RNO VIRT E D Caderno Virtual de Turismo ISSN: 1677-6976 Vol. 4, N° 2 (2004) SMO RI L DE TU UA CA Homossexualidade, consumo, cidadania e hospitalidade Daniella Tebar Avena e Fabrizia Rossetti Resumo O presente trabalho tem o objetivo de provocar uma discussão sobre hospitalidade e cidadania a partir do consumo e homossexualidade. Para tanto, efetua um breve histórico da homossexualidade, visando contextualizar o tema. Após, analisa a definição de consumo proposta pela sociologia e se aproxima da idéia de cidadania ligada ao consumo. Depois dessa referência conceitual apresenta os aspectos do turismo gay no mundo e trás alguns relatos empíricos evidenciando as dificuldades de se considerar o turista homossexual como um consumidor e cidadão no Brasil. Aponta para as dificuldades impostas pela subjetividade da hospitalidade, enfatizando que a necessidade de profissionalização é urgente na área, sendo ela um viés de solução para a não-estigmatização do público homossexual nos www.ivt -rj.net LTDS Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social 9 Daniella Tebar Avena e Fabrizia Rossetti Homossexualidade, consumo, cidadania e hospitalidade empreendimentos hoteleiros. ISSN: 1677-6976 Vol. 4, N° 2 (2004) Introdução Desse modo o trabalho está organizado A homossexualidade como conceito e prática tem gerado inúmeros questionamentos ao longo da história. Esse é um tema de grande três itens : breve histórico da homossexualidade, consumo e cidadania, e hospitalidade e homossexualidade. amplitude impossibilitando uma abordagem em sua totalidade. Desse modo, neste trabalho Breve histórico da homossexualidade pretende-se, a partir de um determinado O termo "homossexual" é uma criação recorte, discutir parte dessa questão do século XIX e ainda gera muitas relacionado o tema ao consumo, à controvérsias entre os estudiosos. Para cidadania e por fim à hospitalidade. FOUCAULT (1992) a homossexualidade é uma A pertinência desse tema está ligada construção da sociedade moderna à emergência das questões da sexualidade portanto, o termo "homossexualidade" não em geral desde o século XIX e da teria sido utilizado para se referir às relações homossexualidade em especial em fins do entre pessoas do mesmo sexo na Antigüidade século XX. A emergência dos aspectos da e na Idade Média. Para COSTA(1992), o termo sexualidade acontece, também, em função "homossexual" é estereotipado e traz consigo da disseminação desse tema por outras áreas uma série de preconceitos e estigmas. Ele da atividade humana, por exemplo: a luta acredita pela cidadania, o consumo e hospitalidade. "homoerotismo". que o termo correto seria Diante de tais controvérsias, os termos Assim, no decorrer do século XX e início do XXI assistiu-se ao surgimento de diversos mais utilizados posicionamentos sexuais de parcelas homossexualidade, e estes serão utilizados consumidoras da sociedade e que vão nesta pesquisa para qualquer época da provocar o discurso, hoje insistente, da história, responsabilidade social por parte de atualidade para se referir de modo prático algumas empresas como um modo de criar as pessoas que se relacionam sexual e um favorável marketing social. afetivamente com pessoas do mesmo sexo. seja na são homossexual antigüidade ou e na Assim esse trabalho pretende abordar As grandes civilizações da Antigüidade uma breve trajetória da homossexualidade deixaram relatos da existência de relações na história e como recentemente o homossexuais. Principalmente na Grécia as homossexual tem sido considerado como relações entre pessoas do mesmo sexo forma consumidor. Esse papel como consumidor vistas com naturalidade, em determinados será analisado aqui no âmbito do consumo períodos da história grega, não sendo da hospitalidade, ou seja, pretende-se estigmatizadas, nem hostilizadas, como nas perceber como é recebido o homossexual sociedades dentro dos empreendimentos hoteleiros. modernas. ocidentais medievais e Esse ponto está também relacionado Durante o período conhecido como era à cidadania na medida em que o status do Cristã e o final da Idade Média, tem-se homossexual como consumidor tem sido mais informações sobre a homossexualidade forte como fator para sua aceitação na através de textos literários, de leis e textos sociedade e nos empreendimentos hoteleiros eclesiásticos. Nesse período, diferente da do que as lutas de grupos organizados que antigüidade, as sociedades assumem uma preconizam a tolerância. postura repressiva em relação às práticas 10 Daniella Tebar Avena e Fabrizia Rossetti como em Homossexualidade, consumo, cidadania e hospitalidade RNO VIRT E D Caderno Virtual de Turismo SMO RI L DE TU UA CA ISSN: 1677-6976 Vol. 4, N° 2 (2004) homossexuais. Alguns motivos relatados para reforçou os estereótipos negativos ligados aos esta postura são: a passividade do homem homossexuais. homossexual, a história bíblica de Sodoma e Hoje os homossexuais ainda sofrem pela Gomorra (história esta questionada em seu discriminação e a maioria vive aspectos de conteúdos histórico por alguns pesquisadores, sua vida e sexualidade em guetos exclusivos mas existe a certeza que causaram extrema para este segmento da sociedade. A influência nas sociedades modernas) e as homossexualidade faz parte da história da indagações à respeito do ato sexual que humanidade e o que se percebe é que foi seriam permitidos apenas para a procriação. traçada repleta de lutas e preconceitos Não apenas a Igreja tentou punir as desde a antigüidade. Hoje existem ações homossexuais, os governos também organizações formadas para a defesa se emprenharam neste papel. No Brasil homossexual e as revoluções sexuais se Colônia há relatos sobre homossexualidade mostraram extremamente favoráveis ao envolvendo escravos e senhores, estudantes, movimento deste grupo. padres, lavradores, monges, entre outros. Os aspectos sociais da Muitos países da Europa criaram leis anti- homossexualidade foram amplamente homossexuais. discutidos pela literatura da sociologia. Por O século XX também permaneceu exemplo, GIDDENS (1993) observa a desfavorável para os homossexuais. O transformação das relações na sociedade regime nazista na Alemanha, o fascismo na moderna, incluindo espaço para outros tipos Itália, o stalinismo na União Soviética, o de relação como a homossexual. Não se trata imperialismo americano e a definição dada de afirmar o aumento da homossexualidade, pelos psiquiatras de homossexualismo visto não ser possível ter base empírica para (considerado como doença até 1974) tal afirmação, mas certamente trata-se de contribuíram para a visão negativa que haver cerca essa prática. condição Nos anos 60 muitos movimentos estudantis e sociais em favor da paz, uma maior sexual visibilidade dessa promovida pelo afrouxamento dos laços tradicionalistas das sociedades pós-industriais. (CUNHA, 1988). diversos direitos humanos em geral, Consumo e cndadania chegando a bordar direitos relacionados ä A definição de consumo buscada no sexualidade humana e portanto direitos referencial da sociologia se fará aqui essencial homossexuais, também. Porém, é válido para poder relacioná-la ao tema da ressaltar que alguns dos movimentos cidadania. CAMPBELL (1995) é um autor que feministas por exemplo, que traziam vai buscar uma definição de consumo, conteúdos sobre a sexualidade feminina tais vendo no consumo uma um campo como o uso do anticoncepcional e o aborto autônomo de análise. Ele identificou o não concordaram em abrigar sob suas asas consumo com um sistema de significados, de movimento social os direitos das lésbicas. dentro do qual não se consome apenas o Na década de 80, principalmente com próprio bem, mas o significado atribuído a o advento da AIDS que inicialmente foi erroneamente vinculada esse bem. ao CAMPBELL trás a atenção para o fato comportamento homossexual como modo de que os vários consumos de um indivíduo predominante de transmissão da doença, representam suas escolhas e criam sua trouxe muitos problemas e discriminação. Isso individualidade. Porém, não só os padrões 11 Daniella Tebar Avena e Fabrizia Rossetti liberdade e amor favoreceram a luta por Homossexualidade, consumo, cidadania e hospitalidade RNO VIRT E D Caderno Virtual de Turismo SMO RI L DE TU UA CA ISSN: 1677-6976 Vol. 4, N° 2 (2004) de consumo determinam o estilo de vida, o Por fim os autores apontam que as autor vai frisar que determinados valores mercadorias não servem apenas para seu estão enraizados no consumo mais até do uso prático, mas também para pensar, pois que o gosto individual. Assim o consumo a maior parte dos prazeres tem suas raízes na carregando mensagens torna difícil saber vida social e não apenas na satisfação de exatamente o valor das coisas consumidas necessidades básicas. de modo a estabelecer o padrão daquele Sendo o consumo um ato social e indivíduo, pois não se compra um estilo de cultural é válido ressaltar que a cultura se vida, não se cria uma identidade, mas o estilo transforma no decurso da vida de um de vida determina o que se vai consumir. indivíduo e a velocidade das transformações (1990) pode modificar os significados daquilo que também apontam nessa mesma direção ao se consome de modo que o consumo pode perceber o significado presente no consumo ser ritualizado de modo a dar mais fixidez aos e significados ligados a ele. no fato de e ISHERWOOD que existem alguns determinantes no consumo que vão além do livre arbítrio individual. BAUDRILARD (1989) em sua busca da definição de consumo partiu da idéia de ele Inicialmente, esse dois autores vão é um processo de satisfação das comparar a visão que economistas e necessidades, não-passivo, mas ativo em antropólogos tem da questão do consumo, relação à coletividade. O autor assevera percebendo que os economistas estão de que o consumo funda nosso sistema cultural. um modo geral preocupados com os Desse modo diferentemente de DOUGLAS e aspectos psicológicos do consumo dos bens, ISHERWOOD, mas na análise dos antropólogos outras possibilidade de se enxergar o consumo em variáveis são colocadas em questão tais períodos anteriores ao capitalismo. BAUDRILLARD não vê como os significados no consumo e a BAUDRILLARD vai afirmar que o possibilidade de completar obrigações sociais consumo é a atividade de manipulação através do consumo. Assim o consumo sistemática dos signos. Para este autor a poderia ser uma série de rituais que marcam mercadoria signo só pode ser produzida as identidades, estimas e temporalidades. Os dentro do sistema capitalista. Dentro deste autores indicam também que os bens seriam sistema a velocidade da produção torna sinais de categorias racionais, mais ou menos necessário que se atribua significados às transitórias. Os bens consumidos constituem mercadorias para que ela não passem uma série de significados. simplesmente. Outra questão abordada é a O autor entende que o objeto em si liberdade ao se consumir. Os autores não é consumido, mas para tornar-se objeto assumem que o consumo é uma questão de consumo é preciso que o objeto se torne privada e que não é objeto de coerção signo. Este significado não é atribuído de Porém isso não significa dizer que o consumo modo arbitrário mas em relação a todos os é o uso livre dos bens, pois as decisões outros objetos-signos. Assim os indivíduos relativas ao consumo derivam da cultura. O consomem a idéia da relação com o poder consumo seria uma área do comportamento possuir e o possuir. O signo substitui o uso no que é protegida por regras culturais. O consumo, transformando o objeto em um álibi. consumo constitui a arena da cultura na atualidade. Desse modo tudo pode ser consumido, não só objetos, mas relações e sentimentos 12 Daniella Tebar Avena e Fabrizia Rossetti DOUGLAS Homossexualidade, consumo, cidadania e hospitalidade RNO VIRT E D Caderno Virtual de Turismo SMO RI L DE TU UA CA ISSN: 1677-6976 Vol. 4, N° 2 (2004) que materializam-se, de modo que não se atenção a aspectos simbólicos e estéticos. consome apenas por impulso, mas pela Desse modo poder consumir o que certos busca de significados indivíduos não podem consumir dá status Por fim, BAUDRILLARD identifica no social àqueles que podem consumir. Para consumo uma atitude ativa e coletiva, com CANCLINI, não se trata de negar as imposição moral e social, pertencente a uma racionalidades econômicas e políticas do sistema de valores e servindo ao controle consumo, mas de buscar uma racionalidade social. integrativa. Quando Através dos três autores vistos até o os indivíduos escolhem momento é possível identificar a criação de determinado bem e se apropriam dele um campo teórico para a questão do deixam claro que o consideram valioso, consumo, bem como identificar a tese central demarcando uma cidadania cultural além de que os indivíduos consomem significados. do estado. O consumo seria desse modo uma Desse modo, é válido ressaltar outro autor instituição social, o consumo de símbolos, de que irá ampliar essa visão ao agregar a modo a integrar e permitir a comunicação discussão sobre cidadania relacionada ao da sociedade através do consumo. consumo. Desse modo, é possível concluir esse Assim, CANCLINI (1997) observa que é item buscando lançar bases para entender possível enxergar no consumo um outro tipo as escolhas de consumo do homossexual e de participação social, de cidadania, que do quanto elas podem estar relacionadas a vai além do voto. Isso pode ser evidenciado formação de identidades. Quando o também pela crescente participação dos homossexual consome os produtos da rede meios de comunicação de massa na vida hoteleira há sem dúvida a influência da política. Ele fala de uma rearticulação entre cultura da formação de uma identidade o público e o privado a partir do consumo e consumidora e ainda e o consumo do da comunicação de massa. significado relacionado a esse ou àquele hotel. sócio-cultural os meios de comunicação de Assim, se entendermos o consumo massa estão subordinados aos critérios de como um outro tipo de participação social lucro, de modo que anteriormente alguns que dá cidadania ao consumidor, o público teóricos chegaram a aventar a possibilidade homossexual poderia estar atingindo um nível de que o consumo globalizado iria criar de cidadania, anteriormente negado a ele, identidades nacionais, mas o que hoje por sua condição de diferente, através do efetivamente se percebe é a criação de consumo. identidade transnacionais. Assim esse fato Esse fato é bastante evidente na permite uma resignificação cultural, ou seja : chamada valorização do "pink money", que captar os sentidos da globalização e atribuir será abordada no item seguinte. novos sentidos e significados aos significados recebidos pelos meios de comunicação de massa a partir de seu próprios referenciais. Assim o consumo serve para pensar e O turismo e a homossexualidade É possível assistir na última década a pela uma crescente tentativa de atrair turistas racionalidade econômica, mas também homossexuais. Esta passou a fazer parte da pela racionalidade consumidora, prestando agenda de destinações turísticas de muitos deve ser entendido não só 13 Daniella Tebar Avena e Fabrizia Rossetti Esse autor observa que no novo cenário Homossexualidade, consumo, cidadania e hospitalidade RNO VIRT E D Caderno Virtual de Turismo SMO RI L DE TU UA CA ISSN: 1677-6976 Vol. 4, N° 2 (2004) países, cujos órgãos públicos têm participado turismo e aos turistas. Nos últimos 10 anos, ativamente na construção de um ambiente segundo OLIVEIRA (2002), atrair turistas social mais favorável e amigável para o homossexuais passou a fazer parte da turista homossexual. Existe a percepção de agenda de muitos destinos turísticos, cujos que a comunidade homossexual se desloca órgãos oficiais têm participado ativamente com fins específicos de lazer e eventos e na construção de um ambiente mais demanda serviços específicos que vão além favorável e amigável para este público. da mera tolerância à sua opção sexual. Por Um país interessado nas atividades outro lado identifica-se nesse público uma turísticas da comunidade homossexual, por capacidade de consumo considerável meio de seus órgãos de turismo e empresas gerando renda e divisas que não tem sido que servem ao setor de hospitalidade, deve desprezadas. estar munido de informações disponíveis países desenvolvem de sobre essa comunidade para se preparar e maneira significativa o chamado "turismo se educar no sentido de promover o "turismo gay", onde existem inclusive a presença de gay". Assim, os turistas se sentirão com mais órgãos especializados para a divulgação e vontade de conhecer esse país e divulgá-lo apoio do setor. No Brasil ainda se percebe para outros turistas. alguma carência de serviços e da própria Países que foram bem sucedidos no promoção do turismo gay, inferindo daí que "turismo gay" desenvolveram um trabalho ainda educativo no sentido de conscientizar a existe discriminação e desconhecimento perante o segmento. população a respeito dos aspectos irracionais O turismo pode contribuir bastante subjacentes à discriminação feita contra para a mudança na atitude em relação à pessoas homossexuais e a importância deste homossexualidade, além desta característica público para o mercado de consumo. Assim o público homossexual pode elevar a renda imagina-se que iniciado este trabalho, a de algumas regiões. De forma geral, o Brasil sociedade venha a ganhar a confiança do não é um país homófobos, ou seja, que consumidor homossexual, como demostra um discriminam processo que ocorre nos Estados Unidos, de violentamente o homossexualidade. A discriminação é feita, acordo com o relatório da CMI . geralmente, de forma mais sutil. Os países preocupados com o desenvolvimento econômico e social Hospitalidade e homossesualidade percebem no turismo uma fórmula de Apesar dos aspectos gerais sobre o criação de postos de trabalho e crescimento turismo gay citados acima tem-se percebido, econômico. turista através de alguns relatos empíricos, que a homossexual é um cliente economicamente atuação nas recepções de hotéis nem muito forte por estar inserido no conceito de sempre é contextualizada à importância do DINKS , porém simplesmente atrair este turista homossexual. segmento do turismo é uma tarefa complexa, Inúmeros Sabe-se que o são os relatos que ainda mais se tratando de um segmento que evidenciam o estigma por parte dos anda sofre preconceitos. É necessário que o trabalhadores das empresas hoteleiras ao destino turístico seja construído no sentido receber o turista homossexual. social e econômico, desde a sua imagem até a infra-estrutura turística, passando pelas atitudes dos habitantes locais em relação ao Esse modo inadequado de se receber um turista, um consumidor e um cidadão evidenciam o que se pode chamar de 14 Daniella Tebar Avena e Fabrizia Rossetti Muitos Homossexualidade, consumo, cidadania e hospitalidade RNO VIRT E D Caderno Virtual de Turismo SMO RI L DE TU UA CA ISSN: 1677-6976 Vol. 4, N° 2 (2004) constrangimento social. Esse constrangimento fato muito subjetivo, sobretudo dentro da fica evidente em muitas das situações categoria da hospitalidade, entretanto a descritas abaixo : profissionalização pode ser um caminho para * No momento da reserva o turista faz a solicitação de uma cama de casal e se depara com a surpresa, ou mesmo insistência do atendente da central de reservas ao informar o nome dos dois hóspedes; aplacar as idiossincrasias daqueles que recebem os hóspedes. Considerações finais A partir do que foi exposto nesse trabalho * O recepcionista do hotel deliberadamente troca o quarto com cama de casal reservado por outro com duas camas de solteiro no momento do check-in, por pressupor que isso seria mais adequado; pode-se tecer algumas considerações finais no sentido de identificar na hospitalidade uma categoria de análise e expansão para o chamado turismo gay. A compreensão do que é de fato o consumo na sociedade atual e do quanto o * No balcão, sem reserva, o recepcionista do hotel se depara com os hóspedes do mesmo sexo fazendo o pedido de um quarto com cama de casal e evidencia sua surpresa com a solicitação, ou ainda faz uma série de perguntar constrangedoras ao casal sobre a real necessidade da cama de casal já solicitada; consumo está ligado à esfera da cultura é algo que será de grande ajuda para os empreendedores e trabalhadores do setor hoteleiro. A escolha de um hotel por parte de qualquer público se funda em um sistema cultural de manipulação de signos que está refletido nas escolhas de consumo, tanto quanto em fatore econômicos. Por isso há muitos aspectos envolvidos no check-in de um hóspede em qualquer hotel. Esse processo de consumo da hospitalidade, quando se trata do público * O hotel se recusa a aceitar a reserva ou o registro de dois hóspedes do mesmo sexo para um quarto com cama de casal, ou constrange os hóspedes a aceitar um quarto com cama extra. homossexual, é bastante específico no sentido cultural, porém não pode ser tratado de modo estigmatizado. Dois argumentos finais podem ser lançados para essa proposta de não-estigmatização. Todas essa situações citadas acima O primeiro deles está ligado ao revelam um gama de problemas culturais, insistente discurso da responsabilidade social de cidadania, e de profissionalização dos das empresas. Se existe a possibilidade de se responsáveis pela hospitalidade. Não é respeitar os limites dos cidadãos em geral que possível aqui, infelizmente esgotar esse tema, são tratados como consumidores e portanto e verificar as possíveis hipóteses para os clientes de um hotel, deve-se manter comportamentos mencionados acima. Isso também o respeito à diversidade e tratar seria certamente tarefa de pesquisa mais como consumidores os homossexuais que vem ampla e profunda. Porém é evidente que a um hotel. Esse argumento estaria ligado a esse gênero de recepção ao um consumidor idéia de cidadania e consumo e teria um específico pode ter diversas conseqüências apelo cultural e social. indesejadas. O outro argumento seria o de caráter O real motivo que leva alguém a econômico. Ou seja, se o homossexual se estigmatizar e constranger um cliente é de constitui como um consumidor, ele deve ser 15 Daniella Tebar Avena e Fabrizia Rossetti * O recepcionista se recusa a dar uma cama de casal para os hóspedes, informando que todos os quartos nesta condição estão lotados ( quando isso não é verdade); Homossexualidade, consumo, cidadania e hospitalidade RNO VIRT E D Caderno Virtual de Turismo SMO RI L DE TU UA CA ISSN: 1677-6976 Vol. 4, N° 2 (2004) entendido como cliente do hotel e ser Janeiro: Ed. Relume-Dumará, 1992. recebido como tal. Os diversos aspectos CUNHA, Maria Carneiro da. Comportamento subjetivos que estão relacionados à sexual: a revolução que ficou no hospitalidade só poderão ser colocados de caminho. São Paulo: Nobel, 1988. lado se houver a profissionalização dos que DIAS, Célia Maria de Moraes. Hospitalidade: estão em contato com o hóspede. E esse reflexões e perspectivas. São Paulo: aspecto tem relação direta com o modo profissional e economicamente interessante de se receber o público homossexual. Manole, 2002 DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. El mundo de los bienes : hacia una Os constrangimentos sofridos pelo público homossexual na recepção de um antropología del consumo. México : Grijalbo-CNCA, 1990. de FRY, Peter; MACRAE, Edward. O que é compreensão e contextualização no mundo homossexualismo. São Paulo: Brasiliense, dos que trabalham nesse hotel. Tal postura 1984. hotel são proporcionais a falta só pode gerar perdas financeiras para o FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade: próprio hotel. Assim, pode-se concluir que a a vontade do saber. Vol.1 12ª Ed. Rio de profissionalização dos trabalhadores das Janeiro: Edições Graal, 1992. grande GIDDENS, Anthony, A transformação da contribuição para que se façam leituras de intimidade: sexualidade, amor e erotismo contexto maiores e se compreenda a nos sociedades modernas. São Paulo: Ed. homossexualidade e a hospitalidade como Universidade Estadual Paulista, 1993. duas instâncias lucrativas e cidadãs da GOFFMAN, Ervin. Estigma. 4ª edição. Rio de empresas hoteleiras será de Janeiro: LTC, 1988. atividade hoteleira. GONZALÉZ, Norma Ernestina Klein de. Hospitalidade e preconceito no turismo. Referências bibliográficas ALLPORT, Gordon. La natureza del prejucio. e Ação, ano 4 n.10 out.2001/mar.2002. Buenos Aires: Eudeba, 1971. BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. Turismo. 2ª edição. São Paulo: Senac, 1998. consumption. In The : sociology MILLER, of Daniel. 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