESSÃO DA NATURALIZAÇÃO E O ÂMBITO DA AUTONOMIA DO PODER EXECUTIVO Conforme já tratado nos capítulos anteriores, as questões relativas à nacionalidade são disciplinadas pela lei interna de cada país, que para editá-las, devem ter como norte os princípios do Direito Internacional relativos à matéria. Dentro deste contexto, a concessão da naturalização brasileira é ato autônomo e soberano do Estado. Soberano porque é o Estado, em última análise, que define quais critérios e procedimentos que deve adotar para conceder a naturalização. É um exercício de poder de sua competência, reconhecido pelo Direito Internacional, por ser o Brasil, um Estado soberano. E este ato soberano é exercido pelo Poder Executivo, pois conforme ensina Guimarães “a concessão de naturalização é ato de exclusiva comp etência do Poder Executivo, devendo fazer-se mediante portaria do Ministro da Justiça”. 147 O pedido de naturalização, assim, é instruído via procedimento administrativo, perante o Ministério da Justiça, onde é aferido o atendimento às condições impostas por lei, iniciando-se o processo por petição do interessado, manifestando esse sua vontade, requisito indispensável para a admissão e estudo do pedido.148 O pedido de naturalização inicia-se perante o Departamento de Polícia federal, que ao processar o pedido, investigará a conduta do requerente, opinará sobre a conveniência da naturalização, certificará se o mesmo sabe ler e escrever a língua portuguesa e então encaminhará o processo ao Departamento de Estrangeiros do Ministério da Justiça. Cabe a este Departamento o exame do processo, com verificação da regularidade instrutória e formular as exigências complementares que se tornem necessárias a sua convicção. Cumpridos todos os requisitos legais, o Diretor do Departamento de Estrangeiros dá seu parecer conclusivo e o submete ao Ministro da Justiça, seguindo-se a publicação da Portaria Ministerial concessiva da naturalização.149 Caso algum requisito não seja cumprido pelo naturalizando, o Diretor do Departamento de Estrangeiros determinará o arquivamento do processo, do qual caberá pedido de reconsideração em trinta dias contados da publicação do ato, com recurso, em caso de desatendimento, ao Ministro da Justiça.150 Por todo esse procedimento e pela própria previsão legal estatuída pelo Estatuto dos 147 GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 60. GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 60. 149 GUIMARÃES, Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 65. 150 FERRANTE, Miguel Jerônymo. Nacionalidade: brasileiros natos e naturalizados. p. 73. 148 59 Estrangeiros, a concessão de naturalização, tradicionalmente, vem sendo reconhecida como ato discricionário da Administração e não como direito subjetivo do estrangeiro. Porém, a Constituição Federal de 1988 possibilita uma nova abordagem sobre a questão: previu a forma de naturalização extraordinária, através da qual os requisitos necessários a sua concessão são definidos diretamente pelo texto constitucional independentemente da existência de um juízo subjetivo ou discricionário da autoridade como condição para a realização do ato de concessão da naturalização. Assim, a naturalização passa a ter natureza jurídica diferenciada conforme se trate de naturalização ordinária ou extraordinária. Peña Moraes ensina que “a naturalização comum ou ordinária é dotada de natureza jurídica de ato administrativo discricionário,” 151 ou seja, o agente público pode praticá-lo com liberdade de escolha no que concerne aos motivos (oportunidade e conveniência) e ao objeto (conteúdo).Ao reverso, a “a naturalização extraordinária é provida de natur eza jurídica de ato administrativo vinculado, isto é, ato administrativo em que o agente público está adstrito à lei em todos os seus elementos integrativos (competência, finalidade, forma, motivo e objeto)”. 152 Na seqüência do capítulo serão tratadas as formas de naturalização e a natureza de seus atos concessivos, buscando fornecer novos elementos à questão. 3.4.1. Naturalização pela forma ordinária e a natureza do ato concessivo A concessão da naturalização pela forma ordinária é ato discricionário do Poder Executivo. Esta é uma questão pacífica entre os doutrinadores, pois a outorga da nacionalidade brasileira se constitui em ato de soberania nacional. Neste sentido, manifestaram-se Mello Filho e Martins: A concessão da naturalização é faculdade exclusiva do Poder Executivo. A satisfação das condições, exigências e requisitos legais não assegura ao estrangeiro direito à naturalização. A outorga da nacionalidade brasileira secundária a um estrangeiro constitui manifestação de soberania nacional, sendo faculdade discricionária do Poder Executivo.153 Moraes corrobora este entendimento ao afirmar que “não existe direito público subjetivo à obtenção da naturalização, que se configura ato de soberania estatal, sendo, 151 PEÑA MORAES, Guilherme. Nacionalidade: Lineamentos da Nacionalidade Derivada e da Naturalização Extraordinária. p.17. 152 PEÑA MORAES, Guilherme. Nacionalidade: Lineamentos da Nacionalidade Derivada e da Naturalização Extraordinária. p. 17. 153 MELLO FILHO, José Celso de; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários a Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 558. 60 portanto, ato discricionário do Chefe do Poder Executivo”. 154 O artigo 12, II, alínea “a”, da Constituição Federal dispõe que são brasileiros naturalizados os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, sendo exigidos aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral. Não obstante o privilégio concedido aos originários de países de língua portuguesa, para que possam adquirir a nacionalidade brasileira baseados apenas nos requisitos previstos na Constituição Federal, não fica afastada a natureza discricionária do Poder Executivo em conceder ou não a naturalização nestes casos. Além disso, necessário se faz o requisito da capacidade civil, pois a aquisição da nacionalidade secundária decorre de um ato de vontade.155 Aos demais estrangeiros não provenientes de países de língua portuguesa são exigidos os requisitos previstos no Estatuto dos Estrangeiros (artigo 112). O artigo 112 do Estatuto dos Estrangeiros enumera sete condições que devem ser cumpridas pelo estrangeiro para que a ele seja concedida a naturalização brasileira, conforme já estudado no item 2.2.1 deste trabalho. O artigo 121 do referido diploma legal assim dispõe: “A satisfação das condições previstas nesta Lei não assegura ao estrangeiro direito à naturalização” . Mesmo que o estrangeiro cumpra os requisitos exigidos pela Lei, o Poder Executivo pode negar o pedido de naturalização, baseado no que disciplina o artigo 121 do Estatuto dos Estrangeiros, que se caracteriza no fundamento legal que confere o poder discricionário ao Poder Executivo para deliberar sobre a conveniência e oportunidade para a concessão da naturalização. Reforça esta tese a existência de um conceito jurídico indeterminado dentre os requisitos previstos pelo artigo 112 do Estatuto dos Estrangeiros para a concessão da naturalização (o bom procedimento) que também poderá conduzir à discricionariedade da Administração. Existe um entendimento, proveniente do Código de Nacionalidade da França, de que o Estado ao negar o pedido de naturalização, pode fazê-lo sem motivar o ato, sob pretexto de que se trata de ato soberano. Dolinger assim leciona: Na França, por exemplo, o artigo 110 do Código de Nacionalidade dispõe que “as decisões desfavoráveis em matéria de naturalização... não especificam sua motivação”. Todas as tenta tivas efetuadas na França para obter a intervenção dos tribunais administrativos em casos de indeferimento foram infrutíferas, sempre sustentada e mantida a teoria da soberania do governo nesta matéria.156 154 MORAES, Alexandre. Constituição anotada. p. 518. MORAES, Alexandre. Constituição anotada. p. 519 156 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado (parte geral). p. 157. 155 61 Porém, este entendimento não prospera no Direito Positivo brasileiro, em razão do princípio da legalidade. O Estatuto do Estrangeiro dispõe, no parágrafo único do artigo 118, que o dirigente do Órgão competente do Ministério da Justiça determinará o arquivamento do pedido, se o naturalizando não satisfizer a qualquer requisito previsto no artigo 112, cabendo reconsideração desse despacho; e, se o arquivamento for mantido, poderá o naturalizando recorrer ao Ministro da Justiça, conforme já aduzido anteriormente. Sendo assim, o naturalizando, obrigatoriamente, terá acesso ao despacho de indeferimento, para que possa propor seu recurso. Reforça a tese o direito que possui do naturalizando de acompanhar o processo, podendo nele intervir e juntar documentos.157 Neste sentido, há entendimento doutrinário que reputa como necessária à motivação do ato, pelo mesmo princípio de garantia da legalidade. Este é o entendimento de Di Pietro:158 Entendemos que a motivação é, em regra, necessária, seja para os atos vinculados, seja para os atos discricionários, pois constitui garantia de legalidade, que tanto diz respeito ao interessado como à própria Administração Pública; a motivação é que permite a verificação, a qualquer momento, da legalidade do ato, até mesmo pelos demais Poderes do Estado. Note-se que o artigo 111 da Constituição Paulista de 1989 inclui motivação entre os princípios da Administração Pública. Fica claro que a lei ordinária, in casu, o Estatuto dos Estrangeiros, não vincula os elementos motivo e objeto do ato administrativo de concessão de naturalização. O agente possui liberdade quanto à escolha da oportunidade e da conveniência em realizar o ato. Oportunidade no sentido de que possibilita ao agente a apreciação dos motivos que levam a edição ou não do ato. Faz-se a análise do pedido de naturalização baseado nas condições previstas no artigo 112 do Estatuto dos Estrangeiros para ter o suporte fático da decisão, ou seja, se é oportuno conceder a naturalização. Conveniência no sentido de verificar se a edição do ato satisfaz ao interesse público, se é conveniente ter aquele estrangeiro como nacional do Brasil. Moreira Neto assim define os critérios de oportunidade e conveniência. Diz que há conveniência quando o conteúdo jurídico de um ato convém à produção de um resultado que, em tese, está adequado ao atendimento de sua finalidade e há oportunidade quando, considerados os pressupostos de fato de direito, o momento da ação é adequado à produção desse resultado que, em tese, atende sua finalidade.159 Assim, a conveniência e a oportunidade são critérios usados na formação do mérito, a fim de atender um interesse público específico, previsto na lei. Neste contexto, reconhecendo a discricionariedade do Poder Executivo em deferir a 157 GUIMARÃES. Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 65. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. p.195-196. 159 MOREIRA NETO, Diego de Figueiredo. Constituição e revisão. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 89. 158 62 naturalização, entende-se ser possível submeter, da mesma forma que se discute a possibilidade de se submeter os atos administrativos em geral, os atos concessivos de naturalização, como atos que exigem motivação, para que o naturalizando possa requerer a reconsideração do despacho denegatório, ou até mesmo recorrer, se for o caso, ao Ministro da Justiça. Dessa maneira, estar-se-ia respeitando o princípio fundamental da soberania (artigo 1º, I, da Constituição de 1988), sob a ótica do Estado, mas também os princípios da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, do mesmo Diploma) e da prevalência dos direitos humanos, no que se refere às relações internacionais (artigo 4º, II, também da Constituição de 1988), conferindo ao cidadão estrangeiro todo o respeito por parte do Poder Público, constituindo assim, uma abordagem soberana e democrática à questão da naturalização. 3.4.2. Naturalização pela forma extraordinária e a natureza do ato concessivo A naturalização extraordinária é uma forma de naturalização simplificada, pois diferentemente da naturalização ordinária (artigo 12, II, “a” da Constituiç ão Federal), não faz qualquer referência à legislação ordinária, estando o estrangeiro dispensado do preenchimento das condições previstas no Estatuto dos Estrangeiros. Assim, assinala Wilba Bernardes: “esse modo de naturalização difere da naturalização da alínea a, do item II, do artigo 12 da nossa Constituição, pelo simples fato de que nesta, o estrangeiro está dispensado de preencher os requisitos previstos pelo Estatuto dos Estrangeiros”. 160 O texto constitucional definidor da naturalização extraordinária tem o intuito de facilitar a aquisição da nacionalidade brasileira àquele estrangeiro que está perfeitamente adaptado aos hábitos e costumes de vida dos brasileiros. Conforme destaca Guimarães: É louvável, ademais, a inovação constitucional de 1988 pela adoção da forma simplificada, porque a desvinculação do naturalizando de suas origens e a assimilação dos hábitos e costumes brasileiros constituem, validamente, presunção que decorre do largo período de 15 anos de convívio afetivo e definitiva integração com o povo brasileiro, sem condenação penal, a tornar desnecessária a comprovação de outros requisitos.161 Esta vinculação por largo período ao território brasileiro se dá de maneira formal, ou seja, o estrangeiro, obrigatoriamente, deverá ter obtido um visto permanente. A instrução de 160 BERNARDES, Wilba Lúcia Maia. Da nacionalidade – brasileiros natos e naturalizados. Belo Horizonte: Del rey, 1996. p. 191. 161 GUIMARÃES. Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 52. 63 Serviço nº 3, de 17/08/1990, do Ministério da Justiça, dispõe no seu artigo 64, alínea “a”, “que é mister que o requerente instrua o requerimento com cópia da Cédula de Identidade de Estrangeiro Permanente, comprovando estar radicado no País há, pelo menos, trinta anos”. 162 Com a Emenda Constitucional de Revisão nº3, de 07/06/1994, o prazo exigido pela Carta Magna foi reduzido para quinze anos. E para obter o visto permanente, o estrangeiro deverá satisfazer algumas exigências, conforme dispõe o artigo 27 do Estatuto dos Estrangeiros: Para obter visto permanente, o estrangeiro deverá satisfazer as exigências de caráter especial, previstas nas normas de seleção de imigrantes, estabelecidas pelo Conselho Nacional de Imigração (...). No mesmo sentido, o artigo 28 do referido diploma também fixa condições para a concessão do visto permanente, in verbis: A concessão do visto permanente poderá ficar condicionada, por prazo não superior a cinco anos, ao exercício de atividade certa e à fixação em região determinada do território nacional. A concessão de permanência definitiva a asilado ou refugiado deverá atender aos requisitos da Resolução Normativa nº 06, de 21 de agosto de 1997, do Conselho Nacional da Imigração.163 Da mesma forma, a concessão de permanência definitiva ao titular de visto temporário na condição de professor, técnico ou pesquisador de alto nível, deve obedecer a Resolução Normativa nº 01/97, também do Conselho Nacional da Imigração.164 Estes são exemplos que servem para demonstrar que, alguém que vive por largo período no Brasil, o faz seguindo normas previstas no Estatuto do Estrangeiro e resoluções emanadas do Conselho Nacional da Imigração, as quais acabam por qualificá-lo como alguém integrado à sociedade brasileira, justificando que este cidadão tenha acesso, se assim desejar, a tornar-se brasileiro por uma via mais simplificada. Não obstante a míngua de dispositivos legais referentes à naturalização extraordinária, o certo é que o estrangeiro que pretendê-la deverá, na conformidade com o “modelo de requerimento de naturalização extraordinária”, aprovado pelo artigo 2º da Portaria do nº 703 do Ministério da Justiça, de 13/06/1995, requerê-la ao Ministro da Justiça.165 162 GUIMARÃES. Francisco Xavier da Silva. Nacionalidade: aquisição, perda e reaquisição. p. 33. O Conselho Nacional de Imigração é órgão vinculado ao Ministério do Trabalho e integrado por representantes dos Ministérios do Trabalho, Justiça, Relações Exteriores, Agricultura, Saúde, Desenvolvimento e do Conselho Nacional Científico e Tecnológico. Têm as funções de orientar e coordenar as atividades de imigração, formular objetivos para a elaboração da política imigratória e estabelecer normas de seleção de imigrantes. 164 Informações pesquisadas em http://www.mj.gov.br. 165 PEÑA MORAES, Guilherme. Nacionalidade: Lineamentos da Nacionalidade Derivada e da Naturalização Extraordinária. p. 27. 163 64 Assim, na peça inicial deverão constar nome, CPF, sexo, naturalidade, nacionalidade, data de nascimento, filiação, estado civil, profissão, endereço completo e o prazo de residência contínua e ininterrupta em território nacional. O requerimento deverá ser instruído166 com cópia autenticada da cédula de identidade para estrangeiro permanente; comprovante de residência atual (conta de luz, telefone, água e esgoto, pagamento de condomínio); atestado de antecedentes criminais expedido pelo Instituto de Identificação da Secretaria de Segurança Pública do Estado de residência; certidões dos cartórios de distribuição de ações da comarca de residência e da Justiça federal (esta última, se houver) , devendo, caso tenha respondido processo, informar detalhes e anexar certidões judiciais respectivas; apresentar declaração na qual conste todas as ausências do país desde que fixou residência e os respectivos períodos; e comprovante de recolhimento da taxa estipulada.167 Cumpridos os requisitos da residência e a ausência de condenação penal, já tratados no item 2.2.2 deste trabalho, e feito o requerimento conforme exige o Ministério da Justiça, o estrangeiro passa a ter direito subjetivo à naturalização, pois a norma do artigo 12, II, alínea b, da Constituição Federal é do tipo definidora ou concessiva de direito subjetivo,168 ficando o Poder Público adstrito a deferi-la, na hipótese do naturalizando preencher todos os requisitos. Este é o entendimento de Dolinger: Na Constituição de 1988 foi criada uma nova figura de naturalização constitucional, independente do poder discricionário do Estado. É a hipótese de estrangeiro de qualquer nacionalidade, residente no Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira. Este estrangeiro só terá que provar sua residência ininterrupta no Brasil, sem condenação penal, pelo período fixado e requerer a naturalização, que lhe deverá ser concedida.169 No mesmo sentido, manifestou-se, Celso Bastos: O efeito principal da naturalização extraordinária é dispensar o estrangeiro dos requisitos previstos na legislação ordinária para a aquisição da nacionalidade brasileira. É um direito que ele adquiriu mediante a satisfação de dois requisitos: o transcurso da residência neste País por mais de quinze anos ininterruptos e a não-incidência em condenação penal. Destes pressupostos segue-se necessariamente o direito do estrangeiro que para materializá-lo deverá tão somente requerer a nacionalidade brasileira.170 166 Assim dispõe a Portaria do Ministério da Justiça nº 703, de 17/06/1995, disponível em http://www.mj.gov.br. PEÑA MORAES, Guilherme. Nacionalidade: Lineamentos da Nacionalidade Derivada e da Naturalização Extraordinária. p. 28. 168 PEÑA MORAES, Guilherme. Nacionalidade: Lineamentos da Nacionalidade Derivada e da Naturalização Extraordinária. p. 46. 169 DOLINGER, Jacob. Nacionalidade e direitos dos estrangeiros, in Comentários à Constituição do Brasil, tomo II. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1991, p. 146. 170 BASTOS, Celso Ribeiro, Comentários à Constituição do Brasil, tomo II. p. 558. 167 65 Em se tratando de direito subjetivo do naturalizando, se futura legislação ordinária exigir outros requisitos para a concessão da naturalização pela forma extraordinária, estaria rebaixando um direito subjetivo, previsto constitucionalmente, a mera norma programática171 ensejando, neste caso, uma inconstitucionalidade. Portanto, o ato que concede a naturalização pela forma extraordinária é ato administrativo vinculado, ficando afastada, nesta hipótese, a discricionariedade do Poder Executivo. 171 PEÑA MORAES, Guilherme. Nacionalidade: Lineamentos da Nacionalidade Derivada e da Naturalização Extraordinária. p. 46-47. 66 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao final do presente trabalho pôde-se compreender que o Direito Internacional dá especial atenção às questões referentes à nacionalidade. Embora a nacionalidade seja matéria de jurisdição doméstica dos Estados, do Direito Internacional emanam vários princípios que regulam a nacionalidade. Assim, abstraem-se dos artigos da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, os princípios de que toda pessoa tem direito a uma nacionalidade, a mudar de nacionalidade, e de que ninguém será privado arbitrariamente da sua nacionalidade. Dos julgados da Corte Internacional de Justiça emana o princípio da efetividade, ou seja, o cidadão para obter uma nacionalidade derivada deve ter laços de conexão com o país no que diz respeito à residência, ou qualquer vinculação especial. Pôde-se identificar como as formas e critérios de aquisição da nacionalidade podem acarretar em situações não recomendadas pelas Convenções Internacionais (polipatridia e apatridia) se as legislações dos países não forem flexibilizadas. Neste sentido, com relação à nacionalidade originária, aos critérios ius soli e ius sanguinis são cada vez mais feitas concessões com intuito de minimizar estes problemas, numa clara preocupação de cumprimento dos princípios internacionais que norteiam este tema. À nacionalidade adquirida de forma derivada, pela via da naturalização, o Direito Internacional tem demonstrado a mesma preocupação, com o fim de garantir o direito que tem o cidadão de fazer valer sua vontade e eleger uma nacionalidade diferente daquela que lhe acometeu por um fato natural, qual seja, o nascimento, contribuindo para identificar também uma tendência global de maior flexibilidade das regras para a concessão da naturalização. A partir desta visão macro dos aspectos pertinentes à nacionalidade, passou-se a estudar o assunto em consonância com a legislação brasileira. Para o melhor entendimento do problema em estudo, foi importante buscar nas origens da legislação brasileira, como se formou e que contornos ganhou a nacionalidade no Brasil, buscando apoio nas constituições brasileiras e leis ordinárias que regularam o tema. Vale ressaltar que, historicamente, o Brasil viveu uma variação de regimes de governo, alternando entre regimes democráticos e regimes autoritários, porém, a legislação, no que se refere à nacionalidade, seguiu a mesma linha, não se contaminando pelo excessivo nacionalismo de determinadas épocas. A aquisição da nacionalidade originária não trás em seu bojo questões polêmicas, até por sua própria natureza, pois se dá através de um fato natural, o nascimento. Causa alguma 67 discussão a hipótese que trata dos nascidos no estrangeiro, que sejam filhos de pai ou mãe brasileira e que venham a residir no Brasil e façam a opção, a qualquer tempo pela nacionalidade brasileira. Esta hipótese faz com que até a opção, o brasileiro não possa invocar essa condição para fazer valer alguns direitos, fato incomum e que mereceria um melhor esclarecimento, seja pela própria norma constitucional ou por lei ordinária que venha a regulamentar objetivamente a situação do brasileiro em condição suspensiva. O problema central discutido no trabalho se refere à aquisição da nacionalidade pela forma derivada, obtida através da naturalização, conforme dispõe a Constituição de 1988 no artigo 12, II. A aquisição da nacionalidade através da naturalização pode ocorrer ordinariamente ou extraordinariamente. Na aquisição da nacionalidade realizada pela naturalização ordinária, a Constituição remete à lei ordinária, in casu, o Estatuto dos Estrangeiros, que define os critérios que devem ser cumpridos pelo estrangeiro para que seja admitido como brasileiro. A referida legislação prevê para o Poder Executivo a discricionariedade na análise da concessão da naturalização. A discricionariedade transparece pela previsão legal. O artigo 121 do Estatuto dos Estrangeiros dispõe que, mesmo cumpridos os requisitos previstos na lei, não assegura ao estrangeiro o direito à naturalização. Ao analisar a questão, deve-se ter em mente que o Estatuto do Estrangeiro foi sancionado sob a égide de um regime de governo autoritário, que possuía como característica o nacionalismo, e que o foco da legislação para estrangeiros era a segurança nacional. Assim, o ato de concessão de naturalização era mais do que um ato soberano, pois servia para que o Estado não permitisse que dentre os nacionais fosse admitido alguém que pudesse perturbar a ordem. Além disso, dentre os requisitos exigidos pela lei para a concessão da naturalização, existe um conceito jurídico indeterminado (o bom Procedimento), que através da interpretação pode-se tornar determinado. Porém, invariavelmente, conceitos jurídicos indeterminados concedem uma margem de discricionariedade à Administração, caracterizando, dessa forma, pelos motivos acima expostos, a natureza jurídica do ato de concessão da naturalização pela forma ordinária, como ato administrativo discricionário. Após a Constituição de 1988, a previsão da naturalização extraordinária trouxe um novo enfoque à questão. A Constituição de 1967 previa duas formas de naturalização extraordinária, mas tinham abrangência limitada: para os nascidos no exterior viessem a residir no Brasil até os cinco primeiros anos de vida e aqui se radicassem definitivamente e para os que viessem residir no Brasil antes da maioridade e aqui fizessem curso de nível superior. A Constituição de 1988 inovou, prevendo uma naturalização genérica, exigindo 68 apenas dois requisitos (ausência de condenação penal e residência por quinze anos ininterruptos), que cumpridos ensejam o direito à naturalização. Segundo a doutrina, o ato de concessão de naturalização extraordinária tem natureza jurídica de ato administrativo vinculado, pois a norma constitucional que o estabelece vincula todos os elementos constitutivos do ato administrativo, não dando margem a que o Poder Executivo, titular da concessão do ato, utilize-se da discricionariedade para fazer juízo de conveniência e oportunidade. Outra questão relevante abordada neste trabalho diz respeito à necessidade ou não de motivação do ato de concessão da naturalização. Não obstante a existência de entendimentos contrários à necessidade de motivação, pelo simples fato de o ato concessivo de naturalização ser ato soberano do Estado, o entendimento doutrinário majoritário dá ênfase à necessidade de motivação, pela garantia da legalidade, pois através da motivação poderá se auferir a qualquer momento se o ato praticado foi legal. Além disso, um país que vive sob um Estado Democrático de Direito não pode se furtar a cumprir princípios emanados de sua própria constituição. Assim, sendo o ato administrativo concessivo da naturalização motivado, seja discricionário ou vinculado, atenderá aos princípios da dignidade da pessoa humana e da prevalência dos direitos humanos, pois transmitirá ao naturalizando uma situação de respeito à sua condição. E não deixará de ser soberano, pois, afinal, quem decide quais os critérios exigidos para a concessão da naturalização são os Poderes Constituídos. Dentro deste contexto, o Ministério da Justiça criou uma comissão interministerial, cuja primeira reunião se deu em 17 de setembro de 2004, que será responsável pela elaboração do novo Estatuto dos Estrangeiros. Diferentemente da conjuntura e do modelo com que foi sancionada a lei 6.815/80 – a atual legislação dos estrangeiros, o novo estatuto vem sendo discutido à luz do princípio do Estado Democrático de Direito. Segundo informações disponibilizadas pelo Ministério da Justiça, o novo estatuto será amplamente discutido com a sociedade antes de ser encaminhado para a votação no Congresso Nacional e trará mudanças na essência da Lei. No atual Estatuto, o tratamento dado ao estrangeiro está mais voltado para o ponto de vista da segurança nacional e no novo estatuto o enfoque pretende ser o do tratamento mais digno aos estrangeiros, ou seja, a lei estará caminhando ao encontro da garantia dos direitos humanos. Faz mister salientar que o novo estatuto deverá prever normas que garantam a segurança nacional. Não adotando restrições à entrada e permanência de estrangeiros no Brasil, mas com critérios ágeis e claros para deportação de estrangeiros que cometeram crime no Brasil, ou julgando-os aqui mesmo, conforme o caso. A segurança nacional deve ser feita 69 com a adoção de tecnologia e serviços de inteligência e não através de atos discricionários contra o imigrante. A atualização que se pretende fazer na legislação ordinária deverá trazer avanços significativos no diz respeito à integração do estrangeiro ao nosso país. Isto se constitui fato importante, na medida em que os governos estão empenhados numa maior integração política, econômica, social e cultural entre os povos da América Latina, e esse objetivo, para ser colocado em prática, necessitará de legislações flexíveis, focadas mais nos princípios de cidadania e dignidade da pessoa humana. É importante que se tenha um Estatuto dos Estrangeiros que esteja em maior sintonia com os princípios que norteiam a Constituição do Brasil. 70 REFERÊNCIAS AMORIM, Edgar Carlos de. Direito Internacional Privado. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. ANDRADE, Vera Regina Pereira. Cidadania: do direito aos direitos humanos. São Paulo: Acadêmica, 1993. BANDEIRA DE MELLO. Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. BASTOS. Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 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Governo criará modalidades de visto em novo Estatuto do Estrangeiro172 Brasília, 17/09/04 (MJ) – A nova Lei de Imigração brasileira ampliará as modalidades de vistos concedidos a estrangeiros em trânsito ou residentes no País. Esta é uma das propostas da comissão interministerial responsável pela elaboração do novo Estatuto do Estrangeiro, cuja primeira reunião ocorreu nesta sexta-feira (17) na sede do Ministério da Justiça, órgão encarregado da coordenar os trabalhos do grupo. Diferentemente da conjuntura e do modelo com que foi sancionada a Lei 6.815/80 – a atual legislação dos estrangeiros – o novo estatuto será amplamente discutido com a sociedade, por meio de consulta pública, antes de ser encaminhado para votação no Congresso Nacional, o que está previsto para até o final deste ano. "A essência da lei também mudará", adianta o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Barreto, presidente da comissão interministerial. "Desta vez, a imigração será vista sob a ótica dos direitos humanos e do tratamento ainda mais digno aos estrangeiros e não mais do ponto de vista da segurança nacional", explica Barreto, referindo-se à argumentação que justificou a Lei 6.815, sancionada durante o regime militar. Uma das propostas em análise é a criação de novos tipos de vistos – além das atuais sete modalidades (entre turismo, trabalho e residência) – para a admissão de categorias, como consultores técnicos, cientistas, professores, investidores, empresários, voluntários de Organizações Não-Governamentais, aposentados, estudantes, assistentes técnicos, tripulantes marítimos, prestadores de serviço. Casos como esses são, atualmente, avaliados e atendidos por resoluções do Conselho Nacional de Imigração, que dispõe sobre as mais variadas hipóteses de acolhimento de imigrantes. Outro objetivo do novo Estatuto é resguardar os direitos civis e fundamentais do imigrante previstos na Constituição de 1988; assegurar tratamento diferenciado aos imigrantes sulamericanos, buscando a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, e facilitar a emissão de vistos e documentos (inclusive barateando custos). "Somos uma nação formada por diversas nacionalidades, produto de várias correntes imigratórias e temos de reconhecer, na lei, essa característica. Por isso, é preciso, sempre, 172 Documento disponível em http://www.mj.gov.br. 76 receber e tratar bem os estrangeiros que escolheram o Brasil para visitar, trabalhar ou morar," defende Luiz Paulo Barreto. SEGURANÇA – O novo Estatuto também prevê critérios mais claros e ágeis para a deportação ou expulsão de estrangeiros que cometerem crime no Brasil, especialmente integrantes de máfias. Como forma de garantir a segurança nacional, a proposta é que o País adote equipamentos ainda modernos de identificação de imigrantes nos aeroportos. Na avaliação do secretário-executivo do Ministério da Justiça, a prevenção de delitos ou o combate ao terrorismo não acontecem com a adoção de restrições à entrada e permanência de estrangeiros, mas com tecnologia e serviços de inteligência. "O Brasil tem tradição histórica de não tratar a questão imigratória sob o ponto de vista xenófobo. Temos de acolher o imigrante da melhor forma, sem qualquer discriminação, permitindo que ele tenha garantido todas as possibilidades para uma perfeita integração", completa Barreto. 77