Contexto histórico e cultural Enquanto a Europa se prepara para a Primeira Guerra Mundial, o Brasil começa a viver, a partir de 1894, um novo período de sua história republicana: com a posse do paulista Prudente de Morais, primeiro presidente civil, inicia-se a "República do café-com-leite", dos grandes proprietários rurais, em substituição a "República da Espada" (governos do marechal Deodoro e do marechal Floriano). É a áurea da economia cafeeira no Sudeste; é o movimento de entrada de grandes levas de imigrantes, notadamente os italianos; é o esplendor da Amazônia com o ciclo da borracha; é o surto de urbanização de São Paulo. Mais história... Mas toda esta prosperidade vem deixar cada vez mais claros os fortes contrastes da realidade brasileira. É, também, o tempo de agitações sociais. Do abandono do Nordeste partem os primeiros gritos da revolta. Em fins do século XIX, na Bahia, ocorre a Revolta de Canudos, tema de Os sertões, de Euclides da Cunha; nos primeiros anos do século XX, o Ceará é o palco de conflitos, tendo como figura central o padre Cícero, o famoso "Padim Ciço"; em todo o sertão vive-se o tempo do cangaço, com a figura lendária de Lampião. ... O Rio de Janeiro assiste, em 1904, a uma rápida, mais intensa revolta popular, sob o pretexto aparente de lutar contra a vacinação obrigatória idealizada por Oswaldo Cruz; na realidade, tratava-se de uma revolta contra o alto custo de vida, o desemprego e os rumos da República. Em 1910, há outra importante rebelião, desta vez dos marinheiros liderados por João Cândido, o "almirante negro", contra o castigo corporal, conhecida como a "Revolta de Chibata". Ao mesmo tempo, em São Paulo, as classes trabalhadoras sob a orientação anarquista, iniciam os movimentos grevistas por melhores condições de trabalho. Essas agitações são sintomas de crise na "República do cafécom-leite", que se tornaria mais evidente na década de 1920, servindo de cenário ideal para os questionamentos da Semana da Arte Moderna. Cangaço Construir uma Literatura em sintonia com os acontecimentos As primeiras décadas do Séc. XX, trouxeram ao público obras de grande valor literário e social. Difícil traçar um panorama estético que englobe todos os autores que escreveram nesta época. Outra característica importante: Nas obras é possível reconhecer traços de algumas escolas literárias do final do Séc. XIX. Essa época não constitui nenhuma escola literária e sim um período de transição! Pré Modernismo Autores: Euclides da Cunha Monteiro Lobato Lima Barreto Graça Aranha Augusto dos Anjos Início – 1902 – Publicação de “Os sertões” de Euclides da Cunha. Término – 1922 – Semana de Arte Moderna Estilos e Objetivos distintos O primeiro traço de união que surge, entre os pré modernos, é o de procurar criar um Brasil “literário” que corresponda ao país real, abandonando as visões particularizadas da elite e dos grandes centros urbanos. Aproximam o momento histórico vivido e a trama desenvolvida nos romances. Linguagem se modifica, torna-se mais direta, mais objetiva, mais próxima da linguagem característica do texto jornalístico. Das Primeiras obras Publicadas surgem: Tendências que serão como bandeiras para os Modernistas: A dessacralização do texto literário Utilização de um português mais brasileiro Crítica à realidade social e econômica contemporânea Enfim, a constituição de uma literatura que retrata verdadeiramente o Brasil. Euclides da Cunha Publicou “os Sertões”, em que retrata o conflito entre os seguidores do líder messiânico Antônio Conselheiro e as forças do exército brasileiro. Naturalismo, Determinismo; Mais tarde caráter aprofundado pela segunda geração – Regionalismo; A terra – O homem – A luta. Primeiras impressões É uma paragem impressionadora. As condições estruturais da terra lá se vincularam à violência máxima dos agentes exteriores para o desenho de relevos estupendos. O regime torrencial dos climas excessivos, sobrevindo, de súbito, depois das insolações demoradas, e embatendo naqueles pendores, expôs há muito, arrebatando-lhes para longe todos os elementos degradados, as séries mais antigas daqueles últimos rebentos das montanhas: todas as variedades cristalinas, e os quartzitos ásperos, e as fílades e calcários, revezando-se ou entrelaçando-se, repontando duramente a cada passo, mal cobertos por uma flora tolhiça — dispondo-se em cenários em que ressalta predominante, o aspecto atormentado das paisagens. Porque o que estas denunciam — no enterroado do chão, no desmantelo dos cerros quase desnudos, no contorcido dos leitos secos dos ribeirões efêmeros, no constrito das gargantas e no quase convulsivo de uma flora decídua embaralhada em esgalhos — é de algum modo o martírio da terra, brutalmente golpeada pelos elementos variáveis, distribuídos por todas as modalidades climáticas Lima Barreto A inovação se dará por sua preocupação de traçar, de forma bastante fiel, quadros que retratem a vida cotidiana nos subúrbios do Rio de Janeiro. Em seus romances acompanharemos: O dia-a-dia do funcionário público Moças que esperam pacientemente a hora do casamento Mulatos perseguidos pelo preconceito social Triste fim de Policarpo Quaresma Embate entre o real e o ideal. Amar a pátria não significa apenas mantê-la como objeto de adoração. Ser patriota é conhecer as condições do país e tentar melhorá-lo. Apostila pág. 21-22 Monteiro Lobato Denunciar a decadência do povo do interior, principalmente com o declínio do cultivo de café na região do Vale da Paraíba. Jeca Tatu, personagem marginalizada, caboclo ignorante, medíocre; O Brasil está cheio de Jecas Tatus. Depois o autor chega a conclusão que é o sistema que remete o povo a esse modo de existência. Augusto dos Anjos Desde 1900 aparecem poemas de Augusto dos Anjos publicados em jornais e almanaques. De definição literária complexa, pode-se notar forte influência simbolista. Seus poemas serão, mais tarde, publicados em seu único livro, denominado “Eu”. Tendência pré modernista Gosto pelas imagens fortes e pela construção formal deixam claro sua ligação com o simbolismo; O que o diferencia de qualquer outra escola literária e que o faz ser associado às novas tendências é: Objeto dos poemas; Divagações metafísicas; Vocabulário cientificamente calculado; Augusto dos Anjos Junção de todas as tendências e de outras mais vindas da ciência que tanto o apaixonava. Versos Íntimos Vês! Ninguém assistiu ao formidável Enterro de tua última quimera. Somente a Ingratidão - esta pantera Foi tua companheira inseparável! Acostuma-te à lama que te espera! O Homem, que, nesta terra miserável, Mora, entre feras, sente inevitável Necessidade de também ser fera. Toma um fósforo. Acende teu cigarro! O beijo, amigo, é a véspera do escarro, A mão que afaga é a mesma que apedreja. Se a alguém causa inda pena a tua chaga, Apedreja essa mão vil que te afaga, Escarra nessa boca que te beija! Olhar pessimista Desilusão e abandono acompanham o eu lírico O ser humano está fadado à solidão Contexto Histórico A primeira fase do Modernismo no Brasil estende-se de 1922 a 1930. Período em que o Brasil vive o fim da chamada República velha, quando as oligarquias ligadas aos grandes proprietários rurais detinham o poder. Em termos econômicos, o mundo encaminhava-se para um colapso, concretizado pela quebra da bolsa de Nova Iorque, em 1929. O Brasil, que dependia em grande parte das exportações de café, sofreu um duro golpe com a quebra da bolsa e passou a vivenciar um período de grande instabilidade econômica. A semana de Arte Moderna Em 1917, Anita Malfatti realizou uma exposição de quadros. Monteiro Lobato, que assistiu a exposição, publicou um polêmico texto: Paranóia ou mistificação? No Estado de São Paulo Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que vêem normalmente as coisas e em consequência disso fazem arte pura, guardando os eternos ritmos da vida, e adotados para a concretização das emoções estéticas, os processos clássicos dos grandes mestres. Quem trilha por esta senda, se tem gênio, é Praxíteles na Grécia, é Rafael na Itália, é Rembrandt na Holanda, é Rubens na Flandres, é Reynolds na Inglaterra, é Leubach na Alemanha, é Iorn na Suécia, é Rodin na França, é Zuloaga na Espanha. Se tem apenas talento, vai engrossar a plêiade de satélites que gravitam em torno daqueles sóis imorredouros. A outra espécie é formada pelos que vêem anormalmente a natureza, e interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva. São produtos do cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência: são frutos de fins de estação, bichados ao nascedouro. Estrelas cadentes, brilham um instante, as mais das vezes com a luz do escândalo, e somem-se logo nas trevas do esquecimento. Embora eles se dêem como novos precursores duma arte a vir, nada é mais velho do que a arte anormal ou teratológica: nasceu com a paranóia e com a mistificação. De há muito já que a estudam os psiquiatras em seus tratados, documentando-se nos inúmeros desenhos que ornam as paredes internas dos manicômios. A única diferença reside em que nos manicômios esta arte é sincera, produto ilógico de cérebros transtornados pelas mais estranhas psicoses; e fora deles, nas exposições públicas, zabumbadas pela imprensa e absorvidas por americanos malucos, não há sinceridade nenhuma, nem nenhuma lógica, sendo mistificação pura. Contra-ataque! O grupo modernista decide, em razão do ataque sofrido, unir-se em torno de objetivos comuns, em uma tentativa de tornar mais visível para a opinião pública as novas tendências artísticas européias. Ano de 1922 – dias 13, 15 e 17 de fevereiro No Teatro municipal de São Paulo, em noite de gala, seriam realizados os eventos da Semana de Arte Moderna!! Os sapos – Manoel Bandeira Enfunando os sapos, saem da penumbra, Aos pulos, os sapos A luz os deslumbra. Em ronco que aterra, Borra o sapo-boi: Meu pai foi à guerra! Não foi! - Foi! - Não Foi! O sapo-tanoeiro Parnasiano aguado, Diz: -Meu cancioneiro é bem martelado. O meu verso é bom Frumento sem joio Faço rimas com Consoantes de apoio. Vai por cinqüenta anos Que lhes dei a forma: Reduzi sem danos A formas e a forma. Clame a saparia Em críticas céticas: Não há mais poesia, Mas há artes poéticas... Urra o sapo-boi: - Meu pai foi rei! - Foi! - Não foi! - Foi! - Não foi! Brada era um assomo O sapo tanoeiro A grande arte é como lavor de joalheiro Outros, sapos-pipas (Um mal cabe em si) Falam pelas tripas - Sei! - Não sabe! - Sabe! Longe dessa grita, Lá onde mais densa A noite infinita Verte a sombra imensa Lá, fugido ao mundo, Sem glória, sem fé, No perau profundo E solitário, é Que soluças tu, Transido de frio Sapo-cururu Da beira do rio..." Resultado Positivo!!! Embora causassem escândalo, os modernistas se fizeram notar! Deixaram claro que não tinham apenas intenções artísticas, mas um conjunto de obras em que as novas propostas eram concretizadas, demonstrando a viabilidade dos novos rumos estéticos. Revistas e Manifestos Revistas: era criado espaço para as divulgações das produções literárias inspiradas pela nova visão artística. Manifestos: funcionavam como espaço de definição e divulgação dos próprios princípios modernistas. Klaxon O primeiro número da revista foi aberto por um editorial manifesto: A busca do atual O culto ao progresso Afirmação de que arte não é cópia da realidade Incorporação de novas formas artísticas, como o cinema. Revista de Antropofagia Como conciliar o direito à inovação estética com o peso da tradição? Como estabelecer o limite entre o regional, o nacional e o universal? O objetivo dos antropófagos era de promover uma nova agitação cultural, de modo a manter acesas as inquietações estéticas e culturais que deram origem ao Modernismo Brasileiro, que nos últimos anos assumira uma face bem acomodada. Outras Revistas Estética, 1924. A revista, 1925-1926. Terra Roxa e Outras Terras, 1926. Verde, 1927. Manifesto Pau-Brasil – Oswald de Andrade No manifesto, Oswald ironiza e critica a visão “oficial” da história brasileira. Contrapondo a uma visão parótica e bem humorada. Princípios do primeiro momento da literatura modernista: “Ver com olhos livres”. Fazer uso da língua sem preconceitos, tal qual se manifesta na fala popular “a contribuição milionária de todos os erros”. Recuperação do passado histórico sob uma perspectiva crítica. Manifesto Antropófago Oswald de Andrade, lança esse manifesto como resposta ao nacionalismo do Grupo da Anta, movimento conservador, associado ao fascismo. Valendo da antropofagia como metáfora do que deveria ser culturalmente repudiado, assimilado e superado para que alcançássemos uma verdadeira independência cultural. O escritor sintetiza as conquistas do movimento modernista ao mesmo tempo que lança um lema para os tempos futuros: Tupy or not Tupy that is the question. Assumindo um tom contestador e anarquista, Oswald propõe, no “Manifesto Antropófago”, o caminho contrário ao das correntes nacionalistas que defendiam a idealização de um estado forte. Postura Nacionalista apresenta duas vertentes distintas: de um lado, um nacionalismo crítico, consciente, de denúncia da realidade brasileira, politicamente identificado com as esquerdas; de outro, um nacionalismo ufanista, utópico, exagerado, identificado com as correntes políticas de extrema direita. Características Literárias A primeira fase do modernismo, marcada pelo signo de transformação, ficou conhecida como fase “heróica” ou de destruição. Tal designação deveu-se, em grande parte, à opção pelo rompimento com o passado, postura vista por muitos como anárquica e destruidora. Negação do passado; Eleição do moderno como um valor em si mesmo; Valorização do cotidiano; Nacionalismo; Redescoberta da realidade brasileira; Desejo de liberdade no uso das estruturas da língua; Predominância da poesia sobre a prosa; Poemas-piadas e paródias Canto de regresso à pátria Canção do exílio Oswald de Andrade Gonçalves Dias Minha terra tem palmares Onde gorjeia o mar Os passarinhos daqui Não cantam como os de lá Minha terra tem mais rosas E quase que mais amores Minha terra tem mais ouro Minha terra tem mais terra Ouro terra amor e rosas Eu quero tudo de lá Não permita Deus que eu morra Sem que volte para lá Não permita Deus que eu morra Sem que volte pra São Paulo Sem que veja a Rua 15 E o progresso de São Paulo Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores. Em cismar, sozinho, à noite, Mais prazer eu encontro lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Minha terra tem primores, Que tais não encontro eu cá; Em cismar –sozinho, à noite– Mais prazer eu encontro lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que disfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu'inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá. Oswald de Andrade A obra de Oswald de Andrade talvez seja a única a reunir todas as características que marcaram a primeira fase do Modernismo. Ele escreveu poesia, romance, teatro, crítica e, em todos os gêneros, deixou patente sua vocação para transgredir, quebrar expectativas, polemizar. Revolucionou! Transformação de textos do período colonial em poemas que assumem uma conotação crítica da história “oficial” do Brasil. Pero Vaz de Caminha A DESCOBERTA Seguimos nosso caminho por este mar de longo Até a oitava da Páscoa Topamos aves E houvemos vista de terra OS SELVAGENS Mostraram-lhes uma galinha Quase haviam medo dela E não queriam pôr a mão E depois a tomaram como espantados Prosa Os romances escritos por Oswald de Andrade trouxeram para a Literatura Brasileira uma estrutura inovadora. Os capítulos curtos emprestam à narrativa características da linguagem cinematográfica, como uma sequência de cenas encadeadas de um imenso mosaico em que a realidade nacional é flagrada em flashes rápidos. Mário de Andrade Escreveu poesia, prosa e contos. Foi o primeiro que escreveu um texto teórico, no Brasil, sobre a natureza da arte contemporânea – No prefácio de Paulicéia Desvairada. Poesia Encontramos em suas poesias um fluxo de lirismo, muitas vezes associado ao cotidiano. Além de uma visão crítica da elite, e a afirmação da possibilidade de uma existência multifacetada (pessoal e cultural). Ode ao Burguês Eu insulto o burguês! O burguês-níquel o burguês-burguês! A digestão bem-feita de São Paulo! O homem-curva! O homem-nádegas! O homem que sendo francês, brasileiro, italiano, é sempre um cauteloso pouco-a-pouco! Eu insulto as aristocracias cautelosas! Os barões lampiões! Os condes Joões! Os duques zurros! Que vivem dentro de muros sem pulos, e gemem sangue de alguns mil-réis fracos para dizerem que as filhas da senhora falam o francês e tocam os "Printemps“[primavera] com as unhas! Eu insulto o burguês-funesto[cruel]! O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições! Fora os que algarismam os amanhãs! Olha a vida dos nossos setembros! Fará Sol? Choverá? Arlequinal[Arlequim – palhaço]! Mas à chuva dos rosais o êxtase fará sempre Sol! Morte à gordura! Morte às adiposidades cerebrais! Morte ao burguês-mensal! Ao burguês-cinema! Ao burguês-tiburi! Padaria Suíssa! Morte viva ao Adriano! "— Ai, filha, que te darei pelos teus anos? — Um colar... — Conto e quinhentos!!! Más nós morremos de fome!" (...) Prosa Assim como na prosa de Oswald, Mário apresenta um questionamento das estruturas típicas do romance do século XIX. O autor experimenta diferentes organizações para a prosa: ora eliminando a marcação de capítulos, ora criando um narrador, que embora onisciente, atua quase como uma personagem do livro, numa linguagem que explicitava a busca do português “brasileiro”. Macunaíma Texto responsável pela redefinição do “herói” brasileiro. A personagem, a cada instante, se transforma assumindo as feições das diferentes raças que originaram o povo brasileiro (índio, negro e europeu). Manuel Bandeira A solidão, as frustrações provocadas por uma vida limitada pela tuberculose, uma ternura imensa e a capacidade de perceber o lirismo nas pequenas coisas da vida, serão as marcas características da poesia de Manuel Bandeira. Poesias Inovação modernista – uso de formas livres, tanto no que diz respeito a métrica, quanto a rima. Capacidade de ver as cenas mais banais do diaa-dia filtradas por lentes críticas e de recriá-las poeticamente em uma linguagem simples. Sua história pessoal empresta aos poemas que escreve uma forte consciência da precariedade da vida. Poética – pág. 25 Estou farto do lirismo comedido Do lirismo bem comportado Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor. Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo. Abaixo os puristas Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis Estou farto do lirismo namorador Político Raquítico Sifilítico De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo De resto não é lirismo Será contabilidade tabela de cosenos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc Quero antes o lirismo dos loucos O lirismo dos bêbedos O lirismo difícil e pungente dos bêbedos O lirismo dos clowns de Shakespeare — Não quero mais saber do lirismo que não é libertação. Momento num café Quando o enterro passou Os homens que se achavam no café Tiraram o chapéu maquinalmente Saudavam o morto distraídos Estavam todos voltados para a vida Absortos na vida Confiantes na vida. Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado Olhando o esquife longamente Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade Que a vida é traição E saudava a matéria que passava Liberta para sempre da alma extinta Novo caminho a ser trilhado Manuel Bandeira foi o único que conseguiu produzir uma poesia que, embora refletindo as transformações estéticas do momento, transcendeu seus limites históricos e refletiu sobre angústias e conflitos de natureza universal, como o amor, a paixão pela vida, a saudade de uma infância idealizada e o medo da morte.