ATIVIDADE METACOGNITIVA E A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORAS ALFABETIZADORAS. Autora Márcia Aparecida Schuveter Limeira - Estado de São Paulo-Brasil [email protected] Projeto Raios de Sol - UNESP - Rio Claro - SP Autora Maria Helena Schuveter Limeira- Estado de São Paulo-Brasil [email protected] Projeto Raios de Sol - UNESP - Rio Claro - SP Eixo temático: Formación de educadoras 2 ATIVIDADE METACOGNITIVA E A PROFESSORAS ALFABETIZADORAS. FORMAÇÃO CONTINUADA DE Márcia Aparecida Schuveter1 Maria Helena Schuveter2 Em nosso país a necessidade de tornar mais eficiente o trabalho pedagógico, relativo à alfabetização, e de melhorar os desempenhos dos alunos em leitura e escrita, tem sido alvo de conflitos e discussões de fundamentações teóricas distintas. Formas de se abordar a leitura e a escrita têm sido destacadas tanto no meio acadêmico quanto no escolar. Em gera tais formas são provenientes de dois pontos de vista diferentes: um centrado nos aspectos metodológicos e na codificação e decodificação, condizente com a abordagem tradicional de alfabetização e o outro, centrado na representação dos sistemas de leitura e escrita, cujo enfoque pauta-se em concepções construtivistas. Não raro a proposta construtivista tem sido apontada como uma das causas da situação de fracasso escolar, principalmente nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Além do construtivismo, a progressão continuada3, por vezes, também é destacada como responsável pela situação de não aprendizagem das crianças e dos adolescentes em muitas escolas. Segundo Micotti (2009, p.26), esse modo de pensar pressupõe que tais propostas pedagógicas tenham sido realmente aplicadas, o que é questionável. Sobre esse aspecto, há que se comentar as evidências apresentadas nas pesquisas feitas por Schuveter (M.H, 2008) e Schuveter (M.A, 2009) em escolas municipais, nas quais as práticas pedagógicas, da maioria das professoras vinculam-se à postura tradicional de ensino e de aprendizagem. 1 Professora Mestre formada pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP-RioClaro – SP, Brasil. Integrante do Projeto Raios de Sol 2 Professora Mestre formada pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho UNESP - RioClaro –SP, Brasil. Integrante do Projeto Raios de sol. 3 A Deliberação CEE n. 9/97 instituiu, no sistema de ensino do estado de São Paulo, o regime de progressão continuada no ensino fundamental. Trata-se de uma nova forma de organização do ensino fundamental que tem relação direta com as questões da avaliação do rendimento escolar e com o controle da retenção escolar. 3 Com base nessas perspectivas e nos estudos desenvolvidos pelo Projeto Raios de Sol4 da UNESP- Rio Claro - SP – Brasil, relata-se aqui o resultado de uma experiência pedagógica de formação continuada. Os encontros de formação continuada ocorreram junto a algumas professoras da rede municipal de Limeira-SP, interessadas em proporcionar um ensino mais eficiente às crianças. Os encontros foram realizados com o apoio do Centro do Professorado Paulista (CPP) de Limeira-SP. Nas reuniões semanais iniciadas em outubro de 2009 com carga horária total de 30 horas participaram 18 professoras. A maioria possuía de quatro a cinco anos de experiência com alfabetização. O objetivo dos encontros centrou-se na discussão da proposta da Pedagogia por Projetos de Josette Jolibert (1994) como fundamentação para o trabalho com leitura e escrita em sala de aula. A preocupação foi proporcionar aos professores a vivência de situações que permitam estabelecer proximidade com aquilo que os alunos podem desenvolver na Pedagogia por Projetos. No entender de Jolibert e colaboradores (2006, p.192), escrever não é copiar, nem produzir composições ou redações, apenas com intenção de mostrar ao docente o que o aluno sabe e o que não sabe. Diferente disso, escrever é produzir textos em função das necessidades reais no decorrer de projetos. Jolibert (1994 a, b; 2006) propõe a inserção de leitura e da escrita no desenvolvimento de projetos e indica a exploração como busca do sentido dos textos pelas crianças, mesmo por aquelas que ainda não lêem oralmente. Essas ideias contrapõem-se ao ensino tradicional. Tem-se na proposta da Pedagogia por Projetos o pressuposto de que é num meio “sobre o qual se pode agir, no qual é possível com os outros, discutir, decidir, avaliar... que são criadas as condições mais favoráveis ao aprendizado. Todos os aprendizados, não só o da leitura. E isso vale para todos, inclusive para os adultos” (Jolibert, 1994, p.12) De tal enfoque originou a delimitação da metodologia utilizada nos encontros. Nas atividades realizadas, privilegiou-se o trabalho com o desenvolvimento da metacognição, por entender esta atividade primordial no desenvolvimento do processo reflexivo para a tomada de consciência durante a trajetória de construção do conhecimento. Segundo Jolibert e SraïK (2008, p.18): 4 Projeto para o desenvolvimento da alfabetização da cultura escrita e da leitura. Integrante da Rede Latinoamericana para La Transformación Docente em Lenguaje. 4 “as ciências cognitivas mostram que aprender a fazer fazendo é necessário, mas não suficiente. As aprendizagens em construção se veem reforçadas e consolidadas pela reflexão que o próprio aprendiz faz sobre elas. No grupo-classe, trata-se de facilitar a reflexão individual e/ou coletiva dos alunos para que tomem simultaneamente consciência de seus procedimentos estratégicos e de suas aprendizagens lingüísticas. (O que é que aprendi? Como é que fiz? Em que os outros me ajudaram? que posso deduzir disso? etc.) e que, assim, transformem pouco a pouco seus achados ocasionais em “instrumentos” estruturados que vão ajudá-los a progredir. Eles descobrem, assim, seus próprios recursos, seus processos e operações mentais, e selecionam suas estratégias de sucesso”. Utilizou-se da atividade metacognitiva junto às professoras como ferramenta para o tratamento das leituras e estudos realizados, e para o reconhecimento das próprias aprendizagens. Essa postura demandou reflexões e trocas de experiências junto ao grupo de professoras com a finalidade de favorecer a identificação de alternativas pedagógicas que reconhecem a capacidade da criança para participar da construção do seu próprio conhecimento, oportunizando o repensar sobre que tipo de ser humano e sociedade se deseja formar. Os textos foram selecionados a partir do levantamento das expectativas das professoras, as quais explicitaram o desejo de adquirir subsídios para melhorar a ação pedagógica junto aos alunos, na perspectiva de combater as dificuldades e o desinteresse das crianças no processo de alfabetização: O principal problema é o despertar o interesse da criança para a leitura, para o aprender. (Prof. R) Leitura e escrita são temas que estão me desafiando neste momento que estou alfabetizando crianças com tantas dificuldades. (Prof. D.) Aprender a lidar com a indisciplina dos alunos e a dificuldade de aprendizagem. (Prof. N) Conhecer formas diferentes para poder ajudar meus alunos a terem mais interesse por leitura e escrita. (Prof.NC) Hoje as pessoas não sabem ler e nem escrever, são analfabetos funcionais, tendo a leitura e a escrita como algo superficial, não expondo suas idéias ou lendo o que vem atrás das linhas escritas. (Prof.L.) Como preparar a criança que não quer aprender? (Prof. P) A prática pedagógica utilizada durante os encontros A dinâmica das reuniões pautou-se nas leituras prévias de capítulos dos livros de Jolibert (1994 a, b) na produção individual sobre as significações textuais, discussões e sistematização do assunto realizada em grupo, e, posterior socialização das discussões feitas nos grupos com todas as 5 participantes. Após esses procedimentos, utilizaram-se estratégias de contextualização textual com o intuito de identificar a intencionalidade da autora, a fim de estabelecerem comparações sobre suas interpretações. A cada encontro as equipes elegiam as suas coordenadoras, as quais contribuíam para a organização e explanação do grupo. As considerações feitas pelas equipes eram registradas pelas formadoras e, em concomitância, expostas a todos. Essa prática propiciava a oportunidade de realizar levantamento de hipóteses e confrontos de ideias e produções, possibilitando situações facilitadoras de gerenciamento das próprias descobertas. A prática desenvolvida durante os encontros também focou as mediações junto aos grupos, com o intuito de promover as indagações: o que eu aprendi? Como eu aprendi? Com quem eu aprendi? Quais as dificuldades encontradas? O que eu fiz para saná-las? Isso propiciou reflexões sobre os próprios processos de conhecimento. As manifestações das professoras. Durante os primeiros encontros constatou-se que as professoras não se detinham às ideias do texto. Relatavam suas opiniões expressando indignações a respeito do contexto escolar. O discurso versava sobre a falta de apoio familiar, indisciplina, falta de interesse dos alunos e as dificuldades para desenvolver práticas diferenciadas com a participação das crianças no processo de aprendizagem. Esses fatos, na visão de algumas professoras, obstaculizavam o andamento dos conteúdos e habilidades exigidos pela Secretaria da Educação: Nós temos um planejamento a seguir, é tudo controlado pela secretaria. Não há espaço para trabalhos com a participação das crianças. Nós temos que dar conta das habilidades na semana. (Prof. J). Como que se faz isso? Como adequar a participação com o que é exigido? (Prof. P) Em busca de responder a essas questões, surgiram outras indagações que nortearam as inevitáveis reflexões, conforme segue: Como o aluno aprende? Qual o papel do professor? Como está organizado o ensino? Quais as contribuições que podem ser oferecidas ao aluno no processo de aprendizagem? No transcorrer das discussões solicitava-se às professoras para se atentarem para a proposta expressa no texto questionando, buscando responder à indagação: o que a autora quer nos comunicar? A partir do terceiro encontro as professoras começaram a focar suas atenções para as ideias principais do texto, desempenhando esforços na tentativa de compreendê-lo. Essa atividade foi mediada pelas questões: O que eu aprendi? Como aprendi? O que fiz para aprender? Durante a socialização dos grupos as participantes manifestavam-se surpresas com as dificuldades encontradas: 6 “Como é difícil pensar nisso! No como aprendi, o que eu aprendi. Nunca imaginei que isso era tão difícil” (Prof.M.) “Nós não estamos acostumadas a fazer todas essas reflexões. O nosso grupo teve muita dificuldade nessa atividade.” (Prof. R) “Aqui não chegamos a uma conclusão ainda!” (Prof. E) Essas falas nos reportam à ideia, muitas vezes implícita no cotidiano escolar, de encarar a atividade docente como meramente técnica e não como uma atividade reflexiva. Tal alerta já foi destacado por Pérez Gómez (1992, p. 99) ao discorrer sobre a complexidade, incerteza, instabilidade, singularidade e conflitos de valores dos fenômenos práticos. Nóvoa (1999, p.15), ao discorrer sobre a pobreza da prática pedagógica problematiza que uma concepção curricular rígida e pautada em ritmos de livros e materiais escolares concebidos por grandes empresas contribui para a deslegitimação dos professores como produtores de saberes. Em meio a esses aspectos, as práticas pedagógicas voltadas para as reflexões sobre as experiências em espaços de debates que acentuem a troca e a partilha de saberes profissionais são importantes para o rompimento dessa lógica da racionalidade técnica. A leitura dos textos e as trocas com os pares efetuadas durante os encontros serviram como ferramenta para que as docentes pudessem refletir sobre as questões desencadeadas durante o processo de avaliação metacognitiva. Com base nesses procedimentos, foi possível identificar nas falas das professoras um repensar sobre a própria prática pedagógica explicitando a preocupação em ouvir e considerar as expectativas das crianças no processo de ensino e aprendizagem, reconhecendo a importância de participação dos alunos no planejamento e na organização das atividades a serem desenvolvidas: “está sendo o oposto daquilo que estamos acostumadas a trabalhar, antes eu passava a estrutura do bilhete mecanicamente depois confeccionávamos os bilhetes entre os alunos e pronto. Hoje percebo que não tem fundamento nem para mim nem para os alunos. Estou tentando trabalhar a realidade e assim eles sentem valorizados Pude perceber o resultado foi maravilhoso, o prazer que as crianças desenvolvem a atividade ficou muito clara. Voltei para casa encantada. Procuro sempre rever minha prática Pensando como estou agindo. Quero evidenciar o quanto essa proposta está abrindo a minha mente”. (Prof. P) “Achei interessante as perguntas feitas. Então apliquei estas perguntas aos meus alunos de 1° ano e fiquei surpre sa com a respostas “eu aprendi a ler e escrever” eu aprendi pensando; minha mãe me ensinou a ler. Tudo isso me fez refletir, nas dificuldades diante disso estou encarando o desafio.” (Prof.C) 7 “... ouvir o aluno e entender o que o aluno queria dizer é o maior desafio, eu estou aprendendo a entender cada gesto para propor atividades que partam do que eles realmente querem. A cada dia tento fazer meus alunos falarem e me mostrarem o que gostariam de fazer e juntos estamos chegando a alguma conclusão.” (Prof. N). “Ao invés de levar pronto uma receita para ser trabalhada observei que a sala gostava de brincar de forca e jogo da velha, aproveitei a situação para que elas contassem como jogavam e quais regras utilizavam. Quando necessário eu interferia. Foi minha surpresa no dia seguinte, muitas crianças trouxeram para a escola regras de outros jogos e revistas. Iniciamos a escrita desse assunto. Fixamos na sala a listagem com as dificuldades para que as crianças consultassem.” (Prof. A) “Após o segundo encontro comecei a enxergar meu aluno de maneira diferente a vê-los não como receptor de informações, mas como seres humanos com direito de conhecimentos. A partir desse momento dei abertura para que eles participassem das decisões, opinassem. Percebi uma aproximação maior entre nós. Eles passaram a confiar em mim, sentiram mais seguros. Confesso que no dia que iniciei essa abertura fiquei um pouco cansada, pois as crianças ficaram eufóricas com a liberdade e muito falantes. Depois em outro momento já estavam sabendo controlar sua euforia, respeitando a vez de cada um, se colocando sobre o assunto, comparando as opiniões e juntos decidindo. Precisamos mudar! Confiar na nossa potencialidade e dos alunos. Precisamos levantar e andar. Ouvir e valorizar as opiniões dos alunos” (Prof. V). Algumas considerações No meio escolar há grande dificuldade em superar a forma mecânica em que o ensino e a aprendizagem ainda são tratados. Observa-se um considerável apego à abordagem tradicional do ensino e do aprendizado da leitura e da escrita, especialmente no processo de alfabetização. Nesse processo destaca-se a cópia e a reprodução oral das letras, das sílabas, das palavras e de pequenas frases. A apropriação do significado das inovações pedagógicas pelos profissionais da educação, ainda merece atenção, pois os problemas que marcam o cotidiano escolar, principalmente os relacionados à aquisição da leitura e da escrita, requerem, além de outros fatores, procedimentos diversos dos habituais. Em virtude disso, a preocupação do presente trabalho foi o de proporcionar aos professores a vivência de situações que permitiram estabelecer proximidade com aquilo que os alunos poderiam desenvolver na Pedagogia por Projetos. Esse procedimento favoreceu o entendimento da importância da participação na discussão, decisão e no planejamento das atividades pelos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. A leitura dos textos e as trocas com os pares efetuadas durante os encontros desempenharam importante papel para que as docentes pudessem 8 refletir sobre as questões referentes à avaliação metacognitiva, envolvendo construções e reconstruções das ações. Dentre as várias atividades de reflexão proporcionadas às participantes dos encontros foi possível observar que o sentido de desenvolver a leitura e a escrita de textos em situações reais de comunicação foi percebido. Há indicações de que as docentes começam a identificar práticas alternativas embasadas em teorias que consideram o professor e o aluno. Em uma didática construtivista o ensino e a aprendizagem são concebidos como um processo de interação entre professor e aluno e entre aluno-aluno. Nesta perspectiva, ambos se reconhecem como produtores de conhecimento, assumindo uma posição reflexiva frente às próprias aprendizagens. Referencias Bibliográficas BISSOLI. L. M. S. Atividades de leitura e escrita em classe de educação infantil. In: MICOTTI, M. C. (Org) Alfabetização: os caminhos da prática e a formação de professores. Rio Claro: UNESP: Instituto de Biociências, 2004. JOLIBERT, J. Formando crianças leitoras. Porto Alegre: Artmed, 1994 a. ______. 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