NOTA TÉCNICA nº 01/2015 Projeto de Lei Complementar nº 430/2015 Casa Legislativa: Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco Autor: Governado do Estado de Pernambuco Ementa: Regulamenta o § 5º do art. 103 da Constituição do Estado de Pernambuco. A ASSOCIAÇÃO PERNAMBUCO - Promotores Procuradores e AMPPE, DO MINISTÉRIO entidade de de classe Justiça do PÚBLICO representativa Ministério DE dos Público pernambucano, vem, diante do Projeto de Lei Complementar nº 430/2015, encaminhado pelo Poder Executivo Estadual, através do Governador Paulo Câmara, apresentar algumas considerações de ordem técnica, a respeito do mencionado projeto de alteração legislativa, nos termos doravante expostos. O art. 1º do PLC 430/2015 possui a seguinte redação: “Art. 1º Cabe privativamente ao Delegado de Polícia, autoridade flagranciais, policial estadual, inclusive termos lavrar procedimentos circunstanciados de ocorrência, e presidir a apuração de infrações penais, por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, observadas as disposições do art. 144 da Constituição Federal e do art. 103 da Constituição do Estado” 1 Rua Benfica, 810 - Madalena - CEP 50.720-001 - Recife - PE Fone (81) 3227.0300/3228.7491 - e-mail: [email protected] Tal proposta legislativa, em um primeiro momento, apresenta uma inconstitucionalidade ordenamento jurídico, de de origem, pois trata, matéria pertinente ao inovando processo no penal, atribuindo ao Delegado de Polícia exclusividade para lavrar termo circunstanciado de ocorrência e presidir a apuração de infrações penais através de qualquer outro procedimento previsto em lei, além do inquérito policial. Ora, o art. 22, inciso I, da Constituição Federal, dispõe expressamente que é COMPETÊNCIA PRIVATIVA da União legislar sobre direito processual. Lembramos, a propósito, que os termos circunstanciados de ocorrência são tratados na Lei Federal nº 9.099, de 26.09.1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, isto é, matéria própria do direito processo penal. Demais, há também uma inconstitucionalidade de mérito, pois o projeto de lei em questão torna privativa do Delegado de Polícia a investigação em matéria criminal, não apenas através do inquérito policial, mas de qualquer outro procedimento previsto em lei. Infelizmente, trata-se da ressurreição da famigerada PEC 37, a PEC da Impunidade, rejeitada pelo Congresso Nacional em 2013, com aplausos de toda a população brasileira, que tinha por escopo tornar a investigação criminal uma função EXCLUSIVA das Polícias Civil e Federal, presidida por seus Delegados de Polícia. Acaso aprovada uma regra desta natureza, inúmero crimes jamais seriam apurados, no Brasil, máxime infrações de ordem econômica, tributária e contra a Administração Pública, considerando que 2 Rua Benfica, 810 - Madalena - CEP 50.720-001 - Recife - PE Fone (81) 3227.0300/3228.7491 - e-mail: [email protected] o aparato policial brasileiro, reconhecidamente, não têm condições materiais de assumir a exclusividade de toda e qualquer investigação criminal. Deveras, o Supremo Tribunal Federal tem reiteradas decisões no sentido de ratificar a possibilidade de investigação criminal pelo Ministério Público e também por outros órgãos de controle, como a Receita Federal e o Banco Central do Brasil. Nesse sentido, decidiu de forma expressa e definitiva o PLENÁRIO do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, em 14.05.2015, nos autos do RE 593.727/MG: “(...) Questão constitucional com repercussão geral. Poderes de investigação do Ministério Público. Os artigos 5º, incisos LIV e LV, 129, incisos III e VIII, e 144, inciso IV, § 4º, da Constituição Federal, NÃO TORNAM A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL EXCLUSIVIDADE DA POLÍCIA, NEM AFASTAM OS PODERES DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Fixada, em repercussão geral, tese assim sumulada: “O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados 3 Rua Benfica, 810 - Madalena - CEP 50.720-001 - Recife - PE Fone (81) 3227.0300/3228.7491 - e-mail: [email protected] (Lei 8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa instituição”. A propósito, consulte-se o igualmente recente precedente exarado nos autos do HC 85011/RS, em 26.05.2015, pela 1ª Turma do Pretório Excelso, cuja ementa principal foi a seguinte: “HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. PODER DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. POSSIBILIDADE. IMPEDIMENTO OU SUSPEIÇÃO DE MEMBRO DO ÓRGÃO MINISTERIAL QUE PARTICIPOU DA FASE INVESTIGATÓRIA. INOCORRÊNCIA. COMPETÊNCIA PARA JULGAR ARGUIÇÃO DE IMPEDIMENTO OU SUSPEIÇÃO DE PROMOTOR DE JUSTIÇA. MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU. ART. 104 DO CPP. PRISÃO CAUTELAR. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. EXCESSO DE PRAZO CONFIGURADO.”. Deveras, o art. 129, incisos I e VI, da Constituição Federal de 1988, é bastante claro, no sentido de permitir ao Ministério Público a investigação de fatos, através de procedimentos administrativos presididos pelos seus membros. E isso se encontra devidamente previsto na Lei Complementar nº 75/1993 (Lei Orgânica do MP da União), na Lei 8.625/1993 (Lei 4 Rua Benfica, 810 - Madalena - CEP 50.720-001 - Recife - PE Fone (81) 3227.0300/3228.7491 - e-mail: [email protected] Orgânica Nacional dos Ministérios Públicos dos Estados Federados); na LC do Estado de Pernambuco 12/1994 (Lei Orgânica do MP de Pernambuco) e na Resolução 13/2006, do Conselho Nacional do Ministério Público, órgão com atribuição regulamentar, outorgada pelo artigo 130-A, § 2º, inciso I, da Constituição Federal. Com a devida maxima venia, não poderia agora um Projeto de Lei Complementar Estadual, sob o argumento de fortalecimento/regulamentação das funções de Delegado de Polícia, ignorar toda essa construção normativa e jurisprudencial para definir que, no Estado de Pernambuco, a apuração de infrações penais, seja por TCO ou por qualquer outro procedimento previsto em lei, seria atribuição EXCLUSIVA de um Delegado de Polícia. Importante destacar que a Lei Federal nº 12.830, de 20.06.2013, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida por Delegado de Polícia, EM MOMENTO ALGUM atribui à referida autoridade a atribuição exclusiva para a apuração de investigação criminal, mediante a lavratura de TCO ou através de qualquer outro procedimento criminal previsto em lei. Consulte-se, a propósito, o art. 2º, § 1º, do referido diploma normativo: Art. 2o As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado. 5 Rua Benfica, 810 - Madalena - CEP 50.720-001 - Recife - PE Fone (81) 3227.0300/3228.7491 - e-mail: [email protected] § 1o Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais. Não discutimos aqui a presidência do Inquérito Policial, esta sim uma atribuição exclusiva dos Delegados de Polícia. A inconstitucionalidade reside em atribuir exclusividade aos Delegados para lavrar termos circunstanciados de ocorrência e presidir qualquer outro procedimento investigativo previsto em lei, o que atinge frontalmente outros órgãos com atribuição investigativa, como o Ministério Público, a Receita Federal, a Secretaria da Fazenda, o Banco Central do Brasil etc. Ou seja, também é materialmente inconstitucional o PLC nº 430/2015, por atribuir ao Delegado de Polícia Civil a exclusiva atribuição de presidir quaisquer investigações em matéria criminal, no Estado de Pernambuco. Ante os argumentos expostos, impende concluir que o art. 1º do PLC 430/2015 é inconstitucional por duas razões: 1. vício de iniciativa (competência privativa da União para legislar em matéria processual penal); 2. mérito (torna exclusiva ao Delegado de Polícia a investigação em matéria criminal, contrariando o disposto no art. 129, incisos I e VI, da Magna Carta de 1988, querendo impor, no âmbito estadual, uma matéria que já foi rejeitada no Congresso Nacional em 2013). 6 Rua Benfica, 810 - Madalena - CEP 50.720-001 - Recife - PE Fone (81) 3227.0300/3228.7491 - e-mail: [email protected] Por fim, aguarda e espera a AMPPE que essa Casa Legislativa exerça o controle prévio de constitucionalidade sobre a matéria em questão e não aprove a redação do art. 1º do PLC nº 430/2015. Recife (PE), 17 de SETEMBRO de 2015. Salomão Ismail Filho Presidente da AMPPE 7 Rua Benfica, 810 - Madalena - CEP 50.720-001 - Recife - PE Fone (81) 3227.0300/3228.7491 - e-mail: [email protected]