Título: A SEXUALIDADE NUMA PERSPECTIVA EMANCIPATÓRIA Área Temática: Psicologia da Educação Autora: VERA MÁRCIA MARQUES SANTOS Instituição: Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) - Mestrado em Educação e Cultura - Educação Sexual A livre sexualidade não faz parte da nossa filosofia porque requer estima e confiança, dedicação autêntica e entusiasmo. Coisas muito distantes da mentalidade mercantil que nos é própria. Marcello BERNARDI Introdução O presente ensaio tem por objetivo sistematizar algumas reflexões acerca da sexualidade, contribuindo assim, com a construção de um processo de Educação Sexual emancipatório, numa leitura voltada principalmente à educadores. Isto por entender que a sexualidade no espaço escolar, ainda é tratada como uma “coisa” desnecessária, ou, que o referido tema, não seja atribuição deste espaço. E neste sentido, contribuir para a construção de uma processo de Educação Sexual emancipatório, junto a educadores é um grande desafio, uma vez que sabemos, que os pressupostos filosóficos que permeiam o discurso e a prática da grande maioria de nós educadores, é o discurso e a prática da “sublimação” ( aqui entendida como uma mortificação do corpo e um confinamento da vida do corpo em coisas sem vida), do “feio”, do “errado”. Enfim um discurso e uma prática que quando não são assexuados, são dessexualizantes, transformando-se em um instrumento de poder, onde a sexualidade é altamente reprimida, negada e proibida. É relevante pontuar que o conceito “emancipatório”, aqui entendido no sentido de sermos mesmo responsáveis pela nossa sexualidade, porém de maneira segura, respeitando os nossos limites e os limites do outro; sem couraças que nos impeçam de vivê-la em sua plenitude, despojados de tabus, mitos e preconceitos. Neste ensaio, fazemos ainda um breve resumo acerca da história da sexualidade humana, e uma síntese de como o tema tem sido tratado no Brasil, e mais especificamente em Florianópolis/SC, por entender que perpassar esta dimensão do humano, significa também entender o que historicamente tem se acumulado acerca da sexualidade, e a partir daí podemos entender os rumos dados a sexualidade humana no decorrer da história. Dimensões históricas, sociais e políticas da sexualidade humana : um resumo No que diz respeito especificamente, à questão da Educação sexual como um meio de transformações sexuais, portanto como uma atividade política, foi aproximadamente no início da década de 80, que começaram a surgir, no Brasil, as primeiras reflexões e publicações científicas. É relevante assinalar que estas reflexões e publicações científicas têm se pautado, em sua maioria, principalmente em escritos de FOUCAULT, FREUD, REICH, MARCUSE e ARIÈS, entre outros. Evidentemente, alguns autores pautam – se mais em um ou outro teórico, mas vale salientar que FOUCAULT está presente como referencial teórico, em praticamente todos os textos. Porém, para efetivar transformações sociais é necessário, como ponto de partida, a compreensão dos padrões e normas sexuais de nossa sociedade e da forma como eles estão relacionados com a nossa estrutura sócio – econômica, política e cultural. Torna-se necessário entender como os padrões e normas sexuais foram mudando ao longo de nossa história, buscando relacionar-se com todos os acontecimentos sociais, econômicos e políticos de cada época; é básico compreender a história da sexualidade ao longo dos séculos, desde a Antigüidade, em todo o mundo ocidental e contextualizar, a partir daí os nossos padrões morais, sexuais e culturais. Para NUNES (1987), é preciso ter como requisito básico uma concepção dialética, ou seja, uma concepção dinâmica e viva do mundo e das relações sociais, compreendendo assim, a realidade como um processo, evitando visões conservadoras e ideológicas. NUNES aponta para o fato de que, educar pressupondo uma sexualidade emancipatória, supõe a coragem de fazer a contabilidade da tragédia, no que concerne a esta dimensão do humano; a ousadia de resistir aos padrões estabelecidos; a determinação de reinventar novos jogos de amor e erotismo; a expectativa esperançosa de que mulheres e homens produzam formas mais expressivas de sua capacidade de amar. Para ele, questionar uma sexualidade alienada consiste em questionar a desumanização da própria dimensão sexual do homem, que transformou-o em mercadoria (alienação econômica), retirando-lhe a significação existencial e social (alienação ideológica), constituindo metodologias científicas que acentuam o fetichismo genital, retirando-lhe os componentes de construção sócio-histórica. O autor reforça ainda, que a educação, no que se refere a sexualidade, é estritamente humana e excluí toda a possibilidade de uma educação baseada em discursos frios, técnicas e estranhos a este universo da dimensão humana. Ao pensarmos uma educação sexual emancipatória, faz-se também necessário compreender com clareza dois conceitos extremamente significativos: sexo e sexualidade. É comum quando o assunto é sexualidade pensar logo nos órgãos sexuais, no ato sexual, no sexo genital e nas informações biológicas do nosso corpo. Raramente pensa-se no amor, no desejo, no prazer, nos papéis sexuais, nos tabus, mitos e preconceitos. Com isso o homem torna-se um ser fragmentado, como se o prazer estivesse presente apenas nos genitais. Para compreender a sexualidade humana torna-se necessário percorrermos os caminhos da história, sem os quais não se pode avaliar como se formaram os padrões sexuais, os tabus, os preconceitos, as normas e repressões que fizeram da sexualidade um mistério. Percorrendo a trajetória histórica da sexualidade, vamos ver que, para alguns autores, o período que denominou-se matriarcal teve origem na Préhistória, no período Paleolítico, 30 a 10 mil a.C., onde os homens eram nômades e viviam em bandos, deslocavam-se em busca de caça e pesca. Enquanto isso, as mulheres ficavam com os encargos administrativos, científicos e sociais. Por matriarcalismo entende-se o poder centralizado nas mãos das mulheres: elas organizavam toda a vida social, baseada numa sociedade coletiva, onde não existiam desigualdades sociais, sendo que esse poder das mulheres não se caracterizou pela opressão do homem. Segundo NUNES (1987, p. 34), durante milhares de anos a humanidade, viveu sob a organização e poder das mulheres, que juntas constituíram-se no grupo civilizatório mais progressista. Eram as mulheres que tinham possibilidades de observação, experimentação e pesquisa de novas tecnologias e subsistência na produção da vida. Foi pelo vínculo materno que se constituiu o primeiro elo civilizador e mantenedor do clã primitivo. A propriedade coletiva baseada na caça, na pesca e na coleta produzia uma sociedade coletiva, organizada sob a divisão sexual do trabalho, sem uma estrutura de poder que não fosse o funcional e organizador doa sobrevivência coletiva. O homem pré-histórico acreditava em “deusas”, predominava o culto à fertilidade feminina, que era simbolizada através das esculturas que retratavam o corpo feminino, exaltando as partes sexuais femininas. A sexualidade era tida como sagrada, divina, em função dos mistérios que envolviam o processo da fecundação. Por volta de 9.000 a.C., temos o período Neolítico, onde houve grandes transformações climáticas, interferindo na vegetação, e alterando radicalmente as formas de relação do homem com o meio ambiente, sendo que até então, ele que era coletor e caçador de alimentos, passa a ser produtor. Iniciam-se então as atividades agrícolas e, a domesticação de animais. O homem que, até este momento, era nômade, torna-se sedentário e surgem a construção das primeiras aldeias, que situavam-se próximas às áreas férteis, às margens dos lagos, rios e nas encostas das montanhas. Começa aí a produção de excedentes, surgindo a propriedade privada, os escravos e a divisão social do trabalho. A cultura torna-se machista destruindo o matriarcalismo. Para NUNES (1987, p. 36), a crise do matriarcalismo neste período acontece com o surgimento das grandes culturas de trigo, arroz, milho e mandioca. A agricultura passa a ser fator fundamental de subsistência e de certa forma, de propriedade da terra. Com isto: Os homens logo controlam o poder real, os exércitos e as formas de defesa, luta e guerra, e o poder ideológico, a religião, assumindo as funções religiosas, mágicas e sacerdotais. É nesta passagem que em muitas sociedades há a submissão da mulher e sua semi-escravidão cultural. As funções da mulher são usurpadas pelos homens e em decorrência surgem as representações simbólicas do poder masculino, os deuses são machos, as leis, funções e organização militar e religiosa são privilégios exclusivos do homem. A partir deste modelo social surge o patriarcalismo, que tem suas origens por vota de 8.000 a.C., no Oriente Médio. Este período é conhecido como “crescente fértil”. De acordo com REED (1980), neste período, os homens se tornam os principais produtores, enquanto as mulheres eram trancadas em casa e limitadas a servidão familiar. Desalojadas, então, de seu antigo e importante lugar na sociedade, se viram privadas de sua independência, como também, da sua antiga liberdade sexual. Já no período medieval a Igreja Católica passa a ter uma poderosa influência nos diversos setores, como questões de economia, organização escolástica, arte, educação, e principalmente nos comportamentos e práticas sexuais. Onde, segundo NUNES, a Bíblia tem uma longa etapa de compilação a partir do ano 2.000 a.C. O Antigo Testamento admite a poligamia como norma básica e o divórcio era um privilégio dos homens que podiam rejeitar suas mulheres. Já as mulheres, não dispunham do direito do divórcio e eram apedrejadas se fossem flagradas em adultério. No Novo Testamento, predomina sobretudo a doutrina de São Paulo, que influenciou muito a doutrina cristã sobre a sexualidade. Condena a homossexualidade, o adultério, a fornicação, a prostituição, pregando a indissolubilidade do casamento. O ideal de mulher, é a de submissa e obediente ao marido. A vida celibatária passa a ser louvada. Depois de Paulo temos a moral sexual de Santo Agostinho, onde a sexualidade só se justifica, devido a necessidade da procriação. Com isto, a Idade Média constrói uma visão extremamente negativa da sexualidade, mas podemos dizer que neste período, não havia ainda, um controle total da sexualidade. Até o século XVI havia uma certa despreocupação e liberdade nos relacionamentos impessoais e sexuais, admitia-se, em geral, que todos satisfizessem as suas necessidades sexuais, para não pôr a saúde em perigo. A sensualidade era praticada de maneira que hoje não conhecemos. Tocavase, acariciava-se, abraçava-se, as amas e os pais masturbavam as crianças, para acalmá-las. (...) a família e os serviçais dormiam nus e no mesmo quarto. Banhavam-se nus e em grupo. O vocabulário sexual era muito extenso” (USSEL, apud RIBEIRO, 1990). A nudez era vista com naturalidade e os dispositivos de controle não atingiam todos os segmentos sociais. Porém, toda essa naturalidade, essa liberdade e despreocupação foram lentamente desaparecendo no final do século XVI, sendo que este desaparecimento acelerou-se nos séculos XVII, XVIII e XIX. A naturalidade, até então existente, foi sendo sufocada pelos poderes e dominação da Igreja Católica, e como nos coloca FOUCAULT (1988), a sexualidade é confiscada pela família conjugal, com a função exclusiva de reprodução. No espaço social, o quarto do pais, passa a ser o único lugar onde a sexualidade é reconhecida e aceita. Podemos perceber aqui que esta sexualidade só é legitimada através do matrimônio. O Cristianismo passa a ser uma ideologia universal e com seus dogmas controla a humanidade. Sexo é morte e pecado, a alma é valorizada e o corpo fica reduzido a algo sujo e inferior. Todo e qualquer prazer que não levasse a procriação é condenado. A idéia de inferno começa a fazer parte do cotidiano da humanidade. Ainda no século XVI, surge o período Inquisitorial, em que foram lançados artifícios pela Igreja em crise, para poder se manter no poder. Este período foi perverso e opressor na história da humanidade, principalmente no Brasil Colonial, como podemos perceber no relato de VAINFAS (1986, p. 41-42): Suporte da autoridade monárquica e instrumento de reação católica à crise da Igreja no século XVI, a Inquisição ibérica lançou-se contra os cristãos-novos, sempre suspeitos de judaísmo. Mas o Santo Ofício não cuidou apenas dos desviantes da fé; preconizada no Concílio de Trento (1545-1563), a estratégia da Contra Reforma incluía a defesa do catolicismo também no plano da moral familiar e sexual. Zelar pela indissolubilidade do casamento monogâmico, pela primazia dos valores como a castidade, sobretudo do clero, pela limitação do sexo à cópula procriativa dos esposos, tudo isso passou a ser embora não exclusivamente, tarefa do inquisidor. Continua VAINFAS afirmando que: O aparato burocrático do Santo Ofício foi plenamente instaurado no Brasil, desde o século XVI. (...) A Inquisição era, pois, ainda que sem tribunais, parte integrante da sociedade colonial, sempre à busca de judaizantes, feiticeiros, blasfemos e demais transgressores do catolicismo (p. 43). O homem, torna-se então, um ser confessante, controlado e autovigiado, num período onde a confissão controla até os pensamentos. Na sociedade moderna o homem tornou-se alienado; de sujeito da história passa a ser objeto. Com o desenvolvimento do capitalismo transformou-se em um corpo produtivo, onde todo e qualquer prazer é negado em função da produtividade. O mundo moderno, ainda segundo NUNES (1987), cria mecanismos perversos de controle do sexo e da masturbação, onde pedagogos/as, médicos/as, padres, pastores, etc., são todos “confessores” e “controladores” da moral vigente. “Masturbação é agora reprimida como ‘doença’, ‘anomalia’, causadora de males mentais e calamidades”. Estamos às portas de um novo milênio, onde o homem já foi à Lua e fez milhões de incríveis descobertas, mas continua cheio de inseguranças, vivendo uma sexualidade coisificada, onde o corpo é uma mercadoria sexualizada. O consumismo é a doutrina universal, enquanto que a sexualidade está cada vez mais dilacerada, fragmentada e individualizada, com valores próprios de um modo de produção desumano e perverso. Se, como NUNES, considerarmos ser a sexualidade uma dimensão globalizante da condição humana, invadindo todas as instâncias existenciais e sociais, não podemos ter outra atitude senão a de considerar também este campo globalizante como o espaço total de nossas intervenções institucionais e sociais, aqui, chamando atenção principalmente para a instituição escolar e seus educadores. Precisamos estar capacitados e seguros para uma intervenção positiva nesta dimensão do humano, a sexualidade. Educação sexual no brasil A sexualidade tornou-se nos últimos anos um assunto emergente, e por isso tem despertado o interesse de muitas pessoas. Há um grande número de livros editados sobre o tema, projetos sendo implantados, demonstrando assim, a relevância do tema. Mas como coloca MEDEIROS (1995, p. 5), não devemos esquecer de relacionar a educação sexual com a repressão sexual e com o estudo do sexo, (...) “pois a necessidade da educação sexual surge basicamente em função da repressão estabelecida”. Porém a liberalização sexual, que é decorrente de um afrouxamento do autoritarismo e das mudanças das normas e padrões culturais, faz com que a sociedade passe a sistematizar a divulgação de materiais que sugerem diferentes modos de lidar e encarar a sexualidade. Pensando que com isto há um trabalho de educação, no que se refere a sexualidade, esquecendo que os valores e a história, que acompanham o indivíduo desde que nasce, estão de tal forma incorporados que dificilmente se consegue viver a sexualidade sem os tabus, os conflitos e os sentimentos de culpa próprios do nosso tempo. KNOBEL relatado em RIBEIRO (1990, p. 17), nos chama atenção quando afirma que: Compreender a necessidade sexual do jovem não implica permitir a libertinagem, mas facilitar o contato são e confiante dos jovens de ambos os sexos. (...) A sexualidade é criativa, e, é esse impacto juvenil que temos que recolher para aceitar o amor, a confiança nas estruturas familiares, a fidelidade como uma expressão de uma união e a potência geradora que significa a genitalidade sublimada e adequadamente canalizada. Partindo deste pressuposto afirmamos que é importante para o desenvolvimento integral da criança, do adolescente e do jovem, que lhe sejam oferecidos espaços onde possam discutir com segurança, como expressar sua sexualidade. E, este espaço poderia estar na escola, e, em outros espaços envolvidos com a educação, mesmo que alternativa. Já que, como afirma VITIELLO, citado por GUIMARÃES (1995, p. 57) “a Educação Sexual deve ser implementada nas escolas porque não há outro lugar onde se consiga reunir jovens”, este é um espaço privilegiado, e que por vezes, acaba não sendo adequadamente aproveitado. Segundo GUIMARÃES (1995), no Brasil, já no início do século começaram as preocupações com a Educação Sexual, embora com intenções higienísticas e médicas, objetivando combater a masturbação, as doenças venéreas e preparar a mulher para o papel de esposa e mãe. Em BRUSCHINI teremos que, desde 1920, as feministas lideradas por Berta Lutz, tentaram a implantação da Educação Sexual, objetivando a proteção à infância e à maternidade (1991). Também GUIMARÃES (1995), aponta que em 1928, num Congresso Nacional de Educadores, aprovou-se a defesa de Programa de Educação Sexual nas escolas, para crianças acima de 11 anos. No período que antecede à década de sessenta, a Igreja Católica, que dominava o sistema educacional, manteve severa repressão à Educação Sexual. O leigo só tinha acesso a livros médicos sobre a sexualidade. De 1954 a 1970, o Serviço de Saúde Pública do Departamento de Assistência ao Escolar de São Paulo ministrou orientação sexual a meninas das quartas séries primárias. A orientação que também se estendia as mães destas meninas, se resumia as mudanças sexuais que ocorrem na puberdade, gravidez e parto, quando solicitavam. O responsável por essas aulas era o orientador sanitário, que tentava passar informações também para os professores. Esse programa foi interrompido em 1970, por determinação do MEC ( Ministério de Educação e Cultura). Na década de 60 foram várias as tentativas de implantação de Educação Sexual, tanto em escolas públicas quanto particulares. Em 1963, em Minas Gerais, segundo FIGUEIRÓ (1996), um colégio introduz no currículo a Educação Sexual para os alunos do 4º ano ginasial (hoje 8ª série), a experiência durou apenas três anos, em virtude da reação negativa dos pais. A partir de 1964, de acordo com GUIMARÃES (1995), no colégio Pedro Alcântara no Rio de Janeiro, o ensino de Educação Sexual foi introduzido em todas as séries, sendo que em 1968 outros colégios também adotaram a Educação Sexual, inclusive com aulas em classes mistas, a partir dos 11 anos, por sugestão dos próprios alunos. Em São Paulo, alguns programas experimentais foram iniciados em escolas públicas, cuja metodologia causou grande repercussão em tentativas de projetos de Educação Sexual nas escolas, até nossos dias. Nos ginásios vocacionais, de 1961 a 1969, a Educação Sexual também foi parte integrante do currículo, sendo desenvolvida como atividade normal nos trabalhos escolares. No início da década de 70, houve um retrocesso ao puritanismo fechado e aumento de censura. Não havia nenhuma lei proibindo a Educação Sexual, porém, temerosos os administradores escolares esvaziaram os programas em escolas públicas. Em função dos movimentos feministas, de controle populacional e também pela grande mudança do comportamento sexual do jovem, na segunda metade da década de 70 ressurge o interesse pela Educação Sexual. Em 1978, a Prefeitura Municipal de São Paulo inicia um trabalho em três escolas, que é coordenado pela equipe de orientação educacional, que mais tarde inclui muitas escolas municipais envolvendo além de orientadores educacionais, professores de Biologia e Ciências. A CENP (Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas), em 1979, inicia na rede pública estadual paulista, um trabalho de informação mais específica dos aspectos biológicos da reprodução, através da cadeira de Ciências e Programas de saúde. Por iniciativa particular, em 1978 e 1979, foram realizados congressos sobre a Educação Sexual nas escolas, abrindo o debate sobre a dimensão pública desse tipo de educação, e reunindo cerca de dois mil educadores. Surgem também no final da década de 70, início de 80, com mais ênfase os chamados consultores sexuais, como por exemplo Marta Suplicy, em um quadro no TV Mulher, rede Globo de televisão. Onde eram “sanadas” as dúvidas de telespectadores acerca da sua sexualidade, ou ainda eram dadas dicas de como se comportar ou reagir diante das mais diversas situações. Estes tipos de programas acabaram por reforçar o mito de que para tratar “destas coisas”, tem que ser alguém especializado. Sendo que nas escolas por exemplo era muito comum (e ainda hoje, ocorre com muita freqüência) convidar alguém, normalmente médicos ou padres, para palestrar sobre sexualidade. Em 1983 acontece o 1º Encontro Nacional de Sexologia, organizado pela Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia – FEBRASGO, com a participação de médicos, educadores e cientistas sociais. Surge também, na década de 80 a SBRASH - Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana, que tem promovido encontros, congressos e publicações nesta área e que segundo GUIMARÃES, “os trabalhos em Educação Sexual, se referem mais ao aspecto médico do que político-educacional” (1995, p. 67). Temos em 1987 no Estado do Rio Grande do Sul, com iniciativa do Ministério da Educação, o desenvolvimento de projetos de Educação Sexual nas escolas, utilizando a formação teórica oferecida pelo CESEX (Centro de Estudos sobre a Sexualidade) de Brasília e contado com apoio financeiro internacional. Na capital, Porto Alegre, em 1990, foi iniciado um projeto promovido pela Prefeitura Municipal da cidade, em convênio entre a Secretaria de Educação e a Secretaria Municipal de Saúde e Serviço Social. O projeto intitulado: “Sexo em debate na escola”, que teve como referência, o projeto coordenado por Marta Suplicy na rede municipal de São Paulo, tendo, também a coordenação da sexóloga. Na década de 80, segundo FIGUEIRÓ (1996), há muitas publicações de livros com temas voltados para a sexualidade, com o objetivo de informar crianças, adolescentes e adultos; e ainda outros de cunho científico, visando refletir sobre Educação Sexual, principalmente escolar. Mas, creio ser pertinente o questionamento da autora : “A aquisição de conhecimentos básicos sobre a sexualidade, basta aos indivíduos?” Educação sexual em Santa Catarina Em Santa Catarina, mais especificamente em Florianópolis, no final da década de 80, inicia-se na FAED - Centro de Ciências da Educação da UDESC - Universidade do Estado de Santa Catarina, as primeiras discussões acerca da sexualidade e mais especificamente, educação sexual, através da professora Maria da Graça Soares, que podemos considerar pioneira na discussão referente ao tema, principalmente no meio acadêmico. Resultando de sua luta sobre Educação Sexual para Educadores, a oferta de uma disciplina optativa (Educação Sexual) para o curso de Pedagogia do referido centro. Em 1991 é criado o NES - Núcleo de Estudos da Sexualidade, na FAED-UDESC. Dois anos mais tarde (1993-94), por proposta do referido núcleo, junto ao Colegiado de Pedagogia da FAED é incluída Noções de Educação Sexual no currículo, como disciplina obrigatória, já na primeira fase. Em 1994 é organizado pelo NES um Curso de pós-graduação, Especialização em Educação Sexual, voltado para educadores. Sendo que a 1ª turma inicia-se no mesmo ano. O sonho de se implantar no Centro de Ciências da Educação - FAED, um mestrado em Educação Sexual, é garantido em parte, com uma linha de investigação em Educação Sexual no projeto de mestrado da UDESC, que no momento não está sendo oferecido por falta de professores que encaminhem as discussões sobre o tema. Enquanto isto, continuamos reproduzindo o que afirma GUIMARÃES (1995), de que sendo a escola tradicionalmente conservadora, acaba por revelar pontos evidentes de que não está bem resolvida em relação à inserção da sexualidade em seus trabalhos. Em 1995 a Secretaria Municipal de Florianópolis inicia um projeto de orientação sexual nas escolas, com alunos de 5ª a 8ª séries, sendo assessorada, no seu início, pelo grupo GTPOS (Grupo de Trabalho e Pesquisa em Orientação Sexual) São Paulo. Em 1996, o projeto é reavaliado e a partir daí um grupo de educadores, do qual faziam parte ex-alunos e alunos do curso de Especialização, assessorados pela professora Juçara Teresinha Cabral e a assessora pedagógica Júlia Siqueira da Rocha elaboram um novo projeto de Educação Sexual para a Secretaria Municipal de Educação, com o objetivo trabalhar com os professores da referida rede, na perspectiva de uma educação sexual emancipatória. Projeto este que acabou sendo esquecido junto com outros que davam à educação um colorido de qualidade significativa, no momento em que uma nova gestão municipal, de orientação partidária diferente, assume a Prefeitura de Florianópolis. Esta trajetória nos mostra que em diferentes momentos históricos, surgem iniciativas de relevância, dentro da organização formal, onde educadores tentam a implantação de programas de Educação sexual nas escolas fazendo tentativas concretas, comprometidos com o coletivo da escola, e da sociedade como um todo. Porém, percebemos que por falta de um apoio maior, quem sabe por parte mesmo da academia, há uma desarticulação na sistematização destas iniciativas, que acabam se perdendo num universo de falta de professores “especializados” ou por mudança de governo, no caso das Secretarias de Educação. Já nos espaços alternativos, ou ONGs (organizações não- governamentais), envolvidas com a educação popular não temos nenhum registro de trabalhos que tratem a respeito da sexualidade humana, exceto espaços, isto em Florianópolis, onde via Secretaria da Saúde foram promovidos cursos para alguns educadores. Mais uma vez a sexualidade é tratada de forma médico-biologista, ou seja, a sexualidade do ponto de vista asséptico, onde o humano torna-se sem sentido e sem significado. Parece-nos que o ponto de partida para um projeto de educação sexual escolar, exige educadores curiosos, inquietos e dispostos a lidar com a questão da sexualidade humana e consequentemente, de sua própria sexualidade. Neste sentido, a educação sexual necessita ser um componente presente nos currículos de formação dos professores. A formação aqui referida, não se restringe a um profissional de ciências, educação religiosa, orientador educacional ou um especialista em educação sexual, mas a todos os educadores que atuam no cotidiano escolar. Uma intervenção emancipatória, passa por todos os componentes e por todas as relações estabelecidas no espaço escolar. Referências bibliográficas BARROSO, Carmem; BRUSCHINI, Cristina. Sexo e Juventude : Como discutir a sexualidade em casa e na escola. São Paulo : Cortez, 1991. FIGUEIRÓ, Mary Neide Damico. Educação sexual : retomando uma proposta, um desafio. Londrina : UEL, 1996. GUIMARÃES, Isaura. Educação sexual na escola : mito e realidade. Campinas : Mercado de Letras, 1995. MEDEIROS, Maria Aparecida P. O adolescente e as contradições das vivências e discursos sobre sexualidade na sociedade atual. Monografia. UDESC, 1995. NUNES, César Aparecido. Desvendando a sexualidade. São Paulo : Papirus, 1987. REED, Evelyn. Sexo contra sexo ou classe contra classe. São Paulo : Proposta, 1980. RIBEIRO, Paulo Rennes Marçal. Educação sexual além da informação. São Paulo : EPU, 1990. VAINFAS, Ronaldo. História e sexualidade no Brasil. Rio de Janeiro : Graal, 1986.