A EXPRESSÃO DO CANTO SAGRADO NA TRADIÇÃO DA IGREJA Mateus Morais e Silva Pe. José Humberto Motta / Pe. Antônio Élcio De Souza Faculdade Católica de Filosofia e Teologia de Ribeirão Preto O presente artigo tem como objetivo apresentar passos relevantes da música sacra na liturgia. Especificamente a partir do Concílio de Trento, alguns escritos podem auxiliar no que se refere à evolução do canto na história da Igreja, tendo em vista a importância desta arte no culto cristão. É necessário salientar que aqui não se trata em esgotar das fontes e teorias que são precisas para compreender os caminhos percorridos na história da música e da religiosidade, mas de expor os aspectos culturais, na busca do conhecimento sobre a significação da música na tradição religiosa. A tradição musical de toda a Igreja é um tesouro de inestimável valor, que se sobressai entre todas as outras expressões de arte, sobretudo porque o canto sagrado, intimamente unido com o texto, constitui parte necessária ou integrante da liturgia solene. O canto sacro foi enaltecido quer pela Sagrada Escritura, quer pelos Santos Padres e pelos Romanos Pontífices, que recentemente, a começar por São Pio X, salientaram, com insistência, a função ministerial da música sacra no culto divino. (SC 112). O paganismo, com sua crença em vários deuses, crê firmemente na força sobrenatural dos espíritos bons e maus, cada deus com sua atribuição específica. É correto afirmar que a música dos cultos da antiguidade possui sentido abrangente. Isto porque desde os gritos ou ruídos rítmicos – que executavam com as mãos em troncos vazios – até a melodia mais artística e bem elaborada, concebia sua primeira função, que era a de afastar os espíritos maus. No entanto, posteriormente, aproximar, estar junto à divindade seria o motivo pelo qual positivamente contribuia tanto na vida do indivíduo, como para o bom êxito do culto. Neste sentido a música é retratada em várias passagens bíblicas, já desde o Antigo Testamento (Is 6,3) e também no Novo Testamento (Mt 26,30), sempre diretamente relacionada à festa, e no sentido religioso na sua forma celebrativa de homenagem a Deus. Existiram algumas lendas populares que nortearam alguns escritos, como o de Clemente de Alexandria e Eusébio de Cesareia, apontando a lenda de Orfeu, que acompanhado com a lira e também com a virtude mágica de seu canto, amansa animais selvagens. Isto para esclarecer determinado aspecto da mensagem cristã. A música sacra que refere-se a textos religiosos e possui algumas características que estão intimamente ligadas à liturgia da missa. A liturgia estando dividida em duas partes principais, liturgia da Palavra e liturgia Eucarística, é abastecida de ricos e significantes elementos que envolvem a assembleia desde os primeiros séculos da era cristã. A Idade Média, com seu marco inicial na queda do império romano, gozava da expansão do cristianismo. A dimensão musical se desenvolve e evolui com a contribuição dos monges, que continuaram a desenvolver a escrita e a teoria musical. Surgiu então a necessidade de unificar e de fortalecer o cristianismo e, para isso, São Gregório Magno, monge beneditino eleito papa em 590, compilou e selecionou uma série de cânticos litúrgicos com qualidade e dignos de culto. Reuniu alguns cânticos já existentes e outros de sua própria autoria numa coletânea intitulada de Antifonário. A esta forma de cantar deu-se o nome de Canto Gregoriano, que era basicamente uma forma de oração para demonstrar o amor a Deus. Inicia-se nesta época uma grande separação entre a música religiosa e a música popular. O que fundamentalmente as distinguia eram os instrumentos. Foi nesta ocasião então, que a Igreja tomou para si como instrumento por excelência, o órgão. Ao passo que a Igreja gradualmente se expande, vai construindo e adquirindo características próprias, e assim os cantos e hinos começam também a se distinguir, sagrado e profano. É nesta perspectiva que o Concílio de Trento, convocado pelo Papa Paulo III, no ano de 1546, teve como objetivo unir a Igreja e combater, de certa forma, os abusos. O protestantismo se expandia: enquanto os protestantes afirmavam que a Escritura Sagrada é a única regra de fé e prática dos cristãos, o Concílio colocava a Tradição e os Dogmas Papais no mesmo patamar de igualdade com a Bíblia. Com esta consequente expansão, mudanças radicais foram surgindo e influenciando diretamente a vida Igreja. O Concílio de Trento, de certa maneira, proibiu o uso de melodias profanas em contexto sacro. E recomendou que as letras fossem mais edificantes e inteligíveis. O final do século XVII testemunhou o florescimento da música sacra. Hinos, motetos e salmodias tornaram-se populares. As cidades começaram a competir entre si para ver qual delas tinha o melhor coro e a melhor orquestra. Com o canto gregoriano a música sacra vive o seu momento de esplendor, que por sua vez foi difundido pelos missionários cristãos. Vale ressaltar que neste período os cantos eram aclamados em latim, idioma oficial da Igreja, mesmo que os fiéis não compreendessem o que estava sendo proclamado nas celebrações. Os cultos vão então ganhando aspectos nobres, devido aos instrumentos (órgãos, violinos, dentre outros) que proporcionava facilmente a associação com o sagrado. É neste Concílio que a Igreja toma a primeira medida a respeito dos excessos na música. No momento em que a música torna-se elemento importante no culto, a Igreja toma uma posição mais sistemática, orientando as comunidades para que não haja excessos. A música percorre o caminho da história da religiosidade popular, permanecendo assim até os dias hodiernos. Diante a diversidade de culturas, alguns instrumentos e técnicas caracterizam o Sagrado, atraem e infuenciam o espírito humano a se envolver na atmosfera sobrenatural. Com todo este poder que é próprio da música, ela contém em sua essência litúrgica o objetivo de reunir a comunidade religiosa num momento de comtemplação. A contemporaneidade é caracterizada fortemente pelo respeitável Concílio Vaticano II, que norteia todo o caminho da música litúrgica a ser percorrido. Até o concílio Vaticano II a Igreja distinguia música sacra do canto religioso, popular e música secular (ou como era denominado anteriormente ‘profana’). Música Sacra era utilizada na celebração litúrgica, e essa restringia-se ao Canto gregoriano como sendo o canto oficial da Igreja para a liturgia, mas não descarta o canto polifônico e outros gêneros. Aos poucos, o canto religioso que já era permitido em celebrações não solenes e outros momentos da vida da comunidade, foi ocupando seu espaço nas missas. (MADUREIRA, Aristides Luis. Ministério de Música. p.28). Na Sagrada Escritura, o canto é atributo próprio dos cultos, no entanto, a Igreja emana por meio dos Vigários de Cristo determinado relevo quanto a função ministerial da música no culto divino. Por esse motivo a música sacra será tanto mais santa quanto mais intimamente estiver unida à ação litúrgica, quer como expressão mais suave da oração, quer favorecendo a unanimidade, quer, enfim, dando maior solenidade aos ritos sagrados. A Igreja, porém, aprova e admite no culto divino todas as formas de verdadeira arte, dotadas das qualidades devidas. (SC. 112). A Igreja expressa claramente, através da Sacrosanctum Concilium, que os cantos populares também podem ser expressos de forma oracional. Pois são frutos da expressão de um povo reunido em nome da fé, que celebram o mistério de Cristo Ressuscitado. Mas também orienta que tais cantos, devem estar de acordo com as orientações litúrgicas, que se fundamentam na Sagrada Escritura e na Vida da Igreja. O documento, do mesmo modo, reconhece o apreço e estima de toda a Igreja para com os compositores cristãos, que conduzidos pelo Espírito de Deus, se avigoram em contribuir com a expressão religiosa. São dignos de formação e atenção especial por parte dos pastores, para que assim por meio desse dom, sejalhes possível auxiliar os irmãos na fé a se edificarem na liturgia pelo canto. Em toda a história da Igreja, dos primórdios até o presente momento percebe-se a importante contribuição dada pelos músicos, que através desta arte de expressar a oração colaboraram na evangelização dos povos. "A tradição musical de toda a Igreja constitui um patrimônio de inestimável valor, que sobressai entre as outras expressões de arte, especialmente pelo fato de que o canto sacro, unido às palavras, é uma parte necessária e integral da liturgia solene". (JOÃO PAULO II, Quirógrafo sobre a música litúrgica - 2003) Menciona ainda o Quirógrafo que a música litúrgica tem a função de conduzir todos os crentes para a vida de santidade, visando seu fim último que é a vida eterna. Não podendo ser confundida com um ato profano ou secular, o canto litúrgico por si só, na oração cristã traz consigo a sacralidade que deve contagiar todos os fiéis. Tais cantos precisam estar bem orientados conforme as reformas ocorridas, estando abertas às realidades da enculturação, necessárias para o bom êxito da propagação da fé, não perdendo de vista a sua função sacra no corpo da celebração. É desnecessário querer adaptar uma música profana com uma letra religiosa (paródias), pois a riqueza da liturgia é extensa em sua inspiração. Com isso corre-se o risco de enaltecer a melodia e tirar da compreensão do fiel, a importância da sacralidade da música. É preciso preservar a catolicidade de tais cantos, não confundindo a mente do povo com cantos de outras denominações religiosas, pois estes não expressam o sentido sacro cristão. Mesmo que falem do Sagrado, em si não concordam com o mistério que a Igreja prega e professa. A Igreja sugere que haja boa formação de música sacra nas casas de formação, para que assim os ministros ordenados saibam pastorear e formar o povo de Deus que lhes é confiado, ensinando-lhe a se expressar com o canto nas celebrações de maneira correta e ordenada. Concluindo, o Concílio, visando maior participação por parte dos fiéis, gerou mudanças significativas, que permitem até os tempos hodiernos contemplar a riqueza e a perfeição que possui a Santa Missa. No entanto todos têm o dever de participar ativamente da liturgia, em todo o seu contexto. Os cantos devem ser acessíveis na sua compreensão, para melhor participação dos fiéis, que buscam proclamar seu amor naquele que é adorado continuamente pela corte celeste, que o exalta com o canto infindável. Assim, a Igreja peregrina canta (com suas limitações), o que será aclamado infinitamente na perfeição da eternidade. “Cantar é próprio de quem ama” (Santo Agostinho). Referências Bibliográficas. MADUREIRA, Aristides Luis. Ministério de Música – I Fase. Uberlândia: A Partilha, 2007. BASURKO, Xavier. O canto cristão na tradição primitiva. Tradução Celso Márcio Teixeira. São Paulo: Paulus, 2005. Disponível em: http://www.citi.pt/ciberforma/claudia_lopes/idade_media.html>. Acesso em 13. jun. 2011. CONCÍLIO VATICANO II, Constituição Sacrosanctum Concilium (1967). JOÃO PAULO II, Quirógrafo sobre a música litúrgica (2003). PIO X, Motu Proprio “Trale Sollicitudine” sobre a música litúrgica (1903). PIO XI, Constituição Apostólica “Divini Cultus” sobre liturgia, canto gregoriano e música sacra (1928).