CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA – UNICEUB
FACULDADE DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO E SAÚDE - FACES
CURSO DE LETRAS
Kênia Bispo Pinheiro
CONCORDÂNCIA VERBAL EM QUESTÕES DE NÍVEL MÉDIO DE CONCURSOS
PÚBLICOS: MECANISMO LINGUÍSTICO DO TEXTO OU SIMPLES
MEMORIZAÇÃO DE REGRAS?
BRASÍLIA
2013
CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA – UNICEUB
Faculdade de Ciências da Educação e Saúde
CURSO DE LETRAS
Kênia Bispo Pinheiro
CONCORDÂNCIA VERBAL EM QUESTÕES DE NÍVEL MÉDIO DE CONCURSOS
PÚBLICOS: MECANISMO LINGUÍSTICO DO TEXTO OU SIMPLES
MEMORIZAÇÃO DE REGRAS?
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
como requisito parcial para obtenção do título
de Licenciatura do Curso de Letras, da
Faculdade de Ciências da Educação e Saúde
- FACES , do Centro Universitário de Brasília
– UniCEUB.
Orientador: Prof. Msc. Tiago de Aguiar
Rodrigues
BRASÍLIA
2013
CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA – UNICEUB
Faculdade de Ciências da Educação e Saúde
CURSO DE LETRAS
Kênia Bispo Pinheiro
CONCORDÂNCIA VERBAL EM QUESTÕES DE NÍVEL MÉDIO DE CONCURSOS
PÚBLICOS: MECANISMO LINGUÍSTICO DO TEXTO OU SIMPLES
MEMORIZAÇÃO DE REGRAS?
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
como requisito parcial para obtenção do título
de Licenciatura do Curso de Letras, da
Faculdade de Ciências da Educação e Saúde
- FACES , do Centro Universitário de Brasília
– UniCEUB.
Orientador: Prof. Msc. Tiago de Aguiar
Rodrigues
______________________________________________
Professor:
______________________________________________
Professor:
Brasília, 14 de novembro de 2013
Dedico este trabalho à minha avó paterna (in
memorian). Ao meu marido: meu sol e estrelas. Ao meu
pai, cujo lema sempre foi: estude! À minha mãe que
sempre fez, e faz, de tudo pelas filhas. E à minha irmã que,
para mim, sempre foi a personificação da frase: quero ser
como você, quando eu crescer...
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela saúde, força, foco e inteligência.
A todos os professores com quem tive o prazer de aprender nesses 3 anos de curso de
Letras. Em especial, ao professor Amauri Rodrigues, à professora Ana Luiza Montalvão e ao
professor Paulo Medeiros: exemplos que levarei por toda a minha vida acadêmica.
Aos meus colegas de classe, pelo apoio, pela repartição de atividades e pelas risadas.
Ao meu orientador, Tiago de Aguiar Rodrigues, pelas intervenções tão precisas e
pacientes.
RESUMO
Este trabalho busca verificar, mediante a análise de questões que envolvam o conteúdo
“concordância verbal”, se a visão funcional da língua proposta pelos PCN (BRASIL, 2000)
para o Ensino Médio está sendo aplicada em provas de concursos públicos que exijam este
grau de instrução. Para tal fim, são apontadas as implicações, no ensino, das concepções
funcionalista e formalista na visão de língua, bem como o desdobramento de uma ou outra
concepção na abordagem do conteúdo “concordância verbal”. Após a discussão acerca das
provas nas quais as questões estão inseridas, suas características e modo como se apresentam,
é feita uma introdução sobre a importância dos concursos públicos no país, a apresentação das
bancas CESPE e ESAF, como aquelas de maior destaque no ramo de elaboração de provas de
certames públicos e, finalmente, é realizada a análise qualitativa de 24 questões de ambas as
bancas, sob o enfoque do item gramatical concordância verbal, para aferir a predominância de
uma ou outra concepção linguística em cada banca. Como parâmetro, é feita a análise de uma
questão do Enem, que apresenta todas as características funcionais solicitadas pelos PCN,
como parâmetro às demais.
Palavras-chave: Língua Portuguesa. Funcionalismo. Estruturalismo. Concordância verbal.
Enem. Concursos públicos.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Novo paradigma da conjugação verbal no Português Brasileiro .... Erro! Indicador
não definido.3
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Dimensões verbais ................................................................................................. 24
Quadro 2 - Matriz de referência de Língua Portuguesa da Prova Brasil..................................36
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
0.1. PALAVRAS INICIAIS
11
11
0.2. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
13
0.3. OBJETIVO GERAL E ESPECÍFICO
14
1 AS VISÕES FORMALISTAS E FUNCIONALISTAS: DIFERENTES
CONCEPÇÕES, DIFERENTES PRÁTICAS
16
1.1 A VISÃO DE LÍNGUA SEGUNDO AS DIFERENTES CORRENTES LINGUÍSTICAS
17
1.1.1 A visão Formalista
17
1.1.2 A visão Funcionalista
18
1.2 OS CONTEÚDOS DE LÍNGUA PORTUGUESA
20
1.2.1O que deve ser contemplado no ensino de LP
20
1.2.2 A concordância verbal
23
2 ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO MÉDIO E AS AVALIAÇÕES
COMO FORMA DE SISTEMATIZAR ESSE ENSINO
2.1 OS PROCEDIMENTOS DE AVALIAÇÃO
2.1.1 A forma de apresentação dos documentos de avaliação
26
29
32
2.2 AS PROVAS DO ENEM
33
2.3 AS PROVAS DE CONCURSO PÚBLICO
37
3 CONCORDÂNCIA VERBAL NAS QUESTÕES DE CONCURSO: MECANISMO DE
ORGANIZAÇÃO TEXTUAL OU DECOREBA?
40
3.1 CONSTITUIÇÃO DO CORPUS DE PESQUISA
42
3.2 O UNIVERSO DOS CONCURSOS PÚBLICOS
43
3.2.1 A ESAF
44
3.2.2 O Cespe
45
3.3 AS QUESTÕES
46
3.3.1 Questão do ENEM
47
3.3.2 As questões de concursos
49
3.3.2.1. Questões da ESAF
50
3.3.2.1.1 Estruturalistas
51
3.3.2.1.2 Pretextuais
55
3.3.2.1.3 Funcionalistas
3.3.2.2. Questões do Cespe
59
63
3.3.2.2.1 Estruturalistas
63
3.3.2.2.2 Pretextuais
68
3.3.2.2.3 Funcionalistas
72
3.4 RESULTADOS
77
CONCLUSÃO
80
REFERÊNCIAS
82
ANEXOS - QUESTÕES DE PROVAS UTILIZADAS NAS ANÁLISES
87
11
INTRODUÇÃO
0.1.
PALAVRAS INICIAIS
No ano 2000, foram publicados, após décadas de debates, críticas e verificações, os
Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, o que resultou em uma revolução na forma como
as disciplinas deveriam ser abordadas com alunos nas escolas públicas do país. Em relação ao
ensino de Língua Portuguesa – LP, uma estética diferente, mas já evidenciada em anos de
estudos pelo mundo afora, moldaram um documento voltado não só para a percepção do
fenômeno linguístico estudado pelo ponto de vista de sua estrutura, como vinha sendo feito
nas escolas desde sempre, mas a partir do seu todo, como instrumento comunicação,
interação, identidade, cultura humanas.
Sob o subtítulo de Linguagens Códigos e suas Tecnologias, Brasil (2000, p. 5), para o
ensino de LP, consideram a linguagem – aí incluída a língua – como “a capacidade humana de
articular significados coletivos e compartilhá-los (...), [variando] de acordo com as
necessidades e a vida em sociedade”.
Para o fim a que se propõe o Ensino Médio, busca-se que os alunos egressos
construam um arcabouço de competências e habilidades que serão verdadeiramente aplicadas
em suas vidas na construção do futuro que escolherem: continuação dos estudos, emprego na
inciativa privada ou ingresso nos quadros da administração pública.
O serviço público representa, no Brasil, uma forma digna de participar da
administração do país, sendo que o ingresso se dá por meio de avaliações que visam a
resguardar o caráter democrático que o processo exige. Ora, os cidadãos aptos a pleitearem a
vaga são aqueles que foram assim formados pelas escolas do país, escolas que seguem (ou
deveriam seguir) os currículos propostos nos PCN.
Percebe-se a importância do conhecimento e da proficiência em LP, como vernáculo
de observação obrigatória em todo o território nacional, pelas pessoas que serão consideradas
habilitadas pelos órgão/entidades da administração para o serviço público. A forma como os
conteúdos de LP é apresentada aos alunos, no Ensino Médio, pode definir uma melhor
aplicação dos conhecimentos desses servidores no cotidiano do serviço, gerando melhores
resultados ao bem comum.
12
Sob a temática de Língua Portuguesa e Concursos Públicos, tendo como item
gramatical a ser verificado a concordância verbal, o seguinte trabalho foi elaborado
objetivando responder ao seguinte questionamento:
A visão funcional da língua proposta pelos PCN para os conteúdos de Língua
Portuguesa está sendo aplicada em provas de certames públicos?
O que motivou a escolha do tema? Filha de servidor público, a realidade dos
concursos sempre fez parte da vida da formanda. Em casa, desde o ensino médio – 1994 a
1996 –, editais de seleções já eram entregues para a tentativa de ingresso num cargo.
Dessa forma, a aluna tornou-se uma “concurseira” contumaz, com longo histórico de
estudos e realização de provas em pleitos que exigiam formação em nível médio e superior.
A prova de Língua Portuguesa sempre foi ponto de destaque nos estudos: apaixonada
pela disciplina, algo que sempre incomodou nas avaliações era o fato de a LP ser tratada
simplesmente como algo mecânico e estanque, praticamente sem vinculação à realidade.
Ao tomar posse em cargos que logrou aprovação, a formanda deparou-se com
situações reais do uso de língua que exigiam conhecimentos muito maiores, muito mais
profundos do que a simples memorização de regras cobradas nas questões de concurso. E, ao
entrar em contato com o universo dos PCN, já na faculdade de Letras, foi percebido que o
abismo entre aquilo que deveria ser ensinado na escola e o que era verificado nas provas era
ainda maior!
Nota-se, ainda, que muitos candidatos a cargos na administração pública citam a prova
de Língua Portuguesa como um dos pontos de maior dificuldade para lograr sucesso na
realização de qualquer pleito.
Assim, como futura professora de LP, licenciada a ensinar alunos dos 3º e 4º ciclos do
Ensino Fundamental e alunos do Ensino Médio, foi despertada curiosidade em verificar a
forma como os certames públicos vêm encarando as questões de LP em suas seleções: se
estão propondo uma visão mais funcionalista de língua – contextualizada, aplicada ao uso,
desenvolvedora de competências e construtora de habilidades – conforme proposto pelo
Ministério da Educação por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais; ou se continuam a
insistir em questões que se preocupam apenas com a estrutura da língua, com a pura aplicação
de regras, um fim em si mesmo.
Para a demonstração do exposto, um assunto de suma importância para os estudos de
língua portuguesa e que é, ao mesmo tempo, objeto recorrente nas provas de concurso, foi
13
escolhido: a concordância verbal. Ora, será que as bancas têm essa preocupação: “Vamos
cobrar concordância verbal nas provas porque, se o candidato souber os mecanismos
morfossintáticos, semânticos e discursivos que estão por trás dela, mostrará ser capaz de
compreender e produzir textos com proficiência”? Ou colocam em suas provas concordância
só porque “é um tema difícil, cheio de peguinhas”?
0.2.
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
No capítulo 1, destaca-se que as concepções funcionalista e formalista influenciam
diretamente nos objetos e atividades de ensino e, consequentemente, na forma como se
enxerga a Língua Portuguesa. Na sequência, faz-se uma breve leitura dessas concepções e
como elas influenciaram na criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Médio. Por fim, apresentamos como o conteúdo concordância verbal – o qual possui uma
importância inquestionável para os estudos de língua e é cobrado com frequência em certames
– poderia ser trabalhado em uma e outra concepção e discute-se de que maneira o enfoque
escolhido interfere nas questões de concurso.
No capítulo 2, a discussão adentra o universo das avaliações, consideradas tanto como
meio eficiente de verificar e melhorar a qualidade do ensino, quanto como forma de
selecionar candidatos mais bem preparados em certames públicos. Assim, discute-se em um
primeiro momento como se organizam os documentos de avaliação; em seguida, os
procedimentos; e, finalmente, são introduzidas as características das provas cujas questões
serão o objeto de verificação neste trabalho: o ENEM e as provas dos concursos públicos.
No capítulo 3, é feita a análise dos dados. Num primeiro momento, apresenta-se o
corpus da pesquisa. Na sequência, destaca-se a importância do concurso público para a
sociedade brasileira e tecemos breves comentários sobre as bancas Cespe e ESAF, cujas
questões são objeto de análise. Por fim, procede-se à análise das questões de LP sobre
concordância verbal e são apresentados os resultados dessa análise. Uma questão da prova do
Exame Nacional do Ensino Médio – Enem – foi escolhida para exemplificar como uma
questão de Língua Portuguesa em que se podem trabalhar diversas habilidades e
competências. Finalmente, é realizada a análise em provas das bancas Esaf e CESPE.
14
0.3.
Objetivo geral e específico
Os resultados percebidos na análise buscaram responder ao objetivo geral da pesquisa
que consiste em:
verificar se a visão funcional da língua proposta pelos PCN para os conteúdos de
Língua Portuguesa no Ensino Médio está sendo aplicada em provas de nível médio de
certames públicos.
E aos seguintes objetivos específicos:
 Compreender o currículo de Língua Portuguesa constante nos Parâmetros
Curriculares Nacionais – PCN – para o Ensino Médio, avultando as
competências e habilidades que são esperadas dos egressos desse nível.
 Elucidar a dinâmica dos concursos públicos no Brasil, destacando a sua
importância
para
Administrativo
os
princípios
Brasileiro
–
constitucionais
legalidade,
inerentes
impessoalidade,
ao
Direito
moralidade,
publicidade e eficiência.
 Explicar as habilidades e as competências que o ENEM e as bancas ESAF –
Escola de Administração Fazendária; e CESPE – Centro de Seleção e
Promoção de Eventos da Universidade de Brasília procuram aferir nas provas
de Língua Portuguesa dos candidatos para cargos de nível médio.
 Examinar questões de LP sobre concordância verbal em provas aplicadas pelo
CESPE e pela ESAF, para cargos de nível médio, comparando-as às
competências e às habilidades exigidas pelos PCN.
Como fundamentação teórica, o Manual de linguística, organizado por Mário
Eduardo Martelotta et alii (2010), forneceu embasamento para a fundamentação das duas
visões sobre a linguagem – funcional e estrutural – e nas consequências de cada escolha para
o ensino.
O livro organizado por de Silvia Rodrigues Vieira e Silvia Figueiredo Brandão (2011),
da professora Irandé Antunes (2010) e (2011), foram essenciais para toda a construção do
raciocínio sobre como o professor deve ministrar suas aulas. Além disso, essas obras deram
15
todo o norte para que a coadunação da ideologia impressa nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (2000), regulamentados pela Lei de Diretrizes da Educação (1996), pudesse ser
explicada em seu uso prático.
Como aporte básico à elucidação das questões gramaticais, os manuais de: Evanildo
Bechara (2009); Celso Cunha (2008); José Carlos de Azeredo; e Bagno (2011), foram fontes
basilares de reflexão da gramática normativa e, ao mesmo tempo, da importância de se
considerar a gramática – e, consequentemente, concordância verbal – como um mecanismo
que está a serviço do uso, não refém a conjunto de regras estanques.
Sobre a evolução do processo de avaliação em ambiente escolar, Arredondo e Castilho
(2009) forneceram os elementos necessários para compreender a evolução histórica do
modelo adotado até hoje. Salinas (2004) demonstrou a forma de elaboração dos documentos
para avaliação.
Com relação aos concursos públicos, doutrinários em Direito Administrativo foram
pesquisados, como Carvalho Filho (1997); Bruel (2010); Druziani (1996); e, como não
poderia faltar, o conceituadíssimo manual de Direito Administrativo Brasileiro (2001), de
Hely Lopes Meirelles.
Quanto à metodologia, o trabalho foi elaborado segundo o conceito de uma pesquisa
qualitativa na qual, conforme Minayo (1993, p. 244), realiza-se sob o contorno de uma
“abordagem dialética (...) [atuando] em nível dos significados e das estruturas, entendendo
estas últimas como ações humanas objetivadas e, logo, portadoras de significado”. O enfoque
qualitativo, continua a autora, “ao mesmo tempo, tenta conceber todas as etapas da
investigação e da análise como partes do processo social analisado e como sua consciência
crítica possível” (MINAYO, 1993, P. 244-245). A abordagem escolhida buscará esclarecer
sobre a estrutura das provas de Língua Portuguesa aplicadas por duas bancas de renome em
concursos públicos no Brasil.
O método e o procedimento eleitos englobaram análises teóricas, em uma abordagem
descritiva de material bibliográfico previamente escolhido, além da escolha das questões em
LP sobre concordância verbal em provas aplicadas, para cargos de nível médio, das bancas
Cespe e ESAF. O material documentado, bem como as respectivas análises, foi reunido no
presente estudo monográfico.
16
1
AS VISÕES FORMALISTAS E FUNCIONALISTAS: DIFERENTES
CONCEPÇÕES, DIFERENTES PRÁTICAS
As técnicas pedagógicas em Língua Portuguesa (LP) devem levar em conta a forma
como o professor enxerga as práticas de linguagem, pois as suas escolhas influenciarão
diretamente e, talvez, de forma definitiva, toda a relação do aluno com sua língua materna,
tanto nas suas relações quotidianas, quanto nas profissionais. Assim,
(...) há diversas e contrastivas, ou complementares, formas de pensar e
compreender o fenômeno linguístico, cada qual com sua validade e
contribuição para o maior conhecimento dessa entidade tão complexa. Ocorre
que, ao fazermos opção por uma dessas maneiras de tratamento, estamos
fazendo muito mais do que somente a eleição de uma perspectiva de
abordagem. Automaticamente estamos aderindo a determinadas práticas e
metodologias, a um aparato teórico específico e a objetos de análise mais ou
menos definidos (OLIVEIRA e WILSON, 2010, p. 236).
Neste capítulo, as duas visões de como abordar a linguagem – a formalista e a
funcionalista – são, nesta seção, brevemente abordadas. Na sequência, é discutido como a
opção por uma ou outra visão influencia consideravelmente o modo de o professor enxergar e
explicar o fenômeno linguístico, e, consequentemente, a aprendizagem em LP. Após essa
discussão, é apresentado o conceito de concordância verbal e são debatidos sobre os possíveis
resultados de uma abordagem mais estrutural ou mais funcional desse tema.
A aplicação dos enfoques estruturalistas ou funcionais, observados neste capítulo, será
objeto de verificação, em tópico posterior, em avaliações que poderão vir a ser realizadas
pelos alunos, dependendo de suas escolhas, após a conclusão do ensino médio: questões de
LP sobre concordância verbal no Exame Nacional do Ensino Médio – Enem e em provas
aplicadas pelas bancas Cespe e Esaf, para cargos de nível intermediário, por meio de
concursos públicos.
Antunes (2003) considera que o ensino de LP, desde os níveis fundamentais, ainda
revela a insistência de uma prática pedagógica de caráter reducionista do estudo da palavra e
da frase totalmente fora de qualquer contexto de uso.
Conforme preceituam Oliveira e Wilson (2010, p. 235-236),
o primeiro desafio a ser superado na abordagem do binômio
linguística/ensino é o de se chegar à resposta da seguinte pergunta: a partir de
que concepção de linguagem serão tratadas as questões linguísticas? Assim, a
verificação do quê, para quê e como será lecionada a matéria de Língua
Portuguesa deverá partir, portanto, da visão de Língua/Linguagem adotada
pelo docente.
17
1.1 A VISÃO DE LÍNGUA SEGUNDO AS DIFERENTES CORRENTES
LINGUÍSTICAS
Ao decidir se, em suas aulas, levará em conta, ou não, os aspectos extralinguísticos
que cercam o ato da fala e da produção de um texto, o professor está também fixando a forma
de apresentação dos conteúdos de aprendizagem. As seções seguintes discorrem sobre a visão
formal e a visão funcional que o docente pode adotar em suas aulas de LP, as consequências
de cada concepção para o ensino e seus reflexos futuros apresentados em pleitos avaliativos
que o aluno venha a fazer para ingresso em universidade federal ou concorrer a vaga no
serviço público.
1.1.1. A visão Formalista
A concepção formalista de linguagem enxerga a língua como um “um sistema virtual,
abstrato, apartado das influências das condições interacionais” (OLIVEIRA; WILSON, 2010,
p. 236). Cabe aos formalistas, portanto,
analisar a organização e o funcionamento dos seus elementos constituintes
[da língua] (...). Essa concepção de linguagem tem como consequência um
outro princípio do estruturalismo: o de que a língua deve ser estudada em si
mesma e por si mesma. É o que chamamos de estudo imanente da língua, o
que significa dizer que toda preocupação extralinguística precisa ser
abandonada (...) (COSTA, 2010, p. 114).
Oliveira e Wilson (2010, p. 236) enriquecem a discussão ao afirmarem que, para essa
perspectiva, quem, como, quando ou para que é feito o uso da língua não é importante à
análise. A atenção está totalmente focada na própria estrutura linguística, desvinculada de
todos os atos comunicativos que cercam sua produção e sua recepção.
Para o ensino, o desdobramento desse tipo de visão de língua, segundo Azeredo (2010,
p. 26), perpetua a tradição prescritiva, que analisa fragmentos de textos – frases, orações – de
forma descontextualizada, sem se preocupar com a sua inserção e o seu manuseio em
situações reais de uso, além de estigmatizar formas e construções que fogem à norma padrão
da LP como meros “erros gramaticais”. Assim, em nível escolar, a visão mais estrutural de
18
língua dirige o conteúdo 1 LP simplesmente à realização de exames para entrada em
universidades federais ou particulares, ou para a realização de concursos públicos. O ensino
torna-se aparentemente mero canal de ingresso para essa instituição, sem se preocupar tanto
com a formação do aluno para as práticas de linguagem que permeiam o cotidiano dele.
1.1.2. A visão Funcionalista
Já numa concepção mais funcional, a atividade do professor fica marcada pela
preocupação de trabalhar a LP focalizada na interação humana. Dessa forma, o ensino tornase dinâmico: o professor usa, em aula, a realidade trazida pelos alunos e, assim, contextualiza
as disciplinas a serem aplicadas. Conforme Cezario e Votre (2010, p. 142), numa abordagem
funcional, “a língua é [vista como] uma instituição social e, portanto, não pode ser estudada
como (...) estrutura autônoma, independente do contexto situacional, da cultura e da história
das pessoas que a utilizam como meio de comunicação”.
Respeitando as variações naturais que ocorrem em qualquer língua, a visão funcional
verifica os principais fatores que motivam a variante e se o grau de estabilidade de um
fenômeno indica se ele está em seu início ou se já completou sua trajetória. Sob tal visão,
qualquer variante da língua é válida, incluindo aquela considerada padrão, que, segundo
Cezario e Votre (2010, p. 145), “é ensinada na escola e valorizada pelos membros da
sociedade, tanto pelos que a dominam como pelos que gostariam de dominá-la, pois sabem da
sua importância para se adquirir prestígio”, e a não padrão.
Associando a visão funcional aos dispositivos que regem os conteúdos em LP no
Brasil, Antunes (2003, p.21) lembra que,
em relação aos PCN, não se pode deixar de reconhecer que as concepções
teóricas subjacentes ao documento já privilegiam a dimensão interacional e
discursiva da língua e definem o domínio dessa língua como uma das
condições para a plena participação do indivíduo em seu meio. Além disso,
estabelecem que os conteúdos de língua portuguesa devem se articular em
torno de dois eixos: o do uso da língua oral e escrita e o da reflexão acerca
desses usos. Nenhuma atenção é concedida aos conteúdos gramaticais, na
forma e na sequência tradicional das classes de palavras, tal como aparecia
nos programas de ensino de antes.
1
Segundo Brasil (2000, a definição de “conteúdo” não se coaduna à ideia de algo estanque, sincrônico, estático
no tempo. Engloba, sim, o conceito de interdisciplinaridade, de forma contextualizada histórica e
ideologicamente, visando ao desenvolvimento de competências e habilidades que serão realmente úteis aos
alunos em suas vidas após a conclusão do Ensino Médio.
19
Nesse sentido, Callou (2011, p. 27) sintetiza que
se qualquer falante já possui uma gramática internalizada – sistema de regras
e princípios fundamentais – ao ingressar na escola, ele deve desenvolver a
sua competência comunicativa de tal modo que possa “utilizar melhor” a sua
língua em todas as situações de fala e escrita (...). A aula de português seria
então um exercício contínuo de descrição e análise desse instrumento de
comunicação.
Na perspectiva funcional, o ensino da língua vai além do mero “certo ou errado”. Ao
promover o “melhor uso”, Callou (2011, p. 28) ensina que o aluno deve saber fazer uso da
norma culta padrão e das demais variantes, coadunando cada estilo à situação linguística que
se apresente.
Ensinando de maneira interacionista, funcional e discursiva, conforme preceitua
Antunes (2003, p.42), o professor estará preparando e especializando os alunos no serviço da
comunicação entre sujeitos ativos, que têm plena capacidade para atuarem em qualquer papel
que a vida real lhes demande, produzindo seus próprios discursos, agindo como verdadeiros
cidadãos, pois aprendem a raciocinar sobre a estrutura de sua língua, os elementos, as
propriedades, os modos de uso, o estilo, as situações de interação, as variações e os diversos
gêneros que pode empregar. Azeredo (2010, p. 28) complementa que
a aptidão para a leitura de textos variados, com finalidade estritamente
informativa ou com objetivos profissionais, morais, estéticos, ou de lazer,
assim como a capacidade para conceber um texto adequado a seus fins – e
portanto no gênero apropriado e pensadamente urdido nos aspectos
gramaticais e lexicais – fazem parte da formação plena de qualquer cidadão
pertencente a sociedades complexas, e são uma condição para o
desenvolvimento contínuo do potencial intelectual e cultural de qualquer
pessoa.
Além disso, ao mostrar ao aluno a riqueza de usos da linguagem, o ensino funcional
pode, teoricamente, preparar melhor o aluno para os desafios do mercado de trabalho,
incluindo a resolução de provas que lhe exijam demonstração de competências e habilidades
linguísticas voltadas a um fim (universidade ou concurso público), que, em tese, serão
verdadeiramente colocadas em prática ao ingressarem nas instituições pretendidas. Essa,
inclusive, é a perspectiva da pesquisadora: ensinar para o uso efetivo.
20
1.2 OS CONTEÚDOS DE LÍNGUA PORTUGUESA
Segundo Antunes (2003, p. 34), a atividade pedagógica, em sua complexidade, inserese em constante ciclo de previsão e avaliação de concepções – o que é linguagem e língua?;
objetivos – para quê, com que finalidade é ensinada; procedimentos – como se deve ensinar?;
e resultados – o que se tem conseguido? Todas essas indagações estão voltadas a uma resposta
conjunta e de grande significância: “conseguir ampliar as competências comunicativointeracionais dos alunos”.
1.2.1 O que deve ser contemplado no ensino de LP
Os PCNEM (2000) apresentam uma espécie de miniguia a ser observado pela escola e
corpo de professores na forma que os conteúdos de LP serão negociados com os alunos: o
primeiro critério é o do aprofundamento dos conteúdos e das competências apresentados nos
anos anteriores; o segundo trata dos núcleos rígidos que cada disciplina precisa apresentar, ao
mesmo tempo em que permitem certa interdisciplinaridade; o terceiro critério destaca a maior
importância da internalização, pelos alunos, dos conteúdos que de suas meras nomenclaturas;
e o quarto propõe a abertura da disciplina de LP a diferentes abordagens de conhecimento:
como a oralidade, a música, as artes plásticas, entre outras.
Dentre os temas estruturadores (PCNEM, 2000, p. 73), será dado destaque, neste
trabalho, ao ensino de gramática, com ênfase nas competências gerais de compreensão e uso
da LP como “língua materna, geradora de significação e integradora da organização do
mundo e da própria identidade” (...) sendo articulada “como fonte de legitimação de acordos e
condutas sociais (...) manifestas nas formas de sentir, pensar e agir na vida social”. Todo esse
conhecimento visa à revelação de habilidades específicas, nos alunos, como a capacidade de
distinção entre “gramática descritiva e normativa, a partir da adequação ou não a situações de
uso”, ou seja, ao conhecimento da norma padrão da Língua Portuguesa, no sentido de aplicála a contextos sociais que demandem a utilização das regras por ela estabelecida e, ao mesmo
tempo, respeitar todas as diferenças possíveis. Como bem explica Antunes (2003, p. 85),
21
a questão maior é discernir sobre o objeto do ensino: as regras (mais
precisamente: as regularidades) de como se usa a língua nos mais variados
gêneros de textos orais e escritos. (...) se as línguas existem para serem
faladas e escritas, as gramáticas existem para regular os usos adequados e
funcionais da fala e da escrita das línguas.
Mais uma vez, a percepção que o educador de LP tem da sua visão de
língua/linguagem vai definir os meios que escolherá para ministrar o conteúdo. Para isso, tem,
à sua disposição, preceitos gramaticais mais tradicionais ou conceitos mais científicos. A
preponderância de um ou outro aspecto determinará o contorno de como será tratada a norma
padrão da LP com os alunos.
O Brasil apresenta riquíssima gama de falares, variações dialetais que, em análise
verdadeiramente científica, deveriam situar cada variante como uma perspectiva de estudo em
condição de igualdade com qualquer uma de suas manifestações. Mas, como esclarece Bagno
(2011, p. 63), há uma “hierarquização social dos diferentes falares numa comunidade” e
nessa concepção, existem, sim, modos de falar melhores e piores, superiores
e inferiores – não por alguma característica gramatical, sistêmica, linguística
intrínseca que eles teriam (e que sabemos que não têm), mas pelos papéis
diferentes que são atribuídos a eles no jogo das sempre desiguais relações de
poder vigentes na sociedade.
Bechara (2009, p. 38) propõe que os falantes de dada língua têm à sua disposição
várias línguas funcionais: a norma padrão seria aquela “língua funcional que se sobrepõe às
demais” e a única que deve constar e ser ensinada em gramáticas e, por consequência, em
livros didáticos e preparatórios para os mais diversos exames. Assim,
como por exigência metodológica e de coerência interna só se pode descrever
uma realidade homogênea e unitária, é a língua funcional o objeto próprio da
descrição estrutural e funcional. Uma gramática como produto desta
descrição nunca é o espelho da língua histórica; é apenas a descrição de uma
das suas línguas funcionais. Por isso não há de exigir desta gramática o
registro de fatos que pertençam a línguas funcionais diferentes (BECHARA,
2009, p. 38-39).
Contra-argumentando, Bagno (2011, p. 984) destaca que a “norma padrão não é uma
variedade linguística”. Trata-se de uma convenção sociocultural, artificial, impositiva de
normas prescritivas, “atrelada a uma doutrina gramatical pré-científica, baseada nos
postulados dos gramáticos da antiguidade clássica” e, (...) “justamente por isso, ela não
corresponde em grande parte à intuição linguística dos falantes”. O autor considera, ainda, “a
diferença gritante que existe entre os usos das formas mais comuns do PB e os usos
exclusivos preconizados pela norma padrão tradicional” (ibid, 984).
22
Nesse sentido, Antunes (2003, p. 98) destaca que
é de grande importância que se procure caracterizar, de forma adequada, a
norma padrão como sendo a variedade socialmente prestigiada, mas não
como sendo a única forma “certa”. “Certo é aquilo que se diz na situação
“certa” à pessoa “certa”. (...) as normas estigmatizadas também têm o seu
valor, são contextualmente funcionais, não são aleatórias e nem significam
falta de inteligência de quem as usa.
Comungando da visão de Bagno (2011), Azeredo (2010, p. 27) encara “que a atividade
comunicativa por meio da palavra é sempre um acontecimento sociocultural”, seja na
interação face a face, à distância ou por meio da escrita. Logo, ele propõe ir além da
explicação do uso e da descrição apenas da norma padrão.
Pedagogicamente, conforme ressalta Antunes (2003, p. 96-98), a alternativa do
professor por um posicionamento funcional na escolha dos manuais que pautarão o seu ensino
deverá dar primazia àqueles que apresentem conceitos e normas gramaticais realmente
relevantes, úteis e aplicáveis na realidade de uso e funcionamento efetivo da língua; livros que
privilegiem a língua inserida em textos de diversos gêneros, adequados ou não à normapadrão; textos que sejam interessantes, desafiantes, desfazendo a ideia preconcebida de que
“aprender Português é difícil”; uma gramática, enfim que valorize a interação verbal, que fale
a “língua das pessoas”.
Conforme é debatido no Capítulo 2 deste trabalho, apesar de haver um currículo de
disciplinas que deverão ser apresentadas aos alunos no Ensino Médio, os Parâmetros
Curriculares Nacionais – PCN (2000) o fazem de forma propositiva, já que, ao professor, é
dada liberdade na maneira de como irá apresentar as disciplinas aos estudantes, respeitando o
projeto pedagógico da escola. Com essa decisão conjunta, escola e educadores deverão
elaborar planos de aulas que poderão ser voltados à simples resolução de questões de provas
ou para a preparação dos alunos para qualquer situação da vida.
23
1.2.2 A CONCORDÂNCIA VERBAL
“A palavra verbo é herança direta do latim verbum, „palavra‟”. Assim Bagno (2011,
pp. 508-9) define a classe de palavras que é “o núcleo de todo e qualquer enunciado
significativo, a tal ponto que a própria definição de sentença (ou oração) ser dependente da
existência de verbos”, (...) sendo “indispensável para a articulação e expressão do
conhecimento e da interação social”.
Sobre a concordância verbal, Cunha e Cintra (2008) a definem como “a solidariedade
entre verbo e sujeito, que ele faz viver no tempo, exterioriza-se na CONCORDÂNCIA, isto é,
na variabilidade do verbo para conformar-se ao número e à pessoa do sujeito” (Grifo no
original).
Conforme destacado na seção 1.1, ao trabalhar qualquer assunto relacionado à LP, o
educador tem, pelo menos, duas opções de como fazê-lo: uma mais estrutural; outra mais
funcional. No caso da concordância verbal, na perspectiva estruturalista, o professor costuma
se pautar na memorização de uma vasta lista de regras e “exceções” e, no máximo, admite os
novos paradigmas pronominais que influenciam diretamente na conjugação verbal do PB,
afinal,
o paradigma da conjugação verbal apresentado até hoje nas obras que seguem
a TGP2 não corresponde a absolutamente nenhuma das variedades linguísticas
reais do PB (...). É uma irracionalidade pedagógica continuar estampando um
quadro de conjugação que deixou de vigorar na língua há tantos séculos.
(BAGNO, 2011, p. 539).
Bagno (2011, p. 539) ilustra, na figura a seguir, a descrição dos paradigmas de
conjugação verbal do português brasileiro atual, conforme é realmente falado:
Figura 1 – Novo paradigma da conjugação verbal no Português Brasileiro
2
Tradição Gramatical do Português
24
Logo, se encarada sob a perspectiva estruturalista da linguagem, a definição de
concordância verbal vai se pautar eminentemente
na conformidade morfológica do verbo com o número e a pessoa do sujeito,
independentemente de ela ser produtiva ou não no uso geral da língua.
Interessa, a partir daí, estabelecer a regra de concordância e delimitar os usos
que fogem à regra geral (VIEIRA, 2011, p.94).
Apesar da importância da concepção estruturalista, por ser aquela que se coaduna às
regras da norma padrão do PB, ela apresenta limitações, como a ausência de uma análise mais
científica que justifique a imposição desses mesmos regulamentos, sem levar em conta os
aspectos sociais, históricos, sociológicos que cercam o fenômeno linguístico.
Sob um aspecto mais funcional, o verbo é estudado em perspectiva mais ampla,
levando em consideração suas dimensões sintático-semânticas (BAGNO, 2011, p. 509) e
discursivas (CASTILHO, 2010, p. 396). Assim, tem-se uma mostra mais real da forma de se
conceituar a concordância verbal.
DEFINIÇÃO DE VERBO
Morfossintática
Palavra que dispõe de um radical e de sufixos próprios (raiz+vogal temática) +
desinência modo-temporal + desinência número-pessoal: falássemos = fal- + -a +
-sse + -mos
Semântica
O verbo expressa os estados de coisas, ou seja, as ações, os estados e os eventos
de que precisamos dar conta quando falamos ou escrevemos.
Discursiva
Palavra (i) que introduz os participantes no texto, via processo de apresentação,
por exemplo; (ii) que os qualifica devidamente, via processo de predicação; (iii)
que concorre para a constituição dos gêneros discursivos, via alternância de
tempos e modos.
Quadro 1 – Dimensões verbais (CASTILHO, 2010, p. 396)
Encarado sob uma perspectiva mais funcional, o ensino de concordância verbal
suplanta a mera memorização das regras morfossintáticas – e suas exceções. Há, nessa
perspectiva, uma maior preocupação com os significados que os verbos apresentam dentro de
um texto que os insira num cenário, conforme seu aspecto discursivo.
Assim, ensinar o que é a concordância verbal (...) constitui uma das
oportunidades de construção de um raciocínio sobre a língua, com base em
um tópico gramatical que diz respeito a uma série de outros que se inserem
na interface Morfologia e Sintaxe (...). (VIEIRA, 2011, pp. 92-3).
25
Sob o aspecto funcional da linguagem, como ensinam Goldstein, Louzada e Ivamoto
(2009), a concordância verbal é um meio para a garantia da coerência textual, pois, além da
manutenção das vozes, modos e flexões verbais, também organiza as informações referentes
ao tempo. Assim,
há tempos que servem para narrar (pretéritos perfeito, imperfeito, mais
que perfeito e futuro do pretérito do indicativo) e tempos que servem para
comentar, criticar, apresentar reflexões (presente, futuro do presente,
pretérito perfeito simples e composto do indicativo). (...) Assim, a repetição
de um mesmo tempo verbal pode informar ao nosso leitor se estamos
narrando ou fazendo comentários, críticas, discussões; (...) quando mudamos
a sequência de tempos verbais que vínhamos repetindo, avisamos o leitor de
que vai ocorrer uma mudança ou de plano (...), ou de atitude comunicativa.
(GOLDSTEIN, LOUZADA e IVAMOTO, 2009, p. 173). (Grifos no
original).
A perspectiva funcional3 também considera que um olhar variacionista do PB deve ser
levado em conta no ensino de LP e, consequentemente, na análise do fenômeno da
concordância verbal. Uma das vantagens desse olhar, segundo Vieira (2011, p. 93), é a de
colocar o aluno em contato com a maior diversidade e tipos de gêneros textuais possíveis, de
qualquer variedade, modalidade e registro: de posse de tal conhecimento, o educando
desenvolverá suas capacidades leitora/discursiva/escrita e saberá fazer uso de qualquer
variante, em cada situação que se faça necessária, inclusive, obter maior domínio sobre a
norma padrão.
Com graus de adequação à maturidade do público-alvo, o professor de
Língua Portuguesa, a partir da aplicação das definições a um conjunto de
dados linguísticos, deve promover o conhecimento e a reflexão sobre a
concordância verbal inserida no sistema linguístico concretizado nas diversas
situações sociocomunicativas. (VIEIRA, 2011, p. 94).
Como será discutido no capítulo 3, espera-se, portanto, verificar se, em questões de
concursos sobre concordância verbal, as competências e habilidades esperadas pelos PCNEM
coadunam-se à visão de língua e ao conhecimento gramático exigidos pelas bancas. Conforme
Vieira (2011, p. 94), o conhecimento da estrutura da oração segundo noções básicas de
morfologia em LP, concatena três aspectos gramaticais, promovendo a compreensão das
funções sintáticas – sujeito e predicado –, transitividade verbal e, conforme a visão funcional,
a adequação do conteúdo ao novo paradigma pronominal do PB.
3
O funcionalismo envolve várias correntes teórico-metodológicas que têm como objetivo comum estudar a
língua em uso. Entre essas correntes, destaca-se o Funcionalismo-tipológico norteamericano, a Sociolinguística,
a Análise de Discurso, entre outros. Como o tempo para a execução deste trabalho mostrou-se exíguo, não foram
abordadas, detalhadamente, cada uma dessas correntes. Optou-se por lançar mão de aspectos mais gerais que
permeiam todas as vertentes: língua em uso, estrutura motivada, aspectos discursivos da língua.
26
2 ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO MÉDIO E AS AVALIAÇÕES
COMO FORMA DE SISTEMATIZAR ESSE ENSINO
27
No capítulo anterior, foram discutidas a importância e o porquê da escolha da
concordância verbal como tema de análise nas questões de LP em provas de concursos
públicos, conforme será tratado em capítulo futuro.
Este capítulo busca compreender quais são as habilidades e as competências que os
Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2000) requerem dos egressos do Ensino Médio,
no que tange aos conhecimentos de LP. Destina-se, também, à verificar se essas habilidades e
competências são, de algum modo, objeto de questões de provas de concursos para nível
médio.
Poderia ser questionado o fato de muitos candidatos, que prestam concursos públicos,
o fizeram mesmo antes dos PCN. Por que, então, deveriam essas provas se adequar a um
documento criado nos anos 2000? Os PCN apresentam novo olhar sobre o objeto de estudo
Língua Portuguesa, enfatizando a necessidade de uma percepção discursiva da linguagem, a
qual permeia todos os contextos sociais, inclusive aqueles considerados mais restritos, como
os da Administração Pública. Desse modo, é defendido que, para selecionar os candidatos
mais proficientes em LP, as provas de concurso deveriam se adequar aos PCN, não o
contrário, como tem acontecido em algumas instituições de ensino.
O Ensino Médio é a derradeira etapa escolar que objetiva à preparação do sujeito para
a vida. Entre outras finalidades, deve preparar, com qualidade, seus egressos ao mercado de
trabalho na iniciativa privada ou no serviço público, ou ao ingresso em instituição de ensino
superior ou técnico. Esse desígnio está no inciso II do art. 35 da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – Lei nº 9.394 - LDB, Brasil (1996), que assegura uma preparação
basilar para a realização de qualquer emprego ou a continuidade dos estudos, o que visa,
também, à garantia do pleno exercício de seus direitos constitucionais e democráticos.
Nesse sentido, o inciso I do artigo 36 da LDB destaca a importância dos conteúdos
propostos pelo Ministério da Educação, sendo a língua portuguesa reconhecida como o
instrumento de intermediação da comunicação, da interdisciplinaridade, do “acesso ao
conhecimento e exercício da cidadania”. Como preceitua Bruel (2010, p. 185), “em relação ao
Ensino Médio, a lei garante a articulação entre a formação geral e preparação básica para o
trabalho”.
Segundo Ferrarezi (2008), os Parâmetros Curriculares Nacionais buscam, nos
primeiros anos do Ensino Fundamental, por meio do conteúdo Língua Portuguesa, atingir os
objetivos de formar alunos que ouçam bem, falem bem, leiam bem e escrevam bem. Já a
segunda metade do Ensino Fundamental mantém e aperfeiçoa os objetivos da primeira.
Quanto ao Ensino Médio, este
28
(...) contempla a continuidade do trabalho realizado na primeira e na segunda
fases da educação básica, mas permite o aprofundamento da reflexão
gramatical, desde que respeitado o fato de que a língua materna precisa ser
vista como “instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e
exercício da cidadania” (Lei 9.384/96, art. 36, inciso I) (Ferrarezi, 2008,
p.18).
O currículo apresentado nos PCN é feito em formato de proposta, configurando-se
numa sugestão que moldará o plano básico a ser elaborado pela própria escola, ou seja, o real
currículo em ação. Já o currículo ensinado, de acordo com os PCN, será aquele que o
professor trabalhará em sala de aula. Assim,
é indispensável que os professores se apropriem não só dos princípios legais,
políticos, filosóficos e pedagógicos que fundamentam o currículo proposto,
de âmbito nacional, mas da própria proposta pedagógica da escola. Outro
reconhecimento, portanto, aqui se aplica: se não há lei ou norma que possa
transformar o currículo proposto em currículo em ação, não há controle
formal nem proposta pedagógica que tenha impacto sobre o ensino em sala
de aula, se o professor não se apropriar dessa proposta como seu protagonista
mais importante (BRASIL, 2000, p. 91).
No que toca ao conteúdo de Língua Portuguesa, os Parâmetros Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio - Linguagens, Códigos e suas Tecnologias – PCNEM
(BRASIL, 2000, p. 55) definem as habilidades e as competências esperadas pelos alunos:
desenvolvimento do potencial crítico, percepção das múltiplas possibilidades de expressão
linguística, capacitação como leitor efetivo dos mais diversos textos representativos da cultura
brasileira. Ou seja, busca a formação, acima de tudo, de cidadãos críticos e plenamente
atuantes em todas as áreas do saber, já que o ensino da língua materna será o vetor que
propiciará o desenvolvimento pleno de todas as suas potencialidades.
Para além da memorização mecânica de regras gramaticais ou das
características de determinado movimento literário, o aluno deve ter meios
para ampliar e articular conhecimentos e competências que possam ser
mobilizadas nas inúmeras situações de uso da língua com que se depara na
família, entre amigos, na escola, no mundo do trabalho (BRASIL, 2000, p.
55).
Dessa forma, nos PCN, a visão de linguagem assume, claramente, a perspectiva
funcionalista e pragmática4, buscando associar o ensino à realidade prática dos alunos.
4
Vide capítulo 1 – As visões formalistas e funcionalistas: diferentes concepções, diferentes práticas.
29
A linguagem é considerada aqui como capacidade humana de articular
significados coletivos em sistemas arbitrários de representação, que são
compartilhados e que variam de acordo com as necessidades e experiências
da vida em sociedade. A principal razão de qualquer ato de linguagem é a
produção de sentido (BRASIL, 2000, p. 19).
Desta forma, a profissão que o egresso do Ensino Médio vier a desempenhar pode ser:
1) técnica, a qual o aluno já está habilitado após a conclusão dos três anos da fase final do
ensino básico; ou 2) superior, que necessita de alguma qualificação para ser cumprida
efetivamente.
Assim entendida, a preparação para o trabalho – fortemente dependente da
capacidade de aprendizagem – destacará a relação da teoria com a prática e a
compreensão dos processos produtivos enquanto aplicações das ciências, em
todos os conteúdos curriculares (BRASIL, 2000, p. 57). (Grifos no
original).
Assim, caso opte pelo ingresso em uma universidade federal ou faculdade particular
de sua escolha, o discente será avaliado por meio de provas como o Exame Nacional do
Ensino Médio (ENEM), ou pelo vestibular. Para acesso ao mercado de trabalho privado,
poderá ser submetido a outros tipos de certames. Caso escolha trabalhar para a administração
pública, deverá realizar prova para ingresso mediante concurso público.
Verifica-se, pois, que o Ensino Médio, segundo os PCN (2000, p. 9), torna-se fase
fundamental à formação da cidadania, contemplada no Capítulo IV da Constituição Federal,
Brasil (1988), que trata dos Direitos Políticos. Segundo Abrão (2013, p. 86), a cidadania ligase à condição de participação plena e ativa na vida política do Estado. Destarte, além de
poderem votar e serem votados para cargos políticos, os brasileiros que alcancem a
maioridade e demais condições à consecução da cidadania estão aptos ao gozo dos direitos
políticos que se configuram como conditio sine qua non para que se possa pleitear a
investidura em um cargo público (Lei 8112/90, art. 5º, II2.1. OS PROCEDIMENTOS DE
AVALIAÇÃO
Os conteúdos desenvolvidos nas aulas de Língua Portuguesa, incluída a concordância
verbal, servirão de base para uma série de desafios que se apresentam por meio de avaliações:
ainda em ambiente escolar, cada disciplina, além a de LP, exigirá do aluno que faça uso de
suas habilidades de interpretação textual. Após o Ensino Médio, ele deverá ser capaz de
demonstrar, entre outros, por meio de provas, que é capaz de aprofundar seus estudos num
curso de nível superior ou ingressar no mercado de trabalho – público ou privado.
30
Na esfera escolar, fica claro o objetivo da aplicação constante de atividades que
verifiquem a aprendizagem, pelo fato de que, conforme destaca Salinas (2004, p. 23), a
atuação dos professores deve “evidenciar ou constatar as aprendizagens alcançadas”,
propondo, além da qualificação, melhorias no ensino e nas situações de aprendizagem
planejadas. Após afiançar ser “evidente que um bom professor não avalia para qualificar, mas
necessariamente deverá qualificar, e, para isso, deverá basear-se na avaliação”, Salinas (2004,
p. 23) prossegue, assim, na tentativa de descrição – e não de definição – da avaliação: uma
conjugação de “experiências e de vivências de professores e de alunos que tendem a
evidenciar ou constatar determinadas aprendizagens do aluno com a finalidade de julgá-las”.
Mas por que julgá-las? Esse princípio básico da métrica educacional, que Viana (1976,
p. 17) destaca como fundamental para uma educação escolar eficiente, baseia-se no fato de
resultar
(...) de um esforço deliberado e consciente para a conscientização de
determinados objetivos. Trata-se, portanto, da educação formal, cujo
processo é controlado através da realização de objetivos pré-estabelecidos. A
mensuração do desempenho escolar permite, assim, determinar até que ponto
esses objetivos foram realmente alcançados e, ao mesmo tempo, fornece
subsídios para a correção de possíveis distorções do trabalho educacional.
Conforme Arredondo e Diago (2009, pp. 28-9), a avaliação ocupa, hoje, grande
destaque no campo educacional, estando toda a comunidade escolar – administradores,
professores, pais e alunos – mais ciente de sua importância. Como disciplina científica, a
avaliação motiva e organiza intrinsecamente a aprendizagem.
Traçando um histórico, os autores situam as concepções objetivas acerca da avaliação
escolar, segundo momentos cruciais. Em um primeiro momento (final do século XIX e início
do XX), consideram-na como forma de medida, e baseada na concepção de avaliação
conforme a Psicologia Comportamental (Skinner, Watson). Centrada, acima de tudo, no
estabelecimento das diferenças individuais entre pessoas, utilizava como técnica
predominante, e quase excludente, a aplicação de testes, tanto no âmbito individual quanto no
coletivo (bateria de testes). Desse modo, a avaliação tinha pouco a ver com os programas que
eram desenvolvidos nas escolas (ARREDONDO e DIAGO, 2009, p. 31).
Em um segundo momento (1930 a 1940), os autores estabelecem que a avaliação está
relacionada ao desenvolvimento tecnológico do currículo, como um sistema operado
processualmente a fim de produzir mudanças na conduta dos alunos por meio da instrução.
No terceiro marco, Arredondo e Diago (2009, p. 31) focalizam a avaliação de forma a
abranger a totalidade do âmbito educacional (EUA, 1960 e 1970), fruto do movimento pela
31
“responsabilidade escolar”: descontentes com os resultados obtidos pelos alunos nas escolas
públicas, criou-se um sistema de avaliação que englobasse não só o rendimento dos alunos,
mas todos os que interferissem no sistema educacional – “professores, recursos, conteúdos,
atividades, organizações, métodos, programas etc” (ARREDONDO e DIAGO, 2009, p. 32).
Novos enfoques ou tendências na avaliação foram disposições do quarto marcp
(1970), sendo que a avaliação voltava-se “aos alunos e às tomadas de decisões sobre o
programa ou método” (ARREDONDO e DIAGO, 2009, P. 32). Logo, em tese, um bom
planejamento das metas educacionais levaria a um bom rendimento dos alunos.
No quinto momento, houve a proliferação de modelos (1970), sendo alguns baseados
na avaliação quantitativa, e outros, na qualitativa. No modelo de avaliação qualitativa,
segundo Santos, Reck e Nascimento (2011, p. 1), visa-se o percurso da aprendizagem, no qual
o processo de evolução do aluno é verificado conforme o que foi construído em tempo
determinado, de forma que o professor possa ter base para dar continuidade ao seu trabalho,
“alterando diversificando ou não o seu fazer pedagógico”. Já no modelo de avaliação
quantitativo,
raramente o aluno participa ou pode discutir seus resultados. Não exercita a
autoavaliação e se o faz ela é desconsiderada. Ele realiza e o professor julga.
Sendo assim a avaliação quantitativa, preocupa-se com quantidade, com
notas, com o objetivo de classificar o aprendizado do aluno após a aplicação
de algum instrumento de avaliação.
Finalmente, num sexto momento, a partir da década de 1990, nasce uma visão de
avaliação globalizada formativa e integradora, de forma diferenciada. Situados nesse sexto
momento, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, publicados no ano
de 2000, têm um longo histórico de construção de sua ideologia, na busca de novos
paradigmas de forma a construir “um novo perfil para o currículo, apoiado em competências
básicas para a inserção de nossos jovens na vida adulta” (PCNEM, 2000, p. 4). No que tange à
avaliação, o PCNEM (2000, p. 69) mira no respeito à diversidade, tendo, sempre, como ponto
de vista, o dos alunos, de forma a igualá-los nos pontos a que se pretende chegar.
Será indispensável, portanto, que existam mecanismos de avaliação dos
resultados para aferir se os pontos de chegada estão sendo comuns. E para
que tais mecanismos funcionem como sinalizadores eficazes, deverão ter
como referência as competências de caráter geral que se quer constituir em
todos os alunos (...). A diversificação deverá ser acompanhada de sistemas de
avaliação que permitam o acompanhamento permanente dos resultados (...).
32
Amoldando-se aos PCN, a LDB, em seu artigo 24, preceitua, no inciso V, que os
critérios que basilares ao rendimento escolar serão a “avaliação contínua e cumulativa do
desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e
dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais” (Grifo nosso).
Para Melchior (2003, p.21), resta claro que a avaliação, inserida no texto legal, tem
prevalência de seus aspectos qualitativos sobre os quantitativos; porém, na realidade prática,
os quantitativos são levados mais em consideração: vestígios de um ensino tradicional, que se
processa nas escolas até os dias de hoje. Conforme preceitua o autor (MELCHIOR, 2003, p.
17), na visão clássica do ensino, o professor representa meramente ser o transmissor do
conteúdo e conduz os alunos apenas à resposta considerada correta para cada situação
problema. Não há reflexão. Assim, a tarefa do aluno reduz-se a, simplesmente, comparecer à
escola para receber e memorizar os conteúdos - “conhecimento empacotado” -, e devolver,
quando solicitado, tudo o que houver memorizado.
Assim é que, para Demo (2005, p. x), “seria ingênuo pensar que a avaliação é apenas
um processo técnico. Ela é também uma questão política” (grifos no original). A mensuração,
segundo aspectos quantitativos, objetiva a classificações e à demonstração, “de forma
palpável, visível, manipulável” (DEMO, 2005, p.2) do que foi realmente apreendido; tanto é
assim que outra função da avaliação, segundo Perrenoud (1999, p. 13), é a de certificar,
perante terceiros, que “um aluno sabe globalmente „o que é necessário saber‟ para (...)
[progredir] para a série seguinte no curso, ser admitido em uma habilitação ou começar uma
profissão” (Grifos no original). E é dentro dessa realidade técnico-política que se inserem
aquelas avaliações que visam ao ingresso numa universidade pública federal (como o Exame
Nacional do Ensino Médio – ENEM) e aos certames para ingresso no serviço público.
2.1.1 A forma de apresentação dos documentos de avaliação
Segundo Salinas (2004, p. 96), as provas representam o formato mais habitual para a
comprovação da aprendizagem. A situação na qual ocorrem é única, por dispor o
aluno/candidato frente a uma atividade na qual atuará de forma totalmente individual; o tempo
é limitado; não há possibilidade de consulta – a material ou outras pessoas – para
esclarecimento de dúvidas sobre o conteúdo em avaliação; o silêncio deve reinar absoluto.
33
Prosseguindo, o autor destaca (2004, p. 97) os dois valores da prova: o intrínseco, que
corresponde à evidenciação e importância, naquela situação, da opção daquele conteúdo que
está sendo colocado para avaliação, pois é aquele grupo de saberes que farão a diferença,
segundo o examinador/banca, para a aprovação dos alunos/candidatos mais preparados; e o
extrínseco, que destaca o instrumento em relação a outros que poderiam ter sido escolhidos
para a aferição da aprendizagem/disputa.
Sobre o tipo de prova, ou seja, como serão apresentadas as questões, normalmente, em
certames públicos, a prova objetiva reina quase que de forma absoluta: “são provas escritas
que, em geral, são constituídas por um amplo repertório de perguntas ou itens cujas respostas
são delimitadas, permitindo uma pontuação livre de interpretações subjetivas” (SALINAS,
2004, p. 101). Dessa forma, respeita-se a impessoalidade que as avaliações exigem.
As mais usadas são:
1) verdadeiro ou falso 5 : “questões que exigem que o estudante opte entre duas
alternativas excludentes” (SALINAS, 2004, p. 102). Assim, o autor orienta a
colocação de questões relevantes, com formulações o mais curtas possível e não
ambíguas; assegurando-se da veracidade de uma das duas alternativas
apresentadas; distribuindo as questões falsas e verdadeiras em números iguais no
decorrer da prova; não propondo negações ou dupla-negações.
2) múltipla escolha: propõe-se um enunciado com um conjunto de opções de
resposta, no qual, normalmente, uma é verdadeira e as demais são falsas. Como
orientações, o autor (2004, p. 103) explica que a pergunta deve ser a base e as
alternativas devem ser as mais breves possíveis; deve-se eliminar informações
redundantes nas respostas, cuidando da verossimilhança mesmo nas questões não
verdadeiras; evitar pistas, como a aplicação do senso comum ou a pura lógica;
evitar opções como “todas as anteriores” ou “nenhuma das anteriores”; variar o
local da resposta correta em todas as questões.
5
A opção do Cespe pelas expressões “certo ou errado” invés de “verdadeiro ou falso” baseia-se nos conceitos da
logica formal X conceitos do mundo real. No primeiro caso, aquele no qual se inserem as proposições
verdadeiras ou falsas, parte do princípio de que as proposições poderiam ser verdadeiras, ou falsas, simplesmente
fundamentadas em afirmações anteriores. Já, nas concepções de certo e errado, o que impera são situações do
mundo real. Assim, conforme Neves (1998), “a Lógica apenas irá debruçar-se sobre o primeiro caso, isto é,
averiguar se um determinado raciocínio chegou legitimamente a uma conclusão, e nunca irá perder tempo em
verificar se o raciocínio assenta em pressupostos reais ou irreais”. Disponível em
http://www.prof2000.pt/users/Secjeste/aristoteles/Pg000400.htm Acesso em 2/12/2013.
34
3) Perguntas de preenchimento de lacunas: “tipo de pergunta que demanda (...)
uma resposta que é concretizada em uma palavra, um dado, um símbolo, ou,
talvez, uma frase” (SALINAS, 2004, p. 104). Sobre esse tipo de questão, o autor
orienta para a relevância do conteúdo das perguntas conforme o conteúdo; uma
enunciação clara para que não haja dúvidas sobre a resposta correta; evitar textos
que sejam cópias fiéis de livros doutrinários, para se evitar a simples
memorização; caso usem-se textos com lacunas, deixar espaços iguais para que o
tamanho das palavras não seja usado como pistas da resposta que completa o
sentido.
2.2. AS PROVAS DO ENEM
Criado em 1998, no governo Fernando Henrique Cardoso6, o Enem – Exame Nacional
do Ensino Médio –, conforme o Plano de Desenvolvimento da Educação: Prova Brasil7:
ensino fundamental: matrizes de referência, tópicos e descritores (2011, p. 6) é um exame
individual, voluntário, anual, voltado aos estudantes que estão completando ou que já
findaram o Ensino Médio em anos anteriores. No princípio, visava à avaliação anual do
aprendizado dos alunos do Ensino Médio em todo o país para auxiliar o Ministério da
Educação – MEC na elaboração de políticas e programas de melhoria do ensino brasileiro
através dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) do Ensino Médio e Fundamental.
A análise dos resultados das avaliações e dos indicadores de desempenho
deverá permitir às escolas, com o apoio das demais instâncias dos sistemas de
ensino, avaliar seus processos, verificar suas debilidades e [suas] qualidades e
planejar a melhoria do processo educativo. Da mesma forma, deverá permitir
aos organismos responsáveis pela política educacional desenvolver
mecanismos de compensação que superem gradativamente as desigualdades
educacionais (BRASIL, 2000, p. 69).
6
Presidente da República do Brasil de 1995 a 2002.
“Tal como acontece com os testes do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), os da Prova
Brasil avaliam competências construídas e habilidades desenvolvidas e detectam dificuldades de aprendizagem.
No caso da Prova Brasil, o resultado, quase censitário, amplia a gama de informações que subsidiarão a adoção
de medidas que superem as deficiências detectadas em cada escola avaliada”. PDE/Prova Brasil: Plano de
Desenvolvimento
da
Educação.
Disponível
em
http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/prova%20brasil_matriz2.pdf. Acesso em 6/9/2013.
7
35
A partir de 2009, com a criação do “Novo Enem” 8, o MEC apresentou uma proposta
de reformulação de modo que o exame fosse utilizado como “forma de seleção unificada nos
processos seletivos das universidades públicas federais”. Assim, o objetivo de democratização
de acesso às vagas nas Universidades Federais teria mais uma forma de concretização. E foi
mantida a autonomia nas possibilidades de uso, pelas instituições, do novo exame como
processo para seleção de alunos: como fase única, em um sistema de seleção unificada,
informatizado e on-line; como primeira fase; combinado com o vestibular da instituição;
como fase única para as vagas remanescentes do vestibular.
No Edital nº 01 para o ENEM 2013 (BRASIL, 2013), na Matriz de Referência de
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (pp. 2-4), a peça apresenta série de competências e
habilidades que representam aquelas elencadas no PCN voltado para o mesmo corpus.
É feito um recorte com base no que é possível aferir por meio do tipo de
instrumento de medida utilizado na Prova Brasil e que, ao mesmo tempo, é
representativo do que está contemplado nos currículos vigentes no Brasil
(BRASIL, 2011, p. 17).
As competências a serem alcançadas serão constituídas por meio das habilidades que
moldam as questões do certame. Essas, por sua vez, para os fins que objetivam, são
elaboradas conforme descritores.
Assim, as competências cognitivas podem ser entendidas como as diferentes
modalidades estruturais da inteligência que compreendem determinadas
operações que o sujeito utiliza para estabelecer relações com e entre os
objetos físicos, conceitos, situações, fenômenos e pessoas. (...) habilidades
referem-se, especificamente, ao plano objetivo e prático do saber fazer e
decorrem, diretamente, das competências já adquiridas e que se transformam
em habilidades. (...) O descritor é uma associação entre conteúdos
curriculares e operações mentais desenvolvidas pelo aluno, que traduzem
certas competências e habilidades (BRASIL, 2011, pp. 17-18). (Grifos
nossos).
Os descritores, então, segundo o PDE (2011), além de servirem como referência para a
escolha dos itens que comporão a prova avaliativa, ainda indicam as capacidades gerais que
são esperadas dos alunos.
8
“ O Ministério da Educação apresentou uma proposta de reformulação do Exame Nacional do Ensino Médio
(Enem) e sua utilização como forma de seleção unificada nos processos seletivos das universidades públicas
federais. A proposta tem como principais objetivos democratizar as oportunidades de acesso às vagas federais de
ensino superior, possibilitar a mobilidade acadêmica e induzir a reestruturação dos currículos do ensino médio.”
Disponível em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13318&Itemid=310.
Acesso em 5/9/2013.
36
Conforme consta do PDE (2011, p. 21-22), a Matriz de Referência de Língua
Portuguesa da Prova Brasil compõe-se em seis tópicos: Procedimentos de Leitura;
Implicações do Suporte, do Gênero e/ou do Enunciador na Compreensão do Texto; Relação
entre Textos, Coerência e Coesão no Processamento do Texto; Relações entre Recursos
Expressivos e Efeitos de Sentido e Variação Linguística. Esse conjunto de disciplinas ainda se
divide em duas dimensões: a dos Objetos do Conhecimento, que listará os seis tópicos; e a
Competência, contendo os descritores que serão avaliados em cada tópico. Os descritores se
apresentam, inseridos em cada tópico, em ordem crescente de aprofundamento e/ou ampliação
de conteúdos ou das habilidades exigidas.
37
Tópico I. Procedimentos de Leitura
Descritores
Localizar informações explícitas em um texto
Inferir o sentido de uma palavra ou expressão
Inferir uma informação implícita em um texto
Identificar o tema de um texto
Distinguir um fato da opinião relativa a esse fato
Tópico II. Implicações do Suporte, do Gênero e/ou Enunciador na Compreensão do Texto
Descritores
Interpretar texto com auxílio de material gráfico diverso (propagandas, quadrinhos, foto etc.).
Identificar a finalidade de textos de diferentes gêneros
Tópico III. Relação entre Textos
Descritores
Reconhecer diferentes formas de tratar uma informação na comparação de textos que tratam do
mesmo tema, em função das condições em que ele foi produzido e daquelas em que será recebido
Reconhecer posições distintas entre duas ou mais opiniões relativas ao mesmo fato ou ao mesmo tema
Tópico IV. Coerência e Coesão no Processamento do Texto
Descritores
Estabelecer relações entre partes de um texto, identificando repetições ou substituições que
contribuem para a continuidade de um texto
Identificar o conflito gerador do enredo e os elementos que constroem a narrativa
Estabelecer relação causa/consequência entre partes e elementos do texto
Estabelecer relações lógico-discursivas presentes no texto, marcadas por conjunções, advérbios etc.
Identificar a tese de um texto
Estabelecer relação entre a tese e os argumentos oferecidos para sustentá-la
Diferenciar as partes principais das secundárias em um texto
Tópico V. Relações entre Recursos Expressivos e Efeitos de Sentido
Descritores
Identificar efeitos de ironia ou humor em textos variados
Identificar o efeito de sentido decorrente do uso da pontuação e de outras notações
Reconhecer o efeito de sentido decorrente da escolha de uma determinada palavra ou expressão
Reconhecer o efeito de sentido decorrente da exploração de recursos ortográficos e/ou
morfossintáticos
Tópico VI. Variação Linguística
Descritores
Identificar as marcas linguísticas que evidenciam o locutor e o interlocutor de um texto
Quadro 2. Matriz de Referência de Língua Portuguesa da Prova Brasil
38
Elaboradas de forma conjunta por especialistas, baseadas nas mais modernas correntes
linguísticas, inseridas no contexto histórico-ideológico atual, polissêmicas, multifacetadas,
aplicadas ao texto e inter e multidisciplinares, as provas do ENEM em Língua Portuguesa
constituem avanço notável na produção de exames pedagógicos nas escolas brasileiras.
Assim, a leitura, a interpretação e a resolução das questões de Língua Portuguesa do Exame
Nacional requerem a aplicação, pelo candidato, para além do conteúdo apreendido em sala de
aula, do seu uso em situações de letramento9 retratados nas provas.
2.3. AS PROVAS DE CONCURSO PÚBLICO
Os PCNEM (2000), a partir da página 5, traçam um histórico, a partir das décadas de
1960 e 1970, sobre a influência das mudanças nos fatores econômicos, políticos e
tecnológicos que vieram a gerar mudanças no que se nomeou o novo Ensino Médio: “as
propostas de reforma curricular para o Ensino Médio pautam-se nas constatações sobre as
mudanças no conhecimento e seus desdobramentos, no que se refere à produção e às relações
sociais de modo geral”.
O Ensino Médio, no sentido de procura por matrículas, foi a base de instrução que
mais se expandiu. Os PCNEM (2000) destacam que foi uma faixa da população menos
favorecida a responsável por este aumento.
É possível concluir que parte dos grupos sociais até então excluídos tenha
tido oportunidade de continuar os estudos em função do término do Ensino
Fundamental, ou que esse mesmo grupo esteja retornando à escola, dada a
compreensão sobre a importância da escolaridade, em função das novas
exigências do mundo do trabalho (BRASIL, 2000, p. 6).
Assim, além da reformulação dos conteúdos em si, o novo Ensino Médio deve abarcar
toda e qualquer pessoa que venha a ingressar em seus quadros, preparando-a plenamente ao
exercício dos direitos inerentes à qualidade de cidadão. Tanto que a Constituição Federal de
9
Sobre o desenvolvimento do conceito de letramento, voltado para as competência leitora, Kleiman (2005, p.
19) o relaciona “com os usos da escrita em sociedade e com o impacto da língua na vida moderna”. Engloba,
prossegue a autora, “o processo de desenvolvimento e o uso dos sistemas da escrita nas sociedades, ou seja, o
desenvolvimento histórico da escrita refletindo outras mudanças sociais e tecnológicas (...)” (KLEIMAN, 2005,
p. 21). Disponível em http://www.iel.unicamp.br/cefiel/alfaletras/biblioteca_professor/arquivos/5710.pdf.
Acesso em 2/12/2013.
39
1988, em seu artigo 208, II, garante a efetividade da universalização do ensino médio gratuito
como um dever a ser prestado pelo Estado.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, em seu artigo 22, garante que “a educação básica10 tem por finalidades
desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da
cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”. Como
preceitua Bruel (2010, p. 185): “Em relação ao ensino médio, a lei garante a articulação entre
a formação geral e preparação básica para o trabalho” (Grifo nosso).
Dessa forma, Pereira (2012, p. 165) propõe uma pedagogia voltada ao ensino, partindo
da prática social, tendo a pesquisa como princípio didático, ou seja, tornando
a dúvida como eixo do conhecimento, articulação entre a prática da vida e sua
elaboração ao nível teórico da ciência e filosofia; profunda articulação com o
mundo prático do trabalho, que cada vez mais se estrutura com a ciência e a
tecnologia; formação e exercício do governo da vida – a política.
E é sob tais mudanças e necessidades que se insere, hoje, no Brasil, o concurso
público. Na busca da realização dos objetivos de uma sociedade livre, justa e solidária, o
Estado Brasileiro colocou, como forma de ingresso em seus quadros administrativos, o
provimento de sua equipe de pessoal por meio de um processo que respeitasse os princípios
constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da
eficiência. Esse modelo busca privilegiar o mérito próprio do candidato, não deixando que
pretensões políticas e interesses privados interfiram.
Para assegurar a igualdade de oportunidades, o inciso II do artigo 37 da Constituição
Federal define que
a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em
concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e
a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, (...).
Assim, conforme o cargo pretendido, a prova é destinada a interessados que
preencham os requisitos definidos no edital 11 , sendo o nível de escolaridade um dos
determinantes para que se possa pleitear a vaga, de acordo com o grau de complexidade
exigida para o cumprimento das atribuições de cada função.
10
Segundo o art. 24 da Lei 9.394/1996, a Educação Básica compreende os níveis fundamental e médio.
Os concursos não têm forma ou procedimento estabelecido na Constituição, mas é de toda conveniência que
sejam precedidos de uma regulamentação legal ou administrativa, amplamente divulgada, para que os candidatos
se inteirem de suas bases e matérias exigidas (MEIRELLES, 2001, p. 404).
11
40
Qualquer critério discriminatório imposto à seleção feita por meio do
concurso será ilegal e invalidará o próprio concurso. Entretanto, isto não
significa que a administração pública não possa exigir certos conhecimentos
técnicos ou científicos relativos à natureza da atividade a ser desenvolvida,
mesmo porque esta seleção visa, também, ao aperfeiçoamento e à eficácia do
serviço público (DRUZIANI, 1996, pp. 154-5).
No entanto, independentemente do grau de instrução exigido no certame, a matéria de
Língua Portuguesa é uma constante em qualquer prova de concurso público. Por ser o idioma
oficial da República Federativa do Brasil, preceituado no artigo 13 da Constituição Federal de
1988, o uso da norma padrão da Língua Portuguesa é fundamental na produção documental da
administração pública. Daí, haver a percepção das entidades estatais sobre a importância da
comunicação em seus interesses e nos dos administrados. Esse ponto é destaque no Manual
de Redação da Presidência da República. Para esse documento,
a redação oficial deve caracterizar-se pela impessoalidade, uso do padrão
culto de linguagem, clareza, concisão, formalidade e uniformidade.
Fundamentalmente esses atributos decorrem da Constituição, que dispõe, no
artigo 37: “A administração pública direta, indireta ou fundacional, de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência (...)”. Sendo a publicidade e a
impessoalidade princípios fundamentais de toda administração pública, claro
está que devem igualmente nortear a elaboração dos atos e comunicações
oficiais (BRASIL, 2002, p.4) (Grifos no original).
Da redação de correspondências oficiais à elaboração de atos normativos, um texto
mal redigido ou interpretado pode comprometer a imagem do órgão ou ir de encontro aos
princípios da publicidade e impessoalidade, caso dificultem a comunicação aos cidadãos. Por
isso, nas comunicações oficiais,
a necessidade de empregar determinado nível de linguagem nos atos e
expedientes oficiais decorre, de um lado, do próprio caráter público desses
atos e comunicações; de outro, de sua finalidade. Os atos oficiais, aqui
entendidos como atos de caráter normativo, ou estabelecem regras para a
conduta dos cidadãos, ou regulam o funcionamento dos órgãos públicos, o
que só é alcançado se em sua elaboração for empregada a linguagem
adequada. O mesmo se dá com os expedientes oficiais, cuja finalidade
precípua é a de informar com clareza e objetividade. As comunicações que
partem dos órgãos públicos federais devem ser compreendidas por todo e
qualquer cidadão brasileiro. (...) por seu caráter impessoal, por sua
finalidade de informar com o máximo de clareza e concisão, eles requerem o
uso do padrão culto da língua. Há consenso de que o padrão culto é
aquele em que a) se observam as regras da gramática formal, e b) se
emprega um vocabulário comum ao conjunto dos usuários do idioma
(BRASIL, 2002, p. 5) (Grifos nossos).
41
A prova do Exame do Ensino Médio (ENEM), relativa a Linguagens e Códigos,
elenca nove áreas de competências que contemplam trinta habilidades em que os alunos
devem ter domínio ao terminarem o Ensino Médio. Desde a aplicação de tecnologias da
comunicação e da informação, passando pelo relacionamento dos textos com seus contextos,
pelo uso de sistemas simbólicos, chegando à associação da língua com os conhecimentos
científicos, o MEC busca a realização da formação de seus cidadãos, entre eles, obviamente,
os futuros servidores públicos do País.
Na esteira dos novos paradigmas da atual política educacional brasileira –
que busca democratizar mais e mais o acesso à escola tornando-o parte ativa
do corpo social – o ensino da língua materna deve considerar a necessária
aquisição e o desenvolvimento de três competências: interativa, textual e
gramatical. Esse tripé, necessariamente interrelacionado, mesmo não sendo
exclusivo da disciplina, encontra nela os conceitos e conteúdos mais
apropriados (BRASIL, 2000, p. 55).
Logo, as provas de concursos voltadas ao ensino médio deveriam representar a
realidade dos estudantes egressos das escolas e, por isso, exigir o mesmo nível de
conhecimento, competências e habilidades voltadas a esses discentes; além de tentar alcançar
os candidatos mais aptos à confecção dos documentos administrativos.
3 CONCORDÂNCIA VERBAL NAS QUESTÕES DE CONCURSO: MECANISMO DE
ORGANIZAÇÃO TEXTUAL OU SIMPLES MEMORIZAÇÃO?
Sob a terceira definição do Dicionário Houaiss (2001, p. 202), acerca do termo análise,
é que as questões de LP sobre concordância verbal - enquanto mecanismo que veicula
discursos -, em provas de concursos para cargos de nível médio das bancas CESPE e ESAF,
serão examinadas neste trabalho: “Análise s. f. 3. Exame, processo ou método com que se
descreve, caracteriza e compreende algo (um texto, uma obra de arte etc.), para proporcionar
uma avaliação crítica do mesmo”.
Assim, conforme Antunes (2010, p. 49),
(...) analisar textos é procurar descobrir, entre outros pontos, seu esquema de
composição; sua orientação temática, seu propósito comunicativo; é procurar
identificar suas partes constituintes; as funções pretendidas para cada uma
delas, as relações que guardam entre si e com elementos da situação, os
efeitos de sentido decorrentes das escolhas lexicais e de recursos sintáticos.
42
Percebe-se, então, que há um fim específico na aplicação da prova em si e na opção
pelos conteúdos que constarão desses exames. E, por trás dessas escolhas, inseridos em cada
questão da prova, procura-se averiguar se o candidato possui aptidão ou não ao conjunto de
funções que o cargo exige.
Portanto, a análise das questões de LP, com foco sobre concordância verbal, em
provas de concursos para cargos de nível médio das bancas CESPE e ESAF, é feita
esmiuçando-se seus constituintes textuais em busca de respostas para as perguntas propostas
por Antunes (2010, p. 49) “como é dito, o que é dito, com que recursos lexicais e gramaticais,
com que estratégias discursivas, quando e por que é dito, para quem e para provocar que
efeitos, implícita e explicitamente”.
Neste capítulo, a fim de contextualizar o leitor sobre a importância de se selecionar os
melhores candidatos para ocupar cargos públicos – o que perpassa obviamente pelo
conhecimento efetivo de LP – são apresentados, num primeiro momento, alguns dados
importantes sobre o mundo dos concursos. Em seguida, as bancas cujas provas foram objeto
de análise – ESAF e Cespe – são introduzidas. Finalmente, são analisadas, de forma mais
célere, uma questão do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM, seguida pela análise de
questões de provas da ESAF e do Cespe.
43
3.1
CONSTITUIÇÃO DO CORPUS DE PESQUISA
Para este trabalho, foram analisadas 24 questões que abordam o conteúdo
concordância verbal: uma do Enem; doze do Cespe e doze da Esaf. É feita uma análise
qualitativa dessas questões.
A fim de se averiguar se a proposta dos PCN, no que tange ao ensino de LP, é
contemplada de alguma forma nas provas de concurso público para nível médio, serão
analisadas questões de certames para cargos desse grau. Por uma questão de tempo, foram
selecionados apenas os quesitos que abordavam um assunto que é trabalhado à exaustão nas
aulas de LP e que está no centro das discussões sobre o funcionamento da linguagem: a
concordância verbal12. Conforme visto no capítulo 1, a concordância pode ser ensinada por
um viés estruturalista ou funcionalista, e a escolha por uma ou outra tendência trará
consequências significativas para a forma como se vislumbra a língua.
Pelo fato de os PCN assumirem uma postura mais funcionalista sobre a LP e por
serem o documento oficial de ensino, devem, portanto, ser seguidos em todas as esferas
educacionais. Considera-se, dessa forma, que as provas de nível médio, assim como as de
nível superior, para ingresso em cargo público que exige essa titulação, devam estar afinadas
com essa proposta oficial. Nesse sentido, as questões que envolvem concordância verbal
devem (ou deveriam) contemplar esse conteúdo enquanto um mecanismo do uso linguístico
para produzir discurso(s).
As análises das questões retomarão as discussões apresentadas nos capítulos 1 e 2,
com destaque à visão de língua, segundo as diferentes correntes linguísticas e à forma de
apresentação dos conteúdos, conforme propostos pelo MEC (BRASIL, 2000).
Busca-se, assim, perceber, no perfil avaliativo de cada banca, a sua maior ou menor
propensão à corrente estruturalista ou à funcionalista; a adequação de seu conteúdo àquele
proposto do MEC para o Ensino Médio; além da verificação da tentativa de emparelhamento
das questões planejadas pela Escola de Administração Fazendária e pelo Centro de Seleção e
Promoção de Eventos da UnB àquelas questões “estilo ENEM”: contextualizadas,
multidisciplinares, verdadeiramente reveladoras de competências e habilidades que são – e
serão - usadas em eventos reais de conversação.
12
Para pesquisas futuras, a ideia é analisar de que maneira outros conteúdos de LP trabalhados (ou que deveriam
ter sido trabalhados) no Ensino Médio são contemplados (ou não) nas provas.
44
3.2
O UNIVERSO DOS CONCURSOS PÚBLICOS
Nos últimos anos, os concursos públicos tornaram-se grande atrativo para aqueles que
buscam uma carreira fora da iniciativa privada. Como vantagens, o serviço público brasileiro
oferece
carreira segura, estável e, na maioria das vezes, bem remunerada. Isso sem
contar as oportunidades de ascensão profissional, melhores do que as
encontradas na iniciativa privada. (...) a carreira pública (...) não faz
discriminação de gênero ou de idade nem exige – em regra – experiência ou
boa aparência. Por tudo isso, acho razoável a opção que os jovens vêm
fazendo pelos concursos públicos, um mercado que hoje, em todo o país,
movimenta milhões de pessoas que se preparam para concorrer às vagas nas
diversas áreas das carreiras estatais.13
Somado a todas essas vantagens, outro grande atrativo dos concursos públicos é o
elevado número de vagas oferecidas por todos os entes federativos, por meio de seus órgãos,
entidades, fundações e empresas públicas, nas três esferas de poder.
Conforme reportagem do Jornal Hoje14 , de 14/10/2013, sobre concursos públicos, o
mercado vem crescendo, no país, mais de 40% ao ano. Em 2016, a previsão é de que serão
disponibilizadas 400 mil vagas em concursos federais, estaduais e municipais. Ainda segundo
a reportagem, o IBGE calcula que a remuneração no serviço público supera em 92% a da
iniciativa privada, variando, os salários, entre R$ 1,8 mil a R$ 23 mil. Quanto à concorrência:
12 milhões, segundo a Associação Nacional de proteção aos concursos, estão se preparando
para conseguirem sua vaga.
Do ponto de vista da administração, o concurso público constitui meio de
concretização dos princípios administrativos, principalmente os da moralidade, da
impessoalidade e da eficiência. Já sob a ótica dos administrados, funciona como instrumento
democrático de acesso aos cargos públicos, na medida em que proporciona igualdade de
oportunidade a todos que preenchem os requisitos estabelecidos na lei e no edital para o
provimento dos cargos necessários à Administração Pública. Realiza-se, sob esse ângulo, o
princípio da isonomia.
13
GRANJEIRO, José Wilson. Jovens são um fator positivo para o serviço público.
http://www.professorgranjeiro.com/mestre/. Acesso em 7/11/2013.
14
Disponível em http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2013/10/concurso-publico-atrai-brasileiros-em-buscade-bons-salarios-e-estabilidade.html. Acesso em 8/11/2013.
45
(...) é correto afirmar que o concurso público é o instrumento através do qual
o Poder Público, latu sensu, escolhe, objetivamente falando, dentre os
inscritos, o candidato que mais se destacar na somatória das notas obtidas nas
diversas etapas do certame. A entidade que promove o evento deve sempre e
verdadeiramente escolher o melhor dentre os candidatos (SOUSA, 2000, p.
21-22).(Grifos no original).
Diante de todo o exposto, verifica-se a importância vital da adequada escolha das
bancas examinadoras que, junto aos órgãos e às entidades públicas, organizarão e aplicarão as
provas dos certames.
Dessa forma, pelo fato de serem instituições consolidadas no mercado de concursos e
que, por essa razão, são referências não só na seriedade com que organizam os pleitos, mas,
principalmente, pela qualidade das questões elaboradas, selecionamos questões elaboradas
pela Escola de Administração Fazendária – ESAF - e pelo Centro de Seleção e de Promoção
de Eventos da Universidade de Brasília – Cespe - para a construção de uma noção de como a
concordância verbal – e LP – é abordada por essas bancas tradicionais e, assim, perceber se
elas seguem, de algum modo, uma perspectiva funcional de língua, conforme defendido pelos
PCNEM.
3.2.1 A ESAF16
Criada em 1967, como o Centro de Treinamento do Ministério da Fazenda, a Escola
de Administração Fazendária – ESAF é o órgão incumbido do preparo de servidores das
carreiras de gestão17 das finanças públicas, procedendo, para isso, em várias áreas de atuação
como: educação fiscal, administração e gerência, intercâmbio e cooperação técnica,
tecnologia da informação, cursos abertos e extensão, formação e educação permanente, e
recrutamento e seleção desses servidores.
Assim, conforme preceitua o inciso III do artigo 1º do Regimento Interno da ESAF
(Portaria nº 106, de 3/6/2008 do Ministério da Fazenda), visando à sistematização, ao
planejamento, à supervisão, à orientação, ao recrutamento e à seleção de pessoal para
preenchimento de cargos do Ministério, a Escola será responsável pela seleção “de agente
16
Disponível
em
http://www.esaf.fazenda.gov.br/a_esaf/institucional
e
http://www.esaf.fazenda.gov.br/a_esaf/institucional/areas-de-atuacao. Acesso em 1º/10/2013.
17
A ESAF também promove, em menor escala, concursos para provimento de cargos de nível médio, a maioria
para concursos do Poder Executivo Federal.
46
público com o perfil mais adequado para o exercício das funções decorrentes da investidura”
(...), permitindo,
também, identificar o estágio de formação do agente e impulsioná-lo a suprir
as eventuais falhas do processo de capacitação e desenvolvimento. Incluemse neste programa os concursos públicos internos, externos e os processos
seletivos simplificados. (BRASIL, 2013, pp. 13-4) (Grifo nosso).
Seu Programa de Formação, “processo educacional que consiste na preparação inicial
para a carreira (...), [é] voltado à preparação do candidato às funções que exercerá. No
programa, o servidor é orientado para aquisição de conhecimentos e desenvolvimento de
habilidades que serão utilizadas no desempenho da profissão.
No que concerne aos concursos públicos, pauta-se na realização de exames, que
podem realizar-se juntamente com a avaliação de títulos, em processo seletivo eliminatório e
classificatório. Segundo análise de provas, conforme capítulo posterior, suas questões em LP
são do tipo verdadeiro ou falso, múltipla escolha ou preenchimento de lacunas.
3.2.2 O Cespe18
Órgão criado pela Fundação Universidade de Brasília com o fim de promoção de
vestibulares, concursos públicos e, atualmente, o ENEM, o Centro de Seleção e de Promoção
de Eventos da Universidade de Brasília – CESPE – foi fundado na década de 1970, sob o
nome de Comissão Permanente de Concurso Vestibular da Universidade de Brasília
(Copeve). Em sua evolução histórica, passou dos vestibulares à elaboração de provas
específicas e Redação.
Com o advento do Regime Jurídico dos servidores públicos civis da União, das
autarquias e das fundações públicas federais (Lei 8.112, de 11/12/1990), o concurso tornou-se
etapa obrigatória para o ingresso no serviço público. Assim, pela necessidade nascida do novo
modelo de seleção para investidura nas funções estatais, o CESPE introduziu-se, de vez, com
o aval do Governo Federal, no ramo de realização de certames públicos.
Em pouco tempo, o Cespe tornou-se o maior realizador de concursos e
avaliações públicas do país. Instituições como o Tribunal de Contas da
União, o Ministério da Educação, a Polícia Federal e a Ordem dos
Advogados do Brasil estão no extenso grupo que busca a credibilidade do
18
Disponível em http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=4632 Acesso em 1º/10/2013.
47
Centro para a realização de provas. O Cespe criou o processo de seleção em
massa no país e por isso tornou-se um dos órgãos mais importantes do Brasil
(CAMPOS, 2011).
Os números impressionam: o CESPE gera um lucro anual de 35 milhões que são
repassados à UnB; e, em 2010, segundo Campos (2011), “5,4 milhões de pessoas em todo o
país participaram de seleções, concursos, avaliações educacionais e vestibulares feitos pela
UnB”.
Quanto à seleção para os cargos públicos, a banca também obedece à disposição
constitucional de aplicação de provas ou de provas e títulos. Quanto às questões em LP, leva
em consideração, igualmente à ESAF, à primeira vista, a capacidade do candidato de
interpretação e conhecimentos gramaticais. Geralmente, a avaliação é constituída por itens do
tipo “certo ou errado”. Nos critérios de correção, diferencia-se radicalmente da Escola de
Administração Fazendária pela penalização do candidato, em que cada resposta errada anula
uma certa.
3.3
AS QUESTÕES
Conforme visto no capítulo 2, existem três tipos de questões: as de verdadeiro ou
falso; as de múltipla escolha; e as de perguntas de preenchimento de lacunas. As provas do
Enem e da ESAF, por exemplo, lançam mão de questões de múltipla escolha. O Cespe, que
também é responsável pelo Enem, utiliza mais as de certo e errado. Vale destacar que o Enem
e os concursos têm propósitos distintos: o Enem busca, além de avaliar o desempenho do
estudante ao fim da educação básica, avaliar o nível das escolas brasileiras e selecionar as
pessoas mais bem preparadas para o ingresso na universidade pública federal.
Já o concurso público visa à classificação dos mais habilitados em conhecimentos já
predefinidos pelos órgãos/entidades/fundações/empresas públicas para os seus quadros. As
provas são elaboradas de forma a eliminar o maior número possível de candidatos, restando
apenas aqueles que supostamente tenham mais capacidade de memorização dos
conhecimentos que constarão em prova.
Carvalho Filho (1997, p. 22) leciona que o
concurso público é o procedimento administrativo que tem por fim aferir as
aptidões pessoais e selecionar os melhores candidatos ao provimento de
cargos e funções públicas. Na aferição pessoal, o Estado verifica a
capacidade intelectual, física e psíquica de interessados em ocupar funções
48
públicas e no aspecto seletivo são escolhidos aqueles que ultrapassam as
barreiras opostas no procedimento, obedecida sempre a ordem de
classificação. Cuida-se, na verdade, do mais idôneo meio de recrutamento de
servidores públicos.
De qualquer forma, como o mote deste trabalho é a verificação de como a
concordância verbal19 é abordada em provas aplicadas em concursos de nível intermediário, o
ENEM é a comparação mais apropriada, visto que seus quesitos apresentam-se da forma o
mais contextualizada possível, fato que se busca verificar nas questões das provas de
concursos que são objeto de análise.
3.3.1. Questão do ENEM
Por uma questão de tempo20, foi selecionada apenas uma questão do ENEM, a título de
exemplo do que consideramos uma avaliação mais funcional de língua.
A questão 125 sobre linguagens, códigos e suas tecnologias do Caderno 7 – Azul – do
segundo dia da aplicação da prova do Enem no ano de 2009 foi assim elaborada:
Veja, 7 maio 1997
Na parte superior do anúncio, há um comentário escrito à mão que aborda a questão das atividades
linguísticas e sua relação com as modalidades oral e escrita da língua. Esse comentário deixa
evidente uma posição crítica quanto a usos que se fazem da linguagem, enfatizando ser necessário:
A) implementar a fala, tendo em vista maior desenvoltura, naturalidade e segurança no uso da língua.
B) conhecer gêneros mais formais da modalidade oral para a obtenção de clareza na comunicação
oral e escrita.
19
E, consequentemente, a LP.
Em pesquisas futuras, pretende-se analisar também como as questões do ENEM evoluíram com o passar dos
anos.
20
49
C) dominar as diferentes variedades do registro oral da língua portuguesa para escrever com
adequação, eficiência e correção.
D) empregar vocabulário adequado e usar regras da norma padrão da língua em se tratando da
modalidade escrita.
E) utilizar recursos mais expressivos e menos desgastados da variedade padrão da língua para se
expressar com alguma segurança e sucesso.
Para a resolução da questão, o candidato precisa ter conhecimentos não só linguísticos,
como também do contexto discursivo criado. Além de perceber as implicações do suporte e
do gênero para a plena compreensão do texto e de relacionar os recursos expressivos e os
efeitos de sentido, o candidato deve ter a capacidade de pôr em prática as suas habilidades de
localizar as informações explícitas e implícitas no texto para identificar o tema e a tese que
defende; interpretar a imagem e fixar a sua finalidade; reconhecer o efeito de sentido
decorrente da exploração de recursos léxicos21.
Dessa forma, toda uma série de conhecimentos deve ser ativada. O que realmente está
sendo verificado é a capacidade do aluno/candidato em perceber o gênero textual propaganda
e seu escopo em buscar o convencimento do outro para algo que se busca vender (no caso, um
livro de técnicas de redação oferecido pelo Jornal “O Estado de São Paulo”22). Para isso, deve
entender a quem se destina o texto (leitores da Revista Veja), de acordo com as opções
lexicais explícitas (uma variação marcadamente de gerações mais novas, exemplificada pelo
uso de gírias como cara e tipo assim) e o discurso que encerra (deve-se ter um maior cuidado
na prática escrita que na oral), levando-o à percepção de que o texto publicitário “dialoga”
com um pai (se seu filho escrever como fala) e que este deve se preocupar com a forma como
aquele se comunica nas duas modalidades da língua, ou o filho estará ferrado. Após
identificar todas essas informações, verificaria a verdade contida na afirmação “D” e chegaria
à resposta correta.
Essas são apenas algumas das habilidades que os PCN esperam daqueles que já
tenham concluído o Ensino Médio. Fica claro que todas as escolhas envolvidas na questão
visam à aplicação dos conhecimentos à realidade do aluno, em vez da simples verificação do
acúmulo de conhecimentos avulsos, numa visão plenamente funcionalista do uso e ensino da
LP. Esse é o “padrão ENEM”.
21
Vide Quadro 2. Matriz de Referência de Língua Portuguesa da Prova Brasil, às folhas 36.
22
Disponível em http://www.propagandaemrevista.com.br/ano/1997/05/ Acesso em 29/10/2013.
50
3.3.2 As questões de concurso
Nas próximas análises, em questões sobre concordância verbal extraídas de provas de
LP de concursos públicos realizados para cargos de nível médio, elaboradas pelas bancas
CESPE e ESAF, será adotado método análogo àquele realizado na questão do Exame
Nacional do Ensino Médio: a pesquisa qualitativa. Nessa abordagem, segundo Minayo (1993,
p. 247), busca-se “aprofundar a complexidade de fenômenos, fatos e processos particulares e
específicos de grupos mais ou menos delimitados (...)” . Suas características são, conforme
Neves (1996, p. 1), o fato de ser direcionada durante o seu desenvolvimento; não objetivando
à enumeração, o que a afasta de meios estatísticos para a análise dos dados. Assim,
(...) do ponto de vista qualitativo, a abordagem dialética atua em nível dos
significados e das estruturas, entendendo estas últimas como ações humanas
objetivadas e, logo, portadoras de significado. Ao mesmo tempo, tenta
conceber todas as etapas da investigação e da análise como partes do
processo (MINAYO, 1993, p. 244).
Dessa forma, e sob a perspectiva da avaliação qualitativa, a análise realizada neste
trabalho busca demonstrar, além da preocupação do examinador em elaborar itens avaliativos
que levem à escolha dos candidatos mais capacitados, se os conteúdos adaptam-se ao uso real
nas atribuições do cargo público, segundo sua classificação mais ou menos funcional ou
estruturalista.
O corpus analisado compõe-se de 12 questões de provas da banca ESAF e 12 questões
do CESPE, totalizando 24 questões sobre concordância verbal. Após a análise das questões,
percebemos que elas poderiam ser classificadas em três grandes categorias:

Estruturais: aquelas que exploram a memorização das regras de concordância, sem
aplicação a um contexto discursivo. São, portanto, as questões que lançam mão de
frases inventadas, da palavra e da frase isoladas, sem sujeitos interlocutores,
sem contexto, sem função; frases feitas para servir de lição, para virar
exercícios (...) [voltados] para a nomenclatura e a classificação das unidades
(...) [usadas de maneira] predominantemente prescritiva, preocupadas apenas
em marcar o “certo” e o “errado” (...) [sem atenção ao] uso da língua em
textos reais, isto é, em manifestações textuais da comunicação funcional (...)
(ANTUNES, 2003, p. 31).
51

Pretextuais: a banca apresenta um texto e propõe reflexões acerca dele. Contudo, a
abordagem das questões sobre concordância mantém-se no nível da verificação
estrutural. Como explica Antunes (2010, p. 50), é a técnica ainda corriqueira nas
escolas, de “gramaticalizar” o texto, tornando-o, meramente “um conjunto de
unidades gramaticais, cujas classes e funções precisam ser identificadas”.

Funcionais: aquelas em que os elementos linguísticos (incluindo aqui a concordância
verbal) aparecem como mecanismos para a construção de sentido/ interpretação do
texto. Essas questões buscam promover “atividades que exploram habilidades mais
complexas de leitura, por exemplo, aquelas ligadas às estratégias de interpretação por
inferência ou por outro tipo implícito”(ANTUNES, 2010, p. 50).
3.3.2.1 Questões da ESAF
Antes da análise das questões, é necessário esclarecer que as funções do cargo
pleiteado são definidas em edital. Como exemplo, o cargo de Técnico de Finanças e Controle
da Controladoria-Geral da União (CGU) 23, cuja prova foi aplicada no ano de 2008, determina
que esse profissional deve realizar “atividades de nível intermediário, de apoio técnico
administrativo, relativas às competências regimentais da Coordenadoria-Geral da União”.
As atividades de nível intermediário relacionam-se diretamente ao grau de
complexidade exigido, tanto da formação escolar – Ensino Médio –, quanto da forma de
operacionalização das atribuições inerentes ao posto. A isso, soma-se a técnica que, conforme
o Dicionário Houaiss (2001, p. 2.683), relaciona-se “à ciência ou ao saber, ao conhecimento
ou à prática de uma profissão”. E essas práticas direcionam-se à globalidade de atribuições
administrativas, ou seja, ao rol de atividades de apoio e execução que auxiliem nas
competências finalísticas do órgão/entidade pública.
Destaca-se ainda, resguardadas as sutis diferenças constantes em cada edital sobre as
atribuições dos cargos de nível intermediário, que as funções desempenhadas pelos
profissionais de nível médio são bem semelhantes entre si.
23
“3 - Das atribuições dos cargos: (...)3.2 - Técnico de Finanças e Controle: Atividades de nível intermediário, de
apoio técnico administrativo, relativas às competências regimentais da Coordenadoria-Geral da União.”
Disponível em http://www.esaf.fazenda.gov.br/concursos_publicos/encerrados/2008/analista-de-financas-econtrole-e-tecnico-de-financas-e-controle-da-cgu Acesso em 31/10/2013.
52
3.3.2.1.1. Estruturalistas
ESAF/CGU/2008/Técnico de Finanças e Controle
Exige-se acento circunflexo nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo e do subjuntivo
dos verbos crer, dar, ler e ver e seus derivados. Qual das opções atualmente foge da regra acima?
A) Felizes os que creem.
B) Não me deem conselhos.
C) Ondas veem e vão.
D) Os jovens de hoje leem pouco.
E) Escritores releem seus escritos muitas vezes.
A questão inicia-se com a definição do uso do acento circunflexo em verbos na
terceira pessoa do plural no tempo presente do indicativo, e pede ao candidato que assinale a
opção que “foge” à regra. As frases, em si, apesar de formarem um enunciado, não o veiculam
nenhum contexto específico de uso, principalmente ao de um futuro técnico de finanças e
controle de um órgão de fiscalização autônomo do Poder Executivo Federal.
Para a resolução desta questão, as competências linguísticas que deveriam ser ativadas
sobre as percepções advindas da escolha do gênero (que gênero?), como resposta àquelas
perguntas já mencionadas na introdução deste capítulo, propostas por Antunes (2010, p. 49),
“como é dito, o que é dito, com que recursos lexicais e gramaticais, com que estratégias
discursivas, quando e por que é dito, para quem e para provocar que efeitos, implícita e
explicitamente”, só poderão ser respondidas, e sobre o aspecto gramatical, apenas as três
últimas indagações.
Resolveria facilmente essa questão o candidato que tivesse conhecimento da
duplicidade de opções sobre a colocação ou não dos acentos nos verbos citados no enunciado,
visto o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa24, ainda não em vigor, aceitar as duas
formas de escrita – com ou sem o acento; que conhecia as diferenças nas conjugações entre o
verbo ver e o verbo vir, sendo que, no segundo, apesar de não duplicar a vogal, a regra do uso
do acento para a terceira pessoa do plural do indicativo ainda permanece; e que não
percebesse o uso do verbo ver em sentido conotativo, usado na resposta “C”, indicada como
correta no gabarito oficial, o que anularia a questão.
24
Disponível em http://www.priberam.pt/docs/acortog90.pdf Acesso em 31/10/2013.
53
Portanto, trata-se de questão totalmente normativista, que exige do candidato o
conhecimento da regra sem contextualizá-la. Acerca da pouca produtividade de tais
averiguações, Antunes (2010, p. 59) redigiu seção sob o título O que evitar nessas atividades
de análise de texto? Figurando como argumento inicial está a dispensável prática de recortar
do texto alguns trechos, visando somente à identificação da classe gramatical ou da função
sintática de palavras determinadas, ou para fazer classificações morfossintáticas. A autora
continua afirmando que o uso de atividades desse tipo só é útil caso haja uma preocupação em
demonstrar como as unidades classificadas “são significativas para a compreensão dos
sentidos e das intenções”.
As questões que se seguem foram escolhidas, entre as demais do corpus analisado,
por, além de, ilustrarem o exame sob o viés imanentista do estudo da língua, demonstrarem
uma tendência: apesar de ainda serem cobrados nos pleitos mais recentes de ambas as bancas,
os itens puramente estruturalistas nas provas do CESPE aparecem de forma mais acentuada
em seus anos iniciais como comissão realizadora de concursos do que a ESAF, cuja
disposição ainda é atual e presente em seus pleitos.
ESAF/TRT 7ª Região/2003/Técnico Judiciário
19 - Marque a opção que contém erro de concordância verbal.
A) Segundo um estudo da Associação Americana de Medicina, mais da metade dos trabalhadores
queixam-se de cefaleia e dores musculares.
B) Esses males afetam a produtividade e causam grande prejuízo às corporações, mesmo que não
resultem em faltas.
C) Em média, a redução do desempenho entre os que sentem dor equivalem a quatro horas e meia de
trabalho por semana.
D) Um ou outro entrevistado admitiu que as dores prejudicavam seu rendimento no trabalho.
E) Mais de 53% dos entrevistados disseram ter sofrido alguma dor nas duas semanas anteriores à
pesquisa.
Após breve leitura, percebe-se que a questão tem o fito único de verificar o domínio
puro das regras de concordância. Ao item “A” aplica-se a regra de concordância em
expressões partitivas, que é facultativa: o verbo pode concordar com o núcleo do sujeito –
metade – ou com o núcleo do complemento nominal – trabalhadores. A regra, segundo
Bechara (2009, p. 557), é a “do sujeito representado por expressão como a maioria dos
54
homens (...) a maior parte de, grande parte de, parte de e um nome no plural, o verbo irá para
o singular ou plural” (Grifos no original).
No item “B”, o sujeito de afetam, causam e resultem é o mesmo: males. Bastaria ao
candidato conhecer a regra básica de concordância: o verbo concorda em número e pessoa
com o sujeito a que se refere. Nas palavras de Bechara (2009, p. 554), havendo apenas um
sujeito e este sendo “simples e plural, o verbo irá para o plural”.
No item “C”, há o que Bechara chama de “sujeito oracional”, que consiste em a
redução do desempenho entre os que sentem dor. A regra, nesse caso, de acordo com o
mesmo autor é “fica no singular o verbo que tem por sujeito uma oração, que, tomada
materialmente, vale por um substantivo do número singular (...)”, o que implica que o verbo
concorda com o núcleo do sujeito redução. O que há de “dificultador” nesse item é o fato de o
verbo estar distante do núcleo a que se refere, o que pode induzir a marcar como correta a
concordância entre equivale e os que sentem dor.
Bechara (2009) explica as regras contidas nos itens “D”: “Sujeito ligado por ou – [se
a conjunção indicar] identidade ou equivalência (...), o verbo irá para o plural mais
frequentemente, porém pode ocorrer o singular”. (BECHARA, 2009, p. 557) (Grifos no
original); e “E”: “nas linguagens modernas em que entram expressões numéricas de
porcentagem, a tendência é fazer concordar o verbo com o termo preposicionado que
especifica a referência numérica” (BECHARA, 2009, p. 566)
Este tipo de análise, conforme ensina Antunes (2010, p. 62), acaba engessada como
“uma espécie de fórmula, como se todo texto seguisse, com absoluta rigidez, um modelo
estável e fosse independente de suas condições de produção e circulação”. Ao entrar em
exercício, o futuro técnico judiciário não encontrará textos estanques, desvinculados da
situação de produção, motivação, fim a que se destinam.
ESAF/MRE/2004/Assistente de Chancelaria
10 - Indique a frase em que o verbo sublinhado está flexionado incorretamente.
A -As tropas aliadas interviram com violência para deter os conflitos.
B - Os sindicatos esperam que os empresários se atenham aos pontos do acordo salarial.
C -Se querem que os bandidos agridam os moradores da favela, é só fornecer-lhes um pequeno
motivo.
D - Pretendem que toda essa vasta bibliografia caiba na cabeça dos candidatos do concurso.
E - Sempre provejo a despensa antes da chegada de qualquer hóspede.
55
Questão com “peguinhas” que pretende, somente, verificar a capacidade do candidato
em decorar as conjugações de verbos cujos usos não são tão utilizados.
O item “A”, cuja flexão do verbo intervir está em desacordo com a norma padrão, é o
considerado incorreto. Na terceira pessoa do plural do pretérito imperfeito, a flexão acertada é
intervieram e não interviram. Silva (2012), ensina ser a conjugação “igual a sobreveio de
sobrevir e veio de vir‖.
ESAF/MF/2009/Assistente Técnico Administrativo
35 – Indique a opção que completa, com correção gramatical, os espaços do trecho abaixo.
Uma nova forma de gerenciamento chega ao mercado: a quarteirização. Ela pode ser entendida como
a contratação de um executivo que administra os contratos e atividades de terceiros.
Para as organizações que são abertas ___1___ realidade e ___2___ mudanças, que ___3___ muito
___4___ delegando para terceiros aquelas atividades intermediárias de sua empresa, a
quarteirização é uma ótima opção.
(Adaptado de http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp040149.pdf)
a)
b)
c)
d)
e)
1
A
À
À
À
A
2
As
A
As
Às
A
3
a
há
à
há
a
4
vem
vem
veem
vêm
vêm
Novamente, banca e órgão preocupam-se com a demonstração de conhecimento de
regras pelos candidatos. Além de crase e regência verbal, o conhecimento sobre concordância
recai sobre dois pontos: a concordância do verbo haver quando significando ter, para fatos
ocorridos no passado e, novamente, na capacidade de diferenciação nas conjugações dos
verbos ver e vir, e a necessidade de acentuação do segundo quando conjugado na terceira
pessoa do plural do indicativo, no caso, para concordar com mudanças. Opção correta: letra
“D”.
A questão não aborda a importância do conceito de “quarteirização”, nem de que
maneira a concordância verbal poderia ser vista como um mecanismo de organização textual.
Nesse caso, cabe a reflexão: para um assistente técnico administrativo do Ministério da
Fazenda, é mais relevante memorizar quatro regras ou saber refletir acerca de um fenômeno
que faz parte da economia contemporânea? Ao que parece, a memorização é mais
valorizada...
56
3.3.2.1.2 Pretextuais
ESAF/ANEEL/2004/Técnico Administrativo
Nas questões 15 a 17, assinale a opção que corresponde a erro gramatical.
15- Em 1934, foi promulgado(1) o Código das Águas, que atribuiu(2) à União o poder de autorizar ou
conceder o aproveitamento de energia hidráulica e estabeleceu a distinção entre a propriedade do
solo e a propriedade das quedas d’água e outras fontes de energia hidráulica para o efeito de(3)
aproveitamento industrial. Todos os recursos hídricos foram incorporados ao patrimônio da União.
Asseguravam-se(4) ao Estado Novo o direito de intervir(5) nas atividades produtivas para suprir as
deficiências da iniciativa privada e negava-se aumento da participação de estrangeiros no setor
elétrico, bem como em outros setores econômicos.
(Adaptado de www.energiabrasil.gov.br/energiabrasil_historico)
A) 1
B) 2
C) 3
D) 4
E) 5
Nada mais apropriado que, numa prova para o cargo de técnico administrativo da
Agência Nacional de Energia Elétrica, tenha-se elegido um texto que, além de informar os
candidatos sobre a criação do Código de Águas, envolve temas de Direito Constitucional,
como a competência da União para legislar sobre o assunto; e fatos históricos, como a
Constituição de 1934 ter introduzido a prerrogativa de o Estado Novo intervir nas atividades
prestadas pela esfera privada e negar o aumento de investimentos estrangeiros no setor
elétrico.
Quanto aos aspectos gramaticais, toda uma gama de estratégias usada pelo autor
poderia ter sido abordada, dando azo a uma interpretação que usasse os itens lexicais e
gramaticais para a averiguação dos sentidos pretendidos.
No tocante à concordância verbal, os verbos em destaque poderiam ser utilizados para
o entrelaçamento das matérias presentes no trecho, tornando a questão intertextual.
Promulgado – o Código de Águas –, que, numa Constituição legítima, tem a acepção de
norma inserida de forma democrática, poderia ter sido usado para demonstrar a configuração
política quando da entrada do Estado Novo; atribuiu à União, dando espaço à análise das
competências constitucionais já citadas; intervir como demonstração da soberania do Estado,
representado pela União, para atuar em assuntos de interesse geral – a distribuição de energia
elétrica – visando ao interesse público.
57
No entanto, mesmo frente a todas essas possibilidades, o texto figura como simples
artifício que servirá, apenas, como um meio para a inserção equivocada da concordância entre
asseguravam-se e o direito. Item incorreto: letra “D”.
ESAF/MRE/2004/Assistente de Chancelaria
17- Assinale a opção que corresponde a erro morfossintático, de concordância ou inadequação
vocabular.
Nossa língua é, entre as grandes do mundo, certamente uma das que mais mudam de ano para ano,
como se tomada por um desejo furibundo de se destruir, de perder sua identidade, de se esquecer e
alienar-se de si. Devemos isso, em parte, à mania experimentalista que redundou na idolatria do
―inventar‖, e caiu no mero beletrismo; em parte, devemos-lo ao jornalismo e à TV, que, ansiosos por
imitar os trejeitos primeiromundistas, o fazem em prejuízo da lógica e da gramática.
(Baseado em Olavo de Carvalho, ―O pensamento brasileiro no futuro: um apelo à responsabilidade histórica‖)
a) mudam
b) furibundo
c) alienar-se de si
d) devemos-lo
e) o fazem
Arriscando-se a opinar sobre Linguística, assunto do qual evidencia não ter domínio,
Olavo de Carvalho faz uso de palavras rebuscadas para criticar a evolução natural do
Português Brasileiro como se fosse uma simples “mania”, disseminada pela mídia, em imitar
países de primeiro mundo, o que estaria destruindo o idioma, “em prejuízo da lógica e da
gramática”. Que lógica?
A banca solicita ao candidato que encontre o erro no texto, que pode ter fundo
morfossintático, de concordância ou de inadequação vocabular. Quanto à inadequação de tudo
o que foi dito, não há a menor manifestação.
Uma das [línguas] é o sujeito de mudam. Furibundo, segundo o Dicionário Michaelis
de Português Online26 é um adjetivo que equivale a furioso. Alienar-se de si é uma construção
com verbo reflexivo totalmente aceitável. O fazem refere-se aos jornais e tevê que buscam
imitar os trejeitos primeiromundistas.
O erro está na conjugação do verbo com pronome oblíquo átono devemos-lo, cuja
regra, segundo Bechara (2009, p. 265): “se o verbo terminar por vogal ou semivogal oral, os
26
Disponível em http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=furibundo. Acesso em
3/11/2013.
58
pronomes aparecem inalterados”. Recomenda que, o correto seria: o devemos, sendo que, o
pronome oblíquo o refere-se ao desejo furibundo da nossa língua em se destruir.
O texto, mais uma vez, figura como um mero pretexto para a percepção de uma regra,
cuja escrita equivocada, utilizada no texto, dificilmente seria proposta por um candidato ao
redigir um texto. Aliás, todo o texto é um equívoco, como mencionado anteriormente.
ESAF/DNIT/2012/Técnico Administrativo
8 - A partir das informações abaixo, avalie as propostas de redação de um parágrafo nos itens a
seguir.
VOCÊ SABIA QUE....
80 minutos diários é o tempo que o brasileiro perde em engarrafamentos?
70 milhões de veículos novos chegam por ano às ruas em todo o mundo?
80% do trânsito é ocupado por automóveis que transportam somente 30% dos passageiros?
(Adaptado de Superinteressante, dezembro2012, p.34)
I.
II.
III.
O brasileiro perde 80 minutos diários em engarrafamentos e 80% do trânsito é ocupado
por automóveis que transportam somente 30% dos passageiros; enquanto isso, ao redor
do mundo, 70 milhões de veículos novos chegam anualmente às ruas.
Enquanto 80% do trânsito são ocupado por automóveis que transportam somente 30%
dos passageiros, o brasileiro perde o mesmo tempo, diariamente em engarrafamentos,
chegando com 70 milhões de veículos novos às ruas em todo o mundo.
Em todo o mundo, 70 milhões de veículos novos chegam, por ano, às ruas. Enquanto isso,
o brasileiro perde 80 minutos diários em engarrafamentos e 80% do trânsito é ocupado
por automóveis que transportam somente 30% dos passageiros.
a) Apenas I está correta.
b) Apenas II está correta.
c) Apenas I e II estão corretas.
d) Apenas I e III estão corretas.
e) Apenas II e III estão corretas.
Malgrado a orientação de Salinas (2004) de não se construírem questões cujas
respostas sejam dispostas da maneira como vista anteriormente, esse tipo de questão ainda é
comum em provas de concursos públicos.
A regra, em concordância verbal, a ser observada é da “concordância nas expressões
de porcentagem”, assim, preceituada por Bechara (2009, p. 566): “nas linguagens modernas
em que entram expressões numéricas de porcentagem, a tendência é fazer concordar o verbo
com o termo preposicionado que especifica a referência numérica”.
59
Nas orações acima, cada expressão de porcentagem é seguida por do trânsito. Pela
regra, o verbo deve concordar, em número, com ele. O que não ocorre com o verbo ser na
opção II. Logo, a resposta a ser marcada é a letra “D”: apenas I e III estão corretas.
Novamente, permanece a impressão de que, para um agente de trânsito, é suficiente
reconhecer a regra gramatical, como se fosse com ela, pura, descontextualizada, que esse
profissional fosse trabalhar diariamente (não com os gêneros textuais que obviamente têm a
ver com o trânsito, como o da questão em tela).
ESAF/Ministério da Fazenda/2012/Assistente Técnico Administrativo
51 - Assinale a opção em que o texto foi transcrito com erro no uso do verbo sublinhado.
Animado com os indicadores positivos mais recentes, o governo reforçou ontem o tom otimista sobre
a recuperação da atividade econômica, apesar de analistas do mercado financeiro estarem(A) ainda
céticos sobre o ritmo do crescimento. O tom otimista foi usado em declarações da Presidenta, do
Ministro da Fazenda e do presidente do Banco Central, a quem coube(B) o recado mais importante,
ao afirmar(C) que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) vai acelerar nos próximos meses,
mas com preços sob controle. Os estímulos dados pelo governo já obteram(D) uma resposta positiva
da atividade econômica, mas ainda não produziram plenamente seus efeitos. Por isso a tendência é de
recuperação mais à frente, sem que exista(E) risco de a inflação fugir da meta estabelecida para este
ano.
(Adaptado do Correio Braziliense, 18 de agosto de 2012)
a) A
b) B
c) C
d) D
e) E
O texto apresenta-se como pano de fundo para a percepção de uma falha de
conjugação. Apesar da necessária recorrência ao trecho para confirmar os sujeitos dos verbos
e perceber se a concordância está conforme as regras da gramática tradicional, nesta questão,
banca e órgão, aparentemente, só queriam averiguar se o candidato conhecia a correta
conjugação do verbo obter na terceira pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo, de
modo a combinar com o sujeito os estímulos dados pelo governo.
Acertou a questão aqueles que marcaram como incorreta a letra “D”, por saberem que
a conjugação correta é obtiveram. Não aqueles que sabiam de economia...
60
3.3.2.1.3 Funcionalistas
ESAF/CGU/2008/Técnico de Finanças e Controle
Essa questão foi especialmente escolhida por fazer parte da mesma prova que
exemplificou o primeiro ponto estruturalista em provas da ESAF, servindo como
demonstração da convivência, numa mesma peça avaliativa, de questões com diferentes
visões de análise da língua. Não que isso seja o ideal, mas, por ilustrar a insistência das
bancas em verificar conhecimentos centrados “em irrelevâncias, em saberes inócuos e
improdutivos, que não servem senão para o dia do exame” (ANTUNES, 2010, p. 62); ao lado
daquelas orientadas à
apreensão [dos] aspectos globais [das questões analisadas], ou seja, para o
entendimento do texto como um todo, daquilo que o perpassa por inteiro e
que confere sentido às suas partes e a seus segmentos construtivos
(ANTUNES, 2010, p. 65).
3 - Assinale a opção que dá continuidade ao trecho transcrito abaixo, respeitadas a coerência entre
as ideias e a morfossintaxe da norma escrita padrão.
Os homens públicos brasileiros aceitam, com naturalidade, a permanência na vida brasileira de
coisas injustas, como os impostos que comem quase 40% de tudo o que o Brasil produz
____________________
a) de cuja parte significativa se destina a oferecer serviços à população mais necessitada.
b) na má gestão dos recursos públicos.
c) em favor dos quais se disponibiliza a população serviços de qualidade inferior.
d) por via do aumento de impostos já existente ou da criação de novos.
e) e em troca dos quais se oferecem serviços de qualidade infame.
(Com base em Guzzo, J. R. ―O fim de uma mentira‖, Exame, 31/12/2007, p. 67)
Há toda uma preocupação para que o candidato demonstre habilidade de estabelecer
relações entre as partes do texto, inferindo as relações de causa/consequência que são
perceptíveis por meio do estabelecimento das relações lógico-discursivas presentes no texto27.
O enunciado dá pistas à resolução: respeitadas as coerências entre as ideias e a
morfossintaxe (...). Quanto às ideias, o trecho inicial ressalta a permissividade dos homens
públicos brasileiros – chefes do Executivo e Legisladores – frente a injustiças como o
27
Vide quadro 2. Matriz de referência de Língua Portuguesa da Prova Brasil.
61
recolhimento de impostos que “comem” quase 40% de tudo o que é produzido no País –
informação de extrema relevância para a atuação de um técnico de finanças e controle.
Todas as alternativas podem ser analisadas sob ambos os aspectos: ideológico e
morfossintático. São verificadas, inicialmente, aquelas cuja pura interpretação as resolve.
A questão “A” desrespeita a continuidade lógica, visto as injustiças não se
coadunarem ao oferecimento de serviços à população mais necessitada. O item “B” não
prossegue coerentemente, por não haver como o Brasil produzir tanto imposto através da má
gestão dos recursos públicos. A questão “E” segue pela mesma linha: não há como uma taxa
de cerca de 40% de impostos consumir quase toda a produção do país por via do aumento de
impostos já existente ou da criação de novos (percebe-se aqui, também, a falta de
concordância entre impostos e existente). Essas sequências simplesmente não respeitam a
coerência entre as ideias.
Nas “C” e “E”, que preenchem a lacuna de maneira consistente, ao relacionarem a alta
carga de impostos à injustiça da prestação de serviços que não condizem aos valores
cobrados, o diferencial será a análise por meio dos itens morfossintáticos. No item “C”, a
oração em favor dos quais se disponibiliza a população serviços de qualidade inferior: em
favor dos quais refere-se a impostos. Os serviços de qualidade inferior disponibilizados à
população não são um favor à alta carga tributária. Faltou, também, a aposição de crase para
marcar a junção do artigo e da preposição antes de população, visto a regência do verbo
disponibilizar exigir o artigo – algo é disponibilizado a alguém.
Logo, o item “E” respeita as ideias contidas no trecho que o antecede e de forma
morfossintática coerente: Os homens públicos brasileiros aceitam, com naturalidade, a
permanência na vida brasileira de coisas injustas, como os impostos que comem quase 40%
de tudo o que o Brasil produz e em troca dos quais [em troca dos impostos] se oferecem
serviços de qualidade infame. Questão correta.
ESAF/MRE/2002/Assistente de Chancelaria
Leia o texto abaixo para responder às questões 3 e 4.
O tribunal do mundo
[...]
A partir da instalação da Corte no próximo ano em Haia (Holanda), os delitos co-
62
5
10
15
metidos contra os direitos humanos em situações de conflito não serão mais protegidos
pelas barreiras da impunidade. A jurisdição
julgadora está garantida pelos 65 países que
a ratificaram entre os 139 subscritores do
pacto da capital italiana.
Um órgão acima das estruturas nacionais com competência penal não serve apenas para punir os crimes de guerra, de genocídio, de lesa-humanidade, de agressão.
Sua presença no topo da ordem jurídica
mundial, com autoridade avalizada pela maioria das nações, se presta, sobretudo, para
inibir tais tipos de violação. Constitui, pois,
instrumento preventivo para assegurar os
direitos essenciais de grupos humanos em
nome da paz.
(Correio Braziliense, Visão do Correio, 12/04/2002, com adaptações)
4 - Assinale a opção incorreta a respeito das estruturas linguísticas do texto.
a) A colocação de uma vírgula após ―Corte‖(L.1) é opcional tanto do ponto de vista sintático como
semântico.
b) Textualmente, o sentido da expressão ―jurisdição julgadora‖(L.5 e 6) equivale a ―Corte‖ (L.1).
c) A ênfase de sentido conferida pelo advérbio ―sobretudo‖(L.15) incide mais diretamente sobre o
verbo inibir do que sobre ―tipos de violação‖(L.16).
d) Subentende-se como sujeito sintático de ―Constitui‖(L.16) a expressão inicial do parágrafo, ―Um
órgão acima das estruturas nacionais com competência penal‖.
e) O deslocamento da expressão ―em nome da paz‖(L.18 e 19) para depois de ―assegurar‖(L.17)
exige o emprego de vírgula antes e depois da expressão.
Questão que reúne a aplicação de regras às suas implicações concretas no texto. No
item “A”, a regra da opcionalidade da vírgula, assim como a sua colocação não alterar
semanticamente o texto, são afirmações verdadeiras.
Numa primeira leitura, o item “B” procura testar os conhecimentos dos candidatos em
recursos coesivos e de coerência, ao chamar a atenção à substituição de Corte por jurisdição
julgadora em linha posterior no trecho. Entretanto, a leitura mais atenta da afirmativa
demonstra que não é a isso que se refere. Ao aludir à equivalência das duas expressões, o
examinador se referiu ao aspecto semântico textual, ou seja, literal. Refere-se às duas
expressões consideradas em si mesmas e não à sua equivalência dentro do texto. Assim, no
Dicionário Michaelis de Português Online 28 , Corte é uma das “denominações dadas aos
tribunais” e jurisdição como “a faculdade de aplicar as leis e de julgar” inserida em
determinada base territorial. Logo, este é o item incorreto.
28
Disponível
em
http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portuguesportugues&palavra=corte e em http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portuguesportugues&palavra=jurisdi%E7%E3o . Acesso em 3/11/2013.
63
A afirmação contida no item “C” leva o candidato à análise de todo o parágrafo.
Criada com força supranacional, a Corte tem, acima de seu caráter jurisdicional, o fito de
coibir os crimes contra a humanidade. Logo, a ênfase do advérbio sobretudo incide,
realmente, mais sobre o verbo inibir. Item correto.
A oração destacada no item “D” tem valor sintático de sujeito e é a ela que se refere o
verbo constitui na linha 16. Para chegar à conclusão sobre a concordância, o candidato deve
retomar o texto, de forma a compreender, também, o uso do recurso gramático de substituição
lexical para retomar um sujeito e dar coesão e coerência ao texto. Item correto.
Toda a oração instrumento preventivo para assegurar os direitos essenciais de grupos
humanos corresponde a um único sintagma nominal, com função sintática de sujeito. Logo,
qualquer expressão que seja incluída em seu corpo precisará vir entre vírgulas. Item correto.
ESAF/ANEEL/2006/Técnico Administrativo
5
10
15
De fato, os jovens têm motivos para se sentirem
inseguros. Começam a vida profissional assombrados
pelos altos índices de desemprego. Quase a metade
dos desempregados nos grandes centros no Brasil é
jovem. Além da falta de experiência, há o despreparo
mesmo. Grande parte tem baixa escolaridade. O
mercado de trabalho ajuda a perpetuar a desigualdade.
Muitos jovens deixam de estudar para trabalhar.
Mas a disputa é acirrada também entre os mais
bem-preparados. A grande oferta de mão-de-obra
resulta em um processo cruel de avaliação, com testes
de conhecimentos e de raciocínio lógico, redação,
dinâmicas de grupo, entrevistas. E não é só. O jovem
deve demonstrar habilidades que muitas vezes
nem teve tempo de saber se possui ou de descobrir
como adquiri-las. Como o conhecimento hoje fica
obsoleto muito rápido, a qualificação e o potencial
comportamental é que definem um bom candidato, e
não só o preparo técnico.
(Adaptado de ISTOÉ, 5/10/2005)
03- Assinale a opção incorreta a respeito do emprego das estruturas linguísticas do texto.
a) A relação de sentidos entre os dois primeiros períodos sintáticos do texto permite subentender uma
ideia explicativa, expressa pela conjunção Pois, antes de ―Começam‖ ("L.2).
b) Como a expressão ―a metade‖ ("L.3) pode ser considerada um sinônimo textual para 50%, a
substituição daquela por esta preservaria a coerência textual e a correção gramatical.
c) A regência do verbo resultar permite a troca da preposição ―em‖("L.11) pela preposição de; mas,
nesse caso, a relação semântica entre ―oferta‖ ("L.10) e ―processo‖("L.11) se inverte.
64
d) A função textual da oração ―E não é só‖ ("L.13) é a de fazer o leitor antecipar que, além das ideias
expostas nos dois períodos sintáticos anteriores, mais problemas serão enumerados nos períodos
seguintes.
e) A forma de singular em ―é‖ ("L.18) deve-se ao emprego do vocábulo ―que‖ ("L.18); pois o verbo
que se flexiona de acordo com o sujeito da oração é ―definem‖ ("L.18).
Os itens relacionados à concordância verbal são o “B” e o “E”. O primeiro indaga
sobre a substituição da expressão a metade por sua equivalente textual 50%. No excerto, é
expresso quase a metade e não a metade toda, logo, textualmente, as duas expressões não se
equivalem. Aí está o erro do item “B”.
Em “E”, questiona-se sobre a concordância com pronome relativo. Apesar de não
apresentar a regra em termos mais técnicos, o item explica de forma simples, e contextual,
quais os aspectos a serem observados de forma a se saber com quais expressões, dentro do
texto, os verbos ser e definir fazem concordância: o primeiro concorda com o relativo que.
Este, por sua vez, refere-se a qualificação e o potencial comportamental, com os quais
definem se coaduna.
3.3.2.2. Questões do Cespe29
3.3.2.2.1. Estruturalistas
CESPE/TJDFT/1997/Técnico Judiciário
Leia o texto abaixo para responder às questões de 10 a 12
ERRO DA LEI
É preciso enfatizar, em primeiro lugar, que a lei dos transplantes é boa em seu conjunto, mas
erra gravemente ao estabelecer a doação presumida ou compulsória. Erra em relação à ética médica
e erra em relação à sociedade, porque atenta contra a cultura brasileira, alicerçada na solidariedade
humana.
Obrigar o médico a retirar órgãos sem consentimento da família é desumano. A medicina tem
como pilar principal a forte relação médico-paciente, que se estabelece entre parceiros, não entre
adversários. É incorreto e eticamente indefensável romper essa relação, usando como artifício o
29
Os enunciados das questões do Cespe foram reescritos conforme constam nas provas (vide anexos às folhas 97
às 109). Assim, constam mais de uma questão no enunciado, mas só foram analisadas aquelas que se referem ao
fenômeno gramatical da concordância verbal.
65
artigo de uma lei impositiva, seja ela qual for. Secularmente, a cultura médica impede que o médico
realize qualquer procedimento sem o consentimento do próprio paciente ou de seus familiares. O
Código de Ética Médica, além de garantir a relação de confiança entre médico e paciente, dá ao
médico, no seu artigo 28, o direito de não executar nenhum ato que seja contrário aos ditames de sua
consciência. Nenhuma lei pode subverter esse padrão ético. É bom lembrar o exemplo da França,
onde existe lei semelhante à nossa, mas onde, até hoje, nenhuma equipe de transplantes retirou
qualquer órgão sem a expressa aquiescência prévia do doador ou de sua família.
Não se pode falar, em defesa da lei, que há falta de órgãos para transplantes. Isso não é
verdade. O que há é falta de condições de conservação, de transporte, de centrais de transplantes
ágeis. Além de uma clara falta de confiança da população na política governamental de saúde: os
sucessivos governos que se estabeleceram após a Constituinte de 1988 têm demonstrado que não se
preocupam nem com os vivos, quanto mais com os mortos. A prova disso é que, ano após ano, o
orçamento para a saúde diminui, apesar das disposições constitucionais em contrário. Para que o
panorama se modifique e tenhamos um número maior de doadores espontâneos, é absolutamente
necessário que o governo demonstre em atos que é merecedor da confiança dos cidadãos em relação
às questões de saúde. Mas, se o próprio orçamento do setor cai constantemente, como esperar tal
demonstração?
É preciso analisarmos também outro aspecto da questão. A doação presumida acaba com o
direito do cidadão de exercer solidariedade conscientemente. Vai de encontro ao desejo social de o
cidadão afirmar espontaneamente que é doador, que é solidário. Melhor teria feito o legislador se
colocasse na lei que, nas carteiras de identidade, ou de motorista, o cidadão expressasse seu desejo
de ser doador, não de não o ser. Isso, sem dúvida, facilitaria o trabalho das equipes de transplantes e
daria a todos o direito de exercer sua solidariedade expressamente.
Waldir Paiva Mesquita. Correio Braziliense, 11/1/98, p. 22.
QUESTÃO 12
Em cada período retirado do texto e colocado nas opções abaixo, há palavras sublinhadas. Assinale
aquela em que a indicação da classe gramatical não corresponde às dos termos sublinhados.
– ―É preciso enfatizar, em primeiro lugar, que a lei dos transplantes é boa em seu conjunto, mas erra
gravemente ao estabelecer a doação presumida ou compulsória.‖ / verbos
B – ―Obrigar o médico a retirar órgãos sem consentimento da família é desumano. A medicina tem
como pilar principal a forte relação médico-paciente, que se estabelece entre parceiros, não entre
adversários.‖ / substantivos
C – ―É incorreto e eticamente indefensável romper essa relação, usando como artifício o artigo de
uma lei impositiva, seja ela qual for. Secularmente, a cultura médica impede que o médico realize
qualquer procedimento sem o consentimento do próprio paciente ou de seus familiares.‖ /
pronomes
D – ―Não se pode falar, em defesa da lei, que há falta de órgãos para transplantes. Isso não é
verdade. O que há é falta de condições de conservação, de transporte, de centrais de transplantes
ágeis.‖ / preposições
À primeira vista, pode-se pensar numa questão do tipo “funcional”. Contudo, após
uma breve leitura, uma decepção que, provavelmente, também atingiu o candidato à vaga de
técnico judiciário no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios que esperava uma
prova de LP mais voltada a situações reais de uso. Em um texto tão rico de informações que
serão úteis ao desempenho dessa função, os itens versam apenas sobre o reconhecimento de
classes morfológicas. E a análise acerca da dissertação sobre ética médica; todos os
argumentos que desautorizam um projeto de lei que possibilitaria a retirada de órgãos sem o
66
consentimento das famílias; todos os dados fornecidos acerca do assunto; a denúncia sobre a
falta de investimentos na saúde; toda a elegia à solidariedade humana?
Resolver esta questão prescinde da leitura prévia do texto. Ou seja, a leitura é
totalmente dispensável. Qual seria, afinal, a intenção dessa pergunta? O que o examinador
buscava aferir do candidato ao eleger essa averiguação na prova? Descobrir que sabe o que é
um verbo, um substantivo, um pronome e uma preposição? No cotidiano do serviço público, o
pretendente ao cargo precisará escrever os nomes das classes de palavras em um memorando,
em algum ofício, ou, quem sabe, grifar os verbos de um processo em matéria criminal?
Antunes (2010, p. 58) destaca que toda análise textual deve desenvolver a competência
comunicativa dos usuários da língua. E lembra que tal competência é eminentemente
discursiva.
Ou seja, a competência de uma pessoa em termos linguísticos se avalia pela
capacidade que essa pessoa tem de, falando, escutando, lendo e escrevendo,
atuar por meio de diferentes discursos, em diferentes práticas sociais e de
obter, com seus discursos, os fins a que se propõe.
Retornando à questão, o item incorreto é a letra “C”. Sem e próprio não são pronomes.
CESPE/MPU/1996/Assistente Administrativo
QUESTÃO 10
Seguindo as normas gramaticais da língua culta, a sugestão "Seja trabalhador e você também será
venturoso.", se for expressa na terceira pessoa do plural, tornar-se-á:
(A) Sede trabalhadores e vós também sereis venturosos.
(B) Sejam trabalhadores e vós também sejais venturosos.
(C) Sê trabalhadores e vocês também serão venturosos.
(D) Sejam trabalhadores e vocês também serão venturosos.
(E) Sejais trabalhadores e vocês também serão venturosos.
A questão apenas visa verificar se o candidato sabe qual o modo verbal que se encaixa na
terceira de plural da oração contida no enunciado. Se o candidato conseguir perceber que a
sentença está no presente do indicativo, terá como correta a letra “D”.
67
CESPE/TCU/1996/Agente Administrativo
Leia o texto a seguir para responder às questões de 1 a 20.
.......................................
Algum pessimista argumentará que, qualquer que seja o tratamento que eu dê ao tema anunciado pelo
título acima, não passarei de comentários tautológicos, já que a morte por si mesma é banal, não
necessitando de que se sublinhem essa condição. De fato, como única verdadeira certeza que temos
na vida, a morte é banal, acontece a toda hora e, mais cedo ou mais tarde, chegará para todos. Mas,
embora saiba não estar dizendo novidades, pois eu mesmo já falei neste assunto várias vezes e em
várias ocasiões, acho que, entre nós, a morte está ficando banal em demasia. Nas grandes cidades
brasileiras a começar pelas duas maiores, mata-se praticamente como se tratasse de algo inerente à
existência urbana. Não creio estar apenas reprisando um bordão de velho, quando digo que a vida
humana cada vez tem menos valor - e não só para bandidos, que assassinam mesmo sem necessidade
alguma, mas para nós, outros, que só faltamos dar de ombros, quando sabemos de uma nova morte
violenta, entre as dezenas que se noticiam todos os dias nos jornais. Em biologia, sabe-se que a
repetição exaustiva de um estímulo acaba por atenuar fortemente, ou mesmo eliminar, seu efeito. Sem
dúvida, isto acontece conosco. De tanto sabermos de barbaridades, já não mais nos chocamos. A
morte violenta não nos sitia somente nos noticiários. Ela está em todas as partes, nas balas perdidas
que vêm atingindo tanta gente no Rio de Janeiro e que são mesmo objeto de fornidas coleções em
alguns bairros, nos jogos eletrônicos que fascinam nossos filhos e netos e nos enlatados americanos
com que somos bombardeados pela televisão. Desde criança, vemos mortes violentas às dúzias. E, o
que é pior, mortes desacompanhadas de tudo que ela traz na vida real. O personagem toma um tiro,
bate as botas e nada mais acontece. Não há luto, não há orfandade, não há viuvez, não há nem sequer
dor. O assassinato e a morte são quase iguais a outros atos corriqueiros da vida cotidiana. Sabemos
também que, embora não esteja na lei, a pena de morte, pública e privadamente decretada, há muito
tempo existe no Brasil. De vez em quando aparece uma reportagem, mostrando como pistoleiros
cobram quantias que não dão nem para um bom jantar, num bom restaurante, para matar alguém que
não conhecem e que nunca lhes fez mal. Encher a cara, pegar o carro e matar um desafeto é a melhor
maneira de cometer homicídio no Brasil. O matador paga fiança, é solto, responde o processo em
liberdade e, se eventualmente for condenado, poderá, caso se trate de réu primário, cumprir a pena
também em liberdade. A polícia mata ("executa", palavra com que certa imprensa parece querer
nobilitar o assassinato) e não mata somente o bandido, mas também o cidadão que está por perto.
Comerciantes contratam "justiceiros", que tomam a si o encargo de eliminar quem quer que pareça
uma ameaça. Viajar de ônibus passou a ser uma aventura cotidiana, pois raro é o dia que um ou mais
não são assaltados, com direito a tiroteio. Hospitais, berçários, asilos de velhos e clínicas matam em
níveis reminiscentes do nazismo. Morre-se de fome nas cidades e no campo, e por aí vamos. Enfim,
mata-se escandalosamente em toda parte e ficamos nós, os sobreviventes, como que anestesiados.
Para muitos, infelizmente, o problema só se torna grave quando a vítima lhes é próxima. Enquanto
acontece somente com os outros, não merece muita atenção. Isso não pode deixar de ser visto como
uma gravíssima deformação, de que precisamos tomar consciência e nos livrarmos a qualquer custo.
A morte é o fim natural da vida, mas não é natural que se alastre dessa forma monstruosa e que,
embotados, abúlicos e acomodados, não façamos nada para mudar a situação em que tão
aviltantemente existimos. Não somos bichos, somos cidadãos, e se não zelarmos até ferozmente pelos
nossos direitos, dentro em breve não teremos mais direito nenhum, nem mesmo à vida.
João Ubaldo Ribeiro. Manchete, 16/11/96, p. 97.
QUESTÃO 13 Considerando o período "O personagem toma um tiro, bate as botas e nada mais
acontece." (l.18-19), assinale a opção correta.
68
O período é composto por coordenação, mas apenas uma oração é coordenada sindética.
"O personagem" é o sujeito das três orações.
O nível de linguagem é coloquial, culto.
Há apenas artigos definidos exercendo a função de adjuntos adnominais.
As três formas verbais são de predicação transitiva direta.
Um texto riquíssimo em informações. Contudo, as questões podem ser resolvidas sem
nem precisar lê-lo. A resposta correta é a primeira afirmação. O que não agrega nada ao
candidato e àquilo que se espera que execute no futuro cargo, caso seja aprovado,
No segundo item, percebe-se pela leitura do excerto que o sujeito do último verbo é
nada. Além do uso precário do texto, a exploração dos temas gramaticais, como a
concordância verbal, serve apenas para uma verificação vazia de uso prático.
Se o nível de linguagem é coloquial, não tem como ser culto, ao mesmo tempo: isso
desclassifica o terceiro enunciado.
Nas duas últimas assertivas: mais também está exercendo a função de adjunto
adnominal, como adjetivo de intensidade; e acontece é verbo intransitivo.
CESPE/ MPU/2010/Técnico Administrativo
1
4
7
10
13
A recuperação econômica dos países desenvolvidos
começou perigosamente a perder fôlego. A reação dos
indicadores de atividade na zona do euro, que já não eram
robustos ou mesmo convincentes, é agora algo semelhante à
paralisia. Os Estados Unidos da América cresceram a uma taxa
superior a 3% em 12 meses, mas a maioria dos analistas aposta
que a economia americana perderá força no segundo semestre.
O corte de 125 mil empregos em junho indica que a esperança
de gradual retomada do crescimento do mercado de trabalho no
curto prazo era prematura e não deverá se concretizar. As
razões para esse estancamento encontram-se no comportamento
do polo dinâmico da economia mundial, os países emergentes,
cujo desenvolvimento econômico começou a desacelerar —
ainda que a partir de taxas exuberantes de expansão.
Valor Econômico, Editorial, 6/7/2010 (com adaptações).
Com relação às ideias e aos aspectos linguísticos do texto, julgue os itens a seguir.
3 - Se o verbo da oração ―mas a maioria dos analistas aposta‖ (L.6) estivesse flexionado no
plural — apostam —, o período estaria incorreto, visto que, de acordo com a prescrição gramatical, a
concordância verbal, em estrutura dessa natureza, deve ser feita com o termo ―maioria‖.
69
De acordo com a prescrição gramatical, em expressões como “A maioria de (...), o
verbo irá para o singular ou plural” (BECHARA, 2009, p. 557). Logo, a afirmação é incorreta.
A análise textual, conforme verifica-se, é totalmente dispensável.
3.3.2.2.2. Pretextuais
CESPE/Banco do Brasil/2008/Escriturário
Texto para os itens de 1 a 12
1
A linguagem é provavelmente a marca mais notória
da cultura. As trocas simbólicas permitem a comunicação,
geram relações sociais, mantêm ou interrompem essas
4
relações, possibilitam o pensamento abstrato e os conceitos.
Sem linguagem, não há acesso à realidade. Sem linguagem,
não há pensamento. Poder referir-se a algo que não se
7
encontra mais aí, nomear, designar é parte essencial do
pensamento humano. A simples manipulação de um
instrumento vem acompanhada de certa intenção, expressa
10
pelo uso de signos linguísticos e não-linguísticos.
Pensamento é sempre pensamento acerca de alguma coisa e,
por isso mesmo, consiste em linguagem, que não é um mero
13
subproduto do pensamento. É na e pela linguagem que se
pode não somente expressar ideias e conceitos, mas
―significar‖ como um comportamento a ser compreendido,
16
isto é, como comportamento que provoca relações e reações.
Inês Lacerda Araújo. Do signo ao discurso: uma introdução à filosofia da linguagem, p. 9 (com
adaptações).
Com relação às ideias e às estruturas linguísticas do texto, julgue os itens de 1 a 7.
O sinal de acentuação gráfica em ―mantêm‖ (l.3) marca o plural do verbo, que assim é
acentuado para concordar com ―trocas‖ (l.2).
70
A questão traz um texto que propõe uma rica reflexão acerca da importância da
linguagem para o ser humano, o que poderia ter sido explorado de algum modo na análise dos
itens. Contudo, o item que trata de concordância verbal (mecanismo fundamental para tudo
aquilo que o texto defende) exigia uma simples demonstração do conhecimento de uma regra
igualmente simples: a aposição do acento circunflexo ao verbo manter, quando conjugado na
terceira pessoa do plural do indicativo (BECHARA, 2009).
Apesar da necessária recorrência ao texto para a certificação do sujeito mencionado,
essa mínima análise exigida é um fim em si mesma. E, conforme admoesta Antunes (2003,
p.89), “nenhuma regra gramatical tem importância em si mesma”. A nenhuma norma
gramatical é garantida uma força absoluta; e esta deriva da sua efetiva aplicação, “da sua
funcionalidade na construção dos atos sociais da comunicação verbal, aqui e agora”.
Ou seja, a validade da regra apresenta-se quando inserida num texto, ou, parafraseando
Antunes (2003), quando inserida em atos sociais da comunicação verbal: em gêneros textuais.
A dissociação parcial entre o texto e seus aspectos gramaticais só revela a intenção, talvez não
proposital, de dar um mote à averiguação de que o candidato domina uma regra, uma
nomenclatura, um aspecto sintático, sem a menor preocupação com todo o restante. O que é
preocupante, principalmente quando o aspecto gramatical em estudo é o verbo.
Toda atuação verbal se dá através de textos, independentemente de sua
função e sua extensão. Ou seja, o óbvio (mas nem sempre levado em conta) é
que ninguém fala ou escreve a não ser sob a forma de textos, tenham eles esta
ou aquela função, sejam eles curtos ou longos. (ANTUNES, 2003, p. 92).
Não se retira, obviamente, a importância da verificação das regularidades gramaticais
da língua; afinal, conforme Antunes (2003, p. 94), um maior conhecimento de como as
normas se aplicam às mais variadas conjunturas de uso enriquece e amplia as competências
linguísticas do falante, exatamente o que deve ser esperado de um aspirante a cargos públicos.
No entanto, para que essas regularidades sejam compreendidas nessas conjunturas, é
necessário que elas sejam trabalhadas a partir de uma situação real de uso.
CESPE/ANVISA/2007/Técnico Administrativo
1
4
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(ANVISA), por meio da RDC 102/2000, proíbe à indústria farmacêutica
oferecer ou prometer prêmios ou vantagens aos
profissionais de saúde habilitados a prescrever ou dispensar
medicamentos. Além disso, esses não podem solicitar ou
71
7
10
13
16
19
aceitar nenhum incentivo se estiverem vinculados à
prescrição, dispensa ou venda.
Medidas restritivas se impõem, como as
implementadas em outros países, tais como a proibição de
aceitação de presentes (independentemente do seu valor), a
regulamentação da oferta de amostras e o financiamento da
participação em congressos e simpósios. Deve ser vetado
que a indústria farmacêutica influencie, com benefícios
injustificados de caráter financeiro ou material, os médicos
por outros motivos que não o interesse do paciente.
A promoção e o comércio são tarefas da indústria.
Trabalhar em favor do paciente é tarefa para os médicos e
instituições da categoria ou vinculadas à saúde. A educação
médica continuada também é tarefa do médico. Pedir apoio
à indústria é convidar para a promoção e o comércio.
Roberto Luiz d‟Ávila. Conflito de interesses no relacionamento entre médicos e indústria farmacêutica.
In : Medicina Conselho Federal, nº 161, out./nov./dez./2006, p. 23-4 (com adaptações).
Acerca das ideias desenvolvidas no texto acima e de aspectos gramaticais, julgue os itens seguintes.
10 O segundo período do texto (L.5-7) poderia ser corretamente reescrito da seguinte forma: Proíbe,
ainda, que estes solicitem ou aceitem incentivo algum, caso estejem vinculados seja a prescrição, seja
a dispensa, seja a venda de remédios.
O item em tela propõe substituir o verbo “estejam” por “estejem”, conjugação
rechaçada pelos gramáticos puristas. Ao se considerar que o item deve ser julgado quanto a
“aspectos gramaticais”, o comando da questão ignora que a forma “estejem” é perfeitamente
gramatical na norma não padrão. Itens deste tipo, além de preconceituosos linguisticamente,
estabelecem que existe apenas um “aspecto gramatical” disponível: o da norma padrão.
Após a leitura do texto e do item, fica a pergunta: as informações sobre as restrições
impostas à indústria farmacêutica, pela Anvisa, no Brasil, e por outros órgãos reguladores, no
mundo, serviram apenas para que candidatos tivessem uma questão “dada de graça”?
CESPE/ANATEL/2004/Técnico Administrativo
Fazem de tudo Até ligação.
1
4
Pelo Telefone, de Donga, foi o primeiro samba
gravado no Brasil, 88 anos atrás. Hoje, é o telefone, de
tipo móvel, que toca samba — e qualquer outro gênero
musical —, captado por ondas de rádio ou reproduzido em
formato MP3. Mas não fica nisso. Os celulares de nova
geração exibem vídeos baixados da Internet, enviam e
72
7
10
13
16
19
recebem mensagens de texto e e-mails, organizam a agenda
pessoal, fotografam e filmam digitalmente, entre outras
proezas. Muitos operam fora do país sem prejuízo de
qualidade das ligações. O que, por enquanto, é privilégio de
não mais que 1% dos usuários de celular no Brasil será
padrão daqui a dois ou três anos.
Em pouco tempo, o celular poderá substituir o
cartão de crédito em compras eletrônicas, servir para
confirmar a reserva de passagens aéreas no balcão das
companhias aéreas e controlar o movimento da conta
corrente no banco. Em resumo, ajudará o usuário a
economizar tempo — como nenhuma outra máquina fez
antes — e a usar o excedente criado para seu prazer pessoal.
ÉPOCA Tecnologia, 31/5/2004 (com adaptações).
Com base nas ideias e estruturas linguísticas do texto acima, julgue os itens subsequentes.
O emprego da flexão de masculino singular nos termos ―captado‖ (L.4) e ―reproduzido‖ (L.4) devese ao respeito às regras de concordância com ―telefone‖ (L.2).
Uma simples leitura e o candidato perceberá que os verbos concordam com samba.
Apesar do retorno ao texto e de uma leitura um pouco mais atenta para perceber o sujeito dos
verbos destacados, nenhuma competência ou habilidade de leitura, propostas pelos PCN, é
realmente ativada com a questão proposta, por não haver qualquer preocupação em analisar o
aquilo que interessa à perspectiva funcionalista: reflexões acerca do funcionamento da
linguagem.
CESPE/ABIN/2008/Agente de Inteligência
1
A análise dos assuntos relativos ao Oriente Médio
pelos órgãos de inteligência faz parte do esforço em
acompanhar o fenômeno do terrorismo internacional, dados
4
os frequentes enfrentamentos entre grupos radicais e a
possibilidade de que simpatizantes dessas organizações
extremistas possam engajar-se em ações radicais, fora da
7
região, como forma de retaliação, contra alvos de interesse
de grupos rivais ao redor do mundo, inclusive, e de forma
potencial, em território brasileiro.
Paulo de Tarso Resende Paniago. O desafio do terrorismo internacional. In :Revista Brasileira de Inteligência. Brasília:
ABIN, v. 3, n.º 4, set./2007, p. 38 (com adaptações).
73
Com relação a aspectos linguísticos do texto acima, julgue os itens de 16 a 20.
16 A forma verbal ―faz‖ (L.2) está no singular porque concorda com ―Oriente Médio‖ (L.1).
Nenhum aspecto discursivo ou semântico é mencionado. O núcleo da oração
subordinada substantiva subjetiva a análise dos assuntos relativos ao Oriente Médio pelos
órgãos de inteligência é análise, logo, o verbo concorda com essa palavra e não com Oriente
Médio. Questão incorreta.
3.3.2.2.3. Funcionalistas
CESPE/ANS/2005/Técnico Administrativo
A figura acima ilustra uma janela do Word 2000 que contém parte de um texto de Paloma Oliveto,
extraído e adaptado do Correio Braziliense, de 18/1/2005. Considerando essa figura e o texto nela
contido, julgue os itens a seguir.
1 A expressão ―está conseguindo reduzir‖ (L.1), ao conferir ao texto a ideia de que o país está se
esforçando, é mais enfática do que está reduzindo.
A questão uniu o conteúdo sobre conhecimentos em informática e LP. Os itens foram
dispostos de forma que as duas matérias dialogassem, de forma intertextual. No item
destacado, múltiplas habilidades de interpretação são exigidas dos candidatos, tendo a
concordância verbal como pano de fundo.
Ao ser induzido a verificar qual dos enunciados tem mais força de ênfase, o leitor
precisa, inicialmente, retornar ao texto e fixar a qual país o texto se refere. Nesse exame,
utilizará a capacidade de correlacionar palavras de um mesmo campo de significação,
74
percebendo a intenção da banca em usar outra palavra (país) 31 , para se referir a Brasil,
conforme a linha 1 do texto.
O passo seguinte, a resolução da questão em si, envolve conhecimentos gramaticais
relativos ao aspecto verbal que, conforme Bechara (2009, p. 213), “alude à maneira de
considerar a ação verbal no tempo”: situando a locução verbal formada de infinitivo +
gerúndio na categoria tempo-aspecto da visão, na qual “o falante pode considerar a ação
verbal em seu todo ou parcialmente (...) entre dois pontos de seu curso”.
O fato de o Brasil estar reduzindo destaca sua visão global, que, segundo Bechara
(2009, p. 217) “acentua o conjunto da ação e a assinala expressamente como parcializante”,
ou seja, um momento entre vir a fazer e prosseguir fazendo. É o momento presente, uma ação
continuada que se verifica na construção. Ao incluir conseguindo, há uma acentuação da
globalidade, pois o efeito torna-se mais enfático, exatamente o que inquire o enunciado.
Nessa questão, fica clara a preocupação da banca/órgão em verificar as competências
do candidato em interpretação textual que, pela leitura apurada do trecho, inferiria da locução
verbal as características mencionadas e a maior ênfase pela inserção do gerúndio do verbo
conseguir; tudo isso, sem precisar realmente cumprir toda a análise técnica acima. Pela
ativação de suas habilidades leitoras, o candidato marcaria a questão como correta.
CESPE/STM/2004/Técnico Judiciário
1
4
7
10
É comum ouvir que o Brasil é um país onde há leis
que pegam e leis que não pegam, como se isso fosse uma
originalidade brasileira como a jabuticaba. É uma injustiça.
Há muitos países que sofrem com o mesmo problema.
As leis, principalmente as que interferem na vida
cotidiana dos cidadãos, requerem uma sintonia fina entre
vários componentes: aparato policial, comportamento
coletivo, grau de escolaridade etc. Do contrário, elas tendem
a não sair do papel. No Brasil, existe muita lei que não pega
por falta dessa sintonia. Ou não há polícia suficiente para
fazê-la ser cumprida. Ou a lei destoa fortemente de
arraigados hábitos coletivos. E assim por diante.
André Petry. Adultério e a desonesta. In: Veja, 22/9/2004, p. 93 (com adaptações).
31
Em aspectos constitucionais de um texto, um recurso amplamente utilizado é o da hiperonímia, no qual o
hiperônimo “são nomes que têm o valor semântico de categorizar, isto é, de reunir, numa classe, itens diferentes,
sob o enfoque de algum traço comum entre eles”. (ANTUNES, 2010, p. 129). Na questão, país é o hiperônimo e
Brasil o hipônimo, por se encaixar perfeitamente no campo semântico mais amplo do primeiro léxico.
75
Julgue os seguintes itens, a respeito das ideias e das estruturas linguísticas do texto acima.
1 O desenvolvimento do texto apresenta como deve ser entendido o significado do verbo ―pegam‖
(L.2) a respeito de algumas leis: sair do papel.
3 A oração ―É uma injustiça‖ (L.3) classifica qualquer opinião que restrinja o Brasil às suas
características agrícolas, ou a um simples cultivador de jabuticabas.
4 A expressão ―o mesmo problema‖ (L.4) retoma a ideia introduzida pela expressão ―É comum
ouvir‖ (L.1) e mostra que em outros países também são ditas muitas coisas que não correspondem à
verdade.
5 Por se tratar de uma situação que o texto deixa claramente hipotética, a substituição do modo
indicativo no verbo ―interferem‖ (L.5)pelo subjuntivo interferissem preservaria as relações de sentido
e a correção gramatical do texto.
Bem elaborada, a afirmação “3” é um exemplo do uso da concordância verbal em seu
aspecto discursivo. Além de querer levar o candidato a inferir algo que não está no texto,
leva-o a uma leitura mais apurada, de forma a perceber, por meio das palavras explícitas e a
ideologia que transmitem, ao que se refere à expressão é uma injustiça.
Para a resolução da questão, deve-se ir além da procura do sujeito que concorde com a
oração destacada e verificar que toda a ideia contida, antes dela, lhe corresponde. Ou seja, o
fato de se achar que o Brasil, assim como é o país de onde provém a jabuticaba, teria sido,
também, o responsável pela concepção de que existem leis que “pegam” e leis que “não
pegam”, seria uma injustiça. Logo, o item está incorreto.
O item “4” segue a mesma linha de raciocínio do anterior, mas o faz pelo caminho
contrário: retoma o trecho – o mesmo problema – a que se relaciona todo o trecho que se
inicia por é comum ouvir, para depois apresentar a ideia que em outros países também são
ditas coisas que não são verdadeiras. Item correto.
Já na assertiva “5”, a mudança da concordância de interferem por interferissem, além
de não preservar as relações de sentido e a correção gramatical do texto – seria preciso mudar
os demais verbos do texto, pois o modo subjuntivo é que daria caráter hipotético às ideias do
trecho, e não o modo indicativo pois, conforme afirma Bechara (2009, p. 275), o modo
indicativo é aquele que encerra “um fato real ou tido como real”.
CESPE/MPU/1999/Assistente Administrativo
Tributos e políticas de emprego
É claro que a maneira mais eficaz de combater
o desemprego seria ampliar diretamente a atividade
econômica. O desemprego cairia rapidamente se
pudéssemos aumentar os gastos do governo, reduzir a
taxa de juros, ampliar o crédito, e assim por diante.
76
Mas essa não é a única maneira de enfrentar o
problema. É possível manter e até mesmo ampliar o
emprego com outro tipo de políticas: as que focalizam
o lado da oferta. Por exemplo, a diminuição dos
custos de produção dos bens de serviços. Com
menores custos de produção dos bens e serviços. Com
menores custos, os preços caem - e os consumidores
ganham um forte incentivo para comprar. Resultado:
a demanda aumenta, induzida pelo lado da oferta.
(Hélio Zvlberstain, Folha de S. Paulo, 12/3/99 – com adaptações.).
10 Assinale a opção correta a respeito do uso dos tempos e modos verbais no texto.
a) Ao substituir a forma de presente em ―É‖ (l. 1) por Era, será obrigatório que todos os demais
verbos do texto sejam usados no pretérito.
b) Por causa do emprego da pessoa verbal de ―pudéssemos‖ (l. 4), a forma verbal ―ampliar‖ (l.
2)admite ser substituída por ampliarmos.
c) Mantém–se a correção gramatical com a substituição da expressão ―É possível manter‖ (l. 8) por
Se mantêssemos.
d) Mantém-se a correção gramatical com a substituição da oração ―Com menores custos, os preços
caem‖ (ls.13-14) por Se os custos fossem menores, os preços caem.
e) Mantém-se a mesma relação semântica com a substituição de ―induzida (l.16) por induzido.
Todos os itens levam o candidato a retornar ao texto e verificar, in loco, se as
alterações gramaticais propostas, consequentemente, levam a outras.
O item “A” indaga sobre a necessidade de se alterarem todos os verbos do texto, caso
o verbo É, que abre a dissertação, fosse flexionado no pretérito imperfeito do indicativo: Era.
Numa primeira tentativa, o candidato já perceberia que, a partir do verbo combater, o
experimento estaria frustrado. Os vários verbos conjugados no futuro do pretérito também
impediriam a flexão, por se referirem “a fatos dependentes de certa condição” (BECHARA,
2009, p. 223). Item incorreto.
Paralelismo sintático e concordância verbal: essas duas regras explicam a veracidade
do item “B”. O paralelismo corresponde às escolhas verbais do texto: como o verbo poder
está conjugado em primeira pessoa do plural do modo subjuntivo – pudéssemos -, todos os
demais, da sequência inserida no mesmo parágrafo, também poderiam ser conjugados da
mesma forma: “O desemprego cairia rapidamente se pudéssemos aumentar os gastos do
governo, reduzirmos a taxa de juros, ampliarmos o crédito (...)”. A concordância verbal torna
possível a alteração pelo fato de retomarem o mesmo sujeito gramatical, ou seja, por
permitirem a retomada dos mesmos morfemas de número e pessoa, no caso, a primeira pessoa
do plural.
Estes sujeitos gramaticais, quando necessários ao melhor conhecimento da
mensagem veiculada no texto, podem ser explicitados por formas léxicas que
guardam com os sujeitos gramaticais a relação gramatical de concordância
77
em número e pessoa. (...) em brincamos, o sujeito gramatical “1ª pessoa do
plural” está indicado pelo morfema –mos (...) (BECHARA, 2009, p. 409)
(Grifos no original).
A correção gramatical viria por terra, caso houvesse a substituição proposta no item
“C”. A conjugação correta do verbo manter no modo subjuntivo é se mantivéssemos. Item
errado. Mais uma vez, o paralelismo sintático e a concordância verbal explicam a afirmação,
porém, agora, equivocada: o modo subjuntivo, aplicado ao primeiro verbo da oração, exige
que o segundo vá para o condicional. Logo, a forma correta é: Se os custos fossem menores,
os preços cairiam.
No item “D”, a substituição de induzida por induzido não levaria à manutenção da
mesma relação semântica, mas ao equívoco de se “desconcordar” o verbo com o sujeito
demanda.
CESPE/Soldado/PMDF/2009
1
O fato de existir a necessidade de viver em
sociedade tem consequências muito sérias. Uma delas
é que os problemas de cada pessoa devem ser
4
resolvidos sem que sejam esquecidos os interesses dos
demais integrantes da mesma sociedade. Assim, não se
pode admitir como regra que, para resolver qualquer
7
dificuldade de um indivíduo, ou para atender aos
interesses de um só, todos os demais devam sofrer
prejuízos ou arcar com sacrifícios. Todo indivíduo tem
10
direito à proteção de sua liberdade, de sua integridade
física e de outros bens que são necessários para que
uma pessoa não seja rebaixada de sua natureza humana.
13
Mas, também em relação a esses direitos e valores, é
preciso ter em conta que todos são iguais, devendo
merecer a mesma proteção.
Dalmo de Abreu Dallari. O que é participação política, p. 18-9 (com adaptações).
Julgue os seguintes itens, a respeito das estruturas linguísticas e da organização das ideias do texto
acima.
78
4 - Mantém-se o texto coerente e gramaticalmente correto ao se substituir ―que uma pessoa não seja‖
(L.11-12) por uma pessoa não ser.
7 - Nas linhas 14 e 15, a oração iniciada pelo gerúndio ―devendo‖, uma vez que se adiciona à oração
anterior ―que todos são iguais‖ e complementa a expressão ―ter em conta‖, admite ser reescrita da
seguinte forma, retirando-se a vírgula após ―iguais‖: e devem merecer a mesma proteção.
No item “4”, a mudança proposta, que altera levemente a concordância verbal, não
traz maiores mudanças ao texto, a não ser, gramaticalmente, no complemento do substantivo
necessidade. Para chegar a essa conclusão, o candidato deve analisar a concordância verbal
em sua conceituação semântica, no qual “o verbo expressa os estados de coisas, ou seja, as
ações, os estados e os eventos de que precisamos dar conta quando falamos ou escrevemos”
(CASTILHO, 2010, p. 396).
Para o item seguinte – 7 – a verificação deverá se dar na análise discursiva da
concordância verbal. Assim, o candidato, verificando que a alteração sugerida ainda mantém e
qualifica o mesmo sujeito – todos – , “via processo de predicação” (CASTILHO, 2010, p.
396), perceberá que o verbo devem concorda com ele e manterá a verdade da afirmação.
3.4 RESULTADOS
Apesar de ambas as bancas apresentarem questões com funcionais, pretextuais e
estruturalistas, percebe-se que aquelas de caráter puramente estruturalistas estão restritas às
provas dos anos 1990 e mais constantes nas provas da ESAF. A pergunta pura sobre estrutura,
nomenclatura, conjugação dissociada do texto em que figuram, em sua maioria, adstritas a
anos anteriores de 2000. Ainda assim, mesmo nessas provas, foram percebidas algumas
questões de cunho funcional – não sobre concordância verbal – que constituíram minoria no
corpo das avaliações, e mais presentes em provas do Cespe.
A partir dos anos 2000 – ano do lançamento dos PCN. Percebe-se sutil mudança no
perfil das provas de LP das duas bancas examinadoras: as provas apresentam mais textos e as
questões associadas a eles buscam integrá-los nas análises a que se propõem. Contudo, como
demonstra a análise das questões que envolvem concordância verbal, os examinadores
continuam pecando pela apresentação de itens que simplesmente dispensam a leitura do texto,
ou só o utilizam este pretexto para alguma finalidade cuja verificação servirá apenas à
resposta e não à análise do texto e demonstração de competência leitora por parte do
candidato.
79
As provas aplicadas nos anos finais da última década, e início desta, apresentam muito
mais itens funcionalistas, avaliando eficazmente as competências e as habilidades em leitura
para a compreensão e acerto daquilo que a questão está pedindo. O candidato é convidado à
leitura aprofundada do texto, examinando seus constituintes em todos os níveis – desde os
lexicais às inferências –, a fim de se perceber a resposta adequada, sem memorização: nesse
caso, usa-se a lógica cuja apreensão deveria ter sido ensinada na escola, conforme as
instruções contidas nos PCN.
Apesar da visível evolução percebida nas avaliações das duas bancas, as questões
pretextuais ainda perduram, pautando-se na estrutura. Dessa forma, as examinadoras deixam
de lado o fim essencial que deveria ser averiguado em suas provas: a real proficiência dos
candidatos em LP, como usuários que sabem utilizar sua língua.
Nesse ínterim, a ESAF foi uma grata surpresa. Conhecida por valorizar questões do
tipo estruturalista, conforme visto na análise, suas provas mais atuais apresentam muitas
questões de cunho funcional. Claro que as questões pretextuais e estruturais ainda estão
presentes, mas em número muito reduzido. Como mencionado antes, essa condição não é a
ideal, mas a visão de que pessoas cultas sabem explicar, em termos técnicos, o porquê de um
sujeito composto ter de concordar com seu verbo em número, mesmo que essa mesma pessoa
conseguisse inferir isso pelo simples uso que faz da língua, ainda figura como demonstração
de prestígio e destaque. Logo, na lógica das bancas e dos órgãos que as contratam, questões
que demonstrem esse tipo de conhecimento são importantes, ainda.
O Cespe, desde anos anteriores à publicação dos PCN, já tinha preocupação em
escolher questões mais funcionais em suas avaliações. Com os anos, a tendência apenas se
confirmou e, com isso, o nível de suas provas também. O que não passa despercebido a
nenhum órgão ou aos “concurseiros” que enfrentam suas provas. No entanto, novamente,
mesmo que em escala muito pequena, as questões estruturais estão lá, escondidas, mas sendo
avaliadas, cujo erro pode anular uma questão correta, quiçá mais funcional...
A conjuntura atual, principalmente em LP, que ainda premia a memorização de regras
e reforça a falácia de que “o brasileiro não sabe falar sua língua materna”, autoriza a produção
de provas que visam a ter, nos quadros do serviço público, aqueles que conseguem memorizar
mais conteúdo. No entanto, um avanço está sendo feito: as mais modernas percepções
linguísticas estão sendo difundidas nos meios acadêmicos, escolares, governamentais e legais.
Nos concursos, já estão presentes e a tendência, conforme foi percebido nas provas
analisadas, é de sempre aumentar até serem completamente funcionais, como uma prova do
Enem.
80
81
CONCLUSÃO
A língua é um produto da atividade humana. Não há língua sem interação e a interação
se dá por meio de textos. E é essa visão que deveria permear todo o ensino de Língua
Portuguesa nas escolas brasileiras. Ciente disso, o Ministério da Educação, num esforço
conjunto com linguistas, gramáticos, professores elaborou os Parâmetros Curriculares
Nacionais como um guia a ser observado pelas escolas públicas do país.
Com as mais modernas abordagens acerca do fenômeno linguístico, o documento
propõe o desenvolvimento de série de competências e habilidades, que vão sendo aprimoradas
a cada ano escolar. Assim, ao cumprirem a última etapa, o Ensino Médio, espera-se que os
alunos tenham as aptidões e as capacidades suficientes para, caso escolham, ingressar na vida
acadêmica, seguir carreira na iniciativa privada ou tentar lograr um cargo público.
Assim, cada uma dessas escolhas dos egressos do Ensino Médio virá por meio da
realização de avaliações, de provas nas quais a Língua Portuguesa sempre figurará com
destaque. E nessas avaliações pode ser demonstrada a importância da visão de língua que lhe
foi repassada em sala de aula: se tudo o que foi ensinado será apenas para a demonstração da
sua capacidade em decorar nomenclaturas e regras; ou se utilizará seus conhecimentos em
situações reais. Caso escolha por seguir a carreira pública, isso será imprescindível.
Com o presente trabalho, por meio da análise de questões sobre concordância verbal
em provas de concursos públicos das bancas Cespe e ESAF, verificou-se que a visão
funcional da língua proposta pelos PCN para os conteúdos de Língua Portuguesa está sendo
aplicada em provas de certames públicos. Contudo, as examinadoras ainda inserem número
significativo de avaliações estruturais ou que utilizam o texto apenas como pretexto.
Os concursos buscam, de forma democrática, os mais qualificados a exercerem os
cargos públicos essenciais às funções estatais. Nessa busca, na elaboração dos certames para
tal fim, acabou-se deixando em segundo plano as reais competências, a preocupação com o
encaixe do servidor às atividades que serão desempenhadas no dia a dia. Em vagas voltadas
para egressos do Ensino Médio, em cujas atividades o uso da LP é constante, a própria
avaliação classificatória já é capaz de demonstrar se as competências e as habilidades do
candidato encaixam-se nas atribuições elencadas.
É importante que os órgãos/entidades públicas, ao escolherem as bancas que realizarão
os pleitos para a eleição de seus quadros de servidores, façam-no com indicações da
importância de, além de perceber a capacidade de retenção de conteúdos pelos candidatos,
que as provas podem, como o meio utilizado para a primeira percepção das qualificações do
82
candidato, aprofundar, desde a avaliação, a análise de todas as facetas do aspirante ajudará,
órgão/entidade e candidato a cumprirem melhor suas atribuições públicas.
As ideias advindas deste trabalho já preparam terreno para uma próxima pesquisa:
investigar como os servidores públicos lidam, no dia a dia, com a língua portuguesa. Será que
a avaliação pela qual eles passaram representa, ainda que parcialmente, a complexidade de
gêneros textuais com a qual ele se depara diariamente? A partir da resposta a essa pergunta,
será elaborado curso de formação que aborde LP sob um viés funcionalista.
E, obviamente, concordância verbal não ficará de fora das discussões!
83
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87
88
ANEXO – QUESTÕES DE PROVAS UTILIZADAS NAS ANÁLISES
89
Estruturalista
Funcionalista
90
91
Estruturalista
92
Estruturalista
93
Estruturalista
94
Pretextual
95
Pretextual
96
Pretextual
97
Pretextual
98
Funcionalista
99
Funcionalista
100
Estruturalista
101
Estruturalista
102
Estruturalista
103
104
Estruturalista
105
Banco do Brasil – Escriturário – 2008
Pretextual
106
Anvisa – 2007 – Técnico Administrativo
Pretextual
107
Anatel – 2004 – Técnico Administrativo
Pretextual
108
Abin – 2008 – Agente de Inteligência
Pretextual
109
ANS – 2005 – Técnico Administrativo
Funcionalista
110
STM – 2004 – Técnico Judiciário
Funcionalista
111
MPU – 1999 – Assistente Administrativo
Funcionalista
112
Funcionalista
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UNICEUB FACULDADE DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO E SAÚDE