CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA – UNICEUB FACULDADE DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO E SAÚDE - FACES CURSO DE LETRAS Kênia Bispo Pinheiro CONCORDÂNCIA VERBAL EM QUESTÕES DE NÍVEL MÉDIO DE CONCURSOS PÚBLICOS: MECANISMO LINGUÍSTICO DO TEXTO OU SIMPLES MEMORIZAÇÃO DE REGRAS? BRASÍLIA 2013 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA – UNICEUB Faculdade de Ciências da Educação e Saúde CURSO DE LETRAS Kênia Bispo Pinheiro CONCORDÂNCIA VERBAL EM QUESTÕES DE NÍVEL MÉDIO DE CONCURSOS PÚBLICOS: MECANISMO LINGUÍSTICO DO TEXTO OU SIMPLES MEMORIZAÇÃO DE REGRAS? Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Licenciatura do Curso de Letras, da Faculdade de Ciências da Educação e Saúde - FACES , do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Orientador: Prof. Msc. Tiago de Aguiar Rodrigues BRASÍLIA 2013 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA – UNICEUB Faculdade de Ciências da Educação e Saúde CURSO DE LETRAS Kênia Bispo Pinheiro CONCORDÂNCIA VERBAL EM QUESTÕES DE NÍVEL MÉDIO DE CONCURSOS PÚBLICOS: MECANISMO LINGUÍSTICO DO TEXTO OU SIMPLES MEMORIZAÇÃO DE REGRAS? Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Licenciatura do Curso de Letras, da Faculdade de Ciências da Educação e Saúde - FACES , do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Orientador: Prof. Msc. Tiago de Aguiar Rodrigues ______________________________________________ Professor: ______________________________________________ Professor: Brasília, 14 de novembro de 2013 Dedico este trabalho à minha avó paterna (in memorian). Ao meu marido: meu sol e estrelas. Ao meu pai, cujo lema sempre foi: estude! À minha mãe que sempre fez, e faz, de tudo pelas filhas. E à minha irmã que, para mim, sempre foi a personificação da frase: quero ser como você, quando eu crescer... AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus pela saúde, força, foco e inteligência. A todos os professores com quem tive o prazer de aprender nesses 3 anos de curso de Letras. Em especial, ao professor Amauri Rodrigues, à professora Ana Luiza Montalvão e ao professor Paulo Medeiros: exemplos que levarei por toda a minha vida acadêmica. Aos meus colegas de classe, pelo apoio, pela repartição de atividades e pelas risadas. Ao meu orientador, Tiago de Aguiar Rodrigues, pelas intervenções tão precisas e pacientes. RESUMO Este trabalho busca verificar, mediante a análise de questões que envolvam o conteúdo “concordância verbal”, se a visão funcional da língua proposta pelos PCN (BRASIL, 2000) para o Ensino Médio está sendo aplicada em provas de concursos públicos que exijam este grau de instrução. Para tal fim, são apontadas as implicações, no ensino, das concepções funcionalista e formalista na visão de língua, bem como o desdobramento de uma ou outra concepção na abordagem do conteúdo “concordância verbal”. Após a discussão acerca das provas nas quais as questões estão inseridas, suas características e modo como se apresentam, é feita uma introdução sobre a importância dos concursos públicos no país, a apresentação das bancas CESPE e ESAF, como aquelas de maior destaque no ramo de elaboração de provas de certames públicos e, finalmente, é realizada a análise qualitativa de 24 questões de ambas as bancas, sob o enfoque do item gramatical concordância verbal, para aferir a predominância de uma ou outra concepção linguística em cada banca. Como parâmetro, é feita a análise de uma questão do Enem, que apresenta todas as características funcionais solicitadas pelos PCN, como parâmetro às demais. Palavras-chave: Língua Portuguesa. Funcionalismo. Estruturalismo. Concordância verbal. Enem. Concursos públicos. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Novo paradigma da conjugação verbal no Português Brasileiro .... Erro! Indicador não definido.3 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Dimensões verbais ................................................................................................. 24 Quadro 2 - Matriz de referência de Língua Portuguesa da Prova Brasil..................................36 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 0.1. PALAVRAS INICIAIS 11 11 0.2. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO 13 0.3. OBJETIVO GERAL E ESPECÍFICO 14 1 AS VISÕES FORMALISTAS E FUNCIONALISTAS: DIFERENTES CONCEPÇÕES, DIFERENTES PRÁTICAS 16 1.1 A VISÃO DE LÍNGUA SEGUNDO AS DIFERENTES CORRENTES LINGUÍSTICAS 17 1.1.1 A visão Formalista 17 1.1.2 A visão Funcionalista 18 1.2 OS CONTEÚDOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 20 1.2.1O que deve ser contemplado no ensino de LP 20 1.2.2 A concordância verbal 23 2 ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO MÉDIO E AS AVALIAÇÕES COMO FORMA DE SISTEMATIZAR ESSE ENSINO 2.1 OS PROCEDIMENTOS DE AVALIAÇÃO 2.1.1 A forma de apresentação dos documentos de avaliação 26 29 32 2.2 AS PROVAS DO ENEM 33 2.3 AS PROVAS DE CONCURSO PÚBLICO 37 3 CONCORDÂNCIA VERBAL NAS QUESTÕES DE CONCURSO: MECANISMO DE ORGANIZAÇÃO TEXTUAL OU DECOREBA? 40 3.1 CONSTITUIÇÃO DO CORPUS DE PESQUISA 42 3.2 O UNIVERSO DOS CONCURSOS PÚBLICOS 43 3.2.1 A ESAF 44 3.2.2 O Cespe 45 3.3 AS QUESTÕES 46 3.3.1 Questão do ENEM 47 3.3.2 As questões de concursos 49 3.3.2.1. Questões da ESAF 50 3.3.2.1.1 Estruturalistas 51 3.3.2.1.2 Pretextuais 55 3.3.2.1.3 Funcionalistas 3.3.2.2. Questões do Cespe 59 63 3.3.2.2.1 Estruturalistas 63 3.3.2.2.2 Pretextuais 68 3.3.2.2.3 Funcionalistas 72 3.4 RESULTADOS 77 CONCLUSÃO 80 REFERÊNCIAS 82 ANEXOS - QUESTÕES DE PROVAS UTILIZADAS NAS ANÁLISES 87 11 INTRODUÇÃO 0.1. PALAVRAS INICIAIS No ano 2000, foram publicados, após décadas de debates, críticas e verificações, os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, o que resultou em uma revolução na forma como as disciplinas deveriam ser abordadas com alunos nas escolas públicas do país. Em relação ao ensino de Língua Portuguesa – LP, uma estética diferente, mas já evidenciada em anos de estudos pelo mundo afora, moldaram um documento voltado não só para a percepção do fenômeno linguístico estudado pelo ponto de vista de sua estrutura, como vinha sendo feito nas escolas desde sempre, mas a partir do seu todo, como instrumento comunicação, interação, identidade, cultura humanas. Sob o subtítulo de Linguagens Códigos e suas Tecnologias, Brasil (2000, p. 5), para o ensino de LP, consideram a linguagem – aí incluída a língua – como “a capacidade humana de articular significados coletivos e compartilhá-los (...), [variando] de acordo com as necessidades e a vida em sociedade”. Para o fim a que se propõe o Ensino Médio, busca-se que os alunos egressos construam um arcabouço de competências e habilidades que serão verdadeiramente aplicadas em suas vidas na construção do futuro que escolherem: continuação dos estudos, emprego na inciativa privada ou ingresso nos quadros da administração pública. O serviço público representa, no Brasil, uma forma digna de participar da administração do país, sendo que o ingresso se dá por meio de avaliações que visam a resguardar o caráter democrático que o processo exige. Ora, os cidadãos aptos a pleitearem a vaga são aqueles que foram assim formados pelas escolas do país, escolas que seguem (ou deveriam seguir) os currículos propostos nos PCN. Percebe-se a importância do conhecimento e da proficiência em LP, como vernáculo de observação obrigatória em todo o território nacional, pelas pessoas que serão consideradas habilitadas pelos órgão/entidades da administração para o serviço público. A forma como os conteúdos de LP é apresentada aos alunos, no Ensino Médio, pode definir uma melhor aplicação dos conhecimentos desses servidores no cotidiano do serviço, gerando melhores resultados ao bem comum. 12 Sob a temática de Língua Portuguesa e Concursos Públicos, tendo como item gramatical a ser verificado a concordância verbal, o seguinte trabalho foi elaborado objetivando responder ao seguinte questionamento: A visão funcional da língua proposta pelos PCN para os conteúdos de Língua Portuguesa está sendo aplicada em provas de certames públicos? O que motivou a escolha do tema? Filha de servidor público, a realidade dos concursos sempre fez parte da vida da formanda. Em casa, desde o ensino médio – 1994 a 1996 –, editais de seleções já eram entregues para a tentativa de ingresso num cargo. Dessa forma, a aluna tornou-se uma “concurseira” contumaz, com longo histórico de estudos e realização de provas em pleitos que exigiam formação em nível médio e superior. A prova de Língua Portuguesa sempre foi ponto de destaque nos estudos: apaixonada pela disciplina, algo que sempre incomodou nas avaliações era o fato de a LP ser tratada simplesmente como algo mecânico e estanque, praticamente sem vinculação à realidade. Ao tomar posse em cargos que logrou aprovação, a formanda deparou-se com situações reais do uso de língua que exigiam conhecimentos muito maiores, muito mais profundos do que a simples memorização de regras cobradas nas questões de concurso. E, ao entrar em contato com o universo dos PCN, já na faculdade de Letras, foi percebido que o abismo entre aquilo que deveria ser ensinado na escola e o que era verificado nas provas era ainda maior! Nota-se, ainda, que muitos candidatos a cargos na administração pública citam a prova de Língua Portuguesa como um dos pontos de maior dificuldade para lograr sucesso na realização de qualquer pleito. Assim, como futura professora de LP, licenciada a ensinar alunos dos 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental e alunos do Ensino Médio, foi despertada curiosidade em verificar a forma como os certames públicos vêm encarando as questões de LP em suas seleções: se estão propondo uma visão mais funcionalista de língua – contextualizada, aplicada ao uso, desenvolvedora de competências e construtora de habilidades – conforme proposto pelo Ministério da Educação por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais; ou se continuam a insistir em questões que se preocupam apenas com a estrutura da língua, com a pura aplicação de regras, um fim em si mesmo. Para a demonstração do exposto, um assunto de suma importância para os estudos de língua portuguesa e que é, ao mesmo tempo, objeto recorrente nas provas de concurso, foi 13 escolhido: a concordância verbal. Ora, será que as bancas têm essa preocupação: “Vamos cobrar concordância verbal nas provas porque, se o candidato souber os mecanismos morfossintáticos, semânticos e discursivos que estão por trás dela, mostrará ser capaz de compreender e produzir textos com proficiência”? Ou colocam em suas provas concordância só porque “é um tema difícil, cheio de peguinhas”? 0.2. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO No capítulo 1, destaca-se que as concepções funcionalista e formalista influenciam diretamente nos objetos e atividades de ensino e, consequentemente, na forma como se enxerga a Língua Portuguesa. Na sequência, faz-se uma breve leitura dessas concepções e como elas influenciaram na criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Por fim, apresentamos como o conteúdo concordância verbal – o qual possui uma importância inquestionável para os estudos de língua e é cobrado com frequência em certames – poderia ser trabalhado em uma e outra concepção e discute-se de que maneira o enfoque escolhido interfere nas questões de concurso. No capítulo 2, a discussão adentra o universo das avaliações, consideradas tanto como meio eficiente de verificar e melhorar a qualidade do ensino, quanto como forma de selecionar candidatos mais bem preparados em certames públicos. Assim, discute-se em um primeiro momento como se organizam os documentos de avaliação; em seguida, os procedimentos; e, finalmente, são introduzidas as características das provas cujas questões serão o objeto de verificação neste trabalho: o ENEM e as provas dos concursos públicos. No capítulo 3, é feita a análise dos dados. Num primeiro momento, apresenta-se o corpus da pesquisa. Na sequência, destaca-se a importância do concurso público para a sociedade brasileira e tecemos breves comentários sobre as bancas Cespe e ESAF, cujas questões são objeto de análise. Por fim, procede-se à análise das questões de LP sobre concordância verbal e são apresentados os resultados dessa análise. Uma questão da prova do Exame Nacional do Ensino Médio – Enem – foi escolhida para exemplificar como uma questão de Língua Portuguesa em que se podem trabalhar diversas habilidades e competências. Finalmente, é realizada a análise em provas das bancas Esaf e CESPE. 14 0.3. Objetivo geral e específico Os resultados percebidos na análise buscaram responder ao objetivo geral da pesquisa que consiste em: verificar se a visão funcional da língua proposta pelos PCN para os conteúdos de Língua Portuguesa no Ensino Médio está sendo aplicada em provas de nível médio de certames públicos. E aos seguintes objetivos específicos: Compreender o currículo de Língua Portuguesa constante nos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN – para o Ensino Médio, avultando as competências e habilidades que são esperadas dos egressos desse nível. Elucidar a dinâmica dos concursos públicos no Brasil, destacando a sua importância para Administrativo os princípios Brasileiro – constitucionais legalidade, inerentes impessoalidade, ao Direito moralidade, publicidade e eficiência. Explicar as habilidades e as competências que o ENEM e as bancas ESAF – Escola de Administração Fazendária; e CESPE – Centro de Seleção e Promoção de Eventos da Universidade de Brasília procuram aferir nas provas de Língua Portuguesa dos candidatos para cargos de nível médio. Examinar questões de LP sobre concordância verbal em provas aplicadas pelo CESPE e pela ESAF, para cargos de nível médio, comparando-as às competências e às habilidades exigidas pelos PCN. Como fundamentação teórica, o Manual de linguística, organizado por Mário Eduardo Martelotta et alii (2010), forneceu embasamento para a fundamentação das duas visões sobre a linguagem – funcional e estrutural – e nas consequências de cada escolha para o ensino. O livro organizado por de Silvia Rodrigues Vieira e Silvia Figueiredo Brandão (2011), da professora Irandé Antunes (2010) e (2011), foram essenciais para toda a construção do raciocínio sobre como o professor deve ministrar suas aulas. Além disso, essas obras deram 15 todo o norte para que a coadunação da ideologia impressa nos Parâmetros Curriculares Nacionais (2000), regulamentados pela Lei de Diretrizes da Educação (1996), pudesse ser explicada em seu uso prático. Como aporte básico à elucidação das questões gramaticais, os manuais de: Evanildo Bechara (2009); Celso Cunha (2008); José Carlos de Azeredo; e Bagno (2011), foram fontes basilares de reflexão da gramática normativa e, ao mesmo tempo, da importância de se considerar a gramática – e, consequentemente, concordância verbal – como um mecanismo que está a serviço do uso, não refém a conjunto de regras estanques. Sobre a evolução do processo de avaliação em ambiente escolar, Arredondo e Castilho (2009) forneceram os elementos necessários para compreender a evolução histórica do modelo adotado até hoje. Salinas (2004) demonstrou a forma de elaboração dos documentos para avaliação. Com relação aos concursos públicos, doutrinários em Direito Administrativo foram pesquisados, como Carvalho Filho (1997); Bruel (2010); Druziani (1996); e, como não poderia faltar, o conceituadíssimo manual de Direito Administrativo Brasileiro (2001), de Hely Lopes Meirelles. Quanto à metodologia, o trabalho foi elaborado segundo o conceito de uma pesquisa qualitativa na qual, conforme Minayo (1993, p. 244), realiza-se sob o contorno de uma “abordagem dialética (...) [atuando] em nível dos significados e das estruturas, entendendo estas últimas como ações humanas objetivadas e, logo, portadoras de significado”. O enfoque qualitativo, continua a autora, “ao mesmo tempo, tenta conceber todas as etapas da investigação e da análise como partes do processo social analisado e como sua consciência crítica possível” (MINAYO, 1993, P. 244-245). A abordagem escolhida buscará esclarecer sobre a estrutura das provas de Língua Portuguesa aplicadas por duas bancas de renome em concursos públicos no Brasil. O método e o procedimento eleitos englobaram análises teóricas, em uma abordagem descritiva de material bibliográfico previamente escolhido, além da escolha das questões em LP sobre concordância verbal em provas aplicadas, para cargos de nível médio, das bancas Cespe e ESAF. O material documentado, bem como as respectivas análises, foi reunido no presente estudo monográfico. 16 1 AS VISÕES FORMALISTAS E FUNCIONALISTAS: DIFERENTES CONCEPÇÕES, DIFERENTES PRÁTICAS As técnicas pedagógicas em Língua Portuguesa (LP) devem levar em conta a forma como o professor enxerga as práticas de linguagem, pois as suas escolhas influenciarão diretamente e, talvez, de forma definitiva, toda a relação do aluno com sua língua materna, tanto nas suas relações quotidianas, quanto nas profissionais. Assim, (...) há diversas e contrastivas, ou complementares, formas de pensar e compreender o fenômeno linguístico, cada qual com sua validade e contribuição para o maior conhecimento dessa entidade tão complexa. Ocorre que, ao fazermos opção por uma dessas maneiras de tratamento, estamos fazendo muito mais do que somente a eleição de uma perspectiva de abordagem. Automaticamente estamos aderindo a determinadas práticas e metodologias, a um aparato teórico específico e a objetos de análise mais ou menos definidos (OLIVEIRA e WILSON, 2010, p. 236). Neste capítulo, as duas visões de como abordar a linguagem – a formalista e a funcionalista – são, nesta seção, brevemente abordadas. Na sequência, é discutido como a opção por uma ou outra visão influencia consideravelmente o modo de o professor enxergar e explicar o fenômeno linguístico, e, consequentemente, a aprendizagem em LP. Após essa discussão, é apresentado o conceito de concordância verbal e são debatidos sobre os possíveis resultados de uma abordagem mais estrutural ou mais funcional desse tema. A aplicação dos enfoques estruturalistas ou funcionais, observados neste capítulo, será objeto de verificação, em tópico posterior, em avaliações que poderão vir a ser realizadas pelos alunos, dependendo de suas escolhas, após a conclusão do ensino médio: questões de LP sobre concordância verbal no Exame Nacional do Ensino Médio – Enem e em provas aplicadas pelas bancas Cespe e Esaf, para cargos de nível intermediário, por meio de concursos públicos. Antunes (2003) considera que o ensino de LP, desde os níveis fundamentais, ainda revela a insistência de uma prática pedagógica de caráter reducionista do estudo da palavra e da frase totalmente fora de qualquer contexto de uso. Conforme preceituam Oliveira e Wilson (2010, p. 235-236), o primeiro desafio a ser superado na abordagem do binômio linguística/ensino é o de se chegar à resposta da seguinte pergunta: a partir de que concepção de linguagem serão tratadas as questões linguísticas? Assim, a verificação do quê, para quê e como será lecionada a matéria de Língua Portuguesa deverá partir, portanto, da visão de Língua/Linguagem adotada pelo docente. 17 1.1 A VISÃO DE LÍNGUA SEGUNDO AS DIFERENTES CORRENTES LINGUÍSTICAS Ao decidir se, em suas aulas, levará em conta, ou não, os aspectos extralinguísticos que cercam o ato da fala e da produção de um texto, o professor está também fixando a forma de apresentação dos conteúdos de aprendizagem. As seções seguintes discorrem sobre a visão formal e a visão funcional que o docente pode adotar em suas aulas de LP, as consequências de cada concepção para o ensino e seus reflexos futuros apresentados em pleitos avaliativos que o aluno venha a fazer para ingresso em universidade federal ou concorrer a vaga no serviço público. 1.1.1. A visão Formalista A concepção formalista de linguagem enxerga a língua como um “um sistema virtual, abstrato, apartado das influências das condições interacionais” (OLIVEIRA; WILSON, 2010, p. 236). Cabe aos formalistas, portanto, analisar a organização e o funcionamento dos seus elementos constituintes [da língua] (...). Essa concepção de linguagem tem como consequência um outro princípio do estruturalismo: o de que a língua deve ser estudada em si mesma e por si mesma. É o que chamamos de estudo imanente da língua, o que significa dizer que toda preocupação extralinguística precisa ser abandonada (...) (COSTA, 2010, p. 114). Oliveira e Wilson (2010, p. 236) enriquecem a discussão ao afirmarem que, para essa perspectiva, quem, como, quando ou para que é feito o uso da língua não é importante à análise. A atenção está totalmente focada na própria estrutura linguística, desvinculada de todos os atos comunicativos que cercam sua produção e sua recepção. Para o ensino, o desdobramento desse tipo de visão de língua, segundo Azeredo (2010, p. 26), perpetua a tradição prescritiva, que analisa fragmentos de textos – frases, orações – de forma descontextualizada, sem se preocupar com a sua inserção e o seu manuseio em situações reais de uso, além de estigmatizar formas e construções que fogem à norma padrão da LP como meros “erros gramaticais”. Assim, em nível escolar, a visão mais estrutural de 18 língua dirige o conteúdo 1 LP simplesmente à realização de exames para entrada em universidades federais ou particulares, ou para a realização de concursos públicos. O ensino torna-se aparentemente mero canal de ingresso para essa instituição, sem se preocupar tanto com a formação do aluno para as práticas de linguagem que permeiam o cotidiano dele. 1.1.2. A visão Funcionalista Já numa concepção mais funcional, a atividade do professor fica marcada pela preocupação de trabalhar a LP focalizada na interação humana. Dessa forma, o ensino tornase dinâmico: o professor usa, em aula, a realidade trazida pelos alunos e, assim, contextualiza as disciplinas a serem aplicadas. Conforme Cezario e Votre (2010, p. 142), numa abordagem funcional, “a língua é [vista como] uma instituição social e, portanto, não pode ser estudada como (...) estrutura autônoma, independente do contexto situacional, da cultura e da história das pessoas que a utilizam como meio de comunicação”. Respeitando as variações naturais que ocorrem em qualquer língua, a visão funcional verifica os principais fatores que motivam a variante e se o grau de estabilidade de um fenômeno indica se ele está em seu início ou se já completou sua trajetória. Sob tal visão, qualquer variante da língua é válida, incluindo aquela considerada padrão, que, segundo Cezario e Votre (2010, p. 145), “é ensinada na escola e valorizada pelos membros da sociedade, tanto pelos que a dominam como pelos que gostariam de dominá-la, pois sabem da sua importância para se adquirir prestígio”, e a não padrão. Associando a visão funcional aos dispositivos que regem os conteúdos em LP no Brasil, Antunes (2003, p.21) lembra que, em relação aos PCN, não se pode deixar de reconhecer que as concepções teóricas subjacentes ao documento já privilegiam a dimensão interacional e discursiva da língua e definem o domínio dessa língua como uma das condições para a plena participação do indivíduo em seu meio. Além disso, estabelecem que os conteúdos de língua portuguesa devem se articular em torno de dois eixos: o do uso da língua oral e escrita e o da reflexão acerca desses usos. Nenhuma atenção é concedida aos conteúdos gramaticais, na forma e na sequência tradicional das classes de palavras, tal como aparecia nos programas de ensino de antes. 1 Segundo Brasil (2000, a definição de “conteúdo” não se coaduna à ideia de algo estanque, sincrônico, estático no tempo. Engloba, sim, o conceito de interdisciplinaridade, de forma contextualizada histórica e ideologicamente, visando ao desenvolvimento de competências e habilidades que serão realmente úteis aos alunos em suas vidas após a conclusão do Ensino Médio. 19 Nesse sentido, Callou (2011, p. 27) sintetiza que se qualquer falante já possui uma gramática internalizada – sistema de regras e princípios fundamentais – ao ingressar na escola, ele deve desenvolver a sua competência comunicativa de tal modo que possa “utilizar melhor” a sua língua em todas as situações de fala e escrita (...). A aula de português seria então um exercício contínuo de descrição e análise desse instrumento de comunicação. Na perspectiva funcional, o ensino da língua vai além do mero “certo ou errado”. Ao promover o “melhor uso”, Callou (2011, p. 28) ensina que o aluno deve saber fazer uso da norma culta padrão e das demais variantes, coadunando cada estilo à situação linguística que se apresente. Ensinando de maneira interacionista, funcional e discursiva, conforme preceitua Antunes (2003, p.42), o professor estará preparando e especializando os alunos no serviço da comunicação entre sujeitos ativos, que têm plena capacidade para atuarem em qualquer papel que a vida real lhes demande, produzindo seus próprios discursos, agindo como verdadeiros cidadãos, pois aprendem a raciocinar sobre a estrutura de sua língua, os elementos, as propriedades, os modos de uso, o estilo, as situações de interação, as variações e os diversos gêneros que pode empregar. Azeredo (2010, p. 28) complementa que a aptidão para a leitura de textos variados, com finalidade estritamente informativa ou com objetivos profissionais, morais, estéticos, ou de lazer, assim como a capacidade para conceber um texto adequado a seus fins – e portanto no gênero apropriado e pensadamente urdido nos aspectos gramaticais e lexicais – fazem parte da formação plena de qualquer cidadão pertencente a sociedades complexas, e são uma condição para o desenvolvimento contínuo do potencial intelectual e cultural de qualquer pessoa. Além disso, ao mostrar ao aluno a riqueza de usos da linguagem, o ensino funcional pode, teoricamente, preparar melhor o aluno para os desafios do mercado de trabalho, incluindo a resolução de provas que lhe exijam demonstração de competências e habilidades linguísticas voltadas a um fim (universidade ou concurso público), que, em tese, serão verdadeiramente colocadas em prática ao ingressarem nas instituições pretendidas. Essa, inclusive, é a perspectiva da pesquisadora: ensinar para o uso efetivo. 20 1.2 OS CONTEÚDOS DE LÍNGUA PORTUGUESA Segundo Antunes (2003, p. 34), a atividade pedagógica, em sua complexidade, inserese em constante ciclo de previsão e avaliação de concepções – o que é linguagem e língua?; objetivos – para quê, com que finalidade é ensinada; procedimentos – como se deve ensinar?; e resultados – o que se tem conseguido? Todas essas indagações estão voltadas a uma resposta conjunta e de grande significância: “conseguir ampliar as competências comunicativointeracionais dos alunos”. 1.2.1 O que deve ser contemplado no ensino de LP Os PCNEM (2000) apresentam uma espécie de miniguia a ser observado pela escola e corpo de professores na forma que os conteúdos de LP serão negociados com os alunos: o primeiro critério é o do aprofundamento dos conteúdos e das competências apresentados nos anos anteriores; o segundo trata dos núcleos rígidos que cada disciplina precisa apresentar, ao mesmo tempo em que permitem certa interdisciplinaridade; o terceiro critério destaca a maior importância da internalização, pelos alunos, dos conteúdos que de suas meras nomenclaturas; e o quarto propõe a abertura da disciplina de LP a diferentes abordagens de conhecimento: como a oralidade, a música, as artes plásticas, entre outras. Dentre os temas estruturadores (PCNEM, 2000, p. 73), será dado destaque, neste trabalho, ao ensino de gramática, com ênfase nas competências gerais de compreensão e uso da LP como “língua materna, geradora de significação e integradora da organização do mundo e da própria identidade” (...) sendo articulada “como fonte de legitimação de acordos e condutas sociais (...) manifestas nas formas de sentir, pensar e agir na vida social”. Todo esse conhecimento visa à revelação de habilidades específicas, nos alunos, como a capacidade de distinção entre “gramática descritiva e normativa, a partir da adequação ou não a situações de uso”, ou seja, ao conhecimento da norma padrão da Língua Portuguesa, no sentido de aplicála a contextos sociais que demandem a utilização das regras por ela estabelecida e, ao mesmo tempo, respeitar todas as diferenças possíveis. Como bem explica Antunes (2003, p. 85), 21 a questão maior é discernir sobre o objeto do ensino: as regras (mais precisamente: as regularidades) de como se usa a língua nos mais variados gêneros de textos orais e escritos. (...) se as línguas existem para serem faladas e escritas, as gramáticas existem para regular os usos adequados e funcionais da fala e da escrita das línguas. Mais uma vez, a percepção que o educador de LP tem da sua visão de língua/linguagem vai definir os meios que escolherá para ministrar o conteúdo. Para isso, tem, à sua disposição, preceitos gramaticais mais tradicionais ou conceitos mais científicos. A preponderância de um ou outro aspecto determinará o contorno de como será tratada a norma padrão da LP com os alunos. O Brasil apresenta riquíssima gama de falares, variações dialetais que, em análise verdadeiramente científica, deveriam situar cada variante como uma perspectiva de estudo em condição de igualdade com qualquer uma de suas manifestações. Mas, como esclarece Bagno (2011, p. 63), há uma “hierarquização social dos diferentes falares numa comunidade” e nessa concepção, existem, sim, modos de falar melhores e piores, superiores e inferiores – não por alguma característica gramatical, sistêmica, linguística intrínseca que eles teriam (e que sabemos que não têm), mas pelos papéis diferentes que são atribuídos a eles no jogo das sempre desiguais relações de poder vigentes na sociedade. Bechara (2009, p. 38) propõe que os falantes de dada língua têm à sua disposição várias línguas funcionais: a norma padrão seria aquela “língua funcional que se sobrepõe às demais” e a única que deve constar e ser ensinada em gramáticas e, por consequência, em livros didáticos e preparatórios para os mais diversos exames. Assim, como por exigência metodológica e de coerência interna só se pode descrever uma realidade homogênea e unitária, é a língua funcional o objeto próprio da descrição estrutural e funcional. Uma gramática como produto desta descrição nunca é o espelho da língua histórica; é apenas a descrição de uma das suas línguas funcionais. Por isso não há de exigir desta gramática o registro de fatos que pertençam a línguas funcionais diferentes (BECHARA, 2009, p. 38-39). Contra-argumentando, Bagno (2011, p. 984) destaca que a “norma padrão não é uma variedade linguística”. Trata-se de uma convenção sociocultural, artificial, impositiva de normas prescritivas, “atrelada a uma doutrina gramatical pré-científica, baseada nos postulados dos gramáticos da antiguidade clássica” e, (...) “justamente por isso, ela não corresponde em grande parte à intuição linguística dos falantes”. O autor considera, ainda, “a diferença gritante que existe entre os usos das formas mais comuns do PB e os usos exclusivos preconizados pela norma padrão tradicional” (ibid, 984). 22 Nesse sentido, Antunes (2003, p. 98) destaca que é de grande importância que se procure caracterizar, de forma adequada, a norma padrão como sendo a variedade socialmente prestigiada, mas não como sendo a única forma “certa”. “Certo é aquilo que se diz na situação “certa” à pessoa “certa”. (...) as normas estigmatizadas também têm o seu valor, são contextualmente funcionais, não são aleatórias e nem significam falta de inteligência de quem as usa. Comungando da visão de Bagno (2011), Azeredo (2010, p. 27) encara “que a atividade comunicativa por meio da palavra é sempre um acontecimento sociocultural”, seja na interação face a face, à distância ou por meio da escrita. Logo, ele propõe ir além da explicação do uso e da descrição apenas da norma padrão. Pedagogicamente, conforme ressalta Antunes (2003, p. 96-98), a alternativa do professor por um posicionamento funcional na escolha dos manuais que pautarão o seu ensino deverá dar primazia àqueles que apresentem conceitos e normas gramaticais realmente relevantes, úteis e aplicáveis na realidade de uso e funcionamento efetivo da língua; livros que privilegiem a língua inserida em textos de diversos gêneros, adequados ou não à normapadrão; textos que sejam interessantes, desafiantes, desfazendo a ideia preconcebida de que “aprender Português é difícil”; uma gramática, enfim que valorize a interação verbal, que fale a “língua das pessoas”. Conforme é debatido no Capítulo 2 deste trabalho, apesar de haver um currículo de disciplinas que deverão ser apresentadas aos alunos no Ensino Médio, os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (2000) o fazem de forma propositiva, já que, ao professor, é dada liberdade na maneira de como irá apresentar as disciplinas aos estudantes, respeitando o projeto pedagógico da escola. Com essa decisão conjunta, escola e educadores deverão elaborar planos de aulas que poderão ser voltados à simples resolução de questões de provas ou para a preparação dos alunos para qualquer situação da vida. 23 1.2.2 A CONCORDÂNCIA VERBAL “A palavra verbo é herança direta do latim verbum, „palavra‟”. Assim Bagno (2011, pp. 508-9) define a classe de palavras que é “o núcleo de todo e qualquer enunciado significativo, a tal ponto que a própria definição de sentença (ou oração) ser dependente da existência de verbos”, (...) sendo “indispensável para a articulação e expressão do conhecimento e da interação social”. Sobre a concordância verbal, Cunha e Cintra (2008) a definem como “a solidariedade entre verbo e sujeito, que ele faz viver no tempo, exterioriza-se na CONCORDÂNCIA, isto é, na variabilidade do verbo para conformar-se ao número e à pessoa do sujeito” (Grifo no original). Conforme destacado na seção 1.1, ao trabalhar qualquer assunto relacionado à LP, o educador tem, pelo menos, duas opções de como fazê-lo: uma mais estrutural; outra mais funcional. No caso da concordância verbal, na perspectiva estruturalista, o professor costuma se pautar na memorização de uma vasta lista de regras e “exceções” e, no máximo, admite os novos paradigmas pronominais que influenciam diretamente na conjugação verbal do PB, afinal, o paradigma da conjugação verbal apresentado até hoje nas obras que seguem a TGP2 não corresponde a absolutamente nenhuma das variedades linguísticas reais do PB (...). É uma irracionalidade pedagógica continuar estampando um quadro de conjugação que deixou de vigorar na língua há tantos séculos. (BAGNO, 2011, p. 539). Bagno (2011, p. 539) ilustra, na figura a seguir, a descrição dos paradigmas de conjugação verbal do português brasileiro atual, conforme é realmente falado: Figura 1 – Novo paradigma da conjugação verbal no Português Brasileiro 2 Tradição Gramatical do Português 24 Logo, se encarada sob a perspectiva estruturalista da linguagem, a definição de concordância verbal vai se pautar eminentemente na conformidade morfológica do verbo com o número e a pessoa do sujeito, independentemente de ela ser produtiva ou não no uso geral da língua. Interessa, a partir daí, estabelecer a regra de concordância e delimitar os usos que fogem à regra geral (VIEIRA, 2011, p.94). Apesar da importância da concepção estruturalista, por ser aquela que se coaduna às regras da norma padrão do PB, ela apresenta limitações, como a ausência de uma análise mais científica que justifique a imposição desses mesmos regulamentos, sem levar em conta os aspectos sociais, históricos, sociológicos que cercam o fenômeno linguístico. Sob um aspecto mais funcional, o verbo é estudado em perspectiva mais ampla, levando em consideração suas dimensões sintático-semânticas (BAGNO, 2011, p. 509) e discursivas (CASTILHO, 2010, p. 396). Assim, tem-se uma mostra mais real da forma de se conceituar a concordância verbal. DEFINIÇÃO DE VERBO Morfossintática Palavra que dispõe de um radical e de sufixos próprios (raiz+vogal temática) + desinência modo-temporal + desinência número-pessoal: falássemos = fal- + -a + -sse + -mos Semântica O verbo expressa os estados de coisas, ou seja, as ações, os estados e os eventos de que precisamos dar conta quando falamos ou escrevemos. Discursiva Palavra (i) que introduz os participantes no texto, via processo de apresentação, por exemplo; (ii) que os qualifica devidamente, via processo de predicação; (iii) que concorre para a constituição dos gêneros discursivos, via alternância de tempos e modos. Quadro 1 – Dimensões verbais (CASTILHO, 2010, p. 396) Encarado sob uma perspectiva mais funcional, o ensino de concordância verbal suplanta a mera memorização das regras morfossintáticas – e suas exceções. Há, nessa perspectiva, uma maior preocupação com os significados que os verbos apresentam dentro de um texto que os insira num cenário, conforme seu aspecto discursivo. Assim, ensinar o que é a concordância verbal (...) constitui uma das oportunidades de construção de um raciocínio sobre a língua, com base em um tópico gramatical que diz respeito a uma série de outros que se inserem na interface Morfologia e Sintaxe (...). (VIEIRA, 2011, pp. 92-3). 25 Sob o aspecto funcional da linguagem, como ensinam Goldstein, Louzada e Ivamoto (2009), a concordância verbal é um meio para a garantia da coerência textual, pois, além da manutenção das vozes, modos e flexões verbais, também organiza as informações referentes ao tempo. Assim, há tempos que servem para narrar (pretéritos perfeito, imperfeito, mais que perfeito e futuro do pretérito do indicativo) e tempos que servem para comentar, criticar, apresentar reflexões (presente, futuro do presente, pretérito perfeito simples e composto do indicativo). (...) Assim, a repetição de um mesmo tempo verbal pode informar ao nosso leitor se estamos narrando ou fazendo comentários, críticas, discussões; (...) quando mudamos a sequência de tempos verbais que vínhamos repetindo, avisamos o leitor de que vai ocorrer uma mudança ou de plano (...), ou de atitude comunicativa. (GOLDSTEIN, LOUZADA e IVAMOTO, 2009, p. 173). (Grifos no original). A perspectiva funcional3 também considera que um olhar variacionista do PB deve ser levado em conta no ensino de LP e, consequentemente, na análise do fenômeno da concordância verbal. Uma das vantagens desse olhar, segundo Vieira (2011, p. 93), é a de colocar o aluno em contato com a maior diversidade e tipos de gêneros textuais possíveis, de qualquer variedade, modalidade e registro: de posse de tal conhecimento, o educando desenvolverá suas capacidades leitora/discursiva/escrita e saberá fazer uso de qualquer variante, em cada situação que se faça necessária, inclusive, obter maior domínio sobre a norma padrão. Com graus de adequação à maturidade do público-alvo, o professor de Língua Portuguesa, a partir da aplicação das definições a um conjunto de dados linguísticos, deve promover o conhecimento e a reflexão sobre a concordância verbal inserida no sistema linguístico concretizado nas diversas situações sociocomunicativas. (VIEIRA, 2011, p. 94). Como será discutido no capítulo 3, espera-se, portanto, verificar se, em questões de concursos sobre concordância verbal, as competências e habilidades esperadas pelos PCNEM coadunam-se à visão de língua e ao conhecimento gramático exigidos pelas bancas. Conforme Vieira (2011, p. 94), o conhecimento da estrutura da oração segundo noções básicas de morfologia em LP, concatena três aspectos gramaticais, promovendo a compreensão das funções sintáticas – sujeito e predicado –, transitividade verbal e, conforme a visão funcional, a adequação do conteúdo ao novo paradigma pronominal do PB. 3 O funcionalismo envolve várias correntes teórico-metodológicas que têm como objetivo comum estudar a língua em uso. Entre essas correntes, destaca-se o Funcionalismo-tipológico norteamericano, a Sociolinguística, a Análise de Discurso, entre outros. Como o tempo para a execução deste trabalho mostrou-se exíguo, não foram abordadas, detalhadamente, cada uma dessas correntes. Optou-se por lançar mão de aspectos mais gerais que permeiam todas as vertentes: língua em uso, estrutura motivada, aspectos discursivos da língua. 26 2 ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO MÉDIO E AS AVALIAÇÕES COMO FORMA DE SISTEMATIZAR ESSE ENSINO 27 No capítulo anterior, foram discutidas a importância e o porquê da escolha da concordância verbal como tema de análise nas questões de LP em provas de concursos públicos, conforme será tratado em capítulo futuro. Este capítulo busca compreender quais são as habilidades e as competências que os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2000) requerem dos egressos do Ensino Médio, no que tange aos conhecimentos de LP. Destina-se, também, à verificar se essas habilidades e competências são, de algum modo, objeto de questões de provas de concursos para nível médio. Poderia ser questionado o fato de muitos candidatos, que prestam concursos públicos, o fizeram mesmo antes dos PCN. Por que, então, deveriam essas provas se adequar a um documento criado nos anos 2000? Os PCN apresentam novo olhar sobre o objeto de estudo Língua Portuguesa, enfatizando a necessidade de uma percepção discursiva da linguagem, a qual permeia todos os contextos sociais, inclusive aqueles considerados mais restritos, como os da Administração Pública. Desse modo, é defendido que, para selecionar os candidatos mais proficientes em LP, as provas de concurso deveriam se adequar aos PCN, não o contrário, como tem acontecido em algumas instituições de ensino. O Ensino Médio é a derradeira etapa escolar que objetiva à preparação do sujeito para a vida. Entre outras finalidades, deve preparar, com qualidade, seus egressos ao mercado de trabalho na iniciativa privada ou no serviço público, ou ao ingresso em instituição de ensino superior ou técnico. Esse desígnio está no inciso II do art. 35 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394 - LDB, Brasil (1996), que assegura uma preparação basilar para a realização de qualquer emprego ou a continuidade dos estudos, o que visa, também, à garantia do pleno exercício de seus direitos constitucionais e democráticos. Nesse sentido, o inciso I do artigo 36 da LDB destaca a importância dos conteúdos propostos pelo Ministério da Educação, sendo a língua portuguesa reconhecida como o instrumento de intermediação da comunicação, da interdisciplinaridade, do “acesso ao conhecimento e exercício da cidadania”. Como preceitua Bruel (2010, p. 185), “em relação ao Ensino Médio, a lei garante a articulação entre a formação geral e preparação básica para o trabalho”. Segundo Ferrarezi (2008), os Parâmetros Curriculares Nacionais buscam, nos primeiros anos do Ensino Fundamental, por meio do conteúdo Língua Portuguesa, atingir os objetivos de formar alunos que ouçam bem, falem bem, leiam bem e escrevam bem. Já a segunda metade do Ensino Fundamental mantém e aperfeiçoa os objetivos da primeira. Quanto ao Ensino Médio, este 28 (...) contempla a continuidade do trabalho realizado na primeira e na segunda fases da educação básica, mas permite o aprofundamento da reflexão gramatical, desde que respeitado o fato de que a língua materna precisa ser vista como “instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania” (Lei 9.384/96, art. 36, inciso I) (Ferrarezi, 2008, p.18). O currículo apresentado nos PCN é feito em formato de proposta, configurando-se numa sugestão que moldará o plano básico a ser elaborado pela própria escola, ou seja, o real currículo em ação. Já o currículo ensinado, de acordo com os PCN, será aquele que o professor trabalhará em sala de aula. Assim, é indispensável que os professores se apropriem não só dos princípios legais, políticos, filosóficos e pedagógicos que fundamentam o currículo proposto, de âmbito nacional, mas da própria proposta pedagógica da escola. Outro reconhecimento, portanto, aqui se aplica: se não há lei ou norma que possa transformar o currículo proposto em currículo em ação, não há controle formal nem proposta pedagógica que tenha impacto sobre o ensino em sala de aula, se o professor não se apropriar dessa proposta como seu protagonista mais importante (BRASIL, 2000, p. 91). No que toca ao conteúdo de Língua Portuguesa, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio - Linguagens, Códigos e suas Tecnologias – PCNEM (BRASIL, 2000, p. 55) definem as habilidades e as competências esperadas pelos alunos: desenvolvimento do potencial crítico, percepção das múltiplas possibilidades de expressão linguística, capacitação como leitor efetivo dos mais diversos textos representativos da cultura brasileira. Ou seja, busca a formação, acima de tudo, de cidadãos críticos e plenamente atuantes em todas as áreas do saber, já que o ensino da língua materna será o vetor que propiciará o desenvolvimento pleno de todas as suas potencialidades. Para além da memorização mecânica de regras gramaticais ou das características de determinado movimento literário, o aluno deve ter meios para ampliar e articular conhecimentos e competências que possam ser mobilizadas nas inúmeras situações de uso da língua com que se depara na família, entre amigos, na escola, no mundo do trabalho (BRASIL, 2000, p. 55). Dessa forma, nos PCN, a visão de linguagem assume, claramente, a perspectiva funcionalista e pragmática4, buscando associar o ensino à realidade prática dos alunos. 4 Vide capítulo 1 – As visões formalistas e funcionalistas: diferentes concepções, diferentes práticas. 29 A linguagem é considerada aqui como capacidade humana de articular significados coletivos em sistemas arbitrários de representação, que são compartilhados e que variam de acordo com as necessidades e experiências da vida em sociedade. A principal razão de qualquer ato de linguagem é a produção de sentido (BRASIL, 2000, p. 19). Desta forma, a profissão que o egresso do Ensino Médio vier a desempenhar pode ser: 1) técnica, a qual o aluno já está habilitado após a conclusão dos três anos da fase final do ensino básico; ou 2) superior, que necessita de alguma qualificação para ser cumprida efetivamente. Assim entendida, a preparação para o trabalho – fortemente dependente da capacidade de aprendizagem – destacará a relação da teoria com a prática e a compreensão dos processos produtivos enquanto aplicações das ciências, em todos os conteúdos curriculares (BRASIL, 2000, p. 57). (Grifos no original). Assim, caso opte pelo ingresso em uma universidade federal ou faculdade particular de sua escolha, o discente será avaliado por meio de provas como o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), ou pelo vestibular. Para acesso ao mercado de trabalho privado, poderá ser submetido a outros tipos de certames. Caso escolha trabalhar para a administração pública, deverá realizar prova para ingresso mediante concurso público. Verifica-se, pois, que o Ensino Médio, segundo os PCN (2000, p. 9), torna-se fase fundamental à formação da cidadania, contemplada no Capítulo IV da Constituição Federal, Brasil (1988), que trata dos Direitos Políticos. Segundo Abrão (2013, p. 86), a cidadania ligase à condição de participação plena e ativa na vida política do Estado. Destarte, além de poderem votar e serem votados para cargos políticos, os brasileiros que alcancem a maioridade e demais condições à consecução da cidadania estão aptos ao gozo dos direitos políticos que se configuram como conditio sine qua non para que se possa pleitear a investidura em um cargo público (Lei 8112/90, art. 5º, II2.1. OS PROCEDIMENTOS DE AVALIAÇÃO Os conteúdos desenvolvidos nas aulas de Língua Portuguesa, incluída a concordância verbal, servirão de base para uma série de desafios que se apresentam por meio de avaliações: ainda em ambiente escolar, cada disciplina, além a de LP, exigirá do aluno que faça uso de suas habilidades de interpretação textual. Após o Ensino Médio, ele deverá ser capaz de demonstrar, entre outros, por meio de provas, que é capaz de aprofundar seus estudos num curso de nível superior ou ingressar no mercado de trabalho – público ou privado. 30 Na esfera escolar, fica claro o objetivo da aplicação constante de atividades que verifiquem a aprendizagem, pelo fato de que, conforme destaca Salinas (2004, p. 23), a atuação dos professores deve “evidenciar ou constatar as aprendizagens alcançadas”, propondo, além da qualificação, melhorias no ensino e nas situações de aprendizagem planejadas. Após afiançar ser “evidente que um bom professor não avalia para qualificar, mas necessariamente deverá qualificar, e, para isso, deverá basear-se na avaliação”, Salinas (2004, p. 23) prossegue, assim, na tentativa de descrição – e não de definição – da avaliação: uma conjugação de “experiências e de vivências de professores e de alunos que tendem a evidenciar ou constatar determinadas aprendizagens do aluno com a finalidade de julgá-las”. Mas por que julgá-las? Esse princípio básico da métrica educacional, que Viana (1976, p. 17) destaca como fundamental para uma educação escolar eficiente, baseia-se no fato de resultar (...) de um esforço deliberado e consciente para a conscientização de determinados objetivos. Trata-se, portanto, da educação formal, cujo processo é controlado através da realização de objetivos pré-estabelecidos. A mensuração do desempenho escolar permite, assim, determinar até que ponto esses objetivos foram realmente alcançados e, ao mesmo tempo, fornece subsídios para a correção de possíveis distorções do trabalho educacional. Conforme Arredondo e Diago (2009, pp. 28-9), a avaliação ocupa, hoje, grande destaque no campo educacional, estando toda a comunidade escolar – administradores, professores, pais e alunos – mais ciente de sua importância. Como disciplina científica, a avaliação motiva e organiza intrinsecamente a aprendizagem. Traçando um histórico, os autores situam as concepções objetivas acerca da avaliação escolar, segundo momentos cruciais. Em um primeiro momento (final do século XIX e início do XX), consideram-na como forma de medida, e baseada na concepção de avaliação conforme a Psicologia Comportamental (Skinner, Watson). Centrada, acima de tudo, no estabelecimento das diferenças individuais entre pessoas, utilizava como técnica predominante, e quase excludente, a aplicação de testes, tanto no âmbito individual quanto no coletivo (bateria de testes). Desse modo, a avaliação tinha pouco a ver com os programas que eram desenvolvidos nas escolas (ARREDONDO e DIAGO, 2009, p. 31). Em um segundo momento (1930 a 1940), os autores estabelecem que a avaliação está relacionada ao desenvolvimento tecnológico do currículo, como um sistema operado processualmente a fim de produzir mudanças na conduta dos alunos por meio da instrução. No terceiro marco, Arredondo e Diago (2009, p. 31) focalizam a avaliação de forma a abranger a totalidade do âmbito educacional (EUA, 1960 e 1970), fruto do movimento pela 31 “responsabilidade escolar”: descontentes com os resultados obtidos pelos alunos nas escolas públicas, criou-se um sistema de avaliação que englobasse não só o rendimento dos alunos, mas todos os que interferissem no sistema educacional – “professores, recursos, conteúdos, atividades, organizações, métodos, programas etc” (ARREDONDO e DIAGO, 2009, p. 32). Novos enfoques ou tendências na avaliação foram disposições do quarto marcp (1970), sendo que a avaliação voltava-se “aos alunos e às tomadas de decisões sobre o programa ou método” (ARREDONDO e DIAGO, 2009, P. 32). Logo, em tese, um bom planejamento das metas educacionais levaria a um bom rendimento dos alunos. No quinto momento, houve a proliferação de modelos (1970), sendo alguns baseados na avaliação quantitativa, e outros, na qualitativa. No modelo de avaliação qualitativa, segundo Santos, Reck e Nascimento (2011, p. 1), visa-se o percurso da aprendizagem, no qual o processo de evolução do aluno é verificado conforme o que foi construído em tempo determinado, de forma que o professor possa ter base para dar continuidade ao seu trabalho, “alterando diversificando ou não o seu fazer pedagógico”. Já no modelo de avaliação quantitativo, raramente o aluno participa ou pode discutir seus resultados. Não exercita a autoavaliação e se o faz ela é desconsiderada. Ele realiza e o professor julga. Sendo assim a avaliação quantitativa, preocupa-se com quantidade, com notas, com o objetivo de classificar o aprendizado do aluno após a aplicação de algum instrumento de avaliação. Finalmente, num sexto momento, a partir da década de 1990, nasce uma visão de avaliação globalizada formativa e integradora, de forma diferenciada. Situados nesse sexto momento, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, publicados no ano de 2000, têm um longo histórico de construção de sua ideologia, na busca de novos paradigmas de forma a construir “um novo perfil para o currículo, apoiado em competências básicas para a inserção de nossos jovens na vida adulta” (PCNEM, 2000, p. 4). No que tange à avaliação, o PCNEM (2000, p. 69) mira no respeito à diversidade, tendo, sempre, como ponto de vista, o dos alunos, de forma a igualá-los nos pontos a que se pretende chegar. Será indispensável, portanto, que existam mecanismos de avaliação dos resultados para aferir se os pontos de chegada estão sendo comuns. E para que tais mecanismos funcionem como sinalizadores eficazes, deverão ter como referência as competências de caráter geral que se quer constituir em todos os alunos (...). A diversificação deverá ser acompanhada de sistemas de avaliação que permitam o acompanhamento permanente dos resultados (...). 32 Amoldando-se aos PCN, a LDB, em seu artigo 24, preceitua, no inciso V, que os critérios que basilares ao rendimento escolar serão a “avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais” (Grifo nosso). Para Melchior (2003, p.21), resta claro que a avaliação, inserida no texto legal, tem prevalência de seus aspectos qualitativos sobre os quantitativos; porém, na realidade prática, os quantitativos são levados mais em consideração: vestígios de um ensino tradicional, que se processa nas escolas até os dias de hoje. Conforme preceitua o autor (MELCHIOR, 2003, p. 17), na visão clássica do ensino, o professor representa meramente ser o transmissor do conteúdo e conduz os alunos apenas à resposta considerada correta para cada situação problema. Não há reflexão. Assim, a tarefa do aluno reduz-se a, simplesmente, comparecer à escola para receber e memorizar os conteúdos - “conhecimento empacotado” -, e devolver, quando solicitado, tudo o que houver memorizado. Assim é que, para Demo (2005, p. x), “seria ingênuo pensar que a avaliação é apenas um processo técnico. Ela é também uma questão política” (grifos no original). A mensuração, segundo aspectos quantitativos, objetiva a classificações e à demonstração, “de forma palpável, visível, manipulável” (DEMO, 2005, p.2) do que foi realmente apreendido; tanto é assim que outra função da avaliação, segundo Perrenoud (1999, p. 13), é a de certificar, perante terceiros, que “um aluno sabe globalmente „o que é necessário saber‟ para (...) [progredir] para a série seguinte no curso, ser admitido em uma habilitação ou começar uma profissão” (Grifos no original). E é dentro dessa realidade técnico-política que se inserem aquelas avaliações que visam ao ingresso numa universidade pública federal (como o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM) e aos certames para ingresso no serviço público. 2.1.1 A forma de apresentação dos documentos de avaliação Segundo Salinas (2004, p. 96), as provas representam o formato mais habitual para a comprovação da aprendizagem. A situação na qual ocorrem é única, por dispor o aluno/candidato frente a uma atividade na qual atuará de forma totalmente individual; o tempo é limitado; não há possibilidade de consulta – a material ou outras pessoas – para esclarecimento de dúvidas sobre o conteúdo em avaliação; o silêncio deve reinar absoluto. 33 Prosseguindo, o autor destaca (2004, p. 97) os dois valores da prova: o intrínseco, que corresponde à evidenciação e importância, naquela situação, da opção daquele conteúdo que está sendo colocado para avaliação, pois é aquele grupo de saberes que farão a diferença, segundo o examinador/banca, para a aprovação dos alunos/candidatos mais preparados; e o extrínseco, que destaca o instrumento em relação a outros que poderiam ter sido escolhidos para a aferição da aprendizagem/disputa. Sobre o tipo de prova, ou seja, como serão apresentadas as questões, normalmente, em certames públicos, a prova objetiva reina quase que de forma absoluta: “são provas escritas que, em geral, são constituídas por um amplo repertório de perguntas ou itens cujas respostas são delimitadas, permitindo uma pontuação livre de interpretações subjetivas” (SALINAS, 2004, p. 101). Dessa forma, respeita-se a impessoalidade que as avaliações exigem. As mais usadas são: 1) verdadeiro ou falso 5 : “questões que exigem que o estudante opte entre duas alternativas excludentes” (SALINAS, 2004, p. 102). Assim, o autor orienta a colocação de questões relevantes, com formulações o mais curtas possível e não ambíguas; assegurando-se da veracidade de uma das duas alternativas apresentadas; distribuindo as questões falsas e verdadeiras em números iguais no decorrer da prova; não propondo negações ou dupla-negações. 2) múltipla escolha: propõe-se um enunciado com um conjunto de opções de resposta, no qual, normalmente, uma é verdadeira e as demais são falsas. Como orientações, o autor (2004, p. 103) explica que a pergunta deve ser a base e as alternativas devem ser as mais breves possíveis; deve-se eliminar informações redundantes nas respostas, cuidando da verossimilhança mesmo nas questões não verdadeiras; evitar pistas, como a aplicação do senso comum ou a pura lógica; evitar opções como “todas as anteriores” ou “nenhuma das anteriores”; variar o local da resposta correta em todas as questões. 5 A opção do Cespe pelas expressões “certo ou errado” invés de “verdadeiro ou falso” baseia-se nos conceitos da logica formal X conceitos do mundo real. No primeiro caso, aquele no qual se inserem as proposições verdadeiras ou falsas, parte do princípio de que as proposições poderiam ser verdadeiras, ou falsas, simplesmente fundamentadas em afirmações anteriores. Já, nas concepções de certo e errado, o que impera são situações do mundo real. Assim, conforme Neves (1998), “a Lógica apenas irá debruçar-se sobre o primeiro caso, isto é, averiguar se um determinado raciocínio chegou legitimamente a uma conclusão, e nunca irá perder tempo em verificar se o raciocínio assenta em pressupostos reais ou irreais”. Disponível em http://www.prof2000.pt/users/Secjeste/aristoteles/Pg000400.htm Acesso em 2/12/2013. 34 3) Perguntas de preenchimento de lacunas: “tipo de pergunta que demanda (...) uma resposta que é concretizada em uma palavra, um dado, um símbolo, ou, talvez, uma frase” (SALINAS, 2004, p. 104). Sobre esse tipo de questão, o autor orienta para a relevância do conteúdo das perguntas conforme o conteúdo; uma enunciação clara para que não haja dúvidas sobre a resposta correta; evitar textos que sejam cópias fiéis de livros doutrinários, para se evitar a simples memorização; caso usem-se textos com lacunas, deixar espaços iguais para que o tamanho das palavras não seja usado como pistas da resposta que completa o sentido. 2.2. AS PROVAS DO ENEM Criado em 1998, no governo Fernando Henrique Cardoso6, o Enem – Exame Nacional do Ensino Médio –, conforme o Plano de Desenvolvimento da Educação: Prova Brasil7: ensino fundamental: matrizes de referência, tópicos e descritores (2011, p. 6) é um exame individual, voluntário, anual, voltado aos estudantes que estão completando ou que já findaram o Ensino Médio em anos anteriores. No princípio, visava à avaliação anual do aprendizado dos alunos do Ensino Médio em todo o país para auxiliar o Ministério da Educação – MEC na elaboração de políticas e programas de melhoria do ensino brasileiro através dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) do Ensino Médio e Fundamental. A análise dos resultados das avaliações e dos indicadores de desempenho deverá permitir às escolas, com o apoio das demais instâncias dos sistemas de ensino, avaliar seus processos, verificar suas debilidades e [suas] qualidades e planejar a melhoria do processo educativo. Da mesma forma, deverá permitir aos organismos responsáveis pela política educacional desenvolver mecanismos de compensação que superem gradativamente as desigualdades educacionais (BRASIL, 2000, p. 69). 6 Presidente da República do Brasil de 1995 a 2002. “Tal como acontece com os testes do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), os da Prova Brasil avaliam competências construídas e habilidades desenvolvidas e detectam dificuldades de aprendizagem. No caso da Prova Brasil, o resultado, quase censitário, amplia a gama de informações que subsidiarão a adoção de medidas que superem as deficiências detectadas em cada escola avaliada”. PDE/Prova Brasil: Plano de Desenvolvimento da Educação. Disponível em http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/prova%20brasil_matriz2.pdf. Acesso em 6/9/2013. 7 35 A partir de 2009, com a criação do “Novo Enem” 8, o MEC apresentou uma proposta de reformulação de modo que o exame fosse utilizado como “forma de seleção unificada nos processos seletivos das universidades públicas federais”. Assim, o objetivo de democratização de acesso às vagas nas Universidades Federais teria mais uma forma de concretização. E foi mantida a autonomia nas possibilidades de uso, pelas instituições, do novo exame como processo para seleção de alunos: como fase única, em um sistema de seleção unificada, informatizado e on-line; como primeira fase; combinado com o vestibular da instituição; como fase única para as vagas remanescentes do vestibular. No Edital nº 01 para o ENEM 2013 (BRASIL, 2013), na Matriz de Referência de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (pp. 2-4), a peça apresenta série de competências e habilidades que representam aquelas elencadas no PCN voltado para o mesmo corpus. É feito um recorte com base no que é possível aferir por meio do tipo de instrumento de medida utilizado na Prova Brasil e que, ao mesmo tempo, é representativo do que está contemplado nos currículos vigentes no Brasil (BRASIL, 2011, p. 17). As competências a serem alcançadas serão constituídas por meio das habilidades que moldam as questões do certame. Essas, por sua vez, para os fins que objetivam, são elaboradas conforme descritores. Assim, as competências cognitivas podem ser entendidas como as diferentes modalidades estruturais da inteligência que compreendem determinadas operações que o sujeito utiliza para estabelecer relações com e entre os objetos físicos, conceitos, situações, fenômenos e pessoas. (...) habilidades referem-se, especificamente, ao plano objetivo e prático do saber fazer e decorrem, diretamente, das competências já adquiridas e que se transformam em habilidades. (...) O descritor é uma associação entre conteúdos curriculares e operações mentais desenvolvidas pelo aluno, que traduzem certas competências e habilidades (BRASIL, 2011, pp. 17-18). (Grifos nossos). Os descritores, então, segundo o PDE (2011), além de servirem como referência para a escolha dos itens que comporão a prova avaliativa, ainda indicam as capacidades gerais que são esperadas dos alunos. 8 “ O Ministério da Educação apresentou uma proposta de reformulação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e sua utilização como forma de seleção unificada nos processos seletivos das universidades públicas federais. A proposta tem como principais objetivos democratizar as oportunidades de acesso às vagas federais de ensino superior, possibilitar a mobilidade acadêmica e induzir a reestruturação dos currículos do ensino médio.” Disponível em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13318&Itemid=310. Acesso em 5/9/2013. 36 Conforme consta do PDE (2011, p. 21-22), a Matriz de Referência de Língua Portuguesa da Prova Brasil compõe-se em seis tópicos: Procedimentos de Leitura; Implicações do Suporte, do Gênero e/ou do Enunciador na Compreensão do Texto; Relação entre Textos, Coerência e Coesão no Processamento do Texto; Relações entre Recursos Expressivos e Efeitos de Sentido e Variação Linguística. Esse conjunto de disciplinas ainda se divide em duas dimensões: a dos Objetos do Conhecimento, que listará os seis tópicos; e a Competência, contendo os descritores que serão avaliados em cada tópico. Os descritores se apresentam, inseridos em cada tópico, em ordem crescente de aprofundamento e/ou ampliação de conteúdos ou das habilidades exigidas. 37 Tópico I. Procedimentos de Leitura Descritores Localizar informações explícitas em um texto Inferir o sentido de uma palavra ou expressão Inferir uma informação implícita em um texto Identificar o tema de um texto Distinguir um fato da opinião relativa a esse fato Tópico II. Implicações do Suporte, do Gênero e/ou Enunciador na Compreensão do Texto Descritores Interpretar texto com auxílio de material gráfico diverso (propagandas, quadrinhos, foto etc.). Identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros Tópico III. Relação entre Textos Descritores Reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na comparação de textos que tratam do mesmo tema, em função das condições em que ele foi produzido e daquelas em que será recebido Reconhecer posições distintas entre duas ou mais opiniões relativas ao mesmo fato ou ao mesmo tema Tópico IV. Coerência e Coesão no Processamento do Texto Descritores Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições ou substituições que contribuem para a continuidade de um texto Identificar o conflito gerador do enredo e os elementos que constroem a narrativa Estabelecer relação causa/consequência entre partes e elementos do texto Estabelecer relações lógico-discursivas presentes no texto, marcadas por conjunções, advérbios etc. Identificar a tese de um texto Estabelecer relação entre a tese e os argumentos oferecidos para sustentá-la Diferenciar as partes principais das secundárias em um texto Tópico V. Relações entre Recursos Expressivos e Efeitos de Sentido Descritores Identificar efeitos de ironia ou humor em textos variados Identificar o efeito de sentido decorrente do uso da pontuação e de outras notações Reconhecer o efeito de sentido decorrente da escolha de uma determinada palavra ou expressão Reconhecer o efeito de sentido decorrente da exploração de recursos ortográficos e/ou morfossintáticos Tópico VI. Variação Linguística Descritores Identificar as marcas linguísticas que evidenciam o locutor e o interlocutor de um texto Quadro 2. Matriz de Referência de Língua Portuguesa da Prova Brasil 38 Elaboradas de forma conjunta por especialistas, baseadas nas mais modernas correntes linguísticas, inseridas no contexto histórico-ideológico atual, polissêmicas, multifacetadas, aplicadas ao texto e inter e multidisciplinares, as provas do ENEM em Língua Portuguesa constituem avanço notável na produção de exames pedagógicos nas escolas brasileiras. Assim, a leitura, a interpretação e a resolução das questões de Língua Portuguesa do Exame Nacional requerem a aplicação, pelo candidato, para além do conteúdo apreendido em sala de aula, do seu uso em situações de letramento9 retratados nas provas. 2.3. AS PROVAS DE CONCURSO PÚBLICO Os PCNEM (2000), a partir da página 5, traçam um histórico, a partir das décadas de 1960 e 1970, sobre a influência das mudanças nos fatores econômicos, políticos e tecnológicos que vieram a gerar mudanças no que se nomeou o novo Ensino Médio: “as propostas de reforma curricular para o Ensino Médio pautam-se nas constatações sobre as mudanças no conhecimento e seus desdobramentos, no que se refere à produção e às relações sociais de modo geral”. O Ensino Médio, no sentido de procura por matrículas, foi a base de instrução que mais se expandiu. Os PCNEM (2000) destacam que foi uma faixa da população menos favorecida a responsável por este aumento. É possível concluir que parte dos grupos sociais até então excluídos tenha tido oportunidade de continuar os estudos em função do término do Ensino Fundamental, ou que esse mesmo grupo esteja retornando à escola, dada a compreensão sobre a importância da escolaridade, em função das novas exigências do mundo do trabalho (BRASIL, 2000, p. 6). Assim, além da reformulação dos conteúdos em si, o novo Ensino Médio deve abarcar toda e qualquer pessoa que venha a ingressar em seus quadros, preparando-a plenamente ao exercício dos direitos inerentes à qualidade de cidadão. Tanto que a Constituição Federal de 9 Sobre o desenvolvimento do conceito de letramento, voltado para as competência leitora, Kleiman (2005, p. 19) o relaciona “com os usos da escrita em sociedade e com o impacto da língua na vida moderna”. Engloba, prossegue a autora, “o processo de desenvolvimento e o uso dos sistemas da escrita nas sociedades, ou seja, o desenvolvimento histórico da escrita refletindo outras mudanças sociais e tecnológicas (...)” (KLEIMAN, 2005, p. 21). Disponível em http://www.iel.unicamp.br/cefiel/alfaletras/biblioteca_professor/arquivos/5710.pdf. Acesso em 2/12/2013. 39 1988, em seu artigo 208, II, garante a efetividade da universalização do ensino médio gratuito como um dever a ser prestado pelo Estado. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, em seu artigo 22, garante que “a educação básica10 tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”. Como preceitua Bruel (2010, p. 185): “Em relação ao ensino médio, a lei garante a articulação entre a formação geral e preparação básica para o trabalho” (Grifo nosso). Dessa forma, Pereira (2012, p. 165) propõe uma pedagogia voltada ao ensino, partindo da prática social, tendo a pesquisa como princípio didático, ou seja, tornando a dúvida como eixo do conhecimento, articulação entre a prática da vida e sua elaboração ao nível teórico da ciência e filosofia; profunda articulação com o mundo prático do trabalho, que cada vez mais se estrutura com a ciência e a tecnologia; formação e exercício do governo da vida – a política. E é sob tais mudanças e necessidades que se insere, hoje, no Brasil, o concurso público. Na busca da realização dos objetivos de uma sociedade livre, justa e solidária, o Estado Brasileiro colocou, como forma de ingresso em seus quadros administrativos, o provimento de sua equipe de pessoal por meio de um processo que respeitasse os princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. Esse modelo busca privilegiar o mérito próprio do candidato, não deixando que pretensões políticas e interesses privados interfiram. Para assegurar a igualdade de oportunidades, o inciso II do artigo 37 da Constituição Federal define que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, (...). Assim, conforme o cargo pretendido, a prova é destinada a interessados que preencham os requisitos definidos no edital 11 , sendo o nível de escolaridade um dos determinantes para que se possa pleitear a vaga, de acordo com o grau de complexidade exigida para o cumprimento das atribuições de cada função. 10 Segundo o art. 24 da Lei 9.394/1996, a Educação Básica compreende os níveis fundamental e médio. Os concursos não têm forma ou procedimento estabelecido na Constituição, mas é de toda conveniência que sejam precedidos de uma regulamentação legal ou administrativa, amplamente divulgada, para que os candidatos se inteirem de suas bases e matérias exigidas (MEIRELLES, 2001, p. 404). 11 40 Qualquer critério discriminatório imposto à seleção feita por meio do concurso será ilegal e invalidará o próprio concurso. Entretanto, isto não significa que a administração pública não possa exigir certos conhecimentos técnicos ou científicos relativos à natureza da atividade a ser desenvolvida, mesmo porque esta seleção visa, também, ao aperfeiçoamento e à eficácia do serviço público (DRUZIANI, 1996, pp. 154-5). No entanto, independentemente do grau de instrução exigido no certame, a matéria de Língua Portuguesa é uma constante em qualquer prova de concurso público. Por ser o idioma oficial da República Federativa do Brasil, preceituado no artigo 13 da Constituição Federal de 1988, o uso da norma padrão da Língua Portuguesa é fundamental na produção documental da administração pública. Daí, haver a percepção das entidades estatais sobre a importância da comunicação em seus interesses e nos dos administrados. Esse ponto é destaque no Manual de Redação da Presidência da República. Para esse documento, a redação oficial deve caracterizar-se pela impessoalidade, uso do padrão culto de linguagem, clareza, concisão, formalidade e uniformidade. Fundamentalmente esses atributos decorrem da Constituição, que dispõe, no artigo 37: “A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)”. Sendo a publicidade e a impessoalidade princípios fundamentais de toda administração pública, claro está que devem igualmente nortear a elaboração dos atos e comunicações oficiais (BRASIL, 2002, p.4) (Grifos no original). Da redação de correspondências oficiais à elaboração de atos normativos, um texto mal redigido ou interpretado pode comprometer a imagem do órgão ou ir de encontro aos princípios da publicidade e impessoalidade, caso dificultem a comunicação aos cidadãos. Por isso, nas comunicações oficiais, a necessidade de empregar determinado nível de linguagem nos atos e expedientes oficiais decorre, de um lado, do próprio caráter público desses atos e comunicações; de outro, de sua finalidade. Os atos oficiais, aqui entendidos como atos de caráter normativo, ou estabelecem regras para a conduta dos cidadãos, ou regulam o funcionamento dos órgãos públicos, o que só é alcançado se em sua elaboração for empregada a linguagem adequada. O mesmo se dá com os expedientes oficiais, cuja finalidade precípua é a de informar com clareza e objetividade. As comunicações que partem dos órgãos públicos federais devem ser compreendidas por todo e qualquer cidadão brasileiro. (...) por seu caráter impessoal, por sua finalidade de informar com o máximo de clareza e concisão, eles requerem o uso do padrão culto da língua. Há consenso de que o padrão culto é aquele em que a) se observam as regras da gramática formal, e b) se emprega um vocabulário comum ao conjunto dos usuários do idioma (BRASIL, 2002, p. 5) (Grifos nossos). 41 A prova do Exame do Ensino Médio (ENEM), relativa a Linguagens e Códigos, elenca nove áreas de competências que contemplam trinta habilidades em que os alunos devem ter domínio ao terminarem o Ensino Médio. Desde a aplicação de tecnologias da comunicação e da informação, passando pelo relacionamento dos textos com seus contextos, pelo uso de sistemas simbólicos, chegando à associação da língua com os conhecimentos científicos, o MEC busca a realização da formação de seus cidadãos, entre eles, obviamente, os futuros servidores públicos do País. Na esteira dos novos paradigmas da atual política educacional brasileira – que busca democratizar mais e mais o acesso à escola tornando-o parte ativa do corpo social – o ensino da língua materna deve considerar a necessária aquisição e o desenvolvimento de três competências: interativa, textual e gramatical. Esse tripé, necessariamente interrelacionado, mesmo não sendo exclusivo da disciplina, encontra nela os conceitos e conteúdos mais apropriados (BRASIL, 2000, p. 55). Logo, as provas de concursos voltadas ao ensino médio deveriam representar a realidade dos estudantes egressos das escolas e, por isso, exigir o mesmo nível de conhecimento, competências e habilidades voltadas a esses discentes; além de tentar alcançar os candidatos mais aptos à confecção dos documentos administrativos. 3 CONCORDÂNCIA VERBAL NAS QUESTÕES DE CONCURSO: MECANISMO DE ORGANIZAÇÃO TEXTUAL OU SIMPLES MEMORIZAÇÃO? Sob a terceira definição do Dicionário Houaiss (2001, p. 202), acerca do termo análise, é que as questões de LP sobre concordância verbal - enquanto mecanismo que veicula discursos -, em provas de concursos para cargos de nível médio das bancas CESPE e ESAF, serão examinadas neste trabalho: “Análise s. f. 3. Exame, processo ou método com que se descreve, caracteriza e compreende algo (um texto, uma obra de arte etc.), para proporcionar uma avaliação crítica do mesmo”. Assim, conforme Antunes (2010, p. 49), (...) analisar textos é procurar descobrir, entre outros pontos, seu esquema de composição; sua orientação temática, seu propósito comunicativo; é procurar identificar suas partes constituintes; as funções pretendidas para cada uma delas, as relações que guardam entre si e com elementos da situação, os efeitos de sentido decorrentes das escolhas lexicais e de recursos sintáticos. 42 Percebe-se, então, que há um fim específico na aplicação da prova em si e na opção pelos conteúdos que constarão desses exames. E, por trás dessas escolhas, inseridos em cada questão da prova, procura-se averiguar se o candidato possui aptidão ou não ao conjunto de funções que o cargo exige. Portanto, a análise das questões de LP, com foco sobre concordância verbal, em provas de concursos para cargos de nível médio das bancas CESPE e ESAF, é feita esmiuçando-se seus constituintes textuais em busca de respostas para as perguntas propostas por Antunes (2010, p. 49) “como é dito, o que é dito, com que recursos lexicais e gramaticais, com que estratégias discursivas, quando e por que é dito, para quem e para provocar que efeitos, implícita e explicitamente”. Neste capítulo, a fim de contextualizar o leitor sobre a importância de se selecionar os melhores candidatos para ocupar cargos públicos – o que perpassa obviamente pelo conhecimento efetivo de LP – são apresentados, num primeiro momento, alguns dados importantes sobre o mundo dos concursos. Em seguida, as bancas cujas provas foram objeto de análise – ESAF e Cespe – são introduzidas. Finalmente, são analisadas, de forma mais célere, uma questão do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, seguida pela análise de questões de provas da ESAF e do Cespe. 43 3.1 CONSTITUIÇÃO DO CORPUS DE PESQUISA Para este trabalho, foram analisadas 24 questões que abordam o conteúdo concordância verbal: uma do Enem; doze do Cespe e doze da Esaf. É feita uma análise qualitativa dessas questões. A fim de se averiguar se a proposta dos PCN, no que tange ao ensino de LP, é contemplada de alguma forma nas provas de concurso público para nível médio, serão analisadas questões de certames para cargos desse grau. Por uma questão de tempo, foram selecionados apenas os quesitos que abordavam um assunto que é trabalhado à exaustão nas aulas de LP e que está no centro das discussões sobre o funcionamento da linguagem: a concordância verbal12. Conforme visto no capítulo 1, a concordância pode ser ensinada por um viés estruturalista ou funcionalista, e a escolha por uma ou outra tendência trará consequências significativas para a forma como se vislumbra a língua. Pelo fato de os PCN assumirem uma postura mais funcionalista sobre a LP e por serem o documento oficial de ensino, devem, portanto, ser seguidos em todas as esferas educacionais. Considera-se, dessa forma, que as provas de nível médio, assim como as de nível superior, para ingresso em cargo público que exige essa titulação, devam estar afinadas com essa proposta oficial. Nesse sentido, as questões que envolvem concordância verbal devem (ou deveriam) contemplar esse conteúdo enquanto um mecanismo do uso linguístico para produzir discurso(s). As análises das questões retomarão as discussões apresentadas nos capítulos 1 e 2, com destaque à visão de língua, segundo as diferentes correntes linguísticas e à forma de apresentação dos conteúdos, conforme propostos pelo MEC (BRASIL, 2000). Busca-se, assim, perceber, no perfil avaliativo de cada banca, a sua maior ou menor propensão à corrente estruturalista ou à funcionalista; a adequação de seu conteúdo àquele proposto do MEC para o Ensino Médio; além da verificação da tentativa de emparelhamento das questões planejadas pela Escola de Administração Fazendária e pelo Centro de Seleção e Promoção de Eventos da UnB àquelas questões “estilo ENEM”: contextualizadas, multidisciplinares, verdadeiramente reveladoras de competências e habilidades que são – e serão - usadas em eventos reais de conversação. 12 Para pesquisas futuras, a ideia é analisar de que maneira outros conteúdos de LP trabalhados (ou que deveriam ter sido trabalhados) no Ensino Médio são contemplados (ou não) nas provas. 44 3.2 O UNIVERSO DOS CONCURSOS PÚBLICOS Nos últimos anos, os concursos públicos tornaram-se grande atrativo para aqueles que buscam uma carreira fora da iniciativa privada. Como vantagens, o serviço público brasileiro oferece carreira segura, estável e, na maioria das vezes, bem remunerada. Isso sem contar as oportunidades de ascensão profissional, melhores do que as encontradas na iniciativa privada. (...) a carreira pública (...) não faz discriminação de gênero ou de idade nem exige – em regra – experiência ou boa aparência. Por tudo isso, acho razoável a opção que os jovens vêm fazendo pelos concursos públicos, um mercado que hoje, em todo o país, movimenta milhões de pessoas que se preparam para concorrer às vagas nas diversas áreas das carreiras estatais.13 Somado a todas essas vantagens, outro grande atrativo dos concursos públicos é o elevado número de vagas oferecidas por todos os entes federativos, por meio de seus órgãos, entidades, fundações e empresas públicas, nas três esferas de poder. Conforme reportagem do Jornal Hoje14 , de 14/10/2013, sobre concursos públicos, o mercado vem crescendo, no país, mais de 40% ao ano. Em 2016, a previsão é de que serão disponibilizadas 400 mil vagas em concursos federais, estaduais e municipais. Ainda segundo a reportagem, o IBGE calcula que a remuneração no serviço público supera em 92% a da iniciativa privada, variando, os salários, entre R$ 1,8 mil a R$ 23 mil. Quanto à concorrência: 12 milhões, segundo a Associação Nacional de proteção aos concursos, estão se preparando para conseguirem sua vaga. Do ponto de vista da administração, o concurso público constitui meio de concretização dos princípios administrativos, principalmente os da moralidade, da impessoalidade e da eficiência. Já sob a ótica dos administrados, funciona como instrumento democrático de acesso aos cargos públicos, na medida em que proporciona igualdade de oportunidade a todos que preenchem os requisitos estabelecidos na lei e no edital para o provimento dos cargos necessários à Administração Pública. Realiza-se, sob esse ângulo, o princípio da isonomia. 13 GRANJEIRO, José Wilson. Jovens são um fator positivo para o serviço público. http://www.professorgranjeiro.com/mestre/. Acesso em 7/11/2013. 14 Disponível em http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2013/10/concurso-publico-atrai-brasileiros-em-buscade-bons-salarios-e-estabilidade.html. Acesso em 8/11/2013. 45 (...) é correto afirmar que o concurso público é o instrumento através do qual o Poder Público, latu sensu, escolhe, objetivamente falando, dentre os inscritos, o candidato que mais se destacar na somatória das notas obtidas nas diversas etapas do certame. A entidade que promove o evento deve sempre e verdadeiramente escolher o melhor dentre os candidatos (SOUSA, 2000, p. 21-22).(Grifos no original). Diante de todo o exposto, verifica-se a importância vital da adequada escolha das bancas examinadoras que, junto aos órgãos e às entidades públicas, organizarão e aplicarão as provas dos certames. Dessa forma, pelo fato de serem instituições consolidadas no mercado de concursos e que, por essa razão, são referências não só na seriedade com que organizam os pleitos, mas, principalmente, pela qualidade das questões elaboradas, selecionamos questões elaboradas pela Escola de Administração Fazendária – ESAF - e pelo Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília – Cespe - para a construção de uma noção de como a concordância verbal – e LP – é abordada por essas bancas tradicionais e, assim, perceber se elas seguem, de algum modo, uma perspectiva funcional de língua, conforme defendido pelos PCNEM. 3.2.1 A ESAF16 Criada em 1967, como o Centro de Treinamento do Ministério da Fazenda, a Escola de Administração Fazendária – ESAF é o órgão incumbido do preparo de servidores das carreiras de gestão17 das finanças públicas, procedendo, para isso, em várias áreas de atuação como: educação fiscal, administração e gerência, intercâmbio e cooperação técnica, tecnologia da informação, cursos abertos e extensão, formação e educação permanente, e recrutamento e seleção desses servidores. Assim, conforme preceitua o inciso III do artigo 1º do Regimento Interno da ESAF (Portaria nº 106, de 3/6/2008 do Ministério da Fazenda), visando à sistematização, ao planejamento, à supervisão, à orientação, ao recrutamento e à seleção de pessoal para preenchimento de cargos do Ministério, a Escola será responsável pela seleção “de agente 16 Disponível em http://www.esaf.fazenda.gov.br/a_esaf/institucional e http://www.esaf.fazenda.gov.br/a_esaf/institucional/areas-de-atuacao. Acesso em 1º/10/2013. 17 A ESAF também promove, em menor escala, concursos para provimento de cargos de nível médio, a maioria para concursos do Poder Executivo Federal. 46 público com o perfil mais adequado para o exercício das funções decorrentes da investidura” (...), permitindo, também, identificar o estágio de formação do agente e impulsioná-lo a suprir as eventuais falhas do processo de capacitação e desenvolvimento. Incluemse neste programa os concursos públicos internos, externos e os processos seletivos simplificados. (BRASIL, 2013, pp. 13-4) (Grifo nosso). Seu Programa de Formação, “processo educacional que consiste na preparação inicial para a carreira (...), [é] voltado à preparação do candidato às funções que exercerá. No programa, o servidor é orientado para aquisição de conhecimentos e desenvolvimento de habilidades que serão utilizadas no desempenho da profissão. No que concerne aos concursos públicos, pauta-se na realização de exames, que podem realizar-se juntamente com a avaliação de títulos, em processo seletivo eliminatório e classificatório. Segundo análise de provas, conforme capítulo posterior, suas questões em LP são do tipo verdadeiro ou falso, múltipla escolha ou preenchimento de lacunas. 3.2.2 O Cespe18 Órgão criado pela Fundação Universidade de Brasília com o fim de promoção de vestibulares, concursos públicos e, atualmente, o ENEM, o Centro de Seleção e de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília – CESPE – foi fundado na década de 1970, sob o nome de Comissão Permanente de Concurso Vestibular da Universidade de Brasília (Copeve). Em sua evolução histórica, passou dos vestibulares à elaboração de provas específicas e Redação. Com o advento do Regime Jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais (Lei 8.112, de 11/12/1990), o concurso tornou-se etapa obrigatória para o ingresso no serviço público. Assim, pela necessidade nascida do novo modelo de seleção para investidura nas funções estatais, o CESPE introduziu-se, de vez, com o aval do Governo Federal, no ramo de realização de certames públicos. Em pouco tempo, o Cespe tornou-se o maior realizador de concursos e avaliações públicas do país. Instituições como o Tribunal de Contas da União, o Ministério da Educação, a Polícia Federal e a Ordem dos Advogados do Brasil estão no extenso grupo que busca a credibilidade do 18 Disponível em http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=4632 Acesso em 1º/10/2013. 47 Centro para a realização de provas. O Cespe criou o processo de seleção em massa no país e por isso tornou-se um dos órgãos mais importantes do Brasil (CAMPOS, 2011). Os números impressionam: o CESPE gera um lucro anual de 35 milhões que são repassados à UnB; e, em 2010, segundo Campos (2011), “5,4 milhões de pessoas em todo o país participaram de seleções, concursos, avaliações educacionais e vestibulares feitos pela UnB”. Quanto à seleção para os cargos públicos, a banca também obedece à disposição constitucional de aplicação de provas ou de provas e títulos. Quanto às questões em LP, leva em consideração, igualmente à ESAF, à primeira vista, a capacidade do candidato de interpretação e conhecimentos gramaticais. Geralmente, a avaliação é constituída por itens do tipo “certo ou errado”. Nos critérios de correção, diferencia-se radicalmente da Escola de Administração Fazendária pela penalização do candidato, em que cada resposta errada anula uma certa. 3.3 AS QUESTÕES Conforme visto no capítulo 2, existem três tipos de questões: as de verdadeiro ou falso; as de múltipla escolha; e as de perguntas de preenchimento de lacunas. As provas do Enem e da ESAF, por exemplo, lançam mão de questões de múltipla escolha. O Cespe, que também é responsável pelo Enem, utiliza mais as de certo e errado. Vale destacar que o Enem e os concursos têm propósitos distintos: o Enem busca, além de avaliar o desempenho do estudante ao fim da educação básica, avaliar o nível das escolas brasileiras e selecionar as pessoas mais bem preparadas para o ingresso na universidade pública federal. Já o concurso público visa à classificação dos mais habilitados em conhecimentos já predefinidos pelos órgãos/entidades/fundações/empresas públicas para os seus quadros. As provas são elaboradas de forma a eliminar o maior número possível de candidatos, restando apenas aqueles que supostamente tenham mais capacidade de memorização dos conhecimentos que constarão em prova. Carvalho Filho (1997, p. 22) leciona que o concurso público é o procedimento administrativo que tem por fim aferir as aptidões pessoais e selecionar os melhores candidatos ao provimento de cargos e funções públicas. Na aferição pessoal, o Estado verifica a capacidade intelectual, física e psíquica de interessados em ocupar funções 48 públicas e no aspecto seletivo são escolhidos aqueles que ultrapassam as barreiras opostas no procedimento, obedecida sempre a ordem de classificação. Cuida-se, na verdade, do mais idôneo meio de recrutamento de servidores públicos. De qualquer forma, como o mote deste trabalho é a verificação de como a concordância verbal19 é abordada em provas aplicadas em concursos de nível intermediário, o ENEM é a comparação mais apropriada, visto que seus quesitos apresentam-se da forma o mais contextualizada possível, fato que se busca verificar nas questões das provas de concursos que são objeto de análise. 3.3.1. Questão do ENEM Por uma questão de tempo20, foi selecionada apenas uma questão do ENEM, a título de exemplo do que consideramos uma avaliação mais funcional de língua. A questão 125 sobre linguagens, códigos e suas tecnologias do Caderno 7 – Azul – do segundo dia da aplicação da prova do Enem no ano de 2009 foi assim elaborada: Veja, 7 maio 1997 Na parte superior do anúncio, há um comentário escrito à mão que aborda a questão das atividades linguísticas e sua relação com as modalidades oral e escrita da língua. Esse comentário deixa evidente uma posição crítica quanto a usos que se fazem da linguagem, enfatizando ser necessário: A) implementar a fala, tendo em vista maior desenvoltura, naturalidade e segurança no uso da língua. B) conhecer gêneros mais formais da modalidade oral para a obtenção de clareza na comunicação oral e escrita. 19 E, consequentemente, a LP. Em pesquisas futuras, pretende-se analisar também como as questões do ENEM evoluíram com o passar dos anos. 20 49 C) dominar as diferentes variedades do registro oral da língua portuguesa para escrever com adequação, eficiência e correção. D) empregar vocabulário adequado e usar regras da norma padrão da língua em se tratando da modalidade escrita. E) utilizar recursos mais expressivos e menos desgastados da variedade padrão da língua para se expressar com alguma segurança e sucesso. Para a resolução da questão, o candidato precisa ter conhecimentos não só linguísticos, como também do contexto discursivo criado. Além de perceber as implicações do suporte e do gênero para a plena compreensão do texto e de relacionar os recursos expressivos e os efeitos de sentido, o candidato deve ter a capacidade de pôr em prática as suas habilidades de localizar as informações explícitas e implícitas no texto para identificar o tema e a tese que defende; interpretar a imagem e fixar a sua finalidade; reconhecer o efeito de sentido decorrente da exploração de recursos léxicos21. Dessa forma, toda uma série de conhecimentos deve ser ativada. O que realmente está sendo verificado é a capacidade do aluno/candidato em perceber o gênero textual propaganda e seu escopo em buscar o convencimento do outro para algo que se busca vender (no caso, um livro de técnicas de redação oferecido pelo Jornal “O Estado de São Paulo”22). Para isso, deve entender a quem se destina o texto (leitores da Revista Veja), de acordo com as opções lexicais explícitas (uma variação marcadamente de gerações mais novas, exemplificada pelo uso de gírias como cara e tipo assim) e o discurso que encerra (deve-se ter um maior cuidado na prática escrita que na oral), levando-o à percepção de que o texto publicitário “dialoga” com um pai (se seu filho escrever como fala) e que este deve se preocupar com a forma como aquele se comunica nas duas modalidades da língua, ou o filho estará ferrado. Após identificar todas essas informações, verificaria a verdade contida na afirmação “D” e chegaria à resposta correta. Essas são apenas algumas das habilidades que os PCN esperam daqueles que já tenham concluído o Ensino Médio. Fica claro que todas as escolhas envolvidas na questão visam à aplicação dos conhecimentos à realidade do aluno, em vez da simples verificação do acúmulo de conhecimentos avulsos, numa visão plenamente funcionalista do uso e ensino da LP. Esse é o “padrão ENEM”. 21 Vide Quadro 2. Matriz de Referência de Língua Portuguesa da Prova Brasil, às folhas 36. 22 Disponível em http://www.propagandaemrevista.com.br/ano/1997/05/ Acesso em 29/10/2013. 50 3.3.2 As questões de concurso Nas próximas análises, em questões sobre concordância verbal extraídas de provas de LP de concursos públicos realizados para cargos de nível médio, elaboradas pelas bancas CESPE e ESAF, será adotado método análogo àquele realizado na questão do Exame Nacional do Ensino Médio: a pesquisa qualitativa. Nessa abordagem, segundo Minayo (1993, p. 247), busca-se “aprofundar a complexidade de fenômenos, fatos e processos particulares e específicos de grupos mais ou menos delimitados (...)” . Suas características são, conforme Neves (1996, p. 1), o fato de ser direcionada durante o seu desenvolvimento; não objetivando à enumeração, o que a afasta de meios estatísticos para a análise dos dados. Assim, (...) do ponto de vista qualitativo, a abordagem dialética atua em nível dos significados e das estruturas, entendendo estas últimas como ações humanas objetivadas e, logo, portadoras de significado. Ao mesmo tempo, tenta conceber todas as etapas da investigação e da análise como partes do processo (MINAYO, 1993, p. 244). Dessa forma, e sob a perspectiva da avaliação qualitativa, a análise realizada neste trabalho busca demonstrar, além da preocupação do examinador em elaborar itens avaliativos que levem à escolha dos candidatos mais capacitados, se os conteúdos adaptam-se ao uso real nas atribuições do cargo público, segundo sua classificação mais ou menos funcional ou estruturalista. O corpus analisado compõe-se de 12 questões de provas da banca ESAF e 12 questões do CESPE, totalizando 24 questões sobre concordância verbal. Após a análise das questões, percebemos que elas poderiam ser classificadas em três grandes categorias: Estruturais: aquelas que exploram a memorização das regras de concordância, sem aplicação a um contexto discursivo. São, portanto, as questões que lançam mão de frases inventadas, da palavra e da frase isoladas, sem sujeitos interlocutores, sem contexto, sem função; frases feitas para servir de lição, para virar exercícios (...) [voltados] para a nomenclatura e a classificação das unidades (...) [usadas de maneira] predominantemente prescritiva, preocupadas apenas em marcar o “certo” e o “errado” (...) [sem atenção ao] uso da língua em textos reais, isto é, em manifestações textuais da comunicação funcional (...) (ANTUNES, 2003, p. 31). 51 Pretextuais: a banca apresenta um texto e propõe reflexões acerca dele. Contudo, a abordagem das questões sobre concordância mantém-se no nível da verificação estrutural. Como explica Antunes (2010, p. 50), é a técnica ainda corriqueira nas escolas, de “gramaticalizar” o texto, tornando-o, meramente “um conjunto de unidades gramaticais, cujas classes e funções precisam ser identificadas”. Funcionais: aquelas em que os elementos linguísticos (incluindo aqui a concordância verbal) aparecem como mecanismos para a construção de sentido/ interpretação do texto. Essas questões buscam promover “atividades que exploram habilidades mais complexas de leitura, por exemplo, aquelas ligadas às estratégias de interpretação por inferência ou por outro tipo implícito”(ANTUNES, 2010, p. 50). 3.3.2.1 Questões da ESAF Antes da análise das questões, é necessário esclarecer que as funções do cargo pleiteado são definidas em edital. Como exemplo, o cargo de Técnico de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União (CGU) 23, cuja prova foi aplicada no ano de 2008, determina que esse profissional deve realizar “atividades de nível intermediário, de apoio técnico administrativo, relativas às competências regimentais da Coordenadoria-Geral da União”. As atividades de nível intermediário relacionam-se diretamente ao grau de complexidade exigido, tanto da formação escolar – Ensino Médio –, quanto da forma de operacionalização das atribuições inerentes ao posto. A isso, soma-se a técnica que, conforme o Dicionário Houaiss (2001, p. 2.683), relaciona-se “à ciência ou ao saber, ao conhecimento ou à prática de uma profissão”. E essas práticas direcionam-se à globalidade de atribuições administrativas, ou seja, ao rol de atividades de apoio e execução que auxiliem nas competências finalísticas do órgão/entidade pública. Destaca-se ainda, resguardadas as sutis diferenças constantes em cada edital sobre as atribuições dos cargos de nível intermediário, que as funções desempenhadas pelos profissionais de nível médio são bem semelhantes entre si. 23 “3 - Das atribuições dos cargos: (...)3.2 - Técnico de Finanças e Controle: Atividades de nível intermediário, de apoio técnico administrativo, relativas às competências regimentais da Coordenadoria-Geral da União.” Disponível em http://www.esaf.fazenda.gov.br/concursos_publicos/encerrados/2008/analista-de-financas-econtrole-e-tecnico-de-financas-e-controle-da-cgu Acesso em 31/10/2013. 52 3.3.2.1.1. Estruturalistas ESAF/CGU/2008/Técnico de Finanças e Controle Exige-se acento circunflexo nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo e do subjuntivo dos verbos crer, dar, ler e ver e seus derivados. Qual das opções atualmente foge da regra acima? A) Felizes os que creem. B) Não me deem conselhos. C) Ondas veem e vão. D) Os jovens de hoje leem pouco. E) Escritores releem seus escritos muitas vezes. A questão inicia-se com a definição do uso do acento circunflexo em verbos na terceira pessoa do plural no tempo presente do indicativo, e pede ao candidato que assinale a opção que “foge” à regra. As frases, em si, apesar de formarem um enunciado, não o veiculam nenhum contexto específico de uso, principalmente ao de um futuro técnico de finanças e controle de um órgão de fiscalização autônomo do Poder Executivo Federal. Para a resolução desta questão, as competências linguísticas que deveriam ser ativadas sobre as percepções advindas da escolha do gênero (que gênero?), como resposta àquelas perguntas já mencionadas na introdução deste capítulo, propostas por Antunes (2010, p. 49), “como é dito, o que é dito, com que recursos lexicais e gramaticais, com que estratégias discursivas, quando e por que é dito, para quem e para provocar que efeitos, implícita e explicitamente”, só poderão ser respondidas, e sobre o aspecto gramatical, apenas as três últimas indagações. Resolveria facilmente essa questão o candidato que tivesse conhecimento da duplicidade de opções sobre a colocação ou não dos acentos nos verbos citados no enunciado, visto o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa24, ainda não em vigor, aceitar as duas formas de escrita – com ou sem o acento; que conhecia as diferenças nas conjugações entre o verbo ver e o verbo vir, sendo que, no segundo, apesar de não duplicar a vogal, a regra do uso do acento para a terceira pessoa do plural do indicativo ainda permanece; e que não percebesse o uso do verbo ver em sentido conotativo, usado na resposta “C”, indicada como correta no gabarito oficial, o que anularia a questão. 24 Disponível em http://www.priberam.pt/docs/acortog90.pdf Acesso em 31/10/2013. 53 Portanto, trata-se de questão totalmente normativista, que exige do candidato o conhecimento da regra sem contextualizá-la. Acerca da pouca produtividade de tais averiguações, Antunes (2010, p. 59) redigiu seção sob o título O que evitar nessas atividades de análise de texto? Figurando como argumento inicial está a dispensável prática de recortar do texto alguns trechos, visando somente à identificação da classe gramatical ou da função sintática de palavras determinadas, ou para fazer classificações morfossintáticas. A autora continua afirmando que o uso de atividades desse tipo só é útil caso haja uma preocupação em demonstrar como as unidades classificadas “são significativas para a compreensão dos sentidos e das intenções”. As questões que se seguem foram escolhidas, entre as demais do corpus analisado, por, além de, ilustrarem o exame sob o viés imanentista do estudo da língua, demonstrarem uma tendência: apesar de ainda serem cobrados nos pleitos mais recentes de ambas as bancas, os itens puramente estruturalistas nas provas do CESPE aparecem de forma mais acentuada em seus anos iniciais como comissão realizadora de concursos do que a ESAF, cuja disposição ainda é atual e presente em seus pleitos. ESAF/TRT 7ª Região/2003/Técnico Judiciário 19 - Marque a opção que contém erro de concordância verbal. A) Segundo um estudo da Associação Americana de Medicina, mais da metade dos trabalhadores queixam-se de cefaleia e dores musculares. B) Esses males afetam a produtividade e causam grande prejuízo às corporações, mesmo que não resultem em faltas. C) Em média, a redução do desempenho entre os que sentem dor equivalem a quatro horas e meia de trabalho por semana. D) Um ou outro entrevistado admitiu que as dores prejudicavam seu rendimento no trabalho. E) Mais de 53% dos entrevistados disseram ter sofrido alguma dor nas duas semanas anteriores à pesquisa. Após breve leitura, percebe-se que a questão tem o fito único de verificar o domínio puro das regras de concordância. Ao item “A” aplica-se a regra de concordância em expressões partitivas, que é facultativa: o verbo pode concordar com o núcleo do sujeito – metade – ou com o núcleo do complemento nominal – trabalhadores. A regra, segundo Bechara (2009, p. 557), é a “do sujeito representado por expressão como a maioria dos 54 homens (...) a maior parte de, grande parte de, parte de e um nome no plural, o verbo irá para o singular ou plural” (Grifos no original). No item “B”, o sujeito de afetam, causam e resultem é o mesmo: males. Bastaria ao candidato conhecer a regra básica de concordância: o verbo concorda em número e pessoa com o sujeito a que se refere. Nas palavras de Bechara (2009, p. 554), havendo apenas um sujeito e este sendo “simples e plural, o verbo irá para o plural”. No item “C”, há o que Bechara chama de “sujeito oracional”, que consiste em a redução do desempenho entre os que sentem dor. A regra, nesse caso, de acordo com o mesmo autor é “fica no singular o verbo que tem por sujeito uma oração, que, tomada materialmente, vale por um substantivo do número singular (...)”, o que implica que o verbo concorda com o núcleo do sujeito redução. O que há de “dificultador” nesse item é o fato de o verbo estar distante do núcleo a que se refere, o que pode induzir a marcar como correta a concordância entre equivale e os que sentem dor. Bechara (2009) explica as regras contidas nos itens “D”: “Sujeito ligado por ou – [se a conjunção indicar] identidade ou equivalência (...), o verbo irá para o plural mais frequentemente, porém pode ocorrer o singular”. (BECHARA, 2009, p. 557) (Grifos no original); e “E”: “nas linguagens modernas em que entram expressões numéricas de porcentagem, a tendência é fazer concordar o verbo com o termo preposicionado que especifica a referência numérica” (BECHARA, 2009, p. 566) Este tipo de análise, conforme ensina Antunes (2010, p. 62), acaba engessada como “uma espécie de fórmula, como se todo texto seguisse, com absoluta rigidez, um modelo estável e fosse independente de suas condições de produção e circulação”. Ao entrar em exercício, o futuro técnico judiciário não encontrará textos estanques, desvinculados da situação de produção, motivação, fim a que se destinam. ESAF/MRE/2004/Assistente de Chancelaria 10 - Indique a frase em que o verbo sublinhado está flexionado incorretamente. A -As tropas aliadas interviram com violência para deter os conflitos. B - Os sindicatos esperam que os empresários se atenham aos pontos do acordo salarial. C -Se querem que os bandidos agridam os moradores da favela, é só fornecer-lhes um pequeno motivo. D - Pretendem que toda essa vasta bibliografia caiba na cabeça dos candidatos do concurso. E - Sempre provejo a despensa antes da chegada de qualquer hóspede. 55 Questão com “peguinhas” que pretende, somente, verificar a capacidade do candidato em decorar as conjugações de verbos cujos usos não são tão utilizados. O item “A”, cuja flexão do verbo intervir está em desacordo com a norma padrão, é o considerado incorreto. Na terceira pessoa do plural do pretérito imperfeito, a flexão acertada é intervieram e não interviram. Silva (2012), ensina ser a conjugação “igual a sobreveio de sobrevir e veio de vir‖. ESAF/MF/2009/Assistente Técnico Administrativo 35 – Indique a opção que completa, com correção gramatical, os espaços do trecho abaixo. Uma nova forma de gerenciamento chega ao mercado: a quarteirização. Ela pode ser entendida como a contratação de um executivo que administra os contratos e atividades de terceiros. Para as organizações que são abertas ___1___ realidade e ___2___ mudanças, que ___3___ muito ___4___ delegando para terceiros aquelas atividades intermediárias de sua empresa, a quarteirização é uma ótima opção. (Adaptado de http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp040149.pdf) a) b) c) d) e) 1 A À À À A 2 As A As Às A 3 a há à há a 4 vem vem veem vêm vêm Novamente, banca e órgão preocupam-se com a demonstração de conhecimento de regras pelos candidatos. Além de crase e regência verbal, o conhecimento sobre concordância recai sobre dois pontos: a concordância do verbo haver quando significando ter, para fatos ocorridos no passado e, novamente, na capacidade de diferenciação nas conjugações dos verbos ver e vir, e a necessidade de acentuação do segundo quando conjugado na terceira pessoa do plural do indicativo, no caso, para concordar com mudanças. Opção correta: letra “D”. A questão não aborda a importância do conceito de “quarteirização”, nem de que maneira a concordância verbal poderia ser vista como um mecanismo de organização textual. Nesse caso, cabe a reflexão: para um assistente técnico administrativo do Ministério da Fazenda, é mais relevante memorizar quatro regras ou saber refletir acerca de um fenômeno que faz parte da economia contemporânea? Ao que parece, a memorização é mais valorizada... 56 3.3.2.1.2 Pretextuais ESAF/ANEEL/2004/Técnico Administrativo Nas questões 15 a 17, assinale a opção que corresponde a erro gramatical. 15- Em 1934, foi promulgado(1) o Código das Águas, que atribuiu(2) à União o poder de autorizar ou conceder o aproveitamento de energia hidráulica e estabeleceu a distinção entre a propriedade do solo e a propriedade das quedas d’água e outras fontes de energia hidráulica para o efeito de(3) aproveitamento industrial. Todos os recursos hídricos foram incorporados ao patrimônio da União. Asseguravam-se(4) ao Estado Novo o direito de intervir(5) nas atividades produtivas para suprir as deficiências da iniciativa privada e negava-se aumento da participação de estrangeiros no setor elétrico, bem como em outros setores econômicos. (Adaptado de www.energiabrasil.gov.br/energiabrasil_historico) A) 1 B) 2 C) 3 D) 4 E) 5 Nada mais apropriado que, numa prova para o cargo de técnico administrativo da Agência Nacional de Energia Elétrica, tenha-se elegido um texto que, além de informar os candidatos sobre a criação do Código de Águas, envolve temas de Direito Constitucional, como a competência da União para legislar sobre o assunto; e fatos históricos, como a Constituição de 1934 ter introduzido a prerrogativa de o Estado Novo intervir nas atividades prestadas pela esfera privada e negar o aumento de investimentos estrangeiros no setor elétrico. Quanto aos aspectos gramaticais, toda uma gama de estratégias usada pelo autor poderia ter sido abordada, dando azo a uma interpretação que usasse os itens lexicais e gramaticais para a averiguação dos sentidos pretendidos. No tocante à concordância verbal, os verbos em destaque poderiam ser utilizados para o entrelaçamento das matérias presentes no trecho, tornando a questão intertextual. Promulgado – o Código de Águas –, que, numa Constituição legítima, tem a acepção de norma inserida de forma democrática, poderia ter sido usado para demonstrar a configuração política quando da entrada do Estado Novo; atribuiu à União, dando espaço à análise das competências constitucionais já citadas; intervir como demonstração da soberania do Estado, representado pela União, para atuar em assuntos de interesse geral – a distribuição de energia elétrica – visando ao interesse público. 57 No entanto, mesmo frente a todas essas possibilidades, o texto figura como simples artifício que servirá, apenas, como um meio para a inserção equivocada da concordância entre asseguravam-se e o direito. Item incorreto: letra “D”. ESAF/MRE/2004/Assistente de Chancelaria 17- Assinale a opção que corresponde a erro morfossintático, de concordância ou inadequação vocabular. Nossa língua é, entre as grandes do mundo, certamente uma das que mais mudam de ano para ano, como se tomada por um desejo furibundo de se destruir, de perder sua identidade, de se esquecer e alienar-se de si. Devemos isso, em parte, à mania experimentalista que redundou na idolatria do ―inventar‖, e caiu no mero beletrismo; em parte, devemos-lo ao jornalismo e à TV, que, ansiosos por imitar os trejeitos primeiromundistas, o fazem em prejuízo da lógica e da gramática. (Baseado em Olavo de Carvalho, ―O pensamento brasileiro no futuro: um apelo à responsabilidade histórica‖) a) mudam b) furibundo c) alienar-se de si d) devemos-lo e) o fazem Arriscando-se a opinar sobre Linguística, assunto do qual evidencia não ter domínio, Olavo de Carvalho faz uso de palavras rebuscadas para criticar a evolução natural do Português Brasileiro como se fosse uma simples “mania”, disseminada pela mídia, em imitar países de primeiro mundo, o que estaria destruindo o idioma, “em prejuízo da lógica e da gramática”. Que lógica? A banca solicita ao candidato que encontre o erro no texto, que pode ter fundo morfossintático, de concordância ou de inadequação vocabular. Quanto à inadequação de tudo o que foi dito, não há a menor manifestação. Uma das [línguas] é o sujeito de mudam. Furibundo, segundo o Dicionário Michaelis de Português Online26 é um adjetivo que equivale a furioso. Alienar-se de si é uma construção com verbo reflexivo totalmente aceitável. O fazem refere-se aos jornais e tevê que buscam imitar os trejeitos primeiromundistas. O erro está na conjugação do verbo com pronome oblíquo átono devemos-lo, cuja regra, segundo Bechara (2009, p. 265): “se o verbo terminar por vogal ou semivogal oral, os 26 Disponível em http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=furibundo. Acesso em 3/11/2013. 58 pronomes aparecem inalterados”. Recomenda que, o correto seria: o devemos, sendo que, o pronome oblíquo o refere-se ao desejo furibundo da nossa língua em se destruir. O texto, mais uma vez, figura como um mero pretexto para a percepção de uma regra, cuja escrita equivocada, utilizada no texto, dificilmente seria proposta por um candidato ao redigir um texto. Aliás, todo o texto é um equívoco, como mencionado anteriormente. ESAF/DNIT/2012/Técnico Administrativo 8 - A partir das informações abaixo, avalie as propostas de redação de um parágrafo nos itens a seguir. VOCÊ SABIA QUE.... 80 minutos diários é o tempo que o brasileiro perde em engarrafamentos? 70 milhões de veículos novos chegam por ano às ruas em todo o mundo? 80% do trânsito é ocupado por automóveis que transportam somente 30% dos passageiros? (Adaptado de Superinteressante, dezembro2012, p.34) I. II. III. O brasileiro perde 80 minutos diários em engarrafamentos e 80% do trânsito é ocupado por automóveis que transportam somente 30% dos passageiros; enquanto isso, ao redor do mundo, 70 milhões de veículos novos chegam anualmente às ruas. Enquanto 80% do trânsito são ocupado por automóveis que transportam somente 30% dos passageiros, o brasileiro perde o mesmo tempo, diariamente em engarrafamentos, chegando com 70 milhões de veículos novos às ruas em todo o mundo. Em todo o mundo, 70 milhões de veículos novos chegam, por ano, às ruas. Enquanto isso, o brasileiro perde 80 minutos diários em engarrafamentos e 80% do trânsito é ocupado por automóveis que transportam somente 30% dos passageiros. a) Apenas I está correta. b) Apenas II está correta. c) Apenas I e II estão corretas. d) Apenas I e III estão corretas. e) Apenas II e III estão corretas. Malgrado a orientação de Salinas (2004) de não se construírem questões cujas respostas sejam dispostas da maneira como vista anteriormente, esse tipo de questão ainda é comum em provas de concursos públicos. A regra, em concordância verbal, a ser observada é da “concordância nas expressões de porcentagem”, assim, preceituada por Bechara (2009, p. 566): “nas linguagens modernas em que entram expressões numéricas de porcentagem, a tendência é fazer concordar o verbo com o termo preposicionado que especifica a referência numérica”. 59 Nas orações acima, cada expressão de porcentagem é seguida por do trânsito. Pela regra, o verbo deve concordar, em número, com ele. O que não ocorre com o verbo ser na opção II. Logo, a resposta a ser marcada é a letra “D”: apenas I e III estão corretas. Novamente, permanece a impressão de que, para um agente de trânsito, é suficiente reconhecer a regra gramatical, como se fosse com ela, pura, descontextualizada, que esse profissional fosse trabalhar diariamente (não com os gêneros textuais que obviamente têm a ver com o trânsito, como o da questão em tela). ESAF/Ministério da Fazenda/2012/Assistente Técnico Administrativo 51 - Assinale a opção em que o texto foi transcrito com erro no uso do verbo sublinhado. Animado com os indicadores positivos mais recentes, o governo reforçou ontem o tom otimista sobre a recuperação da atividade econômica, apesar de analistas do mercado financeiro estarem(A) ainda céticos sobre o ritmo do crescimento. O tom otimista foi usado em declarações da Presidenta, do Ministro da Fazenda e do presidente do Banco Central, a quem coube(B) o recado mais importante, ao afirmar(C) que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) vai acelerar nos próximos meses, mas com preços sob controle. Os estímulos dados pelo governo já obteram(D) uma resposta positiva da atividade econômica, mas ainda não produziram plenamente seus efeitos. Por isso a tendência é de recuperação mais à frente, sem que exista(E) risco de a inflação fugir da meta estabelecida para este ano. (Adaptado do Correio Braziliense, 18 de agosto de 2012) a) A b) B c) C d) D e) E O texto apresenta-se como pano de fundo para a percepção de uma falha de conjugação. Apesar da necessária recorrência ao trecho para confirmar os sujeitos dos verbos e perceber se a concordância está conforme as regras da gramática tradicional, nesta questão, banca e órgão, aparentemente, só queriam averiguar se o candidato conhecia a correta conjugação do verbo obter na terceira pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo, de modo a combinar com o sujeito os estímulos dados pelo governo. Acertou a questão aqueles que marcaram como incorreta a letra “D”, por saberem que a conjugação correta é obtiveram. Não aqueles que sabiam de economia... 60 3.3.2.1.3 Funcionalistas ESAF/CGU/2008/Técnico de Finanças e Controle Essa questão foi especialmente escolhida por fazer parte da mesma prova que exemplificou o primeiro ponto estruturalista em provas da ESAF, servindo como demonstração da convivência, numa mesma peça avaliativa, de questões com diferentes visões de análise da língua. Não que isso seja o ideal, mas, por ilustrar a insistência das bancas em verificar conhecimentos centrados “em irrelevâncias, em saberes inócuos e improdutivos, que não servem senão para o dia do exame” (ANTUNES, 2010, p. 62); ao lado daquelas orientadas à apreensão [dos] aspectos globais [das questões analisadas], ou seja, para o entendimento do texto como um todo, daquilo que o perpassa por inteiro e que confere sentido às suas partes e a seus segmentos construtivos (ANTUNES, 2010, p. 65). 3 - Assinale a opção que dá continuidade ao trecho transcrito abaixo, respeitadas a coerência entre as ideias e a morfossintaxe da norma escrita padrão. Os homens públicos brasileiros aceitam, com naturalidade, a permanência na vida brasileira de coisas injustas, como os impostos que comem quase 40% de tudo o que o Brasil produz ____________________ a) de cuja parte significativa se destina a oferecer serviços à população mais necessitada. b) na má gestão dos recursos públicos. c) em favor dos quais se disponibiliza a população serviços de qualidade inferior. d) por via do aumento de impostos já existente ou da criação de novos. e) e em troca dos quais se oferecem serviços de qualidade infame. (Com base em Guzzo, J. R. ―O fim de uma mentira‖, Exame, 31/12/2007, p. 67) Há toda uma preocupação para que o candidato demonstre habilidade de estabelecer relações entre as partes do texto, inferindo as relações de causa/consequência que são perceptíveis por meio do estabelecimento das relações lógico-discursivas presentes no texto27. O enunciado dá pistas à resolução: respeitadas as coerências entre as ideias e a morfossintaxe (...). Quanto às ideias, o trecho inicial ressalta a permissividade dos homens públicos brasileiros – chefes do Executivo e Legisladores – frente a injustiças como o 27 Vide quadro 2. Matriz de referência de Língua Portuguesa da Prova Brasil. 61 recolhimento de impostos que “comem” quase 40% de tudo o que é produzido no País – informação de extrema relevância para a atuação de um técnico de finanças e controle. Todas as alternativas podem ser analisadas sob ambos os aspectos: ideológico e morfossintático. São verificadas, inicialmente, aquelas cuja pura interpretação as resolve. A questão “A” desrespeita a continuidade lógica, visto as injustiças não se coadunarem ao oferecimento de serviços à população mais necessitada. O item “B” não prossegue coerentemente, por não haver como o Brasil produzir tanto imposto através da má gestão dos recursos públicos. A questão “E” segue pela mesma linha: não há como uma taxa de cerca de 40% de impostos consumir quase toda a produção do país por via do aumento de impostos já existente ou da criação de novos (percebe-se aqui, também, a falta de concordância entre impostos e existente). Essas sequências simplesmente não respeitam a coerência entre as ideias. Nas “C” e “E”, que preenchem a lacuna de maneira consistente, ao relacionarem a alta carga de impostos à injustiça da prestação de serviços que não condizem aos valores cobrados, o diferencial será a análise por meio dos itens morfossintáticos. No item “C”, a oração em favor dos quais se disponibiliza a população serviços de qualidade inferior: em favor dos quais refere-se a impostos. Os serviços de qualidade inferior disponibilizados à população não são um favor à alta carga tributária. Faltou, também, a aposição de crase para marcar a junção do artigo e da preposição antes de população, visto a regência do verbo disponibilizar exigir o artigo – algo é disponibilizado a alguém. Logo, o item “E” respeita as ideias contidas no trecho que o antecede e de forma morfossintática coerente: Os homens públicos brasileiros aceitam, com naturalidade, a permanência na vida brasileira de coisas injustas, como os impostos que comem quase 40% de tudo o que o Brasil produz e em troca dos quais [em troca dos impostos] se oferecem serviços de qualidade infame. Questão correta. ESAF/MRE/2002/Assistente de Chancelaria Leia o texto abaixo para responder às questões 3 e 4. O tribunal do mundo [...] A partir da instalação da Corte no próximo ano em Haia (Holanda), os delitos co- 62 5 10 15 metidos contra os direitos humanos em situações de conflito não serão mais protegidos pelas barreiras da impunidade. A jurisdição julgadora está garantida pelos 65 países que a ratificaram entre os 139 subscritores do pacto da capital italiana. Um órgão acima das estruturas nacionais com competência penal não serve apenas para punir os crimes de guerra, de genocídio, de lesa-humanidade, de agressão. Sua presença no topo da ordem jurídica mundial, com autoridade avalizada pela maioria das nações, se presta, sobretudo, para inibir tais tipos de violação. Constitui, pois, instrumento preventivo para assegurar os direitos essenciais de grupos humanos em nome da paz. (Correio Braziliense, Visão do Correio, 12/04/2002, com adaptações) 4 - Assinale a opção incorreta a respeito das estruturas linguísticas do texto. a) A colocação de uma vírgula após ―Corte‖(L.1) é opcional tanto do ponto de vista sintático como semântico. b) Textualmente, o sentido da expressão ―jurisdição julgadora‖(L.5 e 6) equivale a ―Corte‖ (L.1). c) A ênfase de sentido conferida pelo advérbio ―sobretudo‖(L.15) incide mais diretamente sobre o verbo inibir do que sobre ―tipos de violação‖(L.16). d) Subentende-se como sujeito sintático de ―Constitui‖(L.16) a expressão inicial do parágrafo, ―Um órgão acima das estruturas nacionais com competência penal‖. e) O deslocamento da expressão ―em nome da paz‖(L.18 e 19) para depois de ―assegurar‖(L.17) exige o emprego de vírgula antes e depois da expressão. Questão que reúne a aplicação de regras às suas implicações concretas no texto. No item “A”, a regra da opcionalidade da vírgula, assim como a sua colocação não alterar semanticamente o texto, são afirmações verdadeiras. Numa primeira leitura, o item “B” procura testar os conhecimentos dos candidatos em recursos coesivos e de coerência, ao chamar a atenção à substituição de Corte por jurisdição julgadora em linha posterior no trecho. Entretanto, a leitura mais atenta da afirmativa demonstra que não é a isso que se refere. Ao aludir à equivalência das duas expressões, o examinador se referiu ao aspecto semântico textual, ou seja, literal. Refere-se às duas expressões consideradas em si mesmas e não à sua equivalência dentro do texto. Assim, no Dicionário Michaelis de Português Online 28 , Corte é uma das “denominações dadas aos tribunais” e jurisdição como “a faculdade de aplicar as leis e de julgar” inserida em determinada base territorial. Logo, este é o item incorreto. 28 Disponível em http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portuguesportugues&palavra=corte e em http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portuguesportugues&palavra=jurisdi%E7%E3o . Acesso em 3/11/2013. 63 A afirmação contida no item “C” leva o candidato à análise de todo o parágrafo. Criada com força supranacional, a Corte tem, acima de seu caráter jurisdicional, o fito de coibir os crimes contra a humanidade. Logo, a ênfase do advérbio sobretudo incide, realmente, mais sobre o verbo inibir. Item correto. A oração destacada no item “D” tem valor sintático de sujeito e é a ela que se refere o verbo constitui na linha 16. Para chegar à conclusão sobre a concordância, o candidato deve retomar o texto, de forma a compreender, também, o uso do recurso gramático de substituição lexical para retomar um sujeito e dar coesão e coerência ao texto. Item correto. Toda a oração instrumento preventivo para assegurar os direitos essenciais de grupos humanos corresponde a um único sintagma nominal, com função sintática de sujeito. Logo, qualquer expressão que seja incluída em seu corpo precisará vir entre vírgulas. Item correto. ESAF/ANEEL/2006/Técnico Administrativo 5 10 15 De fato, os jovens têm motivos para se sentirem inseguros. Começam a vida profissional assombrados pelos altos índices de desemprego. Quase a metade dos desempregados nos grandes centros no Brasil é jovem. Além da falta de experiência, há o despreparo mesmo. Grande parte tem baixa escolaridade. O mercado de trabalho ajuda a perpetuar a desigualdade. Muitos jovens deixam de estudar para trabalhar. Mas a disputa é acirrada também entre os mais bem-preparados. A grande oferta de mão-de-obra resulta em um processo cruel de avaliação, com testes de conhecimentos e de raciocínio lógico, redação, dinâmicas de grupo, entrevistas. E não é só. O jovem deve demonstrar habilidades que muitas vezes nem teve tempo de saber se possui ou de descobrir como adquiri-las. Como o conhecimento hoje fica obsoleto muito rápido, a qualificação e o potencial comportamental é que definem um bom candidato, e não só o preparo técnico. (Adaptado de ISTOÉ, 5/10/2005) 03- Assinale a opção incorreta a respeito do emprego das estruturas linguísticas do texto. a) A relação de sentidos entre os dois primeiros períodos sintáticos do texto permite subentender uma ideia explicativa, expressa pela conjunção Pois, antes de ―Começam‖ ("L.2). b) Como a expressão ―a metade‖ ("L.3) pode ser considerada um sinônimo textual para 50%, a substituição daquela por esta preservaria a coerência textual e a correção gramatical. c) A regência do verbo resultar permite a troca da preposição ―em‖("L.11) pela preposição de; mas, nesse caso, a relação semântica entre ―oferta‖ ("L.10) e ―processo‖("L.11) se inverte. 64 d) A função textual da oração ―E não é só‖ ("L.13) é a de fazer o leitor antecipar que, além das ideias expostas nos dois períodos sintáticos anteriores, mais problemas serão enumerados nos períodos seguintes. e) A forma de singular em ―é‖ ("L.18) deve-se ao emprego do vocábulo ―que‖ ("L.18); pois o verbo que se flexiona de acordo com o sujeito da oração é ―definem‖ ("L.18). Os itens relacionados à concordância verbal são o “B” e o “E”. O primeiro indaga sobre a substituição da expressão a metade por sua equivalente textual 50%. No excerto, é expresso quase a metade e não a metade toda, logo, textualmente, as duas expressões não se equivalem. Aí está o erro do item “B”. Em “E”, questiona-se sobre a concordância com pronome relativo. Apesar de não apresentar a regra em termos mais técnicos, o item explica de forma simples, e contextual, quais os aspectos a serem observados de forma a se saber com quais expressões, dentro do texto, os verbos ser e definir fazem concordância: o primeiro concorda com o relativo que. Este, por sua vez, refere-se a qualificação e o potencial comportamental, com os quais definem se coaduna. 3.3.2.2. Questões do Cespe29 3.3.2.2.1. Estruturalistas CESPE/TJDFT/1997/Técnico Judiciário Leia o texto abaixo para responder às questões de 10 a 12 ERRO DA LEI É preciso enfatizar, em primeiro lugar, que a lei dos transplantes é boa em seu conjunto, mas erra gravemente ao estabelecer a doação presumida ou compulsória. Erra em relação à ética médica e erra em relação à sociedade, porque atenta contra a cultura brasileira, alicerçada na solidariedade humana. Obrigar o médico a retirar órgãos sem consentimento da família é desumano. A medicina tem como pilar principal a forte relação médico-paciente, que se estabelece entre parceiros, não entre adversários. É incorreto e eticamente indefensável romper essa relação, usando como artifício o 29 Os enunciados das questões do Cespe foram reescritos conforme constam nas provas (vide anexos às folhas 97 às 109). Assim, constam mais de uma questão no enunciado, mas só foram analisadas aquelas que se referem ao fenômeno gramatical da concordância verbal. 65 artigo de uma lei impositiva, seja ela qual for. Secularmente, a cultura médica impede que o médico realize qualquer procedimento sem o consentimento do próprio paciente ou de seus familiares. O Código de Ética Médica, além de garantir a relação de confiança entre médico e paciente, dá ao médico, no seu artigo 28, o direito de não executar nenhum ato que seja contrário aos ditames de sua consciência. Nenhuma lei pode subverter esse padrão ético. É bom lembrar o exemplo da França, onde existe lei semelhante à nossa, mas onde, até hoje, nenhuma equipe de transplantes retirou qualquer órgão sem a expressa aquiescência prévia do doador ou de sua família. Não se pode falar, em defesa da lei, que há falta de órgãos para transplantes. Isso não é verdade. O que há é falta de condições de conservação, de transporte, de centrais de transplantes ágeis. Além de uma clara falta de confiança da população na política governamental de saúde: os sucessivos governos que se estabeleceram após a Constituinte de 1988 têm demonstrado que não se preocupam nem com os vivos, quanto mais com os mortos. A prova disso é que, ano após ano, o orçamento para a saúde diminui, apesar das disposições constitucionais em contrário. Para que o panorama se modifique e tenhamos um número maior de doadores espontâneos, é absolutamente necessário que o governo demonstre em atos que é merecedor da confiança dos cidadãos em relação às questões de saúde. Mas, se o próprio orçamento do setor cai constantemente, como esperar tal demonstração? É preciso analisarmos também outro aspecto da questão. A doação presumida acaba com o direito do cidadão de exercer solidariedade conscientemente. Vai de encontro ao desejo social de o cidadão afirmar espontaneamente que é doador, que é solidário. Melhor teria feito o legislador se colocasse na lei que, nas carteiras de identidade, ou de motorista, o cidadão expressasse seu desejo de ser doador, não de não o ser. Isso, sem dúvida, facilitaria o trabalho das equipes de transplantes e daria a todos o direito de exercer sua solidariedade expressamente. Waldir Paiva Mesquita. Correio Braziliense, 11/1/98, p. 22. QUESTÃO 12 Em cada período retirado do texto e colocado nas opções abaixo, há palavras sublinhadas. Assinale aquela em que a indicação da classe gramatical não corresponde às dos termos sublinhados. – ―É preciso enfatizar, em primeiro lugar, que a lei dos transplantes é boa em seu conjunto, mas erra gravemente ao estabelecer a doação presumida ou compulsória.‖ / verbos B – ―Obrigar o médico a retirar órgãos sem consentimento da família é desumano. A medicina tem como pilar principal a forte relação médico-paciente, que se estabelece entre parceiros, não entre adversários.‖ / substantivos C – ―É incorreto e eticamente indefensável romper essa relação, usando como artifício o artigo de uma lei impositiva, seja ela qual for. Secularmente, a cultura médica impede que o médico realize qualquer procedimento sem o consentimento do próprio paciente ou de seus familiares.‖ / pronomes D – ―Não se pode falar, em defesa da lei, que há falta de órgãos para transplantes. Isso não é verdade. O que há é falta de condições de conservação, de transporte, de centrais de transplantes ágeis.‖ / preposições À primeira vista, pode-se pensar numa questão do tipo “funcional”. Contudo, após uma breve leitura, uma decepção que, provavelmente, também atingiu o candidato à vaga de técnico judiciário no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios que esperava uma prova de LP mais voltada a situações reais de uso. Em um texto tão rico de informações que serão úteis ao desempenho dessa função, os itens versam apenas sobre o reconhecimento de classes morfológicas. E a análise acerca da dissertação sobre ética médica; todos os argumentos que desautorizam um projeto de lei que possibilitaria a retirada de órgãos sem o 66 consentimento das famílias; todos os dados fornecidos acerca do assunto; a denúncia sobre a falta de investimentos na saúde; toda a elegia à solidariedade humana? Resolver esta questão prescinde da leitura prévia do texto. Ou seja, a leitura é totalmente dispensável. Qual seria, afinal, a intenção dessa pergunta? O que o examinador buscava aferir do candidato ao eleger essa averiguação na prova? Descobrir que sabe o que é um verbo, um substantivo, um pronome e uma preposição? No cotidiano do serviço público, o pretendente ao cargo precisará escrever os nomes das classes de palavras em um memorando, em algum ofício, ou, quem sabe, grifar os verbos de um processo em matéria criminal? Antunes (2010, p. 58) destaca que toda análise textual deve desenvolver a competência comunicativa dos usuários da língua. E lembra que tal competência é eminentemente discursiva. Ou seja, a competência de uma pessoa em termos linguísticos se avalia pela capacidade que essa pessoa tem de, falando, escutando, lendo e escrevendo, atuar por meio de diferentes discursos, em diferentes práticas sociais e de obter, com seus discursos, os fins a que se propõe. Retornando à questão, o item incorreto é a letra “C”. Sem e próprio não são pronomes. CESPE/MPU/1996/Assistente Administrativo QUESTÃO 10 Seguindo as normas gramaticais da língua culta, a sugestão "Seja trabalhador e você também será venturoso.", se for expressa na terceira pessoa do plural, tornar-se-á: (A) Sede trabalhadores e vós também sereis venturosos. (B) Sejam trabalhadores e vós também sejais venturosos. (C) Sê trabalhadores e vocês também serão venturosos. (D) Sejam trabalhadores e vocês também serão venturosos. (E) Sejais trabalhadores e vocês também serão venturosos. A questão apenas visa verificar se o candidato sabe qual o modo verbal que se encaixa na terceira de plural da oração contida no enunciado. Se o candidato conseguir perceber que a sentença está no presente do indicativo, terá como correta a letra “D”. 67 CESPE/TCU/1996/Agente Administrativo Leia o texto a seguir para responder às questões de 1 a 20. ....................................... Algum pessimista argumentará que, qualquer que seja o tratamento que eu dê ao tema anunciado pelo título acima, não passarei de comentários tautológicos, já que a morte por si mesma é banal, não necessitando de que se sublinhem essa condição. De fato, como única verdadeira certeza que temos na vida, a morte é banal, acontece a toda hora e, mais cedo ou mais tarde, chegará para todos. Mas, embora saiba não estar dizendo novidades, pois eu mesmo já falei neste assunto várias vezes e em várias ocasiões, acho que, entre nós, a morte está ficando banal em demasia. Nas grandes cidades brasileiras a começar pelas duas maiores, mata-se praticamente como se tratasse de algo inerente à existência urbana. Não creio estar apenas reprisando um bordão de velho, quando digo que a vida humana cada vez tem menos valor - e não só para bandidos, que assassinam mesmo sem necessidade alguma, mas para nós, outros, que só faltamos dar de ombros, quando sabemos de uma nova morte violenta, entre as dezenas que se noticiam todos os dias nos jornais. Em biologia, sabe-se que a repetição exaustiva de um estímulo acaba por atenuar fortemente, ou mesmo eliminar, seu efeito. Sem dúvida, isto acontece conosco. De tanto sabermos de barbaridades, já não mais nos chocamos. A morte violenta não nos sitia somente nos noticiários. Ela está em todas as partes, nas balas perdidas que vêm atingindo tanta gente no Rio de Janeiro e que são mesmo objeto de fornidas coleções em alguns bairros, nos jogos eletrônicos que fascinam nossos filhos e netos e nos enlatados americanos com que somos bombardeados pela televisão. Desde criança, vemos mortes violentas às dúzias. E, o que é pior, mortes desacompanhadas de tudo que ela traz na vida real. O personagem toma um tiro, bate as botas e nada mais acontece. Não há luto, não há orfandade, não há viuvez, não há nem sequer dor. O assassinato e a morte são quase iguais a outros atos corriqueiros da vida cotidiana. Sabemos também que, embora não esteja na lei, a pena de morte, pública e privadamente decretada, há muito tempo existe no Brasil. De vez em quando aparece uma reportagem, mostrando como pistoleiros cobram quantias que não dão nem para um bom jantar, num bom restaurante, para matar alguém que não conhecem e que nunca lhes fez mal. Encher a cara, pegar o carro e matar um desafeto é a melhor maneira de cometer homicídio no Brasil. O matador paga fiança, é solto, responde o processo em liberdade e, se eventualmente for condenado, poderá, caso se trate de réu primário, cumprir a pena também em liberdade. A polícia mata ("executa", palavra com que certa imprensa parece querer nobilitar o assassinato) e não mata somente o bandido, mas também o cidadão que está por perto. Comerciantes contratam "justiceiros", que tomam a si o encargo de eliminar quem quer que pareça uma ameaça. Viajar de ônibus passou a ser uma aventura cotidiana, pois raro é o dia que um ou mais não são assaltados, com direito a tiroteio. Hospitais, berçários, asilos de velhos e clínicas matam em níveis reminiscentes do nazismo. Morre-se de fome nas cidades e no campo, e por aí vamos. Enfim, mata-se escandalosamente em toda parte e ficamos nós, os sobreviventes, como que anestesiados. Para muitos, infelizmente, o problema só se torna grave quando a vítima lhes é próxima. Enquanto acontece somente com os outros, não merece muita atenção. Isso não pode deixar de ser visto como uma gravíssima deformação, de que precisamos tomar consciência e nos livrarmos a qualquer custo. A morte é o fim natural da vida, mas não é natural que se alastre dessa forma monstruosa e que, embotados, abúlicos e acomodados, não façamos nada para mudar a situação em que tão aviltantemente existimos. Não somos bichos, somos cidadãos, e se não zelarmos até ferozmente pelos nossos direitos, dentro em breve não teremos mais direito nenhum, nem mesmo à vida. João Ubaldo Ribeiro. Manchete, 16/11/96, p. 97. QUESTÃO 13 Considerando o período "O personagem toma um tiro, bate as botas e nada mais acontece." (l.18-19), assinale a opção correta. 68 O período é composto por coordenação, mas apenas uma oração é coordenada sindética. "O personagem" é o sujeito das três orações. O nível de linguagem é coloquial, culto. Há apenas artigos definidos exercendo a função de adjuntos adnominais. As três formas verbais são de predicação transitiva direta. Um texto riquíssimo em informações. Contudo, as questões podem ser resolvidas sem nem precisar lê-lo. A resposta correta é a primeira afirmação. O que não agrega nada ao candidato e àquilo que se espera que execute no futuro cargo, caso seja aprovado, No segundo item, percebe-se pela leitura do excerto que o sujeito do último verbo é nada. Além do uso precário do texto, a exploração dos temas gramaticais, como a concordância verbal, serve apenas para uma verificação vazia de uso prático. Se o nível de linguagem é coloquial, não tem como ser culto, ao mesmo tempo: isso desclassifica o terceiro enunciado. Nas duas últimas assertivas: mais também está exercendo a função de adjunto adnominal, como adjetivo de intensidade; e acontece é verbo intransitivo. CESPE/ MPU/2010/Técnico Administrativo 1 4 7 10 13 A recuperação econômica dos países desenvolvidos começou perigosamente a perder fôlego. A reação dos indicadores de atividade na zona do euro, que já não eram robustos ou mesmo convincentes, é agora algo semelhante à paralisia. Os Estados Unidos da América cresceram a uma taxa superior a 3% em 12 meses, mas a maioria dos analistas aposta que a economia americana perderá força no segundo semestre. O corte de 125 mil empregos em junho indica que a esperança de gradual retomada do crescimento do mercado de trabalho no curto prazo era prematura e não deverá se concretizar. As razões para esse estancamento encontram-se no comportamento do polo dinâmico da economia mundial, os países emergentes, cujo desenvolvimento econômico começou a desacelerar — ainda que a partir de taxas exuberantes de expansão. Valor Econômico, Editorial, 6/7/2010 (com adaptações). Com relação às ideias e aos aspectos linguísticos do texto, julgue os itens a seguir. 3 - Se o verbo da oração ―mas a maioria dos analistas aposta‖ (L.6) estivesse flexionado no plural — apostam —, o período estaria incorreto, visto que, de acordo com a prescrição gramatical, a concordância verbal, em estrutura dessa natureza, deve ser feita com o termo ―maioria‖. 69 De acordo com a prescrição gramatical, em expressões como “A maioria de (...), o verbo irá para o singular ou plural” (BECHARA, 2009, p. 557). Logo, a afirmação é incorreta. A análise textual, conforme verifica-se, é totalmente dispensável. 3.3.2.2.2. Pretextuais CESPE/Banco do Brasil/2008/Escriturário Texto para os itens de 1 a 12 1 A linguagem é provavelmente a marca mais notória da cultura. As trocas simbólicas permitem a comunicação, geram relações sociais, mantêm ou interrompem essas 4 relações, possibilitam o pensamento abstrato e os conceitos. Sem linguagem, não há acesso à realidade. Sem linguagem, não há pensamento. Poder referir-se a algo que não se 7 encontra mais aí, nomear, designar é parte essencial do pensamento humano. A simples manipulação de um instrumento vem acompanhada de certa intenção, expressa 10 pelo uso de signos linguísticos e não-linguísticos. Pensamento é sempre pensamento acerca de alguma coisa e, por isso mesmo, consiste em linguagem, que não é um mero 13 subproduto do pensamento. É na e pela linguagem que se pode não somente expressar ideias e conceitos, mas ―significar‖ como um comportamento a ser compreendido, 16 isto é, como comportamento que provoca relações e reações. Inês Lacerda Araújo. Do signo ao discurso: uma introdução à filosofia da linguagem, p. 9 (com adaptações). Com relação às ideias e às estruturas linguísticas do texto, julgue os itens de 1 a 7. O sinal de acentuação gráfica em ―mantêm‖ (l.3) marca o plural do verbo, que assim é acentuado para concordar com ―trocas‖ (l.2). 70 A questão traz um texto que propõe uma rica reflexão acerca da importância da linguagem para o ser humano, o que poderia ter sido explorado de algum modo na análise dos itens. Contudo, o item que trata de concordância verbal (mecanismo fundamental para tudo aquilo que o texto defende) exigia uma simples demonstração do conhecimento de uma regra igualmente simples: a aposição do acento circunflexo ao verbo manter, quando conjugado na terceira pessoa do plural do indicativo (BECHARA, 2009). Apesar da necessária recorrência ao texto para a certificação do sujeito mencionado, essa mínima análise exigida é um fim em si mesma. E, conforme admoesta Antunes (2003, p.89), “nenhuma regra gramatical tem importância em si mesma”. A nenhuma norma gramatical é garantida uma força absoluta; e esta deriva da sua efetiva aplicação, “da sua funcionalidade na construção dos atos sociais da comunicação verbal, aqui e agora”. Ou seja, a validade da regra apresenta-se quando inserida num texto, ou, parafraseando Antunes (2003), quando inserida em atos sociais da comunicação verbal: em gêneros textuais. A dissociação parcial entre o texto e seus aspectos gramaticais só revela a intenção, talvez não proposital, de dar um mote à averiguação de que o candidato domina uma regra, uma nomenclatura, um aspecto sintático, sem a menor preocupação com todo o restante. O que é preocupante, principalmente quando o aspecto gramatical em estudo é o verbo. Toda atuação verbal se dá através de textos, independentemente de sua função e sua extensão. Ou seja, o óbvio (mas nem sempre levado em conta) é que ninguém fala ou escreve a não ser sob a forma de textos, tenham eles esta ou aquela função, sejam eles curtos ou longos. (ANTUNES, 2003, p. 92). Não se retira, obviamente, a importância da verificação das regularidades gramaticais da língua; afinal, conforme Antunes (2003, p. 94), um maior conhecimento de como as normas se aplicam às mais variadas conjunturas de uso enriquece e amplia as competências linguísticas do falante, exatamente o que deve ser esperado de um aspirante a cargos públicos. No entanto, para que essas regularidades sejam compreendidas nessas conjunturas, é necessário que elas sejam trabalhadas a partir de uma situação real de uso. CESPE/ANVISA/2007/Técnico Administrativo 1 4 A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), por meio da RDC 102/2000, proíbe à indústria farmacêutica oferecer ou prometer prêmios ou vantagens aos profissionais de saúde habilitados a prescrever ou dispensar medicamentos. Além disso, esses não podem solicitar ou 71 7 10 13 16 19 aceitar nenhum incentivo se estiverem vinculados à prescrição, dispensa ou venda. Medidas restritivas se impõem, como as implementadas em outros países, tais como a proibição de aceitação de presentes (independentemente do seu valor), a regulamentação da oferta de amostras e o financiamento da participação em congressos e simpósios. Deve ser vetado que a indústria farmacêutica influencie, com benefícios injustificados de caráter financeiro ou material, os médicos por outros motivos que não o interesse do paciente. A promoção e o comércio são tarefas da indústria. Trabalhar em favor do paciente é tarefa para os médicos e instituições da categoria ou vinculadas à saúde. A educação médica continuada também é tarefa do médico. Pedir apoio à indústria é convidar para a promoção e o comércio. Roberto Luiz d‟Ávila. Conflito de interesses no relacionamento entre médicos e indústria farmacêutica. In : Medicina Conselho Federal, nº 161, out./nov./dez./2006, p. 23-4 (com adaptações). Acerca das ideias desenvolvidas no texto acima e de aspectos gramaticais, julgue os itens seguintes. 10 O segundo período do texto (L.5-7) poderia ser corretamente reescrito da seguinte forma: Proíbe, ainda, que estes solicitem ou aceitem incentivo algum, caso estejem vinculados seja a prescrição, seja a dispensa, seja a venda de remédios. O item em tela propõe substituir o verbo “estejam” por “estejem”, conjugação rechaçada pelos gramáticos puristas. Ao se considerar que o item deve ser julgado quanto a “aspectos gramaticais”, o comando da questão ignora que a forma “estejem” é perfeitamente gramatical na norma não padrão. Itens deste tipo, além de preconceituosos linguisticamente, estabelecem que existe apenas um “aspecto gramatical” disponível: o da norma padrão. Após a leitura do texto e do item, fica a pergunta: as informações sobre as restrições impostas à indústria farmacêutica, pela Anvisa, no Brasil, e por outros órgãos reguladores, no mundo, serviram apenas para que candidatos tivessem uma questão “dada de graça”? CESPE/ANATEL/2004/Técnico Administrativo Fazem de tudo Até ligação. 1 4 Pelo Telefone, de Donga, foi o primeiro samba gravado no Brasil, 88 anos atrás. Hoje, é o telefone, de tipo móvel, que toca samba — e qualquer outro gênero musical —, captado por ondas de rádio ou reproduzido em formato MP3. Mas não fica nisso. Os celulares de nova geração exibem vídeos baixados da Internet, enviam e 72 7 10 13 16 19 recebem mensagens de texto e e-mails, organizam a agenda pessoal, fotografam e filmam digitalmente, entre outras proezas. Muitos operam fora do país sem prejuízo de qualidade das ligações. O que, por enquanto, é privilégio de não mais que 1% dos usuários de celular no Brasil será padrão daqui a dois ou três anos. Em pouco tempo, o celular poderá substituir o cartão de crédito em compras eletrônicas, servir para confirmar a reserva de passagens aéreas no balcão das companhias aéreas e controlar o movimento da conta corrente no banco. Em resumo, ajudará o usuário a economizar tempo — como nenhuma outra máquina fez antes — e a usar o excedente criado para seu prazer pessoal. ÉPOCA Tecnologia, 31/5/2004 (com adaptações). Com base nas ideias e estruturas linguísticas do texto acima, julgue os itens subsequentes. O emprego da flexão de masculino singular nos termos ―captado‖ (L.4) e ―reproduzido‖ (L.4) devese ao respeito às regras de concordância com ―telefone‖ (L.2). Uma simples leitura e o candidato perceberá que os verbos concordam com samba. Apesar do retorno ao texto e de uma leitura um pouco mais atenta para perceber o sujeito dos verbos destacados, nenhuma competência ou habilidade de leitura, propostas pelos PCN, é realmente ativada com a questão proposta, por não haver qualquer preocupação em analisar o aquilo que interessa à perspectiva funcionalista: reflexões acerca do funcionamento da linguagem. CESPE/ABIN/2008/Agente de Inteligência 1 A análise dos assuntos relativos ao Oriente Médio pelos órgãos de inteligência faz parte do esforço em acompanhar o fenômeno do terrorismo internacional, dados 4 os frequentes enfrentamentos entre grupos radicais e a possibilidade de que simpatizantes dessas organizações extremistas possam engajar-se em ações radicais, fora da 7 região, como forma de retaliação, contra alvos de interesse de grupos rivais ao redor do mundo, inclusive, e de forma potencial, em território brasileiro. Paulo de Tarso Resende Paniago. O desafio do terrorismo internacional. In :Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: ABIN, v. 3, n.º 4, set./2007, p. 38 (com adaptações). 73 Com relação a aspectos linguísticos do texto acima, julgue os itens de 16 a 20. 16 A forma verbal ―faz‖ (L.2) está no singular porque concorda com ―Oriente Médio‖ (L.1). Nenhum aspecto discursivo ou semântico é mencionado. O núcleo da oração subordinada substantiva subjetiva a análise dos assuntos relativos ao Oriente Médio pelos órgãos de inteligência é análise, logo, o verbo concorda com essa palavra e não com Oriente Médio. Questão incorreta. 3.3.2.2.3. Funcionalistas CESPE/ANS/2005/Técnico Administrativo A figura acima ilustra uma janela do Word 2000 que contém parte de um texto de Paloma Oliveto, extraído e adaptado do Correio Braziliense, de 18/1/2005. Considerando essa figura e o texto nela contido, julgue os itens a seguir. 1 A expressão ―está conseguindo reduzir‖ (L.1), ao conferir ao texto a ideia de que o país está se esforçando, é mais enfática do que está reduzindo. A questão uniu o conteúdo sobre conhecimentos em informática e LP. Os itens foram dispostos de forma que as duas matérias dialogassem, de forma intertextual. No item destacado, múltiplas habilidades de interpretação são exigidas dos candidatos, tendo a concordância verbal como pano de fundo. Ao ser induzido a verificar qual dos enunciados tem mais força de ênfase, o leitor precisa, inicialmente, retornar ao texto e fixar a qual país o texto se refere. Nesse exame, utilizará a capacidade de correlacionar palavras de um mesmo campo de significação, 74 percebendo a intenção da banca em usar outra palavra (país) 31 , para se referir a Brasil, conforme a linha 1 do texto. O passo seguinte, a resolução da questão em si, envolve conhecimentos gramaticais relativos ao aspecto verbal que, conforme Bechara (2009, p. 213), “alude à maneira de considerar a ação verbal no tempo”: situando a locução verbal formada de infinitivo + gerúndio na categoria tempo-aspecto da visão, na qual “o falante pode considerar a ação verbal em seu todo ou parcialmente (...) entre dois pontos de seu curso”. O fato de o Brasil estar reduzindo destaca sua visão global, que, segundo Bechara (2009, p. 217) “acentua o conjunto da ação e a assinala expressamente como parcializante”, ou seja, um momento entre vir a fazer e prosseguir fazendo. É o momento presente, uma ação continuada que se verifica na construção. Ao incluir conseguindo, há uma acentuação da globalidade, pois o efeito torna-se mais enfático, exatamente o que inquire o enunciado. Nessa questão, fica clara a preocupação da banca/órgão em verificar as competências do candidato em interpretação textual que, pela leitura apurada do trecho, inferiria da locução verbal as características mencionadas e a maior ênfase pela inserção do gerúndio do verbo conseguir; tudo isso, sem precisar realmente cumprir toda a análise técnica acima. Pela ativação de suas habilidades leitoras, o candidato marcaria a questão como correta. CESPE/STM/2004/Técnico Judiciário 1 4 7 10 É comum ouvir que o Brasil é um país onde há leis que pegam e leis que não pegam, como se isso fosse uma originalidade brasileira como a jabuticaba. É uma injustiça. Há muitos países que sofrem com o mesmo problema. As leis, principalmente as que interferem na vida cotidiana dos cidadãos, requerem uma sintonia fina entre vários componentes: aparato policial, comportamento coletivo, grau de escolaridade etc. Do contrário, elas tendem a não sair do papel. No Brasil, existe muita lei que não pega por falta dessa sintonia. Ou não há polícia suficiente para fazê-la ser cumprida. Ou a lei destoa fortemente de arraigados hábitos coletivos. E assim por diante. André Petry. Adultério e a desonesta. In: Veja, 22/9/2004, p. 93 (com adaptações). 31 Em aspectos constitucionais de um texto, um recurso amplamente utilizado é o da hiperonímia, no qual o hiperônimo “são nomes que têm o valor semântico de categorizar, isto é, de reunir, numa classe, itens diferentes, sob o enfoque de algum traço comum entre eles”. (ANTUNES, 2010, p. 129). Na questão, país é o hiperônimo e Brasil o hipônimo, por se encaixar perfeitamente no campo semântico mais amplo do primeiro léxico. 75 Julgue os seguintes itens, a respeito das ideias e das estruturas linguísticas do texto acima. 1 O desenvolvimento do texto apresenta como deve ser entendido o significado do verbo ―pegam‖ (L.2) a respeito de algumas leis: sair do papel. 3 A oração ―É uma injustiça‖ (L.3) classifica qualquer opinião que restrinja o Brasil às suas características agrícolas, ou a um simples cultivador de jabuticabas. 4 A expressão ―o mesmo problema‖ (L.4) retoma a ideia introduzida pela expressão ―É comum ouvir‖ (L.1) e mostra que em outros países também são ditas muitas coisas que não correspondem à verdade. 5 Por se tratar de uma situação que o texto deixa claramente hipotética, a substituição do modo indicativo no verbo ―interferem‖ (L.5)pelo subjuntivo interferissem preservaria as relações de sentido e a correção gramatical do texto. Bem elaborada, a afirmação “3” é um exemplo do uso da concordância verbal em seu aspecto discursivo. Além de querer levar o candidato a inferir algo que não está no texto, leva-o a uma leitura mais apurada, de forma a perceber, por meio das palavras explícitas e a ideologia que transmitem, ao que se refere à expressão é uma injustiça. Para a resolução da questão, deve-se ir além da procura do sujeito que concorde com a oração destacada e verificar que toda a ideia contida, antes dela, lhe corresponde. Ou seja, o fato de se achar que o Brasil, assim como é o país de onde provém a jabuticaba, teria sido, também, o responsável pela concepção de que existem leis que “pegam” e leis que “não pegam”, seria uma injustiça. Logo, o item está incorreto. O item “4” segue a mesma linha de raciocínio do anterior, mas o faz pelo caminho contrário: retoma o trecho – o mesmo problema – a que se relaciona todo o trecho que se inicia por é comum ouvir, para depois apresentar a ideia que em outros países também são ditas coisas que não são verdadeiras. Item correto. Já na assertiva “5”, a mudança da concordância de interferem por interferissem, além de não preservar as relações de sentido e a correção gramatical do texto – seria preciso mudar os demais verbos do texto, pois o modo subjuntivo é que daria caráter hipotético às ideias do trecho, e não o modo indicativo pois, conforme afirma Bechara (2009, p. 275), o modo indicativo é aquele que encerra “um fato real ou tido como real”. CESPE/MPU/1999/Assistente Administrativo Tributos e políticas de emprego É claro que a maneira mais eficaz de combater o desemprego seria ampliar diretamente a atividade econômica. O desemprego cairia rapidamente se pudéssemos aumentar os gastos do governo, reduzir a taxa de juros, ampliar o crédito, e assim por diante. 76 Mas essa não é a única maneira de enfrentar o problema. É possível manter e até mesmo ampliar o emprego com outro tipo de políticas: as que focalizam o lado da oferta. Por exemplo, a diminuição dos custos de produção dos bens de serviços. Com menores custos de produção dos bens e serviços. Com menores custos, os preços caem - e os consumidores ganham um forte incentivo para comprar. Resultado: a demanda aumenta, induzida pelo lado da oferta. (Hélio Zvlberstain, Folha de S. Paulo, 12/3/99 – com adaptações.). 10 Assinale a opção correta a respeito do uso dos tempos e modos verbais no texto. a) Ao substituir a forma de presente em ―É‖ (l. 1) por Era, será obrigatório que todos os demais verbos do texto sejam usados no pretérito. b) Por causa do emprego da pessoa verbal de ―pudéssemos‖ (l. 4), a forma verbal ―ampliar‖ (l. 2)admite ser substituída por ampliarmos. c) Mantém–se a correção gramatical com a substituição da expressão ―É possível manter‖ (l. 8) por Se mantêssemos. d) Mantém-se a correção gramatical com a substituição da oração ―Com menores custos, os preços caem‖ (ls.13-14) por Se os custos fossem menores, os preços caem. e) Mantém-se a mesma relação semântica com a substituição de ―induzida (l.16) por induzido. Todos os itens levam o candidato a retornar ao texto e verificar, in loco, se as alterações gramaticais propostas, consequentemente, levam a outras. O item “A” indaga sobre a necessidade de se alterarem todos os verbos do texto, caso o verbo É, que abre a dissertação, fosse flexionado no pretérito imperfeito do indicativo: Era. Numa primeira tentativa, o candidato já perceberia que, a partir do verbo combater, o experimento estaria frustrado. Os vários verbos conjugados no futuro do pretérito também impediriam a flexão, por se referirem “a fatos dependentes de certa condição” (BECHARA, 2009, p. 223). Item incorreto. Paralelismo sintático e concordância verbal: essas duas regras explicam a veracidade do item “B”. O paralelismo corresponde às escolhas verbais do texto: como o verbo poder está conjugado em primeira pessoa do plural do modo subjuntivo – pudéssemos -, todos os demais, da sequência inserida no mesmo parágrafo, também poderiam ser conjugados da mesma forma: “O desemprego cairia rapidamente se pudéssemos aumentar os gastos do governo, reduzirmos a taxa de juros, ampliarmos o crédito (...)”. A concordância verbal torna possível a alteração pelo fato de retomarem o mesmo sujeito gramatical, ou seja, por permitirem a retomada dos mesmos morfemas de número e pessoa, no caso, a primeira pessoa do plural. Estes sujeitos gramaticais, quando necessários ao melhor conhecimento da mensagem veiculada no texto, podem ser explicitados por formas léxicas que guardam com os sujeitos gramaticais a relação gramatical de concordância 77 em número e pessoa. (...) em brincamos, o sujeito gramatical “1ª pessoa do plural” está indicado pelo morfema –mos (...) (BECHARA, 2009, p. 409) (Grifos no original). A correção gramatical viria por terra, caso houvesse a substituição proposta no item “C”. A conjugação correta do verbo manter no modo subjuntivo é se mantivéssemos. Item errado. Mais uma vez, o paralelismo sintático e a concordância verbal explicam a afirmação, porém, agora, equivocada: o modo subjuntivo, aplicado ao primeiro verbo da oração, exige que o segundo vá para o condicional. Logo, a forma correta é: Se os custos fossem menores, os preços cairiam. No item “D”, a substituição de induzida por induzido não levaria à manutenção da mesma relação semântica, mas ao equívoco de se “desconcordar” o verbo com o sujeito demanda. CESPE/Soldado/PMDF/2009 1 O fato de existir a necessidade de viver em sociedade tem consequências muito sérias. Uma delas é que os problemas de cada pessoa devem ser 4 resolvidos sem que sejam esquecidos os interesses dos demais integrantes da mesma sociedade. Assim, não se pode admitir como regra que, para resolver qualquer 7 dificuldade de um indivíduo, ou para atender aos interesses de um só, todos os demais devam sofrer prejuízos ou arcar com sacrifícios. Todo indivíduo tem 10 direito à proteção de sua liberdade, de sua integridade física e de outros bens que são necessários para que uma pessoa não seja rebaixada de sua natureza humana. 13 Mas, também em relação a esses direitos e valores, é preciso ter em conta que todos são iguais, devendo merecer a mesma proteção. Dalmo de Abreu Dallari. O que é participação política, p. 18-9 (com adaptações). Julgue os seguintes itens, a respeito das estruturas linguísticas e da organização das ideias do texto acima. 78 4 - Mantém-se o texto coerente e gramaticalmente correto ao se substituir ―que uma pessoa não seja‖ (L.11-12) por uma pessoa não ser. 7 - Nas linhas 14 e 15, a oração iniciada pelo gerúndio ―devendo‖, uma vez que se adiciona à oração anterior ―que todos são iguais‖ e complementa a expressão ―ter em conta‖, admite ser reescrita da seguinte forma, retirando-se a vírgula após ―iguais‖: e devem merecer a mesma proteção. No item “4”, a mudança proposta, que altera levemente a concordância verbal, não traz maiores mudanças ao texto, a não ser, gramaticalmente, no complemento do substantivo necessidade. Para chegar a essa conclusão, o candidato deve analisar a concordância verbal em sua conceituação semântica, no qual “o verbo expressa os estados de coisas, ou seja, as ações, os estados e os eventos de que precisamos dar conta quando falamos ou escrevemos” (CASTILHO, 2010, p. 396). Para o item seguinte – 7 – a verificação deverá se dar na análise discursiva da concordância verbal. Assim, o candidato, verificando que a alteração sugerida ainda mantém e qualifica o mesmo sujeito – todos – , “via processo de predicação” (CASTILHO, 2010, p. 396), perceberá que o verbo devem concorda com ele e manterá a verdade da afirmação. 3.4 RESULTADOS Apesar de ambas as bancas apresentarem questões com funcionais, pretextuais e estruturalistas, percebe-se que aquelas de caráter puramente estruturalistas estão restritas às provas dos anos 1990 e mais constantes nas provas da ESAF. A pergunta pura sobre estrutura, nomenclatura, conjugação dissociada do texto em que figuram, em sua maioria, adstritas a anos anteriores de 2000. Ainda assim, mesmo nessas provas, foram percebidas algumas questões de cunho funcional – não sobre concordância verbal – que constituíram minoria no corpo das avaliações, e mais presentes em provas do Cespe. A partir dos anos 2000 – ano do lançamento dos PCN. Percebe-se sutil mudança no perfil das provas de LP das duas bancas examinadoras: as provas apresentam mais textos e as questões associadas a eles buscam integrá-los nas análises a que se propõem. Contudo, como demonstra a análise das questões que envolvem concordância verbal, os examinadores continuam pecando pela apresentação de itens que simplesmente dispensam a leitura do texto, ou só o utilizam este pretexto para alguma finalidade cuja verificação servirá apenas à resposta e não à análise do texto e demonstração de competência leitora por parte do candidato. 79 As provas aplicadas nos anos finais da última década, e início desta, apresentam muito mais itens funcionalistas, avaliando eficazmente as competências e as habilidades em leitura para a compreensão e acerto daquilo que a questão está pedindo. O candidato é convidado à leitura aprofundada do texto, examinando seus constituintes em todos os níveis – desde os lexicais às inferências –, a fim de se perceber a resposta adequada, sem memorização: nesse caso, usa-se a lógica cuja apreensão deveria ter sido ensinada na escola, conforme as instruções contidas nos PCN. Apesar da visível evolução percebida nas avaliações das duas bancas, as questões pretextuais ainda perduram, pautando-se na estrutura. Dessa forma, as examinadoras deixam de lado o fim essencial que deveria ser averiguado em suas provas: a real proficiência dos candidatos em LP, como usuários que sabem utilizar sua língua. Nesse ínterim, a ESAF foi uma grata surpresa. Conhecida por valorizar questões do tipo estruturalista, conforme visto na análise, suas provas mais atuais apresentam muitas questões de cunho funcional. Claro que as questões pretextuais e estruturais ainda estão presentes, mas em número muito reduzido. Como mencionado antes, essa condição não é a ideal, mas a visão de que pessoas cultas sabem explicar, em termos técnicos, o porquê de um sujeito composto ter de concordar com seu verbo em número, mesmo que essa mesma pessoa conseguisse inferir isso pelo simples uso que faz da língua, ainda figura como demonstração de prestígio e destaque. Logo, na lógica das bancas e dos órgãos que as contratam, questões que demonstrem esse tipo de conhecimento são importantes, ainda. O Cespe, desde anos anteriores à publicação dos PCN, já tinha preocupação em escolher questões mais funcionais em suas avaliações. Com os anos, a tendência apenas se confirmou e, com isso, o nível de suas provas também. O que não passa despercebido a nenhum órgão ou aos “concurseiros” que enfrentam suas provas. No entanto, novamente, mesmo que em escala muito pequena, as questões estruturais estão lá, escondidas, mas sendo avaliadas, cujo erro pode anular uma questão correta, quiçá mais funcional... A conjuntura atual, principalmente em LP, que ainda premia a memorização de regras e reforça a falácia de que “o brasileiro não sabe falar sua língua materna”, autoriza a produção de provas que visam a ter, nos quadros do serviço público, aqueles que conseguem memorizar mais conteúdo. No entanto, um avanço está sendo feito: as mais modernas percepções linguísticas estão sendo difundidas nos meios acadêmicos, escolares, governamentais e legais. Nos concursos, já estão presentes e a tendência, conforme foi percebido nas provas analisadas, é de sempre aumentar até serem completamente funcionais, como uma prova do Enem. 80 81 CONCLUSÃO A língua é um produto da atividade humana. Não há língua sem interação e a interação se dá por meio de textos. E é essa visão que deveria permear todo o ensino de Língua Portuguesa nas escolas brasileiras. Ciente disso, o Ministério da Educação, num esforço conjunto com linguistas, gramáticos, professores elaborou os Parâmetros Curriculares Nacionais como um guia a ser observado pelas escolas públicas do país. Com as mais modernas abordagens acerca do fenômeno linguístico, o documento propõe o desenvolvimento de série de competências e habilidades, que vão sendo aprimoradas a cada ano escolar. Assim, ao cumprirem a última etapa, o Ensino Médio, espera-se que os alunos tenham as aptidões e as capacidades suficientes para, caso escolham, ingressar na vida acadêmica, seguir carreira na iniciativa privada ou tentar lograr um cargo público. Assim, cada uma dessas escolhas dos egressos do Ensino Médio virá por meio da realização de avaliações, de provas nas quais a Língua Portuguesa sempre figurará com destaque. E nessas avaliações pode ser demonstrada a importância da visão de língua que lhe foi repassada em sala de aula: se tudo o que foi ensinado será apenas para a demonstração da sua capacidade em decorar nomenclaturas e regras; ou se utilizará seus conhecimentos em situações reais. Caso escolha por seguir a carreira pública, isso será imprescindível. Com o presente trabalho, por meio da análise de questões sobre concordância verbal em provas de concursos públicos das bancas Cespe e ESAF, verificou-se que a visão funcional da língua proposta pelos PCN para os conteúdos de Língua Portuguesa está sendo aplicada em provas de certames públicos. Contudo, as examinadoras ainda inserem número significativo de avaliações estruturais ou que utilizam o texto apenas como pretexto. Os concursos buscam, de forma democrática, os mais qualificados a exercerem os cargos públicos essenciais às funções estatais. Nessa busca, na elaboração dos certames para tal fim, acabou-se deixando em segundo plano as reais competências, a preocupação com o encaixe do servidor às atividades que serão desempenhadas no dia a dia. Em vagas voltadas para egressos do Ensino Médio, em cujas atividades o uso da LP é constante, a própria avaliação classificatória já é capaz de demonstrar se as competências e as habilidades do candidato encaixam-se nas atribuições elencadas. É importante que os órgãos/entidades públicas, ao escolherem as bancas que realizarão os pleitos para a eleição de seus quadros de servidores, façam-no com indicações da importância de, além de perceber a capacidade de retenção de conteúdos pelos candidatos, que as provas podem, como o meio utilizado para a primeira percepção das qualificações do 82 candidato, aprofundar, desde a avaliação, a análise de todas as facetas do aspirante ajudará, órgão/entidade e candidato a cumprirem melhor suas atribuições públicas. As ideias advindas deste trabalho já preparam terreno para uma próxima pesquisa: investigar como os servidores públicos lidam, no dia a dia, com a língua portuguesa. Será que a avaliação pela qual eles passaram representa, ainda que parcialmente, a complexidade de gêneros textuais com a qual ele se depara diariamente? A partir da resposta a essa pergunta, será elaborado curso de formação que aborde LP sob um viés funcionalista. E, obviamente, concordância verbal não ficará de fora das discussões! 83 REFERÊNCIAS ABRÃO, Carlos Eduardo S.. Da nacionalidade. In: MACHADO, Costa; FERRAZ, Anna Candida da Cunha (orgs). Constituição Federal interpretada. Artigo por artigo. Parágrafo por parágrafo. 4. ed. São Paulo: Manole, 2013. ANTUNES, Irandé. Análise de textos. Fundamentos e práticas. São Paulo: Parábola Editorial, 2010. ________. Aula de Português: encontro e interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. ARREDONDO, Santiago Castillo; DIAGO, Jesús Cabrerizo. 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